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Lidiane da Silva Cesar Franco

DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA PRÉ – ESCOLA:


Uma reflexão a partir da perspectiva Walloniana

Monografia apresentada para obtenção do Certificado do


Curso de Pós-graduação, em nível de Especialização em
Psicopedagogia com ênfase nos problemas pedagógicos
(ensino aprendizagem) do Departamento de Pós Graduação da
Universidade de Taubaté,

Orientador: Prof.Dr. Odair Sass

Taubaté - SP
2004
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Lidiane da Silva Cesar Franco

DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA PRÉ – ESCOLA:


Uma reflexão a partir da perspectiva Walloniana

Taubaté - SP
2004
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Dedicatória

 Ao meu pai, Antonio Armando, numa homenagem


profundamente sincera de admiração e agradecimento por
ele ter sido como foi;

 A minha mãe Benedita, por sua infatigável e silenciosa


dedicação amim, o que me permitiu prosseguir na busca de
minhas realizações pessoais e profissionais;

 A meu esposo Silvestre Franco, pelo amor, carinho ,


compreensão, incentivo e companheirismo, neste e em
todos os meus projetos de vida;

 Aos meus queridos filhos, Brayam e Brenner, pelo carinho e


compreensão nas minhas ausências e nos momentos
difíceis.

Lidiane
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Agradecimentos

 A deus pela força e coragem durante todos os momentos;

 A minha família pela valiosa e indispensável compreensão e dedicação;

 A meu admirável orientador prof.Dr. Odair Sass, pela paciência, pela


paciência e ensinamentos repassados durante este trabalho;

Lidiane
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FRANCO, Lidiane. Disciplina e indisciplina na pré-escola: Uma reflexão a partir da


perspectiva Walloniana, 2004. F. Monografia ( Especialização, Psicopedagogia com
ênfase nos problemas de aprendizagem). Departamento de pós-graduação,
Universidade de Taubaté, Taubaté.

Resumo

O presente estudo teve por objetivo conhecer o que se tem na literatura,


referente aos conceitos de disciplina e indisciplina, analisando vários enfoques dados
ao assunto em questão, bem como as principais causas do surgimento da mesma no
ambiente pré-escolar.Isso feito, passou-se a discutir os aspectos que influenciam o
desenvolvimento da criança de acordo com a teoria social do desenvolvimento
elaborada por Wallon.Desse modo, as contribuições do referencial teórico
fundamentaram a discussão dos aspectos definidores dos reais motivos dos
comportamentos tidos como indisciplinados por parte dos professores ,
contextualizando que esses comportamentos inadequados e/ou indesejados são
manifestações decorrentes dos conflitos provocados pelo desenvolvimento infantil. As
informações obtidas foram importantes para a compreensão e entendimento do tem
em foco, visto que corroboraram às considerações finais deste documento. Considera-
se que a participação dos pais no processo educativo infantil é de fundamental
importância para seu desenvolvimento, assim como a efetiva participação em grupos
que se constituem dentro de espaços de convivência coletiva, principalmente a pré-
escola ou, como chamam atualmente, educação infantil, destacando que o professor
desse ambiente deve possuir conhecimento acerca do desenvolvimento infantil de
acordo com a concepção Walloniana.

Palavras chave: disciplina, indisciplina, desenvolvimento infantil, interação.


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SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................................6

INTRODUÇÃO ....................................................................................................9

CAPÍTULO I – DISCIPLINA E INDISCIPLINA ................................................. 11

1 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DO CONCEITO DE DISCIPLINA ..................11

2 - A INDISCIPLINA PELA DISCIPLINA – BUSCA DE UMA

DEFINIÇÃO PARA COMPORTAMENTOS NÃO DISCIPLINADOS................ 14

3 - POSSÍVEIS CAUSAS DA INDISCIPLINA ............................................16

3.1 - FAMÍLIA .................................................................................................16

3.2 - ALUNOS................................................................................................ 18

3.3 - GRUPOS E TURMAS..............................................................................19

3.4 - ESCOLA.................................................................................................. 21

3.5 - PROFESSORES...................................................................................... 24

3.6 - SOCIEDADE ........................................................................................... 25

4 - DISCIPLINA, AUTORIDADE E AUTORITARISMO.................................. 26

5 - INDISCIPLINA, COMO LIDAR COM ELA? ..............................................28

CAPÍTULO II – TEORIA WALLONIANA – CONSIDERAÇÕES A

RESPEITO DE DISCIPLINA E INDISCIPLINA ...................................... 30

1 - ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO SEGUNDO HENRI WALLON.... 30

2 - AS INTERAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE INFANTIL .....33

3 - CRISES E CONFLITOS – PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

DA CRIANÇA .......................................................................................... 40

4 - A EMOÇÃO SEGUNDO WALLON......................................................... 44

5 - EM BUSCA DE UMA NOVA DISCIPLINA – CONSIDERAÇÕES

A RESPEITO DA PRÁTICA EM SALA DE AULA DE

EDUCAÇÃO INFANTIL........................................................................... 47
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CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................56


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INTRODUÇÃO

No decorrer de minha vida profissional como educadora, na regência de classe


e coordenação pedagógica, a postura do professor frente as atitudes dos alunos foi
sempre uma de minhas preocupações.

