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NOÇÕES BÁSICAS SOBRE DIREITO ADMINISTRATIVO

E LEGISLAÇÃO
LEITURA COMPLEMENTAR

ASSESSORIA JURÍDICA DA SECRETARIA DE


ECONOMIA, FINANÇAS E ADMINISTRAÇÃO DA
AERONÁUTICA
(AJUR-SEFA)
OBJETIVO

Apresentar noções básicas sobre temas relevantes do


Direito Administrativo e Legislação, visando proporcionar melhor
compreensão sobre os fundamentos legais, doutrinários e
jurisprudenciais aplicáveis à Administração Pública.

2
SUMÁRIO
NOÇÕES BÁSICAS DE DIREITO ADMINISTRATIVO e
LEGISLAÇÃO

1. CONSIDERAÇÕES GERAIS 06
1.1 Teoria do Escalonamento Jurídico 06
1.2 Conceito de Direito Administrativo 08
1.3 Advocacia-Geral da União -AGU 08
1.4 Princípios da Administração Pública 14
1.4.1. Princípios expressos 17
1.4.1.1 Legalidade 19
1.4.1.2 Impessoalidade, finalidade ou isonomia 21
1.4.1.3. Moralidade 25
1.4.1.4. Publicidade 27
1.4.1.5. Eficiência 30
1.4.2 Princípios implícitos 33
1.4.2.1 Supremacia do interesse público sobre o interesse
privado 33
1.4.2.2 Indisponibilidade do interesse público 34
1.4.2.3 Controle judicial dos atos administrativos 34
1.4.2.4 Princípio da Autotutela 37
1.4.2.5 Princípio da Motivação 37
1.4.2.6 Princípio da Proporcionalidade 38
1.4.2.7 Razoabilidade 39
1.4.2.8 Princípio do Contraditório e da Ampla defesa 40
1.4.3 Princípios da Lei nº 8.666/93_Introdução 41
1.4.3.1 Princípio da Vantajosidade 41
1.4.3.2 Princípio da Igualdade ou Isonomia 42
1.4.3.3 Princípio da Probidade administrativa 42
1.4.3.4 Princípio da Vinculação ao instrumento convocatório 44
1.4.3.5 Princípio do Julgamento objetivo 47
1.4.4 Princípios Implícitos da Licitação 48
1.4.4.1 Princípio da adjudicação compulsória 49
1.4.4.2 Princípio da competitividade 50
1.4.5 Princípios da Lei nº 9.784/99_Introdução 51
1.4.5.1 Princípio da finalidade 52
1.4.5.2 Princípio da segurança jurídica 52
2. RESPONSABILIDADE FISCAL 54
2.1 Conceito de Gestão Pública 56
2.2 Conceito de Gestor Público 58
2.2.1 Legislação 59
2.2.2 Atribuições 59
2.3 Fundamentos da Lei de Responsabilidade Fiscal 61
2.4 Responsabilização 62
2.4.1 Responsabilidade Administrativa 63
2.4.2 Responsabilidade Civil 64
2.4.3 Responsabilidade Penal 65
2.4.4 Improbidade Administrativa 65
2.4.5 Vedações Previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal 66
2.4.5.1 Controle de despesa total com pessoal 66
2.4.5.2 Recondução da dívida consolidada 67
2.4.5.3 Operações de crédito por antecipação de receita 67
orçamentária
2.4.5.4 Efeitos do orçamento em relação a direitos de 68
terceiros
3. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA_LEI 8.429/92 69
4.RESPONSABILIDADE DOS AGENTES DA PÚBLICOS 80
4.1 Agentes Públicos 80
4.1.1 Agentes Políticos 82
4.1.2 Servidores Públicos em sentido amplo (ou Agentes 83
Administrativos)
4.1.2.1 Servidores Estatutários 83
4.1.2.2 Empregado Público (Celetista) 84
4.1.2.3 Servidores Temporários 84
4.1.2.4 Particulares que atuam em colaboração com o Poder 84
Público
4.1.2.5 Particulares por delegação 85
4.1.2.6 Particulares que atuam por convocação, nomeação ou 85
designação
4.1.2.7 Agentes necessários ou gestores de negócios públicos 85
4.1.2.8 Agentes credenciados 86
4.1.2.9 Militares 87
4.2 Responsabilidades dos agentes 87
4.2.1 Responsabilidade Administrativa, Civil e Penal 88
4.2.1.1 Responsabilidade Administrativa 89
4.2.1.1.1 Sindicância do Processo Administrativo 91
4.2.1.1.2 Do julgamento 92
4.2.1.2 Responsabilidade Penal 93
4.2.1.3 Responsabilidade Civil 95
5. CONTROLE ADMINISTRATIVO 97
5.1 Conceito 98
5.2 Finalidade 98
5.3 Abrangência 98
5.4 Controle Interno 100
5.5 Controle Externo 101
4
5.6 Controle Administrativo 103
5.7 Controle Legislativo 104
5.8 Controle Judiciário 104
6. REFERÊNCIAS 106
NOÇÕES BÁSICAS DE DIREITO INTERNACIONAL

1. FONTES 108
2. ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 135
3. ATOS INTERNACIONAIS 137
4. SOLUÇÕES DE CONFLITO 139

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1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

1.1 TEORIA DO ESCALONAMENTO JURÍDICO

O ordenamento jurídico de um determinado Estado consiste em


um sistema unitário de normas em perfeita harmonia umas com as outras,
formando um todo coerente. Assim, de acordo com a teoria do escalonamento
das normas, elaborada por Kelsen, pode-se afirmar que o núcleo da unidade de
um ordenamento jurídico é que as normas desse ordenamento não estão todas
no mesmo plano. Bobbio, adotando os ensinamentos de Kelsen, pondera que
“há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das
superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais
acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra
norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento.”
Bobbio ensina que num dado ordenamento jurídico as normas são
dispostas de forma escalonada hierarquicamente, de modo que, considerando-
se a disposição das normas em uma pirâmide, vamos encontrar em seu ápice a
norma suprema, fundamental, da qual todas as outras normas dependem e
retiram sua eficácia e validade. Assim, pode-se afirmar que o sistema normativo
está colocado em uma certa ordem, onde as normas são classificadas segundo
um determinado grau de superioridade, indo-se desde a norma mais inferior até
alcançar a norma suprema, ou seja, a norma que dá legitimidade ao comando
normativo e da qual todo o ordenamento jurídico depende.
Assim, num ordenamento jurídico pode-se verificar a existência
de um sistema escalonado de normas seguindo uma dada hierarquia, na qual as
normas inferiores devem estar em conformidade com as normas superiores.
Dois princípios enunciam essa hierarquização: princípio da constitucionalidade
e princípio da legalidade.
Pelo princípio da constitucionalidade, todas as normas inferiores
devem estar em conformidade com a Constituição Federal. E o princípio da
legalidade determina que os atos executivos e judiciais devam estar em
conformidade com a lei, enquanto estas devam subordinar-se entre si.
Desse modo, quando uma norma inferior contraria disposição de
norma superior, verifica-se uma antinomia, devendo, portanto, concluir-se pela
inaplicabilidade da norma inferior por ferir o ordenamento jurídico de
distribuição hierárquica das normas. 1
A ideia de conformidade com a Constituição inspira o Princípio
da Supremacia da Constituição, que, nos dizeres do Professor José Afonso da
Silva, reputado por Pinto Ferreira como “Pedra angular em que assenta o
edifício do moderno direito político”, “significa que a constituição se coloca no
vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os
poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconhece e na
proporção por ela distribuídos. É, enfim, a Lei suprema dos Estado, pois é nela
que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos;
é nela que se acham as normas fundamentais do Estado, e só nisso se notará
sua superioridade em relação às demais normas jurídicas”.
Desse princípio, continua o mestre, “resulta o (princípio) da
compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido
de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com
as normas de grau superior, que é a Constituição. As que não forem compatíveis
com ela são inválidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor de
normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade
das inferiores”.
Assim a Constituição está no ápice da pirâmide, orientando e
“iluminando” os demais atos infraconstitucionais.

1
Trecho adaptado tirado do trabalho: OLIVEIRA, José Péricles de. Hierarquia das normas no direito do
trabalho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 39, mar 2007. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3775>. Acesso em out 2018.

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1.2 CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO

“Conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público, regem as


relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e as coletividades a que
devem servir.” (José dos Santos Carvalho Filho)
A definição de Direito Administrativo não é das tarefas a mais
fácil. Isso porque, a cada livro consultado, temos um leque considerável de
opções, o que demonstra certa imprecisão em torno do conceito e objeto do
Direito Administrativo.
Dentre as mais variadas doutrinas existentes no ordenamento
jurídico pátrio, podemos conceituar o Direito Administrativo como: “Um
conjunto de regras e princípios que tratam da estrutura e organização da Administração
Pública em sentido lato e de todo exercício de atividades administrativas para consecução do
atendimento às necessidades públicas do Estado.” (Celso Spitzcovsky)
Apesar da tendência estrita em determinar o campo de atuação de
certos ramos do direito em serem públicos ou privados – dicotomia esta
existente para finalidade meramente didática – o Direito Administrativo será
alocado como ramo do Direito Público, uma vez que o Estado é o maior
partícipe de todo conjunto de relações jurídicas estabelecidas com o particular.
Pelo critério da Administração Pública, o Direito administrativo é
ramo do direito que rege a Administração Pública como forma de atividade;
define suas pessoas administrativas, organização e agentes; regula, enfim, os
seus direitos e obrigações, umas com as outras e com os particulares, por
ocasião do desempenho da atividade administrativa.

1.3 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO - AGU

A Advocacia-geral da União é a instituição que, direta ou


indiretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial ou
extrajudicial.
É competência da AGU as atividades de consultoria e
assessoramento jurídico do Poder Executivo, nos termos da Lei Complementar
8
que dispuser sobre sua organização e funcionamento (art. 131, caput, CF/88).
A Lei Complementar de referência é a LC nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
O chefe da Advocacia-geral da União é o Advogado-geral da
União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores
de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Abaixo está a estrutura organizacional da AGU2:
I-ÓRGÃOS E UNIDADES CENTRAIS
 Advogado-Geral da União
 Advogado-Geral da União Substituto
 Conselho Superior da Advocacia-Geral da União
 Secretaria-Geral de Consultoria
 Secretaria-Geral de Contencioso
 Consultoria-Geral da União
 Procuradoria-Geral da União
 Procuradoria-Geral Federal
 Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
 Procuradoria-Geral do Banco Central
 Corregedoria-Geral da Advocacia da União
 Ouvidoria da Advocacia-Geral da União
 Escola da Advocacia-Geral da União
 Secretaria-Geral de Administração
 Adjuntoria de Gestão Estratégica

II-UNIDADES CONSULTIVAS DA ADMINISTRAÇÃO


DIRETA
 Assessoria Jurídica junto à Agência Brasileira de
Inteligência

2
http://www.agu.gov.br/estrutura

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 Assessoria Jurídica junto à Secretaria Especial de
Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário
 Consultoria Jurídica Adjunta junto ao Comando da
Aeronáutica
 Consultoria Jurídica Adjunta junto ao Comando da
Marinha
 Consultoria Jurídica Adjunta junto ao Comando do
Exército
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovação e Comunicação
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Cultura
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Defesa
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Educação
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Indústria,
Comércio Exterior e Serviços
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Integração
Nacional
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça e
Segurança Pública
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Transparência e
Controladoria-Geral da União
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Cidades
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Relações
Exteriores

10
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério de Direitos
Humanos
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério de Minas e Energia
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério do
Desenvolvimento Social
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Esporte
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Meio Ambiente
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Trabalho
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Turismo
 Consultoria Jurídica junto ao Ministério dos Transportes,
Portos e Aviação Civil

III-UNIDADES DE CONTENCIOSO JUDICIAL DA


UNIÃO
 Procuradoria-Regional da União da 1ª Região

IV-UNIDADES CONSULTIVAS E DE CONTENCIOSO DE


AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES
 Procuradoria-Regional Federal da 1ª Região
 Procuradoria Federal Especializada junto à Agência
Nacional de Telecomunicações
 Procuradoria Federal Especializada junto à Fundação
Nacional de Saúde
 Procuradoria Federal Especializada junto à Fundação
Nacional do Índio

11
 Procuradoria Federal Especializada junto ao Conselho
Administrativo de Defesa Econômica
 Procuradoria Federal Especializada junto ao Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes
 Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
 Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade em
Brasília/DF
 Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária
 Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto
Nacional de Tecnologia da Informação
 Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto
Nacional do Seguro Social
 Procuradoria Federal junto à Agência Espacial Brasileira
 Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Águas
 Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Aviação
Civil
 Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Energia
Elétrica
 Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de
Transporte Aquaviários
 Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de
Transportes Terrestres
 Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de
Vigilância Sanitária

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 Procuradoria Federal junto à Embratur - Instituto
Brasileiro de Turismo
 Procuradoria Federal junto à Fundação Alexandre
Gusmão
 Procuradoria Federal junto à Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
 Procuradoria Federal junto à Fundação Cultural Palmares
 Procuradoria Federal junto à Fundação Escola Nacional de
Administração Pública
 Procuradoria Federal junto à Fundação Universidade de
Brasília
 Procuradoria Federal junto à Superintendência de
Desenvolvimento do Centro-Oeste
 Procuradoria Federal junto à Superintendência Nacional de
Previdência Complementar
 Procuradoria Federal junto ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
 Procuradoria Federal junto ao Departamento Nacional de
Produção Mineral
 Procuradoria Federal junto ao Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação
 Procuradoria Federal junto ao Instituto Brasileiro de
Museus
 Procuradoria Federal junto ao Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada
 Procuradoria Federal junto ao Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional

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 Procuradoria Federal junto ao Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília
 Procuradoria Federal junto ao Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

V-UNIDADES CONSULTIVAS E DE CONTENCIOSO EM


MATÉRIA TRIBUTÁRIA DA UNIÃO
 Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional da 1ª Região

VI-UNIDADES DA ESCOLA, CORREGEDORIA E


ADMINISTRAÇÃO
 Superintendência de Administração no Distrito Federal

1.4 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os princípios são os vetores fundamentais que alicerçam o edifício


jurídico das regras. Há quem diga que a não observância aos princípios é mais
grave que ignorar o comando legal, afinal os princípios têm eficácia
normogenética. Mas o que seria eficácia normogenética? Em outras palavras,
nada mais é a carga genética das leis onde (DNA) encontramos os princípios
(consistentes em dar fundamento finalístico-valorativos para a edição de novos
preceitos e neles reproduzir esse conteúdo).

Além da eficácia normogenética, socorre-se dos ensinamentos do


doutrinador Diogo de Figueiredo para enumerar outras eficácias mediata dos
princípios. Vejamos:
 Axiológica: consiste em definir com clareza, na ordem
jurídica, os valores que a informam;

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 Otimizadora: consiste em orientar a interpretação dos
preceitos e dos atos concretos que formam a ordem jurídica, conferindo-lhes a
mais ampla, profunda e completa aplicação possível a seu conteúdo de valor;

 Sistêmica: consiste em interconectar todos os preceitos e


atos concretos orientados pelo mesmo princípio, como se formasse uma
superestrutura abstrata, que lhes infunde unidade e coerência;
 Integrativa: consiste em preencher eventuais lacunas da
ordem jurídica.
Se os princípios são normas que antecedem as regras, fácil
perceber que os são dotados de carga normativa mais perene do que as leis,
principalmente, porque não há hierarquia material entre os princípios - por
exemplo: o princípio da eficiência, que é o mais recente dos princípios
expressos, convive harmonicamente com os demais princípios sem que haja
conflito entre seus conteúdos. A partir de um exemplo, fica mais simples
compreender a ausência de hierarquização material entre princípios.
Imaginem a construção de um prédio. Começaremos por onde? Pela
base, claro, seus alicerces, que devem permanecer nivelados, para que
o prédio não corra risco de desmoronar. Se uma parte do alicerce
estivesse mais elevada que as demais, nosso prédio certamente
tombaria.
Nosso “prédio”, daqui por diante, é a Administração Pública. E
seus pilares, são os princípios, que dão suporte a toda atividade da
Administração, e as janelas são as regras (leis). Na ordem jurídica brasileira,
hierarquizam-se, formalmente, os princípios constitucionais e
infraconstitucionais.
Como dito, por serem orientativos, os princípios constitucionais
não possuem, entre si, hierarquização material: não há princípio mais ou menos
importante, TODOS são de igual importância.

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O quadro, a seguir, sintetiza as formas de resolução de conflitos
das leis e dos princípios. Perceba que são critérios distintos.

CONFLITO
Lei Princípio
Hierarquia Princípio da
predominância dos
Cronológico
valores.
Especialidade

Você pode se perguntar: Se não há hierarquia material, como resolver


eventuais conflitos?

Tratando-se de princípios o que acontece, em um caso concreto,


é que um ou mais princípios podem prevalecer quando comparado a outro.
Aplica-se o Princípio da Preponderância de Interesses ou Valores ou da
Ponderação.
Assim, devemos afastar a “velha” ideia de que o Princípio da
Legalidade está além, acima dos demais, em razão do estrito dever que tem a
Administração de obedecer a lei, por intermédio de seus agentes. O
entendimento é equivocado. O princípio da legalidade precede (vem antes) aos
demais, mas não é maior do que os demais princípios.
Com efeito, como dito, os princípios não possuem, entre si,
hierarquização material: não há princípio mais ou menos importante, todos se
equiparam. Explicando de uma forma mais “construtiva”.
Foi realizada uma comunicação anônima ao TCU ou ao MPF a respeito de fatos
graves praticados no âmbito da Administração Pública. Ora, o texto constitucional
veda o anonimato (inc. IV do art. 5º), logo, deve o TCU ou o MP determinar o
arquivamento do processo?
Não é bem assim. Se, por um lado, a liberdade de expressão não é absoluta, impedindo
o abuso quanto à opinião, garantindo-se a identificação do eventual denunciante; por

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outro, não há impedimento para que o TCU e o MP adotem medidas de ofício (por
iniciativa sua) para averiguação de fatos informados mediante documentos apócrifos.
A Administração Pública não pode se furtar de atender o interesse público. Assim,
imagine-se que os fatos comunicados ao Estado sejam extremamente graves e que
possuam claros indícios de serem verdadeiros. Seria razoável o Estado
simplesmente não apurar por conta da sobredita vedação ao
anonimato? Óbvio que não! Deveria apurar, mas não em um processo autuado
como denúncia, mas noutro, como, por exemplo, numa representação da Unidade
Técnica.
Dessa forma, a denúncia não seria conhecida, mas a situação seria apurada, se
fundamentada estivesse.

Na ocorrência de ilegalidade, é dever da Administração (de ofício


ou por provocação) e do Judiciário (por provocação) anular o ato
administrativo. Portanto, é plenamente possível a Legalidade ceder espaço para
o Princípio da Segurança Jurídica, em que a manutenção do ato ilegal causará
menos prejuízos que a sua retirada. Este fenômeno é denominado de
estabilização dos efeitos do ato administrativo.

1.4.1. PRINCÍPIOS EXPRESSOS

Em âmbito constitucional, o Capítulo VII, do Título III (Da


organização do Estado), consagra as normas básicas regentes da Administração
Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios. E, enumera os princípios constitucionais
essenciais para a probidade e transparência na gestão da coisa pública. São
princípios constitucionais expressos no caput do art. 37 da CF:

Legalidade;
Impessoalidade;
Moralidade;
Publicidade; e
Eficiência.
Tais princípios valem para todos os Poderes, de todos os entes
integrantes da Federação Brasileira (União; Estados; Distrito Federal, e

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Municípios) e respectivas Administrações Direta e Indireta. Façamos a leitura
do teor do referido dispositivo constitucional:

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes


da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte: (...)
Analisando o assunto sob outra ótica, pode-se afirmar que os
princípios constituem, ainda, direitos do cidadão. Com efeito, caso a
Administração atue em conformidade com os princípios isso garantirá que suas
ações sejam legais, impessoais e morais.

Por isso a afirmativa: “A observância dos princípios por parte


Administração constituem verdadeiro direito do cidadão.” Os princípios constitucionais
legais expressos, bem como, os implícitos ou reconhecidos no direito positivo,
igualmente informadores do Direito Administrativo serão comentados
posteriormente.

Evidentemente, as análises, a seguir procedidas, não esgotarão


todos os princípios. Cada doutrinador elege seus princípios de referência.

1.4.1.1 Legalidade
Sabe-se que, no âmbito das relações privadas, vige a ideia de que tudo que não está
proibido em lei está permitido. Nas relações públicas, contudo, o princípio da legalidade
envolve a ideia de que a Administração Pública só pode atuar quando autorizada ou
permitida pela lei. A norma deve autorizar o agir e o não agir dos sujeitos da
Administração Pública, pois ele é integralmente subserviente à lei. (Dirley Cunha)
Sabemos que os princípios da Administração possibilitam a
responsabilização dos agentes estatais, bem como visam garantir a honestidade
do emprego do dinheiro público.

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Para finalizar, a partir dos Princípios da Legalidade e da
Supremacia do Interesse Público sobre o Particular se constroem os demais,
enfim, tais princípios precedem os demais.

Atenção: não confundir “preceder” com “prevalecer”. Prevalecer


remete-nos a ideia de hierarquia, e, como sabemos, inexiste hierarquia material
entre os princípios.

O vocábulo “precedência”, portanto, é mais interpretativo. Assim


os interesses públicos são superiores (supremos) quando comparados aos
particulares e, como a Administração só pode agir em conformidade com a Lei,
os princípios em referência servem à interpretação de tudo que vá ser feito pela
Administração.

O Princípio da Legalidade é da essência do Estado de Direito e,


por isso, fundamental para o Direito Administrativo, já que este nasce com
aquele. É resultado da necessária submissão do Estado à Lei. Consagra a ideia
de que por meio da norma geral, abstrata e, portanto, impessoal, editada pelo
Poder Legislativo, a atuação da Administração objetiva a concretização da
vontade geral (art. 1º, parágrafo único, da CF/1988).
De acordo com a acepção doutrinária clássica do Princípio da
Legalidade, a Administração Pública só pode fazer aquilo que a norma
determina, permite, autoriza, de modo expresso ou implícito.
Quando a norma traça todos os pormenores, sem deixar espaço
de atuação por parte dos administradores, ter-se-á atuação vinculada. Por
exemplo: na esfera federal, a aquisição de bens e de serviços comuns,
enquadrados como padronizados, devem ser adquiridos por Pregão. Isso
mesmo. Na esfera federal, o procedimento de Pregão é obrigatório, uso
vinculado.
Já quando a norma deixa escolha, opção aos administradores,
enfim, uma maior margem de liberdade (mas sempre com limites postos pela

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norma), verificar-se-á discricionariedade. Por exemplo: o Pregão pode ser
presencial ou eletrônico. Apesar de o presencial, na esfera federal, ser
obrigatório, o eletrônico permanece preferencial (leia-se: há certa
discricionariedade).
Mas vejam: mesmo que conte com certa liberdade
(discricionariedade), a Administração só faz o que lei estabelece. Por isso, pode-
se afirmar que o Princípio da Legalidade “precede” todos os demais, isto é, vem
na frente, para efeitos interpretativos. Obviamente, essa “precedência” não tem
sentido hierárquico. Não é que o princípio da legalidade seja mais importante
que os demais, mas sim que todos estes outros princípios devem ser
interpretados à luz das leis.
O Princípio da Legalidade não é restrito à Administração, enfim,
também vale para o particular, mas com outro enfoque (legalidade
constitucional): se uma norma não proibir, o particular, dispondo de forma livre
de sua vontade, pode agir da maneira que melhor entender. Pode-se,
previamente, concluir que a Administração Pública só pode agir da maneira que
a lei determinar ou autorizar, enquanto o particular age do modo que julgue
mais conveniente, desde que a lei (não apenas a Constituição) não o proíba.
Isso significa que o agente público, responsável por tornar
concreta a missão da Administração Pública, não pode fazer tudo o que não
seja proibido em lei, e sim só o que a norma autoriza ou determina. Para o
particular, o princípio da legalidade terá caráter mais restritivo que impositivo:
não sendo proibido em norma, é possível ao particular fazer. Parafraseando o
autor Hely Lopes, o princípio da legalidade para o administrador significa “deve
fazer assim”, enquanto para os particulares, “pode fazer assim”.

Referência doutrinária (Gustavo Scatolino):


O princípio da legalidade pode ser entendido em dois sentidos: legalidade em sentido
amplo e em sentido estrito. A legalidade em sentido estrito significa atuar
de acordo com a lei, ou seja, obedecer à lei feita pelo Parlamento. A legalidade em
sentido amplo ou legitimidade significa obedecer não só à lei, mas também

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obedecer aos princípios da moralidade e do interesse público. Dessa forma, a palavra
legitimidade apresenta um conceito mais abrangente do que o conceito de legalidade, pois
legalidade seria obedecer à lei e a legitimidade obedecer à lei e aos demais princípios
administrativos.

Em síntese: o princípio da legalidade é bem mais amplo do que a


mera sujeição do administrador à lei formal, pois se refere ao ordenamento
jurídico, às normas e aos princípios constitucionais, sem falar das normas
regulamentares por ele mesmo editadas. Obviamente, algumas disciplinas são
separadas pelas constituições à disciplina de lei formal (reserva de lei), ou seja,
necessariamente resultante da tramitação de norma no Poder Legislativo.

1.4.1.2 Impessoalidade, finalidade ou isonomia


O princípio republicano e o dever, que nele se contém, de ser dar trato público à coisa
pública, que nesta forma de governo se encarece, fundamentam a impessoalidade
administrativa. É que nela a qualificação pessoal não conta, como não conta a situação
pessoal daquele que detém o cargo público e que se deve manter neutro e objetivo em sua
conduta, seja qual for a situação social, econômica ou político-partidária do cidadão
sobre o qual incidirão os efeitos do ato da Administração. (Cármen Lúcia)
Como esclarece Lucas Rocha Furtado, o princípio da
impessoalidade admite seu exame sob os seguintes aspectos:
 Dever de isonomia por parte da Administração Pública
 Dever de conformidade ao interesse público;
 Imputação dos atos praticados pelos agentes públicos
diretamente às pessoas jurídicas em que atuam.
Nesse contexto, pode-se dizer que o princípio da impessoalidade,
expresso na CF, de 1988, e implícito na Lei Federal 9.784, de 1999, tem uma
“tripla formulação”, “três faces”.
Numa primeira visão, para parte da doutrina, a impessoalidade
como princípio significa que o administrador público só deve praticar atos
voltados à consecução do interesse público. Por tal princípio, o tratamento
conferido aos administrados em geral deve levar em consideração não o

21
“prestígio” social por estes desfrutado, mas sim suas condições objetivas em
face das normas que cuidam da situação, tendo em conta o interesse público,
que deve prevalecer.
Para esses doutrinadores, a atuação impessoal determina uma
atuação finalística da Administração, ou seja, voltada ao melhor atendimento
dos interesses públicos. Desse modo, o princípio da impessoalidade é sinônimo
de finalidade pública. Sobre o tema, vejamos Ementa do Recurso
Extraordinário (RE) 191.668, apreciado pelo STF:
EMENTA: Publicidade de atos governamentais. Princípio da impessoalidade. Art.
37, parágrafo 1º, da Constituição Federal. 1. O caput e o parágrafo 1º do artigo 37
da Constituição Federal impedem que haja qualquer tipo de identificação entre a
publicidade e os titulares dos cargos alcançando os partidos políticos a que pertençam.
O rigor do dispositivo constitucional que assegura o princípio da
impessoalidade vincula a publicidade ao caráter educativo,
informativo ou de orientação social é incompatível com a menção
de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que
caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos. A
possibilidade de vinculação do conteúdo da divulgação com o partido político a que
pertença o titular do cargo público mancha o princípio da impessoalidade e desnatura o
caráter educativo, informativo ou de orientação que constam do comando posto pelo
constituinte dos oitenta. 2. Recurso extraordinário desprovido.

Em outra interessante acepção do princípio da impessoalidade, os


atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os
pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o
funcionário.
Por essa linha, pelos atos dos agentes responde a Administração
Pública, em razão da impessoalidade de atuação daqueles. A tese é consagrada
em diversos momentos da nossa atual Constituição Federal, como no art. 37,
§6º do texto constitucional:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

22
Vê-se que a pessoa jurídica à qual é vinculado o agente responde
pelo dano causado por este, nitidamente devido à impessoalidade da atuação
funcional. Portanto, o agente tem sua atuação imputada ao órgão/entidade a
que se vincula (teoria do órgão ou da imputação volitiva).
Uma terceira face da impessoalidade pode ser encontrada no art.
37, inc. II, por exemplo. Ao se exigir concurso público para o acesso aos cargos
públicos, o legislador prezou pelo mérito, sem criar discriminações benéficas
ou detrimentosas, em observância ao princípio da isonomia ou igualdade.
Obviamente, não significa dizer que as leis não possam criar critérios para a
seleção dos candidatos.
Sobre o tema, o STF, no RE 148.095, reconheceu que, em se
tratando de concurso público para agente de polícia, mostra-se razoável a
exigência, por lei, de que o candidato tenha altura mínima de 1,60m. A exigência
de altura, por sua vez, não é razoável para o cargo de escrivão de polícia, dado
as atribuições do cargo, para as quais o fato altura é irrelevante (STF - AI
518863).
CONCURSO PÚBLICO - AGENTE DE POLÍCIA - ALTURA
MÍNIMA - VIABILIDADE. Em se tratando de concurso público para agente de
polícia, mostra-se razoável a exigência de que o candidato tenha altura mínima de
1,60m. Previsto o requisito não só na lei de regência, como também no edital de concurso,
não concorre a primeira condição do mandado de segurança, que é a existência de direito
líquido e certo. (RE 148.095, STF) e,

DECISÃO: Cuida-se de agravo contra despacho do Desembargador Presidente do


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que negou seguimento a recurso
extraordinário fundamentado no artigo 102, inciso III, alínea “a”, da Constituição do
Brasil. 2. Alega-se no apelo extremo, ofensa aos artigos 5º, inciso II; 37, caput e
inciso X; 39, § 4º e 42, caput, da Constituição do Brasil. 3. Não merece seguimento
o apelo extraordinário, a matéria nele debatida está em consonância com a
jurisprudência desta Corte, conforme se depreende do julgamento do MS 20.973,
Plenário, Relator Paulo Brossard, DJ 24.04.92; e do AgRAI 460.131, 1ª T.,
Relator Joaquim Barbosa, 25.06.04, assim ementado: “EMENTA: Agravo
regimental. - Administrativo. Concurso público para o cargo de policial militar do

23
Distrito Federal. Altura mínima exigida. - Necessidade de previsão legal para definição
dos requisitos para ingresso no serviço público. Constituição Federal, arts. 5º, caput, e
37, I e II. Ofensa reflexa. Agravo a que se nega provimento.” 4. Ante o exposto, com
base no § 1º do artigo 21 do RISTF, nego seguimento ao agravo. Publique-
se. Brasília, 28 de setembro de 2004. Ministro Eros Grau Relator (AI 518.863,
STF)
Assim, a atividade administrativa deve se dar segundo critérios de
bom andamento do serviço público, afastando-se favoritismo ou mesmo
desfavoritismos. Sobre o tema, o STF, na ADI 1072/RJ, declarou a
inconstitucionalidade de lei estadual que dispensava os candidatos integrantes
do Quadro Permanente da Polícia Civil da prova de capacitação física e de
investigação social.
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA
ISONOMIA. PROVAS DE CAPACITAÇÃO FÍSICA E
INVESTIGAÇÃO SOCIAL. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 6° DO ART. 10
DA LEI N° 699, DE 14.12.1983, ACRESCENTADO PELA LEI N°
1.629, DE 23.03.1990, AMBAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO,
COM ESTE TEOR: “§ 6º - Os candidatos integrantes do Quadro
Permanente da Polícia Civil do Estado ficam dispensados da prova de
capacitação física e de investigação social a que se referem o inciso, I, “in
fine”, deste artigo, e o § 2°, “in fine”, do artigo 11”. 1. Não há razão para
se tratar desigualmente os candidatos ao concurso público,
dispensando-se, da prova de capacitação física e de investigação social, os
que já integram o Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado, pois a
discriminação implica ofensa ao princípio da isonomia. 2. Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada procedente pelo Plenário do S.T.F. (ADI
1072-RJ)
Lúcia Figueiredo explica que a impessoalidade pode levar à
igualdade, mas com ela não se confunde. É possível haver tratamento igual a
determinado grupo (que estaria satisfazendo o princípio da igualdade), porém,
se ditado por conveniências pessoais do grupo e/ou do administrador, estará

24
infringindo a impessoalidade. É verdade que estão próximos os princípios, mas
certamente não se confundem.

1.4.1.3. Moralidade
A ilegalidade mais grave é a que se oculta sob a aparência de legitimidade. A violação
maliciosa encobre os abusos de direito com a capa de virtual pureza (por Caio Tácito).
O princípio da moralidade passou a ser explícito, em termos
constitucionais, a partir de 1988.
Na doutrina francesa, Maurice Hauriou, depois de diferenciar a
moral comum da moral jurídica, define a moralidade jurídica como o conjunto de
regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração.
Portanto, a conduta da Administração deve ser mais exigente do
que simples cumprimento da frieza das leis. Deve-se divisar o justo do injusto,
o lícito do ilícito, o honorável do desonorável, o conveniente do inconveniente.
A moralidade passa a ser pressuposto de validade dos atos do Estado, sendo
que em toda a atuação estatal deverão estar presentes princípios da lealdade, da
boa-fé, da fidelidade funcional, dentre outros, atinentes à moralidade.
Lealdade, boa-fé, honestidade são preceitos éticos desejados pela
sociedade que nos remunera direta ou indiretamente. Por isso, o princípio da
moralidade pode ser considerado a um só tempo dever do administrador e
direito público subjetivo.
A probidade é um aspecto da moralidade. De acordo com o
Dicionário Aurélio (eletrônico), probidade diz respeito à integridade de caráter,
honradez, ou seja, conceito estreitamente correlacionado com o de moralidade
administrativa.
É de interesse a distinção entre a legalidade e moralidade,
enquanto princípios, os quais, por razões óbvias, não podem ser entendidos
como sinônimos perfeitos.
Pelo princípio da legalidade, a Administração Pública só pode
atuar de acordo com o que a lei estabelece ou autoriza. Já a moralidade é um

25
dos conceitos que conta com um dos maiores graus de abstração no mundo
jurídico: o que seria a “moral”?
Ainda que o conceito seja passível de inúmeras interpretações, é
claro que sua definição perpassa por uma noção muito subjetiva, influenciada,
ainda, pelo momento histórico vivido. Exemplo disso é o nepotismo, tratado
mais à frente.
Há dez, vinte anos, seria impensável alguma autoridade judicial
dizer que a prática do nepotismo não se alinhava ao princípio da moralidade.
Hoje, felizmente, nosso direito evoluiu, e a nomeação de parentes para cargos
de chefia passou a ser refutada pela sociedade, bem como por tribunais judiciais.
O princípio da moralidade tem profunda relação com o “padrão
de comportamento” desejável dos agentes públicos, estreitando-se com o que
poderia nominar, sinteticamente, por ética.
Por fim, ressalto que legal e moral são qualificativos próximos,
mas não idênticos. Ambos têm origem em um mesmo conceito: a conduta, mas
possuem círculos de abrangência diferenciados.
Ainda sobre o tema, vejamos jurisprudência do STJ, que demarca,
com clareza, a autonomia do princípio da moralidade em face do princípio da
legalidade:
A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e
com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a
Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar a aplicação da sanção
administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações, Lei n.º
8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova
sociedade constituída.
A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade
administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos
tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso
de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla
defesa em processo administrativo regular.

26
Ainda que se trate de conceitos concêntricos (ou secantes) (origem
em idêntico conceito: a conduta), moralidade e legalidade distinguem-se:
cumprir aparentemente a lei não implica necessariamente a observância da
moral.
Por exemplo: nos termos da Lei 8.666, de 1993, o chefe da divisão
de Licitações não pode participar da licitação, mas, a rigor, não há impedimento
de o filho participar da licitação, certo?
Acontece que o filho tem 16 anos, porém, na condição de
empresário, pode ser emancipado. Abre a empresa e, por coincidência do
destino, vence a licitação no órgão em que o pai é chefe do setor de licitações.
Durante um trabalho de fiscalização pela Controladoria-Geral da
União ou pelo TCU detecta-se o fato acima. Então, há ilegalidade? Claro que
não! Há imoralidade? Difícil, não é verdade.
Acontece que todas as notas fiscais de serviços da empresa foram
emitidas, durante 6 anos, exclusivamente para o referido órgão. E agora?
Induvidosamente houve imoralidade.

1.4.1.4. Publicidade
Ultimamente, tem-se desenvolvido a ação administrativa denominada “chamada
pública”, por meio da qual a Administração pública edital com o objetivo de divulgar
a adoção de certas providências específicas e convocar interessados para participar da
iniciativa, indicando, quando for o caso, os critérios objetivos necessários à seleção.
(Carvalho Filho)

O quarto princípio constitucional de previsão expressa é o da


publicidade. Por este, a Administração Pública deve tornar públicos seus atos,
na forma prevista na norma.
A publicidade é um princípio democrático, republicano, por assim
dizer, que faz com que se possibilite o controle da Administração, por razões
que são dotadas de obviedade: sem se dar transparência aos atos da
Administração, inviável pensar-se no controle desta. A transparência é

27
exigência, por exemplo, do devido processo legal (art. 5º, inciso LV, da
Constituição Federal), afinal os princípios da ampla defesa e do contraditório
só podem ser efetivados se existente a publicidade.
A publicidade, apesar de não ser elemento de formação dos atos,
constitui-se requisito de sua moralidade e eficácia entendida esta última como
aptidão do ato para produção dos seus efeitos. Sobre o tema, façamos a leitura
do §1º do art. 61 da Lei 8.666, de 1993:
Parágrafo único. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus
aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua
eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte
ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que
seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei.
Além da transparência, para Diógenes Gasparini os seguintes
objetivos podem ser cumpridos por meio da publicidade:
 Permitir o controle dos atos da Administração Pública,
dando, inclusive, oportunidade ao controle social, assim entendido aquele
realizado pela própria coletividade. Este fim possui estreita correlação com a
transparência e com o princípio democrático: compreendendo-se democracia
como governo do povo, é preciso que o povo saiba o que é feito com os
recursos entregues à Administração Pública, por meio dos tributos que paga.
 Desencadear o decurso dos prazos de interposição de
recursos, que são contados a partir do momento em que o ato se torna público.
Lembramos que se o ato alcança estranhos aos quadros da Administração
deverá, salvo exceções, ser publicado;
 Marcar o início dos prazos de decadência e prescrição
administrativas.
Carvalho Filho registra que o princípio da publicidade deve ser
harmonizado, no entanto, com os princípios da proporcionalidade e
razoabilidade. Sobre o tema, o STF declarou inconstitucional dispositivo de lei

28
que previa a obrigatoriedade de publicação dos custos dos atos do Executivo
efetuados em jornais ou veículos similares (ADI 2472).
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PRINCÍPIOS - EXTENSÃO. Surgindo,
no ato normativo abstrato, a óptica, assentada em princípio básico da Administração
Pública, de observância apenas em relação ao Executivo, tem-se a lei como a conflitar
com a razoabilidade. (ADI 2472, STF)

Importante: não confundir publicidade com publicação. A última


é um dos meios de se dar cumprimento à primeira. Mas, antes de prosseguir,
façamos uma distinção entre a publicidade geral e a restrita.
Como o nome denuncia, a publicidade geral é a que requer a
publicação dos atos em órgãos oficiais; a restrita, por sua vez, é a que ocorre no
interior da Administração, em seus boletins internos, ou por meio de
intimações, citações e notificações aos destinatários.
Pelo que se viu, é possível atender o princípio da publicidade
mesmo sem publicação do ato administrativo, entendida esta como divulgação
do ato em meios da imprensa escrita, como diários oficiais ou jornais
contratados com essa finalidade.
Vejamos, por exemplo, a modalidade de licitação convite, tratada
no §3º do art. 22 da Lei nº 8.666/1993:
Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu
objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela
unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do
instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente
especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro)
horas da apresentação das propostas (o grifo não é do original).
Conforme o dispositivo, o Estado tem por obrigação enviar a
carta-convite para, no mínimo, três interessados do ramo, bem como afixá-lo
em local público. A lei não exigiu, portanto, a publicação do convite.
Conclui-se que podem existir outras formas de se cumprir com a
publicidade, mesmo que não haja publicação do ato. São exemplos: notificação
direta do interessado, afixação de avisos, e divulgação na internet.

29
Na falta de disposição legal específica, a regra é que atos externos
ou internos (com efeitos externos), por alcançarem particulares estranhos ao serviço
público, devam ser divulgados por meio de publicação em órgão oficial (diários
oficiais).
Atos interna corporis dos órgãos/entidades administrativos também
necessitam ser divulgados, mas não demandam publicação em diários oficiais.
Por isso, muitos órgãos acabam criando boletins internos, cuja função principal
é exatamente dar publicidade aos atos internos da instituição.

1.4.1.5. Eficiência
O núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais
importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a
execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional (por
Fernanda Marinela).
Também chamado de princípio da qualidade dos serviços
públicos, inserido no texto da CF/1988 por meio da Emenda Constitucional
19/1998, a denominada emenda da “Reforma Administrativa”, assunto
importante não só para a nossa matéria, o Direito Administrativo, mas,
sobretudo, para a matéria de Administração Pública.
O princípio da eficiência pode ser analisado em confronto com o
art. 70 da Constituição Federal, no qual está disciplinado o controle da
Administração Pública Federal, realizado pelo Congresso Nacional, com o
auxílio do TCU (art. 70 da CF/1988).
No âmbito da Corte de Contas Federal, é firme o entendimento
de que o controle da Administração Pública deve considerar não só aspectos
restritos de legalidade. De outra forma, devem ser levados em consideração
aspectos relacionados à otimização do gasto público, ou seja, a eficiência na
utilização de tais valores.
É o que se conclui a partir do citado art. 70 da CF/1988, ao
estabelecer o controle da Administração também quanto à legitimidade e

30
economicidade, enfim, se houve eficiência ou não no dispêndio dos recursos
públicos.
Em outra ótica, o dever de eficiência corresponde ao “dever de boa
administração”, já consagrado entre nós desde a Reforma Administrativa Federal
em 1967 (Decreto-lei nº 200). Essa “antiga” norma submete toda atividade do
Executivo Federal ao controle de resultado (art. 13 e inc. V do art. 25), fortalece
o sistema de mérito (art. 25, VII), sujeita a Administração indireta à supervisão
ministerial quanto à eficiência administrativa (art. 26, III) e recomenda a
demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso
(art. 100).
O princípio ou dever de eficiência impõe-se a toda Administração
Pública (art. 37, caput, da CF/1988). Parte da doutrina entende que, caso atue
eficientemente, o agente público exercerá suas atribuições com perfeição,
rendimento funcional, rapidez, em síntese, deve ser eficiente.
Sobre o tema, vejamos, abaixo, manifestação do STJ (Recurso
Especial 1.044.158):
ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA. ATRASO NA
CONCESSÃO. INDENIZAÇÃO.PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.
ART. 49 DA LEI Nº 9.784/99. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL
NÃO DEMONSTRADA. SÚMULA 13/STJ.
1. Ao processo administrativo devem ser aplicados os princípios constitucionais
insculpidos no artigo 37 da Carta Magna.
2. É dever da Administração Pública pautar seus atos dentro dos princípios
constitucionais, notadamente pelo princípio da eficiência, que se concretiza também pelo
cumprimento dos prazos legalmente determinados.
3. Não demonstrados óbices que justifiquem a demora na concessão da aposentadoria
requerida pela servidora, restam malferidos os princípios constitucionais elencados no
artigo 37 da Carta Magna.
4. Legítimo o pagamento de indenização, em razão da injustificada
demora na concessão da aposentadoria.
5. No caso, como a lei fixa prazo para a Administração Pública examinar o
requerimento de aposentadoria, o descumprimento desse prazo impõe ao administrador
competente o dever de justificar o retardamento, o que gera uma inversão do ônus

31
probatório a favor do administrado. Assim, cabe ao Estado-Administração justificar o
retardo na concessão do benefício. Se não o faz, há presunção de culpa, que justifica a
indenização proporcional ao prejuízo experimentado pelo administrado.
6. "A divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial".
7. Recurso especial conhecido em parte e provido.
Sobre o tema, o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 277,
de 2003, considerou legal a realização de licitação na modalidade Pregão para
aquisição de veículos, dando como parte do pagamento bens inservíveis da
Administração. Perceba que, nesse caso, a Administração agiu com eficiência,
evitando-se a realização de duplo procedimento de licitação (pregão para a
aquisição de novos veículos, e leilão para a alienação dos antigos).
Alguns ainda entendem a eficiência como o mais “moderno”
princípio de Administração Pública, que já não se contenta em dar
cumprimento estrito à norma, mas exige de si resultados positivos para os
serviços que presta, atendendo de forma satisfatória os cidadãos destinatários
das ações públicas, que deixam de ser vistos como meros contribuintes e
passam a ser reconhecidos como clientes.
Essa noção de “cidadão-cliente” é um dos principais valores da
Nova Administração Pública (ou Administração Gerencial), e pode ser
entendida como um movimento teórico que preceitua a mudança de orientação
nos valores centrais da Administração Pública: do formalismo impessoal da
Administração Burocrática para a eficiência da Administração Gerencial.
A Administração Pública Gerencial, o interesse público relaciona-
se com o interesse da coletividade, os interesses públicos primários, portanto.
É nesse sentido que o cidadão passa a ser visto como cliente, contribuindo com
os impostos que são de sua incumbência, mas cobrando resultados por parte da
Administração. No entanto, o princípio da eficiência não pode (deve) deixar em
segundo plano o princípio da legalidade, os princípios, como vimos, devem
conciliar-se.

1.4.2 PRINCÍPIOS IMPLÍCITOS

32
Nem todos os princípios aplicáveis à Administração Pública
acham-se explícitos no texto constitucional. Ainda que assim não chamados
expressamente pela CF, de 1988, há princípios que podem ser desta extraídos.
São exemplos: o princípio da motivação; princípio da razoabilidade; princípio
da proporcionalidade, o princípio da autotutela; princípio da supremacia do
interesse público a seguir listados.

1.4.2.1 Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado


Esse princípio é chamado também de princípio da finalidade
pública, presente tanto no momento da elaboração da lei, quanto no momento
da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o
legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação, ensina a
autora Maria Sylvia Di Pietro.
Como expressão desta supremacia, a Administração, por
representar o interesse público tem a possibilidade, nos termos da lei, de
constituir terceiros em obrigações mediante atos unilaterais. Tais atos são
imperativos como quaisquer atos do Estado.
Por exemplo, a lei confere à Administração os poderes de
desapropriar, de requisitar, de intervir, de policiar, de punir, de encampar,
sempre com o objetivo de atender ao interesse geral, que não pode ceder diante
do interesse individual. Em razão disso, se, ao usar de tais prerrogativas, a
autoridade administrativa objetiva prejudicar um inimigo político, beneficiar um
amigo, conseguir vantagens pessoais para si ou para terceiros, estará fazendo
prevalecer o interesse individual sobre o interesse público e, em consequência,
estará se desviando da finalidade pública prevista na lei. Daí o vício do desvio
de poder ou desvio de finalidade, que torna o ato ilegal, ensina Maria Sylvia.
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, é fácil observar
que os poderes atribuídos à Administração têm o caráter de poder-dever; são
poderes que ela não pode deixar de exercer, sob pena de responder pela

33
omissão. Assim, a autoridade não pode renunciar ao exercício das competências
que lhe são outorgadas por lei; não pode deixar de punir quando constate a
prática de ilícito administrativo; não pode deixar de exercer o poder de polícia
para coibir o exercício dos direitos individuais em conflito com o bem-estar
coletivo; não pode deixar de exercer os poderes decorrentes da hierarquia; não
pode fazer liberalidade com o dinheiro público. Cada vez que ela se omite no
exercício de seus poderes, é o interesse público que está sendo prejudicado.

1.4.2.2 Indisponibilidade do Interesse Público


José dos Santos Carvalho Filho ensina que os bens e interesses
públicos não pertencem à Administração nem a seus agentes. Cabe-lhes apenas
gerí-los, conservá-los e por eles velar em prol da coletividade, esta sim a
verdadeira titular dos direitos e interesses públicos. Enfim, a Administração não
tem liberdade para dispor dos bens e interesses públicos, isso porque age na
defesa alheia.

1.4.2.3 Controle Judicial dos Atos Administrativos


Basicamente, este item diz respeito ao controle efetuado pelo
Poder Judiciário com relação aos atos administrativos e os limites de tal
atividade.
É clássica a afirmação de que não cabe ao Poder Judiciário
adentrar o mérito da decisão administrativa, sob pena de “fazer ruir” o sistema
de separação de poderes, consagrado na CF/1988 (art. 2º).
Apesar disso, não quer dizer, sobremaneira, que o Judiciário
estaria afastado de exercer o controle amplo com relação aos atos da
Administração, em especial, se, no uso de uma suposta “discricionariedade”, o
administrador estiver agindo de forma abusiva, arbitrária.
O controle judicial resume-se à aferição da legalidade do ato
administrativo, ou seja, se a conduta do administrador público foi realizada com

34
fundamento nas normas jurídicas em vigor (decretos, regulamentos, leis,
instruções normativas etc.). No contraste de tais diplomas normativos com o
exercício funcional do servidor é que o Poder Judiciário poderá desfazer os atos
eivados de ilegalidade. Assim, se a Administração pratica ato desviado de sua
finalidade ampla, isto é, o cumprimento dos interesses públicos, há legitimidade
para que o órgão judicial possa exercer o controle sob tal ato. O que venha a
ser o mérito administrativo? Deve ter sido esta a pergunta feita por alguns.
Explica-se:
Diferentemente da legalidade, o mérito administrativo
corresponde à liberdade (com limites) de a autoridade administrativa escolher
determinado comportamento e praticar o ato administrativo correspondente,
referindo-se ao juízo de valor sobre a conveniência e a oportunidade da prática
do ato administrativo, dentro dos limites admissíveis estabelecidos na ordem
jurídica.
Em decorrência do mérito administrativo, a Administração pode
decidir ou atuar valorando internamente as consequências ou vantagens do ato,
traduzindo-se, pois, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato,
feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir
sobre a conveniência oportunidade e justiça do ato a realizar. Em síntese, o
mérito administrativo poderia ser definido com uma espécie de liberdade
administrativa, a qual, contudo, não é ilimitada.
Como exemplo, tomemos a licença-capacitação, prevista no art.
87 da Lei Federal 8.112, de 1990:
Após cada quinquênio de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da
Administração, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva
remuneração, por até três meses, para participar de curso de capacitação profissional.
Percebe-se que cabe à Administração Pública deferir ou negar o
pedido da licença-capacitação, conforme tenha interesse ou não, no curso
pretendido pelo servidor público. Fica a pergunta, então: quando a atuação é
discricionária, e, por consequência quando há mérito no ato administrativo?

35
Basicamente, pode-se apontar que há discricionariedade em três
casos (por Maria Sylvia Di Pietro):
I) a própria lei concede a possibilidade à Administração de agir de forma
discricionária, como no caso de remoção de ofício do servidor, para atender necessidade de
serviço;

II) a lei é omissa, visto que não há viabilidade de se prever por meio de normas
de cunho geral e abstrato todas as hipóteses que surgirão para a decisão administrativa. Assim
cabe à Administração decidir, em razão do “vazio da norma”, sempre tendo em conta o
interesse público que deve ser atingido; e

III) a lei prevê certa competência, mas não a conduta a ser adotada, diante de
determinada situação. É o caso, por exemplo, do poder de polícia, para cujo exercício é
impossível traçar todas as condutas cabíveis diante de lesão ou ameaça de lesão à vida, à
segurança pública etc.
Nesse contexto, é clássica a afirmativa que não cabe ao Judiciário
rever os critérios adotados pelo administrador, a não ser que sob a rotulação de
mérito administrativo encontre-se inserida qualquer ilegalidade resultante de
abuso ou desvio de poder. De fato, não fosse assim, seria melhor o Juiz
substituir o administrador, assumindo o papel deste. Todavia, a doutrina mais
moderna tem apontado que é cada vez menor a discricionariedade da
Administração, em razão da ampliação dos fundamentos que permitem o
controle judicial dos atos administrativos.
Por oportuno, cabe registrar que o Judiciário, para que se
pronuncie sobre a legalidade dos atos de modo geral precisa ser ‘provocado’,
isto é, demandado, não sendo comum o Juiz ou o Tribunal se pronunciarem de
ofício sobre a legalidade dos atos administrativos.

