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ACADEMIA DE MARINHA
Carlos Francisco Moura
Lisboa
2021
Ficha Técnica
Distribuição: CFMEditor
Caixa Postal 3064
CEP 20010-974 Rio de Janeiro/RJ Brasil
ISBN: 978-972-781-164-9
Índice
Apresentação
“Naus & Fragatas” e as planches de Ozanne 5
Nicolas-Marie Ozanne 7
Conclusões preliminares: 10
- Conjunto de gravuras didáticas 10
- Gravuras soltas e não livreto 11
- Gravuras portuguesas 12
- Destinação ao ensino dos guardas-marinhas 12
- Tipologia didática de navios de guerra portugueses do século XVIII 13
- Tabela de comparação entre as medidas apresentadas por Ozanne
e as do tradutor/adaptador português 14
- Tabela de comparação das equipagens I 14
João de Souza Pather, possível tradutor/adaptador português 15
ANEXO I
Gravuras das “Naus & Fragatas”, legendas traduzidas/adaptadas
das planches de Ozanne e comentários 21
- Nau de 120 peças 22
- Nau de 90 peças 23
- Nau de 80 peças 24
- Nau de 74 peças 25
- Nau de 64 peças 26
- Nau de 50 peças 27
- Fragata de 36 peças 28
- Pontos onde se tomam as principais dimensões; explicação da Tabuada
seguinte 29
5
- Tabuada das principais Dimensões dos Navios, dos calibres de suas peças,
e dos Homens que formam as suas equipagens 31
ANEXO II
- Comparação das Planches do Recueil de Ozanne com as gravuras portuguesas
do conjunto “Naus & Fragatas” 33
- Vaisseau de 120 canons 34
- Nau de 120 peças 35
- Vaisseau de 90 canons 36
- Nau de 90 peças 37
- Vaisseau de 80 canons 38
- Nau de 80 peças 39
- Vaisseau de 74 canons 40
- Nau de 74 peças 41
- Vaisseau de 64 canons 42
- Nau de 64 peças 43
- Vaisseau de 50 canons 44
- Nau de 50 peças 45
- Fregate de 40 canons 46
- Fragata de 36 peças 47
- Points on l’on prend les trois dimensions des vaisseaux & L’Explication
de la Table 48
- Pontos onde se tomam as três principais dimensões; e explicação da
Tabela seguinte 49
- Tableau 50
- Tabela 51
Glossário 52
Bibliografia 54
6
NAUS & FRAGATAS
e as Planches de Ozanne
1
“O investigador Carlos Francisco Moura, trouxe a público recentemente, numa obra que tivemos o
prazer de apresentar neste congresso, um conjunto de gravuras que descobriu na Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro, e que, curiosamente, se trata de uma tradução incompleta para o português do livro de
Ozanne (apenas 9 Tabelas). Cfr. OZANNE, 1764: pl. 22. O que é curioso, são as emendas e alterações
que o tradutor ali introduziu. Neste caso, das medidas apresentadas na Planche 22 sobre 64, elas foram
aumentadas, o comprimento para 159,5 pés, e a boca para 44 pés. Cfr. Moura, 2018:35. Nuno Salda-
nha, “A nau de guerra Santo António e S. José (1763) de Antonio da Silva Araújo. A construção naval
na Baía e o navio de linha de 64 peças”, in Francisco Contente Domingues, Susana Serpa Silva (Coord.),
Navegação no Atlântico XVIII Reunião Internacional de História da Náutica, Ponta Delgada: Universi-
dade dos Açores, 2019, p. 100, n. 139). Posteriormente, obtivemos, das Editions du petit Vincent e das
Editions Ancre, autorização para publicar no presente trabalho as gravuras da edição de 2013 do livro de
Ozanne, para cotejá-las com as gravuras portuguesas das Naus & Fragatas.
7
Folha de rosto do livro Marine militaire ou recueil des differens vaisseaux qui servent
a la guerre (ed. de 1762) (Reedição das Éditions du Petit Vincent, 2013)
8
NICOLAS-MARIE OZANNE
1
Resumo das informações contidas na reedição do livro de Ozanne, das Éditions du Petit Vincent,
2013.