Quando comecei a refletir sobre a escola, mais precisamente acerca da


educação infantil, como espaço de formação social e sobre meu papel e de meus
colegas, dentro deste espaço, percebi a dicotomia, entre a teoria e a prática, expressa
na nova LDB ( lei de diretrizes e bases) e percebi que a reflexão acerca desta lei não
estava sendo suficiente para que pudéssemos transformar nossa prática. Resolvi
buscar apoio na psicopedagogia como forma de orientação para a transformação
efetiva de nossas práticas, visando a melhoria de nosso trabalho.
Comecei a me interessar pelo problema aqui descrito diante dos freqüentes
questionamentos dos profissionais com os quais trabalho sobre limites, indisciplina... A
partir daí comecei a pensar: de que se trata essa chamada “indisciplina”? Que fatores
a geram? O que fazer diante da situação que nos encontramos?
Novas questões juntaram-se as minhas preocupações quando comecei o curso
de pós – graduação em psicopedagogia. Meus estudos fizeram com que eu me
conscientizasse de que a tarefa de transformar nossa educação exige inúmera ações.
Ações que se desenvolvem no interior da escola, capazes de provocar mudanças na
postura dos educadores.
Precisamos urgentemente refletir na educação que estamos oferecendo a
nossas crianças. Qual a qualidade do meio que elas estão interagindo? O meio aqui, é
entendido como as familias, a escola, os amigos, a televisão, entre outros. Que
valores morais os futuros adultos estão internalizando?. A partir disso podemos refletir
acerca da seguinte questão: de que adianta a escola justificar que as crianças que
estão recebendo não tem limites, respeito etc., se continua a perpetuar as mesmas
condições, ou o mesmo ambiente educacional permissivo ou autoritário do meio
familiar? É preciso rever os “pré-conceitos”existentes nos profissionais de educação e
assumir a parte que também lhes cabe nessa construção da inteligência e dos valores
morais, pela criança. É importante que os educadores revejam aquilo que, mesmo
sem perceber, valorizam ou que “seus olhares contemplam”, pois transmitirão isso às
crianças. A “qualidade moral” do ambiente social de que o indivíduo está
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cercado e a educação moral recebida influenciarão em seu desenvolvimento, por isso


é necessário cuidarmos das interações que essa criança está tendo com o ambiente
em que vive, a escola que frequenta, o que dizemos, ao que assiste, o que
valorizamos, as respostas que damos aos conflitos, etc. A necessidade de repensar
criticamente as praticas da escola foi a real motivação deste trabalho.
Passei então, a refletir sobre qual era minha maior preocupação em relação a
educação infantil, que é minha área de atuação. Comecei por observar a atuação dos
professores, refletir sobre a prática de cada um, buscando entender como concdebem
a indisciplina.
Daí, resolví verificar na literatura recorrente sobre o assunto como
alguns autores tratam a questão da disciplina e indisciplina. Na busca de melhor
compreender como se dá o desenvolvimento infantil adotei como referencial a teoria
social do desenvolvimento de Henri Wallon. Diante disso, este documento divide-se
em dois capítulos.
No primeiro capítulo a disciplina e suas manifestações na escola são
discutidas sobre vários enfoques, fazendo referência às principais causas do
surgimento da mesma no ambiente pré-escolar.
Já no capítulo seguinte discute-se os aspectos que influenciam o
desenvolvimento da criança, tecendo considerações a respeito do que é considerado,
pelos professores, indisciplina dos alunos.
Nesses dois capítulos tenho por objetivo contextualizar a
disciplina/indisciplina com a teoria social do desenvolvimento elaborada por Henri
Wallon. Por fim, são tecidas as considerações finais, permitindo - nos verificar que a
qualidade das relações entre professor - aluno é um fator de suma importância no
âmbito escolar e que novas questões devem ser discutidas com relação a essas
relações sociais que ocorrem no interior das pré – escolas e que estas são
susceptíveis de investigação, uma vez que se torna cada vez mais claro o quanto são
importantes para o desenvolvimento infantil.
Vejamos agora , no capítulo I algumas considerações a respeito de disciplina e
indisciplina.
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CAPÍTULO I – DISCIPLINA E INDISCIPLINA

1 – Análise e discussão do conceito de disciplina

No Dicionário de Pedagogia Labor, em verbete assinado por José Mallart Cutó,


encontram-se, dentre outros, os seguintes significados para a palavra disciplina: a) o
domínio de si mesmo ou educação assimilada; b) a manutenção da ordem; c) o
castigo.
Os três significados apontados se referem ao governo da conduta própria ou
alheia.
A idéia de controle da conduta está vinculada, na educação cristã tradicional, à
formação do caráter e à idéia de domínio dos próprios atos, o que tornaria
desnecessária a vigilância. Na disciplina assim concebida, os impulsos ingovernáveis
se transformam em atos honestos e cultos.
Em sentido mais estrito, disciplina, tal como está nos regimentos escolares,
refere-se ao comportamento manifesto dos alunos, de acordo com uma certa ordem
estabelecida, considerada como necessária à educação deles. Neste sentido,
nenhuma limitação à liberdade dos alunos pode ser um fim em si mesmo.Será sempre
uma limitação subordinada ao interesse coletivo.
Isto pressupõe adotar o conceito de disciplina, que vem a ser o reconhecimento
da atividade em grupo, harmonicamente supervisionada por uma autoridade externa
(no caso, o professor). Esse reconhecimento pressupõe, da parte dos alunos, valores
éticos anteriores à escolarização: entendimento de regras comuns, partilha de
responsabilidades, cooperação, reciprocidade, solidariedade, etc. E acima de tudo,
reconhecimento dos direitos dos outros, sem o que fica impossível a convivência em
grupo.
Tal afirmação legitima-se quando da explicação, por exemplo, do uso de
carteiras escolares (que é uma limitação inclusive física, mas que se fez necessária à
manutenção da disciplina na sala de aula:
Neste espaço de domesticação, uma massa de crianças vai estar
sujeita à autoridade de quem rege, durante uma parte importante de
suas vidas, seus pensamentos, palavras e obras. O professor do
mesmo modo que outros técnicos de multidões, ver-se-á obrigado,
para governar, a romper os laços de companheirismo, amizade e
solidariedade entre seus subordinados, inculcando a delação, a
competitividade, as odiosas comparações, a rivalidade nas notas, a
separação entre os bons e mau alunos. Deste modo, qualquer tipo de
resistência coletiva ou grupal fica descartada,e a classe converte-se
numa pequena república platônica na qual a minoria absoluta do
sábio impõem-se sobre a maioria inútil dos que são incapazes de
regerem-se a si mesmos. Esta maioria silenciosa e segmentada
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deverá reproduzir o modelo de sociedade burguesa composta pela


soma dos indivíduos. Aos métodos de individualização característicos
das instituições fechadas (quartéis, fábricas, hospitais, cárceres e
manicômios) e que constituem a melhor arma de dissuassão contra
qualquer tentativa de contestação dos que suportam o peso do poder,
emerge no interior da escola, no preciso momento de sua
institucionalização um dispositivo fundamental: a carteira ou classe
escolar. A invenção da carteira em frente ao banco supõe uma
distância física e simbólica entre os alunos e o grupo, e, portanto,
uma vitória sobre a indisciplina. (VARELA, URIA, 1992, p. 91-92)