1.4.2.4 Princípio da Autotutela


Esse princípio é reconhecido expressamente na Súmula 473 do
STF. Vejamos:

36
A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os
tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de
conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos
os casos, a apreciação judicial.
Enfim, a Administração tem a prerrogativa de policiar seus
próprios atos, retirando os atos inconvenientes por revogação, e os ilegais por
anulação.
O art. 54 da Lei Federal 9.784/1999 (Lei do Processo
Administrativo Federal) estabelece um limite temporal para a correção, ao
dispor que o direito de a Administração anular atos administrativos que tenham
produzido efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos a partir
da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

1.4.2.5 Princípio da Motivação


A motivação, em regra, não exige formas específicas, podendo ser ou não concomitante
com o ato, além de ser feita, muitas vezes por órgão diverso daquele que proferiu a
decisão (por Maria Sylvia Di Pietro).
A Administração tem o dever de motivar seus atos, sejam eles
discricionários, sejam vinculados. Assim, de regra, a validade do ato
administrativo depende do caráter prévio ou da concomitância da motivação
pela autoridade que o proferiu com relação ao momento da prática do próprio
ato.
O princípio da motivação é o elo com os princípios
constitucionais, isso porque é inimaginável em um Estado de Direito e
Democrático em que os cidadãos não conheçam os motivos pelos quais são
adotadas as decisões administrativas.
Portanto, decisões administrativas, legislativas e judiciais devem
ser precedidas dos pressupostos de fato e de direito que fundamentaram a
prática dos atos discricionários e vinculados.
Por fim, pede-se aos amigos que não confundam motivo com
motivação. Exemplo disso: na exoneração de um ocupante do cargo em

37
comissão é desnecessária a motivação do ato. Todavia, claro que haverá um
motivo para tal exoneração (v.g. um pedido formulado pelo próprio servidor),
o qual, por permissão da lei, não precisa ser exposto. Logo, todo ato tem
motivo, mas nem todo ato precisa ser motivado.

1.4.2.6 Princípio da Proporcionalidade


Não há dúvida de que, há tempos, o princípio da
proporcionalidade é reconhecido pela doutrina como um dos orientadores da
atuação administrativa. A proporcionalidade pode ser traduzida como o
equilíbrio entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem
que alcançar, segundo padrões comuns da sociedade em que vive, analisando
sempre o caso concreto. Exige-se, ainda, um equilíbrio entre o sacrifício
imposto ao interesse de alguns e a vantagem geral obtida, de modo a não tornar
as prestações excessivamente onerosas para uma parte. Se a conduta do
Administrador não respeita tal relação, será excessiva, portanto,
desproporcional. A ideia central da proporcionalidade é que todos só são
obrigados a suportar restrições em sua liberdade ou propriedade, por iniciativa
da Administração Pública, se imprescindíveis ao atendimento do interesse
público.
O princípio da razoabilidade tem relação próxima com o princípio
da proporcionalidade. A razoabilidade é princípio dotado de forte carga de
abstração, já a proporcionalidade é princípio mais concreto. Assim, a
razoabilidade é vista no campo abstrato, já a proporcionalidade refere-se a
práticas de atos, em si.

1.4.2.7 Princípio da Razoabilidade


O princípio da razoabilidade permanece implícito no texto
constitucional, sendo reconhecido, entre outras passagens, no art. 5.º, inciso
LXXVIII, introduzido com a EC 45/2004, o qual exige a duração razoável dos

38
processos judiciais e administrativos. No entanto, referido princípio encontra
previsão expressa na Lei de Processo Administrativo Federal (Lei 9.784/99, art.
2º), na qual o princípio pode ser traduzido como a vedação de obrigações,
restrições e sanções superiores àquelas estritamente necessárias.
Nesse contexto, o princípio da razoabilidade destaca-se como
importante instrumento de controle da atividade legislativa, bem como na
aplicação no exercício da discricionariedade administrativa, servindo como
garantia da legitimidade da ação administrativa, evitando-se a prática de atos
arbitrários e com desvio de finalidade.
Trata-se do princípio da proibição de excessos. Ele representa um
limite para a discricionariedade do administrador, exigindo uma relação de
pertinência entre oportunidade e conveniência, de um lado, e finalidade legal do
outro.
As decisões que violarem a razoabilidade não serão
inconvenientes, e sim, ilegais e ilegítimas, porque ofenderão a finalidade da lei,
por ofenderem princípio constitucional implícito, admitindo correção, inclusive
pelo Poder Judiciário, que estará realizando tão somente controle de legalidade
(legalidade em sentido amplo). Esta análise será pautada na verificação da
compatibilidade com o sistema de valores da Constituição e do ordenamento
jurídico.3
A razoabilidade tem vocação autônoma, sendo embasado pelos
princípios da legalidade e da finalidade.
Nesse contexto, interessante observar que o princípio da
razoabilidade constituirá um dos principais fundamentos para controle dos atos
administrativos. Sobretudo em atos discricionários, o controle da razoabilidade
administrativa é fundamental, eis que em tais atos a Administração conta com
certo grau de liberdade, o qual, contudo, não pode ultrapassar os limites do
“razoável”.

3
Marinela, Fernanda. Curso de Dir. Administrativo, 6ª ed. Ed. Impetus, 2012, pág 54/55.

39
Mas então, quais seriam esses limites? Só o caso específico permite
concluir. É fato inequívoco que a conduta desarrazoada é ilegítima, uma vez
que arbitrária, excedendo os contornos dados pela Lei.

1.4.2.8 Princípio do Contraditório e o Princípio da Ampla defesa4


Por força do princípio do contraditório, as decisões administrativas
devem ser tomadas considerando a manifestação dos interessados. Para isso, é
necessário dar oportunidade para que os afetados pela decisão sejam ouvidos
antes do resultado final do processo.
O princípio da ampla defesa assegura aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, a utilização dos meios de prova, dos recursos e dos
instrumentos necessários para defesa de seus interesses perante o Judiciário e a
Administração.
Sobre os princípios do contraditório e da ampla defesa, foi editada a
Súmula Vinculante 3 do STF: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da
União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder
resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o
interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de
aposentadoria, reforma e pensão”.
Ao garantir o direito à ampla defesa “com os meios e recursos a ela
inerentes”, o art. 5º, LV, da Constituição Federal incluiu, no bojo do dispositivo,
o princípio do duplo grau, verdadeiro desdobramento da ampla defesa.

1.4.3 Princípios da Lei nº 8.666/93_ Introdução

O art. 3º da lei 8.666 prevê traz expressamente alguns princípios


aplicáveis à licitação:

A licitação destina-se a garantir a observância do princípio


constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais

4
Mazza, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. Ed. Saraiva, 2016.

40
vantajosa para a administração e a promoção de
desenvolvimento nacional sustentável, e será processada e
julgada em estreita conformidade com os princípios básicos da
legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade,
da publicidade, da probidade administrativa da vinculação ao
instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que
sejam correlatos.

Pode-se perceber que entre os princípios citados no art. 3º tivemos


a oportunidade de estudar os Princípios da Legalidade, Impessoalidade,
Moralidade e Publicidade.
O art. 3º cita oito princípios da lei 8.666/93, dos quais já foram
analisados cinco. Portanto nos resta, para este momento, a análise dos
Princípios da Vantajosidade, Igualdade ou Isonomia, Probidade administrativa,
Vinculação ao instrumento convocatório e Julgamento objetivo.

1.4.3.1 Princípio da Vantajosidade


O Art. 3º Da Lei 8.666 diz que, a licitação destina-se a garantir a
observância do Princípio constitucional da Isonomia, a Seleção da proposta mais Vantajosa
à administração e a promoção de desenvolvimento nacional sustentável (...) Portanto, tem-
se como um dos objetivos da licitação a seleção da proposta mais vantajosa.
Considerando que no mercado há diversos interessados em
contratar com a Administração Pública o procedimento licitatório objetiva
selecionar a proposta mais vantajosa, ou seja, aquela que atenda os interesses
imediatos da Administração e que servirá de parâmetro para um futuro
contrato.
Todavia, o conceito de mais vantajoso não é necessariamente o
de mais barato, pois deve-se entendê-lo a partir das exigências constitucionais
de economicidade e eficiência.

1.4.3.2 Princípio da Igualdade ou Isonomia

41
Este princípio veda o estabelecimento de condições que
impliquem preferência em favor de determinados licitantes em detrimento dos
demais.

1.4.3.3 Princípio da Probidade administrativa


O princípio da Probidade administrativa é aquele que guarda
correlação com o princípio da moralidade. Este determina que é dever de todo
administrador público, no exercício da função administrativa, a honestidade,
retidão, ética, boa fé e lealdade. É um princípio recente que vem conquistando
espaço na Administração Pública.
Nas licitações, o princípio da moralidade vincula tanto a conduta
do administrador quanto a conduta dos particulares que integram o processo
de contratação. É com fundamento no Princípio da Probidade que se deve
impedir a realização de conluio entre os licitantes ou a contratação de empresas
de parentes dos agentes licitantes ainda que se trate de hipótese de contratação
direta prevista na lei. Assim, apesar da conduta estar compatível com a lei, ela é
inválida visto que eivada de vício no campo da moral.
A moralidade traz um conceito mais amplo comparado ao
Princípio da Legalidade. Com base nessa afirmação podemos dizer que o
Princípio da Probidade não pode sofrer restrição frente ao Princípio da
Legalidade. Vamos esclarecer...
O Princípio da Probidade Administrativa encontra-se no campo
da ética, da moral, da retidão, que deve pautar a conduta do administrador. O
Princípio da Legalidade é aquele que obriga o administrador a fiel execução da
lei, porém em que pese não existir nenhuma restrição na norma de determinadas
condutas, esta estaria presumidamente proibida pelo Princípio da Moralidade,
uma vez que viola o dever da moral do bom administrador. Por isso é que
afirmamos que o Princípio da Probidade não pode sofrer restrição frente

42
ao Princípio da Legalidade. Ainda mais, sendo aquele de conteúdo mais
abrangente que este.
Exemplo de conduta moral nas licitações é o disposto no art. 9º
da Lei nº 8.666/93, que proíbe a participação direta ou indiretamente na
licitação ou na execução de obras/serviços e no fornecimento de bens o autor
do projeto básico ou do projeto executivo, pessoa física ou jurídica, bem como,
proíbe a participação de servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante
que seja responsável pela licitação.
Como dito anteriormente, o Princípio da Probidade, não deve
sofrer restrição em confronto com o Princípio da Legalidade. Isso significa
dizer que, qualquer situação que não se encontre proibida por lei, mas que
importe em violação do dever de probidade imposto ao servidor público deve
ser rechaçada por ser incompatível com o ordenamento jurídico.
O Supremo Tribunal Federal por meio da ação penal 409, traz
algumas considerações acerca do princípio da probidade administrativa, in verbis:
“A probidade administrativa é o mais importante conteúdo do Princípio da
Moralidade Pública, donde o modo particularmente severo como a Constituição
reage à violação dela. É certo que esse regulamento constitucional não tenha
forças de transformar em ilícitos penais, práticas que eventualmente ofendam o
cumprimento de deveres, simplesmente administrativo. Daí porque a influência
da norma penal referida pelo Ministério Público está a depender da presença de
um claro elemento subjetivo: a vontade livre e consciente de lesar o interesse
público. Pois bem, assim que se garante distinção, a meu sentir necessária, entre
atos próprios do cotidiano político administrativo (controlados, portanto,
administrativa e judicialmente nas instâncias competentes) e atos que revelam o
cometimento de ilícitos penais. E de outra forma não pode ser, sob pena de se
transferir para a esfera penal a resolução de questões que envolvam a ineficiência,
a incompetência gerencial e a responsabilidade política-administrativa. Questões
que se resolvem no âmbito das ações de improbidade administrativa.

A leitura do excerto da Ação Penal nº 409 do STF, podemos


inferir que o magistrado exalta o Princípio da Probidade Administrativa como
conteúdo do Princípio da Moralidade. Na passagem fica evidenciado que o
Ministério Público distingue o tratamento para as atividades administrativas,
atribuindo caráter de ilícito penal para aquelas que possuem o dolo, a vontade
de lesar o interesse púbico, afastando a incidência da legislação penal quando se
tratar de atividades corriqueiras do agente administrativo.
43
Dessa forma, o magistrado cuida de não generalizar a incidência
das leis penais a qualquer atividade ou responsabilidades políticas
administrativas. Podemos destacar ainda sobre o trecho a menção à Ação de
Improbidade Administrativa. Trata-se de uma ação de caráter civil sobre a qual
nos debruçaremos melhor da matéria no módulo três.

1.4.3.4 Princípio da Vinculação ao instrumento convocatório


O Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório é aquele
que nos orienta ao informar que o edital ou convite servirá de guia para o
processamento da licitação bem como para o futuro contrato. “Ele é do caso,
aquela que irá regular a atuação tanto da Administração Pública quanto dos licitantes”.
(FURTADO, Lucas. 2013)
O Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório é a razão
da costumeira expressão “O edital é a Lei da Licitação”. Esta ideia está prevista no
art. 3º da lei nº 8.666/93, como também é enfatizado no art. 41 da Lei de
Licitação.
Art. 3º, da Lei nº 8.666/93: A licitação destina-se a garantir a
observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da
proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do
desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada
em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade,
da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento
convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Art. 41, da Lei 8.666/93 A administração não pode descumprir as


normas e condições do edital ao qual se acha estritamente
vinculada.

A inteligência do Princípio da Vinculação ao Instrumento


Convocatório não implica dizer que o administrador deve adotar formalidades
excessivas ou desnecessárias. Consoante os ensinamentos de Lucas Rocha:

“Não agir com excesso de formalismo ou não se ater a


interpretações literais no edital, ou seja, conseguir uma
interpretação mais ampla, a alguma cláusula do edital não
quer dizer que tenha violado o Princípio da Vinculação ao

44
Instrumento Convocatório, pelo contrário, deve o
administrador usar do seu poder discricionário nunca
arbitrário e sua capacidade de interpretação para buscar
melhores soluções para dificuldades concretas.
Podemos inferir que, o Princípio da Vinculação ao Instrumento
Convocatório não significa dizer adotar exigências desnecessárias a impedir o
andamento normal da licitação. Nesse mesmo sentido, temos decisão do STJ,
ao prolatar que “A Administração que julga como vencedora licitante que apresenta
proposta com requisitos superiores ao mínimo exigido no edital, não estaria a Administração
incorrendo em violação ao Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório; desde que,
o gênero do bem licitado permaneça inalterado e seja atendido o requisito do menor preço.”
(RO nº 15.817/2005/RS, 2ª Turma, Rel. João Otávio de Noronha).
Mister recordar que o Princípio da Vinculação ao Instrumento
Convocatório não obriga tão somente a Administração mas também ao
particular participante ou não do processo licitatório.
Art. 41, §1º da lei nº 8.666/93 diz que: qualquer cidadão é parte
legitima para impugnar edital de licitação por irregularidade na
aplicação desta lei, devendo protocolar o pedido até cinco dias úteis
antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação,
devendo a administração julgar e responder a impugnação em três
dia uteis.

Portanto, também é atribuída a obrigação de observância das


normas expressas na Lei nº 8.666/93 para o particular, de maneira que, se o
edital contiver irregularidade na aplicação da Lei nº 8.666/93, qualquer
cidadão é parte legítima para impugnar o edital de licitação.
Contudo, não poderá o licitante apresentar impugnação ao edital
a qualquer momento, deverá obedecer ao §2º do artigo 41, sob pena de decair
seu direito.
Art. 41, §2º Decairá do direito de impugnar os termos do
edital de licitação perante a administração o licitante que não
o fizer até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos
envelopes de habilitação em concorrência, a abertura dos
envelopes com as propostas em convite, tomada de preços ou
concurso, ou a realização de leilão.

45
Em outras palavras, quem participa da licitação não pode esperar
pelo momento mais oportuno, como sua inabilitação ou desclassificação para
impugnar o edital. O que se pretende evitar é que o licitante, usando de sua
inabilitação ou desclassificação utilize a impugnação ao edital como forma de
prejudicar ou postergar o processo licitatório.
Sendo assim, o licitante, dispõe de dois dias úteis antes da
abertura da proposta, para impugnar o edital. Ultrapassado esse período ele
não terá mais direito de impugnar o edital, com fundamento em falhas e
irregularidade que viciariam o edital.
O Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório também
não deve ser entendido como se o edital ou convite fossem imutáveis, ou seja,
não podendo de forma nenhuma sofrer qualquer tipo de alteração. Não, isso
não ocorre, pelo contrário, havendo real e efetiva necessidade de ser feita
alguma modificação no edital, esta deve ser procedida pela administração
pública.
A Lei nº 8.666/93, no art. 21, §4º, diz que: qualquer modificação no
edital exige divulgação pela mesma forma que se deu o texto original. Abrindo-se o prazo
inicialmente estabelecido, exceto quando inquestionavelmente a alteração não afetar a
formulação das propostas. Assim, o edital ou convite quando necessário podem
sofrer alteração, sendo exigido pela lei nova divulgação do edital ou convite
caso haja alguma modificação na formulação das propostas.
Em síntese, o Princípio da Vinculação ao Instrumento
Convocatório, não significa dizer que a administração deve adotar formalismos
em excesso, como também, não denota que o edital ou convite não poderá
sofrer algumas alterações, indo além, vincula tanto a administração como os
administrados.

1.4.3.5 Princípio do Julgamento objetivo

46
O Princípio do Julgamento objetivo estabelece que critérios
objetivos devem nortear a atuação da Administração Pública, extraindo do
administrador toda subjetividade possível. O art. 44 da lei 8.666/93 prevê que
“No julgamento das propostas, a comissão levará em consideração os critérios objetivos
definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios
estabelecidos por esta lei.” (grifos nossos)
Portanto, pelo Princípio do Julgamento Objetivo previsto na Lei
nº 8.666/93, o julgamento das propostas nas licitações deve adotar critérios
objetivo previamente definidos no edital ou convite. Assim, não sendo possível,
a comissão de licitação definir novos critérios conforme o andamento do
certame.
O art. 3º, §2º da Lei nº 8.666/93, apresenta alguns critérios de
desempate, por ocasião do julgamento das propostas, vejamos:
Em igualdade de condições como critério de desempate será assegurada
preferência sucessivamente aos bens e serviços:
I - (Revogado pela Lei nº 12.349, de 2010);
II - produzidos no país;
III - produzidos ou prestados por empresas brasileiras;
IV - produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e
no desenvolvimento de tecnologia no país. (Incluído pela Lei nº 11.196,
de 2005);
V - produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento
de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para
reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de
acessibilidade previstas na legislação. (Incluído pela Lei nº 13.146, de
2015)

Sucessivamente significa dizer que eles concorrem em


preferência, um prefere aos demais. Na hipótese de haver entre os empatados
alguma empresa que produza no brasil, esta será vencedora preterindo as
demais. Caso não haja quem produza no brasil, mas que sejam produzidos ou
prestados por empresas brasileiras, esta será a vencedora em detrimento das
demais e assim sucessivamente. Não nos esqueçamos da Lei complementar 123
de 2003, que trata da participação da microempresa de pequeno porte, bem
47
como para contratação de bens e serviços de informática, para estes deverá ser
dado tratamento diferenciado.

1.4.4 Princípios implícitos da Licitação

Temos, ainda, os princípios extraídos da norma a partir do


trabalho interpretativo dos estudiosos do Direito Administrativo. São aqueles
reconhecidos do próprio ordenamento jurídico, sem previsão expressa na Lei
8.666/1993, são os chamados princípios implícitos.
Apesar de não constar no artigo 3º da Lei nº 8.666/93, o processo
licitatório abrange outros princípios de suma importância dentre os quais
destacamos os Princípio da Adjudicação Compulsória e o Princípio da
Competividade, que são princípios consagrados nas licitações e contratos
administrativos.
São exemplos, também, de princípios implícitos: razoabilidade,
padronização, eficiência e celeridade.
Apesar de a celeridade, a competitividade e a razoabilidade serem
princípios implícitos na Lei 8.666/1993, abre-se um parêntese para esclarecer
que são princípios expressos no Decreto Federal do Pregão (Decreto
3.555/2000). Vejamos:
Art. 4. A licitação na modalidade de pregão é juridicamente
condicionada aos princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade,
da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento
convocatório, do julgamento objetivo, bem assim aos princípios
correlatos da celeridade, finalidade, razoabilidade,
proporcionalidade, competitividade, justo preço, seletividade e
comparação objetiva das propostas.

1.4.4.1 Princípio da Adjudicação compulsória


O Princípio da Adjudicação Compulsória nos informa que a
Administração Pública não está obrigada a contratar com o licitante vencedor.

48
Isto mesmo! A Administração Pública não está obrigada a firmar contrato com
o vencedor da licitação.
A Administração está obrigada a, havendo a necessidade de
contratação, firmar contrato com o vencedor da licitação preterindo os demais.
O licitante vencedor não tem direito subjetivo a contratação, mas sim,
expectativa de direito. O licitante vencedor não pode exigir da Administração
Pública que, após homologação da licitação, seja celebrado contrato com a
Administração Pública.
No Acórdão nº 868 de 2006, da Segunda Câmara do Tribunal de
Contas da União (TCU), órgão colegiado, afirma que: “O fato de o objeto de um
dado certame ter sido adjudicado a uma empresa não implica em direito subjetivo
da mesma em obter a contratação. O direito do adjudicatário é o de ser convocado
em primeiro lugar, caso a Administração decida celebrá-lo.”
Conforme vastamente pacificado pela jurisprudência e pela
doutrina, reforçamos que, AO FINAL DA LICITAÇÃO, NÃO HÁ
OBRIGATORIEDADE PARA A ADMINISTRAÇÃO NA CELEBRAÇÃO
DE CONTRATO COM O LICITANTE VENCEDOR.
No entanto, ao ser convocado o licitante vencedor deverá este
comparecer no prazo e condições estabelecidas no edital, sob pena de ser
chamado o remanescente. Essa é a previsão do art. 64, §2º da Lei nº 8.666/93,
ao afirmar que:
“quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou
retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos,
convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-
lo em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro
classificado, inclusive quanto aos preços atualizados de conformidade com
o ato convocatório, ou revogar a licitação independentemente da cominação
prevista no art. 81 desta Lei. Assim, a Lei nº 8.666/93, estabelece
apenas a ordem de prioridade que tem a administração obrigação de
verificar ao celebrar o contrato em determinado certame.”

Lucas Rocha Furtado afirma que “Se a administração desejar celebrar o


contrato deverá convocar o licitante vencedor para assiná-lo nos termos do edital, porém, caso

49
a administração não queira mais celebrar o contrato não terá o licitante vencedor, direito
subjetivo a contratação.”
Reforcemos a ideia. O momento da Adjudicação nas licitações
dará tão somente expectativa de direito ao licitante vencedor, não
obrigando a administração a celebração do contrato.

1.4.4.2 Princípio da Competitividade


O Princípio da Competividade orienta ao gestor a buscar sempre
o maior número de competidores interessados no objeto licitado.
Nesse sentido, a lei de licitações veda exigências que possam
admitir, prever ou tolerar condições que comprometam, frustem ou restrijam o
caráter competitivo da licitação. Assim prevê o art. 3º, §1º, inciso I, da Lei nº
8.666/93, ao dispor que:
Art. 3º, §1º, inciso I, da Lei nº 8.666/93 É vedado aos agentes
públicos admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação,
cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu
caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e
estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede
ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância
impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado
o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de
23 de outubro de 1991; (Redação dada pela Lei nº
12.349, de 2010)

O Acórdão nº 6.789, de 2012, da 1ª Câmara do TCU, entendeu


como violação ao Princípio da Competividade, o órgão que inseriu no seu edital
exigências de que os licitantes mantivessem loja própria ou filial em Campo
Grande, Mato Grosso do Sul-MS, e que tivessem todos os meios necessários a
prestação de serviços de agenciamento de viagem.
Neste caso, entendeu o relator que, o objeto do certame, é,
essencialmente, realizado por meio de sistema informatizado operado através
da internet e, exigir dos licitantes que mantivessem agência ou loja própria em
Campo Grande-MS, seria restringir a competividade, ainda que, a

50
Administração alegue irregularidade no fornecimento do instrumento de
internet.
Acredita-se, ainda conforme o entendimento do TCU que, seria
mais razoável buscar uma solução para a questão no fornecimento da internet
do que gerar uma despesa adicional completamente dispensável ao certame para
o licitante.

1.4.5 Princípios da Lei nº 9.784/99_Introdução


A Lei nº 9.784/99 é a lei que regula o processo administrativo no
âmbito federal, segundo o art. 2º desta lei “A Administração Pública obedecerá, dentre
outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.”
Dentre os princípios citados no Art. 2º, já tivemos a oportunidade
de estudar grande parte deles, faltando tão somente a análise de dois: o Princípio
da finalidade e o Princípio da segurança jurídica.

1.4.5.1 Princípio da Finalidade


O Princípio da finalidade, aplicada ao processo administrativo, nos
exige rememorarmos o conceito amplo de processo. Podemos, em breves
palavras resumi-lo como sendo a realização sucessiva de atos que busca o
interesse da sociedade (finalidade), tendo em vista que o interesse público é
a razão de ser da atividade administrativa.
Mister lembrar que o Princípio da finalidade, aplicada ao processo,
decorre da regra constante no art. 5º da Lei de Introdução as Normas do Direito
Brasileiro que determina: “Na aplicação da lei o juiz deve atender aos fins sociais e a
exigência do bem comum.”
Se no processo judicial, âmbito do Poder Judiciário, se estabelece
o juízo equitativo, ou seja, dar a cada um o que é seu. Em matéria administrativa

51
vigora o juízo administrativo que é pautado pela justiça distributiva, que nada
mais é a realização do interesse público.
Portanto, o Princípio da finalidade exige que o processo
administrativo seja conduzido da melhor maneira a fim de se alcançar a
finalidade prevista em lei, justificando o ato emitido.
Em uma visão mais vanguarda, tal princípio determina que no
processo sejam apresentados os critérios e os elementos que fundamentarão a
decisão final, tudo com vista a concretizar o interesse público.

1.4.5.2 Princípio da Segurança jurídica


O Princípio da segurança jurídica, veio para tentar equilibrar os
Princípios da legalidade e o Princípio da estabilidade das relações jurídicas, uma
vez que, se pelo Princípio da legalidade não se pode negar a observância dos
atos e das condutas estabelecidas na lei, por outro lado é preciso evitar que
situações jurídicas permaneçam por tempo indeterminado, o que provocaria
incerteza e receio entre os administrados.
Temos no direito os institutos da Prescrição e da Decadência.
Estes atribuem destaque ao Princípio da estabilidade das relações jurídicas ou,
como se tem optado denominar atualmente, o Princípio da segurança
jurídica.
O Princípio da segurança jurídica possui duas vertentes: de um
lado, a perspectiva de certeza que indica o conhecimento seguro das normas e
das atividades jurídicas, e de outro, a consolidação das ações administrativas que
abre campo para criação de novos mecanismos de defesa por parte do
administrado, como o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, de uso comum
no direito privado.
O art. 54 da Lei nº 9.784/99 prevê de forma expressa o Princípio
da segurança jurídica, ao afirmar que “O direito da administração de anular os atos

52
administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, decai em cinco anos
contados da data que foram praticados, salvo comprovada má-fé.”
Os atos emanados pelo Estado que confere algum direito ao
administrado não estão submetidos à revogação por parte da Administração a
qualquer momento, por sua conveniência e oportunidade. A Lei nº 9.784/99
prevê um prazo de cinco anos para que a Administração promova a revogação
de atos que decorram direitos, sob pena de não serem mais questionáveis por
prazo indeterminado.
Assim fica limitado o poder de autotutela administrativa do
Estado e, em consequência, não mais poderá a administração abolir os efeitos
favoráveis que o ato produziu para o seu destinatário.
José Carvalho Filho em reflexão ao Princípio da segurança jurídica
e ao Princípio da confiança afirma que: “Em nosso entender, porém não se pode levá-
lo ao extremo para o fim de salvaguardar meras expectativas fáticas ou jurídicas, como já
ocorrem em outros sistemas, semelhante direção ele diria o próprio desenvolvimento do Estado
e de seus projetos em prol da coletividade, o que esse pretende é que o cidadão não seja
surpreendido ou agravado pela mudança inesperada de comportamento da Administração sem
o mínimo respeito as situações formadas e consolidadas no passado, ainda que não se tenha
convertido em direito adquirido.”
O que se pode notar é que para José Carvalho Filho, a aplicação
do Princípio da segurança jurídica e da confiança precisa ser bem pensado, a
fim de não presenciarmos uma limitação ao Poder do Estado que cause
prejuízo, inclusive, a toda coletividade.
Neste momento, podemos invocar o Princípio do Interesse
Público para afirmar que não podemos prejudicar uma coletividade em prol de
uma minoria, de uma minoria não com direitos concretos, mas apenas com
expectativa do direto.
Por isso mister o administrador ao interpretar o Princípio da
segurança e da confiança ter essa sensibilidade de reconhecer se estamos diante

53
de diretos ou de expectativa de direito para que possa a administração adotar as
medidas necessárias à proteção do direito adquirido, à proteção das situações já
consolidadas.

2.RESPONSABILIDADE FISCAL

No Brasil, foi promulgada, em maio de 2000, a Lei de


Responsabilidade Fiscal (LRF) para disciplinar os gastos públicos e controlar o
endividamento do governo. A LRF é uma norma orçamentária para conter os
déficits públicos e o endividamento, que se espelhou em normas de países como
os Estados Unidos e a Nova Zelândia, com o intuito de atingir um equilíbrio
fiscal.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, prevê no seu art. 1º, § 1º, a


responsabilidade de se buscar transparência na gestão pública, como foco para
promover uma gestão fiscal e orçamentária responsável:

“A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e


transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de
afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o compromisso de metas
e resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições
no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da
seguridade social e outras, dividas consolidada e mobiliária, operações de
crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e
inscrição em restos a pagar”.

A LRF prevê todos os aspectos de finanças públicas. Como


consequência ao cumprimento das normas, há um ajuste fiscal que poderá levar
a uma maior disponibilidade de recursos a serem aplicados para a melhoria dos
serviços públicos. A LRF delimita os gastos públicos com o endividamento e
com pessoal, além de controlar os aspectos orçamentários desde sua elaboração
até a sua execução, através de uma ação planejada e transparente.
Diferentemente de tentativas anteriores para limitação dos gastos
públicos, a LRF trouxe como inovação o planejamento governamental via
orçamento e a punição para os maus gestores públicos.

54
A sustentabilidade da LRF reside no planejamento governamental,
responsabilização, transparência e controle. O planejamento governamental
ganha importância porque este tem como instrumentos o Plano Plurianual de
Investimentos (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei
Orçamentária Anual (LOA), e o orçamento também ganha importância. A LRF
disciplina o relacionamento entre os entes federativos e entre os poderes e a
participação popular é consagrada.
A LRF impõe normas sobre: planejamentos orçamentários,
financeiros e econômicos; dívida e endividamento; despesas com pessoal;
estimativas do impacto das despesas no orçamento e no financeiro; receitas para
as despesas obrigatórias continuadas; transparência; controle social; e
fiscalização.
A nova ideia trazida nesta Lei com relação às outras leis do setor
público, foi a de responsabilizar a área de gestão financeira dos órgãos e poderes
públicos, a partir de um acompanhamento sistemático de desempenho da
Administração Pública. A referida Lei busca o compromisso do gestor público
com uma política fiscal responsável. A atribuição de responsabilidades ao gestor
foi consolidada a partir da publicação da Lei 10.028, de 19 de outubro de 2000.
Os objetivos desta Lei são os seguintes:
 Enfatizar o planejamento nas ações governamentais;
 Dotar a Administração Pública de instrumentos legais para
o atingimento do equilíbrio das contas públicas mediante cumprimento de
metas fiscais, bem como as medidas de correção de eventuais desvios;
 Estabelecer o controle social, mediante a utilização de
mecanismos de transparência das contas públicas.
Estão sujeitos à Lei de Responsabilidade Fiscal os Poderes
Executivo, Legislativo, Judiciário e os Tribunais de Contas, bem como o
Ministério Público e os demais órgãos da administração direta, fundos,

55
autarquias, fundações e empresas estatais subordinadas. Tais órgãos podem
aprovar as contas ou não.

2.1 CONCEITO DE GESTÃO PÚBLICA

Muito se fala sobre gestão pública, mas poucas pessoas conhecem


o significado da expressão, e este assunto é de muita importância ao
administrador público, pois delimita, com absoluta clareza, o campo de sua
atuação, indicando-lhe o caminho certo no trato da coisa pública.
Para Santos5, "gestão pública refere-se às funções de gerência pública dos
negócios do governo". Assim, de acordo com Silva6 pode-se classificar, de maneira
resumida, o agir do administrador público em três níveis distintos:
a) atos de governo, que se situam na órbita política;
b) atos de administração, atividade neutra, vinculada à
lei;
c) atos de gestão, que compreendem os seguintes
parâmetros básicos:
1. tradução da missão;
2. realização de planejamento e controle;
3. administração de R. H., materiais, tecnológicos e
financeiros;
4. inserção de cada unidade organizacional no foco da
organização; e
5. tomada de decisão diante de conflitos internos e
externos.
Portanto, fica clara a importância da gestão pública na realização
do interesse público porque é ela que vai possibilitar o controle da eficiência do

5SANTOS, Clezio Saldanha dos. Introdução à Gestão Pública. São Paulo: Saraiva, 2006.
6 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. 01/2007. Gestão Pública. Disponível em:
<http://www.rzoconsultoria.com.br/noticias>. Acesso em: 14 jan. 2016.

56
Estado na realização do bem comum estabelecido politicamente e dentro das
normas administrativas.
Infelizmente, a grande maioria dos agentes políticos desconhece
totalmente esta importante ferramenta que está à sua disposição, resultando em
gastos públicos inadequados ou equivocados, ineficiências na prestação de
serviços públicos e, sobretudo, no prejuízo financeiro e moral da sociedade.
Portanto, o gestor público não precisa temer a gestão pública, por receio de
perda de poder político, mas ao contrário, deve conhecê-la e utilizá-la como forma inteligente
de aumento de seu prestígio político porque somente através dela será possível dirigir política e
administrativamente uma pessoa ou organização estatal com objetividade, racionalidade e
eficiência7.
A gestão pública, portanto, considerando o princípio econômico
da escassez, em que as demandas sociais são ilimitadas e os recursos financeiros
para satisfazê-las são escassos, deve priorizar a administração adequada, eficaz
e eficiente de tudo aquilo que for gerado no seio social, sempre tendo em vista
o interesse do coletivo.
Somados ao conceito de gestão pública, é relevante entender o que
vem a ser o moderno dentro dessa análise, portanto, usam-se as concepções de
alguns autores como Bueno e Oliveira8, que conceituam ser a modernização da
administração carregada de objetivos a serem cumpridos, como: combater o
patrimonialismo e o clientelismo vigentes durante tantos anos; melhorar a
qualidade da sua prestação de serviços à sociedade; aprimorar o controle social;
fazer mais ao menor custo possível, aumentando substancialmente a sua
eficiência, pois não há recursos infinitos disponíveis para o alcance de todas as
demandas sociais, conforme conceituam.
A nova Gestão Pública, portanto, renova e inova o funcionamento
da Administração, incorporando técnicas do setor privado, adaptadas às suas

7SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Op., cit..


8BUENO, Julio; OLIVEIRA, Ricardo de. ENAP – Escola Nacional de Administração Pública. Rio de Janeiro, 2002.
Disponível em: <www.enap.gov.br/artigos>. Acesso em: 14 jan. 2016.

57
características próprias, assim como desenvolve novas iniciativas para o logro
da eficiência econômica e a eficácia social, subjaz nela a filosofia de que a
administração pública oferece oportunidades singulares, para melhorar as
condições econômicas e sociais dos povos.
Essa nova gestão se baseia na informação, cuja essência assume o
caráter do conteúdo da ação de ter que ser transmitida, depois de analisada e
armazenada, bem como ser liberada, para que possa servir para as futuras
tomadas de decisões, para novo controle e para a subsequente avaliação.
Atenção: resume-se que a gestão pública moderna tem como
fundamento um conteúdo ético, moral e legal por parte daqueles que
dela participam, tendo como objetivo a crença no resultado positivo da
política pública a ser implementada e na credibilidade na administração
pública exercida pelos mesmos.

2.2 CONCEITO DE GESTOR PÚBLICO

À luz de um conceito sucinto, pode-se definir o gestor público ou


administrador público como aquele que é designado, eleito ou nomeado
formalmente, conforme previsto em lei e/ou em regulamento específico,
para exercer a administração superior de órgão ou entidade integrante
da Administração Pública. Saliente-se que a administração superior
compreende todas as atividades relacionadas à definição de políticas e metas de
atuação do ente público, bem como à tomada de decisões, visando ao
atendimento dos objetivos e das finalidades definidas nas normas legais
reguladoras da sua atuação.
Além disso, a administração a ser exercida pelo gestor deve zelar
pela correta aplicação e pelo eficiente gerenciamento dos recursos públicos, na
forma da lei, sendo imperioso, ainda, observar a supremacia do interesse
público e os princípios aplicáveis à Administração Pública, em especial os

58
relacionados no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, tais como legalidade,
moralidade, impessoalidade, economicidade e eficiência.

2.2.1. LEGISLAÇÃO

– Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988;


– Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, de 1989;
– Lei Complementar Federal nº 101, de 04 de maio de 2000;
– Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964;
– Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992;
– Lei Federal nº 9.504, de 30 de setembro de 1997;
– Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967;
– Lei Estadual nº 11.424, de 06 de janeiro de 2000.

2.2.2. ATRIBUIÇÕES

Como regra geral, é possível afirmar que as atribuições do gestor


público estão todas expressamente definidas em lei e/ou em regulamento
específico de cada órgão ou entidade administrados. Existem, contudo,
atribuições que são comuns e extensivas a todos os gestores,
independentemente da especificidade do órgão ou da entidade, pois derivam de
normas e princípios gerais aplicáveis a todos os entes públicos ou se revelam
inerentes à própria atividade desempenhada pelo gestor público.
Dentre as atribuições comuns e extensivas a todos os gestores,
destacam-se as seguintes:
 Exercer a administração superior do ente público,
definindo as suas diretrizes e metas de atuação, bem como proceder à tomada
de decisões voltada ao atendimento das suas finalidades;

59
 Prestar contas, anualmente, de sua gestão, por intermédio
de um processo de tomada de contas a ser julgado pelo Tribunal de Contas e
por outros meios definidos em regulamento próprio do ente público;
 Autorizar a realização da despesa pública, a qual, quando se
tratar da Administração Pública Direta e suas Autarquias e Fundações, estará
condicionada, além de à devida autorização do gestor, ao prévio empenho, em
que é reservada dotação consignada em lei orçamentária para o pagamento de
obrigação decorrente de lei, contrato ou ajuste firmado pelo ente público;
 Ordenar o pagamento da despesa pública, o que, no caso
da Administração Pública Direta, suas Autarquias e Fundações, deverá ser
precedido do devido gravame de empenho, bem como da liquidação da
despesa, que consiste na verificação do efetivo direito do credor, tendo como
base os documentos comprobatórios do respectivo crédito;
 Exercer, na condição de administrador, o acompanhamento
e o controle, em termos físicos e financeiros, da execução do orçamento e dos
programas de trabalho do ente público, verificando, diretamente ou por suas
chefias de confiança, a legalidade dos atos de gestão praticados e o
cumprimento das metas e regras estabelecidas;
 Responsabilizar-se por uma gestão fiscal que assegure o
equilíbrio das contas do ente público, prevenindo riscos ou evitando desvios
que resultem em déficit de natureza orçamentária, financeira ou de resultado;
 Zelar pela salvaguarda e proteção dos bens, direitos e
valores de propriedade do ente público;
 Autorizar a celebração de contratos, convênios e ajustes
congêneres, atendendo aos interesses e às finalidades do ente público, bem
como homologar processos licitatórios realizados e prestações de contas de
convênios;
 Determinar, quando da ocorrência de danos ao erário ou da
prática de infração funcional, a instauração, conforme o caso, de sindicância,

60
inquérito, processo administrativo disciplinar (PAD) ou tomada de contas
especial (TCE), devendo esta ser encaminhada ao Tribunal de Contas;
 Promover a administração de pessoal, autorizando, se
previsto em norma legal ou regulamento, a contratação, nomeação, designação,
demissão ou exoneração de servidores, bem como atestando a efetividade dos
servidores, responsabilizando-se pela aplicação de penalidades previstas em
norma, em razão da prática de infrações funcionais.

2.3 FUNDAMENTOS DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

A Lei de Responsabilidade Fiscal pode ser dividida em quatro


fundamentos: planejamento, transparência, controle e responsabilização.
FUNDAMENTOS PRINCÍPIOS
Permitir planejamento fiscal consistente. Não gastar mais do que arrecadar.
Tornar a gestão fiscal transparente. Não se endividar mais do que a capacidade
de pagar.
Criar instrumentos de controle social. Escolher corretamente os gastos prioritários.
Responsabilizar e punir o mau Gestor. Combater o desperdício.
Fonte: Adaptado: MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101.
É na fase do planejamento que serão constituídas metas, limites e
situações para a utilização das receitas e realização das despesas. É neste
fundamento que estão inseridos o Plano Plurianual – PPA, a Lei de Diretrizes
Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA.
A Transparência faz com que as contas públicas sejam divulgadas
à população. Contando com a maior transparência e qualidade das informações,
o controle deve ser realizado principalmente pelos Tribunais de Contas (União,
estaduais e municipais) com ações rigorosas e contínuas.
Lino Martins9 alerta que deve partir dos gestores o conhecimento
dos fundamentos e normas básicas da LRF:
“É importante que escolham assessores e técnicos para estudar a
legislação em profundidade, além de determinar ao controle interno

9 SILVA, Lino Martins da. Contabilidade governamental: um enfoque administrativo. 5ª.ed. São Paulo, 2002.

61
atenção redobrada na elaboração e nos prazos de divulgação das novas
formas de prestação de contas”.

Em relação ao fundamento da Responsabilidade, a Administração


Pública que não atender às regras impostas nesta Lei, sofrerá punições de
acordo com sua desobediência, conforme prescrito no artigo 73:
Art. 73. As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão
punidas segundo o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal); a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei
nº 201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei nº 8.429, de 2 de junho de
1992; e demais normas da legislação pertinente.

Conforme este artigo as penalidades previstas vão desde multa


sobre vencimentos anuais até detenção e cassação do mandato, e toda e
qualquer pessoa está apta a denunciar irregularidades, cujas opunições podem
ser de dois tipos:
 Institucionais: o ente público é punido;
 Pessoais: o agente que propiciou o crime ou infração será
punido conforme a Lei nº 10.028/00, de 19 de outubro de 2000.

2.4. RESPONSABILIZAÇÃO

Com base no ordenamento jurídico-legal em vigor, é possível


afirmar que o agente público, em um conceito amplo que abrange o gestor, está
sujeito a ser responsabilizado por todos os atos praticados no exercício de sua
função pública que, porventura, acarretarem violação à norma ou à obrigação
jurídica ou, ainda, prejuízo ao erário, sendo previsto, para tais atos,
determinadas esferas de responsabilização, quais sejam: administrativa, civil, penal
e decorrente da prática de ato de improbidade administrativa.
Esclareça-se que esses níveis de responsabilização são
independentes e autônomos entre si, ou seja, determinado ato praticado pelo
gestor poderá ensejar, por exemplo, apenas sua responsabilidade administrativa
e civil.

62
2.4.1. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA

No campo da responsabilidade administrativa, o gestor poderá ser


responsabilizado quando, da prática de seus atos, resultar a ocorrência de um
determinado ilícito administrativo, podendo este ser definido como uma
conduta (ação ou omissão) emanada de um agente público que se configura
contrária às normas legais vigentes e passível de imposição de penalidades,
inclusive de caráter pecuniário (multa).
Essa espécie de responsabilidade está intrinsecamente relacionada
ao não cumprimento de leis e atos normativos internos (decretos, ordens de
serviço etc.), bem como de obrigações e deveres preestabelecidos em ajustes.
Em regra, a responsabilidade administrativa do gestor vincula-se ao
cometimento de infrações administrativas estatutárias, ou contrárias às finanças
públicas (artigo 5º, da Lei Ordinária nº 10.028/2000), e à inobservância de
formalidades de natureza orçamentária, operacional, financeira e administrativa,
enfocadas e analisadas sob os aspectos da legalidade, da legitimidade, da
economicidade, da eficiência e da eficácia.
A aplicação dessa responsabilidade administrativa, bem como a
sua concretização, poderá se dar pela atuação da própria Administração do ente
público envolvido e, principalmente, pelos chamados órgãos de controle e
fiscalização interna e externa, instituídos e com competências definidas na
Constituição Federal.
Nesse sentido, os chamados ilícitos administrativos que vierem a
ser identificados pelas auditorias e inspeções dos referidos órgãos de controle,
serão submetidos a julgamento pelo Tribunal de Contas, detentor, para tanto,
da competência constitucional (artigo 71, II, da Constituição Federal), o qual
irá, nos termos de seu Regimento Interno, determinar e delimitar, em processo
administrativo denominado de tomada de contas, eventual responsabilidade
administrativa do gestor público. Caso o mencionado Tribunal julgue que o
gestor é responsável pelo ilícito administrativo ocorrido, ser-lhe-á aplicada uma

63
penalidade correspondente a uma multa e/ou à devolução do valor equivalente
ao prejuízo sofrido pelo ente público.

2.4.2. RESPONSABILIDADE CIVIL

Na esfera da responsabilidade civil, o gestor estará sujeito a ser


responsabilizado a reparar/indenizar eventual dano/prejuízo causado por ele
ao ente público ou mesmo a terceiro, quando atuar (por ação ou omissão), no
exercício de sua função pública, de forma dolosa ou culposa. Esse tipo de
responsabilização tem caráter nitidamente patrimonial e decorre de disposição
geral e expressa constante da Constituição Federal (artigo 37, § 6º) e do Código
Civil de 2002 (artigo 927), o qual define que “todo aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que de
ordem moral, comete ato considerado ilícito e deve repará-lo”.
Quando, portanto, da prática de um ato de gestão, de forma
dolosa (intencionalmente) ou culposa (por negligência, imprudência ou
imperícia), resultar um efetivo prejuízo ao ente público administrado ou a um
terceiro qualquer (pessoa física ou jurídica), será o gestor responsabilizado
civilmente a indenizar o resultado danoso.

2.4.3. RESPONSABILIDADE PENAL

Há, ainda, a chamada responsabilidade penal ou criminal, que


decorre da prática de um determinado crime, assim definido por lei. Desse
modo, quando o ato de gestão implicar uma conduta expressamente descrita
pela lei como um tipo penal (crime), o gestor estará sujeito a ser
responsabilizado no âmbito criminal.
Em regra geral, os crimes praticados por agentes públicos no
exercício de sua função estão previstos no Código Penal, no capítulo que trata

64
dos Crimes Contra a Administração Pública e, particularmente, no capítulo Dos
Crimes Contra as Finanças Públicas. Existem, no entanto, leis especiais que
também criminalizam certas condutas relacionadas à gestão pública, como, por
exemplo, a Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666/93) e a Lei Federal nº
1.079/50 (Lei dos Crimes de Responsabilidade).

2.4.4. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Por fim, destaca-se a responsabilidade passível de ser atribuída ao


gestor público, quando considerado agente público, em razão da prática de ato
de improbidade administrativa, nos termos estabelecidos na Lei Federal nº
8.429/92, cuja abordagem é feita em um capítulo específico desta apostila.
A título de notícia, entretanto, cumpre assinalar que a mencionada
Lei Federal descreve uma série de atos considerados improbidade
administrativa, os quais são classificados como aqueles que importam em
enriquecimento ilícito do agente público, causam prejuízo ao erário, decorrem
da concessão ou aplicação indevida de benefícios financeiros ou tributários e
atentam contra os princípios da Administração Pública.
E restaram definidas pela dita lei as seguintes penalidades ou
sanções ao gestor que praticar um ato de improbidade administrativa: perda de
bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ressarcimento integral do
dano; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos, pagamento de
multa civil; proibição de contratar com o Poder Público e de receber benefícios
ou incentivos fiscais ou creditícios.

2.4.5. VEDAÇÕES PREVISTAS NA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

Os encerramentos de exercícios financeiros, principalmente o


último ano de mandato, trazem consigo uma série de providências a serem
adotadas para que a Administração Pública possa cumprir com a finalidade de
prestar serviços de qualidade à população.

65
O legislador preocupou-se com esse período e editou normas que
constam na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000).
A LRF, ao tratar das normas que vigorarão no encerramento de
exercício financeiro, deixou expressamente vedada ocorrências relacionadas ao
controle de despesa total com pessoal, recondução da dívida consolidada, operações de crédito
por antecipação de receita orçamentária e efeitos do orçamento em relação a direitos de terceiros.

2.4.5.1. Controle da despesa total com pessoal

Dita o artigo 21, parágrafo único da LRF:


“Art. 21. (...)
Parágrafo único – Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte
aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias
anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão
referido no art. 20”.

Assim, sob pena de nulidade, não pode haver aumento de despesa


com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao término do
mandato. A ideia do legislador é não comprometer o orçamento subsequente
ao ano eleitoral, ou mesmo ultrapassar o limite de gastos com pessoal, salvo se
houver diminuição da despesa com pessoal, quando, aí sim, é permitido, em
caráter compensatório, a manutenção do patamar de gastos no patamar
permitido. Veja‐se que poderão existir situações emergenciais, pontuadas caso
a caso, que exigirão contratações temporárias, com efetivo aumento de despesa,
com lastro no art. 37, IX da CF/88.

2.4.5.2. Recondução da dívida consolidada

Dita o art. 31, §§ 1° a 3º da LRF:


“Art. 31. Se a dívida consolidada de um ente da Federação ultrapassar
o respectivo limite ao final de um quadrimestre, deverá ser a ele
reconduzida até o término dos três subsequentes, reduzindo o excedente
em pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) no primeiro.
§ 1º Enquanto perdurar o excesso, o ente que nele houver incorrido:

66
I – estará proibido de realizar operação de crédito interna ou externa,
inclusive por antecipação de receita, ressalvado o refinanciamento do
principal atualizado da dívida mobiliária;
II – obterá resultado primário necessário à recondução da dívida ao
limite, promovendo, entre outras medidas, limitação de empenho, na
forma do art. 9º.
§ 2º Vencido o prazo para retorno da dívida ao limite, e enquanto
perdurar o excesso, o ente ficará também impedido de receber
transferências voluntárias da União ou do Estado.
§ 3º As restrições do § 1º aplicam-se imediatamente se o montante da
dívida exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do
mandato do Chefe do Poder Executivo”.

2.4.5.3. Operações de crédito por antecipação de receita orçamentária

Dita o art. 38, IV, “b” da Lei, verbis:


“Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a
atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá
as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:
(...); IV – estará proibida:
(...); b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito
Municipal.”

O dispositivo proíbe operação de crédito por antecipação de


receita no último ano do mandato. Tal operação de crédito é a que visa atender
insuficiência de caixa durante o exercício financeiro, visando ao impedimento
de transferência de dívida para o exercício seguinte ao do último ano do
mandato.

2.4.5.4. Efeitos do orçamento em relação a direitos de terceiros

Dita o artigo 42 da Lei, verbis:


“ É vedado ao titular de Poder ou Órgão referido no art. 20, nos últimos
dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que
não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas
a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente
disponibilidade de caixa para este efeito”.

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Portanto, de forma direta, as vedações da LRF, na forma do
artigob 42, são as abaixo listadas, de 1º de maio a 31 de dezembro:
 Contrair obrigação de despesa, nos últimos 8 meses, que
não possa ser cumprida (paga) integralmente dentro do mandato;
 Parcelas a serem pagas no exercício seguinte devem ter
correspondente disponibilidade de caixa (dinheiro);
 Exigência do dinheiro em caixa para pagamento das
obrigações contraídas no último ano do mandato;
 Não basta a mera “indicação orçamentária” prevista no art.
14, da Lei 8.666/93;
 Disponibilidade de caixa é o montante que remanesce
disponível após a execução contábil dos encargos e despesas compromissados
a pagar, até o final do exercício;
 Obras novas que ultrapassem o exercício: na Licitação;
 Obras novas que terminam no exercício: na Contratação;
 Fornecimento de Bens: na aquisição dos Bens, desde que
tenha dinheiro em caixa para sua quitação;
 Fornecimento de Serviços: na Contratação, desde que
dinheiro em caixa para quitação do serviço prestado até dezembro;
 Obras previstas no orçamento: na Contratação, havendo
dinheiro em caixa;
 Obras Licitadas: Contratação somente se tiver dinheiro para
quitação do executado até o mês de dezembro;
 Serviços continuados, essenciais ou que já vinham sendo
prestados: Podem ser licitados e contratados;
 Obras Novas: vedação integral. Somente podem ser
licitadas e contratadas com dinheiro em caixa e nos termos do art.45;

68
 É obrigatório o pagamento do executado até o mês de
dezembro ou deve-se deixar dinheiro em caixa;
 É nulo o ato que resulte em aumento de despesa com
pessoal expedido nos 180 dias anteriores ao final do mandato;
 A partir de 1° de julho não pode ser concedido aumento
salarial, readequação de carreiras, concessão de vantagens, gratificações ou
encargos especiais aos funcionários;
 Provimento de cargos somente como exceção.
A Lei de Responsabilidade Fiscal é clara ao vedar que nos últimos
08 (oito) meses do mandato do gestor, e não apenas do Chefe do Poder
Executivo, seja contraída despesa que não possa ser integralmente cumprida ou
quitada até o término do respectivo mandato; ou ainda, que seja assumido
compromisso de pagar parcelas no exercício seguinte sem que possa deixar
recursos suficientes em caixa para pagar as parcelas antes ajustadas. Tal
intelecção do dispositivo alcança até mesmo despesa continuada prevista na
LDO e na Lei Orçamentária, salvo em casos de calamidade pública ou despesa
extraordinária.

3. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - Lei nº 8.429/92 - Lei de


Improbidade Administrativa – LIA

O vocábulo latino improbitae tem significado de “desonestidade” e


a expressão “improbus administrator” quer dizer: administrador desonesto ou de
má-fé.

Segundo definição de Plácido e Silva, é o ímprobo:

“Mau, perverso, corrupto, devasso, falso, enganador. É atributo da qualidade de todo homem
ou de toda pessoa que procede atentando contra os princípios ou as regras da lei, da moral e dos
bons costumes, com propósito maldosos ou desonestos. O ímprobo é privado de idoneidade e de
boa forma.”

69
Portanto, a conduta ilícita do agente público para tipificar ato de
improbidade administrativa deve ter esse traço comum característico de todas
as modalidades de improbidade administrativa: desonestidade, má-fé, falta de
probidade no trato da coisa pública.

Nesse contexto, a improbidade administrativa constitui violação


ao princípio constitucional da probidade administrativa, isto é, ao dever do
agente público de atuar sempre com a probidade (honestidade, decência,
honradez) na gestão dos negócios públicos.

No dizer de Marcello Caetano, ao abordar o dever de probidade:

“o funcionário deve servir à Administração com honestidade, procedendo no exercício de


suas funções sempre no intuito de realizar os interesses públicos, sem aproveitar os
poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira
favorecer”.

Na lição do eminente constitucionalista José Afonso da Silva:


“A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu
consideração especial pela Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos
políticos (art. 37, par. 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o
‘funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas
funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades dela decorrentes em proveito pessoal ou
de outrem a quem queira favorecer’. Cuida-se de uma imoralidade qualificada. A
improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e
correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem.”

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça enfatizou:


“É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo.

Consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta


antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados
pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal,
deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, o que não restou
comprovado nos autos pelas informações disponíveis no acórdão recorrido, calcadas,
inclusive, nas conclusões da Comissão de Inquérito” (Recurso Especial nº 480.387/SP
– 1ª Turma – Rel.: Min. Luiz Fux – DJU 16.03.2004, p. 163).”

Improbidade administrativa, pois, é mais que singela atuação


desconforme com a fria letra da lei. Em outras palavras, não é sinônimo de mera
ilegalidade administrativa, mas de ilegalidade qualificada pela imoralidade, má-fé. Em

70
suma, pela falta de probidade do agente público no desempenho de função
pública.

A esse despeito, de forma a elucidar os estudos desse item, é


importante esclarecer a diferença entre agente político e agente público. O
agente político, é aquele detentor de cargo eletivo, eleito por mandatos
transitórios, como os Chefes de Poder Executivo e membros do Poder
Legislativo, além de cargos de Ministros de Estado e de Secretários nas
Unidades da Federação, os quais não se sujeitam ao processo administrativo
disciplinar (PAD).

Já o agente público é todo aquele que presta qualquer tipo de


serviço ao Estado, funções públicas, no sentido mais amplo possível dessa
expressão, significando qualquer atividade pública.

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) conceitua


agente público como “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem
remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no
artigo anterior”. Trata-se, pois, de um gênero do qual são espécies o servidor
público, o empregado público, o terceirizado e o contratado por tempo
determinado.

Por oportuno, o sujeito passivo será aquele atingido pelo ato de


improbidade.

O artigo lº, da Lei de Improbidade, aponta as entidades que,


atingidas por ato de improbidade, legitimam a incidência das punições previstas
na Lei. Segundo o dispositivo seriam elas: a administração direta, indireta ou
fundacional de quaisquer dos entes (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios), de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou

71
de entidade 'para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra
com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

O parágrafo único do mesmo artigo 1º, da LIA, amplia o rol de


sujeitos passivos (sujeitos passivos secundários), incluindo: entidade que receba
subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem
como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou
concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual,
limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a
contribuição dos cofres públicos, in verbis:

“Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou


não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa
incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário
haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita
anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade
praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo,
fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o
erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou
da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito
sobre a contribuição dos cofres públicos”.

Já o sujeito ativo é aquele que pratica o ato de improbidade. A LIA


aponta as pessoas que, praticando um ato de improbidade (conforme descrito
na Lei), submetem-se aos efeitos sancionatórios nela previstos. De acordo com
a Lei nº 8.429/92, são sujeitos ativos o agente público e o terceiro que, mesmo
não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Para os efeitos da referida Lei, agente público é todo aquele que


exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,
designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,
mandato, cargo, emprego ou função nas entidades compreendidas como sujeito
passivo do ato de improbidade.

72
O ato de improbidade pode corresponder a um ato
administrativo, a uma omissão ou a uma conduta, e é praticado no exercício de
uma função pública (em sentido amplo). Segundo a maioria da doutrina, mesmo
quando praticado por terceiro, que não se enquadre no conceito de agente
público, deve haver reflexo sobre uma função pública exercida, eis que de outra
forma, qualquer dano praticado contra Poder Público (ex: choque entre
veículos, envolvendo carro oficial) daria ensejo às excepcionais sanções
estabelecidas pela LIA.

O ato de improbidade, por si só, não se iguala a um crime,


caracterizando-se como um ilícito de natureza civil e política.

Em relação aos atos de improbidade, a Lei nº 8.429/92 optou por


dividi-los nas seguintes categorias ou modalidades. Os atos que: importam
enriquecimento ilícito (art. 9º); causam prejuízo ao erário (art. 10); decorrem da
concessão ou aplicação indevida de benefícios financeiros ou tributários (art.
10-A) e os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11).

Conforme o artigo 9°, constitui-se como ato de improbidade


administrativa, importando enriquecimento ilícito, auferir qualquer tipo de
vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato,
função, emprego ou atividade nos sujeitos passivos (anteriormente descritos).
O dispositivo ainda traz um elenco exemplificativo de atos de improbidade
classificados nessa modalidade.

O artigo 10 trata dos atos de improbidade administrativa que


causam lesão ao erário. Eles equivaleriam a qualquer ação ou omissão, dolosa ou
culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres dos sujeitos passivos da improbidade

73
administrativa. Este dispositivo também indica um elenco exemplificativo de atos
de improbidade.

O artigo 10-A prevê os atos de improbidade administrativa


derivados de qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro
ou tributário contrário ao disposto no §1º, do artigo 8º-A, da Lei Complementar nº 116, de
31 de julho de 2003, que prevê o seguinte:
“O imposto não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários
ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou
outorgado, ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga
tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima estabelecida no
caput, exceto para os serviços a que se referem os subitens 7.02, 7.05 e 16.01 da lista
anexa a esta Lei Complementar”.

Por fim, o artigo 11 estabelece como ato de improbidade


administrativa, que atentem contra os princípios da administração pública, qualquer ação
ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e
lealdade às instituições. Ao final, o dispositivo também aponta seu respectivo
elenco exemplificativo.

Assim, vejamos o que dizem os artigos 9º, 10, 10-A e 11 da Lia, in


verbis:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito


auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo,
mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei,
e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer


outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem,
gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido
ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição,


permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades
referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação,


permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço
inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos


ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das

74
entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos,
empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para


tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de
contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal
vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para


fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro
serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias
ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego


ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução
do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou


assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido
ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante
a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de


verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente,


para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou


valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta
lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do


acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

Seção II
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao
Erário

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário
qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio,
apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas
no art. 1º desta lei, e notadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio


particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do
acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens,
rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas
no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares
aplicáveis à espécie;

75
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda
que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de
qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das
formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do


patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação
de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por


preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e


regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das


formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou


regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que


diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou


influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,


equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de
qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de
servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação
de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas
na lei;

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia


dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

XVI a XXI - (Vide Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência)

Seção II-A
(Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016) (Produção de
efeito)Dos Atos de Improbidade Administrativa Decorrentes de
Concessão ou Aplicação Indevida de Benefício Financeiro ou
Tributário

Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou


omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao

76
que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de
julho de 2003.

Seção III
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os
Princípios da Administração Pública

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os


princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele


previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e
que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da


respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço
de mercadoria, bem ou serviço.

VIII - (Vide Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência)

IX - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na


legislação.

Embora dentre as descrições legais acima, para as modalidades de


atos de improbidade, o dolo e a culpa tenham sido citados, apenas, no artigo
10, tem-se entendido que a caracterização de um ato de improbidade exige a
identificação desses elementos subjetivos (dolo ou culpa).

Quanto as sanções derivadas da prática de atos de improbidade,


estas possuem natureza jurídica extrapenal (civil ou político-administrativa). A
própria Constituição Federal (§ 4º, do artigo 37) estabelece que os atos de
improbidade administrativa importarão, na forma e gradação previstas em lei:
a) Ressarcimento ao erário;
b) Indisponibilidade dos bens;

77
c) Suspensão dos direitos políticos;
d) Perda da função pública.

A Lei n° 8.429/92 ampliou o rol de medidas punitivas,


acrescentando:
a) Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente;
b) Multa civil;
c) Proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário.

Importante consignar que a aplicação das sanções da Lei de


Improbidade independe:
a) Efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto
ao ressarcimento;
b) Aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle
interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.

Por fim, cabe salientar que, independentemente das sanções


penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o
responsável pelo ato de improbidade sujeito às sanções previstas pela Lei n°
8429/92, que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na


legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes
cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a
gravidade do fato:

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao


patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três
vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que
por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou


valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da
função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa
civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que

78
por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco
anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da


função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa
civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta
a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.”

“Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público
ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.

Pena: detenção de seis a dez meses e multa.

Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o


denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.

Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se


efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá


determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função,
sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução
processual.

Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de


ressarcimento;

II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo


Tribunal ou Conselho de Contas.”

Quanto ao crime de responsabilidade, o STF entendeu que tanto


a lei de improbidade quanto a lei de crimes de responsabilidade têm
natureza político-administrativa, sendo a primeira aplicável aos agentes
públicos, e a segunda, aos agentes políticos, culminando em bis in idem a
aplicação simultânea das Leis ao mesmo agente político. Neste caso, ambas as
Leis buscariam punir os agentes políticos pelos mesmos atos, já que a Lei de
Crimes de Responsabilidade prevê a modalidade “atos contra a probidade na
administração” como crime de responsabilidade, o que afasta a aplicação da Lei

79
de Improbidade aos agentes políticos. Tratar-se-ía de um sistema especial de
responsabilização do agente político.

Quanto à Prescrição, estes são os parâmetros trazidos pela LIA:

“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser
propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão


ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares


puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo
ou emprego.

III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da


prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta
Lei.”

4.RESPONSABILIDADES DOS AGENTES PÚBLICOS

4.1. AGENTES PÚBLICOS

Constituem a massa de pessoas naturais que sob variados vínculos, seja


estatutário ou celetista, de forma definitiva ou transitória e algumas vezes sem qualquer liame,
prestam serviços à Administração Pública ou realizam atividades de sua responsabilidade10.

Os Agentes exercem funções do órgão, distribuídas entre cargos aos seus


titulares, mas de formar excepcional poderá existir funções sem cargo 11. Desta forma o
Agente Público se caracteriza por estar investido em uma função pública e pela natureza
pública dessa função, sendo assim, para caracterizar o Agente Público, são necessários a
investidura (de ordem objetiva) em função pública e natureza pública da função (de ordem
subjetiva)12. Pelo exposto, concluímos que todos os que de alguma forma exerce
função pública e independentemente da existência de vínculo e uma vez
existindo são irrelevantes a forma de investidura e a natureza do vínculo que
liga este agente à Administração Pública.

10 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo, ed.8ª, São Paulo: Saraiva, 2003. p. 129.
11 MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, ed. 21ª, São Paulo: Malheiros, 2008. p. 71.
12 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso De Direito Administrativo Brasileiro, ed. 26, São Paulo: Malheiros, 2008.

p. 243.

80
É necessário destacar que, o cargo ou função pública pertence ao
Estado e não ao agente, desta forma poderá o Estado, ampliar, suprimir ou
alterar os cargos e funções, não gerando direito adquirido ao agente titular, o
mesmo não acontece se o agente desaparecer, o cargo ou função continuará
existindo e disponível a Administração Pública (exemplo o falecimento do
agente)13.
A expressão agentes públicos é utilizada em sentido amplo e
genérico, por tanto funcional, a partir dela podemos identificar suas espécies, e
para entendermos melhor as categorias (ou espécies) de agentes públicos, faça-
se necessário citar Hely Lopes Meirelles, que em sua obra clássica definiu quatro
espécies, os agentes políticos, os agentes administrativos, os agentes honoríficos
e os agentes delegados. Em uma posição mais moderna podemos citar Maria
Sylvia Zanela di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello que classificam as
espécies da seguinte forma: os agentes políticos, servidores públicos, e
particulares em colaboração com o poder público14. Deste conceito de agentes
seguiremos com a análise destas categorias.

4.1.1. AGENTES POLÍTICOS

São aqueles que integram os mais elevados escalões na organização


Administrativa Pública, possuindo acento na Constituição Federal, possuem independência
funcional e regime jurídico próprio, no sentido mais próprio são os representantes do povo, o
que conduz à investidura por eleição15.
O Agente Político tem regime jurídico próprio, não se submete ao regime geral
do art.102 da Constituição, aplica apenas em caráter subsidiário. E o agente político atua
com independência funcional no que pertine aos exercícios de suas atribuições, e não está
hierarquizada16.

13 VICENTE PAULO, Marcelo Alexandrino, Direito Administrativo, 17ª. ed., São Paulo: Metodo, 2009. p. 125.
14 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito Administrativo Ed. 21, São Paulo: Atlas, 2008. p.352.
15 FILHO, Marçal Justen, Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 571.
16 PAULO, Marcelo Alexandrino Vicente, Direito Administrativo Descomplicado, ed. 17ª, São Paulo: Método, 2009.

p.125.

81
A doutrina diverge na questão de quem pode ser agentes políticos
e assim há duas correntes:
1ª) Nesta primeira corrente podemos citar o professor Celso
Antônio de Mello, o qual entende que agente político é apenas aquele que pode
estabelecer normas diretrizes, normas de condutas de comportamento estatal e
de seus administrados que pode definir metas e padrões administrativos. São
apenas os chefes dos executivos e membros do legislativo (é o detentor de demanda do eletivo),
logo são agentes públicos titulares dos cargos estruturais a organização política do País, sendo
agentes políticos apenas o presidente da república, os governadores, prefeitos e respectivos vices,
os auxiliares imediatos dos chefes do executivo17.
2ª) Já na segunda corrente podemos citar professor Hely Lopes
Meirelles, o qual entende que compreendem os agente político, além dos
agentes que foram citados na primeira posição, também os agentes políticos, os
juízes, promotores, defensores, ministros, e conselheiros dos tribunais de
contas. Estendem para estes agentes porque estão previstos na Constituição Federal de onde
recebem suas atribuições ainda que de forma geral (genérica), também atuam com
independência funcional e possuem regime jurídico próprio.18
A investidura do agente político em regra é obtida através de eleição, mediante
o sufrágio universal na forma da constituição federal, arts. 2º e 14, salvo para ministros e
secretários que são de livre escolha do chefe do executivo e providos em cargos públicos, mediante
nomeação.19

4.1.2. SERVIDORES PÚBLICOS EM SENTIDO AMPLO (OU AGENTES


ADMINISTRATIVOS)

Espécie de agentes públicos onde se encontra o maior número de


pessoas naturais exercendo a funções públicas, cargos públicos e empregos

17 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, ed.26, São Paulo: Malheiros, 2001. p.246.
18 MEIRELLES, Hely Lopes, op. Cit. p. 73.
19 Di PIETRO, Maria Sylvia Zanela, op. p.353.

82
públicos nas administrações direta e indireta. São agentes administrativos que exercem
uma atividade pública com vínculo e remuneração paga pelo erário público20. Podem ser
classificados como estatutários, celetistas ou temporários.

4.1.2.1. Servidores Estatutários

O Servidor Público é uma espécie dentro do gênero servidores


estatais, são os que possuem com a administração relação de trabalho de natureza profissional
e não eventual21.

Os Servidores Estatutários são contratados para cargo público no


regime estatutário, regulamentado pelo Estatuto do Servidor Público Lei de
âmbito federal n° 8.112/90.

Para ser nomeado o servidor precisa antes ser submetido ao


procedimento do concurso público de provas ou de provas e títulos, art. 37,
inciso II da CF. É o cargo público de provimento efetivo, ou seja, é o cargo que
possibilita a aquisição de estabilidade no serviço público que é diferente do
cargo em comissão que é desprovido de efetividade não gerando estabilidade,
porque a nomeação para este cargo depende de confiança da autoridade que
tem competência para esta nomeação.

4.1.2.2. Empregado Público (Celetista)

Quando contratados para emprego público no regime da CLT,


mas aplicam-se os princípios do direito público, por exemplo: investidura
subordinada à aprovação prévia em concurso público. Trata-se de regime obrigatório
nas empresas públicas e sociedade de economia mista.22

4.1.2.3. Servidores Temporários

20 Di PIETRO, Maria Sylvia Zanela., op.p.353.


21 MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. Cit. p. 248.
22 MAZZA, Alexandre. Direito Administrativo. Ed. Saraiva: São Paulo, 2009. p. 159.

83
Quando contratados tão somente para exercer a função pública,
em virtude da necessidade temporária excepcional e de relevante interesse
público. Por tanto exercem uma função pública remunerada temporária, apresentando cunho
de excepcionalidade, o que autoriza o tratamento secundário.23

4.1.2.4. Particulares que atuam em colaboração com o Poder Público

Pessoa física que sem perderem a qualidade de particulares e sem


existir vínculo de trabalho entre a Administração Pública de forma remunerada
ou não, mas existindo sim, uma execução de um trabalho em benefício do
interesse público e do particular, ou seja, não existe entre o particular e a
administração um vínculo jurídico, mas existe sim uma prestação de a atividade
pelo particular em benefício do interesse público. Importante destacar que os
particulares atuam em nome próprio, limitando-se a administração a fiscalizar o desempenho
dessas atividades24. Existem três tipos de particulares que podem colaborar com a
administração: Particulares por Delegação; Particulares que atuam por
Convocação, Nomeação ou Designação; e Agentes Necessários ou Gestores de
Negócios Públicos.

4.1.2.5. Particulares por delegação

Os chamados Agentes Delegados, agentes que atuam mediante


delegação, ocorrem nos casos de concessão e permissão de serviços públicos.
Exemplo: tradutores, leiloeiros, os bancários, titulares de cartórios que
atualmente a atividade notarial e de registro que é exercida em regime jurídico
de direito privado por delegação pelo Poder Público, artigo 236 da Constituição
Federal25 (Lei nº 8.935, de 18-11-1994, dispõe sobre os serviços notariais e de
registro), a remuneração que recebem não é paga pelos cofres públicos, mas pelos terceiros

23 FILHO, Marçal Justen, op. Cit. p. 577.


24 Mello, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, ed.13, São Paulo: Malheiros, 2001. p. 223.
25 Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

84
usuários do serviço, nestes casos exercem função pública em nome próprio com a fiscalização
do Poder Público.26

4.1.2.6. Particulares que atuam por convocação, nomeação ou


designação (Agentes Honoríficos)

Nesta segunda espécie pode ter agentes que exercendo atividade


sem remuneração, por exemplo, jurados do tribunal do júri e mesários que
exercem um serviço público honroso, atividade honrosa, e por isso esses
particulares são denominados por alguns autores como agentes honoríficos, tais
serviços constituem o chamado múnus público, ou serviços públicos relevantes27, esses agentes
o máximo que podem receber é uma ajuda de custo ou pro labore, isso não
descaracteriza como agente honorifico. Exemplo: peritos, tradutores,
conciliadores, jurados do tribunal do júri e mesários.

4.1.2.7. Agentes necessários ou gestores de negócios públicos

Uma grande característica desta espécie é o fato que este agente


atua voluntariamente, de forma espontânea, diante de uma situação anômala de
caráter emergencial, sempre diante de uma situação excepcional. Exemplo: uma
situação calamidade, enchente, particulares que ajudam resgatar pessoas de um
desmoronamento.
Diferente de Agentes Putativos (agentes de fato) que tem
aparência de Agentes Públicos legalmente investidos da função pública, aplica-
se neste caso a teoria da aparência, mas não existe legal investidura, por duas
situações, não existe nenhuma investidura ou existe uma ilegalidade na sua
investidura. Exemplo: oficial de justiça que apresentou diploma falso, ou seja,
apresentou um documento necessário para sua investidura falso, existindo uma
investidura viciada, o jurisdicionado que se depara com este oficial não tem
como saber que o oficial de justiça apresentou documento falso a

26 Di PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito Administrativo Ed. 21, São Paulo: Atlas, 2oo8. p.491.
27 Meirelles, Hely Lopes, op. Cit. p.75.

85
administração, aplicando-se para este sujeito a teoria da aparência, a medida for
necessária para a proteção dos seus direitos em razão do ato praticado por este
agente, têm que ser reconhecido os direitos do administrado. Mas pode
acontecer outra situação, o agente não tem investidura na função que ele exerce,
porque ele nem é servidor ou é, mas extrapolar em exercício da sua função agir
fora de sua competência ou nem ter competência nenhuma. Porém em razão da
teoria da aparência, visando à segurança e a boa-fé do administrado, os atos praticados por
agentes putativos serão considerados válidos.28
Agente Necessário é um particular e aparece como tal, não engana,
não é um agente putativo, não se mostra como Agente Público o gestor de
negócios públicos se mostra como uma pessoa estranha à administração, é um
particular que apenas colabora, auxiliando com algum tipo de função a
administração.

4.1.2.8. Agentes credenciados

São os que recebem a incumbência da Administração para representá-la em


determinado ato ou praticar certa atividade especifica, mediante remuneração do Poder Público
credenciante.29 Por exemplo, determinada pessoa recebe atribuição de representar
o Brasil em evento internacional.

4.1.2.9. Militares

Abrangem as pessoas físicas que prestam serviços às Forças Armadas:


Marinha, Exército e Aeronáutica, art. 142, caput e § 3º, da CF e também as policias
militares e corpo de bombeiros militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios, art.42
da CF, com vínculo estatutário sujeito a regime jurídico próprio, com a EC nº 18/98 são
denominados servidores públicos militares. 30

28 Di Pietro, Maria Sylvia Zanela, op. Cit. p. 239.


29 Meirelles, Hely Lopes, op. Cit. p. 76.
30 Di Pietro, Maria Sylvia Zanela, Direito Administrativo, ed. 23º: São Paulo: 2010. p. 517.

86
4.2. RESPONSABILIDADES DOS AGENTES

O Agente Público causador do dano deverá ressarcir a


Administração, desde que, nesse caso, tenha praticado o ato com dolo ou com
culpa. Ou seja, a responsabilidade do servidor será SEMPRE SUBJETIVA,
não se confundindo com a responsabilidade do Estado, que, para atos
comissivos, responde de forma objetiva por eventuais prejuízos causados à
sociedade, nos termos do §6º do art. 37 da CF/1988.
Em termos de responsabilidade, já houve muita discussão a
respeito de contra quem poderia ser proposta a ação judicial cabível para que
fosse promovida a indenização do prejudicado pela atuação estatal. A questão
já foi pacificada pelo STF, a seguir, trecho do Recurso Extraordinário 327.904,
no qual se tratou do assunto:
A ação de indenização há de ser promovida contra a pessoa jurídica causadora do dano
e não contra o agente público, em si, que só responderá perante a pessoa jurídica que fez
a reparação, mas mediante ação regressiva.

Interessante registrar que, pela sua natureza indenizatória, a ação


regressiva transmite-se aos herdeiros/sucessores do agente causador do dano,
os quais poderão ter de promover a reparação mesmo após a morte do agente.
O limite dado é o valor do patrimônio transferido a estes herdeiros/sucessores.
Ainda em decorrência da natureza civil da ação, esta poderá ser intentada após
o término do vínculo entre o servidor e a Administração.
Por fim, é de se destacar que são imprescritíveis as ações de
ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes, servidores ou não, que
tenham incidido em práticas causadoras de prejuízos à fazenda pública. Os
ilícitos prescreverão, mas não a ação de ressarcimento, por força do §5º do art.
37 da CF/1988.
Sobre o tema, no MS 26.210, o STF denegou o pleito de ex-
bolsista do CNPq, que alegava a prescrição da ação de ressarcimento. Na
oportunidade, a Suprema Corte salientou que o §5º do art. 37 da Constituição

87
Federal de 1988 prevê a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao
erário.
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO. BOLSISTA DO CNPq. DESCUMPRIMENTO
DA OBRIGAÇÃO DE RETORNAR AO PAÍS APÓS TÉRMINO DA
CONCESSÃO DE BOLSA PARA ESTUDO NO EXTERIOR.
RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA DE
PRESCRIÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.
I - O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público, não
pode alegar desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas
normas do órgão provedor.
II - Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau.
III - Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no
tocante à alegada prescrição.
IV - Segurança denegada.

As dívidas de valor são repassadas para os sucessores por não


serem penalidades, mas uma simples recomposição as cofres públicos. Logo,
como não são penalidades, daí decorre a imprescritibilidade da ação de
ressarcimento, afinal dívidas não são penas!

4.2.1. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA, CIVIL E PENAL

As três responsabilidades não se confundem, sendo que o agente


público poderá responder por cada uma delas, de forma independente.
Assim poderá ocorrer responsabilidade administrativa sem que
haja uma responsabilidade civil, desde que o agente tenha agido contrariamente
às determinações legais, mas sem causar danos patrimoniais ao particular. De
modo igual, poderá haver responsabilização administrativa e civil sem que haja
responsabilidade penal do agente. Uma vez que o ilícito administrativo poderá
ocorrer, o dano patrimonial ao particular também, com o ato não ser
enquadrado em qualquer dos tipos penais previstos em lei.

88
Porém, existem determinadas situações em que uma esfera poderá
interferir de forma direta em outras esferas.
Se o agente for absolvido por negativa de autoria ou inexistência
do fato, tal fato implicará nas responsabilidades administrativa e civil. No
entanto, se a absolvição penal ocorrer por mera insuficiência de prova, tal
sentença não vai interferir em quaisquer das demais esferas, podendo gerar
responsabilidade administrativa e civil.

4.2.1.1. Responsabilidade Administrativa

O dano originado de ato ou omissão do servidor poderá resultar


em prejuízo ao erário; ou a terceiros de boa-fé. Ocorrendo o dano, a
Administração primeiro apura a responsabilidade civil do servidor por via de
processo administrativo, observando os princípios do contraditório e da ampla
defesa (CF, art. 5.º, LV). Nessa apuração, que será desenvolvida a seguir,
esclarecendo que a Administração que só existirá a responsabilidade civil do
servidor se este estiver atuado com dolo ou culpa.
Se o dano foi causado a terceiros o Estado deverá indenizar o
terceiro prejudicado, independentemente de dolo ou culpa do servidor e assim,
não havendo dolo ou culpa do servidor, o Estado não terá o direito de regresso,
que é o direito de ser ressarcido pelo servidor do valor pago a título de
indenização. Logo, tendo o servidor dolo ou culpa, o ente público terá o direito de regresso
contra o servidor, podendo então propor uma ação judicial, chamada de ação de regresso, na
esfera civil, para reaver do servidor o que pagou como indenização.31

31Lei 8.112/90 art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em
prejuízo ao erário ou a terceiros.

§ 1º A indenização de prejuízo dolosamente causado ao erário somente será liquidada na forma prevista no art. 46, na
falta de outros bens que assegurem a execução do débito pela via judicial.
§ 2º Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva.
§ 3º A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles será executada, até o limite do valor da
herança recebida.

89
Para ambos os casos (prejuízo ao erário e prejuízo a terceiros)
poderá haver uma solução administrativa ao invés de judicial.
Uma vez constatada a prática do ilícito administrativo, ficará o
servidor sujeito à sanção administrativa adequada ao caso, que poderá ser
advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade, destituição de cargo em comissão ou destituição de
função comissionada32.
Na lei 8112/90 no artigo 117 apresenta o hall de proibições ao
servidor público e o servidor responde administrativamente pelos ilícitos
administrativos com ação ou omissão que contrarie a Lei.
Como foi dito anteriormente, as penalidades disciplinares estão
elencadas no artigo 127, sendo diferenciadas pela gravidade atribuída a cada ato
levando em consideração as atenuantes e as agravantes além do antecedente
funcional. São elas:
 Advertência - como transcreve o artigo 129 da referida
Lei, está será aplicada por escrito, nos casos de violação dos incisos I a VIII e
XIX do artigo 117 e na inobservância de algum dever funcional estipulado na
lei, regulamentação ou norma interna que não seja considerado penalidade mais
grave.
 Suspensão - ocorre no caso de reincidência, em faltas já
punidas com advertência, não podendo exceder o prazo de 90 dias. As
penalidades de advertência terão seu registro cancelado após 3 anos e as de
suspensão após 5 anos.
 Demissão - será aplicada nos casos elencados no artigo
132 da Lei 8112/90. Será aplicada pelo Presidente da República, pelos

32 Lei 8112/90 art 127 Lei 8112, art. 127 São penalidades disciplinares:

I – advertência; II – suspensão; III – demissão; IV – cassação de aposentadoria ou disponibilidade; V – destituição de


cargo em comissão; VI – destituição de função comissionada

90
presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo
Procurador Geral da República.
No que tange a cassação da aposentadoria ou a disponibilidade do
inativo que praticou durante sua atividade na administração, seja qualquer falta
elencada no artigo 132 da referida lei, sendo esta falta punível com demissão.
Sendo aplicadas pela mesma ordem hierárquica da demissão.
Destituição do cargo (cargos que se escalonam) ou função em
comissão será aplicada nos casos de infração sujeitas às penalidades de
suspensão e de demissão. Sendo de competência da mesma autoridade que fez
a nomeação.

4.2.1.1.1. Sindicância do Processo Administrativo

Para ser aplicada uma penalidade de suspensão acima de 30 dias,


demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo
ou função em comissão deve ser instaurada uma sindicância.33
Ele pode ser interpretado como um processo investigativo
realizado por uma comissão composta por três servidores estáveis designados
por autoridade competente, sendo um deles escolhido para presidir. Devendo
pelo menos o presidente ter o nível de escolaridade igual ou superior ao do
indiciado.34
O processo administrativo será dividido em três fases que serão
dividas da seguinte forma: Instauração irá iniciar com a publicação do ato que
constitui a comissão; inquérito que será dividido em três partes instrução, defesa
e relatório. Sendo assegurados os direitos fundamentais de ampla defesa e
contraditórios35. A comissão irá promover por todos os meios admitidos em
direito, como depoimento, investigação, diligências entre outros, a fim de obter

33 O prazo do procedimento de sindicância é de 30 dias prorrogáveis por autoridade superior por igual período.
34 Lei 8112/90, artigo 149.
35 Lei 8112/90, artigo 151.

91
amplo conhecimento do fato. Após a oitiva das testemunhas proceder-se-á o
interrogatório do acusado.
Sendo tipificada a infração disciplinar serão oferecidos 10 dias para
a defesa36, caso seja considerado revel será nomeado procurador dativo com
cargo equivalente ou superior ou mesmo nível de escolaridade ou superior37.
Depois de apreciada a defesa, a comissão irá elaborar minucioso
relatório que será conclusivo quanto à responsabilidade ou não do servidor. No
caso do servidor ser considerado responsável, o relatório deverá transcrever os
dispositivos normativos que não foram seguidos, as peças principais dos autos,
informando às provas que fizeram com que o comitê tomasse a decisão bem
como as atenuantes e os agravantes. Será então remetido à autoridade que
determinou a instauração para o julgamento do fato ou se a sanção prevista
exceder sua alçada será encaminhado à autoridade competente38.

4.2.1.1.2. Do julgamento

A comissão poderá decidir pela inocência, se decidir assim será


determinado o arquivamento ou poderá decidir pela culpa. Em regra, será
mantida a decisão da comissão, salvo se flagrantemente contrária à prova dos
autos39. Podendo agravar, abrandar ou isentar o servidor da responsabilidade.
Extinta a punibilidade pela prescrição, será colocado no assentamento
individual do servidor40.
Se a infração for tipificada como crime, o processo disciplinar será
remetido ao Ministério Público, sendo passível de condenação penal41.

36 O prazo será prorrogáveis pelo dobro se a diligência por ela requerida forem reconhecidas como indispensáveis- artigo
161, parágrafo 3 da lei 8112/90.
Quando a citação for realizada por edital no caso do indiciado encontrar-se em local incerto, será oferecido o prazo de 15
dias para a defesa, sendo contado a partir da última publicação (artigo 163 parágrafo único).
37 Lei 8112/90, artigo 164.
38 Lei 8112/90, artigo 165.
39 Lei 8112/90, artigo 168.
40 Lei 8112/90, artigo 170.
41 Lei 8112/90, artigo 171.

92
Cabe ressaltar, que pode ser solicitada revisão do processo pelo
servidor, a qualquer tempo, pela ocorrência de fatos novos ou circunstâncias
que provem a inocência ou a inadequação da pena42.

4.2.1.2. Responsabilidade Penal

O código penal prevê os crimes contra a Administração Pública


diferenciando os crimes praticados por funcionários públicos e os crimes
praticados por particulares.
Cabe ressaltar, que funcionário público para os efeitos penais
corresponde a quem trabalhe mesmo que transitoriamente ou sem remuneração
em cargo, emprego ou função pública, ou seja, os que por exercer uma função
aproveitam da mesma para cometer alguma infração penal, bem como dispõe
o art. 327, §1º, do código penal.
A responsabilidade penal do agente público é aquela gerada por
uma conduta tipificada por Lei como infração penal. Sendo que esta abrange
crimes e contravenções realizadas pelo servidor na qualidade de servidor, ou
seja, atos praticados na função. Pois se não for praticado na função não poderá
ser entendido como crime funcional43.
Muitos dos crimes funcionais estão definidos no Código Penal
(arts. 312 a 326), como o peculato, inserção de dados falsos em sistema de
informação, modificação ou alteração não autorizada no sistema de
informações, extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documentos,
emprego irregular de verbas ou rendas públicas, concussão, excesso de exação,
corrupção passiva, facilitação de contrabando ou descaminho, prevaricação,
condescendência criminosa, advocacia administrativa, violência arbitrária,
abandono de função, exercício funcional ilegalmente antecipado ou

42 Lei 8112/90, artigo 174.


43 Lei 8112/90, artigo123.

93
prolongado, violação de sigilo funcional, violação de sigilo de proposta de
concorrência. Outros estão previstos em leis especiais federais44.
Se o servidor for responsabilizado penalmente, sofrerá uma
sanção penal, que poderá ser privado de sua liberdade (reclusão ou detenção),
esta pena poderá ainda ser substituída por uma pena restritiva de direitos
(prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à
comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e
limitação de fim de semana) e, ou multa, devendo ser esclarecido que há
diferença entre a multa que é aplicada com a pena privativa de liberdade, deverá
ser paga ao fundo penitenciário, sendo considerada dívida de valor, esta não
sendo paga não será convertida em pena, mas sim será executada pela fazenda
pública, já a prestação pecuniária é uma indenização paga à vítima45.
Di Pietro acrescenta no que tange a responsabilidade penal, que
existem no ato ilícito penal, os mesmos elementos caracterizadores dos demais tipos de atos
ilícitos, contudo há a existência de algumas peculiaridades: Relação de causalidade, ou seja,
nexo causal, o ato ou omissão tem que gerar o dano ou perigo, não havendo a exigência do
dano se concretizar, se o risco do dano acontecer já é o suficiente, como ocorre na tentativa e
em determinados crimes que colocam em risco a incolumidade pública46.
De acordo com a Lei 8.112/90, verificamos a existência do auxílio
reclusão, oferecendo à família do servidor ativo, sendo concedida metade da

44 Como exemplo, pode ser citado a lei de crimes contra a Ordem tributária- Lei 8137/90.

Art. 3º. Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I)

I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou
inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;

II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes, de iniciar
seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar
tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de
funcionário público. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa

45 Código Penal, artigo 32.


46 Di Pietro, Maria Sylvia Zanela, op. cit. p.389.

94
remuneração quando a pena do servidor não determinar a perda do cargo; dois
terços da remuneração quando afastado por motivo de prisão, preventiva ou
em flagrante, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a
prisão. O servidor terá direito a integralização dos proventos em caso de
absolvição47.

4.2.1.3. Responsabilidade Civil

Responsabilidade Civil é a obrigação que se impõe ao servidor, no


aspecto patrimonial e financeiro de pagar o que deve ao Estado ou diretamente
à terceiro.
Pelo ilustre Helly Lopes Meirelles, a administração não pode deixar de
cobrar de seus servidores públicos por que não pode dispor de um bem da sociedade, ao qual
ele tem a obrigação de cuidar da integridade. É evidente, que só poderá ser cobrado em caso
de tipificar o ilícito civil48.
A responsabilidade será analisada pela própria Administração
pública, por processo administrativo que fornecerá todas as garantias
constitucionais como ampla defesa e a segurança ao contraditório.
Di Pietro, afirma que as leis estatutárias estabelecem
procedimento auto executório, pelas quais a administração pode descontar dos
vencimentos a importância do ressarcimento do prejuízo, respeitando o
mínimo necessário para garantir a dignidade humana. Desde que previsto em
lei é perfeitamente válido e independe do consentimento do servidor, inserindo-
se nas hipóteses de auto executoriedade dos atos administrativos, não retirando
em hipótese nenhuma a importância do poder judiciário que pode ser
implementado para responder a lide. Salientando que quando o servidor é
contratado pela legislação trabalhista, verificamos no artigo 462, parágrafo 1º,

47 Lei 8.112/90, artigo 229.


48 Meirelles, Hely Lopes, op. cit. p 422.

95
da CLT, que o desconto só será efetuado com a concordância do empregado
ou em caso de dolo49.
Se o dano for causado a terceiros, o servidor pode ser acionado
diretamente, acionado solidariamente com o Estado ou o Estado ser acionado.
Neste último caso o Estado pode propor uma ação regressiva. Cabe destacar
que para Bandeira, a ação de responsabilidade civil é imprescritível.
Para avaliar se ocorreu ou não o ilícito civil deve verificar a
existência de: Ação ou Omissão antijurídica; culpa ou dolo; nexo causal e
ocorrência de um dano material ou moral.
Há duas hipóteses de dano causado pelo servidor público, a que
gerou dano ao Estado e a de dano contra terceiros.
A responsabilidade do agente pode ser dívida entre
responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva. Na primeira só
haverá o dever de indenizar se o agente tiver causado o dano por atuar com
dolo ou culpa. Já o que caracteriza a responsabilidade civil objetiva é a
desnecessidade de verificar a existência de dolo ou culpa do agente de gerar o
dano.
A responsabilidade civil objetiva pode ser compreendida como a
responsabilidade que tem as pessoas jurídicas de direito público, Estado, e às
pessoas jurídicas de direito privado onde se enquadram as prestadoras de
serviços públicos que nesta posição causarem danos a terceiros, de acordo com
art. 37, § 6.º, da Constituição Federal. Nesse tipo de responsabilidade civil, não
há de se questionar se o servidor agiu ou não com dolo ou culpa ao provocar o
dano. Em todo caso o Estado deverá indenizar ao terceiro prejudicado, se este
não foi o causador exclusivo do dano. Em suma, verificamos que a
responsabilidade civil do Estado é objetiva ao passo que a responsabilidade civil
do servidor público é subjetiva.

49 Di Pietro, Maria Sylvia Zanela, op. cit. p.612.

96
5. CONTROLE ADMINISTRATIVO
O interesse coletivo é a finalidade maior da Administração
Pública, que trabalha para garantir que a sua atuação corresponda ao que espera
o titular do patrimônio público: o povo. Por esse motivo a atuação da
Administração deve ser pautada pela indisponibilidade do interesse público,
pelos princípios da administração pública, pela eficiência, pela legalidade, pela
legitimidade dos atos, entre outros, e são esses aspectos que são observados
pelo controle. Afinal, há de se dar conta ao titular da coisa pública, o povo, para
que esse possa verificar se a coisa pública está sendo administrada da forma
mais eficiente.
Não só o Poder Executivo sofre controle, mas também o Poder
Legislativo e o Poder Judiciário, quando atuam atipicamente, ou seja,
administrando. A existência de mecanismos de controle do Estado, a contenção
deste pelos cidadãos, remonta o Estado de Direito (as leis são elaboradas pelo
Estado, e pelo Estado, observadas). Assim, apesar de os Poderes da República
serem independentes, a atuação entre eles deve ser harmônica, de maneira que
são comuns, nas democracias modernas (como é a brasileira), os sistemas e
modelos efetivos de acompanhamento e fiscalização da atividade administrativa
do Estado são: controle judicial, controle legislativo e controle administrativo,
entre outros.
É oportuno registrar que as atividades da Administração Federal
obedecerão aos seguintes princípios fundamentais: planejamento, coordenação,
descentralização, delegação de competência e controle. Isso mesmo, ao lado de
outros princípios, o legislador fez destaque expresso ao princípio do controle.
Tais princípios encontram-se expressos no Decreto-lei nº 200, de 1967, que
dispõe sobre a organização da Administração Federal, o qual, apesar de adstrito
à União, serve para fixar as diretrizes gerais para os demais entes políticos
(Estados, Distrito Federal e Municípios).

97
5.1. CONCEITO

O Controle da Administração é então o poder de fiscalização e


correção que sobre ela exercem os órgãos dos Poderes Judiciário, Legislativo e
Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os
princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico.
Enfim, é a prerrogativa de que dispõe os organismos estatais e,
por vezes, os cidadãos, de verificar e corrigir os atos ou atividades do Estado.
Esse poder de fiscalização, de vigilância, de orientação, e de correção incide
sobre a Administração Pública em seu sentido amplo, isto é, sobre todos os atos
produzidos pelos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, enquanto atuem
no exercício da atividade administrativa.

5.2. FINALIDADE

Os mecanismos de controle, interno ou externo à Administração,


visam assegurar que o Estado-administrador conduza seus atos em
conformidade com a lei e ajustada com os princípios gerais, bem como, que a
atuação não desvie da margem de conveniência e de oportunidade garantida,
expressa ou implicitamente, pelo legislador aos administradores públicos.

5.3. ABRANGÊNCIA

O controle pode vir sob as mais variadas formas, sob os enfoques


interno e externo. Um bom exemplo de controle interno é o efetuado pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), art. 103-B da CF, de 1988. Já o controle
externo, em que a verificação ocorre por órgão ou Poder estranho à
Administração, pode ser realizado pelo Ministério Público, Poder Judiciário,
Congresso Nacional e por cidadãos.

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com


mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:

98
(...)

§4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e


financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos
juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto
da Magistratura:

I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da


Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou
recomendar providências;

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a


legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder
Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as
providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do
Tribunal de Contas da União;

III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário,
inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços
notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem
prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos
disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria
com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções
administrativas, assegurada ampla defesa;

IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública


ou de abuso de autoridade;

V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e


membros de tribunais julgados há menos de um ano;

VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas,


por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre
a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar
mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso
Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

99
5.4 CONTROLE INTERNO

Como o próprio nome denuncia, o controle interno é aquele


exercido pela própria Administração sobre os seus atos. Encontramos nos
artigos 70 e 74 da CF, de 1988, previsão do referido controle, a seguir:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e


patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto
à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de
receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo
sistema de controle interno de cada Poder.
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma
integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução
dos programas de governo e dos orçamentos da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência,
da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da
administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades
de direito privado;
III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos
direitos e haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
§ 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de
qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas
da União, sob pena de responsabilidade solidária.
§ 2º - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima
para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o
Tribunal de Contas da União.

Percebam que os responsáveis pelo controle interno, caso tomem


ciência de qualquer irregularidade e não representem contra o fato diante do
Tribunal de Contas, serão considerados responsáveis solidários. Como
exemplos de órgãos de controle interno podemos citar os CNJ e CNMP,

100
respectivamente, Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do
Ministério Público.

5.5 CONTROLE EXTERNO


O controle externo é feito fora do âmbito do poder que praticou
o ato, p. ex., o Tribunal de Contas da União controla ato do poder Executivo.
O controle nesse caso é de legalidade, pode ainda ser de mérito - entretanto, é
bom que fique claro que o controle de mérito é limitado, afinal a conveniência
e oportunidade é aspecto inerente à atuação do administrador.
Podemos colher exemplos de autorização de controle externo ao
longo do texto da Constituição da República, a esse despeito, veja-se os
contidos nos artigos 49 e 71 da CF, de 1988:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:


V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem
do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da
República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;
X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos
do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será
exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual
compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República,
mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de
seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros,
bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações
e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas
daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte
prejuízo ao erário público;

101
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal,
a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo
de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias,
reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o
fundamento legal do ato concessório; IV - realizar, por iniciativa própria, da
Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de
inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;
V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital
social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado
constitutivo;
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União
mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado,
ao Distrito Federal ou a Município;
VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer
de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados
de auditorias e inspeções realizadas;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras
cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências
necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a
decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.
§ 1º - No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo
Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas
cabíveis.
§ 2º - Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa
dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá
a respeito.

102
§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão
eficácia de título executivo.
§ 4º - O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e
anualmente, relatório de suas atividades.

Por oportuno, frisa-se o que foi dito até agora: controle tem
objetivo de corrigir e fiscalizar a atuação da Administração Pública, para garantir
o interesse coletivo. Ele pode ser externo ou interno, tem como objeto a
verificação de legalidade e, com limitações, o mérito.
Já no controle externo de legalidade, caso o ato impugnado
encontre o seu fim, teremos a anulação ou a sustação, conforme o caso, porém
não cabe a revogação. Afinal, apenas a partir do controle interno é que os atos
podem ser revogados.

5.6 CONTROLE ADMINISTRATIVO


É o controle exercido pelo Poder Executivo e pelos órgãos
administrativos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário para os fins de
confirmar, rever ou alterar condutas internas, tendo em vista os aspectos de
conveniência e legalidade.
Dentre os meios de controle administrativo admitidos, podemos
citar os seguintes:
 Direito de petição (art. 5º, XXXIV, a, CF/88);
 Direito à revisão recursal.
Admite-se nos recursos administrativos a reformatio in pejus, que
significa: “reforma para pior”, ou seja, permite-se que a autoridade decisória
possa modificar, seja de forma total ou parcial, a decisão recorrida.

5.7 CONTROLE LEGISLATIVO


É a prerrogativa atribuída ao Poder Legislativo de fiscalizar a
Administração Pública sob os critérios político e financeiro.

103
O denominado controle político é aquele que tem por base a
possibilidade de fiscalização e decisão do Poder Legislativo sobre os atos ligados
à função administrativa e de organização do Poder Executivo e Judiciário.
Já o controle financeiro é aquele exercido pelo Poder Legislativo
sobre o Executivo, o Judiciário e sobre sua própria administração no que se
refere à receita, despesa e à gestão de recursos públicos.

5.8 CONTROLE JUDICIÁRIO


É o poder de fiscalização que os órgãos do Poder Judiciário
exercem sobre os atos administrativos Executivos, do Legislativo e do próprio
Poder Judiciário.
Tal controle incide especificamente sobre a atividade
administrativa do Estado, seja qual for o Poder onde esteja sendo
desempenhada. Alcança os atos administrativos do Poder Executivo, mas
também examina os atos do Poder Legislativo e do próprio poder Judiciário,
quando desempenham suas atividades administrativas.
A legitimidade para propor edição, a revisão ou o cancelamento
de enunciado de súmula vinculante é concorrente, assemelhando-se a relação
dos legitimados àquela voltada para ações de inconstitucionalidade: votação de
2/3 dos membros do STF.
O controle judicial sobre os atos administrativos é de legalidade,
significa dizer que o Poder Judiciário tem o poder de confrontar qualquer ato
administrativo com a lei ou com a Constituição e verificar se há ou não
compatibilidade normativa. Se o ato for contrário a lei ou a Constituição, o
judiciário declarará a sua invalidação de modo a não permitir que continue
produzindo efeitos.
O controle judicial não pode ser exercido sobre as razões que
levam os órgãos diretivos desses Poderes a manifestarem a sua vontade e a
produzirem os seus atos, porque estes são internos e exclusivos dos mesmos
Poderes.
104
6.Referências:
BALTAR NETO, Fernando Ferreira, TORRES, Ronny Charles Lopes de.
Direito administrativo. 2. ed. Salvador: Jus Podium, 2012.
BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
BORGES, Cyonil. Direito administrativo. Curso estratégia. São Paulo:
Estratégia, 2013.

105
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
25. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
CARVALHO, Mateus. Direito Administrativo. Coleção Exame de Ordem.
2.ed. Recife: CERS, 2012.
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de direito administrativo. 8.ed. Salvador:
Jus Podium, 2009.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. Ed. São Paulo:
Atlas, 2012.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado.
MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 4.ed. Niteroi: Impetus, 2007.
MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2003.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9.ed. são
Paulo: Malheiros, 1993.
SPITZCOVSKY, Celso, BARTINE, Caio. Direito administrativo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL- STF. Site: www.stj.jus.br. Acessado em
23/03/14.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. www.stj.jus.br. Acessado em
23/03/2014.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – TCU. www.tcu.gov.br. Acessado
em 23/03/2014.

NOÇÕES BÁSICAS SOBRE DIREITO INTERNACIONAL


LEITURA COMPLEMENTAR

106
ASSESSORIA JURÍDICA DA SEFA
AJUR

107
“FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL”

Rodrigo Fernandes More50

Capítulo I

Introdução

O estudo das fontes de direito internacional, preparatório a uma análise mais


apurada do “Direito dos Tratados”, permite compreender não só os fundamentos políticos,
jurídicos, sociais e econômicos que envolvem todo o processo de conclusão dos tratados
internacionais, mas também a estreita correlação dos tratados com outras fontes de direito
internacional, as quais, apesar do tratamento diferenciado quanto às suas características e
fundamentos, são parte de um conjunto de elementos - formais e materiais - formadores de
um complexo e controvertido conceito: “direito internacional”1.
Direito internacional - na concepção de FAUCHILE, VON LISZT e
ANZILOTTI - é um conjunto de normas jurídicas reguladoras das relações entre Estados
soberanos; pensamento que refletia a posição firmada pela Corte Permanente de Justiça
Internacional (CPJI) no julgamento do caso Lotus, em 1927, onde se afirmou que o direito
internacional era formado pelos princípios em vigor entre as nações independentes, mas
ainda desconsiderando a existência de outros sujeitos de direito internacional que não os
Estados, reconhecidamente a Santa Sé e determinadas Organizações Internacionais
existentes à época.

Ao fim da II Guerra Mundial, a Sociedade das Nações deu lugar à Organização


das Nações Unidas, que fez crescer a importância das organizações internacionais e
reconheceu algumas entidades como titulares de personalidade jurídica internacional, entre
as quais, desde logo, o próprio indivíduo2. Assim, o direito internacional passou a ser definido
como um conjunto de normas jurídicas que regulam as relações entre sujeitos de direito
internacional3 ou, como preferem alguns autores mais preciosistas (CUNHA et al), um
conjunto de normas que regulam as relações entre todos os componentes da sociedade
internacional.

Esta breve digressão sobre alguns conceitos de direito internacional bem serve
para ilustrar, seja qual for a tônica metodológica adotada para fixação de conceitos, que uma
“norma internacional” ou um “conjunto de normas internacionais” é a pedra fundamental
do direito internacional. A investigação científica do direito internacional, portanto, deve
partir do estudo analítico de suas fontes4 - formais e materiais - nas quais o direito se explica

50
O autor é advogado, doutor em Direito Internacional pela USP, diretor do Instituto de
Estudos Marítimos e autor do livro “Direito Internacional do Desarmamento: o Estado, a ONU
e a paz” (Editora Lex: São Paulo, 2007).