9
Dédicace a Monseigneur Le Duc de Choiseul (ed. de 1762)
(Reedição das Éditions du Petit Vincent, 2013)
10
A DESCOBERTA DAS GRAVURAS DAS “NAUS & FRAGATAS”
11
Trata-se, portanto, de folhas soltas, apenas com gravuras, as legendas e os textos
respectivos, que foram encadernadas para efeito de conservação e facilidade de consulta.”
Todas as gravuras são enquadradas por margens retangulares padronizadas
medinho a 1ª, 2ª, 3ª e 5ª, 10,7 x 17,5cm, e as demais (4ª, 6ª, 7ª, 8ª e 9ª) 10,7 x
17,0 cm. Elas não são datadas, mas sem dúvida, são do século XVIII.”1
Até aqui, a descrição contida no livro “Naus & Fragatas”: conjunto de gravuras didá-
ticas setecentistas portuguesas (Moura, 2018, p. 7/8).
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Basicamente, as conclusões a que chegamos nesse estudo preliminar foram as
seguintes:
- O conjunto de gravuras tinha finalidade didática, e não a construção de naus e
fragatas
- Eram gravuras soltas, e não um livreto (não havia folha de rosto, nem título, nem
numeração).
- Os textos eram também gravados e não tipografados
- Eram gravuras portuguesas, isto é, gravadas em Portugal
- Não eram litografias, mas gravuras em matriz de metal
- Eram destinadas ao ensino da Academia Real dos Guardas-Marinhas
- O conjunto resumia uma tipologia didática dos navios de guerra construídos em
Portugal e no Brasil no século XVIII.
1
O livro “Naus & Fragatas” : Conjunto de gravuras didáticas setecentistas portuguesas” (Rio de Janei-
ro, 2018) contém os seguintes tópicos: Gravuras setecentistas e o ensino na Academia dos Guardas-
-Marinhas; Real Academia dos Guardas-marinhas; Desenho e Arquitetura Naval; Gravadores em Portu-
gal no Século XVIII; “Naus & Fragatas” na História das Marinhas de Guerra de Portugal e do Brasil; As
Gravuras das Naus e da Fragata; Índice das Ilustrações, das Gravuras, e Índice dos Termos Manuscritos
das Gravuras.
12
monumentos, às vezes de mais de um monumento na mesma página mas tinha o incon-
veniente de não ter quase nada sobre arquitetura de Portugal e do Brasil.
Resolvi então, baseado nele, mas com elementos de outras obras, elaborar uma
série de “Esquemas Didáticos”, nos quais, em uma folha, reunia os elementos essenciais
de cada monumento: planta baixa, cortes, fachada, foto interior, etc. Exemplo disso é
o esquema didático da Igreja de Alcobaça, no qual ressalto o contraste entre a austera
fachada gótica cisterciense, e a exuberante transformação da reforma no início do século
XVIII, que sobrepôs uma fachada barroca, na qual mal se distinguem o portal gótico e o
vão circular da rosácea que restaram da primitiva construção. Vista de fora, lembra uma
igreja da Bahia do período barroco. Por dentro, é a dominância estrutural despojada das
igrejas de Cister.2
2
Exemplos de Esquemas Didáticos de História da Arquitetura que elaboramos quando lecionávamos no
CBEP: o da Igreja de Alcobaça e o do Mosteiro de Alcobaça:
13
O mesmo acontece no conjunto de Naus & Fragatas: são gravuras e textos grava-
dos em metal, e não litografias. Nos dois casos são impressões de um só lado do papel,
e não há composição tipográfica: “La particularité de cet ouvrage est qui’il est imprimé
uniquement recto et qu’aucune composition n’entre dans sa réalisation” (Ozanne, 2013,
4ª capa).
Por esse motivo o índice do recueil de Ozanne não é numerado por páginas, mas
por planches, cada uma correspondendo a uma gravura. Ele circulou como livro (com
frontispício e dedicatória) e também simplesmente como conjunto de gravuras, como se
pode deduzir da apresentação da reedição de 2013:
− “Le volume présenté ici correspond à la version incluant la dédicace adressée à
Monseigneur le Duc de Choiseul” (Ozanne, 2013, 4ª capa)
− “La deuxième tirage ne comporte pas le frontistipce ni la dédicace” (Ozanne,
2013, 4ª capa)
Gravuras Portuguesas
Embora copiadas das planches de Ozanne, as ilustraçõess das “Naus e & Fragatas”
foram gravadas em Portugal.