Retomar a escola no período em que as grandes transformações sociais,


políticas e econômicas, causadas pelas revoluções burguesas, abalaram a Europa e a
todo o Novo Mundo, época em que a disciplina era encarada sob a ótica política e
econômica, isto é, mantida pelo medo, em conseqüência do analfabetismo, da falta de
conhecimento e informações, onde os indivíduos “incapazes” cumpriam ordens da
elite, que por sua vez, era formada pela escola, nos ajuda a entender de que forma e a
partir de que se definem essas regras de ordem comportamental que se dizem
necessárias à educação das crianças. Digo isso porque essas regras se tornaram
imutáveis e nós sabemos que a escola ainda se posiciona em relação ao aluno como
uma mera repassadora de conteúdos, inibindo sua consciência crítica e
questionadora. As relações escolares determinadas em termos de obediência e
subordinação, com o passar do tempo, são revidadas pelo novo sujeito histórico
originado pelas mudanças sócio-culturais. A escola idealizada e implantada para o
individuo subordinado torna-se incapacitada de administrar o seu território de maneira
a atender esse novo sujeito. Diante disso, em resistência a essa imposição, a
indisciplina se faz presente.
Levando em consideração esse contexto, subentende-se que a concepção de
disciplina mantém uma relação de dependência com o meio social em que está
inserida, pois, é de acordo com os princípios e valores pré-estabelecidos pelos grupos
que se definem as regras que determinam essa disciplina.
Mas, se disciplina pressupõe seguir regras como esperar que uma criança, em
contexto pré-escolar, com idade entre 4 e 5 anos seja disciplinada, se nessa idade
está vivendo uma de suas mais fervorosas lutas íntimas, como diz Wallon:
Neste período em que a criança se sente ao mesmo tempo
estreitamente solidária com a família, existem para elas causas
repetidas e por vezes, lancinantes e lutas íntimas. O período dos três
aos cinco anos é aquele em que se constituem aquilo a que se
chamou de “complexos”, ou sejam, atitudes duráveis de insatisfação
que podem marcar, de uma maneira, não direi irrevogável, mas de
maneira prolongada, o comportamento da criança na suas relações
com o meio que a rodeia.(WALLON, 1979, p. 206)
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O educador deve estar portanto, sempre atento, para não se pegar


implantando artificialmente a disciplina da autoridade,pois embora atualmente a
disciplina seja um tema muito discutido pelos professores, entrando nessa discussão
os fatores que promovem a sua ausência no ambiente escolar, ela é analisada através
de várias óticas, pois a sociedade na qual se estabelece o seu exercício, além de ser
constituída por uma diversidade de culturas, vive em constante transformação. Nesse
cenário, evidenciam-se as demandas diferenciadas e contraditórias por parte dos
indivíduos que compõem o meio social, gerando, a partir delas, conflitos e
discrepâncias de idéias e atitudes entre os professores. Como exemplo disso, pode-se
citar alguns comportamentos tidos como indisciplinados para alguns professores e que
necessariamente não o são:
 apatia do grupo, cochicho, troca de mensagens e papelinhos, entradas e
saídas “justificadas”, etc..
Não seriam esses comportamentos simples demonstrações de que as relações
estabelecidas entre professor e aluno no contexto de sala de aula não são
adequadas? Se analisadas históricamente essas relações não acompanharam as
transformações e evoluções da sociedade, e ocorrem ainda através de regras
elaboradas em épocas remotas que já não cabem no contexto atual da sala de aula.
Todavia, na busca da definição acerca do conceito de indisciplina, nota-se que
todos estão ligados à idéia central de regras, as quais devem ser norteadoras das
ações de cada indivíduo. Contudo, passo a expor agora uma que me parece mais
convincente de acordo com a concepção Walloniana. Vejamos:
... “E a disciplina numa escola maternal, não pode ser aquela que
deverá existir mais tarde na escola. A disciplina, para que a criança
seja feliz aí, exige que ela tenha ainda com os educadores relações
de ordem pessoal, direta, quase de natureza maternal”. É por isso
que prefiro a denominação de escola materna à de jardim de infantil,
dado que mostra bem a que gênero de cuidados a criança tem ainda
necessidade.
Mas a época seguinte está preparada dado que a criança se encontra
com outras, não direi em concorrência, por que é preciso evitar ainda,
nesta idade, magoar a criança nos seus desejos, nas suas
necessidades, e evitar desenvolver nela, em vez da solidariedade, a
inveja e o ciúme. Necessário é associar as crianças em exercícios,
direi quase gregários, em que terão de fazer as mesmas coisas, em
que as distinções entre si se reproduzem nas figuras como nas
rondas em que cada um se sucede em posições ou papéis definidos.
Estrutura em que cada um muda de lugar. É isto que prepara a
criança para entrar em coletividade mais amplas, onde o seu papel
deverá poder ser mais diverso. (WALLON, 1979, p. 208).

