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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLA

INSTITUTO SUPERIOR JOÃO PAULO II


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E
POLÍTICA SOCIAL

A VENDA INFORMAL COMO ESTRATÉGIA DE


SOBREVIVÊNCIA DOS JOVENS DO BAIRRO ROCHA PINTO EM
LUANDA

AUTOR:
JORGE MANUEL CHIQUINHO

LUANDA
2023
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLA

INSTITUTO SUPERIOR JOÃO PAULO II

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA


SOCIAL

A VENDA INFORMAL COMO ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA DOS


JOVENS DO BAIRRO ROCHA PINTO EM LUANDA

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Universidade Católica de
Angola, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Serviço Social, sob a
orientação do Professor Doutor Daniel
Luciano Muondo

LUANDA
2023
Chiquinho, Jorge Manuel

A venda informal como estratégia de sobrevivência dos


jovens do bairro rocha pinto em Luanda.

Dissertação de Mestrado – Serviço Social – Faculdade de


Ciências Sociais – UCAN

1. Pobreza. 2. Trabalho informal – Comércio ambulante. 3.


Guerra Civil. 4. trajetória de vida.
Banca Examinadora

__________________________________

__________________________________

__________________________________
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
EPIGRAFE

A educação é a arma mais


poderosa que você pode usar para
mudar o mundo.”

Nelson Mandela.
LISTA DEQUADROS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
RESUMO
ABSTRACT
SUMARIO
INTRODUÇÃO
Como nota introdutria consideramos pertinente trazer a discussão
áspectos relevantes a venda informal em Luanda como estratégia de
sobrevivência dos jovens do bairro rocha pinto aonde na qual, o comércio
ambulante surge fortemente como expressão da pobreza e da desigualdade
socioeconômica resultantes de altas taxas de desemprego e de precarização
do trabalho.

O mesmo enquadra-se no âmbito do curso de Mestrado em Serviço


Social e Política Social no Instituto Superior João Paulo II (ISUP) da
Universidade Católica de Angola, para dar sustentabilidade ao nosso tema
apresentamos como objetivo geral: Analisar as dinâmicas de venda informal
como estratégias de sobrevivência dos jovens em Luanda, no bairro Rocha
Pinto, e objectivos especificos: Caracterizar o Perfil sócio económico dos
jovens vendedores ambulantes em Luanda no bairro Rocha Pinto; Conhecer as
dinâmicas de venda informal como estratégia de sobrevivência dos jovens do
bairro Rocha Pinto na cidade de Luanda; Descrever as estratégias de venda
adoptadas pelos jovens vendedores de rua no bairro Rocha Pinto na cidade de
Luanda.

A natureza e o objetivo deste estudo foi captar o movimento da realidade


em que se move o sujeito da investigação, o que exige uma abordagem
qualitativa.

Neste sentido, segundo Chizzotti (2000) , parte-se do princípio de que


existe uma relação dinâmica entre o mundo real, o sujeito e o objeto de
pesquisa, e que há um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito.

Ja na metodologia procuramos apresentar alguns passos metodológicos,


que a nossa dissertação seguiu no desenvolvimento da pesquisa, dentre o
método adoptado, as fases da pesquisa, bem como os instrumentos utilizados
na recolha de informações.

A literatura desenvolvida sobre este tema e o estudo bibliográfico


ajudaram na escolha da metodologia e lançaram as bases para a elaboração
das questões e dos problemas conceptuais que orientam este estudo. Como
instrumento de recolha de dados, optámos por utilizar entrevistas como forma
de interação social.

Portanto, este tema nós permitiu ver a realidade dos jovens envolvidos
na venda ambulante na cidade de Luanda, precisamente no Bairro Rocha
Pinto, permitiu-nos tambem perceber novas dimensões que ate então eram
desconhecidas.

Ao fazê-lo, podemos afastar-nos das certezas e compreender as


incertezas, as lutas e as experiências quotidianas das pessoas que tentam dar
sentido à sua existência em realidades diferentes, superando os rótulos que a
sociedade, muitas vezes, muito bem sabe atribuir, sem nenhuma preocupação
em conhecer areal história que a trajetória de rua encobre.

Porém, este projecto resulta de uma investigação, sobre as atividades


informais desenvolvidas pelos jovens do bairro Rocha Pinto em Luanda, como
estratégia de sobrevivência.

Angola viveu um período longo de guerra e muitas famílias tiveram de


deixar as suas áreas de origens e refugiar-se nas cidades, que apresentavam
maior segurança.

Luanda, a capital do país recebeu muitas famílias vindas de outras


províncias, na sua maioria das áreas rurais. Essa situação provocou um
crescimento urbano numa cidade que não havia infra estruturas sociais e
emprego, para responder aos desafios impostos pelo êxodo rural.

A história económica, social e política de Angola tem sido marcada por


diferentes abordagens, no que toca a gestão e afetação dos recursos
humanos, como financeiros e técnicos disponíveis (Amaral, 2005).

As opções sociais, económicas e políticas adoptadas ao longo dos


tempos, principalmente após a conquista da paz em 2002, foram no sentido de
repor e alargar a administração do Estado às regiões anteriormente afectadas
pela guerra. Em, 2003 o governo angolano aprovou um Programa Inter
Ministerial designado Estratégia de Combate à Pobreza (ECP)1.

1
Actualmente denominada por “Plano Integral de Desenvolvimento Local e Combate a Pobreza
(PIDLCP)”
Por exemplo, dos vários programas que esta estratégia contempla pode-
se destacar os programas de reinserção sócio económica, através da
formalização do sector informal da economia, que em termos de expectativas,
esperava-se que tivesse impacto positivo sobre a fonte de rendimentos dos
indivíduos, que desenvolvem as suas atividades no âmbito da economia
informal, em particular dos jovens.

Vários autores (Van-Dúnem, 2008; Rocha, 2011) reconhecem o esforço


empreendido pela administração angolana, para promoção da qualidade de
vida da população depois de 2002, altura em que o país registou um grande
crescimento económico na ordem dos dois dígitos.