Para provar, bastavam as legendas e os textos que as explicam, e as legendas vaza-
das num português castiço, sem intromissão de termos ou expressões estrangeiras (v. o
“Índice dos termos manuscritos das gravuras” (Moura, 2018, pp. 38/44).
Mas podemos acrescentar outras provas:
− A bandeira Real Portuguesa (escudo encimado pela coroa real), arvorada na popa
da maior nau, a de 120 peças. Enquanto nela se distingue perfeitamente a ban-
deira, no vaisseau correspondente, de 120 canons, na bandeira não são visíveis
os símbolos.
− A frase que aparece no rodapé da gravura da nau de 80 peças: “as manobras
debuxadas nestes primeiros exemplos, se chamam em geral manobras ou cabos
fixos, as seguintes se chamam correntes ou cabos de laborar, todas elas são diri-
gidas segundo o uso da Marinha Portuguesa”. É claro que, em Ozanne não há
essa referência”3
3
a) No livro, onde está “originadas”, deve ser corrigida para “dirigidas” e “Debuchadas” (como está na
gravura), corrigir para “debuxadas” (esboçadas) (Moura, 2018, p. 22).
14
Por coincidência, as planches de Ozanne tinham a mesma destinação, como ele
declara na dedicatória: “Le desir de marquer mon Zele pour les jeunes Militaires que le
Roy fait élever dans ses Ports, m’a fait rassembler dans cet Ouvrage, les Sujets que j’ai
cru les plus propes à leur servir d’Introduction dans l’étude de la Marine [...]” (Ozanne,
1764, pl. 1).
E, no Avertissement, acrescenta que, para tornar a obra acessível ao maior número
de pessoas, separara, na medida do possível “les détails qui regardent directement les
jeunnes Marins de ceux qui peuvent convenir a tout le monde” (Ozanne, 2013, pl. 2).
E os editores da reedição de 2013, confirmam: “ce recueil a été composé pour la
formation des gardes de la marine” (4ª capa).
Transferida em 1807-1808 com a Corte para o Rio de Janeiro, a Academia Real
dos Guardas-Marinhas deu início ao ensino de Marinha de Guerra no Brasil, e à futura
Escola Naval, como destacamos no Naus & Fragatas.
A transferência da Academia Real dos Guardas-Marinhas para o Rio de Janeiro será
objeto de outro estudo.
15
TABELA DE COMPARAÇÃO ENTRE AS MEDIDAS APRESENTADAS
POR OZANNE E AS PELO ADAPTADOR PORTUGUÊS
Dimensões em pés / pieds
FRÉGATE FRAGATA
40 280 a 300 hommes ---
36 --- 230 homens
Em resumo, o trabalho de Ozanne, a que só tivemos acesso posteriormente à publi-
cação do livro Naus & Fragatas, não contradita, como vimos, as conclusões iniciais a que
chegamos.
Até o título que adotamos, Conjunto de Gravuras, é semelhante ao de Ozanne:
Recueil des differens vaisseaux (recueil, corresponde a português recolha).
16
JOÃO DE SOUZA PATHER,
POSSÍVEL TRADUTOR/ADAPTADOR PORTUGUÊS
Folha de rosto do “Caderno de Todos os Barcos do Tejo, Tanto de Carga e Transporte como d’Pesca, por
Joaó de Souza, Lente d’Arquitectura Naval e Desenho, da Companhia dos Guardas-Marinhas / Cayer
de toutes les Barques du Tage, tant de charge de transport que de péche,” publicação facsimilada
da Câmara Municipal de Lisboa (1981).
1
Sobre esse documento, v. n. 2, p. 11 do livro Naus & Fragatas. Posteriormente verificamos que havia
sido publicado, em fac-símile, pelo Prof. Antonio Luiz Porto e Albuquerque no livro Da Companhia
de Guardas-Marinhas e sua Real Academia à Escola Naval 1782-1982, Rio de Janeiro, Xerox 1982. V.
também Moura, 2019, p.36.
17
Ele foi assinado pelo Capitão-de-Mar-e-Guerra José Maria Dantas Pereira,
“Comandante da Companhia dos Guardas-Marinhas e Corpo de Sua Real Academia”
e pelos lentes de Matemática Manoel Ferreira de Araújo Guimarães e Segundo Tenente
do Mar Joaquim Ângelo Coelho Freire; pelo Tenente de Artilheria, Capitão de Fragata
Antonio Gonçalves Pereira; pelo Mestre de Aparelho e Manobra Primeiro Tenente do
Mar Nicolao José Ribeiro; e pelo Mestre de Architetura Naval e Desenho, Segundo
Tenente do Mar José Correia da Costa.