Esse entendimento apresentado por Wallon é semelhante ao apresentado por


Marakenko, educador russo e estudioso da questão que diz que a conquista do saber
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exige grande concentração e esforço, e é praticamente impossível alcançá-lo sem


disciplina.
Na visão deste autor a escola deve exigir o máximo possível do aluno e, ao,
mesmo tempo, tratá-lo com a máxima distinção e respeito. Respeito é, aliás a palavra
chave na condução de qualquer processo educacional que se pretenda eficiente.
Segundo ele, a disciplina deve ser acompanhada da sua compreensão, da sua
necessidade e da sua utilidade dentro do complexo contexto social. Disciplina por
disciplina não convence mais ninguém.
O pensador russo acredita que só se alcança a disciplina através do trabalho
conseqüente do coletivo da escola. De uma escola onde o aluno se sinta feliz e co-
responsável pelo êxito escolar.
Também para Gramsci, a disciplina tem essa nítida relação com a sociedade
toda. Significa a capacidade de comandar a si mesmo, se impor aos caprichos
individuais, a veleidades desordenadas; disciplina significa, enfim, uma regra de vida.
Segundo esse pensador italiano, a disciplina não é o oposto da liberdade e
tampouco algo que possa ser fixado de fora. É pois a própria comunidade quem deve
elaborar essas regras de convivência e seus limites.
Assim, pode-se afirmar que na idade pré escolar a disciplina ou a indisciplina
ainda não são atitudes conscientes das crianças, mas são tentativas de se viver em
coletividade e portanto não devem ser passíveis de punições, pois o que deve haver
nesta idade e neste espaço ( pré-escola) são as trocas, os incentivos a atitudes de
solidariedade, de ajuda mútua e de compreensão. Todavia existe um consenso de que
a indisciplina está presente também na pré escola. Tal afirmação ecoa entre
professores, principalmente entre os da escola pública. O item 1.2 deste capítulo trata
das questões referentes à conceitualização da indisciplina com o propósito de melhor
entender essa afirmação feita pelos professores e também de analisar os
comportamentos tidos como ïndisciplinados” à luz do pensamento Walloniano.

2 – A indisciplina pela Disciplina – busca de uma definição para


comportamentos não disciplinados

A disciplina acima e aqui caracterizada representa um conjunto de regras que


devem ser respeitadas para que haja sucesso no aprendizado e inserção social.
E um termo genérico, e quando nos referimos à escola, costumamos
pensar na indisciplina do aluno e na punição deste, no sentido de
torná-lo obediente, passivo, buscando a manutenção da ordem
estabelecida. ( D’ANTOLA ARLETE, 1983, pág.57)
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Está relacionada com limites, respeito, cidadania e será discutida sobre a ótica
do significado ligado a restrição do que não deve ser transposto, ao sujeitar-se a uma
imposição normativa. Então, o que seria indisciplina?
O conceito de indisciplina é susceptível de múltiplas interpretações. Um aluno
indisciplinado é em princípio alguém que possui um comportamento desviante em
relação a uma norma explicativa ou implícita sancionada em termos escolares e
sociais.
A indisciplina está pautada em um comportamento avesso, arbitrário às regras
ou às imposições normativas, o que pode prejudicar tanto o indisciplinado como os
indivíduos que o cercam. Digo “pode” porque depende muito do tipo de regra que é
quebrada. Vejamos:
As limitações normativas envolvem questões políticas, étnicas, existenciais, as
que a sociedade cria e impõe. Exemplificando: Não se pode ficar andando, pulando
em sala de aula, mas por quê não pode? Se há pernas para fazê-lo? Isso implica na
falta de legitimidade de certas leis. Muito do que o adulto (professor) pode interpretar
como indisciplina por parte do aluno, é para a criança uma superação de seu limite no
momento em que age.
Mesmo porque, a indisciplina dessa idade nada mais é do que as primeiras
tentativas da criança de se tornar independente, de superar-se e se assim o é como
diz Wallon, então não seria a escola que estaria equivocada ao estabelecer certas
regras, como o uso da carteira, por exemplo?
... O “Mim” e o “Eu” substituem a terceira pessoa, que lhes servia até
então para designarem a si próprias, face a outrem, tornam-se
opositores, sem outro motivo aparente que o de experimentarem o
sentimento da sua independência. As suas exigências, os seus
caprichos parecem provir mais do amor-próprio que do prazer
cobiçado. Estendem às coisas as suas pretensões e fazem valer os
seus direitos de propriedade sobre objetos de que não tiram qualquer
prazer. Esta faze de rejeição ou de reivindicações puramente formais,
cuja fonte é a necessidade de reconhecer e de fazer reconhecer a
existência da sua pessoa, dá lugar, ao cabo de algumas semanas ou
de alguns meses, a uma necessidade, a de fazer valer esta pessoa,
de fazer admitir os seus méritos, de a dar em espetáculo a
outrem...(WALLON, 1979. p. 64)

Existe um permanente desencontro entre a atitude das crianças e a expectativa


do professor, o que gera conflitos. O professor exige a contenção motora, e as
crianças querem expandir os movimentos. Como nessa idade a criança quer se firmar
como pessoa assumindo papéis distintos conforme o ambiente em que está, daí
decorrem as reações às exigências escolares, caracterizando a disciplina em
momentos de submissão por parte das crianças, mas também a indisciplina quando da
resistência a certas regras como forma de contestação e busca de autonomia.
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Isso implica numa maior reflexão acerca dessas regras. Sabemos da


necessidade da existência de normas ao nos relacionarmos com os outros. Mas o
importante não são as normas em si, mas o porquê de segui-las (apenas “não faça por
que é errado”, não basta, pois, não é desejável que uma pessoa não faça algo
considerado errado somente por medo de ser punida.) É comum, nas situações em
que a criança mente, agride, furta, desrespeita, não compartilha algo ou é mal
educada, que o adulto ensine-lhe a importância de não cometer tais atos. A questão é
como o adulto o faz. Se queremos que a criança cumpra as normas, é preciso nos
valermos de procedimentos coerentes. É necessário que o adulto (professor) associe
uma norma a uma sensação de bem-estar, de satisfação pessoal ao cumprí-la e
também reflita com a criança sobre as conseqüências do não cumprimento da mesma,
para que ela vá compreendendo a necessidade de sua existência. E se isso não
ocorrer, o que acontecerá ? Será que é de uma possível falta de explicações e
vivências acerca de condutas disciplinadas que decorre a indisciplina? É exatamente
acerca disso que trata o item 3 deste capítulo.