Os mesmos autores têm chamado atenção para o facto de que, muitas


das opções sociais, económicas e políticas adoptadas nos anos Pós-guerra
não tiveram os efeitos esperados, uma vez que, agravou-se significativamente
o custo de vida e as assimetrias regionais; não promovou-se o campesinato e a
maioria deles jovens tiveram que recorrer a outras actividades de rendimentos;
e se promoveu o êxodo rural principalmente dos jovens; o que descaracterizou
as cidades e agravou as actividades informais nas periferias e cidades do país,
onde Luanda se destaca.

Justificativa

O interesse em estudar este fenómeno nasce das constatações feitas,


que depois do final do conflito armado se começou a registar um movimento do
êxodo rural de muitos jovens, para os centros das cidades capitais das várias
províncias do nosso País e não só, onde Luanda se destaca, contrariando,
desta forma, os intentos do Governo, plasmados na Estratégia do Combate à
Pobreza (ECP) que era de fixação das populações nas suas zonas rurais.

Grande parte destes jovens migrantes, sem formação académica ou


profissional, que lhe possa habilitar a desenvolver uma actividade nos centros
urbanos, procuram exercer uma actividade para a sua sobrevivência no
mercado informal, como a venda ambulante, serviço de moto-táxi Kupapata 2, e
outros trabalhos como de Roboteiros3.

Embora essas atividades têm garantido rendimentos para subsistências


de muitos destes jovens, para as autoridades do Governo o trabalho
desenvolvido por estes, está à margem das regras administrativas.

No contexto económico, o governo angolano procurou criar programas


que visassem melhorar as condições de vida dos jovens e da população em
geral.

Programas como o crédito jovem, Angola jovem, que estavam sobre


tutela do Ministério da juventude e desporto que não conseguiu dar resposta as
necessidades dos jovens que continuam periclitantes. Neste contexto,
entendemos que a compreensão e a explicação das estratégias de
sobrevivência dos jovens, por meio de métodos e teorias científicas, poderão
manifestar da melhor maneira a realidade que estes jovens enfrentam na sua
vida quotidiana.

Este estudo procura revelar as realidades dos vendedores ambulantes,


descrever as suas experiências e trazer informações para compreender como é
feita a venda informal.

Declaração do Problema

A escassez de oportunidade de emprego tem sido um factor


extremamente preocupante a nível nacional e isto tem levado muitas famílias
ao desespero.

Assim, o País ganha jovens frustrados e sem sonhos por não obterem
uma oportunidade de emprego. Daí a importância de se abordar esta temática,
em respeito aos jovens ambulantes, especificamente, do bairro Rocha Pinto,
Município de Luanda.

2
Kupapata o termo deriva das línguas Umbundo e Kimbundo, significa apalpar, revistar. Tem
sentido mercantil na medida em que define o sujeito taxista de motorizada de duas rodas ao
serviço público precário.
3
Roboteiros, prestador de serviço ao público informal que leva a mercadoria, compras de
cliente para destinos destes (táxi, armazém, casa de processo etc)
O interesse surge também, pela necessidade de procurar compreender
o que está na base dessa postura da juventude e aonde o país em nome do
Ministério da Juventude e Desporto e o Governo de Luanda terão falhado.

Com o desenvolvimento da Política Nacional da Juventude enquadrada


no Plano Nacional de Desenvolvimento 2018-2022, o governo criou planos,
com objectivos ambiciosos, tais como:

 Facilitar a inserção dos jovens no mercado de trabalho;


 Melhorar a qualidade de vida dos jovens, designadamente aos níveis da
sua condição de saúde e acesso a habitação;
 Promover o envolvimento dos jovens nos grandes objectivos da
democracia participativa e desenvolvimento social;
 Criar um quadro institucional adequado para promover e acompanhar as
políticas nacionais do estado para a juventude.

O actual cenário das oscilações do petróleo nos mercados mundiais e


actuais limitações impostas pela situação do Covid-19, remete o país numa
situação de incerteza, quanto ao cumprimento orçamental de programas
sociais e ao financiamento da economia doméstica (Ernesto, 2015).

Importa destacar que, a situação socioeconómica do país e


consequentemente das famílias e jovens, desde 2014 tem vindo a agravar-se,
com a perca de emprego de muitos jovens, fruto da falência de várias
empresas. Como consequência desta situação, muitos são os jovens que têm
procurado alternativas de rendimentos, no sector informal da economia.

Desse modo, a situação social das famílias tem vindo a agravar-se face ao
actual nível de inflação que o país regista e o governo angolano desde 2018
tem vindo a aplicar novas medidas coercivas para a regulação do mercado
informal, a fiscalização das administrações bem como a intensificação das
medidas coercivas de fiscalização, expulsando, por exemplo, os jovens
zungueiros dos seus pontos habituais de vendas, por parte da Policia Nacional.
Isto fez com que, muitas jovens que desenvolvem suas actividades no mercado
informal vissem os seus rendimentos baixarem cada vez mais, em
consequência das poucas vendas que faziam.
A aplicação destas medidas denuncia, até certo ponto, a desordem e a
fragilidade em que o sistema económico do país vive. Entretanto, várias vozes
da sociedade civil têm apelado para o perigo das medidas adoptadas
agravarem a situação social da maioria dos jovens e de suas famílias que têm
no mercado informal e, de modo particular, a venda ambulante, como a única
fonte de geração de rendimentos.

Ainda assim, a posição do governo em relação à economia informal em


geral e, em particular, a venda de rua, na maioria das vezes, é ambígua,
porque, em determinados momentos, vê a actividade como um problema
policial, que remete à uma transgressão administrativa. Por exemplo, nos
últimos anos foram aprovadas e implementadas medidas de combate à
informalidade, em particular ao comércio informal de rua.

Por outro lado, tem sido recorrente ouvir nos discursos políticos e na
mídia pública, a elevação dos jovens que conseguem melhorar as suas
condições de vida a partir das actividades informais dos jovens, como símbolo
da luta e de empreendedorismo.

Desta forma, é sempre complexo abordar as questões da informalidade


em Angola, porque, se de um lado é vista como uma atitude heróica, por outro,
também é vista como uma actividade desenvolvida à margem das leis
administrativas e causadora de desordem na cidade.

É neste cenário social e económico que se desenrola o presente estudo,


que pretende captar percepções dos jovens sobre as suas estratégias de
sobrevivência na cidade de Luanda, no Bairro do Rocha Pinto.

Sendo assim, o presente estudo pretende responder à seguinte pergunta de


partida: De que modo a venda informal tem servido de estratégia de
sobrevivência dos jovens no bairro do Rocha Pinto da cidade de Luanda?