Com base nesse documento, apresentamos a hipótese de ter sido José Correia da
Costa o desenhador do conjunto “Naus & Fragatas”, porque julgávamos que ele tivesse
sido o primeiro mestre de Desenho e Arquitetura Naval da Academia Real dos Guardas-
-Marinhas.
A excelente obra do Prof. Nuno Martins Ferreira, A Institucionalização do Ensino
da Náutica em Portugal (1779-1807) – (Lisboa, 2017), apresenta um Dicionário biobi-
bliográfico da produção científica dos professores das academias náuticas de Lisboa e Porto,
que reúne bem documentadas sínteses das atividades dos 26 professores que lecionaram
na Academia Real de Marinha, na Academia Real dos Guardas-Marinhas e na Academia
Real de Marinha e Comércio da Cidade do Porto (Anexo V, pp. 356-392).2
Ele elencou os professores mais importantes das Academias – os das cadeiras de
Matemática e Científicas e não estudou os mestres que ensinavam práticas. Não apa-
recem na lista, por exemplo, Nicolau José Ribeiro, Mestre de Aparelhos e Manobra;
Antonio Gonçalves Pereira, que ensinava artilharia; nem José Correia da Costa, Mestre
de Arquitetura Naval e Desenho, que era um dos nossos principais pesquisados.
Posteriormente, tivemos acesso à edição fac-similar de uma coleção de gravuras que
ostenta, logo na folha de rosto da edição setecentista, o nome do primeiro lente de Arqui-
tetura Naval e Desenho: “Caderno de Todos os Barcos do Tejo, Tanto de Carga e Transporte
como D’Pesca, por Joaó de Souza, Lente d’Arquitectura Naval e Desenho da Companhia
dos Guardas-Marinhas”, também com o título em francês: Cayer de toutes les Barques du
Tage, tant de charge, de transport, que de pêche.
As vinte gravuras representam barcos identificados por legendas em francês e por-
tuguês também gravadas. Duas delas representam cada qual dois barcos, e as restantes
representam apenas um.
As gravuras são só de um lado do papel e o verso em branco, tal como ocorre no
Recueil de Ozanne, e também no conjunto Naus & Fragatas.3
2
Quanto a Brunelli, dúvidas que perduravam não esclarecidas no capítulo correspondente (pp. 53/70)
do livro Astronomia na Amazônia no século XVIII (Tratado de Madri) – os astrônomos Szentmártonyi e
Brunelli - Instrumentos Astronômicos e Livros Científicos (Moura, 2008).
3
São as seguintes as 20 gravuras: Yate Português; Barcos Cacilheiros; Barca d’Aldea Galega; Fragata,
d’Alcochete; Barcos dos Moinhos; Barcos de Riba Tejo; Bateis d’Agoa á ssima; Bateira, de Porto Bran-
dão; Barco de Moyos; Fragatas; Falua A, e Catraio B; Escaler a Remos; Lanchas, do Alto; Cayque; Barco
de Cesimbra; Barcos da Ericeira; Barcos de Cascaes; Moleta; Batel; Saveiro da Costa (fig. A), e do Tejo
(fig. B)
18
A primeira gravura é a de um belo Yate Português, com a bandeira real arvorada na
popa. Em baixo, no canto à esquerda do leitor, a inscrição “Ramalho f. em 1785”, isto é,
“Ramalho fecit em 1785”, como costumavam assinar os gravadores.
Podemos concluir que os desenhos foram feitos pelo lente de Desenho, João de
Souza, e o artista que os gravou, pelo menos o primeiro, terá sido José Joaquim Rama-
lho, um dos alunos do abridor Joaquim Carneiro da Silva, que dirigiu, de 1769 a 1783
a escola de gravura da Impressão Régia. (V. Gravadores em Portugal no século XVIII,
Moura, 2018, pp. 11/13).