3 – Possíveis causas da Indisciplina

A indisciplina surge justamente quando as regras não nascem de um esforço


comum, quando não se sabe aonde se quer chegar, quando não há união de esforços
e comprometimento mútuo para a construção de uma sociedade melhor e mais justa.
Não é fácil fazer o inventário das causas da indisciplina nas escolas. O seu
número não para de aumentar, quase sempre suportada nos dias que correm numa
sólida argumentação científica. No entanto, destaco a seguir as causas que me
parecem mais evidentes, tais como a desestruturação familiar, os póprios alunos, a
formação e a influência dos grupos e turmas, a escola enquanto instituição, os
professores e a própria sociedade. Passemos a analisar cada uma dessas causas:

3.1 – Família

A família é, sem dúvida, o principal agente socializador da criança, enquanto


ainda pequena. É dos pais a responsabilidade de ajudar os filhos a desenvolverem
comportamentos e características de personalidade aceitáveis aos grupos sociais a
que pertencem. O tipo de ambiente familiar adotado pelos pais, na pratica do dia-a-dia,
resultará em maior ou menor capacidade da criança para enfrentar situações positivas
ou negativas. Também influenciará no conceito que a criança tem de si mesma,
enquanto pessoa.
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A criança pode pertencer a uma família onde não é a única, e que


pode compreender, por exemplo, três ou quatro crianças. Mas ela não
é uma criança entre três ou cinco, será a mais velha ou a mais nova,
ou aquela que tem na sua frente mais velhas e, atrás, mais novas; a
criança, por conseguinte, que se percebe não enquanto uma entre os
seus semelhantes, mas a criança que se compreende como
encaixada num conjunto, num conjunto que tem para ela uma
extrema importância, porque este conjunto delimita a sua
personalidade, faz dela o foco de interesses, de sentimentos, de
exigências, de decepções que têm a ver com o lugar por ela ocupado
na constelação familiar. (WALLON, 1979, p. 205)

Numa família democrática, onde os pais adotam práticas disciplinares como a


explicação e o reforço positivo, evitam os castigos físicos e solicitam a participação da
criança nas decisões da família, obviamente essa criança se tornará um adulto
competente e independente, com uma auto - estima e equilíbrio emocional
surpreendente.
Já os pais autoritários, que buscam manter a disciplina através da punição e da
imposição de regras sem qualquer explicação, levarão seus filhos a se tornarem
pessoas conformadas e adaptáveis socialmente a qualquer sistema. Essa criança,
quando adulto, segundo Rappaport, não se realizará enquanto pessoa. Poderá, no
entanto, ter sucesso profissional ou social.
Filhos de pais permissivos serão crianças imaturas e inseguras e os que mais
dificilmente se adaptarão e se realizarão pessoal e socialmente. A auto-estima dessas
crianças e adultos é muito baixa.
É fácil reconhecer que o ideal é uma atmosfera familiar democrática. Não é
fácil, porém, chegar a ela em nossa cultura, onde até bem pouco tempo o que se tinha
era um padrão familiar patriarcal.
As causas familiares da indisciplina estão neste contexto. É aí que os alunos
adquirem os modelos de comportamento que exteriorizam nas aulas. Em tempos de
pobreza, violência doméstica e o alcoolismo foram apontados como as principais
causas que minavam o ambiente familiar. Hoje aponta-se o dedo também à
desagregação dos casais, droga, ausência de valores, permissividade, omissão dos
país na educação dos filhos, etc.
Quase sempre os alunos com maiores problemas de indisciplina provém de
famílias onde estes existem, pois estas crianças são obrigadas a assistir papéis que
não lhe cabem. Não se pode , no entanto, atribuir à família toda a responsabilidade
pelos problemas ou dificuldades que a escola encontra no trabalho com os alunos,
uma vez que nela a crianca ocupa lugares diferentes daquele que ocupa na família. E
a herança familiar que carrega, pode ser mais leve ou mais pesada, e esse “peso”
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não depende da estrutura formal da família , mas do modo como se tecem os afetos
familiares para cada sujeito.

3.2 - Alunos

O que faz com que um aluno seja indisciplinado? É preciso dizer que muitas
vezes as razões de fundo não são do foco da educação. Em muitos casos tratam-se
de questões que deveriam ser tratadas no âmbito da saúdo mental infantil e
adolescente, da proteção social ou até do foco jurídico. O grande problema é que
muitas vezes as escolas não conseguem fazer esta triagem. Tentam resolver
problemas para os quais não estão preparadas ou nem sequer são da sua
competência.
Todos os alunos são potencialmente indisciplinados, porque a escola é sempre
sentida como uma imposição por parte do Estado ou da família. É por isso que as
aulas são locais de constrangimentos e de repressão de desejos. Freud e depois
Foucault dissecaram este problema. Nesta perspectiva o que acaba por diferenciar os
alunos entre si é a atitude que assumem perante estas obrigações. Numa
classificação de inspiração weberiana são distinguidos três tipos de alunos:
Obrigados-satisfeitos: uma minoria que se conforma às exigências que a
escola lhes impõe.
Obrigados-resignados: A maioria que se adapta ao sistema procurando tirar
partido da situação, atingindo dois objetivos supremos: “gozar a vida” e “passar de
ano”.
Obrigados-revoltados: uma minoria inconformados (ou maioria conforme as
circunstâncias sócio-econômicas do meio). Da família à escola e desta à sociedade
colocam tudo em causa: valores, normas estabelecidas, autoridade, etc...
Não é fácil explicar as razões que levam uns a assumirem-se como
“conformistas” e outros como “revoltados”. A “falta de afeto” ou a “vontade de poder”
são, por exemplo, duas destas motivações. Há quem aponte também as tendências
próprias de cada idade que transforma uns em “revoltados” e outros em
“conformistas”.
A indisciplina pode também ter causas de natureza biológica, como explica
Nereci (1983), já que certos estados de desnutrição, esgotamento físico, verminose,
etc: podem acarretar estados de inquietação e incapacidade para os trabalhos de
classe que vão, quase sempre, redundar em indisciplina.
É claro que existem também as causas de natureza psicológica, que embora
ocorram com menos freqüência são merecedoras de serem abordadas, tais como:
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a) Excepcionalidade mental (ligeira) que dificulta ao aluno acompanhar os