Objetivos do estudo

Objectivo Geral
 Analisar as dinâmicas de venda informal como estratégias de
sobrevivência dos jovens em Luanda, no bairro Rocha Pinto.

Objetivos Específicos

 Caracterizar o Perfil sócio económico dos jovens vendedores


ambulantes em Luanda no bairro Rocha Pinto;

 Conhecer as dinâmicas de venda informal como estratégia de


sobrevivência dos jovens do bairro Rocha Pinto na cidade de Luanda;

 Descrever as estratégias de venda adoptadas pelos jovens vendedores


de rua no bairro Rocha Pinto na cidade de Luanda.

CAPITULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEORICA

1. Breve caraterização de Angola - Luanda


Luanda (anteriormente conhecida como Loanda, e outrora São Paulo de
Assunção) é a capital e a província mais populosa de Angola. Segundo dados
de 2016 do Instituto Nacional de Estatística (INE), tem uma população de
6.945.386 habitantes, o que representa pouco mais de um quarto (27%) da
população do país. Localizada na costa atlântica, é onde se encontra o
principal porto de Angola, bem como centros económicos, administrativos,
políticos e sociais.

De acordo com aqueles que conheceram Luanda nos seus primeiros anos,
era a cidade mais bonita de África, e mesmo o observador mais crítico da
sujidade que encontrei em 1992 não podia deixar de notar traços de elegância
desvanecida. Concebida pelos arquitectos para complementar a elegância da
ampla baía em arco, a cidade fez-me imediatamente lembrar o Rio de Janeiro,
mas aqui não havia montanhas escarpadas e corcovados a dominar a cidade
(Anstee, 1997, p.223).

A cidade foi projectada para uma população máxima de 600.000 habitantes,


pelo que hoje está consideravelmente sobrepovoada. Luanda, uma cidade
densamente povoada fundada em 1576, não é a maior cidade do país, pois
ocupa apenas 0,19% do território angolano, apesar de ter uma área de
2.417,48 km2. A província de Luanda é constituída por sete municípios: Velas,
Cacuaco, Cazenga, Ikolo Bengo, Xama, Luanda e Viana.

Segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística, 2016, p. 32), o último


censo realizado em 2014, Luanda é a província mais populosa com uma
população de 6.945.386 habitantes, representando pouco mais de um quarto
(27%) da população do país.

A população vive principalmente da pesca, da agricultura e do comércio. As


estatísticas mostram que a maior parte da população é pobre e depende do
trabalho informal para sobreviver. Uma grande parte vive da venda ambulante,
que consome muitos recursos e se revela mais cansativa e perigosa.
O comércio ambulante perpassa a história de Luanda desde antes da
independência do país em 1975. Em obra publicada por Óscar Ribas intitulada
Uanga (feitiço)4.

Segundo a mesma obra é fundamental para compreender as trajectórias


históricas e sociais associadas ao fenómeno da venda ambulante. É neste
contexto sócio-histórico que Óscar Ribas, em 1950, descreve a zunga como o
ato de vaguear pelas ruas a vender mercadorias, retratando mulheres com
crianças desnutridas ao colo, recolhendo alimentos, cantando e dançando nas
ruas ao som de chocalhos.

Orlando (2010, p. 65), baseando-se em depoimento de uma quitandeira que


seguiram o caminho do trabalho informal desde os tempos coloniais, deixa
claro que não é uma prática inteiramente nova. No entanto, existem muitos
aspectos contemporâneos, como o facto de reconheça ser um termo que se
popularizou a partir da década de 1990:

(...) no tempo do colono vendia bananas na zunga. Depois vi outras


pessoas a vender mandioca, por isso comecei a vender mandioca
também. Naquela altura já havia zungas, tempo dos colonos, as únicas
frutas que as zungas vendiam eram banana, pera e abacaxi (zungueira
& sexariana - Mercado Asa Branca apud Santos, 2010, p.65)”

Esta descrição deixa claro que a década de 1990 não pode ser
considerada um marco para a venda informal em Luanda, como apresentado
por Samba (2012, p.139).

4
Pelos atalhos, quitandeiras desciam para o mercado, em busca de água seguiam domésticas
Mulheres ao serviço do município (agora província de Luanda), varriam pachorrentamente a
rua, e em pregões, quitandeiras vendiam peixe, fruta, mel, feijão, farinha de mandioca, azeite
de amendoim e outros produtos (RIBAS, 2009, p.214-215, grifo nosso).
A importância do trabalho da dzunga não mudou na história de Luanda e
que a dinâmica competitiva do mercado apenas o tornou mais rico Ribas 5
(2009).

1.1. Contextualizando o território e sua demografia

Angola é um país do sudoeste de África, cujo nome deriva da palavra


N'gola6, falada pela tribo Kimbundo, e que cobre uma área de 1.246.700 km2.
Era originalmente habitada por bosquímanos caçadores-recolectores, mas é
atualmente habitada por grupos étnicos bantu.

Angola está dividida política e administrativamente em municípios que


constituem províncias e municípios que constituem comunas (ANGOLA.
Constituição, 2010, art.).

A República de Angola faz fronteira com a República Democrática do


Congo a norte, com a República da Namíbia a sul, com a República da Zâmbia
a leste e com o Oceano Atlântico a oeste. A República de Angola faz fronteira
com a República Democrática do Congo a norte, a República da Namíbia a sul,
a República da Zâmbia a leste e o Oceano Atlântico a oeste.

5
As bessanganas são mulheres que se vestem com panos, que distinguem-se pelo seu modo
tradicional de vestir. Elas vêm da Ilha de Luanda e são senhoras da velha sociedade de Luanda.
Os seus trajes típicos são formados por um total de quatro camadas de panos essencialmente
estampados e coloridos: mulele ua jiponda (peça interior), o mulele ua xaxi (pano trespassado
cobrindo a parte superior), depois o mulele ua tandu (tecidos trespassados na parte inferior) e
finalmente um pano conhecido como bofeta.
6
O português é a língua oficial de Angola, mas o país conta com mais de sete línguas africanas
reconhecidas como línguas nacionais, dentre as quais – o côkwe (pronuncia-se tchocué), o
kikongo, o kimbundo e o umbundo – e mais outras línguas africanas e inúmeros dialetos. O
nome N'gola é homenagem ao rei com o mesmo nome, líder de uma etnia que, historicamente,
habitava o reino do Ndongo.
Fonte: www.skyscrapercity.com/mapas de Angola

De acordo com o mapa, Angola é constituída por 18 províncias: Bengo,


Benguela, Bié, Cabinda, Cunene, Huambo, Huíla, Cuando Cubango, Cuanda
Norte, Cuanda Sul, Lunda Sul, Marange, Moxico, Namibe, Uíge, Zaire e a
capital Luanda, bem como 173 municípios e 618 comunas.