O arquiteto Octávio Lixa Filqueiras publicou, em 1985, estudo intitulado Introdu-
ção ao “Caderno de Todos os Barcos do Tejo, Tanto de Carga e de Transporte como d’Pesca”,
no qual faz várias correções à apresentação da reedição de 1982, mas sobretudo apre-
senta importantes revelações sobre o autor: João de Souza Pather, “mestre do Risco, foi
nomeado Lente de Desenho e Arquitetura Naval (duas cadeiras) em 19 de março de
1783, seis dias antes de começarem as aulas da Academia dos Guardas-Marinhas” (Fil-
gueiras, 1985, p. 9).
19
Em notas, ele acrescenta que essa é “a primeira referência a este seu sobrenome”, e
pergunta se não teria sido parente do pintor francês João Baptista Pather (1695-1736); e
afirma que em documentos sobre a Academia Real dos Guardas-Marinhas e a Academia
Real de Marinha, “encontram-se documentos assinados por João de Souza Pather, ainda
como lente de Desenho e Arquitetura Naval, datados de 1802 (ou seja) 20 anos depois
de sua nomeação” (Filgueiras, 1965, p. 9, n. 28 e n. 29).
Em livro citado na Bibliografia da obra do Prof. Nuno Matos Ferreira, de autoria da
Profª Ana Patrícia de Morais da Fonseca Martins, intitulado Daniel Augusto da Silva e o
Cálculo Actuarial. o quadro A.1.2, lista os lentes, professores e mestres da Academia Real
de Guardas-Marinhas durante todo o seu período de funcionamento, de 1783 a 1845
(Martins, 2012, p.p. 402/411).
Na coluna Professor de Arquitetura Naval e Desenho, o nome de João de Souza apa-
rece nos períodos 1787-88, 1788-89, 1789-90, 1790-91, 1791-92, - isto é, de 1787 a
1792.
Entretanto, como referimos, ele foi nomeado lente de Desenho e Arquitetura Naval
em 19/03/1783, e, de acordo com notícia publicada pela Gazeta de Lisboa, as aulas da
Academia começaram em 24 de março desse ano, e justamente pelas citadas matérias
(Moura, 2019, pp.17 e 29). Portanto, João de Sousa foi lente dessas matérias de 1783 a
1792.
A partir de 1792, quem aparece como Professor de Arquitetura Naval e Desenho
é José Correia.4
O Ministro dos Negócios Estrangeiros D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que exer-
ceu cumulativamente, de 06/01/1801 a 14/06/1801, a pasta da Marinha, ao passar esse
encargo ao Visconde de Anadia, na carta-relatório que lhe endereçou, informa que João
de Souza Pather era quem dirigia a Escola de Construção, e tinha como subordinados,
Antonio Joaquim e Julião Pereira (Neivas, Rev. Navigator, p. 16).
4
Até aqui o que interessa ao presente trabalho. Entretanto, já que estamos com a mão na massa, resu-
mimos mais o que possa interessar ao estudo da Academia Real dos Guardas-Marinhas em Portugal e
no Brasil, de 1796 até 1822-1823, encontrados no livro Daniel Augusto da Silva e o Cálculo Actuarial,
da Profª Patrícia de Morais da Fonseca Martins:
A partir de 1796, a coluna passa a denominar-se Mestre de Construção Naval Prática e Desenho, e o
nome que aparece é José Correia da Costa: 1796-97, 1797-98, 1798-99, 1799-1800, 1800-01, 1801-
02, 1802-03, 1803-04, 1804-05. No período de 1805-06 todas as colunas estão em branco (Lentes de
Matemática (3) Lentes substitutos (2), Lentes de Artilharia, Mestre de Aparelho, Mestre de Construção
Naval e Desenho); e até mesmo a coluna Observações está em branco.
Para os períodos 1806-07 e 1807-08 as colunas voltaram a ser preenchidas, inclusive a de Mestre de
Construção Naval Prática e Desenho, com o nome de José Correia da Costa. Os anos de 1808 até 1825,
em que a Real Academia dos Guardas-Marinhas estava no Rio de Janeiro será abordado por nós em
outro trabalho, que trata especificamente desse período.