108
por seus próprios fundamentos, tal como num teorema matemático, na melhor aplicação da
teoria kelseniana da norma fundamental5.
O tratadista francês CHARLES ROSSEAU6 lembra que existe na doutrina de
direito internacional duas diferentes concepções de “fontes”: uma concepção positivista pura,
defendida por ANZILOTTI, na qual a única fonte de direito internacional é o acordo de
vontade das partes, seja de forma expressa ou tácita; e uma concepção objetivista (SCELLE,
BOURQUIN), fundada na distinção entre fontes criadoras do direito (materiais) e as fontes
formais. Para esta corrente, somente as fontes materiais seriam genuínas fontes de direito,
pois as fontes formais (costumes, tratados) não criam o direito, são apenas um processo de
sua verificação. ROSSEAU, partidário de uma corrente de base sociológica para explicar as
fontes de direito, opõe severas críticas a ambas as correntes, sem se afastar de elementos
essencialmente jurídicos que se encontram na base das fontes de direito.

Na celeuma doutrinária sobre fontes formais e materiais revela-se a importância


de duas fontes de direito internacional - os costumes e os tratados - sobre as quais se
desenvolveu toda a teoria das fontes de direito internacional. Por esta razão, estas fontes são
denominadas de fontes principais, ao passo que os princípios gerais de direito são considerados
como fontes subsidiárias, sem que desta distinção surja, efetivamente, uma hierarquia entre as
fontes.

No que pertine à metodologia de apresentação deste estudo, seguindo a sugestão


do próprio tema, nossa análise das fontes de direito internacional iniciar-se-á com a
exposição de uma “parte geral” sobre as fontes de direito internacional (formais e materiais),
conforme o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (ECIJ), regulamento onde
foram fixadas as fontes formais de direito internacional - tratados, costume, princípios gerais
de direito, doutrina-jurisprudência e equidade7. Nos tópicos seguintes, apresentar-se-ão as
características e fundamentos de cada uma das fontes elencadas no referido artigo 38 do
Estatuto da CIJ, com a devida ressalva quanto aos tratados, fonte que merecerá mais adequado
estudo ao longo das minuciosas exposições de seminários que complementarão nosso curso
sobre “Direito dos Tratados”, do qual, como se advertiu linhas atrás, este trabalho é apenas
uma parte introdutória.

De modo intencional, procurar-se-á tratar cada uma das fontes formais de direito
internacional não somente sob o conceito jurídico que a revela, mas de sorte a demonstrar a
forma pela qual estas mesmas fontes se completam e dão origem ao que os doutrinadores
denominam de “norma” internacional, elemento único do direito internacional.

Completando a exposição do tema, cuidaremos, finalmente, de outras fontes de


direito internacional que não aquelas elencadas no referido artigo 38 do ECIJ: os atos
unilaterais dos Estados e das Organizações Internacionais.

Passemos, então, aos nossos estudos, cuja amplitude e riqueza de elementos


pesquisados, confessamos, nos surpreendeu desde a leitura da bibliografia que cuidamos de
indicar em cada uma das notas de rodapé, intencionalmente repetida ao final do trabalho.

109
Capítulo II

As fontes de direito internacional. Fontes formais e materiais. O art. 38 do Estatuto


da Corte Internacional de Justiça. Fontes principais e subsidiárias.

A partir deste capítulo, à exceção dos tratados que merecerão estudo mais sucinto,
estudaremos cada uma das fontes de direito internacional enumeradas no artigo 38 do ECIJ,
as denominadas “fontes formais de direito internacional”, denominação impingida a um
conjunto de normas que indicam o processo de revelação de outras normas, em
contraposição às fontes materiais, excluídas deste estudo, que se detém sobre a análise das
razões de surgimento da norma, questionamento idêntico ao introdutoriamente enfrentado
quanto aos fundamentos do Direito Internacional e que, portanto, não cabe este estudo
aprofundar8.

A Comunidade Internacional é composta por Estados horizontalmente


9
ordenados e regidos por normas de direito internacional, às quais a doutrina vem
reconhecendo o caráter supranacional e cogente (ius cogens), formando-se o que se denomina
um “Direito Constitucional Internacional10“.
Ainda que controvertido o caráter cogente do direito internacional, a verdade é
que a Comunidade Internacional carece de um instrumento com valor universal11 que
determine quais são as fontes de direito internacional. Na lacuna da universalidade, no
entanto, vigora um texto de natureza para-universal, de grande importância em função do
número de Estados que a ele aderiram: o Estatuto da Corte Internacional de Justiça12, que
elenca exemplificativamente em seu artigo 38 as fontes de direito internacional:

1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as


controvérsias que lhes forem submetidas, aplicará:
a) as convenções internacionais, quer gerais quer especiais, que estabeleçam regras
expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo
direito;c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas
mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das
regras de direito.

2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de uma questão ex


aequo et bono, se as partes com isto concordarem.

A enumeração das fontes de direito internacional, como destacado, fez-se de


modo exemplificativo, tal como pretendia a Comissão de juristas de cuidou da transição da
Corte Permanente de Justiça Internacional para a Corte Internacional de Justiça 13. É de se
concluir, e esta é a posição unânime da melhor doutrina (ANZILOTTI, ROSSEAU,
SORENSEN, VERDROSS, ALBUQUERQUE MELLO), que inexiste hierarquia entre as
fontes de direito internacional elencadas no art. 38 do ECIJ.

110
Embora inexista hierarquia, uma ordem taxativa de aplicação de uma fonte sobre
outra, deve-se considerar uma e outra fonte de maior relevância que as demais para a solução
de litígios, vértice máximo da declaração normativa de um direito: um documento escrito
firmado entre as partes tem um grande valor para a interpretação da relação jurídica
estabelecida entre elas. Esta prática escrita para fixação de direitos e obrigações, que ao longo
dos anos ganhou espaço sobre o direito consuetudinário, teve seu reconhecimento no artigo
7º da Convenção XII de Haia de 1907, na qual se declarou os tratados como fonte mais
importante de direito internacional, seguida do costume, tal como se expressa fora das
convenções (fontes principais) e, finalmente, a fonte subsidiária, à qual o juiz ou o árbitro
poderá recorrer na ausência de disposições convencionais ou consuetudinárias: princípios
gerais de direito.

Note-se que não se incluiu como fonte subsidiária de direito internacional a


jurisprudência, a doutrina nem a equidade, tal como entendem CHARLES ROSSEAU e
SORENSEN14: doutrina e jurisprudência são simples “meios auxiliares” para determinação
de regras de direito, caso semelhante ao da equidade, que em sua tripla função - corretiva,
supletiva e supressora - mais se assemelha a uma forma de solução de litígio (que somente
pode se aplicar com prévio consentimento das partes)15. De modo geral, estas fórmulas de
solução de litígios não podem ser consideradas fontes de direito, nem subsidiárias nem
indiretas, pois lhes faltam a principal características de uma “fonte”: a autonomia de criação
do direito.

Estabelecidas estas notas gerais sobre o art. 38 do ECIJ, passemos adiante com
o estudo pormenorizado de cada uma das fontes de direito internacional16 ali elencadas, ao
lado das quais incluímos os atos unilaterais dos sujeitos de direito internacional (Estados e
Organizações Internacionais intergovernamentais)17, que reconhecidamente têm respondido
pela criação de regras de direito internacional, consagradas por costumes e princípios gerais
de direito.

Capítulo III

Os tratados internacionais18
Os tratados, convenções, são as mais numerosas e importantes fontes de direito
internacional, elencados, juntamente com os costumes, como uma de suas principais fontes.
De acordo com LACHS19, entre 1500 a.C até 1860 haviam sido concluídos cerca de 8.000
tratados de paz, enquanto somente entre 1947 e 1984 foram celebrados entre 30.000 e 40.000
tratados20. Estas estatísticas nos levam a estimar que até a presente data este número possa
ter chegado a 60.000 tratados, pois após a II Grande Guerra Mundial praticamente toda a
produção de regras de direito internacional tem se dado através de tratados (i.e., tratados de
paz, de cooperação econômica, de proteção ao meio ambiente, instrumentos constitutivos
de organizações internacionais). A importância dada aos tratados está na maior certeza do
direito oferecida pela forma escrita (o que implica em conflitos não quanto à existência do
direito, mas em relação à sua interpretação e aplicação) e na forma pela qual entram em vigor,
a qual permite que regras novas sejam rapidamente introduzidas21.

111
1. Natureza dos tratados.
São fontes de direito internacional somente aqueles tratados que, de forma
autônoma, estabelecem uma regra de direito internacional. Portanto, excluem-se entre as
fontes de direito aos tratados (ou as regras neles contidas) que visem ao reconhecimento
escrito de um costume ou de um princípio geral de direito.

Conceitualmente, de acordo com a Comissão de Direito Internacional, tratado é


qualquer acordo internacional que celebram dois ou mais Estados ou outras pessoas de direito internacional,
o qual está regido pelo direito internacional. Desta definição podem ser extraídos alguns elementos
dos tratados. Em primeiro lugar, o tratado deve ser um acordo internacional, ou seja,
estabelecido entre duas ou mais partes na qualidade de sujeitos de direito internacional. Em
segundo lugar, esta relação se estabelece conforme normas de direito internacional, não de
direito interno de qualquer uma das partes.

No que se refere à forma - escrita ou não-escrita - os tratados congregam sempre


normas escritas, embora algumas delas possam ser a simples materialização de normas
consuetudinárias, o que não retira destas normas sua origem costumeira, não convencional,
portanto. Desta forma, a força de um tratado como fonte de direito internacional não está
na forma, mas em seu conteúdo (matéria) e vigência internacional (eficácia).

2. Tipos de tratados.
A doutrina internacional estabelece classificações entre os diversos tipos de
tratados, que podem ser úteis em reduzido número de situações e inúteis em sua maioria.

A primeira destas classificações considera a existência de quase-tratados em


contraposição à noção tradicional de tratado. Segundo esta corrente doutrinária, são
considerados quase-tratados os acordos entre Estados e uma pessoa privada estrangeira22.
Uma segunda classificação aceita pela doutrina distingue entre os tratados-lei e
tratados-contrato. No tratado-lei dá se a criação de regras gerais de direito internacional entre
as partes; nos tratados-contrato são estipuladas as regras de relação mútua entre as partes,
uma classificação, como acusa SORENSEN23, absolutamente inútil, posto que inexiste,
preponderantemente, um tratado-lei ou contrato, mas, como asseveram QUADROS &
PEREIRA24, tratados híbridos que comportam ambos os tipos, prevalecendo a classificação
somente em seu valor tendencial.

Há também os tratados bilaterais e os multilaterais, distintos pelo número de partes


envolvidas. Quando as partes envolvidas em tratados multilaterais são em grande número,
dá-se a estes o nome de tratados coletivos25, abertos à assinatura de todos os sujeitos de Direito
Internacional. Outra distinção entre os tratados multilaterais, embora controvertida na
doutrina, reconhece a existência de tratados multilaterais gerais ou tratados normativos, cujo
elemento distintivo não é tanto o número de partes, mas sua tendência para a universalidade:
tratado multilateral geral é aquele que pretende conter uma disciplina aplicável a todos os membros da
Comunidade Internacional26. A classificação que mais interessa em razão do aspecto jurídico

112
aplicável é aquela que distingue entre os tratados gerais (necessariamente multilaterais) e os
tratados restritos (que podem ser multilaterais ou bilaterais).

Devem ser considerados, também, os tratados solenes e os tratados em forma


simplificada. Segundo André Gonçalves PEREIRA27, os tratados solenes são celebrados
segundo uma forma tradicional e necessitam de ratificação para serem eficazes, enquanto
que os tratados em forma simplificada prescindem de ratificação. A doutrina diverge desta
opinião (SORENSEN) no sentido que estes tipos de tratado sejam simplificados somente
em seu procedimento de celebração, oriundo das dificuldades constitucionais que têm
determinados Estados em celebrar tratados solenes. Esta perspectiva de SORENSEN leva a
concluir que, em sua doutrina, o Estado está obrigado internacionalmente ainda que não
ratifique o tratado, sendo, pois, para tanto desnecessário o acolhimento do mesmo pelo
direito interno28.

3. O fundamento da obrigatoriedade dos tratados: o pacta sunt servanda.


Os sujeitos de direito internacional se obrigam com relação a um tratado assim
que este entra em vigor (de acordo com disposição neste sentido inserta no corpo do próprio
tratado) e somente após sua ratificação29. Os tratados devem ser cumpridos de boa-fé,
princípio firmado na Carta das Nações Unidas e retomado na Convenção de Viena sobre
Direito dos Tratados de 1969 (art. 26), implicando, portanto, na máxima pacta sunt servanda,
que significa que o “tratado deve ser cumprido”. SORENSEN lembra que todos os
doutrinadores reconhecem sua existência e importância deste princípio, mas dissentem
quanto à sua natureza. Alguns o classificam como regra de direito internacional, outros como
princípio geral de direito e ainda há quem o identifique como uma regra consuetudinária.

Aqueles que vêm no princípio da pacta sunt servanda um regra de direito natural
entendem que o caráter obrigatório de um tratado está encerrado em seu próprio conteúdo.
Sendo uma regra elementar a de se cumprir o que se estabelece em contrato, esta regra
assume um caráter de regra universal de moralidade. Como regras morais não são regras
jurídicas, os jusnaturalistas emprestam ao princípio uma interpretação jurídica do dever de
cumprir obrigações.

Outra corrente doutrinária comunga da ideia de que o princípio do pacta sunt


servanda é típico princípio geral de direito de direito internacional, pois rege todas as
obrigações de direito internacional, sem a qual todo o sistema de direito internacional
desmoronaria, pondo em risco todas as relações de direito travadas no âmbito da
Comunidade Internacional.

Finalmente, como uma regra consuetudinária de direito internacional, defendida


como tal por SORENSEN, o pacta sunt servanda reúne todos os elementos de um costume
internacional efetivamente universal. Contudo, ressalta SORENSEN, a regra do pacta sunt
servanda, seja qual for sua natureza, não deve ser aplicada de forma isolada ou auto-suficiente,
mas de ser aplicada juntamente com um corpo de regras complexas de caráter
consuetudinário, as quais a Comissão de Direito Internacional tem cuidado de codificar30.

113
Capítulo IV

O costume Internacional

O costume internacional, ao lado dos tratados, é uma das mais importantes


fontes de direito internacional: diz-se que um tratado pode revogar um costume, ao mesmo
tempo em que um costume (i.e. contra legem) pode tornar sem efeito disposições contidas num
tratado ou até mesmo revogá-lo por completo, o que justifica a assertiva de que inexiste
hierarquia entre as fontes de direito internacional31
Os direitos consuetudinários surgem ao longo do tempo, ditados pela evolução
econômica do próprio homem e de sua sociedade, como práticas reconhecidas como
obrigatórias. Isto implica dizer que podem existir costumes não obrigatórios, as chamadas
“cortesias” (comitas gentium), dos quais não decorrem consequências jurídicas.

Para do direito internacional interessa somente os costumes jurídicos de direito


consuetudinário, os costumes que se apóiam num sentimento jurídico ou consciência
jurídica.

Os costumes são estabelecidos a partir de uma prática comum constante,


evolutiva e fundada na consciência de sua obrigatoriedade (opinio iuris)32, que podem ser
reconhecidos de duas diferentes formas: uma objetiva, outra, subjetiva. Vinculada à ideia de
costume está a forma não escrita de sua expressão - um costume jurídico internacional
prescinde de formalização para ser obrigatório (não é incomum convenções traduzirem
costumes cristalizados), ou seja, a primeira destas formas de reconhecimento é subjetiva, que
se contrapõe à forma objetiva. Segundo esta, um costume pode ser expresso de forma escrita,
materializados em tratados internacionais que ainda não entraram em vigor (ainda não se
atingiu o número mínimo de ratificações e depósitos, ocorrência do prazo determinado para
início de vigência). Este é o exemplo da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de
1969, que vigorava e costuma vigorar como costume internacional geral33. Assim, quando
um tratado positiva “costumes”, não se pode dizer seja este tratado uma fonte de direito
internacional, pois falta-lhe a “autonomia”, princípio inerente às fontes de direito. Se o
tratado deriva de um costume, a fonte da norma internacional é o costume, não o tratado.

Tomando como referência a alínea “b”, do artigo 38 do ECIJ, o costume


internacional será aplicado como forma de uma prática geral aceita como sendo “direito”,
donde se conclui que o referido artigo determina a aplicação de um “costume geral”, não
necessariamente unânime, que obriga a todos os Estados, inclusive o não membros da ONU,
característica que atribui ao direito internacional sua verdadeira base universal.

1. Fundamentos da obrigatoriedade do costume.


O costume internacional nasce das relações de um Estado com outros, atitudes
determinadas por uma convicção de direito e aceita como tal pelo próprio Estado para o fim
pelo qual foi adotado34. O costume assim definido como uma prática comum, evolutiva, é

114
reconhecido como um costume jurídico em razão de sua obrigatoriedade, elemento que o
distingue, como dissemos, da cortesia (comitas gentium).

A justificativa da obrigatoriedade de um costume internacional parte da


comprovação de sua existência (condições de existência: elemento material e psicológico) e
de sua relação com questões jurídicas internacionais (elementos constitutivos). Pode-se
afirmar que, assim como no direito interno, o costume no direito internacional é constituído
por dois elementos que indicam os fundamentos de sua obrigatoriedade: elemento material
(uso, prática e tempo) e o psicológico (convicção da obrigatoriedade deste uso - opinio iuris).

Duas são as correntes doutrinárias que procuram justificar a obrigatoriedade do


costume internacional: a voluntarista e a objetivista (antivoluntarista).

Para os voluntaristas, entre os quais se alinham GROTIUS, BYNKERSHOEK,


VATTEL e ROCHEL, o fundamento do costume está no consentimento tácito dos Estados.
ROSSEAU lembra que esta doutrina clássica tem sido retomada pelas escolas positivistas
alemã e italianas, defensores da teoria do costume-pacto.As críticas que se fazem a esta
corrente apontam o enrijecimento do caráter evolutivo do direito consuetudinário e sua
impropriedade para explicar a extensão das regras de direito costumeiro aos novos Estados.
Exemplos da aplicação desta doutrina podem ser encontrados na jurisprudência norte-
americana do fim do século XIX, tal como nos casos Scotia35 (1871) e Parquet Habana36
(1900). Na jurisprudência internacional, temse o julgamento do caso Lotus (1927) pela Corte
Permanente de Justiça Internacional.

Outra crítica que pertinente mente se faz à corrente voluntarista parte do


princípio de que a vontade só produz efeitos jurídicos quando existe uma norma anterior a
ela que lhe confere este poder. Se há esta norma, o costume como expressão tácita não e
fonte de direito, mas originário da fonte legal. A teoria geral do direito internacional
reconhece que o costume, interno ou internacional, não é prova de norma jurídica, mas a
fonte da norma que não existe sem o uso e a opinio iuris.

Noutra vertente, os objetivistas defendem o costume internacional como a


expressão de uma regra objetiva, exterior e superior à vontade dos Estados37. Foi com base
nesta premissa que surgiram a teoria da consciência jurídica coletiva e da consciência
sociológica. De acordo com a teoria da consciência jurídica coletiva, defendida inicialmente por
SAVIGNY, o fundamento do costume é a “consciência social do grupo” sobre o dever de
respeitá-lo e cumpri-lo, conforme a razão (Le FUR) e o direito objetivo (DUGUIT e
SCELLE), um conceito muito amplo e impreciso para fundamentar o costume. ROSSEAU,
defensor da teoria da consciência sociológica, entende que a resposta que se procura sobre os
fundamentos da obrigatoriedade do costume não está somente em uma solução jurídica, pois
o costume, não é de se olvidar, é um produto da vida social que visa a atender as necessidades
sociais, o que significa que surge de uma necessidade social e torna-se obrigatório em função
desta necessidade (opinio iuris vel necessitatis).

115
2. Obrigatoriedade dos costumes: condições de existência. Elemento material. Elemento
psicológico.
O costume se estabelece pela união de certos elementos: um elemento que
certifica sua existência, sua prática geral e sua uniformidade através do tempo; e outro
elemento que atribui ao costume seu caráter eminentemente obrigatório entre os sujeitos do
mesmo direito: a opinio iuris, ou a consciência de sua obrigatoriedade. Os primeiros elementos
reúnem-se sob a denominação geral de elementos materiais; o segundo é considerado o elemento
psicológico do costume.

2.1. Elemento material.


A base de validade de um costume está no uso e na prática de determinada
conduta, de forma geral e constante ao longo do tempo. Desta expressão, permeadas por
adjetivos vagos, surgem uma série de questionamentos que revelam as dificuldades de
identificar se determinada conduta pode ser considerada um costume internacional: como se
evidenciam os costumes? Qual a amplitude de uma prática geral? Qual o período de tempo
necessário para a geração de um costume? Ainda que não encontremos respostas conclusivas
para estas questões, a doutrina e a jurisprudência fornecem alguns elementos para a
identificação do elemento material do costume. Vejamos.

2.1.1. Como se revelam os costumes?


Os costumes admitidos por um Estado podem se revelar de duas formas
distintas: através das ações de seus órgãos exteriores, de acordo com seu ordenamento
interno (Chefe de Estado, Chefe de Governo, Chanceleres, Diplomatas), ou através de seus
órgãos internos (Parlamento, Governo e Tribunais).

Vale ressaltar, ainda, a opinião daqueles que defendem, em doutrina mais


moderna, que o costume pode nascer da prática das Organizações Internacionais e até das
atividades do indivíduo (empresas de direito público ou privado como, por exemplo, uma
multinacional), mas somente quando esta atividade é assimilada ou, ao menos, tolerada pelo
Estado38 Não nos alinhamos com esta doutrina.
Os que defendem aquela opinião quanto às organizações internacionais fiam-se
num exemplo extraído partir da interpretação e aplicação do artigo 27 da Carta da ONU, que
“assimilava a abstenção de uma grande potência ao voto negativo, constituindo, portanto, veto, a prática
seguida tem sido a de considerar que a abstenção não equivale ao veto. E como parece generalizada a convicção
da obrigatoriedade dessa prática, estamos perante um uso de uma organização internacional que dá lugar a
um costume - aliás, costume contra legem.39” Ora, atos praticados pelas organizações internacionais
intergovernamentais podem ser considerados como fontes de direito internacional somente
quando de projetam para fora de sua estrutura organizacional, pois os atos praticados por
uma organização internacional são autônomos em relação à vontade isolada de seus
membros. Atos como os descritos no exemplo acima são de natureza interna, senão de

116
legislação interna supranacional, para se atingir a finalidade da referida organização, não se
configurando propriamente como um costume internacional.

No que se refere à afirmativa de que costumes podem surgir da prática dos


indivíduos, com referência expressa à figura da empresas multinacionais, temos que tal
assertiva carece de fundamentos no próprio direito internacional. Há duas teorias quanto ao
regime legal que rege as relações entre pessoas jurídicas e o Estado: a primeira destas teorias
afirma que estas relações são fundadas em regras de direito internacional, donde resulta, por
exemplo, a aplicação da regra da imunidade de jurisdição a favor do Estado; a outra corrente,
em sentido diametralmente oposto, defende que as relações jurídicas entre Estados e pessoas
jurídicas dão-se fora do direito internacional40. A despeito desta celeuma, é fato que empresas
multinacionais são entes desprovidos de personalidade jurídica de direito internacional,
portanto não são sujeitos de direito internacional, o que nos leva à conclusão, adotando com
elastério interpretativo a doutrina de que costumes de estabelecem entre Estados (portanto
entre sujeitos de direito internacional), não se pode admitir possa surgir um costume
internacional a partir de atos entre Estados e entes privados desprovidos de personalidade
jurídica internacional. Se há um costume, privado que seja, este não pode ser considerado
um costume de direito internacional, ainda que concorra para isto a vontade do Estado, o
qual, de per si, não pode produzir um costume internacional.

2.1.2 O uso e a prática reconhecidos na jurisprudência internacional.


No Capítulo II defendemos a ideia de que a jurisprudência e a doutrina não são
fontes de direito internacional, mas meios auxiliares de sua verificação. Antes mesmo de
discorrermos de modo específico sobre ambos, vale desde logo um bom exemplo
jurisprudencial que corrobora este nosso posicionamento. A jurisprudência internacional
tem se pronunciado de forma uníssona com a doutrina no sentido de afirmar que o uso e a
prática de determinado costume deve ser geral e constante. No caso Haya de la Torre 41,
contenda julgada pela CIJ em 1951 e que envolvia o Peru e a Colômbia em questão de asilo
diplomático, a constatação de existência de uma regra costumeira latino-americana
demonstrou-se dificultosa, já que a prática invocada no julgado
“revelava tantas incertezas e contradições, tantas flutuações e discordâncias que não se podia
dela tirar um uso constante, susceptível de servir como base de costume42.”
Noutro caso julgado pela CIJ anos antes, o caso Corfu43 (1949), admitiram-se
alguns precedentes para reconhecer que determinada prática marítima (de passagem
inocente) era geral e, portanto, susceptível de gerar costume.

2.1.3. Um costume ao longo do tempo.


A doutrina clássica de direito internacional ou interno afirma que um costume é
uma prática reiterada ao longo do tempo...induzindo-nos a pensar sobre uma “tempo” que
se estende por anos...décadas.

Esta ideia não é totalmente incorreta, merecendo somente alguns retoques. O


fator tempo para a consolidação de um costume é bastante relativo. Os “longos períodos de

117
tempo” para a consolidação de uma prática é expressão clássica de épocas em que os
relacionamentos entre os Estados (até mesmo quando ainda não se falava de Estados) não
se davam de forma tão intensa e interdependente. Na Idade Contemporânea (período
histórico compreendido entre a tomada de Constantinopla -1453 - e a Revolução Francesa -
1789), poucos Estados se lançavam à navegação, cumprindo aos primeiros Estados
marítimos a extensão das primeiras regras costumeiras para navegação dos oceanos, que se
baseavam nas seculares regras de navegação dos mares semi-fechados e fechados que serviam
à Europa e África Setentrional. Veja-se que se falava em regras “seculares” que foram
ganhando amplitude, tornando-se gerais e usuais no mesmo ritmo em que outros Estados se
lançavam à navegação. Alguns costumes, por exemplo, fundados numa consciência universal
de “bem comum”, surgiram com a navegação: é o caso do repúdio à pirataria. Os costumes
tornaram-se mais intensamente reconhecidos à medida que se estreitavam e multiplicavam
os interesses comuns dos Estados em processos lentos e gradativos.

Nos tempos modernos, apesar de os costumes tenderem a dar espaço para as


normas convencionais, a aferição de sua existência pode considerar um espaço
relativamente curto de tempo. Um bom exemplo disto é a questão do espaço
aéreo, que surgiu com os primórdios da aviação e anos mais tarde já era
considerado costume e direito consuetudinário. Outro exemplo que corrobora a
relatividade do fator tempo para a formação do costume é encontrado na
solução das questões envolvendo plataformas continentais. Em 1945, Truman
reivindicou para os Estados Unidos o direito de exploração e pesquisa de toda
a plataforma continental para além das águas territoriais americanas, no que foi
seguido por inúmeros outros Estados. Este costume foi codificado em 1948 na
Convenção de Genebra sobre Plataforma Continental, apenas três anos depois.

2.1.4. A amplitude dos costumes: os costumes universais e regionais.


Ao longo desta exposição já se determinou os agentes estatais que revelam os
costumes a relatividade do fator tempo para sua formação e reconhecimento, elementos que
tendem a comprovar, in fine, a própria existência de um costume internacional e dos
fundamentos de sua obrigatoriedade.

Os costumes, em sua amplitude, ou seja, em sua abrangência, podem ser


classificados como costumes universais - que tendem a representar uma prática universal - e
regionais, que envolvem um número limitado de Estados e se torna obrigatório somente entre
estes que lhe deram origem, apesar da dificuldade relatada pela jurisprudência internacional
de seu reconhecimento.

Costumes universais não oferecem maiores dúvidas sobre sua aplicabilidade,


afinal são costumes reconhecidos por todos os Estados como obrigatórios, tais como o
pedido de permissão para transposição territorial, fundado no universalmente reconhecido
direito à soberania. Já os costumes regionais, também denominados de “locais”, de
identificação não menos dificultosa que os universais, têm sido reconhecidos pela
jurisprudência e doutrina internacionais, a exemplo do caso sobre direito de passagem entre
Portugal e Índia44, julgado na CIJ em 1960, no qual se reconheceu, também, a possibilidade
118
de estabelecimento de costume em sentido contrário em razão da desobediência recíproca a
costumes preestabelecidos (costumes “contra legem”).

Há também de se considerar os chamados costumes por omissão,


intrinsecamente ligados aos atos unilaterais dos Estados, pois tem origem na falta de protesto
de um Estado (ou de Estados) contra determinada prática de outro Estado. Sem o protesto,
o reconhecimento de um costume torna-o obrigatório para aqueles que concorreram para
sua formação. Um exemplo de costume regional formado por omissão está no caso Noruega
v. Inglaterra, julgado em 1951 na CIJ, e que envolvia direitos sobre pescarias. A ação positiva
da Noruega, ao estabelecer o limite de seu mar territorial, e a abstenção da Inglaterra sobre
o assunto (sobre o qual tinha conhecimento e, portanto, não podia negar tal situação), deu
lugar ao reconhecimento de um costume que vigorava somente entre estes dois Estados.

2.2.O elemento psicológico.


O segundo elemento que compõe o fundamento da obrigatoriedade de um
costume internacional é o elemento psicológico, a convicção de obrigatoriedade do costume
(opinio iuris).

Destaca ROSSEAU45 que o elemento psicológico passou a ser reconhecido


somente com o advento da Corte Permanente de Justiça Internacional (1920); antes disto as
arbitragens internacionais contentavam-se somente com a aferição do elemento material;
com certa razão, pois o elemento político do direito internacional dificulta a averiguação da
opinio iuris.

Dentre críticas que sofre o elemento psicológico, destaca-se o posicionamento


lógico-normativista de GUGGENHEIM: se o agente acreditava agir em conformidade com
o Direito (opinio iuris) ou já havia uma norma que ditava o direito, então o costume não é
fonte de direito internacional; ou não havia norma, então agia contra o direito.
GUGGEHEIM, ao lado de GROTIUS, BYNKERSHOEK, VATTEL E ROCHEL,
entende que o fundamento do costume está no consentimento tácito dos Estados (teoria
voluntarista), representado somente em elementos materiais. Partidários da teoria da
consciência sociológica, entendemos, assim como ROSSEAU, que o costume é um
fenômeno sociológico, lento e progressivo, que não pode ser apreendido pelos quadros
formais do normativismo. Somente através do elemento psicológico se pode diferenciar um
costume internacional46.

CapítuloV

Os princípios gerais de direito internacional

Para a classificação das fontes de direito internacional elencadas no artigo 38 do


ECIJ vimos aplicando a distinção estabelecida na Convenção XII da Haya, de 1907, na qual

119
os princípios gerais de direito foram classificadas como “fontes subsidiárias” de direito
internacional, ao lado das fontes principais - convenções e costumes.

Num excelente trabalho publicado na revista do Núcleo de Estudos de


Controvérsias Internacionais - NECIN - da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, coordenado pelos professores Araminta de Azevedo MERCADANTE e José Carlos
de MAGALHÃES, o pesquisador e professor Luis Fernando FRANCESCHINI da Rosa 47
apresenta um estudo sobre o tratamento jurisprudencial dos princípios gerais de direito em
suas várias formas, dependendo da corrente doutrinária escolhida para definição do
fundamento do direito internacional. FRANCESCHINI identificou duas correntes distintas:
a primeira delas, referendada em KELSEN, ANZILOTTI e SCELLE, colocam em dúvida
a própria existência de princípios gerais de direito reconhecidos por nações civilizadas, seja
pela imprecisão do termo político “civilidade”, seja pelo desconhecimento do número
satisfatório para fazer de um princípio de direito reconhecidamente internacional. Para estes
autores, os princípios gerais de direito derivavam dos costumes; na outra vertente, aliados a
VERDROSS, estavam aqueles que defendiam os princípios gerais de direito como um
conjunto de princípios reconhecidos e presentes nos ordenamentos nacionais, entre os quais
se deveriam distinguir quais princípios tomariam a qualidade de princípios genuinamente
internacionais, subsidiariamente aos tratados e costumes.

Em resumo, discute-se, tal como propunha ANZILOTTI, se os princípios gerais


de direito são simples fontes de decisão ou regra geral para as relações internacionais,
independentemente das razões de sua produção: se derivada de um consenso internacional
expresso no ordenamento interno dos Estados.

Em nossa opinião, os princípios gerais de direito internacional são a


quintessência do direito internacional, representativos de toda uma evolução histórica,
política, econômica, jurídica e social da comunidade internacional em torno de princípios
universalmente reconhecidos por todos os “povos” (assim denominados na Carta da ONU);
não somente aqueles princípios expressamente reconhecidos por um certo número de
Estados, mas também aqueles cuja existência prescinde de reconhecimento, como ideias
jurídicas gerais aplicáveis às relações entre Estados48.
As celeumas doutrinárias sobre a função dos princípios gerais de direito como
fonte de direito internacional tiveram origem ainda na redação do artigo 38 da CPJI, tendo
sido retomadas na convolação desta Corte na CIJ. As teorias de KELSEN e VERDROSS 49
eram amplamente debatidas. Conta VERDROSS que ANZILOTTI, partidário de
KELSEN, participou da Comissão que cuidou da redação do artigo 38 do ECIJ, o que nos
leva a crer que ele não podia negar ter se valido a Comissão de estudos sobre princípios gerais
de direito contemplados nos ordenamentos internos dos Estados para a fixação primária de
alguns princípios. Segundo VERDROSS, os estudos da comissão expressamente
reconheciam como princípios gerais de direito, exemplificativamente, a boa-fé, a proibição
de abuso de direito, lex especialis derogat generalis, à violação de direito corresponde o dever de
indenizar50; ao passo que os tribunais arbitrais, a CPJI e a própria CIJ tem aplicado princípios
gerais de direito sem os invocar expressamente, tal é o caso do princípio da coisa julgada,
prova indireta, do princípio da humanidade, do inadimplete non est inadimplendum, da vedação

120
do enriquecimento sem causa51, do dever de justa indenização na desapropriação. Uma vez
previstos na alínea “c”do art. 38 do ECIJ, os princípios gerais de direito obrigam em caráter
geral.

1. Alguns exemplos da aplicação extrajudicial de princípios gerais de direito.


De larga data os tribunais arbitrais fundamentam suas sentenças não só no
direito consuetudinário ou tratado, mas também em princípios de direito universalmente
reconhecidos; não apenas princípios concordantes entre Estados, mas também aqueles
princípios que lhes servem de fundamento. Como fundamento do próprio Estado, os
princípios gerais de direito internacional, obrigatórios em caráter geral, desempenham
também um papel de coordenação das relações entre os Estados, por vezes determinando a
aplicação de determinadas medidas e assunção de determinadas posições que não estão,
necessariamente, vinculadas a uma atividade jurisdicional de um órgão para-estatal como a
CIJ.

No âmbito da ONU, sob a égide da Carta das Nações Unidas, a aplicação e


interpretação de princípios gerais de direito internacional vem provocando uma verdadeira
revolução em conceitos basilares do direito internacional, provocando fortes movimentos
renovadores na estática estrutura deste mesmo direito.

Os novos desafios da Comunidade Internacional não encontram resposta nos


tradicionais sistemas de solução de controvérsias; a função meramente “reparadora” dos
órgãos jurisdicionais internacionais não responde a questões que exigem medidas imediatas
e eficazes para a efetiva proteção dos interesses da Comunidade. Os problemas não se
resumem mais a reparação de direitos, mas à sua própria preservação. Assim, a proteção aos
Direitos Fundamentais do Homem tem ganhado prestígio nas últimas décadas, bem como a
preservação do Meio Ambiente Global52.
Na linha de proteção de Direitos Fundamentais do Homem, a Assembléia Geral
da ONU aprovou em 1991 a intervenção militar contra o Iraque - Guerra do Golfo - que
havia ocupado o Kwait e empreendia desumana caça à minoria curda ao norte de seu próprio
território. O fundamento da intervenção foi o direito de ingerência ou direito de intervenção.
Casos semelhantes de intervenção militar da ONU por motivos humanitários foram vistos
em 1992 na Bósnia-Herzegovina e na Somália, uma tese de intervenção humanitária que
muito se assemelha àquela defendida há muitos séculos por FRANCISCO DE VITÓRIA,
o fundador do direito internacional clássico.

2. O papel dos princípios gerais do direito na jurisprudência internacional.


Os princípios gerais de direito, a despeito da visão preventiva e norteadora do
estabelecimento do próprio direito internacional que lhes imprimimos no final do tópico
anterior, revelam-se, ainda que não lhes façam expressa referência, através da jurisprudência
internacional.

121
Com especial referência ao direito brasileiro53, os princípios gerais de direito são
vistos como a ultima ratio para declaração de um direito que não é previsto no texto da lei,
tampouco resolve-se nos costumes: uma lacuna. Uma ideia incorreta. Segundo a doutrina de
VERDROSS54, os princípios gerais de direito não têm o papel de evitar uma lacuna dos
costumes e tratados, a ideia de aplicação dos princípios gerais de direito para a
impossibilidade de julgar com base em tratados e costumes é insustentável. Isto porque o
artigo 38 do ECIJ não faz referência expressa a um non liquet, portanto, admite-se a apreciação
de questão não fundada em tratado ou costume, ainda que os princípios gerais de direito não
sejam considerados fontes principais, mas subsidiárias. Tratados e costumes não esgotam o
direito internacional, mas se complementam nos princípios gerais de direto, exercendo,
também, função supletiva para interpretar princípios jurídicos internacionais duvidosos.

Quando não houver tratados ou costumes para indicar a solução de um litígio,


diz VERDROSS, os princípios gerais de direito iluminam todo o ordenamento internacional.

Capítulo VI

A doutrina e a jurisprudência internacional.

Ao longo de nossa dissertação vimos insistindo que doutrina e jurisprudência


não se enquadram como fontes imediatas de direito internacional. São, nos próprios dizeres
do artigo 38 do ECIJ “meios auxiliares para determinação de regras de direito”. Doutrina e
jurisprudência não tem caráter obrigatório ou vinculante no âmbito internacional: quanto a
ela não vigora a regra do precedente, importada do sistema do commom law, e que se exprime
pelo brocardo stare decisis et non quieta movere. Sua função é a revelação das fontes de direito
internacional, especialmente dos costumes.

Na principal Corte Internacional - a Corte Internacional de Justiça (CIJ) - o


cuidado de escolha de seus juízes, dentre grandes expoentes do direito internacional, tem
impingido às suas decisões um importante caráter doutrinário que, inegavelmente, influencia
outros doutrinadores não menos importantes em todo o mundo.

Este posicionamento de relegar à doutrina e jurisprudência, especialmente a esta


última, a simples função reveladora do direito, confronta diretamente com a doutrina de
LORD RADCLIFFE e CAPPELLETTI, para quem não há dúvidas que da atividade judicial
de interpretação de leis proporciona uma atividade de criação ou de renovação do conteúdo
normativo55. Para FRANCESCHINI56, que adota a linha de pensamento de
CAPPELLETTI, “a interpretação judicial do direito não só atualiza a norma como preenche suas omissões,
num processo contínuo de criação.” Citando KELSEN, adverte: ”a diferença (entre legislador e o juiz); e
meramente quantitativa e não qualitativa, consistindo só no fato de a vinculação material do legislador ser
muito menor que a do juiz, donde resulta que ele cria Direito com liberdade relativamente maior do que este.
Mas o juiz também cria direito e possui um relativa liberdade em sua função. Precisamente por isso, a criação
da norma individual do processo de execução da lei - com a qual se dá um conteúdo concreto ao âmbito da
norma geral - é função da vontade”.
Não concordamos com esta posição. Permanecemos ao lado de ROSSEAU,
SORENSEN, OPPENHEIM e outros clássicos que vêm na jurisprudência a simples análise
122
do direito existente, seja convencional, consuetudinário ou inspirado em princípios gerais de
direito.

Capítulo VII

A equidade

A equidade, assim como a jurisprudência e a doutrina, não é fonte de direito


internacional, mas uma regra de aplicação de princípios de justiça aos casos concretos. É uma
forma de resolução dos litígios, para atenuar os excessos do formalismo jurídico. No entanto,
como adverte a própria redação do segundo parágrafo ao artigo 38 do ECIJ, uma decisão ex
aequo et bono somente poderá ser dada com assentimento das partes.

O tratadista francês ROSSEAU57 identificou três importantes papéis


desenvolvidos pela equidade, apesar das muitas incertezas e contradições na literatura do
direito das gentes e na jurisprudência internacional sobre a aplicabilidade da equidade em
direito internacional:

1. A equidade como meio de atenuar a aplicação do direito, afastando as


consequências excessivas do summus ius summa injuria (função infra legem).
2. A equidade como meio complementar de aplicação do direito, exercendo
uma função moderadora e supletiva (função praeter legem), colmatando algumas lacunas do
direito. ROSSEAU afirma que neste momento a equidade funciona como uma fonte
subsidiária de direito (como um princípio de direito internacional, ao qual reconhece a função
de colmatação de lacunas). Discordamos neste ponto de ROSSEAU, adotando a posição de
VERDROSS que nega este caráter supletivo aos princípios gerais de direito. Contudo,
mesmo negando a doutrina rosseauniana, a supletividade há de ser reconhecida, com a
ressalva da discordância de seu paralelo argumentativo.
3. A equidade como meio de descartar a aplicação do direito. A última proposta
de ROSSEAU aventa a possibilidade de uma decisão obtida por equidade afastar a aplicação
do direito (função contra legem). Equidade é, essencialmente, um conceito não jurídico,
metafísico: justiça. A possibilidade de se atingir uma solução desta natureza, como indica a
própria história das decisões judiciais internacionais, é muito remota, já que parte do
princípio de que as partes deverão autorizar o juiz internacional a decidir contra legem,
inserindo um elemento de insegurança e incerteza que desestimula a própria submissão do
caso a estas condições.

CapítuloVIII

Atos jurídicos unilaterais dos sujeitos de direito internacional

Os atos jurídicos internacionais dos sujeitos de direito internacional, apesar de


não constarem do rol do artigo 38 do ECIJ, são consagrados como fontes de direito

123
internacional por costume e princípios gerais de direito. Fala-se em sujeitos de direito
internacional, não simplesmente em Estados, tradicionais sujeitos de direito internacional, já
que a moderna doutrina vem admitindo que atos de organizações internacionais
intergovernamentais também sejam fontes de direito internacional.

Os atos unilaterais dos Estados começaram a chamar a atenção dos


doutrinadores após a II GGM e em certa medida corresponde aos negócios jurídicos
unilaterais do direito interno, como observa Manuel Diez de VELASCO58. Através da
atuação dos representantes dos Estados, estes atos contribuem para a formação do costume,
para o qual servem de precedente, o que VELASCO apresenta como notório no Direito do
Mar.

Assim como os Estados, as organizações internacionais realizam atos cujos


efeitos se projetam para fora de sua estrutura organizacional, donde a necessidade de se
identificar os atos que são fontes autônomas de direito internacional dos demais: os atos de
legislação interna. A característica essencial dos atos autônomos está no fato de provirem de
um único sujeito de direito internacional, de uma só parte e cuja validade independe de
qualquer outra fonte. O caráter normativo destes atos tem sido reconhecido pela
jurisprudência internacional, a exemplo dos casos Groenlândia Oriental (CPJI, 05.04.33),
Portugal v. Índia (CPJI, 12.04.60) e Experiências Nucleares (CIJ, 20.12.74).

Na doutrina, os atos unilaterais dos sujeitos de direito internacional dividem-se


em cinco categorias: protesto, notificação, reconhecimento, renúncia e promessa.

1. Protesto.
O protesto é o ato pelo qual um Estado dá a entender que não considera
determinada situação como em conformidade ao Direito. Para VERDROSS é uma
declaração que nega a legitimidade de uma determinada situação.

Por outro lado, a jurisprudência é rica em exemplos nos quais um determinado


Estado deixa de realizar um protesto, mantendo-se em silêncio, donde podem decorrer
algumas consequências jurídicas. Como o silêncio puro e simples não significa
reconhecimento algum, a formulação de um protesto só é necessária quando, segundo a
situação correspondente, cabe esperar por uma tomada de posição59. Mas sendo caso de
protesto, a omissão, o silêncio dá lugar ao reconhecimento (estoppel)60.

2. Notificação.
A Notificação é uma comunicação de um sujeito de direito internacional faz a
outro sobre determinado fato ou ato que tomou, do qual decorrem determinadas
consequências jurídicas (“notificação de ocupação, de estado de guerra”). Por ser preceptiva
(obrigatória) ou livre (facultativa).

124
3. Reconhecimento.
Através do reconhecimento se admite como legítimo um determinado estado de
coisas ou determinada pretensão. É o inverso do protesto. O Estado que o faz não pode
negar a legitimidade do que reconhece.

4. Renúncia.
A renúncia é declaração através da qual se abandona uma pretensão. É ato
jurídico unilateral, irrevogável e extintivo do direito do sujeito de direito internacional. A
renúncia somente será fonte de direito internacional quando sua validade não dependa da
vontade de outro Estado, o que exclui renúncias convencionais, resultantes de tratados. Por
esta razão, não se inclui entre as formas de renúncia a denúncia, exatamente por lhe faltar a
característica da autonomia.

5. Promessa.
A promessa é uma declaração dirigida a um ou mais sujeitos de direito
internacional de obrigar-se a um determinado comportamento. VERDROSS adverte que as
promessas devem se distinguir das simples comunicações, assinalando que também são
promessas (obrigação jurídica internacional) os tratados com carga a somente uma das partes,
como as declarações (assurance) tomadas pela Sociedade das Nações, Albânia, Finlândia,
Estônia, Letônia, Lituânia e Iraque sobre proteção de minorias.

Também é declaração unilateral obrigatória a notificação da lei austríaca de


neutralidade, as quais tem sido consideradas como tal pela CPJI no caso Groenlândia e no
tratado de Londres de 08.09.45 sobre castigo a criminosos de guerra.

6. Elementos comuns aos atos unilaterais dos sujeitos de direito internacional.


Fixados os limites de cada um dos cinco atos unilaterais dos sujeitos de direito
internacional, pode-se destes extrair elementos comuns que os caracteriza: a) são
manifestações unilaterais que produzem efeitos jurídicos na esfera internacional; b) são
autônomas - requerem recepção, mas não aceitação, pois produzem efeitos jurídicos assim
que recebidas; c) por não terem exigências formais podem ser expressos, tácitos ou
implícitos; d) não sendo formais, não há o dever de registro (art. 102 da Carta da ONU),
embora haja atos unilaterais registrados: declaração egípcia de 24.04.57 relativa ao Canal de
Suez61.

125
7. Organizações Internacionais.
Alfred VERDROSS, num célebre curso na Academia da Haia em 1929 62, dizia
que os atos unilaterais das organizações internacionais compunham o que denominou de
“Direito das Organizações Internacionais”.

São fontes de direito internacional os atos autônomos das organizações


internacionais intergovernamentais, cujos efeitos, produzidos para fora de sua estrutura
organizacional, prestam-se a regular as relações jurídicas da Organização com os demais
sujeitos de direito internacional.

Aqueles que criticam a que atos das organizações internacionais, em absoluto,


não são fontes de direito internacional, apegam-se ao fato de que toda organização
internacional tem fundamento num tratado, o que retiraria a autonomia de seus atos. Ora, o
tratado não prevê o conteúdo dos atos, o que propicia às organizações internacionais uma
maior diversidade de conteúdo e de formas para seus atos. Quanto ao conteúdo, os atos das
organizações internacionais de dividem em: a) atos jurisdicionais (dos Tribunais); b) atos de
administração interna (processual e pessoal); c) atos de funcionamento (relações internas das
organizações internacionais e seus Estados Membros - nas agências especializadas da ONU
- OTAN, EFTA, OCDE (organizações intergovernamentais) - os atos unilaterais
apresentam-se sob a forma de resoluções, recomendações e decisões. Na ONU,
especificamente, só são obrigatórias as decisões concretas (Conselho de Segurança, art. 24 e
25; Assembléia Geral em matéria financeira, art. 17, entre outros)63.

8. Direito Comunitário.
Os fenômenos de integração econômica e política devem ser vistos com
cuidados sob a ótica jurídica, especialmente do direito internacional. Nem tudo o que
contempla o direito comunitário é “jurídico” ou “internacional”. A concepção de “direito
internacional”, em razão de seu fundamento universal, não comporta a limitação ou a
especialização, por exemplo, de princípios de direito próprios de um determinado grupo de
Estados.

O direito comunitário é direito internacional? Não, mas o sujeito de direito


internacional que surge da organização internacional de integração, detém capacidade e
personalidade jurídica internacional para realizar atos, conexos ou unilaterais, que produzam
efeitos jurídicos, fato que não confere, no âmbito interno da organização, caráter
internacional a atos jurisdicionais ou de administração, ainda que se reportem diretamente a
seus Estados membros.

Estes atos são considerados, com muita propriedade, como atos de “legislação
internacional”, não são, pois, considerados fontes de direito internacional, haja vista o
Estado, agindo através de uma organização internacional, não concorrer de forma autônoma
para a criação do direito internacional.

126
Bibliografia.
1. Obras básicas:
ANZILLOTTI, “Corso de Diritto Internacionale”, 4ª ed., reimpressão, Pádua, 1964.
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de Estudos de Controvérsias Internacionais - NECIN, Universidade de São
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127
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VON LIZST, Franz, “Das Völkerrecht”, Berlim, 1925.

2. Outras obras:
“International Legal Materials”, coletânea de documentos da American Journal of
International Law (AJIL): Sentença DUPUY, caso Texaco/Calasiatic v. Líbia: ILM, 1978, p.
1/37.

“Recueil de Cours”, da Academia de direito Internacional da Haia.

“Revue Critique du Droit International Privé”, 1982: Convenção do Banco Mundial sobre
Resolução das Diferenças Relativas a Investimentos entre Estados e Nacionais de outros
Estados: caso Agip v. Congo.

______________________

1
Sobre o conceito de direito internacional e suas origens ver: FAUCHILLE, Paul, “Traité
de Droit
International Public”, 8ª ed., Paris, 1922, t. I, 1ª parte, p. 4 e segs; VON LIZST,Franz, “Das
Völkerrecht”, Berlim, 1925; ANZILLOTTI, “Corso de Diritto Internacionale”, 4ª ed., reimpressão,
Pádua, 1964; ROSSEAU, Charles, “Droit International Public”, t. I, Paris, 1970;
SCHWARZENBERGER, Georg, “A Manual of International Law”, 5ª ed., Londres, 1967;
CUNHA, J. M. Silva, “Direito Internacional Público”, t. I, 4ª ed., Lisboa, 1987, e t. II, 3ª ed.,
1991; OPPENHEIM, L. “Tratado de Derecho Internacional Publico”, 8ª ed., Bosch, Barcelona,
1961; DE QUADROS, Fausto
& PEREIRA, André Gonçalves, “Manual de Direito Internacional Público”, 3ª ed., Almedina,
Coimbra,
1995; VERDROSS, Alfred, “Derecho Intenacional Publico”, Biblioteca Jurídica Aguillar, 5ª ed.,
1967; SORENSEN, “Les Sources du Droit International”, Copenhagen, 1946; VELASCO,
Manuel Diez de, “Instituciones de Derecho Internacional Publico”, Madrid, 1985-1990.
2
Dois exemplos concretos deste reconhecimento é a Convenção sobre Genocídio de 1948
e a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1945.
3
Esta é a posição, por exemplo, de CHARLESROSSEAU et al e de
SCHWARZENBERGER et al, que asevera: “International law is the body of legal rules which
apply between sovereign States and such other entities as have been granted international personality.”
4
L. OPPENHEIM (op. cit, p. 24 e segs.) alerta sobre a distinção entre fonte e causa do
direito. Para o ilustre tratadista, das fontes surgem os direitos, independentemente das
causas que os forjaram. Usando a figura de uma nascente d’água, adverte OPPENHEIM
que as fontes correspondem ao seu nascedouro, à água que brota da terra; as explicações
das causas da nascente ou do curso d’água, portanto, não se confundem com suas fontes
(v. nota 6 infra).