N.
Província Capital
mapa

1 Bengo Caxito

2 Benguela Benguela

3 Bié Cuíto

4 Cabinda Cabinda

5 Cuando Cubango Menongue

6 Cunene Ondjiva

7 Huambo Huambo

8 Huíla Lubango

9 Cuanza Norte N'dalatando

10 Cuanza Sul Sumbe


N.
Província Capital
mapa

11 Luanda Luanda

12 Lunda Norte Dundo

13 Lunda Sul Saurimo

14 Malanje Malanje

15 Moxico Luena

16 Namibe Moçâmedes

17 Uíge Uíge

18 Zaire Mabanza Congo

Fonte: Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado, (2023)

1.1.1. Lingua falada em Luanda

Durante o período colonial, no estado novo, do ponto de vista


organizacional, a sociedade colonial estava dividida em dois grupos principais,
a saber: o dos Portugueses e o dos Angolanos. Estes grupos representavam-
se, por sua vez, subdivididos. Enquanto os portugueses subdividiam em
colonialistas (agente da metrópole colonizadora) e os colonos (instrumento da
colonização); os Angolanos subdividiam-se em assimilados e indígenas
(Mingas, 2020).

Os assimilados eram indivíduos instruídos, com direitos, por exemplo, à


nacionalidade portuguesa, à educação dos filhos juntamente com as crianças
portuguesas, etc.

Segundo o mesmo autor, subdividiam-se, ainda, em dois grupos: os que


eram assimilados passivos (alienados, fieis ao regime colonial) e os que eram
activos (revoltados, que se apropriaram de tudo o que lhes foi possível
aprender com o objectivo de libertar o seu povo e país da dominação colonial
portuguesa.).

Os indígenas eram os indivíduos analfabetos. Constituíam a maioria


esmagadora da população.

Mingas (2000) salienta que:

(...) Consideram-se indígenas, os indivíduos de raça negra ou os


seus descendentes que, tendo nascido ou vivendo habitualmente
(nas províncias do Guiné, Angola, Moçambique), não possuam
ainda a ilustração e os hábitos individuais e sociais pressupostos
para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos
portugueses.

Para Cabral (2005, p. 45-46), o domínio colonial de Angola desencadeou


um processo de aculturação que implicou a destruição em larga escala das
estruturas económicas e sociais dos povos colonizados e, juntamente, a
imposição da língua portuguesa sobre as línguas autóctones, que, no entanto,
subsistiram nas regiões mais interiores do território, afastadas dos grandes
centros urbanos.

Ainda Cabral (2005:45-46), pode dizer-se que a Língua Portuguesa em


Angola é a língua oficial, língua veicular e língua nacional. Dada a conjuntura
sociolinguística nacional, a definição de LP em Angola apresenta-se em termos
estatuários, revela-se bastante adequada à realidade, embora, sobretudo no
seio da classe universitária angolana, o estatuto da língua seja um factor de
grande discussão e discordância, algumas vezes por mera tendência
chauvinista, outras pela ignorância decorrente da inexistência de estudos
sistemáticos sobre o registo do português falado em Angola.

1.2. A sociedade angolana: história, política e economia

Para uma análise detalhada do contexto histórico, económico, sócio-


político e cultural de Angola, é necessário distinguir a organização política,
cultural e anteriores à presença portuguesa (1482-1575) e do período de
colonização portuguesa (séc. XIX-XX), para compreender a trajetória política e
de 1975 até à atualidade (2023).
Para compreender a questão em estudo passa por um panorama social
e político capaz de atribuir significação ao movimento produzido no âmbito das
relações sociais. Destaca-se a articulação de muitos dados da realidade
angolana à realidade de Luanda, pela condição, já mencionada, de centro
econômico, político e social que esta ocupa no país.

Compreender o que é Angola hoje, é compreender o que foi a sua


história no panorama social e político, bem como compreender a mentalidade
de colonização que se desenvolveu durante os dois últimos séculos de
presença portuguesa em Angola.

É uma trajetória complexa feita de ideologias baseadas em princípios


diversos, desde a ideia de civilização e difusão do cristianismo até à ideia de
uso da força para tomar o poder, que trunca, caracteriza e impõe uma forma de
pensar, uma forma de entender as coisas, uma forma de se entender a si
próprio.

Um estudo histórico, político e sócio-cultural deste aspeto permitir-nos-ia


distinguir e compreender melhor os princípios políticos e culturais em que se
baseava a venda informal e a vida angolanos.

1.2.1. Período anterior à Independência

Angola foi uma colónia sob o domínio português até 1975, a população
da colónia angolana após 1900 diminuiu gradualmente, apesar de uma elevada
taxa de natalidade (Oliveira 2001, pp. 309-310).

Por um lado, este declínio explica-se pela guerra de ocupação, pela


expropriação de terras e gado e pela migração para territórios vizinhos. Por
outro lado, o declínio agrícola, manifestado pelas secas, sobretudo as que
afectavam a população em ciclos de um a três anos, pela epidemia de
gafanhotos (1898) e por ciclos mais permanentes de fome (1911-1916),
provocou mortes, êxodo populacional, redução da produção agrícola e surtos
epidémicos. Este cenário começou a alterar-se em 1925 com a expansão da
cultura do milho e da mandioca e o fim da guerra de ocupação.
Em 1898, os centros das cidades alta e baixa 7 eram povoados por
pessoas ricas, negros, brancos e mestiços, enquanto musseques 8 e as ilhas
eram predominantemente povoadas por africanos Luanda (Oliveira, 2001, p.
323).

Ao mesmo tempo, aumentava a proporção de europeus na população da


cidade. Neste contexto, a segregação tornou-se mais evidente em 1920,
quando a cidade "branca" se expandiu com as zonas dos Coqueros e das
Ingombotas, empurrando gradualmente a população africana para a periferia
da cidade.