20
Pather deve ter falecido nos primeiros meses de 1813 ou pouco antes, pois, por Real
Resolução de 12 de maio desse ano, foi concedida uma tença da quantia de quinhentos
reais diários a D. Leonarda Magdalena de Sousa Pather, “pelo falecimento de seu Pai João
de Souza Pather, primeiro Construtor que foi do Arsenal Real da Marinha”.5
Várias circunstâncias concorrem para a hipótese de João de Souza Pather ter sido
o autor da adaptação/tradução das gravuras e textos das nove planches do Recueil de
Ozanne: Mestre do Risco; primeiro Lente de Arquitetura Naval e Desenho da Academia
dos Guardas-Marinhas, Diretor da Escola de Construção Naval do Arsenal de Lisboa,
autor do Caderno de Todos os Barcos do Tejo. Além disso, a familiaridade com o idioma
francês e sua possível origem.
Enquanto não aparecerem documentos sobre a autoria, resta-nos esta nova hipótese.
Outras questões que perduram são as referentes às determinações que levaram à
execução dessa coleção e as referentes ao nome do artista que abriu no metal as gravuras.
5
Nota publicada na Chronica Constitucional de Lisboa, n. 59 de 2 de outubro de 1833, p. 311: “Se-
cretaria de Estados dos Negócios da Marinha e Ultramar Sua Majestade Imperial o Duque de Bragança,
Regente em nome da Rainha, a Quem foi presente o requerimento de D. Leonarda Magdalena de Sousa
Pather, Foi servido aceitar a oferta da dita D. Leonarda, da Tença da quantia de quinhentos rs. diários,
desde o primeiro d’Agosto do corrente anno, até fim de Janeiro de 1834, que obteve pela Real Resolução
de 12 de Maio de 1813, pelo falecimento de seu Pai João de Sousa Pather, primeiro Constructor que foi
do Arsenal Real da Marinha: e Manda agradecer e louvar os sinceros sentimentos e desejos de cooperar
para bem da Causa que os verdadeiros Portugueses defendem, e ficam expedidas as necessarias Ordens
a fim de que se torne effectiva a sobredita offerta. Paço das Necessidades em 29 de Setembro de 1833.
= Agostinho José Freire.
Secretaria d’Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar em 30 de Setembro de 1833. = Antonio José
Maria Campêlo”. (Acervo do Real Gabinete Português de Leitura).
21
ANEXO I
Com a equipagem, ocorre o contrário: nas naus é sempre inferior à extrema menor
do vaisseau. Quanto ao calibre das peças, só nos castelos (8) e na tolda (8), é diferente:
nos Gaillards (6) e Dunette (4).
24
NAU DE 90 PEÇAS
“Estas naus têm três baterias, castelo e uma tolda pequena, sem tombadilho, a sua
artilharia difere pouco dos navios precedentes, as suas manobras se operam com menos
dificuldade; o uso que delas se faz nas armadas é o mesmo, porque as suas propriedades
são semelhantes às dos navios da primeira grandeza.”
Baseada na gravura do Vaisseau de 90 canons. Texto de apenas 5 linhas, traduzido.
A gravura de Ozanne apresenta, entre o texto e as legendas dos mastros, o desenho
de uma nuvem da qual saem quatro raios para as laterais. A gravura portuguesa não
reproduz essa vinheta.
A maior diferença é nas medidas. Sempre superiores ao maior limite do vaisseau.
O calibre das peças só é diferente nos Castelos e na Tolda (8) e nos Gaillards (6) e
Dunette (5).
25
NAU DE 80 PEÇAS
“Estas naus são da segunda classe, têm duas baterias, castelo, tolda, e tombadilho;
as que trazem Artilharia de 36 na primeira bateria, de 24 na segunda, de 12 na tolda, e
castelo, lançam quase tantas libras de bala por descarga como as naus de 100 peças; as
grossuras das madeiras e as solidezas dos seus cascos as constituem capazes de resistir às
naus da primeira classe, e em geral, elas se manobram com menos dificuldade.”
Gravura baseada na do vaisseau de 80 canons. Texto traduzido do de Ozanne, menos
a última linha. No rodapé da gravura, há um texto de três linhas, com letra muito miúda,
que termina assim: “elles sont dirigée selon l’usage le plus suivi aujourdhui.” O autor
português alterou para: “todas elas são dirigidas segundo o uso da Marinha Portuguesa.”
26
NAU DE 74 PEÇAS
“Estas naus são de um serviço mais considerável que as precedentes, e se manobram
com mais facilidade, elas podem pela sua grandeza, e força fazer um combate vigoroso e
ao mesmo tempo ativo, são preferidas às primeiras porque podem levar a guerra às partes
mais remotas, enfim, são olhadas como os melhores navios de batalha.”