128
5
As ciências matemáticas fundam-se em verdades absolutas - os chamados teoremas -
regras científicas fundamentais que encerram, no seio da própria Matemática, toda sua
fundamentação.Um bom exercício para se confrontar um teorema matemático com a
teoria da norma fundamental, defendida por Hans KELSEN e Norberto BOBBIO, pode
ser extraído da seguinte observação: tomemos o teorema que enuncia que as retas paralelas
encontram-se num ponto no infinito. Para a matemática este enunciado, que está na base
da ciência, basta para fundamentar tudo que sobre ela foi erigido, posto que não se buscam
além do teorema, horizontalmente fundado em outros teoremas, verdades que fogem à
ciência matemática. Na mesma perspectiva do teorema matemático, a norma fundamental
nada mais é que aquele ponto infinitamente distante para o qual convergem todas as
normas, um ponto cujo fundamento (se não horizontal) não encontra explicação no
Direito.
6
Op. cit., p. 27/28.
7
Assim como SORENSEN et al, não consideramos a doutrina, a jurisprudência nem a
equidade como fontes de direito internacional, sequer como fontes subsidiárias. Nossas
observações sobre o tema serão lançadas, oportunamente, nos Capítulos VIII e IX adiante.
8
ROSSEAU, op. cit., p. 27/28.
9
FALK, Richard Anderson, "International jurisdiction: horizontal and vertical conceptions of legal
order", in Temple Law Quaterly, 1959, vol. 32, p. 295. O Professor Falk apresenta em seu
artigo um debate sobre o conceito horizontal e vertical da ordem legal internacional. No
entender de Falk, a ordem internacional é essencialmente horizontal, de coordenação entre
Estados, diferentemente da ordem interna, onde prevalece a hierarquia entre instituições,
com o poder verticalizado e centralizado na figura do Estado.
10
O questionamento sobre a existência de um Direito Internacional Constitucional, portanto
sobre um hierarquia entre os ordenamentos constitucionais estatais e o direito
internacional, é marcante nos internacionalistas europeus. Ora, se o Direito Internacional
é composto por regras que obrigam a todos os Estados, não pode ceder às Constituições,
e mais, se o Direito Internacional é cogente - ius cogens - se é imperativo para o Estado, não
pode ceder às Constituições (teoria monista com prevalência do direito internacional).
Sobre as teses acerca da existência do Direito Internacional Cosntitucional (ius cogens)
ver: CARREAU, Dominique, “Droit International”, 2ª ed., Paris, 1988; FROWEIN, “Jus
Cogens”, in “Encyclopedia”; VIRALLY, “Réflexions sur le “jus cogens”, in “Annuaire
Français du Droit International,” 1966, p. 5; RODAS, João Grandino, Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1974, p. 125; QUADROS &
PEREIRA, op. cit, p. 277.
11
Embora o artigo 13 da Carta da ONU preveja que : “1. A Assembléia Geral promoverá estudos
e recomendações destinados a : a) Promover a cooperação internacional no terreno político e incentivar o
desenvolvimento progressivo do Direito Internacional e sua codificação; (...)”, que seria um primeiro
passo para a universalização do direito internacional (RANGEL, Vicente Marotta, “Direito
e Relações Internacionais”, 5ªed., São Paulo, 1997, p. 36 e 37).
12
A redação que emprestamos ao artigo 38 foi aquela dada pelo Prof. Marotta
RANGEL (op. cit., p. 79). Vale anotar, também, que a Corte Internacional de Justiça é
resultado da incorporação, em 26 de junho de 1945, da Corte Permanente de Justiça
Internacional, criada em 16 de dezembro de 1920, à Carta das Nações Unidas. O resultado
desta incorporação, por assim dizer, foi a copilação do Estatuto da CPJI para a CIJ,
mantendo-se grande maioria de suas disposições.
13
Cf. VERDROSS, op. cit., p. 89 e ss.
14
Esta não é a posição de OPPENHEIM (op. cit., p. 33, nota 28) que cita como referência
direta à jurisprudência como fonte de direito internacional o artigo 1º do Código Suíço, no

129
qual se dispõe que o juiz, na ausência de disposição legal aplicável, se pronuncie com base
no direito consuetudinário ou segundo as regras que ditaria se fosse o legislador. O mesmo
pode ser dito em relação à opinião de Lord RADCLIFF, CAPELLETTI e
FRANCESCHINI, mencionadas no Capítulo VI dstre estudo.
15
As justificativas desta posição doutrinária serão descortinadas mais adiante nos capítulos
específicos: Capítulo VI - Jurisprudência e doutrina; CapítuloVII - Equidade.
16
Sobre a teoria das fontes de Direito Internacional em geral v.também : SORENSEN op.
cit., p 149, com extensa referência bibliográfica); OPPENHEIN, op., cit., p. 24 e segs.;
VERDROSS, p. 89 e ss.
17
A CIJ tem encontrado normas de direito internacional surgidas através de processos de
criação dificilmente reconduzíveis a qualquer uma das alíneas do art. 38, normas derivadas
da ação unilateral dos sujeitos de direito internacional, abrangendo atos jurídicos unilaterais
dos estados e das organizações internacionais.
18
Há tratados que regulam o Direito dos Tratados: Convenção de Havana sobre Tratados
de 1929, a
Convenção de Viena sobre a Sucessão de Estados em matéria de tratados (23.08.78) e a
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre estados e Organizações Internacionais
ou entre Organizações Internacionais (20.03.86), ambos ainda não em vigor, por isso
considerados pela doutrina como costume internacional.
19
Le développement et les founctions des traités multilateraux”, in “Recueil de Cours”,
Academia de Direito Internacional da Haia, 1957, II, p. 233.
20
Cf. QUADROS & PEREIRA, op. cit., p. 169.
21
Cf. SORENSEN, op. cit., p. 155.
22
Sobre estes tratados escreveu VERDROSS/SIMMA, P. WEIL, D. BERLIN, J. STOLL,
VAN HECKE, J.F. LAFIVE, DAVID IJALAYE e NGUYEN QUOC, in QUADROS &
PEREIRA, op. cit., p.
181, nota 2.
23
Op. cit., p. 157. 24 Op. cit., p. 182.
25
SORENSEN, “Les Principies du Droit International Public”, 101 Hr, 5, 1960.
26
HOLLOWAY, K., “Modern Trends in Treaty Law”, Oxford, 1967., p. 7.
27
Op. cit., p 185.
28
Sobre acordos em forma simplificada ver: HORVATH, G., “The Validity of Executive
Agreements”, in “Österreichische Zeitschrift für öffentliches Reucht und Völkerrecht”
1979, p. 105. Ver também nota 30 infra.
29
Artigo 5º da Convenção de Havana sobre Tratados, assinada em Havana, Cuba, em
20.02.29 e ratificada pelo Brasil em 30.07.29 (promulgada em 12.12.29), determina: “Os
tratados não são obrigatórios senão depois de ratificados pelos Estados contratantes, ainda que esta cláusula
não conste nos plenos poderes dos negociadores, nem figure no próprio tratado” (in RANGEL, Vicente
Marotta, op. cit., p. 291).
30
Cf. SORENSEN, op. cit., p. 159.
31
No caso Estados Unidos v. Nicarágua, julgado pela CIJ em 27.06.86, após o exame de
tratados e costumes, a Corte decidiu pela aplicação de normas consuetudinárias acolhidas
na carta da ONU. 32 Fixa-se asim as características do costume que, segundo ROSSEAU,
são as seguintes: prática comum (repetição uniforme de atos da vida internacional); prática
obrigatória (é direito); prática evolutiva (a velocidade das mudanças sociais não são
acompanhadas pela alteração dos costumes).
33
BERNHARDT, Customary International Law, Encyclopedia. p. 61 e segs.
34
ROSSEAU, op. cit., p. 95/96.

130
35
The Scotia, Suprema Corte dos Estados Unidos, 1871, in “The Law of Nations, Cases,
Documents and Notes”, edited by Herbert W. BRIGGS, NY, 1944, p. 26. O caso tratou da
colisão entre o navio americano Berkshire e o navio inglês Scotia, provocado por erros de
sinalização do Berkshire, decorrente da não observação de regras costumeiras de navegação
(“regulations for preventing collisions at sea”) aceitas por numerosos Estados marítimos
como regras de uso do mar, abrangidas por uma regra consuetudinária maior: the law of the
sea. A aplicação do direito interno dos Estados envolvidos foi afastada, visto que a colisão
ocorrera em alto mar. A justificar a aplicação da law of the sea (law of nations), em certa altura
diz-se: “The question until remais, what was the law of the place where the collision occured, and at the
time when it occured. Conceding that it was not the law of the United States, nor that of Great Britain,
nor the current obligations of the two governments, but that it was the law of the sea, was it the ancient
maritime law, that which exist before the commercial nations of the world adopted the regulations of 1893
and 1864, or the law changed after those regulations were adopted? That law is universal obligation, and
no statute of of one or two nations can create obligations to the world. Like all the law of nations, it rests
upon the commom consent of civilized communities.”
36
The Parquet Habana. The Lola, Suprema cote dos Estados Unidos, 1900, BRIGGS, op.,
cit., p. 31. No final do século XIX os Estados Unidos estavam em guerra com a Espanha.
Os navios pesqueiros Parquet Habana e Lola, de bandeira espanhola, exerciam atividades
pesqueiras regulares nas costas de Cuba. Desconhecendo a guerra entre Estados Unidos e
Espanha, os navios foram capturados sem resistência ou armas a bordo. Em 27 de abril de
1898 o comandante intentou uma ação para reaver sua carga confiscada como prêmio de
guerra, bem como suas perdas e ressarcimento por danos. No julgamento na Suprema
Corte, reviu-se a opinião de doutrinadores franceses, argentinos, ingleses, alemães, suícos,
austríacos portugueses e italianos e se concluiu: “The review of the precedents and authorities on
the subject appears to us abundantly to demonstrate that at present day, by the general consent of civilized
nations of the world, and independently of any express treaty or other public act, it is an established rule of
international law, founded on considerations of humanity to a poor and industrious order of men, and of
the mutual convenience of belligerent States, that coast fishing vessels, with their implements and supplies,
cargoes and crews, unarmed, and honestly pursuing their peaceful calling of catching and bringing in fresh
fish, are exempt from capture as prize of war...”. A captura dos navios foi decalrada ilegal e
injustificada, revertendo-se a sentença de primeiro grau (Southern District of Florida). Os
votos divergentes (FULER, HARLAN e MCKENNA) entendiam que a prática de
exceptuar navios pesqueiros inimigos de captura não se tratava de um direito internacional
costumeiro, mas uma regra de cortesia que não havia sido autorizada pelo Presidente.
37
Ponto em que esta corrente, no nosso entender, tangencia a tese daqueles que defendem a
natureza cogente (ius cogens) do direito internacional.
38
QUADROS & PEREIRA (op., cit., p. 160) não deixam claro se comungam do pensamento
de BERNHARDT (op. cit., p. 61 e segs.), que expressamente defende esta posição sobre
empresas multinacionais.
39
QUADROS & PEREIRA, idem.
40
Sobre acordos entre Estados e pessoas privadas estrangeiras: sentença Dupuy (caso
Texaco/Calasiatic v. Líbia; ILM, 1978, p. 1/37; Resolução 1803, da Assembléia Geral da
ONU, de 14 de dezembro de 1962; Convenção do Banco Mundial sobre Resolução das
Diferenças Relativas a Investimentos entre Estados e Nacionais de outros Estados (caso
Agip v. Congo, “Revue Critique du Droit International Privé”, 1982, p. 92 e segs.);
CARREAU, op. cit., p. 163 e segs.
41
Haya de La Torre Case, CIJ, 1951, L. C. GREEN, “International Law through Cases”, 3ª ed.,
Londres, 1970. Em 03.10.48 uma rebelião militar sem sucesso teve lugar no Peru,
provocando o julgamento de seus líderes por crime de rebelião militar. Haya de La Torre,

131
peruano e um dos líderes da rebelião, teve sua prisão decretada pelo Governo do Peru, fato
que o levou a pedir asilo na embaixada colombiana em Lima. O embaixador colombiano
informou ao governo peruano que havia concedido asilo diplomático a De La Torre em
conformidade com o artigo 2º, § 2º da Convenção de Havana sobre Asilo de 1928,
requerendo um salvo conduto para que De La Torre deixasse o Peru, pois de acordo com
o enquadramento legal dado pela Convenção, o asilado deveria ser considerado refugiado
político.
42
Dos termos finais da decisão proferida pla Corte extrai-se a seguinte passagem: “The Court
cannot therefore find that the Colombian Government has proved the existence of such custom. But even if
it could be supposed that such a custom existed between certain Latin-American States only, it could not
be invoked against Peru which, far from having by itts attitude adhered to it, has, on the contrary, repudiated
it by refraining from ratifying the Montevideo Convention of 1933 and 1939, which were the first to include
a rule concerninig the qualification of the offence in matters of diplomatic asylum.” (L. C. GREEN, op.
cit, p. 400).
43
Corfu Channel Case, CIJ, 1949 (L. C. GREEN, op. cit, p. 254). Em 15.05.46 navios militares
britânicos foram alvejados pela artilharia albanesa enquanto passavam pelo canal de Corfu,
em águas territoriais albanesas. Em 22 de outubro daquele mesmo ano, dois outros navios
militares britânicos colidiram com minas enquanto navegavam no mesmo canal, sofrendo
severos danos e a morte de alguns de seus tripulantes. Estes fatos provocaram a inciativa
do governo britânico de retirada das minas do canal e das águas albanesas, o que se deu em
12 e 13 de novembro de 1946, sem permissão da Albânia. Surgiu o conflito entre os dois
Estados, restando ao Conselho de Segurança da ONU a orientação para que ambos
sujeitassem o caso à jurisdição da CIJ. A questão principal levada à corte foi a colocação
de minas, que se fez pelos alemães durante a II GGM, e a violação de soberania da Albânia
pela Grã-Bretanha na retirada não autorizada das minas. A Corte decidiu pela
responsabilização da Albânia no ressarcimento dos prejuízos causados às naus britânicas,
com base em direito costumeiro e convencional, bem como declarou a violação de sua
soberania pela Grã-Bretanha.
44
Portugal v. India. (L. C. GREEN, op. cit, p. 21). Desde a fundação de suas colônias na Índia,
Portugal exercia o direito de passagem por território indiano para abastecimento e defesa de
seus territórios - Goa, Daman e Diu. Procurando restringir este direito de passagem,
constituído pela longínqua prática entre os dois Estados, a Índia não mais permitiu que armas
e tropas portuguesas pudessem atingir os territórios de Daman e Diu a partir de Goa. No
julgamento do caso a CIJ pronunciou-se pelo reconhecimento do direito (e poder) da Índia
em regular o direito de passagem concedido a Portugal há séculos, já que desde 1953 os
direito de passagem havia sendo constantemente violado sem protesto por parte de Portugal.
A Corte decidiu: “Historically the case goes back to a period when, and relates to a region in wich, the
relations between neighbouring States were not regulated by precisely formulated rules but were governed largely
by practice. Where therefore the Court finds a practice clearly established between two States which was
accepted by the Parties as governing the relations between them, the Court must attribute decisive effect to that
practice for the purpose of determining their specific rights and obligations. Such a particular practice must
prevail over any general rule.” 45 Op. cit., p. 95.
46
QUADROS & PEREIRA, op. cit., p. 167 e segs: “Em resumo é imprescindível a opinio
iuris para que surja o costume, mas como a averiguação é particularmente difícil, a CIJ tem seguido o critério
de em princípio supor que a prática constante é acompanhada da opinio iuris. Assim, quando se defronta
com um uso geral, constante e uniforme, presume estar perante um costume, a menos que lhe seja demonstrado
que não existe convicção da obrigatoriedade mas que a prática resulta apenas de motivos de conveniência e
oportunidade. Há assim uma espécie de presunção iuris tantum a favor da obrigatoriedade de uma prática

132
geral, constante e uniforme. Notemos que não é uma presunção em sentido técnico, nem tem de ser sempre
seguida, mas é apenas a forma prática pela qual a Corte normalmente se determina.”
47
“Solução e Prevenção de Litígios Internacionais”, publicação do Núcleo de Estudos
de Controvérsias Internacionais - NECIN, Universidade de São Paulo, Faculdade de Direito,
Projeto CAPES; coordenadores: ARAMINTA DE AZEVEDO MERCADANTE e JOSÉ
CARLOS DE MAGALHÃES; artigo de LUIS FERNANDO FRANCESCHINI DA
ROSA, “Jurisprudência e Princípios Gerais de
Direito Internacional”, p. 151.
48
Este posicionamento é mais bem compreendido a partir da ideia que permeia o termo
Law of Nations, representativo de um direito internacional preponderantemente
consuetudinário e principiológico. Na concepção do Law of Nations, costumes e princípios
gerais de direito são institutos universalmente reconhecidos por todas as “nações civilizadas”,
termo contemporaneamente traduzido por “nações soberanas”. Um exemplo desta
universalidade é o repúdio ao tráfico escravo, ao genocídio, o que não nega o caráter
essencialmente cultural e político para determinação dos princípios.
49
Herbert W. BRIGGS, op. cit., p. 48, assinala que os jusnaturalistas vêem no artigo 38
a aceitação da lei natural da filosofia e que a escola monista de VERDROSS reconhece no
mesmo artigo não os princípios da lei natural, mas direitos positivados e aceitos no foro
doméstico dos Estados civilizados, concluindo que o artigo 38 reconhece uma nova forma
de ius gentium composto de regras que são a manifestação de requisitos elementares de justiça.
50
Com fundamento em vários julgados da CPJI, Tribunais Arbitrais e Cortes Supremas
de diversos Estados. V. exemplo do Caso Chorzow (Chorzow Factory case, CPJI, 1928; L.
C. GREEN, op. cit, p. 614): no curso do julgamento, ANZILOTTI asseverou que : “It is a
principle of international law that a reparation of a wrong may consist in a indemnity corresponding to the
damage which the national of injured State have suffered as a result of the act which is contrary to international
law.” 51 Tribunal Administrativo da Sociedade das Nações:Caso Schumann.
52
Declaração do Conselho das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, Estocolmo,
1972; Declaração do Rio na Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992.
53
Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, (Decreto nº 4.657, de 04.09.42), art. 4º:
“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá por analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”;
Código de Processo Civil, art. 126, 127 e 335.
54
Op. cit., p. 98.
55
MAURO CAPPELLETTI, Juízes Legisladores?, p. 55.
56
Op. cit., p. 155/156.
57
Op. cit., p. 108 e segs.
58
Instituciones de Derecho Internacional Publico, Madrid, 1985-1990.
59
Foi neste sentido a sentença arbitral de M. Huber, de 04.04.28, no caso Palmas (BRIGGS,
op. cit., p. 173.
60
Caso Inglaterra v. Noruega e caso Lotus, no qual se deu valor de consentimento à falta de
protesto da França diante de preceitos relativos a competência penal da Turquia (BRIGGS,
op. cit., p.287).
61
VERDROSS (op. cit.) apresenta um rol de atos que denomina de atos unilaterais dependentes
- oferecimento e aceitação, a reserva e a submissão à CIJ (jurisdição), dos quais resultam
iguais consequências jurídicas na esfera internacional.
62
In “Recueil de Cours”, vol. 53.
63
Como não são unânimes os entendimentos, pode-se ter, por exemplo, resoluções
obrigatórias e decisões que não o são, tal como ocorreu no Tribunal da Haia, Parecer de
21.06.71, caso Sudoeste Africano (Namíbia), no qual a Corte se pronunciou contra a

133
doutrina dominante e reconheceu o caráter de decisão e uma intenção executória às
resoluções da Assembléia Geral da ONU.

134
Organizações Internacionais
Conceito, lista das principais, resumo, organizações não governamentais, o que são,
objetivos

1-Conceito (o que são):

Também conhecidas como Organizações Intergovernamentais, são instituições


criadas por países (estados soberanos), regidas por meio de tratados, que buscam através da
cooperação a melhoria das condições econômicas, políticas e sociais dos associados.

2-Principais objetivos

- Atuam em conjunto, de forma cooperativa, para buscar avanços econômicos, sociais e


políticos para os países membros;

- Buscam soluções em comum para resolver conflitos de interesses entre os estados


membros;

- Estabelecem políticas de cooperação técnica e científica;

- Estabelecem normas e parâmetros comuns;

- Traçam estratégias para resolução de problemas de urgência como, por exemplo, guerras e
outros conflitos militares.

- Fiscalizam, através de órgãos específicos, o cumprimento das regras estabelecidas pelos


acordos;

- Organizam reuniões para a troca de experiências, definições de novas políticas ou


determinação de novos objetivos.

3-Principais Organizações Internacionais:

- ONU (Organização das Nações Unidas)

Fundada em 1945 é a maior organização internacional do mundo. Tem como objetivos


principais a manutenção da paz mundial, respeito aos direitos humanos e o progresso social
da humanidade.

- OEA (Organização dos Estados Americanos)

Fundada em 1948, conta com a participação de 35 nações do continente americano. Tem


como objetivos principais a integração econômica, a segurança (combate ao terrorismo,
tráfico de drogas e armas), combate a corrupção e o fortalecimento da democracia no
continente.

135
- OMC (Organização Mundial do Comércio)

Fundada em 1994, conta com a participação de 149 países membros. Atua na fiscalização e
regulamentação do comércio mundial, além de gerenciar acordos comerciais.

- OCDE (Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico)

Fundada em 1960, esta organização internacional é formada por 34 países. Tem como metas
principais o desenvolvimento econômico e a manutenção da estabilidade financeira entre os
países membros.

- OMS (Organização Mundial da Saúde)

Fundada em 1948, este organismo faz parte da ONU e tem como objetivo principal a gestão
de políticas públicas voltadas para a saúde em nível mundial.

- OIT (Organização Internacional do Trabalho)

Organismo especializado da ONU, foi fundada em abril de 1919. Atua, em nível mundial,
em assuntos relacionados ao trabalho e relações trabalhistas.

- FMI (Fundo Monetário Internacional)

Criado em 1945, tem como objetivos principais a manutenção da estabilidade financeira e


monetária no mundo, o aumento do nível de emprego e a diminuição da pobreza. Conta
com a participação de 188 nações.

- OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte)

Criada em 1949, conta com a participação de 28 países membros. Tem como objetivo
principal a manutenção da segurança militar na Europa.

FONTE: http://www.suapesquisa.com/geografia/organizacoes_internacionais.htm

136
O que são atos internacionais
1-O QUE SÃO ATOS INTERNACIONAIS?

Segundo definiu a Convenção de Viena do Direito dos Tratados, de 1969,


tratado internacional é "um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido
pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais
instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica" (Art. 2, a).

No Brasil, o ato internacional necessita, para a sua conclusão, da colaboração


dos Poderes Executivo e Legislativo. Segundo a vigente Constituição brasileira, celebrar
tratados, convenções e atos internacionais é competência privativa do Presidente da
República (art. 84, inciso VIII), embora estejam sujeitos ao referendo do Congresso
Nacional, a quem cabe, ademais, resolver definitivamente sobre tratados, acordos e atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional
(art. 49, inciso I). Portanto, embora o Presidente da República seja o titular da dinâmica das
relações internacionais, cabendo-lhe decidir tanto sobre a conveniência de iniciar
negociações, como a de ratificar o ato internacional já concluído, a interveniência do Poder
Legislativo, sob a forma de aprovação congressual, é, via de regra, necessária.

A tradição constitucional brasileira não concede o direito de concluir tratados


aos Estados-membros da Federação. Nessa linha, a atual Constituição diz competir à União,
"manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais" (art.
21, inciso I). Por tal razão, qualquer acordo que um estado federado ou município deseje
concluir com Estado estrangeiro, ou unidade dos mesmos que possua poder de concluir
tratados, deverá ser feito pela União, com a intermediação do Ministério das Relações
Exteriores, decorrente de sua própria competência legal.

Cabe registrar, finalmente, que na prática de muitos Estados vicejou, por várias
razões, o costume de concluir certos tratados sem aprovação legislativa. Eles passaram a ser
conhecidos como acordos em forma simplificada ou acordos do Executivo. As Constituições
brasileiras, inclusive a vigente, desconhecem tal expediente.

2-FORMATO DOS ATOS INTERNACIONAIS

Por serem os tratados, as convenções, os acordos e os ajustes complementares


documentos formais, por escrito e com teor definido, eles obedecem, tradicionalmente, o
seguinte padrão:

1. Títulos: indica o tema a ser acordado

2. Preâmbulo: indica as Partes Contratantes, ou seja, os Governos ou as


Organizações Internacionais.

3. Consideranda: indica a motivação que leva à celebração do ato internacional.


Em se tratando de acordo complementar, o acordo básico deve ser aqui
mencionado.

4. Articulado: indica a parte principal, na qual se acham registradas, sob forma


de artigos numerados as cláusulas operativas do instrumento firmado.

137
5. Fecho: especifica o local, a data da celebração do ato, o idioma em que se acha
redigido e o número de exemplares originais. Tratando-se de idiomas menos
usuais, a prática brasileira tem sido a de negociar um terceiro texto, em inglês,
francês ou espanhol, para dirimir futuras dúvidas de interpretação.

6. Assinatura: pelo Presidente da República, pelo Ministro de Estado das


Relações Exteriores ou por outra autoridade, desde que munida de plenos
poderes específicos.

7. Para evitar questões de precedência na assinatura dos atos internacionais


bilaterais, adota-se o sistema de inversões ou alternâncias, que consiste em cada
Parte ocupar o primeiro lugar no exemplar que ficará em seu poder. Os atos
multilaterais seguem, habitualmente, a ordem alfabética dos nomes dos países,
que se altera em função do idioma em que está redigido.

8. Selo de lacre com as armas das Partes Contratantes.

3-ATOS MULTILATERAIS

Os tratados e as convenções multilaterais, quando negociados sob a égide de


uma organização internacional, seguem princípios por ela estabelecidos, em geral,
semelhantes aos atos bilaterais. Normalmente, são específicos quanto à entrada em vigor, o
processo de ratificação ou adesão e estabelecem referências ao depositário e à possibilidade
de se efetuarem reservas.

4-ATOS CONSTITUTIVOS

As organizações internacionais são fundadas mediante a celebração de um


tratado, que pode receber denominações diversas. Pode ser uma "Carta", como a Carta das
Nações Unidas ou a Carta dos Estados Americanos; pode ainda denominar-se
"Constituição", "Convenção", "Ata", "Acordo", "Ato" ou "Convênio" constitutivo ou
"Acordo de Criação". A denominação mais usual tem sido "Convênio Constitutivo". Esses
tratados podem também vir acompanhados dos Estatutos da organização que eles criam, os
quais são, igualmente, um ato internacional.

Os tratados fundacionais ou estatutários seguem a mesma tramitação dos demais


tratados, sendo obrigatória sua aprovação pelo Congresso Nacional. As organizações assim
constituídas, são expressão soberana da vontade dos Estados contratantes e são, por esta
razão, entidades de Direito Internacionais Público. A organização é, em geral, depositária do
tratado que a constituiu. Há, entretanto, casos em que um governo é seu depositário, a
exemplo do Acordo de Criação da Associação dos Países Produtores de Café, cujo
depositário é o Governo brasileiro.

Fonte: http://dai-mre.serpro.gov.br/apresentacao/o-que-sao-atos-internacionais/

DAI - Divisão de Atos Internacionais


Ministério das Relações Exteriores - Esplanada dos Ministérios - Sala 421
70170-900 - Brasília - DF
Telefones: (061) 2030-8672 - FAX: (061) 2030-6905
dai@itamaraty.gov.br

138
Soluções de conflitos
I - Controvérsias Internacionais: Soluções Pacíficas e Coercitivas

Diego Vikboldt Ferreira, Marcelo Zepka Baumgarten

Resumo: O presente estudo busca expor as principais modificações dos relacionamentos


entre os entes do Direito Internacional Público ao longo da história contemporânea,
enfatizando o período posterior ao fim da segunda guerra mundial. A fim de não repetir as
atrocidades das guerras, e já apontando uma tendência de aproximação entre as nações, a
comunidade internacional constitui um órgão intergovernamental intuindo manter a paz e a
segurança internacionais. Surgem também organismos regionais, estreitando e acelerando
relações de Estados próximos. Com essa maior presteza e complexidade de contato entre as
nações emerge a necessidade de se regular as controvérsias que inevitavelmente eclodirão.
Procura-se, sucintamente, examinar os meios de soluções de controvérsias internacionais
classificados pela doutrina como: diplomático, político e jurisdicional; além de verificar as
fontes de resolução de controvérsias internacionais, os sujeitos do Direito Internacional
Público, o princípio da soberania dos Estados, e os meios coercitivos de resolução de
Controvérsias Internacionais, hoje severamente combatidos pelos princípios gerais que
regem a Carta da Sociedade das Nações, em muitos pontos dando ênfase não só a questão
jurídica, mas, concomitantemente, à situação humanitária, histórica e econômica envolvidas.

Palavras chave: Soberania Estatal, Controvérsias Internacionais, Metajuridicidade. Paz e


Segurança Internacional.

Abstract: A recently study of Relationship between International Public Low and who is
joined in it, try to show up the Contemporary History, emphasize the period subsequent of
second war. In order to, don’t make the same mistake during the wars, and given a proximity
amid nations, the international community establish a new part of Inter-Governmental with
insight to prevent peace and international security. Has appeared as well, regional
institutions, squeezing and increasing the speed of relations between states. With this bigger
promptness and complexity of contact between the nations it emerges the necessity of if
regulating the controversies that inevitably will come out. It is looked to examine the ways
of solutions of international controversies classified by the doctrine as: diplomatist,
jurisdictional politician and; beyond verifying the sources of resolution of international
controversies. the citizens of the Public International law, the beginning of the sovereignty
of the States, and the coercitive ways of resolution of International Controversies, today
severely fought for the general principles that conduct the Letter of the Society of the
Nations. In many points giving emphasis not only the legal question, but concomitantly, to
humanitarian, historical and economic the situation involved in the divergence in thesis and,
the possible effectiveness, together with the judgment of convenience of this or that way
employed - or trying - to clarify and finally the demand.

Key-words: State sovereignty, International controversies, Peace and International Security

Sumário: Introdução; 1. A comunidade Internacional, os Sujeitos do Direito Internacional


Público e o Princípio da Soberania dos Estados; 2. Fontes das Regras de Solução de
Controvérsias entre as Pessoas de Direito Internacional Público; 3. Soluções de
Controvérsias Internacionais através dos Meios Pacíficos; 3.1 Meios Diplomáticos; 3.1.1
Negociações Diplomáticas; 3.1.2 Bons Ofícios; 3.1.3 Mediação; 3.1.4 Sistema de Consultas;
3.1.5 Inquérito; 3.1.6 Conciliação; 3.2 Meios Políticos; 3.2.1 Organização das Nações Unidas;
139
3.2.1.1 Assembléia Geral e Conselho de Segurança; 3.2.1.2 Organização Mundial do
Comércio; 3.2.2 Organizações Regionais de Domínio Político; 3.2.2.1 Organização dos
Estados Americanos; 3.2.2.2 Liga dos Países Árabes; 3.2.3 Mercado Comum do Cone Sul;
3.2.4 União Européia; 3.3 Meios Jurisdicionais; 3.3.1 Arbitragem; 3.3.2 Solução Judicial; 4.
Os Meios Coercitivos de Soluções de Controvérsias Internacionais; 4.1.Retorsão;
4.2.Represálias; 4.3.Embargo; 4.4.Bloqueio Pacífico; 4.5.Boicotagem; 4.5.Rompimento das
Relações Diplomáticas; Conclusão; Bibliografia.

Introdução

A temática a respeito da solução dos litígios internacionais tem sido uma das
mais tradicionais do Direito Internacional, desde a emergência de seus estudos sistemáticos,
e aquela que, na atualidade, mais tem sofrido, com alguma intensidade as notáveis inovações
introduzidas pelas mutações das relações internacionais.

Antes de falar sobre a Solução de Controvérsias, deve-se esclarecer a semântica


da palavra e o porquê de sua utilização. Poderia-se, em algum momento, utilizar termos
próximos, como Litígio ou Conflito, para explicitar esse desacordo sobre certo ponto de
direito ou de fato, pois, à medida que dois ou mais estados abordam o mesmo problema sob
óticas diversas, instaura-se a divergência.

Os termos citados, apesar de tidos como sinônimos perfeitos para o efeito do


Direito Internacional, trazem consigo o inconveniente de concepções formadas pela sua
utilização na Língua Portuguesa. Desse modo, o termo Litígio tende a indicar desacordos
deduzidos ante a uma jurisdição; e, Conflito expressa a ideia de um desacordo sério e
carregado de tensões; tais termos tendem a remeter a oposição somente a uma situação crítica
e parecem abandonar a ideia que o fato pode ser apenas uma oposição de teses jurídicas ou
de interesses entre Estados.

Parte da doutrina, baseada no capítulo VI da Carta das Nações Unidas (Solução


Pacífica de Controvérsias), utiliza a expressão Controvérsia Internacional para definir
conflitos de interesses de qualquer natureza entre dois ou mais Estados; podendo tratar-se
tanto de diferenças de interpretação de normas internacionais vigentes, quanto de situações
factuais, onde, por inexistir uma norma internacional que as regule, emerge a necessidade de
estabelecer-se uma regulamentação, assim como, de conflitos graves, onde se faz necessária
à presença de meios Políticos, Jurisdicionais ou Coercitivos para a resolução de tal lide.

Conforme o afirmado anteriormente, o direito internacional geral não distingue


os termos: conflitos, litígios, disputas, controvérsias, situações; buscando-se na doutrina e na
semântica a melhor expressão para o objeto de estudo deste trabalho, em virtude de uma
ideia de abrangência geral e dos conflitos sem remeter a este ou aquele, preferiu-se utilizar a
expressão Controvérsia Internacional para o estudo de seus meios de resolução pacíficos e
coercitivos.

Torna-se necessário esclarecer o que se considera Internacional, sobretudo


tendo-se presente o inevitável tema da globalização, que, nos dias de hoje, perpassa por todos
os campos das relações internacionais. Qualquer assunto, que na atualidade ultrapasse
fronteiras de um Estado, seja ele de pertinência exclusiva da ação diplomática dos mesmos,
seja da alçada dos particulares, no seu relacionamento com outros particulares postados fora
da jurisdição do próprio Estado, ou em relacionamentos com Estados estrangeiros, devem
ser versados pelo Direito Internacional.

140
Apesar de termos a percepção que o Direito Internacional não mais pode ser
confinado, com rigidez, nas denominações clássicas de Direito Internacional Público
(relacionamentos entre Estados, diretamente ou através de organizações
intergovernamentais) ou o Direito Internacional Privado (relacionamento de indivíduos ou
empresas, onde haja a emergência da questão da aplicabilidade de leis internas de Estados
distintos, concomitantemente incidentes num determinado negócio jurídico). Forçosamente,
adota-se uma classificação de litígios em função das partes envolvidas, tendo em vista que,
apesar do fenômeno da globalização das relações internacionais, ainda existem normas que
se encontram reservadas à regulamentação das relações entre Estados, definidas como
normas de Direito Internacional Público Clássico, e que não podem ser aplicadas a uma
pessoa física ou jurídica de direito interno, às quais aquele direito as mantém desprovido de
personalidade.

Analisando-se sobre tal perspectiva, os Litígios Internacionais podem ser


classificados em controvérsias entre Estados, nas suas relações bilaterais ou multilaterais
(incluindo-se, no último subtipo, as relações entre Estados e organizações
intergovernamentais, e entre elas próprias), que são regidas pelo Direito Internacional
Público; controvérsias entre pessoas físicas ou jurídicas submetidas a sistemas jurídicos
nacionais distintos, e que, na maioria das vezes se resolve pela regra de Direito Internacional
Privado, ou por normas de extração internacional; e controvérsias entre pessoas físicas ou
jurídicas de direito interno dos Estados, de um lado, e de outro, Estados, ou seja, seus órgãos,
entidades a quem o Estado faculta o exercício de prerrogativas do poder público, ou as
pessoas que agem, de fato ou de direito, em nome do Estado.

Aqui, busca-se, especificamente, analisar as controvérsias entre Estados, nas suas


relações bilaterais ou multilaterais. Tanto quanto os indivíduos, os estados, estão sujeitos a
paixões, ao embate de interesses, a divergências mais ou menos sérias, sendo assim, as
controvérsias tornam-se inevitáveis. Contudo, diferentemente da sociedade civil, onde acima
dos cidadãos existe uma autoridade superior, que busca de maneira plena manter a ordem
pública, e onde se exerce a jurisdição de tribunais, que garantem direitos e aplicam sanções
ou reparam ofensas. A Sociedade Internacional ainda não se acha juridicamente organizada
de forma análoga, acima dos Estados não há um órgão superior a que efetivamente
obedeçam. Para dirimir controvérsias entre eles e fazer respeitar os direitos de cada um, não
há uma entidade supranacional controladora.

A prática do Direito Internacional Público e a Carta das Nações remetem a


variadas formas de resolução das demandas, sem que haja uma hierarquia ou obrigatoriedade
de utilização desta ou daquela. Utilizam formas variadas de entendimento, como as
negociações diplomáticas, os bons ofícios, a arbitragem, a mediação; enfim não existe
relevância em distinguir-se o modo de resolução da controvérsia, pode-se até utilizar mais de
um meio para a resolução do problema, apenas busca-se manter a paz e a segurança
internacionais.

A possibilidade da solução judiciária, propriamente dita, vem através da Corte


Internacional de Justiça, órgão da Organização das Nações Unidas, e para tanto, se torna
necessária adesão ao referido tribunal, assim, somente após tal feito os estados parte estariam
a ela sujeitos e compromissados, tendo em caso de descumprimento da sentença originado
um ilícito internacional.

Esgotados os meios de solução pacífica da controvérsia, os Estados acabam


recorrendo aos meios coercitivos. Porém, não de maneira arbitrária, sempre devem estar

141
alicerçados nas resoluções do órgão internacional ao qual está sujeita a discrepância. Segundo,
o artigo 39, constante no capítulo VII da Carta das Nações, se o Conselho de Segurança
determinar que há qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, fará
recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas, a fim de manter ou
restabelecer a paz e a segurança internacionais, buscando evitar, de todos os modos, o
emprego de força militar e os flagelos da guerra.

1 - A Comunidade Internacional, os Sujeitos do Direito Internacional Público e o


Princípio da Soberania dos Estados

Tarefa bastante simples parece-nos definir uma sociedade circunscrita em um


território, dentro de um Estado, com seus cidadãos, como a sociedade brasileira, argentina,
polonesa, ou muitas outras sociedades do globo. Tratam-se de sociedades específicas, cada
qual com suas peculiaridades históricas, sociais, econômicas, e, que, a partir delas acomodam
e organizam o comportamento dos indivíduos, seus componentes e desenvolvem uma
consciência de grupo, um sentimento de unidade. Esse processo requer uma divisão de
atividades, muitas vezes é inconsistente, dando-se por métodos de tentativas e erros, até que
em algum momento se encontre o sistema mais adequado para esta ou aquela nação.

Através de seu sistema de governo e de seu sistema jurisdicional cada Estado,


como autoridade superior aos seus cidadãos, deve buscar manter a ordem pública,
proporcionando paz e condições dignas aos seus populares. Pelo entendimento do iluminista
francês Jean Jacques Rosseau, em sua obra O Contrato Social:

“A liberdade individual só existe com a liberdade coletiva, ou seja, sem a


existência de uma convenção, construída pelos indivíduos para estabelecer os seus direitos,
estes não existiriam e uns poderiam se apoderar dos outros[1].“

O Estado deve possuir uma organização institucional e demonstrar uma


obrigatoriedade dos laços que envolvem os indivíduos, arrimada em normas de Direito,
hierarquizadas, de estrutura rígida; desse modo superando arbitrariedades, o ser humano se
submete a uma lei erguida por ele acima de si mesmo. Abandona o estado de natureza, de
Hobbes e Rousseau, colocando-se abaixo do poder do Estado, que organiza a sociedade e
regula as relações entre seus súditos, e entre eles e o próprio Estado.

Nesse modo de organização contemporâneo, em que o indivíduo abdica de seu


estado de natureza, da liberdade total, em razão da tutela jurisdicional do Estado, as
liberalidades são controladas pelo ente superior, porém não tolhidas completamente.

Os cidadãos do Brasil, por exemplo, mantêm sua parcela de independência e


submissão estatal, e as restrições dessas, pelo que se convencionou ao longo da história, e
das Constituições, através dos poderes legislativo e executivo; tendo eventuais discrepâncias
evoluído para serem dirimidas pelo Poder Judiciário.

Opera-se a democracia expressando a representatividade e liberdade individual


quando, através de eleições, os cidadãos da nação conforme seu arbítrio e juízo de
convencionalidade exclusiva e social escolhem seus representantes para a busca dos
interesses suscitados em campanha pelo então candidato proponente. Desse modo, e,
mantendo a vigilância coletiva acerca dos feitos de seus representantes, o cidadão, sujeito de
direito interno, atua de modo decisivo no processo democrático, através do voto neste ou
naquele candidato, que, quando eleito, buscará na sua esfera funcional cumprir os desígnios

142
de sua campanha, defendendo os interesses da nação, especificamente, àqueles para os quais
foi eleito. Chegando indiretamente ao objetivo de, por meio do voto, o cidadão bem
informado expor suas expectativas legislativas e executivas, através do representante que
mais lhe aprouver, de modo que consciência social e a liberdade individual figurarem
diretamente na democracia.

Assim, o Estado apresenta-se como uma entidade constituída pela comunidade


nacional que lhe delegou poderes, e jurisdição, sendo imprescindível que os seus atos
traduzam as aspirações, valores e princípios eleitos pela comunidade nacional que o
constituiu.

Já, o juízo de uma sociedade internacional importa um certo esforço de


abstração. Atualmente, muitos anseios e preocupações humanas constituem pontos comuns
a diversas áreas do planeta.

Há, uma prática reiterada de iguais hábitos e padrões de comportamento, que


tendem a tornar o ser humano cada vez mais parecido. O grande desenvolvimento das
comunicações, a constante e instantânea troca de conhecimento faz com que os habitantes
da Terra aproximem-se, mesmo que não territorialmente, apesar da facilidade e agilidade de
locomoção cada vez mais aprimorada, mas intelectual e conceitualmente. Como afirma
Husek:

“O homem não vive mais isolado, e isso já faz alguns séculos. Entretanto, a
interdependência, principalmente econômica e política intensificou-se a partir da II Guerra
Mundial, com a formação de blocos de influência: de um lado os países liderados pelos
Estados Unidos, e, de outro, aqueles liderados pela União Soviética[2].”

O mundo está organizado em Estados e estes se organizando dentro de


organizações maiores, como a Organização das Nações e a Comunidade Européia. Segundo
a concepção clássica, a sociedade internacional seria formada pelos Estados e pelas
organizações internacionais. Até pouco tempo, para diversos autores esses seriam,
exclusivamente, os sujeitos do Direito Internacional, pois inexistem dúvidas quanto ao seu
papel no mundo, com a comprovação tácita e histórica de sua participação em vários eventos.

Mesmo hoje, qualquer classificação que não os inclua no rol de sujeitos deste
ramo do direito pecará pela base, pois, basicamente, em torno do Estado e das Organizações
Internacionais giram as diversas concepções sobre Direito Internacional Público. Em
contrapartida, atualmente, parte isolada da doutrina, inclui nesse rol de sujeitos de Direito
Internacional, os homens como seres individuais, titulares de direitos fundamentais inerentes
ao ser humano e de deveres, como o de preservação do meio ambiente; e as grandes empresas
transacionais, pelo seu grande poder de barganha que os empregos gerados e o capital
envolvido representam, não somente nos países como nos mercados internacionais.

As pessoas internacionais são os entes destinatários das normas de Direito


Internacional, tendo atuação e competência delimitadas por estas. Essa existência comprova
a própria vida internacional e as regras que a animam. Porque pessoa é uma criação jurídica
possível quando se considera dada ordem normativa, ainda que não tenha tal ordem, no caso
internacional, os mesmos caracteres das ordens internas.

Diferentemente, da sociedade interna, a sociedade internacional não tem,


originalmente, laços obrigatórios que envolvam seus membros. A sua constituição de

143
poderes é feita de maneira distinta, segundo Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do
Nascimento e Silva:

“Acima dos Estados não há um Órgão supremo a que obedeçam, e, para dirimir
controvérsias entre eles e fazer respeitar os direitos de cada um, não existe uma
organização judiciária, com jurisdição obrigatória[3].”

É uma sociedade descentralizada, onde predomina o princípio do


desdobramento funcional, com os Estados emprestando seus órgãos para que o Direito se
realize. A adesão à jurisdição não é obrigatória, não há um ente supranacional ou
hierarquicamente superior aos estados. No estatuto da Corte Internacional de Justiça, por
exemplo, existe a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, onde o Estado pode ser
membro das Nações Unidas e parte no Estatuto, porém, se preferir, não precisa aceitar a
jurisdição obrigatória. Se aceitá-la, sempre que demandada, a nação signatária terá a mesma
posição que tem os indivíduos em relação aos tribunais do país em que se encontram, não
sendo questionada sobre o aceite ou não da jurisdição na qual ela é parte ré em uma demanda.

A jurisdição obrigatória incondicionada viria a ferir o princípio da soberania dos


estados, pois obstruiria a possibilidade das nações resolverem a controvérsia do modo que
lhes fosse mais adequado, segundo Rezek:

“Nos debates preparatórios do Estatuto da Corte, ao romper da década de vinte,


ficou claro que havia numerosas resistências à ideia de um órgão de jurisdição cronicamente
obrigatória para todos os Estados. A cláusula, nesse contexto, foi imaginada pelo
representante do Brasil, Raul Fernandes, e resultou disciplinada pelo art. 36 do Estatuto[4].”

No artigo 2.1. da Carta das Nações, fica exposto o princípio da igualdade


soberana de todos os estados membros da Organização das Nações Unidas, transcreve-se
“Artigo 2.1. A Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros[5]”.

Percebe-se que ao constituir a Organização das Nações Unidas, a comunidade


internacional, ainda, sob o impacto dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial,
procurou estabelecer mecanismos políticos e jurídicos para evitar, ou, pelo menos, minimizar
controvérsias internacionais que pudessem desencadear novos conflitos, nas dimensões
então assistidas. Daí exortou o emprego de meios pacíficos de solução de litígios, em seu
artigo 2.3 “Todos os membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo
que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais [6]”. Atribuindo ao mesmo
tempo, o Conselho de Segurança de poderes para identificar situações e controvérsias as
quais pudessem por em risco a paz e a segurança internacionais.

Segundo o artigo 2.7. da Carta das Nações:

“Artigo 2.7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas


a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer
Estado ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da
presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas
constantes no Capítulo VII.”

Porém, o dispositivo não especifica quais sejam esses assuntos. Mesmo porque,
diante do caráter dinâmico das relações internacionais, um assunto que, em certo momento,
depende essencialmente da jurisdição de um Estado, no momento seguinte pode interessar

144
à comunidade internacional como um todo, exemplo disso é o que ocorre, atualmente, com
os direitos fundamentais do ser humano e o meio ambiente.

Conforme o ensinado e citado por Husek, anteriormente, tratando-se de


relações internacionais o cenário no pós-guerra mostrou-se mais dinâmico, com o
desenvolvimento da tecnologia de comunicações e dos meios de transporte, fazendo com
que o que era local, pudesse e assumisse contornos internacionais, diante de repercussões
anteriormente desconhecidas.

O ente estatal deixa de figurar apenas como a entidade organizadora da


comunidade nacional, passando a intervir na economia, a participar ativamente do comércio
internacional, a atuar como agente de desenvolvimento nacional e regional, nos processos de
integração econômica e política, e, dessa forma, assumiu feições antes desconhecidas. A
interação das economias tornou o estado dependente do processo econômico e tecnológico
internacional, afrouxando-lhe o sentido tradicional de soberania.

Nesta mesma lógica, a preocupação em evitar a repetição das atrocidades


cometidas na Segunda Guerra Mundial, fez com que a renascente comunidade internacional
aprovasse tratados, convenções, resoluções e declarações internacionais de diversos tipos e
sob diversas formas, idealizando o respeito aos direitos fundamentais do homem e a
preocupação com a sobrevivência da humanidade. A partir desse momento fica estabelecida
a posição privilegiada do homem e da humanidade como um todo frente à comunidade
internacional.

O Estado é a entidade constituída pela comunidade nacional que lhe delegou


poderes, e, assim jurisdição, sendo imprescindível que os seus atos traduzam as aspirações,
valores e princípios eleitos pela comunidade nacional que o constituiu. Ao integrar a
comunidade internacional, pode haver conflitos e disparidades entre ambas, impondo-se o
emprego de meios de solução de controvérsias que as eliminem, em prol dos interesses
maiores da comunidade internacional que se conciliem com os da humanidade, como um
todo. O artigo 2.7 da Carta da ONU - conforme transposto anteriormente - veda quaisquer
interferências internacionais em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna
dos Estados. Ao colocar-se nesta situação a comunidade internacional organizada, se põe
sem autorização para impor normas de direito a serem observadas na esfera interna dos
Estados, porém, deixando ao desenvolvimento das relações internacionais a definição das
matérias que ficariam restritas à jurisdição doméstica. Esse desenvolvimento depende do
comportamento dos Estados e da atenção que vierem a dar matérias que extravasam o
âmbito interno, diante da repercussão maior que passarem a ter na comunidade internacional.

Assim, embora a ONU não disponha de uma jurisdição supranacional, suas


deliberações, sejam do Conselho de Segurança, ou da Assembléia Geral, condicionam o
comportamento dos Estados, mesmo na esfera interna, não por emanarem de autoridade
instituída com tal poder formal, mas por expressarem valores e princípios da comunidade
internacional que o Estado sente-se compelido a acatar. Não o fazendo, estará sujeito a
sanções impostas pela comunidade internacional organizada, ou, por outros Estados,
individualmente. Tais sanções apresentam-se como meios coercitivos para o acatamento da
posição pelo Estado, podem consistir em represálias não armadas, boicote e retaliações, ou
alguma outra medida alicerçada na situação.

145
Quanto a concepção absolutista da soberania, ensina Husek: “A soberania é o poder
absoluto. Considerada sob esse aspecto, a sociedade internacional estaria fadada a não dar certo, porque cada
Estado apenas consideraria como certas as suas ações[7]”.

E, descartando a doutrina tradicional acerca da soberania, relata o mesmo autor:

“(...) fala-se em soberania do estado, em soberania relativa ou independência, na


órbita internacional, e com base nesta mesma realidade (internacional) fala-se em
interdependência, quando se focaliza principalmente o aspecto econômico.

Assim, não seria absurdo considerar que um Estado soberano tem soberania
relativa ou independência na vida internacional e é para determinados fins
interdependente[8].”

Nesse sentido, jurisdição do estado está condicionada à observância de


princípios internacionalmente acolhidos, como os que proíbem o trabalho escravo, o
genocídio e a tortura, objeto de convenções como a Convenção sobre Prevenção e punição
de Genocídio[9], de 9 de dezembro de 1948; Convenção sobre Escravidão, de 25 de
setembro de 1927, emendada pelo Protocolo de 1953, Convenção Suplementar sobre
Abolição da Escravidão, Tráfico de Escravos e Práticas Similares, de 7 de setembro de 1956;
Convenção sobre Tortura[10], de 10 de dezembro de 1984; Convenção sobre Seqüestros[11].

O poder jurisdicional do Estado lhe permite editar normas de direito nacional e


internacional, isoladamente, até mesmo por atos unilaterais, com efeitos internacionais,
sendo limitado pela competência estabelecida por princípios gerais do Direito Internacional
a que o Estado está adstrito a observar. O Estado regula, dentro de sua esfera territorial, atos
e relações que podem ter efeitos internacionais. É o caso da nacionalidade, onde o Estado
dispõe através de seus critérios quem são seus nacionais, e quais os direitos e deveres a que
estão sujeitos. As normas sobre nacionalidade são de direito interno, unilaterais, com efeitos
internacionais, interferindo com poderes de outros Estados. No caso dos Decretos sobre
Nacionalidade da Tunísia e do Marrocos, a então Corte Permanente da Justiça Internacional
demonstrou que certas matérias, mesmo que tenham repercussão internacional, não são
reguladas pelo direito internacional, mas pelo direito nacional.

Embora o Estado possua jurisdição para declarar o Direito, os princípios


acolhidos pela comunidade internacional são a ele superiores, limitando-lhe o poder de
legislar. Ao decidir sobre quaisquer matérias de repercussão internacional, ainda que restrita
ao seu âmbito interno, ele não pode ignorar tais princípios e valores, sob pena de ficar sujeito
a medidas de coerção que lhe venham a ser impostas por outros Estados, ou pela comunidade
internacional organizada.

Porém, o mesmo não pode ignorar os princípios e valores da comunidade


nacional que o organizou. São os cidadãos que outorgam ao Estado autoridade para declarar
e tornar efetivo o Direito nas órbitas interna e internacional. A autoridade do Estado é
sempre delegada, não originária, pois a Constituição nada mais é senão o instrumento que
lhe confere essa autoridade – a jurisdição, como poder de declarar o Direito – em nome da
comunidade, que a possui originariamente. Circunstância exposta de maneira bem evidente
no Parágrafo único do art. 1° da Constituição Federal brasileira de 1988. “Parágrafo único. Todo
o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”. É o povo que tem jurisdição originária, a autoridade estatal – executiva,
legislativa ou judiciária – exerce jurisdição delegada.