Apesar de Luanda ter recebido atenção do governo colonial, os números


relativos à população de Luanda são controversos: em 1900, a população do
distrito de Luanda era de cerca de um quarto da população colonial total, mas
26 anos mais tarde a população indígena era de cerca de 57.065.000, ou seja,
25% da população angolana total (Oliveira, 2001, p.313).

A ponderação demográfica diminuiu em resultado da expansão


geográfica, que deslocou a população para zonas periféricas, para locais
inacessíveis aos enumeradores, bem como da deterioração da saúde e do
aumento associado das taxas de mortalidade.

De acordo a Oliveira (2001, p. 321), à importância económica "Luanda e


Benguela eram já consideradas as duas principais comunidades arcaicas da
colónia, com funções administrativas e militares especiais, encontrando-se esta
última numa posição de subordinação política que influenciou o seu
crescimento.

Segundo o mesmo autor, os habitantes da zona de Luanda viviam,


nessa altura, essencialmente da agricultura, da pesca artesanal e do comércio,
portanto, "Ambris, Luanda e outros portos atlânticos, o tráfego, o comércio e a
7
Na área urbana de Luanda habitavam as famílias mais abastadas, com nome e poder
econômico diferenciado, situação que prevalece até hoje. Atualmente, na cidade alta vive o
Presidente da República e na zona baixa residem, majoritariamente, famílias tradicionais;
quanto maior a capacidade econômica da família, maior é a possibilidade de ela morar nas
zonas alta e baixa da cidade.
8
Musseques são bairros periféricos de Luanda, muito semelhantes às favelas do Brasil pela
precariedade das construções.
navegação foram os factores mais decisivos para o seu crescimento ao longo
dos séculos":

(...) A população angolana é constituída por oito grupos étnicos:


Bakongo, Ambundo, Umbundo, Lundakyoko, Gangeras e
Nyaneka. Os mais importantes são os Bakongo, Ambundo,
Umbundo, Lundakyoko, Gangeras, Nyaneka Humbe, Ambos e
Hereros (Oliveira Marques, 2001, p. 308).

1.3. O período pós-Independência

Angola se viu independente em 11 de novembro de 1975, foi um


acontecimento de grande significado histórico e social, impulsionando Angola
para novos desafios através do desenvolvimento.

Influenciada pela comunidade internacional, a procura de poder e as


divisões entre os participantes na luta de libertação foram o início da guerra
civil angolana, seguida de três grandes batalhas e tréguas, de 1975 a 1991, de
1992 a 1994 e de 1998 a 2002.

Em 1975, a realização do “Acordo de Alvor” – entre os três movimentos


nacionalistas angolanos: o Movimento Popular para a Libertação de Angola
(MPLA), a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), a
Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e o governo de Portugal –,
estabeleceu os parâmetros para a partilha do poder em Angola.

No entanto, as divergências sobre a divisão do poder entre os três


movimentos políticos envolvidos na luta pela independência de Angola
conduziram a uma guerra civil.

De facto, este foi o início de uma nova guerra entre angolanos pelo
controlo do país, mostrando que a independência não seria o fim da guerra em
Angola. Os apelos da população para uma maior participação e solidariedade
entre os vários movimentos não surtiram efeito.

O legado do regime colonial em matéria de educação não era


encorajador, especialmente tendo em conta a elevada taxa de analfabetismo
da população. Sob a liderança do partido no poder, o MPLA, a alfabetização
tornou-se uma prioridade (1976-1980) e foi criada uma Comissão Nacional de
Alfabetização em 1976.

Os fundamentos da visão marxista estavam em vigor com o novo


governo. No período pós-Independência, o governo adotou o socialismo como
sistema político, caracterizado pela apropriação dos meios de produção pela
coletividade e realizou ações significativas ligadas à Educação (Vieira, 2007).

1.4. Acordos de paz em Angola

O inicio desta abordagem é a questão do processo de concretização da


independência angolana, levado a cabo a 11 de novembro de 1975. A 15 de
janeiro de 1975, o Acordo de Alvor, assinado sob a Presidência Portuguesa
entre os três movimentos de libertação de Angola:

 Movimento Independentista de Angola (UNITA);


 Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA);
 Movimento Nacional de Libertação de Angola (FNLA) - definiu o caminho
para a independência de Angola, a ordem institucional e a devolução de
poderes.

O Acordo de Alvor, negociado entre 10 e 15 de janeiro de 1975, o Estado


português reconheceu os três movimentos como legítimos representantes do
povo angolano e, portanto, como portadores do seu direito à defesa da
soberania e da independência.

O documento refere ainda que todos estes movimentos e o Governo


português chegaram a um acordo comum sobre um cessar-fogo e a
participação num governo de transição até à independência.

Por razões de clareza, alguns dos artigos são citados no capítulo 3 da lei
(documento) que regula o Acordo de Arvor:

Capitulo III: Do Governo de Transição.

Art. 14 - O Governo de Transição é presidido pelo Colégio Presidencial.

Art. 15 - O Colégio Presidencial é constituído por três membros, um de cada


movimento de libertação, e tem por tarefa principal dirigir e coordenar o
Governo de Transição.
Art. 20 - Os ministros do Governo de Transição são designados, em proporção
igual, pela Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), pelo Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA), pela União Nacional para a
Independência Total de Angola (UNITA) e pelo Presidente da república
Portuguesa, e tomam posse perante o Alto-Comissário.

Art. 21 - Tendo em conta o carácter transitório do Governo, a distribuição dos


Ministérios é feita do seguinte modo:

a) Ao Presidente da república portuguesa cabe designar os ministros da


Economia, das Obras Públicas, Habitação e Urbanismo e dos Transportes e
Comunicações;

b) À FNLA cabe designar os ministros do Interior, da Saúde e Assuntos


Sociais e da Agricultura;

c) Ao MPLA cabe designar os ministros da Informação, do Planeamento e


Finanças e da Justiça;

d) À UNITA cabe designar os ministros do Trabalho, Segurança Social, da


Educação e Cultura e dos Recursos Naturais.