Gravura baseada na do vaisseau de 74 canons. A gravura portuguesa não representa
o Palanquin, indicado com a letra K no vaisseau.
A tradução do texto termina com uma pequena modificação: “são olhados como
os melhores navios de batalha”, em vez de “ils sont regardés comme de forts vaisseaux de
bataille”.
Diferença nos calibres: 1ª bateria (24), 1.ere Bat. 36 ou 24, Castelo e Tolda (8),
Gaillards (8 ou 6), Dunette (4).
27
NAU DE 64 PEÇAS
“Estas naus são consideradas em o número dos bons navios de guerra, e se mano-
bram com facilidade, a sua grandeza é muito própria para dilatados corsos, e expedições
militares que pedem atividade; e enfim juntas com navios de 80 e 74 peças, podem for-
mar armadas, que reúnam força e ligeireza.”
Gravura baseada na gravura do vaisseau de 64 canons. Tradução do texto de Ozanne.
Calibres:
1ª bateria (24); 1.ere Bat. (24 ou 18); 2ª bateria (12); 2.eme Bat. (18 ou 12); Castelo/
Tolda (4); Gaillards (6).
28
NAU DE 50 PEÇAS
“Estas embarcações são as mais pequenas que se batem em corpo d’Armada; as que
trazem somente peças de 12 e 8, servem melhor a escoltar frotas mercantes, e a comissões
particulares, que a ocupar o lugar de uma nau de linha.”
Gravura baseada na gravura do navire de 50 canons.
A legenda de Ozanne é composta de dois parágrafos. O adaptador português só
traduziu o primeiro, referente propriamente ao navire de 50 canons.
O segundo parágrafo, não traduzido, refere que são construídos navios para menos
de 50 até 30 canhões, mas em geral mais próprios para o comércio que à guerra “a cause
du defaut qu’ont presque touts ces Bâtiments, d’avoir la Batterie noyée.”
Calibres:
1ª bateria (18); 1.ere Bat. (18 ou 12); 2ª bateria (12); 2.eme Bat. (12 ou 8); Castelo/
Tolda (4); Gaillards (4).
29
FRAGATA DE 36 PEÇAS
“Estas embarcações têm só uma bateria, tolda, e castelo; elas servem para descobrir
as armadas inimigas e nos combates se têm ao porte de socorrerem os navios desampara-
dos, a impedirem os aproches dos brulotes, repetirem os sinais, e levarem ordens do gene-
ral a diferentes lugares da armada. Também se empregam a comboiar frotas mercantes,
guarda-costas, e a outras comissões particulares.”
A planche de Ozanne, além de representar a Frégate A, representa a Corvette B.
A gravura portuguesa representa só uma Fragata de 36.
O texto de Ozanne é dividido em dois períodos: o primeiro, de 5 linhas, e segundo,
de 7 linhas. A gravura portuguesa só transcreveu o segundo período.
Esta fragata de 36 peças é criação original do adaptador português. Ozanne não
inclui essa fragata, mas três diferentes: de 40, de 30 e 20 peças, e a Corvette, de 12. Só nos
resta comparar a fragata de 36 peças com a frégate de 40 canons.
Calibres: 1ª bateria (8); 1.ere Bat. (12 ou 8); Castelo/Tolda (4); Gaillards (6 ou 4).
30
31
32
33
ANEXO II
Bateau – “Ces Bâtiments sont très communs dans l’Amérique, et y servent, suivant les
occurrences, à la course ou au commerce; on forme ordinairement leur équipage par des
Flibustriers matelots errants du pays [...]” (Pl. 20)
Bataria – V. Batterie
Bateria – V. Batterie
Bâtiment – “Est un nom général que l’on donne à toutes sortes de Vaisseaux, particuliere-
ment, à ceux du commerce, on dit, un Bâtiment marchand, et un Vaisseau de Guerre” (Pl. 4)
Batterie – “On nomme batterie des étages percés pour porter des cannons dans toute la lon-
gueur du Vaisseau” (Pl. 50)
Calibre – “Un canon de 24, 18, 12, etc. est une piéce d’artillerie dont le boulet pese 24, 18
et 12 livres c’est ainsi qu’on a designé les cannons de differents calibres à la table qui forme la
21. planche de ce livre” (Pl. 50)
Cannon – V. Calibre
Canhão - v. Canon, Calibre
Castelo – V. Gaillard
Corveta – V. Corvette
Corvette . “Les plus petites [Fregattes] se nomment Corvettes” (Pl. 4)
Creux – “Profundeur intérieure d’un navire” (Grand Larousse Encyclopédique)
Dunette – “Courte superestructure, placée à l’extremité arrière du navire, s’estendant en lar-
gueur d’un bord à l’autre et complètement fermée”. “Il y avait le gaillard d’avant et le gaillard
d’arrière. Actuellement, seul le premier a conservé son nom, et le gaillard d’arrière s’appelle
dunette.” (Grand Larousse Encyclopédique).