146
Essa delegação de poderes, contudo, não é absoluta, tendo a comunidade
estabelecido restrições e limitações, reservando para si a autoridade exclusiva de decidir sobre
certas matérias como: a) o impedimento de deliberar sobre qualquer proposta tendente a
abolir a forma federativa do Estado; b) o voto direto, secreto, universal e periódico; c) a
separação dos poderes; d) os direitos e garantias individuais. Somente nova Assembléia
Nacional Constituinte poderia vir a modificar as cláusulas pétreas. Essa limitação de poderes
imposta na Constituição faz salientar seguramente a jurisdição originária de que está investida
a nação, o povo, e o caráter delegado da jurisdição outorgada aos órgãos do governo.

O direito internacional é fruto da jurisdição internacional dos Estados e cuja


efetividade repousa, também nesses como indivíduos que compõe essa comunidade. Sendo
a ordem internacional organizada horizontalmente, diferentemente da ordem interna, que é
vertical, cada Estado, como integrante da comunidade internacional, é também autoridade
de Direito Internacional. Onde os próprios Estados exercem a jurisdição, formando o
complexo Direito Internacional. Através dos costumes internacionais e principalmente pela
participação efetiva das nações nos Tratados, fica ilustrada a participação originária dos
referidos como principais formadores do Direito Internacional Público.

No momento em que as aspirações e valores de uma comunidade nacional


contrastam com as aspirações e valores da comunidade internacional, pode surgir conflito
que tende a ser resolvido pela persuasão pacífica ou pela força. O contraste entre
comunidades nacionais e a internacional é freqüente e decorre, fundamentalmente, do
processo dinâmico da vida comunitária e das necessidades e objetivos momentâneos ou
permanentes que as perpassam, requerendo ajustes e tolerância recíproca. Como exemplo,
a Convenção do Mar[12], aprovada em Montego Bay, que reviu costumes antigos
relacionados à exploração dos recursos marinhos, que não eram mais compatíveis com a
realidade atual. Se Brasil, Chile, Peru e outros países tomaram a iniciativa de rever, por atos
unilaterais, costume internacional, fizeram-no fundados na autoridade de direito
internacional de que são dotados, buscando atender aspirações de suas comunidades
nacionais coincidentes com os da comunidade internacional. Na citada convenção, entre
outros feitos entendeu-se a extensão do Mar Territorial de três para duzentas milhas
marítimas, a fim de buscar a proteção da flora e fauna marítimas ameaçadas pela exploração
predatória.

Quando um Estado pratica um ilícito internacional, compete às organizações


internacionais competentes e aos demais Estados atuar, singular e coletivamente, para fazer
cessar a ilicitude ou para impor a sanção adequada. Como, na maioria das vezes (excetuando-
se casos como o da Comunidade Européia onde há um tribunal supranacional), não há órgão
centralizador que exerça o poder delegado da comunidade internacional, a exemplo do
Estado na órbita interna, cada país, em sua condição de autoridade de direito internacional,
tem autoridade para dar eficácia à norma violada.

As preocupações com meio ambiente, super população, caráter econômico,


social, cultural e humanitário, como expresso dentre os propósitos da carta da ONU, tendem
a guiar e estimular esforços de cooperação internacional entre os povos. O fenômeno da
globalização é fruto, também desse quadro, em que fatores de caráter econômico, cultural e
ideológico-religiosos, foram acendrados pelo triunfo do sistema capitalista de produção
sobre o da economia planificada do regime comunista.

Com o aparecimento da estratégia de produção e de distribuição que


caracterizou a empresa multinacional, houve uma preocupação por parte dos Estados acerca

147
de sua antiga soberania, e que provocou a instalação de uma Comissão das Empresas
Transnacionais, pela Assembléia Geral da ONU; um sintoma das tendências que a
comunidade internacional acabou por solidificar e tornar realidade, sendo ampliada após a
queda do muro de Berlim. Essa evolução desaguou no processo de globalização da
economia, com reflexo na organização da jurisdição dos Estados, submetidos a fatores que
não podem, individualmente, controlar mesmo em sua base territorial.

A globalização advém da vitória do neoliberalismo sobre a economia planificada,


com a conseqüente abertura dos mercados nacionais, propiciando intenso movimento de
capitais, produtos e de mão-de-obra.

Nesse sentido, em sua teoria do desenvolvimento, David Ricardo[13] defende


que apesar dos recursos dos países já estarem plenamente empregados, a entrada do país no
comércio exterior permitiria uma alocação mais eficiente dos recursos, duplamente
importante para o desenvolvimento econômico: a) ampliando mercados para produtos
industrializados, sob a premissa de rendimentos crescentes de escala; b) evitando a queda da
taxa de lucro, através da importação de alguns produtos agrícolas, pois, desta forma não seria
necessário alocar terras menos férteis para a produção de alimentos.

Se o mundo virou uma aldeia global, os contrastes típicos de aldeias surgem em


grande número, salientando diversidades regionais e antagonismos próprios de pequenas
comunidades.

As questões étnico-religiosas, e os conflitos como o movimento revolucionário


dos bascos, na Espanha e o da Irlanda do Norte, podem ser mencionados como exemplos.
O protecionismo, teoricamente abolido, tomou novas formas, travestido de imposição de
regulamentos nacionais ou de aplicação de normas sobre dumping[14], como forma de
desconfigurar o ilícito da barreira tarifária, combatido pela OMC, impedindo o ingresso de
produtos estrangeiros de melhor qualidade e preço.

O fruto da liberalização da economia mundial tornou o Estado ainda mais


dependente das forças econômicas internacionais, com maior interdependência entre as
economias nacional e internacional. Essa integração tende a provocar a harmonização de
sistemas jurídicos e dos valores e princípios eleitos pela comunidade nacional com os valores
e princípios que governam a comunidade internacional como um todo, a despeito de suas
divisões em Estados.

Porém, um grupo de países mais desenvolvidos (Estados Unidos, Alemanha,


Canadá, França, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia), tende a dar ênfase a aspectos
particulares das aspirações da comunidade internacional, coincidentes com os seus próprios
anseios, ou com interesses momentâneos, relegando interesses de comunidades menos
desenvolvidas a plano secundário, dessa forma tornando inviável um desenvolvimento
homogêneo e contrariando os propósitos das nações Unidas, em especial a primeira parte do
artigo 1.3 da Carta das Nações, que transcreve-se:

“Artigo 1.3 Os propósitos das nações Unidas são: Conseguir uma cooperação
internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural
ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;”

148
Esse conjunto de fatores serve para demonstrar similitudes e disparidades numa
análise comparativa entre o indivíduo e o Estado, e entre a sociedade interna e a sociedade
internacional. Se, por um lado o indivíduo é sujeito de direitos e deveres, enquanto
encontrado sob a tutela jurisdicional do Estado na sociedade interna, sendo vinculado àquela
jurisdição e devendo conviver, conforme sua vontade, harmonicamente com os outros
cidadãos, adimplindo dessa forma a base de suas obrigações preceituadas na carta magna; de
outro, a nação soberana está inserida em uma comunidade internacional horizontal, onde,
apesar de não existir uma jurisdição obrigatória, em patamares supranacionais com eficácia
obrigatória originária, existe uma força obrigatória baseada em tratados e costumes, oriunda
dos anseios e orientações dessa própria comunidade internacional, que abrange todo o
planeta.

Percebe-se que, muitas vezes, prevalecem às influências políticas e econômicas


das nações mais abastadas, em questões que envolvem intervencionismo ou relações
comerciais entre estados ou com grandes empresas transnacionais, pois, seu poder de
barganha pela geração de empregos e capital envolvidos, é imposto de modo semelhante ao
que acontece na ordem interna dos países.

Contudo, a comunidade internacional, principalmente através da ONU e de seus


entes filiados tem relevante papel na observância e alerta aos povos, transpondo os limites
da soberania dos Estados, em prol de interesses do ser humano como espécie, combatendo
genocídio, preocupando-se com o meio ambiente e direitos fundamentais do ser humano,
conforme afirmou Rosseau, em seu Contrato Social: “Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade
de homem[15]”, analogamente a liberdade dos homens e dos Estados não deve chegar o seu
estado de natureza, tendo-se um princípio de razoabilidade constante na organização social
média do ser humano, preocupado não só com a questão econômica, mas também com a
conservação digna da espécie e do meio ambiente.

2 - Fontes das Regras de Solução de Controvérsias entre as Pessoas de Direito


Internacional Público;

Depois da segunda metade da década de quarenta, com o fim da Segunda Guerra


Mundial, e, com a criação da ONU, as principais fontes de regras sobre soluções de
Controvérsias Direito Internacional Público foram arroladas no artigo 38, do Estatuto da
Corte Internacional de Justiça (CIJ)[16], principal órgão judiciário daquela organização, o
qual transcreve-se, juntamente com o artigo 59:

“Artigo 38

1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as


controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam


regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo
o direito;

c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;

149
d) sob ressalva do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais
qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das
regras de direito.

2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte decidir uma


questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem.

Artigo. 59

A decisão da Corte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do


caso em questão.”

Essa lista constante no artigo 38 não é rigorosa – não sendo exclusivamente essas
as únicas fontes vigentes de resolução de controvérsias internacionais - apresenta um rol não
exaustivo, mas prioritariamente ordenado, de meios que a Corte utilizará na apuração dos
feitos. Tendo, no sub-ítem “d” alocado a doutrina e a jurisprudência, oriunda das decisões
judiciárias, que segundo Rezek “não são formas de expressão do direito, mas instrumentos úteis ao seu
correto entendimento e aplicação[17]”. E no inciso 2 versado sobre a equidade “um critério a nortear
o julgador ante a insuficiência do direito ou a flagrância de sua imprestabilidade para o justo deslinde do caso
concreto”[18].

As convenções ou tratados denominação mais usual e abrangente, segundo a


doutrina prevalecente no Direito Internacional contemporâneo, e, tratada no sub-item a, tem
sido celebradas desde o surgimento do Estado moderno, inicialmente, na forma de tratativas
bilaterais, e a partir da segunda metade do século XIX, na forma também de tratados
multilaterais, tendo as formalidades a eles referentes, quanto à sua elaboração, celebração,
ratificação e término, sido regidas, por muito tempo, por uma série de regras costumeiras
que marcaram o direito internacional clássico.

Expressando uma maior importância acerca dos tratados, em detrimento do


costume internacional, a Comissão de Direito Internacional (CDI), órgão da ONU, em sua
primeira sessão em 1949, decidiu incluir o tema do direito dos tratados no elenco de matérias
do direito internacional a serem codificadas. Embora tenham começado a partir dessa data
os trabalhos relativos à codificação, somente nas primaveras de 1968 e 1969 realizaram-se as
conferências que culminariam na Convenção de Viena de 1969, que entraria em vigor
internacionalmente em 27 de janeiro de 1980. Tendo a referida convenção excluído de seu
âmbito de aplicação os instrumentos firmados entre Estados e organizações internacionais e
entre essas, a CDI prosseguiu em seus trabalhos de codificação, apresentando em 1982 seu
projeto de artigos incluindo também as organizações internacionais. Como ocorrera
anteriormente, a Assembléia Geral da ONU convocou uma conferência internacional, que
se realizou na primavera de 1986, ainda na cidade de Viena, firmando a Convenção de Viena
de 1986, que, entretanto, até o momento não entrou em vigor na esfera internacional.

O Brasil, assim como outros países, apesar de ter assinado ambas as convenções,
ainda não ratificou nenhuma delas.

As referidas convenções constituem um importante marco no desenvolvimento


do direito internacional, uma vez que estabelecem as principais regras concernentes a
tratados internacionais, instrumentos indispensáveis para o bom andamento das relações
entre os sujeitos do DIP, prevendo mecanismos de solução de controvérsias, pois é cogente
o surgimento de litígios entre as partes.

150
A crítica a elas surge por não terem abordado assuntos de grande relevância,
como por exemplo, os efeitos da guerra sobre os tratados e a responsabilidade internacional
de Estados e organizações internacionais pelo inadimplemento de suas obrigações
convencionais.

Também no artigo 33 da Carta da ONU, estão expostos os principais meios


pacíficos de soluções de litígios, resumindo normas escritas esparsas em outros diplomas
internacionais, numa tentativa de escrever usos e costumes há muito vigentes entre os
Estados, transcreve-se:

“Artigo 33

1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz
e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução
por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial,
recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à
sua escolha.

2. O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas


partes a resolver, por tais meios, suas controvérsias.”

Na realidade, os mecanismos de soluções pacíficas de controvérsias


internacionais, na maioria das vezes, principalmente nas relações internacionais reguladas por
atos internacionais formais – como tratados e convenções multilaterais – encontram-se
previstos e constam de cláusulas especiais, denominadas “cláusulas de soluções pacíficas de
controvérsias”. No entanto, também existem alguns tratados que estabelecem, de maneira
generalizada, sistemas de soluções de controvérsias entre Estados, para quaisquer assuntos e
quaisquer situações, e que por serem mecanismos por demais abstratos, acabaram por ter
sido invocados em raríssimos casos[19]. Porém, mesmo os Estados parte prescindindo as
cláusulas daquelas soluções, de modo algum poderiam tornar legítimas quaisquer outras
formas de soluções de controvérsias que não fossem pacíficas. As medidas coercitivas
previstas no capítulo VII da Carta da ONU não são de competência dos Estados parte, sendo
utilizadas apenas como sanção, nos casos mais extremos, e imposta pela organização
internacional.

Somente no caso dos tratados que instituem organizações regionais de


integração econômica, do tipo Mercado Comum, como nos Tratados Fundação da União
Européia (Paris, 1951 e Roma, 1957), bem como, naqueles que os modificaram e que,
constituem o direito primitivo, pode haver uma ausência propositada das cláusulas de
soluções pacíficas de controvérsias em tratados multilaterais[20]. Nesses casos, são
instituídos tribunais judiciários internacionais, com competência específica de resolver
conflitos entre os Estados, na interpretação ou aplicação de qualquer norma constante, tanto
do direito primitivo, quanto daquele elaborado pelos órgãos das respectivas organizações
internacionais. No caso de tratados multilaterais que instituem outros tipos de organizações
regionais de integração econômica, a constância de cláusulas de soluções de controvérsias
são a regra, conforme se pode perceber no tratado de instituição do Mercosul.

Nos tratados internacionais que não sejam de integração econômica, os tipos de


cláusulas de soluções pacíficas de controvérsias entre Estados são das mais variadas.
Contudo, todas visam a negociação direta e, se as partes não conseguirem resolver o litígio,
são previstos outros meios, como a cláusula arbitral, por exemplo.

151
A evolução mais consistente do Direito Internacional começou, como já
exposto, com o fim das grandes guerras mundiais. A partir de então surge a presença de
novos atores na cena internacional, as organizações internacionais, com seus órgãos
colegiados e unipessoais, e a emergência de novos foros de negociações e de novas regras
para a conduta diplomática dos Estados, trata-se da chamada Diplomacia Multilateral.
Modalidade apresentada de duas maneiras distintas: a) não institucionalizada, na forma de
congressos e conferências internacionais, que eram reuniões solenes e esporádicas, nos
séculos anteriores, e que se tornam corriqueiras – pelas facilidades de comunicações diretas
entre os Estados, e pelas possibilidades de reuniões de delegados dos Estados, em reuniões
mais freqüentes; e b) institucionalizada, com regras muito precisas, tal como se pratica no
seio de organizações intergovernamentais permanentes, ou segundo procedimentos
estabelecidos em tratados e convenções internacionais, que instituem reuniões periódicas,
em algo semelhante àquelas levadas a cabo naquelas organizações.

A modalidade de diplomacia multilateral institucionalizada mereceu, por parte


da doutrina, a qualificação de diplomacia parlamentar, pela clara semelhança com a
tradicional atividade dos Parlamentos Nacionais, onde a função de fazer direito se encontra
regulada por normas anteriores aos procedimentos legislativos, em particular, no que respeita
a direito de voz e voto, a quorum de reunião e de deliberação, e a outros procedimentos
decisórios – como o estabelecimento de pautas de assuntos a serem discutidos, como por
exemplo, tem-se as reuniões da AG da ONU, onde, segundo Seitenfus:

“Todos os Estados-Membros, com direito a um voto, estão representados na


Assembléia Geral, órgão central, pleno e totalmente democrático das Nações Unidas. O
princípio fundacional da perfeita igualdade jurídica entre os Estados constitui sua pedra de
toque. Portanto, a disparidade demográfica ou a eqüidade cultural não conseguem afastar a
AG do dogma igualitarista. (...) A AG reúne-se anualmente de forma regular, mas pode ser
convocada (...) A assembléia ordinária inicia seus trabalhos invariavelmente na terceira terça-
feira do mês de setembro e estende-se até o final do ano. É praxe que suas primeiras sessões
apresentem uma certa pompa, com a presença de Chefes de Estado ou de Governo.

Para auxiliar a Assembléia Geral na organização de sua reunião anual, ela conta
com sete comissões: política, política especial ( ad hoc), econômica, social, tutelar,
administrativa e financeira e a comissão jurídica. Em contraponto à experiência da grande
maioria dos Parlamentos dos Estados-Membros, não há limite na composição destas
comissões.

A tomada de decisões na Assembléia Geral obedece, para as questões


processuais, à maioria simples dos presentes e votantes. Mas para as questões fundamentais,
como por exemplo as envolvendo a segurança, a paz, a admissão de novos Membros ou
ainda as financeiras, é necessária uma maioria de dois terços[21].”

Acredita-se que a sinomínia entre Diplomacia Multilateral e Parlamentar não seja


perfeita. Dentre outras diferenças, a mais evidente é que a diplomacia por conferência se
realiza de maneira esporádica, em congressos ou conferências internacionais e as regras de
sua atuação devem ser estabelecidas em cada reunião nas quais se exerce. A Diplomacia
Parlamentar, realizada de modo permanente, se perfaz segundo as normas votadas no interior
das organizações intergovernamentais e são válidas, em princípio, para quaisquer reuniões.
Em tais regras se incluem as normas relativas a quorum de reunião e de deliberação, de
direitos a voto, a representatividade, a eleição para cargos durante as reuniões, em suma,
aquelas regras que nos direitos internos, existem nas sessões ordinárias ou extraordinárias

152
dos Parlamentos Nacionais, previstas pelo ordenamento jurídico ordinário, movido pelas
normas constitucionais; as regras da diplomacia multilateral de congressos e conferências
seriam assimiláveis àquelas de uma Assembléia Constituinte, que não se subordinam a uma
Constituição vigente e que são elaboradas “ad hoc”.

Em quaisquer reuniões multilaterais de representantes de Estados, existem


questões prévias à instalação das mesmas, questões de procedimento, que devem ser
resolvidas antes das instalações dos trabalhos, questões que surgem durante os debates e,
enfim, questões que surgem após o encerramento dos trabalhos.

Nas reuniões não institucionalizadas, muitas dessas questões são resolvidas por
negociações multilaterais centradas no Estado ou grupo de Estados que tiveram a iniciativa
de convocar uma reunião internacional, ou nas primeiras sessões de instalação dos trabalhos.

No caso da diplomacia parlamentar, tais regras já se encontram votadas e


estabelecidas no seio de uma organização intergovernamental, para quaisquer reuniões que
elas realizem; essas normas são de tal forma aceitáveis aos Estados, que, numa reunião
multilateral convocada por uma organização intergovernamental, já se pressupõe a existência
de normas sobre procedimentos, prévias ou “ad hoc”, e que os Estados aceitem, sem maiores
discussões.

Da diplomacia multilateral e/ ou da diplomacia parlamentar emergem novos


atores, unipessoais ou coletivos, no papel renovado de oferecer seus bons ofícios ou
mediação, de fornecerem pessoal técnico para procedimentos investigatórios, de servirem
como fatores que possibilitam e facilitam a instalação de procedimentos de conciliação ou
arbitragem, nas suas variadas modalidades, sendo praticada em todas as organizações
intergovernamentais da atualidade, e utilizando formas e espécies tão diversas, particulares e
múltiplas, como as das próprias organizações, sendo assim, os meios de solução de litígios
no seio dessas organizações irão apresentar as peculiaridades e qualidades típicas de cada
qual.

A diplomacia parlamentar, em geral, já propicia existirem novos foros de


negociações e de exercício de outros meios, de soluções pacíficas de controvérsias, com
atributos renovados de neutralidade e com apreciável suporte físico e operacional. Mesclam
as formas tradicionais de prevenção e solução de litígios internacionais, na verdade, uma
decisão de uma organização intergovernamental assume formas mistas, ao mesmo tempo
mediação, bons ofícios, conciliação, refletindo a pouca preocupação com a forma, e mais
com os resultados de uma ação coletiva eficaz, para a solução de uma disputa.

Com relação à doutrina Rezek e Accioly afirmam tratar-se de uma difícil sintonia.
Nos primórdios do DIP, a opinião de juristas categorizados como Grocius, Bynkershoek,
Gentile e Vattel supriram as lacunas existentes, recorrendo às mais diversas fontes, inclusive
ao direito romano. Porém, o papel da doutrina diminuiu, e hoje se verifica que a sua inclusão
no Estatuto da Corte Internacional de Justiça tem sido contestada, tendo a própria Corte
evitado de mencionar as opiniões dos juristas em seus julgamentos. Leva-se em conta o fato
de pareceres dos Consultores Jurídicos dos Ministérios das Relações Exteriores, embora
subscritos por indivíduos de notório saber jurídico, devem ser analisados com cautela, pois
reiteradamente espelham a opinião do respectivo governo, muitas vezes contrariando os
anseios gerais da comunidade internacional.

153
Já as decisões a que se refere o art. 38 do Estatuto da Corte de Haia são as
componentes da jurisprudência internacional, as quais tem papel importante no auxílio da
consolidação das normas do Direito Internacional Público, exemplos são os pareceres
consultivos e os casos contenciosos da Corte Internacional, expostos no anexo A. Alguns
autores argumentam que as decisões da CIJ devem ser equiparadas às fontes formais, não
mais se justificando a sua equiparação com as dos demais tribunais internacionais ou
nacionais. A questão é controvertida, sendo que a maioria alega, com propriedade, que os
termos do art. 38 não podem suscitar dúvida, ou seja, a jurisprudência constitui meio auxiliar.
Cabe à Corte aplicar a lei e não fazê-la. No anexo A estão expostas algumas decisões
reiteradas da CIJ.

Em âmbito geral, a comunidade internacional ainda tem um longo caminho a


percorrer até chegar à implementação de mecanismos ideais de solução de controvérsias. A
tendência dos Estados, no século XX, de instituírem organizações internacionais em
praticamente todos os assuntos, revela uma nova visão da busca de soluções de controvérsias
internacionais: a ênfase na cooperação e o definitivo desprestígio de soluções entre os
litigantes, isoladas do conjunto da comunidade internacional e, sobretudo, o afastamento de
soluções unilaterais por um dos contendores.

Os temas da globalidade, tais como a regulamentação das relações econômicas e


comerciais, o arrolamento de medidas de proteção dos direitos humanos em nível universal,
o desarmamento e a defesa do meio ambiente mundial, propiciaram que as formas de
resolução de litígios mais adequadas sejam precisamente aquelas elaboradas no exercício da
diplomacia multilateral ou parlamentar, sobremaneira no seio de organizações
intergovernamentais permanentes, ou em esquemas normativos, elaborados com precisão,
em grandes tratados multilaterais.

As organizações intergovernamentais criam formas novas, intermediárias entre


as soluções extrajudiciárias tradicionais e os tribunais internacionais permanentes,
propiciando maior agilidade ao processo resolutivo das controvérsias e, sendo uma
alternativa abrangente de fontes de resoluções convencionais. Atingindo os novos conteúdos
finalísticos do DIP, não apenas buscando manter o “status quo”, da concepção clássica,
através de regras de abstenção de uso unilateral da força militar ou de formas de coerção real,
mas igualmente traçar comportamentos operantes, com vistas a criar-se algo de novo no
relacionamento entre os mesmos.

Um direito de cooperação vem dar ao campo das soluções e prevenções de


controvérsias internacionais igualmente um conteúdo finalístico renovado, constituído de
obrigações positivas de fazer e agir, em prol da construção de relações internacionais mais
próximas de um ideal de paz e desenvolvimento harmonioso dos povos.

3 - Soluções de Controvérsias Internacionais através dos Meios Pacíficos

A Carta das Nações, considerada como o documento base do modo da


organização internacional contemporânea, preceitua uma regra fundamental, a busca pelas
soluções pacíficas de controvérsias. Já no artigo 33-1, do referido diploma legal, são expostos
seus meios mais usuais, definidos por uma reiteração de condutas da comunidade
internacional que os tem como pertinentes. Contudo, não se trata de um rol exaustivo, “a
regra fundamental em Direito Internacional é a de que todos os desentendimentos sejam resolvidos de forma
pacífica, não constituindo a norma mencionada um número certo e exaurido das situações possíveis, mas mera

154
exemplificação”[22], a primazia da busca pela paz admite, segundo a própria Carta, às partes
litigantes “qualquer outro meio pacífico à sua escolha[23]”.

Sob essa mesma ótica, o artigo dispõe sobre a possibilidade de recorrência às


entidades ou acordos regionais, pelo fato de poder ser mais simples a solução das lides
quando acionados entes que vivem os problemas da região que a dissidência aconteceu. Parte
da doutrina costuma chamar essa modalidade de resolução de meios políticos, o que por
vezes poderia ser contestado, já que a decisão dentro de um acordo, como o da União
Européia, acaba por ser dirimida por um Tribunal Regional; e, pelo interesse de cada Estado
de fazer vigorar seus propósitos, praticamente todo tipo de negociação internacional teria o
cunho político, seja para resolução de conflitos ou não.

Também é visto que não existe uma gradação ou hierarquia a ser seguida, pois
todos os meios são de soluções pacíficas e cabem as partes escolhê-los, segundo os seus
critérios de avaliação e a situação de fato e de direito envolvida, sendo possível, inclusive, a
incidentalidade de meios, a fim de dar brevidade à resolução do conflito.

Dentre os meios pacíficos de resolução de controvérsias internacionais, a


doutrina costuma fazer uma divisão em três grandes grupos: Meios Diplomáticos, Políticos
e Jurisdicionais, os quais serão brevemente expostos no desenvolver desse capítulo.

3.1 Meios Diplomáticos

Os Meios Diplomáticos compreendem tratativas políticas internacionais não


jurisdicionalizadas e não sujeitas a organismos regionais; muitas vezes, de modo breve, e um
tanto informal, vêm a determinar o fim de lides leves ou potencialmente danosas.

Sendo a política o substrato maior da diplomacia em qualquer instância, num


quadro conflituoso ela é ainda mais utilizada, mesmo que concomitantemente com o meio
jurisdicional ou político propriamente dito. Não apenas através de negociações Diplomáticas
(bilaterais ou multilaterais), mas também operada nos Bons Ofícios, no Sistema de Consultas,
na Mediação, na Conciliação e no Inquérito.

3.1.1 Negociações Diplomáticas

O meio potencialmente mais simples de solução pacífica de controvérsias entre


Estados são as negociações internacionais, procedimentos que se encontram regidos por
usos e costumes internacionais. Caracterizam-se por sua informalidade e podem intervir
durante quaisquer fases de outras formas de solução de Controvérsias. Na realidade, elas
constituem o requisito para que as outras formas possam instaurar-se, em especial as
arbitragens e as soluções judiciárias.

Um fato importante nas negociações internacionais refere-se à obrigação de um


Estado dar seu assentimento a um pedido de negociações e assim permitir a continuidade de
procedimento das mesmas. O assunto envolve um dos mais sensíveis aspectos das
negociações internacionais, em especial quando já existe uma controvérsia entre dois
Estados, na qual se exige a cooperação de ambos, para equacionamento das soluções, dentro
das opções existentes no rol das soluções pacíficas de controvérsias. Na verdade, o assunto
diz respeito à regulamentação internacional dos atos unilaterais dos Estados, tendo em vista
que tanto a oferta de negociações quanto a aceitação da continuidade do procedimento
constituem atos que caem sob jurisdição exclusiva dos Estados. Pela atual posição da

155
humanidade em vias de conservação do Meio Ambiente, em alguns tratados internacionais
acerca do tema é notado que essa situação tem sido equacionada de forma aceitável, com a
instituição de prazos de resposta a pedidos de negociações, ou ainda, de procedimentos
especiais, no caso de falta de colaboração de um Estado.

Outro ponto importante a salientar, já suscitado no capítulo 3, refere-se à


emergência, no século XX, de novas formas de negociações coletivas, que esporádicas nos
séculos anteriores se tornam corriqueiras, com a emergência e desenvolvimento das
organizações intergovernamentais. Assim, a diplomacia multilateral, se enriquece com um
subtipo de modo de negociações, a Diplomacia Parlamentar. Segundo o Handbook da ONU:

“(...) O número de partes num lado ou no outro lado da disputa não tem
qualquer importância; depende da natureza da questão examinada. Se for de interesse mútuo
de vários Estados, quer dentro de um corpo organizado ou não, inexistiria qualquer razão
que justificasse o formalismo e um pedido infundado para entrar em negociações diretas com
o Estado “ex adverso” comum, após terem participado de amplas e abrangentes negociações
coletivas com o mesmo Estado[24].”

No caso de fracasso nds negociações, alguns tratados internacionais estipulam


outros modos de soluções pacíficas de controvérsias. Perceba-se que a possibilidade de novas
negociações sobre uma pendência não resolvida, não se encontra esgotada, dada a
flexibilidade daqueles modos no Direito Internacional; portanto, o conceito de preclusão ou
de esgotamento de outros recursos não se aplica nos procedimentos de solução pacífica de
controvérsias entre Estados, muito especialmente no que diz respeito à negociação.

Desse modo, enumeração de outros métodos de soluções de controvérsias, pelo


fato de terem falhado as negociações diplomáticas, deve ser visto como mera cautela - sendo
as negociações diplomáticas a única forma exigível em alguns casos das arbitragens
institucionalizadas ou das soluções judiciárias, apresentada como condição prévia, e, devendo
pelo menos ter sido tentada.

“Não se trata unicamente de iniciar uma negociação, mas de prossegui-la, na


medida do possível, com vista a chegar a acordos. Não se deve confundir a obrigação
de negociar com a obrigação de se chegar a um resultado. Enquanto a primeira decorre da
boa-fé, a segunda depende do sucesso da negociação. Para que se alcance a segunda, é
indispensável que as partes envolvidas respeitem a primeira[25].”

Segundo Accioly, quanto aos resultados das negociações:

“Como resultado das negociações poderá ocorrer a renúncia de um dos


governos ao direito que ele pretendia; ou o reconhecimento por ele das pretensões do outro.
Num caso, temos a desistência; no outro a aquiescência. Pode ainda ocorrer a transação,
quando ocorrerem concessões recíprocas[26]”.

No Brasil merece destaque a questão do Acre, em 1903, com a Bolívia. A região


era território boliviano, e, no final do século XIX, brasileiros invadiram os seringais dessa
região. Surgindo um conflito pela insurgência dos brasileiros às autoridades bolivianas,
criaram um território independente e exigiram sua anexação ao Brasil. Após alguns anos de
conflito envolvendo, nesse intervalo, ações de forças armadas das duas nações, e tentativa de
independência do Estado, a lide foi resolvida através de negociações diplomáticas. O Brasil,
pela ação de José Maria da Silva Paranhos, o eminente Barão do Rio Branco (expoente da

156
tradição de excelência dos serviços prestados ao país pelo Ministério das Relações
Exteriores), através do Tratado de Petrópolis, assinado em 1903, o qual comprou a região
dos bolivianos e peruanos pela importância de 2 milhões de libras esterlinas, estabelecendo
as fronteiras do território do Acre e resolvendo em definitivo a questão, conforme as
condições daquele acordo.

Como exemplo contemporâneo de negociação diplomática multilateral feita


com êxito indica-se o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. No qual os países
chegaram a uma posição de consenso que deve desbloquear o processo de implementação
das regras para a identificação de carregamentos contendo Organismos Vivos Geneticamente
Modificados (OVMs), mais conhecidos como transgênicos. O acordo alcançado estabelece
que seja adotada imediatamente a expressão “contém OVMs” para os casos onde já é
possível realizar o rastreamento, a segregação e a identificação dos transgênicos e a expressão
“pode conter OVMs” para os demais casos, que terão um prazo de seis anos para se adaptar
às novas regras. Os dois regimes devem coexistir, portanto, até 2012, data prevista para que
o contém seja adotado definitivamente[27].

As Negociações Diplomáticas ou Entendimento Direto talvez sejam o meio


mais importante e mais utilizado na Resolução de Controvérsias Internacionais, uma grande
variedade de autores entende ser este o meio que quase sempre produz os melhores
resultados. Por duas razões fundamentais: a primeira é pelo fato de cotidianamente
responderem pela solução de diversos conflitos internacionais, que muitas vezes, não são
percebidos, pois a própria resolução impediu que ganhassem notoriedade; e a outra é a
possibilidade de concomitância com outros meios de resolução, muitas vezes solucionando
a demanda de modo mais ágil e, em caso de não obterem êxito, sem interferir na prática em
andamento.

3.1.2 Bons Ofícios

Os Bons Ofícios, que não aparecem no rol das soluções de controvérsias entre
Estados, no mencionado art. 33 da Carta da ONU, constituem, no entanto, forma bastante
antiga e há muito reconhecida como tal pelo DIP, inclusive, constantes nos artigos 8 e 9 do
Pacto de Bogotá, de maio de 1948, transcreve-se:

“Artigo 9 – O processo dos bons ofícios consiste na gestão por parte de um ou


mais Governos americanos ou de um ou mais cidadãos eminentes de qualquer Estado
Americano, alheios à controvérsia, no sentido de aproximar as partes, proporcionando-lhes
a possibilidade de encontrarem, diretamente, uma solução adequada.

Artigo 10 – Uma vez que se tiver conseguido a aproximação das partes e que
estas tiverem entrado novamente em negociações diretas, dar-se-á por terminada a ação do
Estado ou do cidadão que tenha oferecido seus Bons Ofícios ou aceitado o convite para
interpô-los; no entanto, por acordo das partes, aqueles poderão estar presentes às
negociações.”

São procedimentos de resoluções de litígios através de entendimento direto entre


os contendores, entretanto com interferência de terceiros, que podem ser estados,
organizações internacionais, ou um chefe de Estado ou ministro, individualizado e indicado
para esse fim, e chamado de prestador de bons ofícios. Assim, o terceiro, por iniciativa
própria ou a pedido de uma das partes aproxima os litigantes e proporciona um campo
neutro para as negociações, sem propor a solução para o conflito, nem observando as razões

157
dos contendores, seu apoio para a solução do litígio é apenas instrumental. Em geral, eles
não costumam ser solicitados ao terceiro pelas partes, ou por uma delas, são em geral
oferecidos por ele, o que nunca se entenderá como intromissão, e podem, tranqüilamente,
ser negados.

Os Bons Ofícios visam evitar-se o deterioramento de uma situação e preparar o


terreno para outras modalidades de soluções de controvérsias, e, sua prática tem aumentado,
devido aos poderes de iniciativa de propostas, conferidas aos órgãos unipessoais das
organizações internacionais do sistema da ONU, ou das entidades constituídas pelos tratados
internacionais sobre o meio ambiente, os quais, além de guardiãs das normas convencionais,
passam a ser agentes de oferecimento de bons ofícios nas disputas entre Estados partes de
tratados multilaterais.

Segundo Rezek, o Brasil já prestou bons ofícios[28], assim como também já foi
beneficiado pela prestação de bons ofícios de terceiros, diversas vezes. Em 1864, Brasil e
Grã-Bretanha estavam de relações cortadas, devido o caso Christie, Portugal foi prestador de
bons ofícios, o que fez com que os Estados que estavam se desentendendo, voltassem a ter
relações amistosas.

O mesmo autor expõe exemplos contemporâneos de bons ofícios prestados


com êxito como na ação dos Estados Unidos, com o governo Carter para promover a
aproximação entre Egito e Israel[29]. A série de negociações que se seguiram culminaram
posteriormente com a celebração do acordo de Camp David; e a França, que em 1968,
aproximou os Estados Unidos e o Vietnã – em plena guerra no sudeste asiático – oferecendo-
lhes como campo neutro a cidade de Paris, onde negociaram até a conclusão, em 1973, dos
acordos que conduziram o fim da guerra.

Como exemplo da não-obrigatoriedade da aceitação dos bons ofícios o autor


cita a reunião de 23 de outubro de 1991, em Cozumel, onde os presidentes do México, da
Colômbia e da Venezuela resolveram oferecer seus bons ofícios conjuntos aos governos de
Cuba e dos Estados Unidos para facilitar-lhes o diálogo. Oferta que imediatamente foi
negada por Fidel Castro e George Bush[30].

3.1.3 Mediação

A mediação é um instituto que se aproxima bastante dos bons ofícios já que ela
também importa o envolvimento de terceiro na lide. Este, por sua vez, não possui uma
atuação meramente instrumental aproximando as partes; ele, originalmente, toma
conhecimento da demanda e das razões de cada um dos litigantes, para lhes propor uma
solução, não se restringindo a simplesmente propor uma base de negociações, mas antes a
propor a base de um acordo.

Daí se discorrer que a mediação vai além dos bons ofícios, já que o mediador
participa de maneira regular e ativa nas negociações. Ela tanto pode ser oferecida quanto
solicitada, fato que já supõe algum entendimento entre os Estados-parte numa controvérsia
(pelo menos no aceite da interferência do mediador), necessita algumas formalidades no seu
envolver – embora muito longe das formalidades da conciliação e da arbitragem - e se
completa com um ato informal, de mera indicação de comportamentos desejáveis ( estando
assim, ainda mais longe dos relatórios ao final de uma conciliação ou de uma sentença
arbitral), por vezes formalizado com um acordo entre os Estados-parte e o mediador.

158
Na atualidade, observa-se que além dos Estados e das organizações
internacionais, outros atores internacionais, também têm atuado como mediadores. Essa
afirmação, todavia, é ponderada pela observação de Rezek:

“(...)o mediador, quando não seja nominalmente um sujeito de direito das gentes
(....), será no mínimo um estadista, uma pessoa no exercício de elevada função pública, cuja
individualidade seja indissociável da pessoa jurídica internacional por ele representada (Henry
Kissinger, pelos Estados Unidos, mediando na Palestina, nos anos setenta, o conflito entre
Israel e os Estados Árabes; e ali mesmo, com igual missão em 1948, o conde Bernadotte,
pela ONU)[31].”

Esse instituto do DIP está muito próximo ao procedimento dos bons ofícios,
no que se refere à sua função preventiva de evitar que uma situação conflitiva se degenere,
de encaminhar os litígios para uma solução através de outros meios e, enfim, difere, pela
faculdade dela mesma apresentar uma solução (eventualmente aceitável pelos contendores,
tendo em vista as qualidades personalíssimas do mediador, que já demonstrou ter a confiança
das partes, pelo fato de ter sido indicado, como tal, por consenso de ambas).

As possibilidades de recusa em mediar, ou de recusa em aceitar a mediação não


devem ser consideradas atos inamistosos. Se a mediação for instaurada, o mediador deve
contar invariavelmente com a confiança das partes em conflito, então, os litigantes
apresentarão suas razões e provas ao mediador, e se dispõe a posteriormente, examinar com
boa vontade seu parecer, seu juízo de arranjo resolutivo do conflito. Não sendo a proposta
do mediador obrigatória, basta que uma das partes não concorde com o proposto pelo
mediador para que essa via de solução pacífica fracasse.

As fontes normativas da mediação se encontram, na maior parte, nos usos e


costumes internacionais, havendo alguns tratados regionais que regularam o instituto, como
o Tratado Interamericano sobre Bons ofícios e Mediação, de 1936, o Pacto de Bogotá de
1948, e o Protocolo sobre Comissões de Mediação, Conciliação e Arbitragem, de 1959,
elaborado sob a égide da Organização da Unidade Africana. No que se refere ao moderno
Direito Internacional do Meio Ambiente, alguns tratados multilaterais prevêem mediação;
nunca, porém, como procedimento isolado, mas sempre junto com outros procedimentos
pacíficos de soluções de controvérsias entre os Estados.

O Brasil, conjuntamente com a Argentina, o Chile, já foram mediadores num


conflito entre os Estados Unidos e o México, em 1914, resolvido com a celebração de um
tratado bilateral. As mesmas três repúblicas, dessa vez somadas aos Estados Unidos, foram
mediadoras ao longo da Guerra do Chaco entre Bolívia e Paraguai, entre 1935 e 1938[32].

3.1.4 Sistema de Consultas

A consulta, como método pacífico de solução de litígios, pode ser conceituada


como um meio de entendimento previamente programado, realizado de forma direta entre
as partes. Uma variante das Negociações Diplomáticas. Essas consultam-se mutuamente
sobre seus desacordos através de forma previamente ajustada, geralmente por tratados, em
encontros periódicos em que discutirão soluções às suas pendências, acumuladas durante
este período de intervalo entre as consultas.

O método figura no âmbito internacional pelo menos desde o tratado firmado


em Washington entre os Estados Unidos, o Império Britânico, a França e o Japão, em 13 de

159
dezembro de 1921,versando sobre as respectivas possessões ou domínios insulares no
Oceano Pacífico. Porém foi no continente americano, que o sistema de consultas se
desenvolveu e adquiriu caráter preciso de meio de solução de controvérsias, bem como de
meio de cooperação pacifista internacional.

Antes mesmo da fundação da Organização dos Estados Americanos (OEA), as


reuniões de consulta já permitiam aos países do continente, através de seus Ministros das
Relações Exteriores, entendimento sobre os conflitos existentes e alternativas de para
solucioná-los. Desde 1951, ano em que entrou em vigência a OEA, existe, constante em seu
Capítulo X, A Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, onde estes,
segundo os artigos 61, 62 e 53 - b, do diploma, se reúnem encarregados de examinar os
problemas de caráter urgente e de interesse comum para os Estados americanos.

O art. 61: “A reunião de Consultas dos Ministros das Relações deverá ser
convocada a fim de considerar problemas de natureza urgente e de interesse comum para os
Estados americanos, e para servir de órgão de Consulta”.

Artigo 62. “Qualquer Estado membro pode solicitar a convocação de uma


Reunião de Consulta. A solicitação deve ser dirigida ao Conselho Permanente da
Organização, o qual decidirá, por maioria absoluta de votos, se é oportuna a reunião”.

Artigo 53. “A Organização dos Estados Americanos realiza os seus fins por
intermédio: b) Da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores”[33];

Sobre a freqüência das Consultas na OEA, previstas na Carta constitutiva,


explica Seitenfus:

“Finalmente, a Conferência prevê a convocação de reuniões extraordinárias dos


Ministros das relações Exteriores, sempre que a paz continental estiver ameaçada. Qualquer
país signatário da Declaração de Lima é único juiz para decidir sobre a necessidade ou não
em convocar tal reunião[34].“

O sistema consultivo interamericano tem, dois aspectos: o método para solução


pacífica de controvérsias e o processo para estudo rápido, em conjunto, de problemas de
natureza urgente e de interesse comum para os Estados-membros da OEA.

3.1.5 Inquérito

Também conhecido como investigação ou determinação de fatos, o Inquérito


tem servido como procedimento preliminar de instância diplomática, política ou
jurisdicional, sendo o próprio um meio diplomático de se estabelecer antecipadamente à
materialidade dos fatos.Os inquéritos normalmente se fazem presentes quando uma situação
de fato reclama esclarecimento, bem como geralmente são conduzidos por comissões
semelhantes às de conciliação. Tais comissões, portanto, têm por fim apurar fatos ainda
ilíquidos, de modo que se prepare adequadamente o ingresso numa das vias de efetiva
solução do conflito.

Sobre os inquéritos, Guido Soares afirma que:

“(...) são formas típicas do século XX, em particular no interior das organizações
intergovernamentais, em virtude das quais são constituídas pessoas ou comissões, com a

160
finalidade de esclarecer fatos e, eventualmente sugerir condutas e soluções. Implicam o dever
de os Estados suportarem a presença de pessoas ou comissões internacionais em seus
territórios (em particular os deveres de outorgar-lhes privilégios e imunidades, para o bom
cumprimento das respectivas missões), bem como o dever de franquear-lhes os dados sobre
os fatos investigados[35].”

Trata-se de um procedimento levado a cabo por um terceiro não parte do litígio,


um indivíduo (em geral um funcionário de uma organização internacional, como o Secretário
Geral da ONU, ou pessoa por ele indicada), ou uma comissão composta por funcionários
dos Estados, que se relaciona a exame de uma questão de fato, com as finalidades de iniciar-
se um procedimento mais formal, como a conciliação ou arbitragem, ou a transformar em
um procedimento em curso, por Acordo dos Estados-partes, em outro mais formal; pode
igualmente apresentar sugestões às Partes, no que concerne à solução de uma disputa. Difere
de outras formas de soluções de controvérsias, no sentido de que na indicação dos
componentes de comissão de organização não se necessita observar procedimentos que
resguardem uma independência ou neutralidade dos componentes: podem ser elas
compostas de funcionários das Partes envolvidas, tendo em vista que se trata de
determinação de fatos, que, em princípio, serão avaliados por outras instâncias. A
peculiaridade do inquérito é que a pessoa ou comissão responsável tem conhecimento
especializado na matéria factual discutida. No caso de um inquérito levado a cabo por uma
comissão composta por funcionários de terceiros Estados não partes numa controvérsia, há
questões similares àquelas existentes na formação de comissões de conciliação ou de
arbitragem e que cabe aos Estados-partes determinarem: número de membros, maneiras de
sua escolha, modos e prazos de apresentação de relatórios, financiamento de atividades da
comissão e sua sede.

Exemplos disso são as averiguações do cumprimento pelos Estados das


obrigações internacionais relativas a padrões mínimos assegurados aos trabalhadores no
âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao regime de proteção dos direitos
humanos, a controles relativos a desarmamento e da verificação dos materiais nucleares que
são transacionados em nível internacional sob a égide da Agência Internacional de Energia
Atômica (AIEA).

3.1.6 Conciliação

Nessa modalidade de solução pacífica de controvérsias internacionais constitui-


se uma comissão composta por um número ímpar de pessoas, formada pelos representantes
dos Estados em conflito e também por elementos neutros, a fim de dar um resultado
imparcial à demanda, com base de informações de ambos litigantes. É uma variante da
mediação, cominada com elementos do sistema de inquérito, caracterizada por maior aparato
formal, relativamente recente no Direito Internacional e consagrada por sua previsão em um
bom número de tratados importantes.

A conciliação tem algo de semelhante com a mediação, no que concerne a ser


um procedimento de intervenção de terceiros, a pedido dos Estados-parte numa
controvérsia; contudo sua fundamental heterogeneidade se encontra nas formalidades de
instituição das comissões de conciliação - em geral compostas de três a cinco pessoas – com
representantes dos Estados litigantes e de terceiros Estados; na existência de regras quanto a
procedimentos a serem seguidos pelas mesmas; e quanto à natureza dos atos terminativos,
sem dúvida mais solenes que aqueles provenientes da comissão de inquérito, dos bons ofícios
ou da mediação, mas sem o caráter de obrigatoriedade para as partes litigantes, como as

161
sentenças arbitrais ou as sentenças judiciárias internacionais. O ato terminativo da
conciliação se apresenta como um relatório valorativo de fatos, acompanhado de uma
recomendação aos Estados num litígio, com a dupla função de investigação e esclarecimento
dos fatos na controvérsia e de tentativas mais eficazes de aproximar os litigantes, através de
conselhos e exortações, inclusive para que cheguem a soluções mutuamente aceitáveis,
portanto, agregando os valores das comissões de inquérito e de mediação.

Como híbrido do inquérito e da mediação, sendo consagrado pelas atuações das


OI do entre Guerras e da atualidade, tem sido freqüentemente empregada nos tratados
bilaterais e multilaterais, como no art. 33 da Carta da ONU, e nos tratados regionais gerais
de soluções pacíficas de controvérsias entre Estados (Art 25 do Pacto de Bogotá). De suma
importância considerar-se que a Convenção de Viena, de 1969, sobre Direito dos Tratados
contém um anexo único, que tem servido de modelo a vários tratados multilaterais da
atualidade; nela apresenta-se uma modalidade de conciliação instituída compulsoriamente. O
tipo introduzido pela Convenção de Viena tem sido denominado de “Conciliação
Obrigatória”, porque procedimento autônomo e automático, cujo refinamento se verificou
na Convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar de 1982.

Quanto aos integrantes da comissão de conciliação, esses não necessitam, em


princípio, ter as qualidades tradicionais dos árbitros, pois, diferentemente daqueles, os
conciliadores, de certa forma, representam os interesses do estado que os indicou, mas têm
total independência nos procedimentos deliberativos no interior da comissão de conciliação,
no que se refere a soluções possíveis. Pelo método tradicional de formação da comissão
conciliatória, cada Estado escolhe um ou dois conciliadores, por notificações mútuas, e os
conciliadores, assim escolhidos, escolhem um desempatador que geralmente presidirá a
comissão. O método de Conciliação Obrigatória, introduzido pela Convenção de Viena, de
1969, previu a existência de listas previamente preparadas e conservadas pelo Secretário
Geral das Nações Unidas, com os nomes de pessoas, dentre as quais os Estados podem
escolher os conciliadores, e das quais os conciliadores indicados podem eleger o presidente
da comissão. Quanto à constituição da comissão “ad hoc” de conciliadores, os
procedimentos do Anexo da Convenção de Viena instruem uma parte a informar a outra
sobre sua intenção de constituir uma comissão de conciliadores, já com a indicação de um
ou dois conciliadores retirados ou não da mencionada lista; no prazo de 60 dias a outra parte
indica os seus conciliadores; assim eleitos e reunidos elegem seu conciliador presidente, em
novo prazo de 60 dias; na eventualidade de falta de cooperação de uma parte ou de os
conciliadores não decidirem sobre indicação do conciliador /presidente, os poderes de
indicação revertem para o Secretário Geral da ONU, que escolherá os conciliadores, ou da
lista, ou dentre os membros da Comissão de Direito Internacional das nações Unidas, num
prazo de 60 dias, a contar do seu conhecimento daquelas impossibilidades.

Muitos tratados têm copiado tais dispositivos, com variantes quanto à instituição
que deverá ter a guarda da lista de eventuais conciliadores e que deverá atuar na composição
da comissão, no caso de falta de cooperação de uma Parte ou no caso de não indicação do
Presidente da comissão, por parte dos conciliadores já indicados.

No âmbito dos procedimentos da conciliação, a regra é deixar à comissão de


conciliadores, tão logo instalada, o encargo de fixá-los. Se em eventuais regulamentos sobre
conciliação preexistentes a litígio houver dispositivos sobre procedimentos, são mínimos –
em geral restritos a prazos – e sempre com a ressalva de modificabilidade pelos Estados-
parte ou em casos concretos, pelos próprios conciliadores.

162
3.2 Meios Políticos

Os meios Políticos de resolução de controvérsias internacionais são aqueles que


utilizam instituição intergovernamental das nações em litígio para resolver a demanda. Pela
sua maior abrangência, notoriamente, através do Conselho de Segurança, da Assembléia
Geral e do Secretario Geral, a ONU é a entidade que apresenta um renovado foro de
negociações, pois coloca frente a frente todos os Estados (mesmo aqueles que não mantém
relações diplomáticas entre eles, ou que estão rompidas), contudo, organizações de alcance
regional e vocação política, como a Liga dos Estados Árabes (1945) e a Organização do
Estados Americanos (1951), também dispõem de mecanismos essencialmente análogos aos
das Nações Unidas para a solução pacífica de litígios entre os seus integrantes.

Quando existe conflito de certa gravidade, desconforto no cenário internacional,


que se encontra na eminência de uma guerra entre os Estados envolvidos, ou de um forte
desacordo diplomático, os órgãos políticos ou organizações intergovernamentais tomam
para si a solução do conflito. Eles podem agir mesmo à controvérsia de uma das partes,
quando a outra manifesta interesse, ou mesmo à controvérsia de ambas as partes, quando o
secretário geral da organização ou terceiro Estado integrante da organização se manifeste,
trazendo a existência do conflito para debate entre os membros desta.

3.2.1 Organização das Nações Unidas

Sobre os escombros de um mundo devastado pelas duas grandes Guerras


Mundiais, em 25 de junho de 1945, cinqüenta e um Estados[36], reunidos em São Francisco
(EUA), aprovaram a Carta das Nações Unidas. A ONU diferentemente da Sociedade das
Nações sobreviveria a guerra e, seria levada a desenvolver atividades em outros campos,
distintos da exclusiva manutenção da paz, e por vezes empregará a força para alcançar seus
objetivos.

Constituída, basicamente, por uma Assembléia Geral, um Conselho de


Segurança, um Conselho Econômico e Social, um Conselho de Tutela, uma Corte
Internacional de Justiça e um Secretariado, e prevendo a criação de órgãos subsidiários
considerados de necessidade, a ONU é a grande organização norteadora das normas de
Direito Internacional e de soluções de litígios Internacionais da atualidade. Todos os órgãos
estão localizados na Sede em Nova Iorque, salvo a CIJ que se situa em Haia, na Holanda.
Além desses, as Nações Unidas contam com a ajuda de 14 organizações, conhecidas como
agências especializadas que trabalham em áreas diversas como a saúde, a agricultura, os
serviços postais e a meteorologia. Ainda, dispõem de mais 35 programas, fundos e
organismos especiais com responsabilidade em setores específicos.