Art. 22 - As Secretarias de Estado previstas no presente acordo são


distribuídas pela forma seguinte:

a) À FNLA cabe designar um secretário de Estado para a Informação, um


secretário de Estado para o Trabalho e Segurança Social e o secretário de
Estado do Comércio e Turismo;

b) Ao MPLA cabe designar um secretário de Estado para o Interior, um


secretário de Estado para o Trabalho e segurança Social e um secretário de
Estado da Indústria e Energia;

c) À UNITA cabe designar um secretário de Estado para o Interior, um


secretário de Estado para a Informação e o secretário de Estado das Pescas9.

No entanto, o que parecia mais fundamental na altura eram as


condições de paz que tornariam possíveis as negociações entre Portugal e o
movimento angolano.
9
Correia, P. P. Angola: do Alvor a Lusaka. 1996, p. 273-274
De acordo com Correia (1996, p. 26), ficou também a cargo do governo
provisório a aprovação de uma lei fundamental que vigoraria até à aprovação
da Constituição de Angola, que, segundo Correia (1996, p. 26), "seria
elaborada por uma Assembleia Constituinte a eleger e constituir até 31 de
outubro de 1975".

Apenas os militantes seriam autorizados a participar nas eleições, o que,


segundo Correia (p. 26), "conferiria às eleições uma dupla legitimidade
democrática, revolucionária e representativa".

No mesmo ano, a 13 de junho de 1975, é promulgada a Lei


Fundamental, através da qual se elege uma Assembleia Constituinte e um
Presidente da República para representar o Estado no momento da
independência; segundo Correia (1996, p. 26), esta Assembleia deveria vigorar
até 8 de novembro, retomando as suas funções na independência a 11 de
novembro de 1975.

A ausência destas condições inviabilizou a transferência de poderes


formalmente acordada entre os três movimentos e o Estado português. Como
cada um dos movimentos violou o prazo estabelecido, o Acordo de Alvor ficou
desesperado e o Governo português suspendeu-o a 22 de agosto de 1975,
através do Decreto 458-A/75 (Correia, 1996, p.27).

O conflito entre o Movimento Angolano e o exército português


transformou-se numa guerra civil entre os movimentos e internacionalizou-se
cada vez mais através da intervenção armada externa a pedido dos
movimentos.

Quando o movimento procurou essa ajuda externa, o conflito tomou uma


direção diferente, ou seja, começou a assumir o aspeto de um conflito regional,
não limitado a Angola.

Portanto, perante a difícil situação que teve de ser resolvida em


resultado das divergências entre os movimentos antes do Acordo de Arvor, e
mesmo perante o impasse que se vivia na altura, quando chegou a meia-noite
de 10-11 de novembro, o Alto Comissário leu o comando "Independência para
o povo angolano" contido no artigo 2º do Acordo de Arvor.
(...) em nome do Presidente da República Portuguesa, declaro
solenemente a independência e a soberania plena de Angola (a
partir da meia-noite de 11 de novembro de 1975), devendo a
forma da sua efetivação ser decidida pelo povo angolano
(Correia, 1996, p.27).

Portanto, a 11 de novembro, o MPLA declarou a independência da


República Popular de Angola (RPA) em Luanda, enquanto uma coligação de
forças da UNITA e da FNLA declarou a República Democrática de Angola
(RDA) na província do Huambo. No entanto, Correia (1996) refere que:

(...) A independência angolana não alterou radicalmente a


situação em Angola. A guerra prosseguiria com um cenário que
era a continuação do que se passara antes da independência,
embora com algumas alterações nos actores principais e
secundários (Correia, 1996, p. 27).

Quais foram os factores que levaram à guerra entre os movimentos?


Quais foram as origens do conflito angolano? Para além do facto de os três
movimentos angolanos não terem cumprido o acordo proposto no Acordo de
Alvor e assinado com o Governo português (integração num exército misto) e
terem lançado uma luta armada, apoiada por forças externas, pelo controlo de
uma área maior e pelo exercício do poder, outros aspectos devem ser
analisados para compreender as origens do conflito angolano.

Este conflito, envolvendo guerra civil, intervenção armada externa e


interesses económicos, já existia muito antes do Acordo de Alvor e, segundo
Correia (1996), há quatro elementos que devem ser tidos em conta para
analisar e compreender a complexidade da guerra em Angola:

 A luta de libertação: “que opunha os movimentos de libertação ao


regime colonial português e no terreno, às Forças Armadas
Portuguesas” (Correia, 1996, p. 28);
 O conflito regional: “materializado nos apoios antagônicos que os países
vizinhos prestavam aos movimentos de libertação e na colaboração,
inclusive no plano militar, da África do Sul com Portugal” (ib, p. 28);
 O quadro geral da guerra fria: com suas superpotências a disputarem
em Angola o alargamento das suas áreas de influência na África
Austral10(ib, p. 29);
 A guerra civil: que comportou vários elementos como, a rivalidade entre os
movimentos de libertação e luta armada entre eles, o fato de Portugal colocar
“angolanos dos movimentos de libertação contra angolanos incorporados nas
Forças Armadas Portuguesas e nas Forças Auxiliares (Grupos Especiais,
Tropas Especiais e Flechas) que participavam nas operações integrados nas
forças portuguesas” (Correia, 1996, p. 31)
Assim, muitos conflitos internos cruzaram-se na mesma área. Angolanos
contra angolanos, por um lado, governantes coloniais contra angolanos, por
outro, e interesses económicos e políticos estrangeiros contra angolanos, por
outro. E toda esta guerra foi camuflada como uma guerra de libertação. O que
é a libertação? Libertação de quem? O conflito prolongado foi-se delineando e
a tomada do poder, por qualquer meio que fosse, ficou claramente expressa.

1.4.1. A paz efectiva

O protocolo de paz assinado em 2002 como parte do Acordo de Ruanda


desempenhou um papel fundamental na pacificação das relações sociais. Isto
porque parte da população ainda vivia ressentida, culpando os angolanos da
UNITA pela desagregação das suas famílias, perdas materiais e meios de
subsistência.