Équipage – “On entend par équipage les matelots, soldats et autres gens de monoeuvre
embarqués sous les ordres des officiers qui forment l’état major du Vaisseau” (Pl. 50)
Equipagem – V. Équipage
Fragata – V. Fregatte
Fregatte – “Est un petit navire de guerre taillé pour avoir beaucoup de vitesse, on dit une
fregatte legere, une jolie fregatte, les plus petites, se nomment Corvettes” (Pl. 4)
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Gaillard – Castelo. Gaillarde d’avant-Castelo de Proa. Gaillard d’arrière – Castelo de Popa.
Garde de la marine – v. garde-marine
Garde-marine – “Nome donné, sous l’Ancien Régime, aux jeunes gens se destinant à la car-
rière d’officier de marine” (Grand Larousse Encyclopédique)
Guarda-marinha – “Posto intermédio entre aspirante e 2º tenente, correspondente a alferes
no Exército. [...] Actualmente, na classe do Serviço Geral, não há guardas-marinhas, mas
subtenentes. Outro tanto acontece na Reserva Naval”. (Leitão e Lopes, Dicionário da Lingua-
gem de Marinha Antiga e Actual. Lisboa, 1963)
“Título que recebem os alunos da Escola Naval (v. aspirante a guarda-marinha) durante o
estágio de adaptação por que passam antes de serem promovidos a segundo-tenente” (Cami-
nha, Dicionário Marítimo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1996).
Navio – V. Bâtiment, Vaisseau, Navire, Fregatte, Corvette, Bateau.
Navire – “Est synonime à Vaisseau, et se dit souvent en diminutif, on dit un joly Navire et
un beau Vaisseau” (Pl. 4)
Palan – “Appareil de levage utilisé pour deplacer verticalement une charge sur une course
limité” (Grand Larousse Encyclopédique).
Palanquim – V. Palanquin
Palanquin – “Aparejo que se usa a bordo para meter los cañones en bateria después de hecha
la carga” (Diccionario de la Lengua Española)
Palanquin – “Petit palan, simple ou double, servant à prendre les ris” (Grand Larousse Ency-
clopédique)
Pé – Unidade de comprimento antiga, cujo valor variava de país para país, cuja lista é forne-
cidade pelo Dicionário Náutico Brasileiro, que atribui ao pé português 0,329m, e ao frânces,
ou pé régio, 0,3248m (Caminha, 1996, p. 332)
Pied – “Ancienne Unité de mesure de lengueur en France, dénommé pied de Roi, qui conte-
nait 0,3248m” (Grand Larousse Encyclopédique)
Planche – “Morceau de bois nettement plus large qu’épais et relativement long” [...] “Estam-
pe, épreuve tirée à l’aide d’une planche gravé” (Grand Larousse Encyclopédique).
Prancha – V. Planche
Recueil – “Ouvrage où sont réunis des écrits, des lois, des gravures, etc.” (Grand Larousse
Encyclopédique).
Vaisseau – “On dit un Bâtiment marchand, et un Vaisseau de Guerre” (Pl. 4).
Vaisseau de ligne – “Ou de haute bord, destiné à combattre en ligne, c’est à dire, en escadre”
(Grand Larousse Encyclopédique). “Toutes les Vaisseaux qui sont assès forts pour entrer dans
la ligne de Combat”. (Pl. 50)
Tolda – “Nas naus e nos galeões, era o primeiro pavimento do Castelo de Popa, o qual chega-
va perto do mastro grande e sobre o qual, mais recuada, se erguia a alcáçova” (Leitão, 1963)
Tombadilho – “Superestrutura da popa”. Dunette.
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BIBLIOGRAFIA
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