trabalhos de classe, incomodando assim os colegas;
b) Tendência impulsiva do indivíduo – não se harmoniza com os regulamentos,
normas e rotinas da escola;
c) Problemas emocionais e de personalidade – podem afetar tanto a vida do
aluno dando a impressão de inteligência dura, retardada;
d) Vocação não atendida – as atividades escolares são alheias aos interesses
e tendências dos educandos.
Essas afirmações vem de encontro ao entendimento apresentado por Wallon
acerca do desenvolvimento infantil e a variação de seus comportamentos conforme o
ambiente e a realidade vivida.
Estas divagações sentimentais não atingem o mesmo grau em todas
as crianças. Podem ser refreadas pelas exigências da vida prática e
pelo contacto direto com as realidades da vida quotidiana, em
particular com uma actividade profissional precoce. Mas pode
também transformar-se em instabilidade, em comportamentos de
evasão ou de dissipação. Contudo, sufocadas ou a descobertas,
essas novas necessidades transformam profundamente a pessoa e a
inteligência da criança... (WALLON, 1979, p. 67)

Wallon dá um destaque especial ao estudo das situações de crise e os


conflitos presentes no desenvolvimento da criança, considerando essas
manifestações, como fundamentais para o processo de construção da identidade
infantil.

3.3 - Grupos e turmas

O grupo, enquanto conjunto estruturado de pessoas, tem uma enorme


importância nos processos de socialização e de aprendizagem das crianças. A sua
influência acaba por ser decisiva para explicar certos comportamentos que as crianças
demonstram e que são resultado de processos de imitação de outros membros do
grupo. Certas manifestações de indisciplina, não passam muitas vezes de meras
manifestações públicas de identificação como modelos de comportamento
característicos de certos grupos. Através delas as crianças procuram obter a
segurança e a força que lhes é dada pelos respectivos grupos, adquirindo certo
prestígio no seio da comunidade escolar.
...Com a idade de seis ou sete anos existe ainda um certa
dependência da criança, e isso foi notado: uma dependência dos
adultos. É em primeiro lugar, por parte da criança, um maior
afastamento por parte dos adultos. E pelo contrário, tendência para
se aproximar dos irmãos mais velhos. Gostaria de ser aceita por
19

grupos de crianças compostas pelos irmãos mais velhos e que aliás a


rejeitam. Essa tendência combina as suas necessidades de relações
mais igualitárias do que com os pais e o seu desejo de antecipar o
seu desenvolvimento futuro. Sente a necessidade de se fazer valer
como individuo e de medir sua força em relação ao grupo.
Estabelecem-se assim relações recíprocas entre o grupo e a criança.
A criança pode querer entrar num grupo, ou recusar entrar, mas o
grupo pode querer igualmente aceitar a criança ou não a acolher...
(WALLON, 1979, p. 210)

A formação do grupo, descrita acima por Wallon, não é nada que qualquer
professor não conheça. A turma é também um grupo, sem que todavia faça
desaparecer todos os outros aos quais os alunos se encontram ligados dentro e fora
da escola.
Quando a criança entra na pré-escola, ela tem de ajustar-se a determinadas
regras diferentes das que estava habituada a atender em casa .Regras essas
impostas pela instituição, professor, colegas, entre outros. A criança se depara com
um grupo de pessoas bem maior que a sua família.
A tarefa de ensinar é uma responsabilidade muito grande e mais ainda nos
primeiros anos de vida. Se o professor, indispensável ao processo de ensino-
aprendizagem, não tiver um conhecimento seguro do desenvolvimento infantil, não
souber dosar as atividades, não tiver criatividade e sensibilidade, poderá atuar de
forma negativa sobre a criança. Atuação essa que é melhor explicada no seguinte
trecho do livro de Wallon:
Creio que é mau tirar proveito desta idade da criança para
desenvolver nela o espírito de concorrência e de antagonismo
coletivo. Neste caso apenas se suscita um mau espírito de corpo, e
as premissas de um sentimento que não é sentimento de
solidariedade, mas sentimento de dominação em relação a um outro
grupo, ou seja, a forma de dominação mais lastimável, mais cega,
mais nefasta...
Mas há outras maneiras de tirar proveito desta etapa de
sociabilidade: desenvolver não o espírito de rivalidade, o espírito de
antagonismo, mas o de cooperação... (WALLON, 1979, p. 212)

Nota-se que Wallon não prescreve receitas mas aponta caminhos para que se
possa trabalhar de forma positiva com as crianças. Por exemplo, se as regras de
conduta são elaboradas pelos alunos no início do ano, registradas em forma de cartaz
e fixadas na classe durante todo período letivo, o não cumprimento de alguma regra,
após ser discutida na classe leva à penalidade deliberada pelo próprio grupo (prevista
no cartaz). As regras geram a conquista da autodisciplina em toda e qualquer ocasião
(passeios, visitas, atividades interclasses e outras).
No entanto, é necessário considerar que a compreensão e conseqüentemente
a incorporação dessas regras ao convívio escolar não ocorre espontaneamente, mas
20

de maneira organizada e sistemática. Para favorecer a compreensão de normas e


regras é preciso que elas sejam aprendidas e formuladas no convívio escolar, numa
organização coletiva, sendo possível à discussão e a avaliação das normas
estabelecidas e sua reformulação.
É aqui que pode intervir o mestre. Sabem a nossa escola tradicional
prestou sobretudo atenção aos indivíduos. E julgou mesmo que o seu
papel era dissociar aos indivíduos entre si, só considerar cada aluno
em particular e fazer com que na aula só existam relações entre o
mestre e cada aluno. A escola considerou muitas vezes como um
logro a cooperação que podia estabelecer-se entre as crianças... Mas
o trabalho por equipe, que pode apresentar grandes vantagens tendo
em vista desenvolver simultaneamente o espírito de iniciativa e o
espírito de cooperação, ainda não basta. (WALLON, 1979, p. 211)