10
A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), através de alguns acordos e
compromissos que assinara com Portugal, e o Pacto de Varsóvia (PV) conduziram esta disputa
por áreas que mais lhes interessavam, fazendo isto através do apoio mais diversificado e
antagônico aos movimentos de libertação. Isto numa fase em que nos Estados Unidos
pontificava a dupla Nixon-Kissinger. Como declara Correia (1996, p. 29) o “secretário de Estado
norte americano chegou a admitir e a mostrar-se favorável à manutenção, por largo tempo, de
uma hegemonia branca na África Austral, através da aliança entre a África do Sul, a Rodésia e
as colônias portuguesas”. Como mostra Joelle Kuntz, o presidente Nixon teria proposto a
Marcello Caetano o seguinte: “Abandonem a Guiné, que não interessa a ninguém. Dêem-lhe a
independência. Nós ganharemos tempo e vós, prestígio. Reforçai a pressão em Angola, esta é
connosco [...] Vietnamizai Moçambique: dai o norte à FRELIMO, o sul deve continuar do nosso
lado” (p. 29). A África Austral se tornara num palco de guerra fria, onde as disputas pelos vários
interesses, políticos, econômicos, ideológicos, etc. se entrecruzavam.
Isto criou uma atmosfera tensa em que muitas ONGs foram forçadas a
realinhar as suas actividades em torno dos direitos civis, do governo local, da
paz, da reconciliação nacional e da resolução de conflitos. As prioridades eram:

(...) Prestar assistência à reintegração dos cerca de 4 milhões de


angolanos deslocados ou refugiados em resultado da guerra,
incluindo 300.000 soldados desmobilizados e respectivas
famílias. Esta realidade reconhece que a pobreza tem um impacto
maior nas mulheres que vivem nas zonas urbanas do que nos
subúrbios, onde as mulheres estão normalmente empregadas no
sector informal (ANGOLA. MGD/NEPAD 2003, p.13).

Assim, em 2004, foi assinado o Protocolo de Lusaka e o MPLA e a


UNITA decidiram criar um Governo de Unidade e Reconciliação Nacional
(GUNR), que se manteve em funções até 2008.

Das acções subjacentes que reinavam antes de 2009, as metas de redução


da pobreza em Angola continuam a ser uma grande preocupação, embora os
dados mostrem alguns progressos, de acordo com os resultados do IBEP de
2010. Estes mostram que a proporção de pessoas com um rendimento inferior
a um dólar por dia diminuiu de 68% em 2001 para 36,6% em 2009, atingindo
93% do máximo de 34% de pobres, o objetivo para 2015.

Porém, as disparidades regionais na pobreza continuam a ser significativas:


de acordo com o IBEP (2010), em 2009, a proporção de pobres nas zonas
urbanas era de 18,7%, quase metade da taxa nacional, enquanto no interior, os
pobres rurais representavam 58,3% da população total. Nas áreas rurais, há 58
pobres por 100 pessoas, enquanto nas áreas urbanas a taxa é de 19 por 100
pessoas.

No que se refere à condição feminina na sociedade angolana, a


recorrência a Montesquieu (2005) em sua obra sobre o Espírito das Leis ao se
referir à condição das mulheres nos diferentes governos faz alusão que nas
repúblicas, as mulheres são livres pelas leis e cativas pelos costumes
(Montesquieu, 2005, p.113).
Esta situação exige, uma luta, uma perspetiva e uma postura conjunta
em relação às mulheres, para que estas não se tornem vítimas e possam
"capacitar-se através da criatividade, da arte, da ciência e da moral (Heller,
1972, pp. 24-25).

Tendo em conta os objectivos da Declaração do Milénio das Nações


Unidas, a terceira edição sugere a promoção da igualdade entre homens e
mulheres.

Neste contexto, o Relatório Regional sobre o Desenvolvimento Humano


da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) refere que, nos
últimos 30 anos, a região "registou alguns progressos ao assegurar uma
distribuição mais equitativa dos benefícios do desenvolvimento entre homens e
mulheres e ao continuar a aumentar rapidamente os níveis de escolaridade das
mulheres" (ANGOLA. PNUD/SADC, 1998, p. 55-56).
CAPITULO II A VENDA INFORMAL EM ANGOLA

2. Pobreza em Angola

Em 2004, dois anos após o término do confl ito armado, o governo angolano
elaborou a sua Estratégia de Combate à Pobreza (ECP) 11, com o objectivo
principal de preparar as medidas para combater esse fenómeno, que, na altura,
afectava 68% da população angolana, dos quais 26% se encontravam em
condição de pobreza extrema, equivalente a até 0,75 dólares por dia
(MINPLAN 2005).

No mesmo documento foram identificados os seguintes factores como


causas da pobreza em Angola: o conflito armado, a pressão demográfica, a
destruição e degradação das infra-estruturas económicas e sociais, o
funcionamento débil dos serviços de educação, saúde e protecção social, a
quebra muito acentuada da oferta interna de produtos fundamentais, a
debilidade do quadro institucional, a desqualificação e desvalorização do
capital humano e a ineficácia das políticas macroeconómicas (MINPLAN 2005).

Estes factores, que afectam de forma diferente cada uma das pessoas,
levaram à identifi cação e caracterização das categorias sociais que em Angola
se encontram mais vulneráveis à pobreza, nomeadamente:

11
Resolução nº 9/04, de 4 de Junho de 2004.
 Pequenos agricultores e camponeses;
 Analfabetos;
 Desempregados;
 Crianças de rua e sem-abrigo;
 Desmobilizados das forças armadas;
 Deslocados de guerra;
 Famílias monoparentais;
 Deficientes físicos (Carvalho 2004)

Cada uma das pessoas que se insere numa destas categorias sociais
enfrenta situações de carência, privação e marginalização, condições que
posteriormente os conduzem a uma situação de exclusão social.

Num contexto de paz, e visto já não haver necessidade de despender


grande parte do Orçamento Geral do Estado para o sector da defesa 12, o
governo angolano afirmou assim a sua intenção em reduzir a pobreza para
metade até ao ano de 2015, dando assim cumprimento ao compromisso
assumido para concretização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
(ODM).

Desde a aprovação da Estratégia de Combate à Pobreza, têm-se registado


progressos na redução da pobreza em Angola, tendo a sua incidência baixado
para 36,6% em 2021 (INE 2023).

No entanto, 58,8% da população rural ainda vive em condições de pobreza,


contra 18,5% da população urbana (INE 2023).

Apesar dos esforços que têm sido empreendidos, os indicadores sociais


para Angola ainda registam valores preocupantes (quadro nº 1),
nomeadamente no sector da saúde, educação, nutrição e água e saneamento,
determinados pelo defi ciente acesso aos serviços sociais básicos.