Conforme já exposto, trata-se de uma organização que não possui,


originariamente, poderes supranacionais. Seus propósitos e princípios são expostos no
capítulo I, em seus artigos 1° e 2°, os quais transcreve-se:

“Artigo 1° Os propósitos das Nações Unidas são:

1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar,


coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de
agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de
conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste

163
ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação
da paz;

2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao


princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar
outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;

3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas


internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para
promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e

4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução


desses objetivos comuns.

Artigo 2

A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados


no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios:

1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros.

2. Todos os Membros, a fim de assegurarem para todos em geral os direitos e


vantagens resultantes de sua qualidade de Membros, deverão cumprir de boa fé
as obrigações por eles assumidas de acordo com a presente Carta.

3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por


meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça
internacionais.

4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça


ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de
qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das
Nações Unidas.

5. Todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que


elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a
qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou
coercitivo.

6. A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações
Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à
manutenção da paz e da segurança internacionais.

7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a


intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer
Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos
termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das
medidas coercitivas constantes do Capitulo VII.“

164
Expostos os princípios da Organização, passa-se a analisar os principais órgãos
resolutivos de controvérsias internacionais que utilizam os chamados meios políticos para tal
resolução de demanda.

3.2.2.1 Assembléia Geral e Conselho de Segurança.

Para Rezek, “tanto a Assembléia Geral, quanto o Conselho de Segurança das Nações
Unidas podem ser utilizados como instâncias políticas de solução de conflitos internacionais[37]”. Segundo
o autor, dois tópicos singularizam essa via: ela só deve ser tomada em presença de conflitos
de certa gravidade, que constituam alguma ameaça ao clima de paz; e, por outro lado, ser
assumida à revelia de uma das partes, e mesmo de ambas, quando o conflito é trazido por
terceiros à mesa de debate, seja ele um terceiro Estado integrante da CS, ou o Secretário
Geral da ONU.

A Assembléia Geral é o órgão central da democracia, funciona como uma


espécie de parlamento – em analogia aos sistemas nacionais - em que cada nação pode falar
e ser ouvida sobre qualquer assunto, estando os Estados em pé de igualdade. “A maioria destes
Estados possui tão somente um interesse limitado pelas questões internacionais[38]”. O autor grifa a
expressão a fim de expor a divergência de poderes no interior da ONU, já que as ações
práticas são definidas no CS, e os países membros permanentes com seu direito a veto
podem, em virtude de interesses políticos ou econômicos, embargar as resoluções do órgão
democrático.

É a reunião de todos os associados-membros para a discussão de assuntos de


interesse. Normalmente essas Assembléias reúnem-se apenas uma vez por ano, durante uma
ou mais semanas, dependendo da quantidade dos assuntos a serem tratados, nesse ano a 58ª
reunião começou na última semana de semana de setembro e termina na primeira semana de
outubro do corrente ano. Nestas reuniões, todos os Estados participam das reuniões,
discutem os assuntos em pauta e, eventualmente, tomam decisões por meio do voto. Essas
decisões podem ser tomadas por maioria simples, por maioria qualificada ou por consenso,
dependendo do estabelecido no estatuto.

Além da reunião da Assembléia Geral obrigatória, não há impedimento para que


seja convocada Assembléia Geral Extraordinária, quantas forem aquelas julgadas necessárias
e desejadas pelos Estados. É a reunião de vários Estados com objetivos comuns para tomar
decisões conjuntas.

São semelhantes á pessoas jurídicas, e esta semelhança não se restringe à


perseguição de objetivos comuns; também se assemelham pela tomada de decisões, que terão
que ser seguidas por todos, após votada dentro da forma predeterminada pelo Estatuto.
Existem mecanismos de pressão política para forçar Estados perdedores em uma votação a
cumprirem o acordado, e, em alguns casos, o próprio Estatuto pode estabelecer multas. Não
existem, porém, formas de execução, como no direito privado. Em casos extremos, O
Estado resistente pode deixar, através da Denuncia, a instituição, ou, se previsto no Estatuto,
pode ser excluído da mesma, por decisão da maioria, o que é raríssimo de ocorrer.

O Conselho de Segurança “(...)é restrito em sua composição (CS), onde as grandes


potências vencedoras da guerra, capazes militarmente e com interesses generalizados, serão
representadas de forma permanente[39]”. Seitenfus aponta que dentro do CS existem dois tipos
de componentes: Os 5 permanentes - escolhidos antes da assinatura do tratado em razão de
circunstâncias politíco-militares: Estados Unidos, China, Rússia, França e o Reino Unido e a

165
Irlanda do Norte - e os 10 não permanentes, pois de tempos em tempos uma parte dos
membros deste Conselho é renovada, sendo a escolha dos membros rotativos é feita pela
Assembléia Geral

Para os primeiros, prevalece a regra de unanimidade no processo de tomada de


decisões, constante no artigo 27.3 da Carta da ONU. Daí decorre um verdadeiro direito de
veto, meio pelo qual podem bloquear todas as decisões do Conselho. Portanto, a não-
obtenção da unanimidade equivale, na prática, ao uso do poder de veto. Indubitável a
superioridade desses 5 sobre os demais, contrariando o art. 2 da Carta das Nações.

A razão disto é histórica político-militar: esses países foram os países que


demonstraram maior resistência durante a 2ª. Guerra Mundial, e que acabaram vencendo-a.

O artigo 24 da Carta da ONU define as funções do Conselho de Segurança:

“1. A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus
membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade da
manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que, no
cumprimento dos deveres impostos por este responsabilidade, o Conselho de
segurança aja em nome deles.

2. No cumprimento desses deveres o Conselho de Segurança agirá de acordo


com o propósito e princípios das Nações Unidas.

As atribuições específicas do Conselho de Segurança estão enumeradas nos


Capítulos VI, VII, VIII e XII.”

Para a grande maioria das questões com que a ONU se ocupa, e de acordo com
seus objetivos, a competência é da Assembléia Geral, mas sempre que se tratar de
Manutenção da Paz e Segurança Internacionais há um deslocamento desta competência que
deixa de ser da Assembléia Geral e passa a ser do Conselho de Segurança. Isto pelo fato da
AG reunir-se normalmente apenas uma vez por ano, para tratar de assuntos pendentes do
último ano e traçar diretrizes para o ano seguinte.

Entretanto, o CS funciona todos os dias, com representantes dos membros


eleitos para ele, exatamente pela possibilidade de assuntos urgentes como os relativos a Paz
e Segurança Internacionais exigirem que se reúnam para deles tratarem, não podendo esperar
por reuniões da AG. É esta situação que justifica o deslocamento da competência da AG
para o CS, fazendo com que o foro político representado por esse possua, segundo Rezek:

“(...)indiscutível mérito como desaguadouro de tensões internacionais, e só a


publicidade assegurada por sua consagração a certo litígio tem contribuído
grandemente com a causa da paz, na medida em que fomenta uma consciência
crítica na opinião pública e dá ensejo à manifestação construtiva dos Estados
Membros[40]”.

Quanto à periodicidade das reuniões do CS, sua composição e especificidade do


local dessas, o site do CS esclarece:

“El Consejo de Seguridad está organizado de modo que pueda funcionar


continuamente. Un representante de cada uno de sus miembros debe estar

166
presente en todo momento en la Sede de las Naciones Unidas. El Consejo se
puede reunir también fuera de la Sede. En 1972, por ejemplo, se reunió en Addis
Abeba (Etiopía) y, al año siguiente, en la ciudad de Panamá[41].”

Também se acresce o fato de ser potencialmente mais simples chegar-se a uma


decisão quando apenas quinze pessoas votam, ao invés de cento e setenta e oito Estados a
discutirem o problema. As decisões do Conselho de Segurança são decididas por maioria
simples, bastam oito votos dos quinze para que a decisão seja tomada. Mas é obrigatório,
conforme o explicitado anteriormente, que entre esses oito votos estejam os votos dos cinco
Estados permanentes e ainda mais três votos dos membros rotativos para que a decisão seja
tomada.

Supondo uma decisão aprovada por dez membros rotativos mais quatro
membros permanentes, havendo um voto de membro permanente contrário, a decisão não
será aprovada. Isto significa que os votos dos membros permanentes têm que ser unânimes
para aprovação de qualquer decisão do Conselho, explicitando o forte poder de veto dos
permanentes. Porém se os cinco vencedores da guerra desejarem uma decisão, e os dez
rotativos não, ela não será aprovada, pois são necessários oito votos para aprovação. Esta
forma de votar conseguiu reprimir muitos conflitos bélicos internacionais.

O Conselho de Segurança, embora não possua exército próprio, pode realizar


intervenção militar, embargos econômicos como mecanismo de pressão para que o Estado
embargado deixe de ter condutas consideradas nocivas, transcrevem-se os artigos 40, 41, 42
e 43 da Carta da ONU.

“Artigo 40.

A fim de evitar que a situação se agrave, o Conselho de Segurança poderá, antes


de fazer as recomendações ou decidir a respeito das medidas previstas no art.
39, convidar as partes interessadas a que aceitem as medidas provisórias que lhe
pareçam necessárias ou aconselháveis. Tais medidas provisórias não
prejudicarão os direitos ou pretensões, nem a situação das partes interessadas. O
Conselho de Segurança tomará devida nota do não-cumprimento dessas
medidas.

Artigo 41.

O Conselho de segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o


emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas
decisões e poderá convidar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais
medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações
econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais,
telegráficos, radiofônicos, ou de qualquer espécie, e o rompimento das relações
diplomáticas.

Artigo 42.

No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no


Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar e efeito,
por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para
manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá

167
compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças
aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas.

Artigo 43

1. Todos os Membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção


da paz e da segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao
Conselho de Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou
acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de
passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança internacionais.

2. Tal acordo ou tais acordos determinarão o número e tipo das forças, seu grau
de preparação e sua localização geral, bem como a natureza das facilidades e da
assistência a serem proporcionadas.”

Pela inconsistência de pretextos e pela truculência da invasão do Kuwait pelo


Iraque em dois de agosto de mil novecentos e noventa, alicerçada no interesse geopolítico
de Estados interventores, a decisão do CS de buscar a restauração da soberania territorial
kuwaitiana foi unívoca e eficiente, produzindo rara convergência reativa.

A falta de um consenso no Conselho sobre ações na Iugoslávia, mais


especificamente, com o agravamento da crise em Kosovo, em 1999, permitiu que a OTAN
(Organização do Tratado do Atlântico Norte) assumisse uma autoridade que não tinha, em
detrimento da credibilidade da ONU, como guardiã da paz e soberania coletivas.

Em 2003, ocorrera um caso ainda mais grave, ferindo os ideais da comunidade


internacional os Estados Unidos, com apoio de alguns outros governos, desencadearam a
guerra no Iraque. Seu pretexto justificador foi neutralizar armas de destruição em massa, que
na realidade nunca foram encontradas em território iraquiano, e levar àquela parte do mundo
a democracia e o respeito aos direitos humanos; parecendo, segundo a mídia internacional,
mais violados depois da invasão americana. Contrariando arbitrariamente o preceito do artigo
2.7, da carta da ONU, citado no Capítulo 1.

As decisões que são tomadas pelo Conselho de Segurança vinculam todos os


cento e setenta e oito Estados-membros, embora oriundas dos quinze. Visto que o próprio
artigo 24.1 diz que no cumprimento dos deveres o Conselho de segurança agirá em nome
dos Estados-membros. Os meios políticos, a exemplo dos diplomáticos, não produzem
soluções legalmente obrigatórias às partes em conflito, porém, em muitas vezes as sanções
econômicas e políticas oriundas deles acabam por ter um efeito mais real e impactante que
as decisões da própria Corte Internacional de Justiça.

A Assembléia Geral tem a função legislativa e o Conselho de Segurança tem


também a competência para tomar decisões em assuntos específicos. É uma espécie de
Legislativo especializado dentro da Organização das Nações Unidas.

3.2.2.2 Organização Mundial do Comércio

Criada em 1995, pelo acordo de Marrakesh em abril de 1994, como uma agência
especializada da ONU, sendo complementar e por sua abrangência substituindo o General
Agreement on Trade and Tarifs (GATT), a OMC tem sua sede em Genebra e conta,
atualmente, com cento e quarenta e seis membros. É sem dúvida uma instituição inovadora

168
nas Relações Internacionais, pois ela difere dos Comitês das Nações Unidas, difere dos
organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial
(BM), que são coordenados por um grupo de diretores. Além disso, apresenta um sistema de
resolução de controvérsias de grande eficácia e atividade, o OSC (Órgão de Solução de
Controvérsias), ou MSC (Mecanismo de Solução de Controvérsias, também conhecido como
panel). A OMC procura conciliar a busca da justiça com a celeridade. Assim, todo o processo,
incluída uma possível fase de apelação, não deve ultrapassar o período máximo de doze
meses.

Identificando-se o litígio, a OMC constitui um Grupo Especial (GE) integrado


por especialistas independentes que trabalham de maneira confidencial. Suas opiniões são
serão divulgadas sob o resguardo do anonimato. Procura-se conceder ao GE as condições
de imparcialidade, independência e discernimento indispensáveis a todo e qualquer juiz.

De jurisdição obrigatória para todos os países membros, o sistema inclui uma


decisão de primeira instância, tomada por painéis de especialistas, GE, e um órgão de
apelação cuja deliberação é definitiva, a não ser que todos os Membros, inclusive o país
beneficiado pela decisão votem contra. Grande parte da doutrina, incluindo Petersmann,
entendem que quanto a sua importância no cenário internacional “da mesma forma que o
mecanismo de solução de controvérsias do GATT 1947, o novo mecanismo de solução de controvérsias da
OMC provavelmente se tornará o sistema multilateral mais aplicado para a solução legal de disputas entre
governos[42].”

A criação do OSC traz assim a perspectiva de um avanço dramático para o lento


processo de judicialização do regime multilateral verificado nas últimas décadas. As decisões
tomadas pelo Órgão de Apelação vão progressivamente criar um corpo de jurisprudência
que tende, por sua vez, a alimentar o próprio sistema legal, tornando-o mais e mais
consistente, compreensível e previsível. Um efeito importante é que esse desenvolvimento
poderá esclarecer os próprios significados de cooperação e deserção, ao aplicar as normas do
regime a casos concretos, definindo que condutas efetivamente constituem ou não
violações.

Em termos de efeitos estruturais, o resultado é uma redução da possibilidade


que os Estados sempre tiveram no GATT de tentar rodear normas vagas e imprecisas sem
ter que abertamente desafiá-las, e muitas vezes sem ter de arcar com o ônus de ter sua ação
identificada como uma violação de regras.

Em segundo lugar, as mudanças no OSC provavelmente terão um impacto


maior e mais direto sobre a eficácia do sistema, aumentando nos Estados o temor de serem
efetivamente condenados, bem como a possibilidade de sanções reais. O poder de veto que
permitia ao Estado réu bloquear qualquer decisão de painel contrária a seus interesses foi
eliminado com o advento da OMC e do OSC. Agora uma decisão de painel só será recusada
se o Conselho Geral – o mais alto órgão executivo da organização – votar unanimemente
contra ela. Isso significa que agora mesmo o país autor da reclamação e que ganhou no
estágio do painel teria que votar contra seu próprio interesse para que a referida decisão não
seja adotada.

Um exemplo da forma como a justiça é ministrada na OMC envolveu o Brasil,


e o Canadá, do início de 1998 a meados de 2003. A brasileira Embraer, e a canadense
Bombardier, travavam uma luta para conquistar o mercado mundial de aeronaves de porte
médio, utilizadas em vôos regionais. As duas empresas travaram, através de seus governos

169
uma rude batalha na OMC, sob o olhar atento de terceiros interessados, em particular dos
Estados Unidos.Todas as etapas previstas pelo OSC foram cumpridas. A sentença
determinou que o Brasil deveria reformular sua política de incentivos às exportações do
Programa de Financiamento às Exportações (Proex). Já o Canadá foi condenado em razão
da concessão de subsídios ilegais à Bombardier através do programa Technology Partnership
Canadá (TPC).

Outra mudança significativa no antigo modelo do GATT que afeta eficácia de


todo o sistema é a formalização do caráter vinculativo das decisões do OSC. O país derrotado
pode recorrer ao órgão de apelação, mas a decisão desse é final. O não-cumprimento abre
espaços para sanções legítimas contra o violador. Para os Estados que estejam considerando
deserção, poderão ser categoricamente rotulados de violadores de regras (rótulo que pode
tornar transações futuras mais difíceis), agora sem a saída de poder alegar uma interpretação
diferente da norma; ainda, abre a perspectiva de serem objeto de retaliações concretas e
autorizadas. E aqui a finalidade ampla do regime reforça o desincentivo para o
descumprimento, já que permite uma grande gama de retaliações, desde que, segundo os
princípios básicos do sistema, sejam proporcionais ao dano causado pela violação.

O sistema do GATT e da OMC, incorporou o princípio da reciprocidade, e


permite que um país reaja a uma violação de regras que cause dano, à retirada de concessões
negociadas por um parceiro comercial (mesmo quando tal retirada foi autorizada por razões
específicas) ou mesmo a uma medida de um parceiro comercial que anule os benefícios
legitimamente esperados por outro, ainda que não haja nenhuma ilegalidade na medida dos
termos da OMC. Tais retaliações têm de ter uma magnitude relacionada àquela do fluxo de
comércio originalmente afetado. Mesmo dentro do quadro do sistema, no entanto, a
possibilidade de recorrer a medidas retaliatórias freqüentemente não oferece uma resposta
satisfatória ao problema da violação devido às enormes disparidades relativas entre os
diferentes parceiros comerciais.

Um Estado que tenha, hipoteticamente, sido indevidamente prejudicado por


práticas comerciais norte-americanas, por exemplo, e tenha obtido a permissão de retaliar,
vai provavelmente encontrar-se numa posição duplamente negativa. Com poucas exceções,
os Estados Unidos são em geral um mercado muito mais importante para outros países do
que o contrário. Neste caso, a retaliação provavelmente não teria nenhum efeito para o
violador, enquanto para o outro país ela acrescentaria ainda mais prejuízo ao dano que havia
sido provocado pela restrição indevida para começar.

A situação torna-se ainda mais complexa com o reconhecimento de que as


políticas de reciprocidade são também perseguidas fora do regime comercial. Os Estados
Unidos são mais uma vez o exemplo mais fácil, embora a União Européia também tenha
adotado legislação relativa a ações comerciais unilaterais em resposta às práticas vistas como
desleais implementadas por parceiros comerciais.

A disparidade concreta existente entre os diferentes parceiros comerciais, como


visto uma característica da realidade mundial exógena e precedente ao regime multilateral de
comércio, pode ter seus efeitos pelo menos atenuados por esse mesmo regime. Outro efeito
importante da institucionalização refere-se ao custo associado à insegurança relativa, à
confiabilidade dos parceiros e à probabilidade de que acordos e transações serão respeitados.

A existência de um corpo de normas e processos conhecido e consolidado, com


definições importantes sendo esclarecidos ao longo do tempo, e agora Com o muito mais

170
aperfeiçoado OSC e seu Órgão de Apelação, deve aumentar a probabilidade de observância
das normas e tornar os Estados, mesmo os relativamente mais poderosos, mais relutantes no
momento de afrontá-las. De fato, como visto acima, o acúmulo progressivo de decisões
lotadas de autoridade, a consolidação de interpretações e conceitos e o adensamento do
regime normativo daí decorrente reduz a possibilidade de um Estado alegar que determinada
medida na verdade não constitui violação de compromissos assumidos.

Seitenfus, concorda com a eficácia da OSC, reiterando que “A forma mais eficaz
de dirimir um conflito de natureza comercial, entre os Estados participantes da OMC é acionar seu sistema
autônomo de solução de controvérsias[43]”.

Exemplos atuais de soluções de Controvérsias no âmbito da OMC, detalhados


no Anexo B, casos:

A)28 de septiembre de 2007: La OMC hace público el informe del Grupo


Especial sobre el cumplimiento con respecto a la diferencia entre Indonesia y
Corea[44]

B)25 de septiembre de 2007: El OSD establece un Grupo Especial para que


examine la protección de los derechos de propiedad intelectual por parte de
China y un Grupo Especial sobre el cumplimiento para que examine la
aplicación por los Estados Unidos en el asunto sobre la “reducción a cero”[45]

3.2.2 Organizações Regionais, de domínio político.

Além dos órgãos da ONU, existem os Esquemas Regionais Especializados, que


são organizações que tem alcance regional, como a Organização dos Estados Americanos e
a Liga dos Paises Árabes. Elas funcionam da mesma forma que os órgãos da ONU. As partes
da mesma maneira, não são obrigadas a acatarem suas decisões, exceto se foram ambas as
partes que requisitaram sua interferência, e mesmo assim se não atingir a soberania do
Estado. Segundo Rezek, tais organizações “(...)têm conselhos permanentes, dotados da representação
de todos os países-membros, e prontos a equacionar politicamente os conflitos de âmbito regional antes que as
partes busquem socorro no foro maior, o das Nações Unidas[46]”.

Nem as recomendações e propostas do Conselho permanente da OEA,


tampouco o são as decisões do Conselho da Liga Árabe, tem eficácia salvo quando a lide
tenho sido trazido a seu exame por ambas as partes e a matéria não afete sua independência,
soberania ou integridade territorial.

3.2.2.1 Organização dos Estados Americanos OEA

A OEA foi criada pela IX Conferência Internacional de Estados Americanos


(Bogotá, maio de 1948), com base em mandato contido na Resolução IX da Conferência
Internacional Interamericana sobre os Problemas de Guerra e Paz (México, 1945). A referida
Resolução encomendava a reorganização, consolidação e fortalecimento do Sistema
Interamericano. Da referida Conferência, emanaram importantes documentos do sistema
interamericano, como a própria Carta da OEA, o Tratado Americano de Soluções Pacíficas,
conhecido como Pacto de Bogotá, e a Declaração Interamericana de Direitos e Deveres do
Homem, assinada sete meses antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

171
Como um dos mais antigos organismos regionais do mundo, a OEA atravessou
um século em busca de soluções para os principais problemas do Continente, mostrando
notável capacidade não só de adaptação à conjuntura histórica mas até mesmo de inovação.
Encontra-se atualmente em processo de revitalização, marcado por novas perspectivas de
atuação, ao lado de novos desafios. A partir da década de 90, a ênfase no fortalecimento da
democracia marcou os trabalhos da Organização, ocorrendo, ao mesmo tempo, uma
atualização de sua agenda política, resultante do novo quadro internacional. Assim, a OEA
passou a atuar mais intensamente em áreas de interesse de seus Estados-membros, tais como
o comércio e integração, controle de entorpecentes, repressão ao terrorismo, corrupção,
lavagem de dinheiro e preservação do meio-ambiente.

O Brasil foi um dos 21 primeiros signatários da Carta da OEA, cujo artigo 1º


define a Organização como um organismo regional dentro das Nações Unidas, criado para
conseguir uma ordem de paz e justiça, para promover a solidariedade de seus integrantes,
intensificar a colaboração entre eles e defender a soberania, a integridade territorial e a
independência dos Estados americanos. A Carta estabeleceu como propósitos essenciais da
Organização: garantir a paz e segurança continentais; prevenir as possíveis causas de
dificuldades e assegurar a solução pacífica de controvérsias entre seus membros; organizar a
ação solidária destes em caso de agressão; procurar a solução dos problemas políticos,
jurídicos e econômicos que surgissem entre os Estados-membros; e promover, por meio da
ação cooperativa, seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

São atualmente em número de 35 os Estados-membros da OEA: Antígua e


Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia,
Costa Rica, Cuba (cujo Governo está suspenso desde 1962), Dominica, El Salvador,
Equador, Estados Unidos, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México,
Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, São Cristóvão e Nevis, Santa
Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. Há 45
Observadores Permanentes na OEA e o Secretário-Geral.

A OEA atua nas seguintes principais áreas: fortalecimento da democracia;


segurança hemisférica; construção da paz; promoção e defesa dos direitos humanos; estímulo
ao comércio entre as nações; combate às drogas; preservação do meio ambiente; combate ao
terrorismo; incentivo à probidade administrativa e cooperação para o desenvolvimento.

Seu Pacto de Bogotá traz a Obrigação geral de resolver as Controvérsias por


Meios Pacíficos, em seu capítulo primeiro, e nos capítulos seguintes enumera meios de
resolução das controvérsias deixando às nações conflitantes a escolha do método em função
da situação factual, conforme seu artigo 3°.

“Artigo 3 – A ordem dos processos pacíficos, estabelecida no presente Tratado,


não impede às partes de recorrerem ao que considerarem mais adequado em
cada caso, nem lhes impõe o dever de seguí-los todos, nem estabelece, salvo
disposição expressa a respeito, preferência entre os mesmos[47].”

3.2.2.2 Liga dos Países Árabes

Surgida em 1945, no Cairo. No intuito de coordenar a política dos Estados, os


assuntos econômicos e financeiros e desenvolver o intercâmbio comercial, a liga foi uma das
principais manifestações de vontade dos países árabes, porém, suas características e

172
limitações são evidentes. Tentava-se reunir os países árabes num grande movimento unitário
que, ao longo da história, por suas inúmeras disparidades, demonstrou ser impossível.

Questões de segurança regional são prementes na Liga desde sua criação, no


contexto da Segunda Guerra Mundial. Na época, as questões mais relevantes para os Estados
fundadores eram a manutenção da independência recém-conquistada e o combate à criação
do Estado de Israel, que estava em pleno processo de constituição. Foi no âmbito da Liga
que os Estados Árabes organizaram a guerra ao recém-criado Estado de Israel em 1948.

Mesmo tendo desde a sua criação um inimigo comum – Israel – e compartilhar


valores lingüísticos, culturais e religiosos, os países árabes são divididos em tendências
irreconciliáveis. Alguns são favoráveis aos ocidentais e outros refutam a colaboração do
Ocidente; oposições entre ditaduras e escassos regimes democráticos, e entre regimes
republicanos e monarquias; alguns países, detentores de Petróleo são extremamente ricos,
enquanto outros que não o possuem são muito pobres; oposição religiosa entre os
fundamentalistas e os moderados.

Desse modo, a organização com seus vinte e dois países membros não consegue
demonstrar um mínimo de eficácia. São integrantes da Liga dos Estados Árabes (LEA):
Arábia Saudita, Argélia, Barein, Catar, Djibouti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen,
Ilhas Comores, Iraque, Jordânia, Kuweit, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã,
Palestina, Síria, Somália, Sudão e Tunísia.

3.2.3 Mercado Comum do Sul

O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é um amplo projeto de integração


concebido por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, constituído em 26 de março de 1991,
com a assinatura do Tratado de Assunção. Envolve dimensões econômicas, políticas e
sociais, o que se pode inferir da diversidade de órgãos que ora o compõem, os quais cuidam
de temas tão variados quanto complementação do abastecimento alimentar ou cooperação
aeronáutica, por exemplo.

Ao ser esboçado pelo Tratado de Assunção, a organização regional já mesclava


três distintas situações de aproximação econômica entre países, segundo a teoria da
integração. Em primeiro momento, refere-se à construção de uma Zona de Livre Comércio
(ZLC) na região, consistindo na eliminação das tarifas alfandegárias e não-alfandegárias. Em
um segundo momento, ambiciona sustentar uma política comercial externa unificada, com
relação a outros países, estabelecendo uma Tarifa Externa Comum (TEC), o que representa
uma União Aduaneira. O terceiro estágio da integração é o Mercado Comum, em que
circulam livremente não só bens, mas também serviços e os fatores de produção - capitais e
mão-de-obra. O Mercado Comum pressupõe ainda a coordenação de políticas
macroeconômicas.

No aspecto econômico, o MERCOSUL assume, hoje, o caráter de União


Aduaneira, mas seu fim último é constituir-se em verdadeiro Mercado Comum, seguindo os
objetivos estabelecidos no Tratado de Assunção, por meio do qual o bloco foi fundado, em
1991.Ou melhor, é um projeto de construção de um Mercado Comum cuja execução se
encontra na fase de União Aduaneira.

173
Tanto quanto na ONU, no MERCOSUL existem as Reuniões de Ministros de
áreas específicas, os Subgrupos de Trabalho e os Grupos “ad hoc” de assessoria técnica ao
Grupo Mercado Comum (GMC), e o Comitê de Cooperação Técnica.

O Protocolo de Ouro Preto também dotou o MERCOSUL de personalidade


jurídica internacional, habilitando o Conselho do Mercado Comum (CMC) a firmar acordos
com outros países em nome do MERCOSUL, o que já foi feito com o Chile, com a Bolívia
e com a União Européia.

O sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL, adotado em 1991 pelo


Protocolo de Brasília, e complementado pelo Protocolo de Ouro Preto em 1994, permite
julgar alegações de descumprimento das normas do MERCOSUL feitas por um Governo
contra outro Governo, ou por um agente privado, que acionará seu Governo, o qual por sua
vez levará o caso ao Governo do país objeto da reclamação - se considerar a demanda
justificada.

Nesse sistema, configurado após o Protocolo de Ouro Preto e especificado pelo


Protocolo de Brasília, constante no anexo C, o procedimento entre Estados tem três fases: a
negociação diplomática, a intervenção do Grupo Mercado Comum e arbitragem.

“Protocolo de Ouro Preto

Artigo 43.

As controvérsias que surgirem entre os Estados Partes sobre a interpretação, a


aplicação ou o não cumprimento das disposições contidas no Tratado de
Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das
Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado
Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, serão
submetidas aos procedimentos de solução estabelecidos no Protocolo de
Brasília, de 17 de dezembro de 1991.

Parágrafo único - Ficam também incorporadas aos Artigos 19 e 25 do Protocolo


de Brasília as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul.”

Constante nos seus artigos 2 e 3 do Protocolo de Brasília, remete como primeiro


meio de busca de soluções de controvérsias a negociação direta. Logo em seguida, constante
nos artigos 4,5 e 6, sugere a Intervenção do Grupo Mercado Comum fazendo uma
recomendação (com caráter de indicação em conciliação ou de comissão de inquérito,
conforme o caso); na hipótese de a negociação não prosperar ou da recomendação não ser
aceita, passa-se à terceira fase, contenciosa da arbitragem. Nisso não inova grandemente, as
diferenças são detalhes e procedimentos.

Inovou-se, em relação ao modelo clássico, introduzindo prazos para cada uma


das fases e a obrigatoriedade das consultas.

Se a primeira fase, de negociação e de intervenção do Grupo Mercado Comum,


repete o modelo tradicional do DIP, a última, da arbitragem, apresenta, sob vários aspectos,
todos eles muito importantes, uma evolução interessante.

174
Essa evolução repousa em três fatores, novos, sob o ângulo da efetividade:
Primeiro, a submissão obrigatória dos Estados à arbitragem, no curso do procedimento;
Segundo, pelo fato de que o laudo é obrigatório – introduzido que foi no sistema jurídico de
cada um dos países, juntamente com o Tratado – deve ser cumprido pelas autoridades locais
como se fora lei; Terceiro, porque há normas processuais obrigatórias, assim as partes não
podem mais ver no tribunal arbitral uma sua criatura, pois a submissão preexiste ao litígio.
O comportamento deste é predeterminado pela existência de normas processuais. A
diferença da arbitragem tradicional é sutil, mas cheia de conseqüências.

Há, por isso, mais do que na Corte Arbitral Permanente de Haia Ela não é,
portanto, um tribunal permanente, mas uma reserva de árbitros para os tribunais "ad hoc"
que os Estados- parte viriam a constituir.

A outra evolução, importante, em que a proposta do Mercosul difere do modelo


tradicional, é que as pessoas privadas têm acesso, direto ou indireto, ao sistema de solução
de conflitos, conforme o capítulo V do protocolo de Brasília[48].

Sem inovar, o modelo se distingue pela competência, específica à aplicação das


normas do Mercosul, e no âmbito deste; isto é, só podem ser partes pessoas residentes ou
estabelecidas no Mercosul e os quatro países-membros.

Um grande problema é o fato de não haver, no Mercosul, projeção real para o


futuro sistema jurídico. A leitura dos instrumentos constitutivos e das Decisões, Resoluções
e Diretrizes nos mostram, claramente, que o Mercosul legisla ex post facto e não pro-facto.
Assim, haverão sérias resistências quando se tentar falar em supranacionalidade na
elaboração normativa.

3.2.4 União Européia

Por fim, dentre os tribunais internacionais regionais, pode-se citar o Tribunal de


Justiça das Comunidades Européias, com sede em Luxemburgo, cuja competência está
relacionada às questões relativas à integração econômica regional, nas áreas de mercado
comum. O TJCE é composto de um juiz por Estado-membro e por oito advogados-gerais,
os quais possuem mandatos de seis anos e são designados de comum acordo pelos governos
dos Estados-membros. A missão do Tribunal é a de assegurar o respeito do direito na
interpretação e aplicação dos Tratados constitutivos das Comunidades Européias, bem como
das normas jurídicas adotadas pelas instituições comunitárias competentes. Para tanto, o
Tribunal foi dotado de amplas competências jurisdicionais e pela previsão de uma série de
ações e recursos.

O modelo que foi inaugurado pela Comunidade Européia do Carvão e do Aço


(CECA), e que mais tarde se estendeu à União Européia, reproduz a estrutura dos sistemas
existentes no interior dos países organizados como federação (ainda que a competência dos
tribunais superiores destes possam ter mais amplitude de competência que o europeu). Ali a
semente foi a CECA, onde o conteúdo das questões era técnico e econômico, e a delicadeza
da situação aconselhava tornar sujeitas à jurisdição as questões, para esvaziar seu lado
político.

Criou-se no seio da organização um órgão supranacional com poderes


judicantes, que é o Tribunal. O modelo deste é um híbrido entre a CIJ e as cortes
constitucionais dos países europeus – pela sua origem, pela independência dos juízes e por

175
outros elementos – mas apresenta diferenças substanciais em relação à primeira,
aproximando-se, sem maiores limitações, das últimas.

A matéria de sua competência é ligada ao comércio e à integração, mas encontra


o limite de operar no interior de uma zona, a do mercado comum europeu. Além disso, a
submissão dos estados é automática e obrigatória, é a corte que interpreta a norma
comunitária que foi erigida em nível hierárquico superior aos tribunais nacionais. Nisso, são
evidentes as semelhanças com um tribunal federal superior, como uma decisão do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) é superior à decisão dos Tribunais de Justiça dos estados no Brasil.

As ações cabíveis têm natureza declaratória, e não executiva, em matéria de


direito comunitário. Podem ser a ação declaratória incidental de caráter prejudicial (na qual
os juízes nacionais pedem ao tribunal que interprete as regras de direito comunitário que irão
aplicar), os recursos de anulação e carência (que visam a assegurar o controle da legalidade
dos atos ou omissões das instituições) e a exceção de ilegalidade. Os últimos permitem o
controle direto, o primeiro, o controle indireto.

O sistema tem, ainda, competência executória nas ações para a apuração da


responsabilidade civil extracontratual das Comunidades, e nas reclamações dos funcionários
comunitários.

Finalmente, o sistema pode incluir competência arbitral, quando esta lhe é


assegurada por cláusula compromissória.

Não há a necessidade de proteção diplomática nos casos em que os particulares


têm interesse de agir. Pode, assim, ocorrer o acesso dos particulares, de plano. A eficácia das
sentenças, nos casos de competência do tribunal, é similar à das oriundas dos juízes nacionais,
em razão do que dispõe os tratados instituidores das Comunidades e os direitos nacionais.

Entretanto, esta é uma das peças principais de um sistema jurídico federal, em


que as alçadas são essencialmente estrangeiras ao Direito Internacional. Por essa razão,
estamos diante de um sistema que seria imprudente chamar de internacional, e onde o
jurídico prima sobre o econômico e o político.

É sua semelhança com o direito interno que faz com que juristas que não têm
formação especializada em direito internacional sejam levados a imaginar a possibilidade de
sua transplantação para outros sistemas, de caráter nitidamente internacional, sem atentar
para as diferenças de propósito que cercearam a construção de cada um desses modelos, e
que são justamente o que lhes confere validade.

3.3 Meios Jurisdicionais

Conforme o suscitado no Capítulo 1, sendo a jurisdição um foro especializado e


independente que examina litígios operando baseado nas normas de Direito do local ao qual
ela é competente, e proferindo decisões obrigatórias pelos caracteres vinculativos da
jurisdição, no plano internacional ela não tem, originariamente, a característica de
obrigatoriedade, salvo casos previstos por tratados internacionais, aceitação da cláusula
facultativa de jurisdição obrigatória, ou em organismos regionais.

Contudo, a doutrina costuma classificar a arbitragem - mecanismo jurisdicional,


mas não judiciário, pela ausência de permanência e profissionalidade – e, a solução judiciária

176
- oriunda de tribunais internacionais, a exemplo do tribunal internacional de Haia - como
meios jurisdicionais de solução de controvérsias internacionais, os quais serão brevemente
comentados nos capítulos seguintes desse trabalho.

3.3.1 Arbitragem

Um outro meio e um dos mais antigos de solução de controvérsias é a


arbitragem. Esta se caracteriza por ser um procedimento através do qual os litigantes
escolhem um árbitro ou um tribunal composto de várias pessoas, normalmente escolhidas
pela sua especialidade na matéria, bem como pela neutralidade e imparcialidade, para dirimir
um litígio mais ou menos delimitado pelos litigantes, segundo procedimentos igualmente
estabelecidos diretamente por eles, ou fixados pelo árbitro, por delegação dos Estados
instituidores da arbitragem.

A arbitragem se distinguiria em dois tipos: voluntária ou facultativa e permanente


ou obrigatória. A primeira surgiria do compromisso entre as partes para a solução de uma
controvérsia que já surgiu. Assim, não há um acordo anterior entre as partes, pois o litígio
não foi previsto. A convenção arbitral para a instauração desse tipo de julgamento é chamada
de compromisso. Nesse compromisso, os litigantes mencionam as regras do direito aplicável,
designam o árbitro ou o tribunal arbitral, eventualmente estabelecem prazos e regras de
procedimento e se comprometem a cumprir a sentença arbitral como preceito jurídico
obrigatório. É também conhecida como arbitragem ad hoc, por ser criado um juízo arbitral
para aquele caso.

A arbitragem permanente ou obrigatória decorre de um acordo prévio entre as


partes, as quais prevêem que caso haja um divergência entre elas, será submetida à uma
solução arbitral. Esse compromisso prévio pode ser tanto um tratado geral de arbitragem
quanto uma cláusula arbitral inserida em um tratado. No primeiro caso, dois ou mais Estados
escolhem em caráter permanente essa via para a solução de disputas que venham a contrapô-
los no futuro. No segundo caso, os Estados vinculados por um tratado bilateral ou coletivo,
sobre qualquer matéria, inserem no seu texto uma cláusula arbitral, estabelecendo que as
questões resultantes da aplicação daquele pacto, deverá resolver-se mediante arbitragem[49].

A Corte Permanente de Arbitragem foi criada na 1.ª Conferência de Haia, em


1899, e revista na 2.ª Conferência, em 1907. A finalidade dessa Corte era impulsionar a
evolução da arbitragem para o tipo judiciário, com a instituição de um tribunal permanente
e a possibilidade de ser desenvolvida uma jurisprudência. Entretanto, ela trabalhou apenas
em 24 arbitragens desde a sua criação até hoje, tornando-se um recurso cada vez mais raro
depois da instituição da CPJI e, posteriormente da CIJ, que passaram a ter a preferência dos
Estados para a solução de litígios.

Não obstante o insucesso da CPA, a arbitragem em si ganhou bastante relevância


nos dias correntes. Um dos motivos é o fato de que a arbitragem se encontra cada vez mais
minuciosamente regulamentada em grandes tratados. Tal é o caso da Convenção de Montego
Bay sobre Direito do Mar de 1982, a qual possui mais de um anexo onde se detalham as
obrigações dos Estados de resolverem as controvérsias decorrentes de sua interpretação e
aplicação pelo mecanismo da arbitragem.

Além disso, o crescimento do direito econômico faz com que se procure


soluções cada vez menos institucionalizadas e mais rápidas, como a arbitragem. Isso fez com

177
que as arbitragens não ficassem restritas só a resolver os conflitos entre os Estados, mas
também propiciar a solução de litígios entre os Estados e particulares estrangeiros.

Nesse sentido, foi institucionalizada em 1965, sob a égide do Bird, o Centro


Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (conhecido pela sigla
CIRDI, ou em inglês ICSID), com sede em Washington.

Ademais, a arbitragem cresce em importância diante da emergência dos


fenômenos das integrações econômicas regionais, as quais necessitam de soluções para os
litígios por órgãos técnicos e mais atentos a fenômenos econômicos que os Tribunais
judiciários internos dos Estados-partes. É o caso do Nafta e do Mercosul.

No caso do Mercosul, o procedimento da arbitragem consta nos três grandes


tratados multilaterais entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, quais sejam, o Tratado de
Assunção de 1991, o Protocolo de Brasília de 1991 e o Protocolo de Ouro Preto de 1994.

Guido Soares afirma que no Mercosul a arbitragem é relativamente


institucionalizada, já que apesar de não ser:

“(...) administrada por uma centro ou uma entidade especializada em


arbitragens(como a Corte Permanente de Arbitragem, em Haia, ou o referido
Cirdi), (...) conta com algumas normas sobre a constituição de tribunais arbitrais,
listas de pessoas elegíveis a árbitros ou superárbitros, regras mínimas sobre
procedimentos, requisitos da sentença e obrigatoriedade de cumprimento das
decisões finais pelos Estados-partes do Mercosul[50].”

3.3.2 Solução Judicial

Em 1920 foi instituída pelo Pacto da Liga das Nações, uma Corte Permanente
de Justiça Internacional (CPJI), com sede em Haia e com vocação universal.

Essa Corte foi extinta em 1939 quando da eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Com a instituição da ONU, a Corte foi rebatizada de Corte Internacional de Justiça (CIJ),
com o status de órgão da referida Organização.

A Corte Internacional de Justiça é composta por quinze juízes eleitos, em voto


separado, pela Assembléia Geral e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. O
mandato dos juízes é de nove anos, sendo permitida a reeleição, e procedendo-se à renovação
pelo terço a cada três anos.

A CIJ possui competência contenciosa e consultiva. Com relação à competência


contenciosa, esta é exercida através do julgamento de litígios entre Estados.

No que concerne à jurisdição da Corte, a mesma pode ser invocada quando se


configura determinadas hipóteses. Primeiramente, quando conste de um tratado bilateral ou
multilateral que na eventualidade de uma divergência sobre a sua interpretação ou a sua
aplicação, as partes recorrerão à jurisdição da CIJ, podendo exigir ou não que o seu recurso
fique condicionado a exaustão dos outros meios de solução de controvérsias.

178
Outra hipótese é pela submissão por um Estado de uma demanda à jurisdição
da Corte ou pela aceitação expressa ou tácita por outro Estado da jurisdição, no caso de não
haver nenhum título de justificação da jurisdição da CIJ.

Outra hipótese é pelo denominado compromisso, no qual os Estados litigantes


reconhecem a jurisdição da Corte, descrevem a controvérsia, indicam o direito aplicável - se
o Direito Internacional Geral ou a norma específica de um tratado ou convenção
internacional - e os pontos sobre os quais se pede um pronunciamento da Corte.

Enfim, a jurisdição da CIJ é estabelecida pelo depósito por parte do Estado junto
ao Secretário Geral da ONU de uma declaração na qual conste a aceitação incondicionada
da jurisdição da CIJ, no momento em que subscrever o Estatuto da Corte, ou a qualquer
tempo. É o que se chama de cláusula facultativa de jurisdição obrigatória.

Diz-se facultativa porque os Estados têm a faculdade de adotá-la ou não, e


obrigatória porque determina a jurisdição obrigatória da Corte para os Estados que a
adotarem[51].

Por tais fatores é que se observa que a jurisdição da Corte não é automática,
ficando a mercê da vontade dos litigantes. Hodiernamente, apenas 52 Estados reconhecem
a jurisdição obrigatória da CIJ, sendo que dos membros permanentes do Conselho de
Segurança, apenas o Reino Unido a reconhece. Sem falar nos casos de retirada da declaração
de aceitação compulsória da jurisdição da CIJ.

Assim, ficaram notórios os casos em que a França retirou a declaração após


acionada pela Austrália e pela Nova Zelândia em razão das experiências nucleares que fazia
no Pacífico, e no caso dos Estados Unidos que retirou a sua aceitação após ser demandada
pela Nicarágua no caso das atividades militares que os americanos promoveram nesse país,
tendo sido condenados à reparação dos prejuízos causados.

Apesar disso, a Corte Internacional de Justiça possui um prestígio indubitável,


não só pelo seu posicionamento institucional dentre os cinco órgãos da ONU, mas pela
relevância que a Carta das Nações Unidas atribuiu às suas decisões. Nesse sentido dispõe o
artigo 94 da Carta:

“Art. 94

1. Cada membro das nações Unidas se compromete a conformar-se com a


Decisão da Corte Internacional de Justiça em qualquer caso em que for parte.

2. Se uma das partes num caso deixar de cumprir as obrigações que lhe
incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito a
recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer
recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento
da sentença.”

Este dispositivo, ao mesmo tempo em que confere um caráter executório aos


acórdãos da Corte, fica sujeita ao vício essencial que marca o funcionamento do Conselho
de Segurança. Assim, na medida em que apenas cinco países têm direito a veto, a imposição
do cumprimento da decisão fica submetida aos interesses desses Estados.

179
Com relação à competência consultiva da CIJ, esta se verifica pela em emissão
de pareceres consultivos por parte da Corte, desde que os pedidos se refiram a qualquer
questão de ordem jurídica, em conformidade com o artigo 96 da Carta de São Francisco, e
que sejam solicitados por Estados-membros da ONU, pelos órgãos das Nações Unidas ou
pelas entidades especializadas devidamente autorizadas pela Assembléia Geral.

4 - Os Meios Coercitivos

Findos os meios pacíficos de resolução de controvérsias internacionais e,


entendendo o Estado soberano, ou a OI, que as demais soluções fracassaram, seja pelo
desinteresse da parte adversa em resolver a obrigação, ou pela falta de executariedade da
solução apresentada, através de determinadas demonstrações de poder e influência as nações
em litígios buscam o convencimento através da força. Não se trata de um estado de guerra,
embora tenha muitos componentes para que esta aconteça.

Esses métodos são verdadeiras sanções, soluções impositivas da força, admitidas


na prática internacional. A carta das Nações é expressa em seu artigo 2.3 e 2.4, já citados,
onde indica os meios pacíficos para as soluções das controvérsias entre os Estados, a fim de
que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais; e que todos os
membros deverão evitar a ameaça ou o uso da força contra a integridade ou a independência
política de qualquer Estado. Desse modo, depreende-se que o objetivo da organização é que
primeiramente deve-se buscar a solução pacífica, mas na inviabilidade desse meio e sendo
justificado o ato / sanção, a ONU pode viabilizar seu consentimento.

O próprio CS, nos termos do artigo 41 da carta, como já citado no capítulo


3.2.1.1, pode aplicar medidas que não impliquem o emprego de força, conforme o artigo 41,
e , mesmo o emprego desta consoante o artigo 44 da referida carta.

Alguns doutrinadores, incluindo Celso D. de Albuquerque Mello, afirmam que


os meios coercitivos constituem sanções que objetivam reprimir as violações às normas de
Direito Internacional, segundo as palavras desse: “As sanções, de um modo geral, fazem com que as
normas jurídicas sejam mais respeitadas[52]”. Entretanto, conforme ensina Accioly, tais meios só
deveriam ser aplicados por organismos internacionais, por tratarem-se de sanções, desse
modo busca-se não possibilitar arbitrariedade das grandes potências para aplicar tal medida
repressiva[53].

Os meios coercitivos mais utilizados são os seguintes: Retorsão, Represálias,


Embargo, Bloqueio Pacífico, Boicotagem e Rompimento das Relações Diplomáticas.

4.1. Retorsão

É o ato pelo qual um Estado ofendido aplica, dentro do Direito Internacional,


sem violar tal direito, ao Estado ofensor as mesmas medidas ou os mesmos processos que
este empregou ou emprega contra ele, à busca do status quo ante.

Consiste então, numa espécie da aplicação da lei de Talião. Segundo Acciloy,


trata-se de medida, certamente, legítima; mas a doutrina e a prática internacional
contemporânea lhe são pouco favoráveis. Implica a aplicação, de meios ou processos
idênticos aos que lhe foram empregados ou que lhe estão empregando; consistindo, em geral,
em simples medidas legislativas ou administrativas, ao passo que as Represálias se produzem
sob a forma de vias de fato, atos violentos, recursos à força.

180
Portanto, conforme destaca Accioly, tal instituto: “Inspira-se no princípio da
reciprocidade e no respeito mútuo, que toda nação deve ter para com as demais. Não é ato de injustiça, nem
violação de Direito; mas, também, não pretende ser punição[54]”.

Podem ser citados como exemplos: fechamento do acesso de portos de um


Estado aos navios de outro Estado; a concessão de certos privilégios ou vantagens aos
nacionais de um Estado, simultaneamente, com a recusa dos mesmos favores aos nacionais
de outro Estado - aumento de tarifas de um determinado produto alfandegário.

Para Clóvis Beviláqua, a retorsão é um expediente reprovável ”(...) porque faz o


Estado reclamante aplicar uma regra de direito que ele julga má, tanto que se esforça para dela isentar seus
nacionais[55]”. Esse meio de resolução de controvérsias pode ter efeito dúbio, pois tanto pode
fazer cessar o ato que o originou, quanto gerar outras atitudes agressivas.

4.2. Represálias

O Instituto de Direito Internacional, em sua sessão de Paris, em 1934, definiu


esse meio coercitivo do seguinte modo:

“As represálias são medidas coercitivas, derrogatórias das regras ordinárias do


direito das gentes, tomadas por um Estado em consequência de atos ilícitos praticados, em
seu prejuízo, por outro Estado e destinadas a impor a este, por meio de um dano, o respeito
do direito[56].“

Segundo Husek, as Represálias “são medidas retaliativas em relação ao Estado


violador dos direitos de outro Estado[57]”. Aqui tratam-se de medidas que violam a ordem
internacional, são mais ou menos violentas e, em geral, contrárias a certas regras ordinárias
de direito das gentes, empregadas por um Estado contra outro, que viola ou violou o seu
direito ou o do seus nacionais; são formas de autotuela, que, apesar de tudo, tem sido
justificadas por representar uma resposta a uma violação anterior ao Direito Internacional,
situação similar a uma espécie de legítima defesa de interesses.

Distingue-se da Retorsão, por se basearem na existência de uma injustiça ou da


violação de um direito; ao passo que a Retorsão é motivada por um ato que o direito não
proíbe ao Estado estrangeiro, mas que causa prejuízo ao Estado que dela lança mão. Podem
não ser consideradas um ilícito, na medida em que se realizam como uma reação contra um
delito.

A doutrina costuma expor requisitos para que se concretize a justificativa de que


a represália representa uma resposta à violação anterior, tais como: existência de um ato
anterior contrário aos princípios e ao regramento do Direito Internacional; Impossibilidade
de empregar outros meios para que o Estado ofendido obtenha reparação; proporcionalidade
entre a ação sofrida e as ações empregadas pelo Estado lesado; e, tentativa anterior do Estado
de obter a satisfação desejada do Estado violador.

As represálias são consideradas negativas quando o Estado se nega a cumprir


determinada obrigação, decorrente de um pacto, ou executa atos que lhe são proibidos. As
positivas quando um Estado, por meios militares, pratica atos contra pessoas e bens do
Estado com quem está em litígio. Podendo, também, ser classificadas em armadas ou não
armadas.

181
Suas modalidades mais utilizadas são: o seqüestro de bens e de valores
pertencentes ao Estado, ou a seus nacionais; a interrupção das relações comerciais; a expulsão
de nacionais do estado que transgrediu as normas internacionais, ou a sua prisão como reféns;
a recusa de executar os tratados vigentes ou sua denúncia, a retirada dos privilégios e favores
concedidos aos cidadãos do estado; a ocupação do território, como medida coercitiva.

As represálias, por serem uma reação contra um delito no plano internacional,


são um dos meios mais violentos de solução de controvérsias, e também, um dos menos
eficazes, pois, em tempos de paz aproximam os Estados litigantes de um conflito armado,
devido ao seu caráter violento, e quando utilizadas em tempo de guerra servem apenas para
agravar ainda mais o conflito, tornando ainda menos amistosa a relação entre os Estados
beligerantes. Desse modo, as represálias vêm a contrariar os ideais mantenedores da paz e da
segurança internacionais previstos na Carta das Nações Unidas.

4.3. Embargo

É uma forma especial de represália que consiste, no seqüestro, em tempo de paz,


de navios e cargas de nacionais de um Estado estrangeiro, ancorado nos portos ou em águas
territoriais do Estado que pratica essa ação.