São comuns as situações de conflito no cotidiano escolar. Se o professor


estiver ciente da importância dessas situações de conflito na construção da
personalidade da criança, poderá ter um distanciamento da situação, podendo pensar
na melhor forma de agir diante de tais comportamentos, pois a compreensão, quanto
aos tipos mais primitivos de interação e ao impacto da emoção e da expressividade na
dinâmica de interações do grupo é um ingrediente importante para a questão dos
conflitos e consequente obtenção de um bom clima de sociabilidade. Basta
compreender e aceitar que o grupo é capaz de resolver seus conflitos necessitando
apenas de alguém ( professor) que possa orientá-los nessa tarefa, o que é óbvio, vai
proporcionar-lhes autonomia e crescimento pessoal e social.

3.4 - Escola

A organização escolar está longe de ser um modelo de virtudes. Funciona em


geral de modo pouco eficaz . A excessiva dependência do Ministério da Educação,
tende a reduzir os que nela trabalham a meros executantes, sem capacidade de
resposta para a multiplicidade de problemas que enfrentam.
No passado o contributo dado pelas escolas para a indisciplina assentava na
questão da seleção que operavam. As escolas eram acusadas de discriminarem os
alunos à entrada e na constituição de turmas. Ao fazê-lo, criavam focos de revolta por
parte daqueles que legitimamente se sentiam marginalizados. A questão ainda é
colocada, mas não com acuidade que antes conheceu. Os contributos da escola para
a indisciplina são agora outros.
Há muito que a escola deixou de ter um papel integrador dos alunos. Embora
seja um espaço onde estes passam grande parte do seu tempo, nem sempre nela
chegam a perceber quais são os seus valores, regras de funcionamento, etc.
21

Na verdade as escolas estão mal preparadas para enfrentarem a complexidade


dos problemas atuais, nomeadamente os que se prendem com a gestão das suas
tensões internas. A crescente participação de alunos, pais, entidades públicas e
privadas nas decisões tomadas nas escolas tornou-se uma fonte de conflitos, que não
raro acabam por gerar climas propícios à irrupção de fenômenos de indisciplina.
As Associações de Pais, quando funcionam, encaram muitas vezes os
professores como um bando de incompetentes que aproveitam toda as ocasiões pra
se furtarem às aulas. Repetem-se por todo o país os casos de membros destas
associações que tirando partido da sua posição exercem pressão junto dos
professores para beneficiarem os seus filhos.
Além disso, juntam-se a estes argumentos, outros, tão fortes quanto os
mesmos. São eles:
Classes numerosas – Convenhamos que é difícil um professor dedicar-se a
tantos alunos a um só tempo. Atender as diferenças individuais, em classes
numerosas é quase utópico;
Instalações e materiais inadequados – Em salas pequenas, sem iluminação
nem ventilação suficientes, carteiras velhas, é difícil manter a disciplina, e o que dizer
dos quadros negros pequenos, cheios de zonas de reflexos, etc;
Falta de laboratórios, de oficinas e de materiais didáticos – estas deficiências
são, também causas da indisciplina; obrigam a que todas as aulas sejam teóricas e
sempre ilustradas, com o mesmo material, tornando o trabalho desinteressante e
cansativo;
Preparação deficiente dos diretores – Diretores que não tem preparação
pedagógica suficiente, nem consciência de suas responsabilidades e não inspiram
confiança para sua clientela;
Deficiência dos inspetores de alunos – A falta de preparo pedagógico faz com
que haja conflito entre os alunos e não ajustamento disciplinar.
O próprio Ministério da Educação é atualmente um dos principais promotores
da indisciplina nas escolas. Não apenas através da regulamentação que produz sobre
a matéria, mas também das medidas avulso que toma ou da morosidade dos
processos que aprecia. A ineficácia do sistema é neste domínio um poderoso estimulo
à generalização de práticas desviantes.
Mas esta não é a única questão a considerar. As equipes que têm dirigido o
Ministério da Educação são também responsáveis pela promoção de uma cultura de
irresponsabilidade:
22

a) As sucessivas mudanças realizadas no sistema educativo, em geral, de


forma atribulada e inconseqüente. Como é sabido, entre nós, a maquina do Estado
caracteriza-se há muito por ser ineficaz , sem que se apurem responsabilidades pelo
que quer que seja. O Ministério da Educação não é exceção, pelo contrário é um dos
exemplos paradigmáticos desta situação. A imagem que passe é de uma “casa” em
convulsão permanente. Cada novo ministro procura deixar a sua “marca” numa nova
reforma que nunca é concluída, nem sequer avaliada. A mudança continua, aliada a
ausência de uma avaliação do seu desempenho permite a mais completa impunidade
e o constante improviso. Os serviços do próprio Ministério não funcionam e dificilmente
são reformáveis. Tudo isto acaba por veicular nas escolas e na sociedade a idéia de
que a educação é um domínio pouco sério.
b) A prática corrente de um discurso que des-responsabiliza os dirigentes e os
serviços do Ministério,e que acaba sempre por imputar a responsabilidade pela pouca
eficácia do sistema aos professores. Ao escamotear-se, desta forma, outros atores no
processo, criam-se zonas cinzentas em todo o sistema. Desmotivam-se uns e
fomenta-se a impunidade de outros. O resultado final só pode ser o aumento da
permissividade no cumprimento das normas mais elementares.
Corroborando com tudo isso que foi dito, posso citar SASS, que, no artigo
“Educação e Psicologia Social – uma perspectiva crítica, ilustra bem as afirmações
feitas acima:
... a escola, admitida como uma complexa instituição social moderna,
é determinada pela sociedade em que se inscreve e, por isso mesmo,
retém contradições, ambiguidades, problemas e perspectivas
específicas; em decorrência para enfrentar os problemas da
educação escolar, especialmente aqueles relacionados com a
formação do aluno, do professor e de todos que direta ou
indiretamente da escola fazem parte é necessária ciência – se se
tratar não apenas de reproduzir exigencias da sociedade atual, mas
ao contrário. De a ela resistir e apontar para a sua transformação que
garanta a liberdade, a igualdade, a fraternidade e a autonomia do
indivíduo...(SASS, 2000,p. 62 – São Paulo em Perspectiva)