Quadro nº 1: Indicadores demográfi cos para Angola

12
Entre 1997 e 2002, o Orçamento Geral do Estado apenas despendeu 20 a 30% das
despesas para o sector social, no qual se insere a educação, saúde, habitação, assistência
social e cultura. Em 1999, 56% das despesas executadas foram destinadas ao sector de
defesa e ordem pública [Vinyals 2002: 26]
Indicadores
Taxa de 115,7 por mil
mortalidade
infantil
Taxa de 193,5 por mil
mortalidade
de menores
de 5 anos
Taxa de 1.400 por 100
mortalidade mil
materna
Alfabetização 76%
IDH (2011) 0,486
Taxa de 7,2
fertilidade
sperança 41,5 anos -
média de mulheres
vida 38,8 anos –
homens
Fonte: INE 2022, MINPLAN 2022, MINPLAN 2022.

A pobreza é um fenómeno milenar, uma categoria imbuída de


complexidade, representando diversas formas de construção social e histórica
da realidade pelos indivíduos e legitimando modos de vida e de trabalho. É
também definida pela forma como os indivíduos são posicionados nas políticas
públicas existentes.

Trabalhar com esta categoria significa analisar a construção concetual


com diferentes interpretações e significados, que se distinguem pela posição
política do locutor, pelo lugar que ocupa e pela sua posição na estrutura social
do país.

No último Índice de Pobreza Multidimensional de Angola, de Julho de


2020, o INE mostrou que a incidência da pobreza é de 55,2% entre as
mulheres chefe de família (vs 53,5% homens) e tem uma intensidade de 49,9%
entre as mulheres (vs 48,5% homens).
Atendendo que 55,3% dos angolanos trabalha por conta própria,
segundo o IDREA 2018-2019 do INE, e dentre estes 73,9% são mulheres (vs
48,1% homens), claramente que esta medida vai ter um impacto negativo
principalmente entre as mulheres.

De um tempo a esta parte, notamos que o Governo da Província de


Luanda (doravante GPL) proibiu a "venda ambulante e desordenada em várias
zonas da cidade de Luanda.

A razão desta medida do GPL tem a ver com o facto dessas vendas
causarem sérios problemas à circulação rodoviária. Apesar de concordarmos
que os transtornos no trânsito são uma realidade, não podemos deixar de
reflectir sobre o impacto da medida nos seus principais destinatários.

Mais uma vez, parece-nos que quem tomou a decisão estava mais
preocupado em atacar os efeitos do que as causas. A venda ambulante só
acontece porque as pessoas não encontram alternativas para sobreviver.

A informalidade em Angola, segundo a "Estratégia de Transição da


Economia Informal para a Economia Formal" do Governo de Angola publicada
em Julho de 2020, tem um peso que vai dos 40% aos 60% do PIB e movimenta
anualmente cerca de 43 a 64 mil milhões USD.

Todavia, é necessário distinguir os vários níveis desta informalidade uma


vez que ela não é homogénea. Não acreditamos que os valores indicados
como sendo movimentados pelo sector informal em Angola sejam fruto da
venda ambulante, que está a ser combatida pelo GPL.

No último Índice de Pobreza Multidimensional de Angola, de Julho de


2020, o INE mostrou que a incidência da pobreza é de 55,2% entre as
mulheres chefe de família (vs 53,5% homens) e tem uma intensidade de 49,9%
entre as mulheres (vs 48,5% homens).

Atendendo que 55,3% dos angolanos trabalha por conta própria,


segundo o IDREA(2) 2018-2019 do INE, e dentre estes 73,9% são mulheres
(vs 48,1% homens), claramente que esta medida vai ter um impacto negativo
principalmente entre as mulheres.
Apresentado desta forma, fica claro que deveria ser preocupação do
GPL assegurar que as pessoas não fossem forçadas a buscar a sua
sobrevivência nas ruas de Luanda.

Para tal, era necessário que a economia gerasse mais empregos


condignos no sector formal. Todavia, a aposta do Executivo tem passado pela
disponibilização de kits de auto-emprego, através do Plano de Acção para
Promoção da Empregabilidade, construção de mais mercados, e o registo
daqueles vendedores que hoje se encontram nos vários mercados de Luanda,
medidas que, em nosso entender, não concorrem para a criação de trabalho
condigno, conforme sugere o Objectivo de Desenvolvimento Sustentável Nº 8.

Angola, em nosso entender, precisa adoptar a mesma estratégia que


países como a Etiópia, em África, e Bangladesh, na Ásia, apenas para
apresentar exemplos mais recentes, adoptaram, i.e., fomentar segmentos da
economia formal intensivos em mão-de-obra (não qualificada e semiqualificada,
com habilitações literárias baixa).

No caso dos países mencionados, a aposta foi na indústria têxtil e


confecções, tirando proveito de programas como o AGOA - African Growth and
Opportunity Act que permite alguns países terem acesso privilegiado ao
mercado norte-americano (EUA).

O processo de reabilitação da indústria têxtil deveria ter gerado vários


postos de trabalho, directos e indirectos, no sector formal da economia e servir
para atrair novos investimentos privados (nacionais e estrangeiros) no
segmento das confecções com vista a tirar proveito do programa AGOA.

Notem que, a reabilitação da empresa Nova Textang II levou seis anos e


custou 235 milhões USD, a Satec no Dondo, Kwanza Norte, 480 milhões USD
e, por último, a África Têxtil em Benguela 410 milhões USD.

Porém, apesar do tempo que levou o processo de reabilitação, contra


todas as expectativas, o Executivo angolano não foi capaz de fomentar a
produção interna de algodão, continuando as empresas (agora reabilitadas) a
depender da importação.
Angola teve acesso a um outro financiamento, da Coreia do Sul, de 66
milhões USD, para produção de algodão no Cuanza Sul em 2006, sem que até
hoje se saiba o que correu mal.

Consequentemente, os reembolsos desses financiamentos continuam a


pesar na dívida externa, sem que Angola esteja a tirar o devido proveito no que
toca à diversificação das exportações e criação de empregos.

Este é um problema que não foi solucionado na administração Dos


Santos nem no 1.º mandato de João Lourenço. Vale recordar que a
oportunidade criada pelo AGOA deixará de existir em 2025.

POR CONCLUIR

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