Não se confunde, em nenhum momento, com o “direito de angária”, onde um


Estado solicita os navios mercantes estrangeiros para o transporte de soldados e munições
em troca de pagamento. Nem com o chamado “embargo do príncipe”, onde fica proibida a
saída de navio do porto do estado ou de suas águas territoriais por problemas sanitários ou
por questões judiciárias ou policiais. Pois nenhum desses representa medida coercitiva.

Nas duas Grandes Guerras, até mesmo o Brasil utilizou o embargo quando
seqüestrou embarcações, cargas e bens alemães, italianos e japoneses. Contudo, esse meio
coercitivo foi abandonado pela prática internacional e condenado pela doutrina, pois, muitas
vezes, atinge apenas simples particulares sem colaborar para o fim dos conflitos.

4.4. Bloqueio Pacífico

O Bloqueio Pacífico constitui outra forma de represália. Segundo Husek,


consiste em impedir, por meio de força armada, as comunicações de um país com os demais
membros da sociedade internacional, objetivando obrigar o nação coagida a proceder de
determinado modo. Trata-se de um dos meios de que o Conselho de Segurança das Nações
Unidas pode recorrer para obrigar determinado Estado a proceder de acordo com a
Carta[58].

O referido autor aponta algumas condições exigidas para o bloqueio pacífico,


são elas: só pode ser empregado após o fracasso das negociações; que seja efetivo; notificação
oficial prévia; só obrigatório entre os navios dos estados em litígio, e não para terceiros; e, os
navios apreendidos no litígio devem ser devolvidos após o bloqueio.

É um meio muito pouco utilizado atualmente, sendo, também muito criticado


pela doutrina , tendo muitos Estados se mostrado desfavoráveis aos seu emprego, alicerçados
na pouco eficácia do instituto que em casos como o referente ao bloqueio do porto do Rio
de Janeiro de 31/12/1862 a 06/01/1863, pelos navios britânicos - sendo aprisionados os
navios mercantes que demandavam àquele porto, medida de reparação em conseqüência da
questão Christie motivada pelo naufrágio do Prince of Wales e da prisão de oficiais ingleses

182
à paisana, pertencentes à fragata forte, que haviam agredido autoridades brasileiras – que
apenas serviu para prejudicar ainda mais as relações diplomáticas entre os estados em litígio,
acirrando mais o conflito ao invés de solucioná-lo.

4.5. Boicotagem

É também uma forma de represália, definida em prol da interferência nas


relações comerciais, econômicas ou financeiras com um Estado considerado ofensor dos
nacionais ou dos interesses do Estado que aplica a medida.

Consiste, especificamente, na proibição de que sejam mantidas relações


comerciais com os nacionais de Estado que violou as regras de Direito Internacional.
Também pode compreender a interrupção de eventual assistência financeira e das relações
comerciais.

O boicote pode ser estabelecido por ato oficial ou por particulares. Tal medida
tanto pode ser empregada em tempo de paz como em tempo de guerra, sendo utilizada, no
primeiro caso, como processo coercitivo e, no segundo, como forma de impedir o comércio
neutral com outras potências inimigas.

A maioria dos autores entende que o boicote, sendo obra de particulares não
gera responsabilidade do Estado; a menos que tenha sido forçada pelo governo, nesse caso
é um ato ilegítimo pelo qual o Estado deve responder.

A Carta da ONU, em seu artigo 41, prevê a boicotagem como uma das medidas
a serem tomadas para tornar efetivas as decisões do Conselho de segurança.

A ONU utilizou a boicotagem no combate ao Apartheid, na África do Sul em


1984, impondo sanções econômicas como forma de pressão para que cessasse a política de
segregação racial constante naquele momento, na África do Sul.

4.6. Rompimento das Relações Diplomáticas

Husek conceitua o rompimento das relações diplomáticas como:

“(...) o pedido de retirada de toda missão diplomática do estado violador e a ordem de retorno
dos representantes do Estado acreditados no território do outro país. É o corte das relações
amigáveis, com conseqüências comerciais e políticas (...)[59].”

A ruptura de relações diplomáticas ou cessação temporária das relações oficiais


entre os dois Estados pode resultar da violação, por um deles, dos direitos do outro. Mas
pode também ser empregada como meio de pressão de um Estado sobre outro Estado, a
fim de o forçar a modificar a sua atitude ou chegar a acordo sobre algum dissídio que os
separe.

Geralmente é ato unilateral e discricionário, porém, será obrigatório quando


houver uma resolução internacional neste sentido. Apesar do rompimento, os governos
podem continuar a manter relações por meio de outros canais. A inviolabilidade dos locais
da missão é mantida, assim como a imunidade dos agentes diplomáticos. Um terceiro,
chamado de potência protetora, passa a representar os interesses do estado com o qual foram

183
rompidas as relações. Essa ruptura não implica, necessariamente, no rompimento de relações
consulares e econômicas.

Assim, é usado como sinal de protesto contra uma ofensa recebida, ou como
maneira de persuadir o Estado contra o qual se aplica, a adotar procedimento razoável e mais
conforme aos intuitos que se têm em vista.

No segundo sentido, está prevista no artigo 41 da Carta das Nações Unidas,


como uma das medidas que podem ser recomendadas pelo Conselho de Segurança para a
aceitação de suas decisões, em caso de ameaça contra a paz internacional.

É utilizada quando o litígio chega a um ponto extremo em que não é mais


possível diálogo entre as partes interessadas, traz o inconveniente de cortar a possibilidade
de negociações futuras e muitos autores a consideram como preliminar de declaração do
Estado de Guerra, em virtude disso, devendo ser utilizada apenas como último recurso,
quando esgotados todos os outros.

Conclusão

Desde o final da Segunda Grande Guerra inúmeras mudanças vieram a alterar


as regras e os propósitos da comunidade internacional. A evolução da tecnologia, a ampliação
de mercados e possibilidades comercias, crescem exponencialmente, derrubando muitas
barreiras e solidificando a era da globalização.

Com o objetivo de não repetir os flagelos dos sangrentos e cruéis episódios da


existência humana, dados, principalmente, na primeira metade do século XX, surgem
organizações intergovernamentais como a SDN e, posteriormente, a ONU buscando manter
a paz e a segurança internacionais.

Nesse novo cenário onde as relações tornam-se muito mais ágeis pela facilidade
de troca de informações, circulação de pessoas e produtos, a possibilidade de incidência de
desacordos sobre certos pontos de fato ou de direito multiplica-se quantitativamente. Assim,
emerge a necessidade de se regular eventuais discrepâncias.

Controvérsias que são apresentadas cada vez mais de modos diversificados, em


virtude das modificações presentes na sociedade internacional globalizada. Organizada não
mais somente em Estados isoladamente; mas agora também em organismos regionais como
a União Européia e o Mercosul, que poderão ou não abdicar de uma parcela de sua soberania
a fim de gerar a qualidade de supranacionalidade e de jurisdição obrigatória, devendo assim,
pela sua aceitação, acatar as decisões que esse organismo hierarquicamente superior lhe
aprouver, mesmo que lhe sejam contrárias; de maneira similar a que o cidadão deve acatar
quando na sucumbência em jurisdição interna.

Ainda, no que tange a soberania e a interferência nos governos nacionais,


concomitantemente a essas entidades intergovernamentais surgem conglomerados
econômicos designados como empresas transnacionais, com patrimônio e poder de barganha
inacreditáveis a poucos anos atrás, de modo a mesmo sem possuir as características
personalíssimas dos sujeitos do DIP acabam interferindo diretamente nas relações
internacionais pelo seu enorme potencial econômico, de geração de emprego e renda.

184
Quanto aos meios de resolução das controvérsias internacionais, os organismos
intergovernamentais, por meio de tratados multilaterais e de novos meios, como a diplomacia
multilateral e a diplomacia parlamentar, buscam através de um ideal de cooperação entre as
nações criar meios para que todos os conflitos sejam resolvidos de maneira pacífica. São
mantidos no rol do DIP os eficientes e tradicionais meios de solução pacífica de
controvérsias, como as Negociações Diplomáticas, a mediação, a conciliação e a arbitragem;
acrescentados os meios políticos oriundos dos órgãos regionais, e os meios jurisdicionais, ou
tribunais internacionais.

Sendo que as decisões oriundas dos meios Diplomáticos e Político, assim como
as Jurisdicionais da Arbitragem, cada uma com seu grau de obrigatoriedade diferente,
dependem, em última análise, da boa-fé dos litigantes. E, mesmo a sentença da Corte
Internacional de Justiça pode ter sua executoriedade posta a prova, visto que para que a
jurisdição ocorra o Estado-parte da controvérsia deve aceitá-la formalmente.

É importante ressaltar que, sendo as nações soberanas, a comunidade


internacional não deveria interferir na competência interna dos Estados. Porém, como a
finalidade última do Direito Internacional Público, já designado como Direito das Gentes, é
manter a paz e a segurança internacionais a fim de resguardar a humanidade de práticas não
condizentes com a situação de ser humano, nos dias de hoje a ONU entende que tem
competência pra fazer esse resguardo.

Similar situação é a referente à causa do meio ambiente. Tornou-se crucial aos


habitantes do planeta criar uma política de preservação ambiental, caso contrário a
sobrevivência da espécie humana estará gravemente ameaçada. Analisando sobre a ótica do
preâmbulo da Carta das Nações, a preocupação nesse caso é referente às condições de vida
dos seres humanos, enquanto inseridos no ecossistema mundial terrestre. Protocolos
internacionais tentam ser firmados, mas muitas vezes são impedidos de serem postos em
prática pelos interesses das grandes nações, economicamente fortes e poluidoras.

A necessidade de unanimidade dos cinco membros permanentes do Conselho


de Segurança da ONU nas decisões do mesmo constitui verdadeiro poder de veto dessas
nações, o que faz com que tenham poderes substancialmente superiores as demais e possam
travar situações levadas ao CS e que não sejam de seu interesse.

Quanto aos meios coercitivos de solução de controvérsias, alguns ainda se


mantém presentes como forma de sanção da Carta das Nações, outros estão em desuso e
não tem sua prática justificada nos dias atuais. De qualquer maneira a prática deles é
veementemente combatida, só podendo ser autorizada pelo CS em último caso, segundo as
normas do diploma legal em questão, a fim de resguardar ou restabelecer a paz e a segurança
internacionais.

Depreende-se que a partir do fim das grandes guerras a mobilidade mundial foi
alterada substancialmente, de modo a interferir nas relações entre pessoas, entre Estados,
entre esses e a comunidade internacional. Reduzindo distâncias, mantendo meios de
relacionamento dos sujeitos de direito internacional, e surgindo, além de outros modos de
relacionamento, outros sujeitos de direito internacional. Desse modo a comunidade
internacional busca adequar-se à nova conjectura mundial, organizar maneiras de resolver
suas controvérsias e buscar a paz e a segurança internacionais, ainda que nesse caminho
estejam privilegiadas algumas nações mais abastadas.

185
FONTE:http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=255

186
II - Solução de conflitos/litígios internacionais

Rosa Gomes Ca

Resumo: A resolução de conflitos acontece em etapas mais avançadas da curva do conflito,


quando este ultrapassa o limiar da violência e escala para uma situação de crise, podendo
chegar á última análise ao conflito armado, a guerra. É notório que, a solução de conflitos
também é benéfica por deixar ambas as partes satisfeitas com o resultado final, razão pelo
qual, a impressão que demonstra é que as partes ficam mais satisfeitas, pois quase sempre
chegam-se a um consenso. Além disso, a solução pacifica de conflitos é muito usada entre as
partes ou os Estados que pretendem manter uma relação de melhoria contínua, sensível
perante organizações internacionais. Por outro lado, saber lidar com situação de conflito é
necessário que tenha uma base de formação abrangente com conhecimento de diversas áreas
em geral, a cultura. Obviamente se o conflito é apenas uma das possíveis formas de interação
entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades. Uma outra possível forma de
interação é a harmonia e cooperação. Enfim, a ocorrência de conflitos internacionais traz a
necessidade de se estabelecer instrumentos regulados pelo Direito Internacional para uma
solução pacífica que são meios disciplinares por modos Diplomáticos, Políticos, Jurídicos e
Jurisdicionais etc. Acredita-se, portanto que é nessa capacidade humana de ser diferente e
acreditar naquilo que possa o convir, que o direito internacional resguarda conflitos capazes
de causar sofrimentos a humanidade.

Palavras-chaves: Resolução de Conflitos Internacionais, Modos Pacíficos de Solução.

Sumário: Introdução. 1. Solução de conflitos/litígios internacionais. 1.1. A Solução de


Conflitos/LitígiosInternacionais. 2. Classificação de modos pacíficos de solução de
conflitos/litígios. 2.1. Modos Diplomáticos. 2.1.1. As Negociações Diplomáticas. 2.1.2. O
Conceito da Mediação. 2.1.3. Os Bons Ofícios. 2.1.4. A Conciliação. 2.2 Modos Políticos.
2.3 Modos Jurídicos. 2.3.1 A Comissão de Investigações. 2.4 Modos Jurisdicionais. 2.4.1
Solução Arbitral. 2.4.2 Solução Judiciária. Conclusão.

INTRODUÇÃO

O diálogo é o meio principal para a solução de conflitos, pois faz as partes


chegarem a um acordo satisfatório.

Quando falamos em um acordo, vale a pena lembrar que este deve ser justo,
conseqüência de um diálogo honesto. É papel de resolução, garantir que essa comunicação
aconteça de forma livre, franca mais tranqüila, sempre buscando o melhor acordo acerca do
bem almejado pelas partes.

E como o diálogo pode levar a uma solução de seus problemas de modo que
todos podem sair ganhando. Esse processo ajuda na inclusão social de todos no seio
internacional, ao perceberem o papel importante que têm na luta para fazer valer os seus
próprios direitos

Nem sempre o confronto é a melhor saída para a solução de um problema


dentro de uma organização. Aliás, quase nunca há convergência nos interesses de duas ou
mais partes ou Estados em cenário marcado por conflitos diretos.

187
Nesse caso, é procurada cada vez mais por todo o mundo a contratação de uma
terceira pessoa imparcial especializada e desinteressada do processo em apaziguar os ânimos
e buscar os denominadores comuns entre os objetivos das partes ou Estados conflitantes.

Ao todo, se pode dizer que, utilizando quaisquer técnicas dentre os quais a


mediação, arbitragem, conciliação, negociação diplomática, solução judicial etc, para
solucionar os conflitos mediante o “Diálogo”, ensejar-se-ia na prevenção de conflitos e a paz
social no escopo internacional. Diante desse esquema adotado pela presente monografia tem
por escopo analisar a temática dos conflitos internacionais, estudando em linhas gerais as
vias pacíficas de solucionar litígios em nosso mundo contemporâneo.

No entanto, primeiramente será feita uma exposição sobre solução de conflitos,


posteriormente será feita uma exposição sobre meios pacíficos que configuram na realidade,
para repelir as controvérsias consagradas na Carta das Nações Unidas.

1. SOLUÇÃO DE CONFLITOS/ LITÍGIOS INTERNACIONAIS

1.1. A Solução de Conflitos/Litígios Internacionais

A solução é forma pacífica para remediar o conflito.

A solução pacífica de conflitos entre os Estados foi se consolidando ao longo da


História, consubstanciando-se em institutos que foram consagrados pelos usos e costumes
internacionais.

O modo de solução de conflitos internacionais pode ser inicialmente, divididos


em pacíficos e não pacíficos.

Não-pacíficos, ligado essencialmente ao uso da forca por uma das partes litigantes.

Os meios pacíficos de solução de conflitos internacionais têm sua eficácia adstrita á


vontade dos países contendores.

Insta observar que, embora o conceito da Corte se refira ao conflito estabelecido


entre dois Estados, os protagonistas de um litígio internacional podem ser perfeitamente um
grupo de Estados, bem como os demais sujeitos do Direito Internacional Público, tais como
as organizações internacionais.

Nessa perspectiva, foram adotados principalmente, do decorrer do século XX


alguns tratados multilaterais, com o fim de regular em nível regional e em nível global, os
mecanismos para a solução pacífica de disputas.

Assim, entre as convenções realizadas em nível global, pode-se citar a


Convenção de Haia para a Solução Pacífica de Conflitos Internacionais de 1899, a segunda
Convenção de Haia para a Solução Pacífica de Conflitos Internacionais de 1907 e o Ato
Geral para a Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais em 1928, mais conhecidos
como Ato Geral de Arbitragem de Genebra, sob a égide da Liga das Nações.

Em nível sub-regional oeste africano, o tratado da Comunidade Econômica dos


Estados da África Ocidental- CEDEAO forma de solucionar os conflitos de 1945 e de 1993,

188
este entre outros são legítimos e reconhecidos no âmbito do Direito Internacional perante a
criação da ONU:

Assim, dispõe o artigo § 2° e 3° da Carta das Nações Unidas que:

“Todos os membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por


meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça
internacionais”.

Ademais, o art. 33, §1°, I da mesma Carta complementa:

“As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e
à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por
negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial,
recurso à entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à
sua escolha”.

De igual modo, importa-se observar os quais os modos pacíficos de solução de


conflitos internacionais, cuja análise diante passa a ser detalhada: Negociações Diplomáticas;
Políticos; Jurídicos; e Jurisdicionais.

Uma das formas de distinguir a prevenção da resolução de conflitos é relativizar


estas atividades no tempo. Assim, no primeiro caso refere-se a estágios pré-conflituais ou
em fases prematuras do conflito, ou seja, antes deste se tornar violento e ocorre normalmente
por um período dilatado de tempo.

Por sua vez, a resolução de conflitos acontece em etapas mais avançadas da curva
do conflito, quando este ultrapassa o limiar da violência e escala para uma situação de crise,
podendo chegar em última análise ao conflito armado, a guerra.

Neste âmbito, carece em regra de medidas mais urgentes, com maior robustez e
realizadas normalmente sobre a égide da ONU ou de outras Organizações Internacionais,
Regionais ou Sub- regionais credíveis, constituindo uma terceira parte que não só vai mediar
o conflito, como será o interlocutor privilegiado da sociedade internacional para esse conflito,
assumindo por norma a liderança conjugada das dinâmicas pacificadoras na região.

Na escalada da curva de aceleração inconstante do “ciclo de vida do conflito”,


ao se atingir o patamar da crise, a sua gestão caracteriza predominantemente, em função do
fator “tempo” desenvolvendo em norma, por um longo período de tempo exigindo,
contudo, medidas “drásticas” e envolvendo terceiras partes e atores internacionalmente
credíveis, na tentativa de evitar que este conflito assuma as proporções de um conflito
armado ou possa escalar para um patamar de violência generalizada que torne o país ou a
região num estado de Guerra.

Peter Wallensteen nos apresenta uma concepção para resolução de conflitos, em


que a define como “a adoção de medidas tendentes a resolver o cerne da incompatibilidade
que esteve na origem do conflito, incluindo as tentativas de levar as partes a se aceitarem
mutuamente. Compreendendo

“O conjunto de esforços orientados no sentido de aumentar a cooperação entre


as partes em conflito e aprofundar o seu relacionamento, focalizando nos

189
aspectos que conduziram ao conflito, promovendo iniciativas construtivas de
reconciliação, no sentido do fortalecimento das Instituições e dos processos das
partes” (2004, p. 8).

Esta definição, muito utilizada em contexto acadêmico, aduz ao sentimento de


diálogo e de mútuo entendimento com vista à cooperação estratégica para a resolução do
conflito, apontando algumas áreas prioritárias de intervenção.

Noutra perspectiva, Charles-Philippe David, citando Fetherston, refere que a:

“Aplicação não coerciva de métodos de negociação e de mediação, por terceiros,


com vista a desarmar o antagonismo entre adversários e a favorecer entre eles
uma cessação durável da violência, pode constituir o cerne da problemática em
torno da resolução de conflitos” (2001, p.284).

Neste sentido, existe atualmente um conjunto de mecanismos ao dispor da


Organização das Nações Unidas, que vão desde a diplomacia preventiva, associado à
prevenção de conflitos, ao “peacemaking”, “peacekeeping” e na fase de reconstrução pós-
conflito, o “peacebuilding”, com o objetivo de cessar as hostilidades e levar as partes em
confronto a aceitar a paz.

2. CLASSIFICAÇÃO DE MODOS PACÍFICOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS/


LITÍGIOS INTERNACIONAIS

2.1 Modos Diplomáticos

2.1.1 As Negociações Diplomáticas

Essa forma de solução de litígios é a que possibilita os melhores resultados,


caracterizada por grande informalidade segundo usos e costumes internacionais pode se dar
pela aproximação ou não das partes ou Estados litigantes, por meio de negociações
diplomáticas pela interferência de uma terceira parte no intuito de induzir os litigantes a uma
solução pacífica do litígio.

Em outros termos, podemos dizer que são realizadas através da comunicação


diplomática, tanto oralmente quanto por meio de troca de notas entre a chancelaria e a
Embaixada.

Durante muito tempo o centro das negociações diplomáticas esteve sediado em


Roma.

Na Idade Moderna, a Diplomacia adotou um modelo da época Renascentista,


nascido na Itália, que manifestou a necessidade de nomeação de enviados residentes, devido
ás tensões existentes entre os principados italianos “modelo utilizado em Veneza desde o
séc.XIII”.

Tanto a política e quanto a jurídica, é passível de solução pelos modos pacíficos


então, daí, cumpre referir que, a negociação diplomática é um ato não público, estabelecido
entre Estados, logo as negociações são, em regra, bilaterais.

Bilaterais

190
Dão-se quando a questão interessa somente dois (2) Estados e incide
diretamente.

A negociação abre possibilidade integral de diálogo, debates a fim de atingir um


consenso para ambas as partes litigantes.

Outras vezes, as negociações diplomáticas podem assumir um caráter,

Multilaterais

Ocorrem em reunir os enviados diplomáticos em conferências e


congressos. Noutro dizer, assume esse caráter se o interesse é mais de dois (2) Estados.

Alguns autores, mormente Luis García Arias (Mello, 1992, p.1072) constata que
as conferencias entre chefias de Estados apresentam uma série de inconvenientes que são
(3):

- Animosidade pessoal;

- A falta de objetivo específico; e as

- As especialistas são muitas vezes isoladas do efeito.

Durante as negociações podem ser suscitadas novas questões, que não constam
as instruções mencionadas. Conseqüentemente, elas podem ser mais demoradas, pois os
enviados têm que fazer chegar aos seus superiores ás novas questões, de forma a solicitar
instruções suplementares.

Com isto, Sempre que se apresentam em missões Diplomáticas, o Embaixador


e restante pessoal diplomático devem fazer-se acompanhar de uma “carta de crença.” Esta é
uma credencial que certifica o estatuto de um Embaixador, de acordo com as regras notariais
do seu País e que comprova a sua natureza e funções.

É certo que ao longo do século XX, surgiu a chamada "diplomacia presidencial",


fruto da maior facilidade de comunicação entre os países e da vantagem natural que
representa a tomada de decisão no mais alto nível.

Dentro dessa ótica, pode-se dizer que o Direito Internacional reconhece ao


Chefe de Estado um papel na diplomacia, podendo até mesmo negociar e assinar tratados
sem necessidade de plenos poderes, da mesma forma que o Ministro do Exterior.

Compete ao Chefe de Estado, em geral, a prerrogativa de ratificar os tratados


em nome de seu país.

Como resultado das negociações pode ocorrer uma desistência - quando uma
das partes renuncia ao direito que pretendia.

Aquiescência - quando há o reconhecimento por uma das partes da pretensão


da outra. Finalmente, a transação - quando ambas as partes fazem concessões recíprocas.

191
Ainda, em síntese é válido mencionar que as negociações, sejam elas unilaterais
ou bilaterais, são admitidas em quaisquer fases de outros procedimentos, bem como é
responsável cotidianamente pela solução de vários litígios internacionais.

2.1.2 O Conceito da Mediação

É um meio em que haverá o envolvimento de um terceiro.

É um processo que, através da ajuda de uma pessoa neutra e imparcial “o


mediador”, ajuda as pessoas a dialogarem e a cooperarem para resolver um problema.

Portanto, o ente neutro, busca a solução do conflito de acordo com o


conhecimento do problema em questão e das razoes de cada uma das partes.

Em outras palavras, representa de uma consensual resolução de controvérsias,


na qual as partes, por meio de diálogo franco e pacífico, têm a possibilidade, elas próprias,
de solucionarem seu conflito, contando com a figura do mediador, terceiro imparcial que
facilitará a conversação entre elas.

Através do processo de mediação, as pessoas criam uma consciência maior dos


seus direitos e deveres, possibilitando uma reflexão profunda sobre as questões sociais. Nesse
processo, as pessoas percebem que, independente da classe social, todo mundo possui
direitos, e que todos podem colaborar para escolher o melhor caminho a ser tomado.

A mediação estimula as pessoas a resolver os seus próprios conflitos. Isso faz


com que cada indivíduo conheça melhor os seus direitos e deveres e como o diálogo pode
levar a uma solução de seus problemas de modo que todos podem sair ganhando.

Esse processo ajuda na inclusão social de todos, ao perceberem o papel


importante que têm na luta para fazer valer os seus próprios direitos.

Em suma, a mediação por suas peculiaridades torna-se um meio de solução


adequada a conflitos que versem sobre relações continuadas, ou seja, as relações que são
mantidas apesar dos problemas vivenciados.

2.1.2.1 A Imparcialidade do Mediador

Consoante WARAT:

“A mediação seria uma proposta transformadora do conflito porque não busca


a sua decisão por um terceiro, mas, sim, a sua resolução pelas próprias partes,
que recebem auxílio do mediador para administrá-lo. A mediação não se
preocupa com o litígio, ou seja, com a verdade formal contida nos autos.
Tampouco, tem como única finalidade a obtenção de um acordo”.(WARAT,
Luis Alberto. O Ofício do Mediador, Habitus, 2001)[.....]

Sendo que ao mediador compete:

Estabelecer sua credibilidade como uma terceira pessoa imparcial e explicar o


processo e as etapas da mediação;

192
Favorecer uma atitude de cooperação, inibindo a confrontação freqüentemente
utilizada pelo sistema tradicional;

Equilibrar o poder entre as partes, favorecendo a troca de informações;

Facilitar a negociação.

Com essa analise inversa, dá para acreditar que pode restar mais fácil o
entendimento e a observação de que, o mediador deve ser uma pessoa neutra.

Deve conduzir sem decidir e ser neutro em tudo o que seja esperado dele como
intervenção na decisão.

Os conflitos nunca desaparecem, se transformam isso porque, geralmente,


tentamos intervir sobre o conflito e não sobre o sentimento das pessoas. Por isso é
recomendável, na presença de um conflito pessoal, intervir sobre si mesmo, transformar-se
internamente, então, o conflito se dissolverá, se todas as partes comprometidas fizerem a
mesma coisa.

É essencial reconhecer neste ponto, que o mediador deve entender a diferença


entre intervir no conflito e nos sentimentos das partes, assim, ajudar as partes, fazer com que
olhem a si mesmas e não ao conflito, como se ele fosse alguma coisa absolutamente exterior
a elas mesmas (Warat, 2001, p. 26, 424)

Não se pode dizer que, o mediador deve ter atitude de julgamento ou analisar o
juízo de valor sobre as questões ou pessoas, e sim ter a percepção do valor de uma solução
aceitável para ambas as partes e acreditar na capacidade das pessoas de encontrar solução,
levando em conta sempre a importância da relação.

Todavia, deve também assegurar o equilíbrio nas negociações e manter a


neutralidade, razão pela qual, em busca da equidade nas negociações, verificar se o acordo é
justo e satisfatório, não na ótica dele, mas sim das partes, devendo dirigir, assumir controle e
sabendo quando interromper uma discussão não apropriada.

2.1.3. Os Bons Ofícios

Os bons ofícios são a tentativa de impor amistosamente de um ou mais Estados


de abrir via às negociações dos Estados ou partes interessadas, de reatar as negociações que
foram rompidas (Mello, 2001, p. 1073)

Sendo assim, o terceiro Estado seria um simples intermediário que não costuma
ser requerido, coloca em presença os Estados litigantes para os levar entrar em negociações,
ao contrário da mediação, embora na prática seja difícil distinguir entre ambos.

Exemplo: Esta técnica de serviço pode ser requerida por um alto funcionário de
organização intergovernamental na qualidade de Secretário Geral da ONU. No âmbito da
Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental- CEDEAO, estes países sub-
regionais africanos possuem o regime de Bons Ofícios como mecanismo para pacificação de
conflitos e de igual modo, no da Organização dos Estados Americanos- OEA.

193
Assevera-se segundo Accioly, “a matéria ou assunto em litígio interessa á vários
Estados, ou quando se tem em vista a solução de um conjunto de questões sobre as quais
existem divergências”.

O objetivo é de aproximar das partes, incitando um ambiente propício par que


estas se entendam por si. Por isso, seu caráter é meramente instrumental.Cumpre observar
que, os Bons Ofícios são sistemas muito antigos, embora não estejam contemplados na Carta
da ONU, mas servem de mecanismo para resolução de contendas. Nisso, tanto seus
oferecimentos quanto suas recusas, não devem ser consideradas um ato inamistoso.

Como se sabe, ao longo de sua história, o Brasil tanto já se utilizou dos bons
ofícios, como já recolheu a ação amistosa de um terceiro Estado. Exemplo deste último foi
a prestação de Bons Ofícios por parte de Portugal, em 1864, para que Brasil e Grã-Bretanha
reatassem as relações diplomáticas rompidas após o incidente Christie.

O exemplo mais contemporâneo pode-se mencionar a ação dos Estados Unidos,


com o governo Carter para promover a aproximação entre Egito e Israel. Há série de
negociações que se seguiram culminou posteriormente com a celebração do acordo de Camp
David.

Diferente da mediação, o ente mediador é mais ativo, intervindo independente


das controvérsias oferecendo assim, a possibilidade de um bom senso aos contendores.

2.1.4 A Conciliação

É por intermédio do qual as partes que compõem o litígio escolhem terceiros


não necessariamente neutros, denominados comissão conciliadora, que procurará sugerindo
alternativas sobre questão litigiosa ajudá-las a alcançarem por si mesmas, um acordo para
solução de controvérsias.

Em outras palavras, consiste em um órgão que tem confiança comum dos


Estados litigantes.

A função desta comissão conciliatória é de investigar os fatos em disputa e


sugerir uma solução que melhor aproveite os interesses de ambos e a aceitação dos pólos em
disputa é meramente opcional.

Assim, não sendo aceita a solução proposta pela comissão conciliatória, os


trabalhos serão encerrados e as obrigações recíprocas entre as partes tornam-se inexistentes.

Diante disso, os fatos investigados e opiniões legais emitidas pelas partes e pela
Comissão Conciliatória, não têm quaisquer valores perante Cortes Arbitrais ou Judiciais.

De outra maneira, as partes já teriam acordadas anteriormente.

Os conciliadores podem ser nomeados de acordo com a função exercida por ex.
Ministro das Relações Exteriores ou com a sua capacidade pessoal.

Porém, após procedimentos com certa formalidade, apresenta suas conclusões


sobre a questão litigiosa, na forma de relatório opinativo, no qual irá propor um acordo entre
os litigantes e um prazo para que estes se pronunciem.

194
Ultimamente, a conciliação tem merecida uma atenção particular em algumas
convenções multilaterais mais complexas por resultar tanto de um acordo preestabelecido
ou ad hoc entre as partes envolvidas na disputa, onde se prevê que, na impossibilidade de
chegar-se a uma solução pela via da arbitragem, as partes/Estados se comprometem a iniciar
uma conciliação por influencia refletida da Convenção de Viena Direito dos Tratados de
1969, a Convenção da Biodiversidade e a Convenção sobre Mudança do clima, ambas de
1992 e a Convenção de Montego Bay de 1982 sobre Direito do Mar, a qual contém um
Anexo Único, especialmente voltado á conciliação.

Portanto, difere dos procedimentos de investigação pela possibilidade de os


conciliadores emitirem opiniões valorativas e formularem sugestões aos Estados litigantes,
embora os Estados não sejam obrigados a aceitarem a solução proposta.

Assemelha á mediação, mas com uma importante diferença: não haverá um


único conciliador, mas uma comissão integrada em número total ímpar. As decisões são
tomadas por maioria ao passo que, na mediação apenas são tomadas com a concordância das
partes.

2.2 Modos Políticos

A Carta da ONU determina no dispositivo do seu artigo 33, que nas


controvérsias de ameaça à manutenção de paz e da segurança internacional, as partes
litigantes deverão chegar à solução pacífica por qualquer um dos modos existentes no Direito
Internacional, (supramencionados) ou por qualquer outro meio.

Neste caso, as Organizações Internacionais detém o papel primordial para


solução de conflitos.

Se a lide não for resolvida, as partes deverão submetê-la ao Conselho de


Segurança, este mecanismo só deve ser utilizado quando ocorrer litígios de certa gravidade
que, nos casos de ameaça à paz, pode fazer recomendações e também decidir sobre as
medidas a serem tomadas. Porém, tanto o Conselho de Segurança quanto a Assembléia Geral
das Nações Unidas são as duas esferas políticas privilegiadas, que solucionam os litígios
Internacionais ocorridos entre os Estados.

Mas, em uns casos como jurisdição nacional, vinculada ás Organizações de


alcance Regional ou Sub-Regional e propósito de política igual á Comunidade Econômica
dos Estados da África Ocidental-CEDEAO (1945/1993), a Organização dos Estados
Americanos-OEA (1951), Liga dos Estados Árabes-LEA (1945) etc... Nações Unidas não
intervém, conforme seu artigo 2º:

“Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir


em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer
Estado”.

Por outro lado, segundo Rezek, esta via política pode ser adotada á revelia de
um dos pólos litigantes, quando o conflito e levado ás Organizações Internacionais por
apenas um dos lados, todavia, isso não impede que os cheguem a um consenso mediante os
debates (1998, p. 348/349).

195
A Carta da ONU possibilita o acesso dos conflitantes ou mesmo de terceiros á
Assembléia Geral e ao Conselho de Segurança para fim de dirimirem seus conflitos. Nisso,
o artigo 2°, §7° da mesma Carta, carece a ONU em intervir nos assuntos internos.

O autor acrescenta ainda que, os ambos os órgãos têm competência para


investigar, solucionar definitivamente as situações controversas e prolatar suas
recomendações para tal e apenas Conselho de Segurança que tem na sua prerrogativa de
função atribuída o poder de agir preventivamente em razão da ameaça de Paz Internacional.

O dispositivo supracitado “tem sido argumentado justificativo de uma série de


atitudes de indiferença ou rebeldia ante as recomendações pacificadoras do Conselho”
confirmando tanto os Meios Políticos quanto os Diplomáticos, não vinculam as partes em
conflito, já que a desobediência por parte dos conflitantes á recomendação desses órgãos,
não constitui ilícito como o seria em caso de sentenças arbitrais e jurisdicionais. Pois a ONU
foi criada para esses fins, caso haja incompatibilidade do sossego e da Paz Internacional.

2.3 Modos Jurídicos

2.3.1 A Comissão de Investigações

Essa modalidade de pacificação de conflitos Internacionais, pela primeira vez


proposta na Conferencia de Haia, pelo delegado russo Martens em 1899.

Costuma ser conduzido por comissões similares ás de conciliação, ocorrem no


qual haveria questão de interpretar-se ou aplicar uma norma jurídica prévia aos litígios.

Entre as Convenções existem as três (3) grandes regulamentações para a solução


pacífica dos Conflitos Internacionais constas nos textos da Haia (1907), Tratado Gondra de
Santiago do Chile (1923) e Carta da ONU Pacto de Bogotá (1948). A Convenção de Haia
tratava no seu dispositivo:

As comissões internacionais de inquérito formadas por partes conflitantes;

Caso não haja designação da sede, este se instala em Haia;

Os autores do conflito podem nomear seus representantes á comissão;

Perante o inquérito, as partes contraditórias podendo apresentar provas;

As sessões são sigilosas;

O relatório é facultativo; e

A decisão da comissão se dá por maioria.

O Tratado Gondra de Santiago do Chile também estabelecia:

As duas comissões investigadoras permanentes (uma em Montevidéu e outra em


Washington);

196
As comissões possuíam cinco (5) membros, pois cada Estado designava dois (2)
sendo teria de ser nacional eleito pelos quatro designados;

Também os relatórios são facultativos; e

Concluído relatório, as partes têm prazo de seis meses obrigatoriamente, para


outorgar uma solução pacífica e posterior obtenção da liberdade de ação.

Não obstante, as comissões internacionais de inquérito ou de investigação são


comissões criadas para facilitar soluções de litígios internacionais ou para elucidar fatos
controvertidos ainda ilíquidos, compostas por nacionais dos países em litígio e nacionais
neutros de outras nações, mas nada impede que as partes/ Estados escolham uma entidade
internacional para presidi-lo.

Tendo como função específica, investigar os fatos sobre os quais versa o litígio,
mas sem se pronunciarem sobre as responsabilidades, ou seja, o relatório não é obrigatório.

Em geral, as convenções que estipulam tais comissões prevêem a instituição de


uma comissão permanente para que já se tenha previamente um organismo para se submeter
á controvérsia que venha a surgir, ou seja ingresso em uma outra via de solução diplomática.

Segundo Rezek (1998), a Convenção de Haia em 1907, já apontava o inquérito


como solução de litígios, quando houvesse a necessidade de esclarecimento de fatos.

As partes assim, como nos demais modos diplomáticos, não estão obrigadas a
acatar os fatos dispostos no inquérito e sim voluntariamente.

2.4 Modos Jurisdicionais

Este meio é distinto dos meios diplomáticos e políticos de solução de conflitos


internacionais, na medida em que, caracteriza-se pela existência de uma jurisdição, com foro
especializado e independente, que tem por função proferir decisões de executoriedade
obrigatória.

Rezek (1998) afirma que, no plano internacional a Arbitragem, apesar de não


judicial foi, por muito tempo, a única jurisdição conhecida com relatos de práticas arbitrais
datadas desde a Grécia antiga.

Somente mais tarde, com o surgimento dos Tribunais Internacionais, a Solução


Judiciária ganhou notoriedade e começou a ser utilizada.

A principal característica do meio jurisdicional é a existência de um Tribunal,


que prolata decisões com caráter compulsório. Divide-se em:

Arbitragem; e

Solução Judiciária.

A obrigatoriedade jurídica para esta primeira modalidade, só existe por que as


nações soberanas conflitantes entraram em acordo e estabeleceram a via arbitral para

197
solucionar suas controvérsias, obrigando-se a cumprir a decisão proferida pelo árbitro
neutro.

O alicerce das soluções judiciárias, não fica substancialmente longe disso, as


jurisdições são mais sólidas e tradicionais. Assemelha-se à jurisdição exercida por tribunais
domésticos, mas a descentralização da sociedade internacional e os interesses adversos dos
países que fazem parte da Comunidade Internacional, impedem que essa Corte tenha maior
ou igual autoridade que os Juízes e Tribunais nacionais detêm em seu próprio território.

Vale salientar que, os juízes e árbitros estão subordinados ao direito, não


dispondo de poderes discricionários para decidir questões, levando em consideração suas
concepções pessoais de equidade e justiça.

Ao contrário da Arbitragem, amplamente aceita desde a Grécia antiga, a solução


judicial, encontrou obstáculos a sua implementação. De fato, a jurisdição judiciária é um
fenômeno recente no cenário internacional, mas que vem crescendo bastante nas últimas
décadas (REZEK, 1998).

2.4.1 Solução Arbitral

A Corte Permanente de Arbitragem (The permanent Court of Arbitration-PCA),


criada em atenção a Convenção sobre a Solução Pacífica de controvérsias, assinada na cidade
de Haia em 1899, marcou o início de uma nova fase na história da arbitragem internacional.

Apesar de receber esse nome, não é um tribunal e nem permanente. Trata-se de


um escritório cuja principal função é guardar uma lista de pessoas aptas a atuar como
possíveis árbitros na eventualidade de uma disputa entre Estados.

Podemos assim dizer que, a arbitragem é o meio de solução pelo qual os


litigantes elegem um árbitro ou um tribunal para dirimir o conflito. Estes juízes são
geralmente escolhidos através de um compromisso arbitral que estabelece as normas a serem
seguidas e onde as partes contratantes aceitam previamente a decisão a ser tomada, que deve
ser apresentada como sentença definitiva, salvo se o contrário foi previsto no respectivo
compromisso, ou se é descoberto um fato novo que poderia determinar a modificação da
sentença.

Noutro dizer, conforme Hee Moon conceitua:

“A Arbitragem como sendo o “modo pacífico de solução de litígios


internacionais por meio de Juízes escolhidos pelas partes litigantes. Esses
árbitros são juízes (com profundo conhecimento do direito internacional e
reputação ilibada) de fato e de direito, que, exercendo função pública, ministram
a justiça e prezam pela paz social, estando sujeitos aos mesmos requisitos de
independência e imparcialidade dos Juízes estatais” (Moon, 2001, p. 515/516).

Neste meio de solução pacífica de litígios, a Nações, seja por compromisso


arbitral, seja por livre escolha das partes apontam árbitros que prolatarão uma decisão.

Vale ressaltar que, o compromisso arbitral estabelece regras a serem observadas,


onde as partes contratantes aceitam compulsoriamente, as decisões tomadas pelo tribunal.

198
Essa flexibilidade, concretizada pelo fato das partes/Estados poderem escolher
o local onde o Tribunal, funcionará o procedimento a ser seguido e até os próprios árbitros,
conta como um dos aspectos positivos deste meio jurisdicional.

A questão da confidencialidade, também é um ponto forte já que agrada bastante


aos Estados envolvidos. Todavia, de acordo com o autor, a confidencialidade impede a
formação de jurisprudência, deixando de contribuir para a formação e melhoria do direito
internacional.

O sucesso da Arbitragem deve-se à sua capacidade, vencer as incertezas e


inseguranças surgidas no decorrer das relações entre os Estados. No caso de relações
comerciais internacionais, impede inclusive que a questão seja resolvida por um Tribunal da
parte adversa. Outra questão de suma importância é que a Corte Internacional de Arbitragem
e todas as outras entidades semelhantes, sendo instituições permanentes, preexistem aos
litígios e são compostas por magistrados alheios às partes. Assim, sua função principal é a
rigorosa aplicação das regras e princípios do direito.

A arbitragem se distinguiria em dois tipos: facultativa e obrigatória. A primeira


surgiria do compromisso entre as partes, para a solução de uma controvérsia que já surgiu.
Assim, não há um acordo anterior entre as partes, pois o litígio não foi previsto.

A convenção arbitral para a instauração desse tipo de julgamento é chamada de


compromisso. Nesse compromisso, os litigantes mencionam as regras, designam o árbitro
ou o tribunal arbitral, eventualmente estabelecem prazos e regras de procedimento e se
comprometem a cumprir a sentença arbitral como preceito jurídico obrigatório.

É também conhecida como arbitragem ad hoc, por ser criado um juízo arbitral
para aquele caso.

A arbitragem obrigatória decorre de um acordo prévio entre as partes, as quais


prevêem que caso haja uma divergência entre elas, será submetida a uma solução arbitral.
Esse compromisso prévio pode ser tanto um tratado geral de arbitragem quanto uma cláusula
arbitral inserida em um tratado.

No primeiro caso, dois ou mais Estados escolhem em caráter obrigatório, essa


via para a solução de disputas que venham a contrapô-los no futuro.

No segundo caso, os Estados vinculados por um tratado bilateral ou coletivo,


sobre qualquer matéria, inserem no seu texto uma cláusula arbitral, estabelecendo que as
questões resultantes da aplicação daquele pacto, deverão resolver-se mediante arbitragem
(REZEK, 2000, p. 343).

De fato, uma vez assumido o compromisso arbitral, as partes só poderão se valer


da arbitragem para resolver os conflitos surgidos ficando desta forma, afastada a jurisdição
de qualquer tribunal internacional e a sentença prolatada por seus árbitros tem força
executória.

Assim, a Arbitragem é convencional em sua instituição, mas jurisdicional em seu


funcionamento porquanto, os princípios básicos da jurisdição, previstos na lei aplicável,
devem ser observados sob pena de nulidade da sentença arbitral.

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Em razão disso, na maioria dos países onde a arbitragem é aceita e bem vista, o
legislador nacional impõe requisitos e condições a seu processo.

O compromisso arbitral deve conter, no mínimo, o objeto do litígio, o


compromisso de submeter questão à arbitragem e o método de formar o Tribunal e o
número de árbitros.

A sentença arbitral é passível de anulação quando houver corrupção, excesso de


poder da parte dos árbitros, quando uma das partes não tiver sido ouvida, quando houver
erro na motivação da sentença, quando tiver sido violado algum outro princípio fundamental
do processo etc, a anulação é invocada livremente pelas partes.

Porque somente á elas será possível questionarem a decisão prolatada a fim de


esclarecer alguma ambigüidade, contradição ou erro nela contida, o que no seio Internacional
é denominado pedido de interpretação.

A sentença será dada no prazo determinado pelo compromisso, embora o


tribunal tenha competência para estender este prazo. Vale lembrar que, as deliberações do
Tribunal são sigilosas.

Celso de Albuquerque Mello (1992) foi quem que discorreu sobre três tipos de
arbitragem:

“1- Realizada por chefes de Estado: Hoje em dia, os árbitros são os chefesde Estado,
todos no mesmo patamar baseando no princípio da isonomia , sem que haja uma
hierarquia.

2- Realizada por comissões mistas: Inicialmente a comissão era formada de dois


membros, cada um indicado pelas partes litigantes. Posteriormente, essa
“comissão mista diplomática” é substituída por outra “comissão mista arbitral”,
que é formada de comissionários de número ímpar e tem o super-árbitro para
desempatar, geralmente escolhido entre os nacionais de terceiro Estado. Porém,
a vantagem é que a questão é resolvida pelos próprios interessados e as decisões
são legalmente motivadas.

3- Realizada por Tribunal: A maioria dos juízes, não é nacional das partes
contratantes e tem sido considerada a forma mais avançada e é também a mais
utilizada por assegurar maior imparcialidade à decisão”.

Em suma, a arbitragem pode ser empregada em assuntos de menor importância,


que não necessita ser submetida à Corte Internacional de Justiça- CIJ, bem como em assuntos
que as partes desejarem uma solução rápida, seu sistema assim como todos os outros
sistemas, não possui um poder de polícia que se sobreponha á soberania dos Estados,
tornando-se estanque que estes tenham respeito às decisões, pois o tribunal arbitral
desaparece com a resolução do litígio.

2.4.2 Solução Judiciária

A solução judiciária consiste em se submeter o litígio a um tribunal judiciário,


composto de juízes independentes, com investidura pretérita ao litígio
estabelecendo solução do conflito.

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Difere da solução arbitral, também pelo fato, de seus componentes não serem
escolhidos pelas partes litigantes, e sua grande diferença em relação às outras formas de
soluções de litígios internacionais.

O sistema judiciário internacional atual, ainda está bastante defasado, levando-


se em consideração a crescente demanda. Não há um órgão hierarquicamente superior aos
Estados Soberanos, que exerça jurisdição sobre os mesmos, aplicando os princípios
previamente adotados por toda a comunidade internacional.

Dessa forma, a eficácia dos tribunais internacionais nunca alcançará sua


plenitude até que os governos abdiquem de parte de sua autoridade sobre os nacionais
“soberania”, em favor de uma entidade internacional superior, com poder de polícia.

Não seria exagero afirmar que, a conjuntura internacional descrita acima é nada
menos que utópica.

Segundo Guido F. da Silva Soares (2004):

“Reside na institucionalização de um organismo com funções claras e


determinadas, fixadas em instrumentos internacionais solenes, com jurisdição e
competência permanentes. Essa sua permanência no tempo, assegurada pela
presença de um corpo de juízes nomeados pelos Estados para mandatos
definidos”.

A existência de um secretariado fixado com sede conhecida, entre outros


elementos, permite a formação de uma jurisprudência mais definida do que os casos julgados
por árbitros, tanto em relação às normas de sua competência quanto a questões de fundo.
“Aos poucos, novos tribunais permanentes vão surgindo com o objetivo de adjudicar ampla
gama de problemas” (Accioly). Em 1920 instituía-se com sede em Haia, uma Corte
Permanente de Justiça Internacional- CPJI integrada por quinze (15) juízes para um mandato
de nove anos, mas acabou extinta com a eclosão da Segunda Guerra.

Com a instituição da ONU, foi rebatizada de Corte Internacional de Justiça- CIJ,


sendo o principal órgão judiciário dessa organização, e continua sediada em Haia. Um Estado
litigante tem o direito de indicar um juiz de sua nacionalidade, para compor a CIJ em
determinados casos e a manifestação da vontade dos Estados é essencial para que se já
invocada a jurisdição da mesma. Em tese, a solução de litígio por intermédio da CIJ tem a
vantagem sobre a simples arbitragem, segundo Accioly, de envolver o Conselho de Segurança
na implementação da sentença. Devido ao veto concedido aos países de cúpula da ONU,
vem se questionando a imparcialidade da Corte Internacional de Justiça- CIJ.

A Solução Jurisdicional, assim como a Arbitragem funciona através de jurisdição


voluntária, diferentemente do sistema processual nacional, onde o princípio vigorante é o da
jurisdição obrigatória.

A jurisdição voluntária requer o acordo prévio entre as partes para acionar as


Cortes Internacionais e solucionar suas controvérsias, funcionando de forma subsidiária,
como forma de complementação a jurisdição obrigatória.

As decisões proferidas por uma Corte Internacional imparcial, vale salientar, são
obrigatórias e executáveis.

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Para Hee Moon (2001):

“A Corte Internacional de Justiça é o Tribunal Internacional mais importante da


atualidade, chegando até mesmo a chamá-la de “Corte Mundial”, mas sua
importância não a faz suprema justamente pela falta de hierarquia judiciária
internacional”.

Do mesmo modo, que deu a criação da Corte Internacional de Justiça- CIJ,


através da vontade dos Estados que faziam parte da Comunidade Internacional, a criação
dos tribunais internacionais dá-se por ato volitivo das partes, de acordo com as suas
necessidades.

Assim, existem várias Cortes Internacionais, tanto universais quanto regionais


tais como: A Corte de Justiça das Comunidades Européias, sediada em Luxemburgo, a Corte
Européia e a Corte Interamericana, ambas especializadas em direitos humanos, a Corte de
Haia e muitas outras.

No Plano Internacional, os Tribunais e as Cortes são entidades judiciárias


permanentes compostas por juízes independentes, que têm como função julgar os conflitos
internacionais tomando por base o direito internacional vigorante, de acordo com um
processo previamente, estabelecido prolatando, ao final, uma sentença obrigatória entre as
partes.

CONCLUSÃO

A partir do exposto, observa-se que por controvérsia incessante hoje dia deve-
se entender qualquer oposição de interesses entre as partes envolvidas em qualquer área das
relações internacionais, versando principalmente sobre religião, cultura como ocorre,
sobretudo, no Oriente Médio, política tribal adotada por alguns governantes políticos
africanos internacionais e qualquer que seja a sua natureza, econômica, política etc.

Qualquer que seja o campo da atividade humana, desde que envolva a


possibilidade de vida em comum é ordenamento jurídico, nacional ou internacionalmente,
que deve regular o interesse do jogo.

Temos vindo a constatar que os conflitos que proliferam regionalmente no


mundo, apresentam uma nova dimensão, movendo por uma geopolítica e geoestratégia
inovadora, que lhe conferem características próprias de intensidade e prevalência nas
sociedades, alterando conseqüentemente a forma de encarar a sua prevenção, gestão e
resolução.

Sob ponto de vista, cumpre dizer que, não há conflitos reais entre os vários
povos na esfera internacional, apenas existem conflitos entre as suas elites por ressentimento,
inveja etc. Sem promoção do desenvolvimento, a paz resume-se apenas à ausência de guerra,
o que não tem qualquer sustentabilidade. Todo o fenômeno político é o resultado de uma
equação composta por um conjunto de fatores, a fragilidade das partes ou Estados face às
lutas de poder entre chefias militares e favoritismos étnicos, provavelmente
instrumentalizados por forças políticas na sombra.

Em suma, diante da abrangência e da quantidade de questões que envolvem a


temática referente aos conflitos internacionais, o presente trabalho, evidentemente não

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esgota o assunto, mas destaca os aspectos mais importantes de tão relevante tema para a
sociedade internacional, a qual progressivamente vai procurando instituir um sistema
eficiente de solução e composição de litígios, com a redução do recurso à força.

E podemos dizer que, para cada conflito haverá mediante uma análise concreta
às suas causas mais diretas e profundas, um conjunto de intervenções e estratégias
multifacetadas, tendentes a prevenir, resolver, gerir ou a transformar o mesmo.

Estas dinâmicas pretendem contribuir para a segurança regional, a estabilidade


global, ou seja, uma paz mundial em prol de um desenvolvimento regional e global, aspectos
característicos da Nova Ordem Internacional

FONTE:http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8806

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