Mais adiante, o autor exemplifica tais afirmações mostrando alguns problemas


da educação atual:
O primeiro é relativo à recente reorganização das escolas dos
ensinos fundamental e médio em SP, que resultou na separação dos
alunos das primeiras quatro séries de todos os outros alunos da
educação básica(...) As posições contrárias à reorganização incluíram
desde exigências dos organismos financeiros internacionais e
intenções políticas de desmobilizar os trabalhadores da educação,
até os prejuízos reais causados às crianças e às famílias, visto que a
separação de escolas separou também irmãos e colegas, dificultando
ainda mais o deslocamento das crianças. O que poucos educadores
23

e quase nenhum psicólogo disseram refere-se ao caráter duplamente


regressivo da reorganização nos termos em que foi efetivada (...)
É desconhecida qualquer teoria psicológica que recomendasse
seriamente a separação, nos termos propostos, de crianças mais
novas das mais velhas.(...) Essa convivência pode propiciar o
exercício do poder dos mais fortes sobre os mais fracos, dos maiores
sobre os menores, dos grupos sobre os indivíduos, mas pode
também favorecer o respeito mútuo, o desenvolvimento da
solidariedade entre os mais velhos com os mais jovens, a redução da
frieza (...)
Outro problema que deve ser mencionado refere-se ao preconceito e
à violência que se manifestam na escola.(...) As transformações do
Estado e as relações deste com a sociedade, e o crescente progresso
tecnológico (...) Tem levado populações inteiras, grupos sociais e
indivíduos à desesperança e à regressão.
A persistência com que é difundida a regra de que sobrevivem
o mais forte e o mais ousado tem levado, especialmente, crianças e
jovens a agirem, regressivamente, como um adulto franco-atirador,
que está sempre pronto para eliminar a caça. ( SAAS, 2000,p. 62 –
São Paulo em Perspectiva)

Posto isto, nota-se que a grande parcela de culpa da existência da indisciplina


no contexto escolar é a própria escola , visto que ela enquanto instituição, é, sem
dúvida, uma grande promotora da tal indisciplina.

3.5 – Professores

Há professores que provocam mais indisciplina que os próprios alunos. As


razões porque isto acontece é que são muito variáveis, mas cinco delas são
freqüentemente citadas:
Falta de capacidade para motivarem os alunos, nomeadamente utilizando
métodos e técnicas inadequadas.
Emprego constante das mesmas técnicas de ensino que se tornam monótonas
e desinteressantes levando os alunos a reagirem com desatenção e desrespeito;
Impreparação para lidarem com situações de conflito;
A forma agressiva como tratam os alunos estimulando reações violentas;
A estigmatização e a rotulagem dos alunos.
As crianças só diferem entre sí pela etapa de seu desenvolvimento.
Mas para conhecer as suas diferenças individuais, os mestres estão
mal equipados. Mais surpreendente é encontrar mestres que recusam
preventivamente qualquer auxílio técnico, colocado simplesmente à
sua disposição. Mas a convicção de que tudo foi sempre pelo melhor
e de que nenhum progresso é possível, é daquelas que se deve
renunciar a empregar. É curioso observá-la por vezes em pessoas
cuja formação profissional teve de pôr em contacto com o espírito da
investigação científica.(WALLON, 1979, p.346)
24

Como se não bastasse, os professores ainda usam o regulamento escolar


como meio de controle, mas um regulamento disciplinar é tudo e não é nada. Os
professores imaginam-se com ele a salvo de muitos problemas disciplinares, e por
isso procuram torná-lo o mais completo possível. O aumento da sua extensão cresce
na mesma proporção direta da sua inaplicabilidade. A questão é todavia meramente
ilusória. Os professores partem do pressuposto que o mesmo será acatado pelos
alunos, dado que foi aprovado pelos representantes, e que desta maneira se
conformarão ao que nele estiver prescrito. Para os alunos, contudo, o regulamento
não existe. O que impera na escola “é” a vontade dos professores e do Conselho
Executivo. O regulamento será sempre mais um instrumento do seu poder
discricionário.

3.6 - Sociedade

Há séculos que se apontam uma série de nefastas influências sociais para


explicar certos comportamentos violentos dos jovens. As práticas de diversão estão
em geral à cabeça neste inventário das fontes de uma cultura da violência. No
passado referiam-se aos combates e as touradas, hoje aponta-se o cinema, mas
sobretudo a televisão e certos grupos e gêneros musicais. Mas o problema ultrapassa
a diversão. As nossas cidades são particularmente violentas. A única forma de
sobreviver é assumir esta cultura de violência. O discurso é conhecido.
Nota-se que as guerras mundiais precipitaram mudanças sociais acentuadas,
que não vem permitindo um ajustamento imediato de comportamento humano e
provocando como que um estado de perplexidade. Isso facilita certa desorganização
social, com reflexos no comportamento das pessoas, que se sente desorientadas.
A tudo isto, junta-se um outro elemento de peso: o individualismo hedonista.
Obter o máximo prazer no mais curto espaço de tempo, não importa os meios.
As escolas públicas são hoje freqüentadas por populações escolares muito
heterogêneas, contando no seu seio com um crescente número de alunos que provem
de grupos sociais onde subsistem freqüentemente graves problemas de integração
social (ciganos, negros, etc.). Apesar da especificidade dos problemas destes alunos,
a escola recusa-se, por uma questão ideológica a tratá - los de um modo diferenciado.
A democraticidade do tratamento não elimina os problemas de socialização.
Resultado: os problemas são transportados para dento da sala de aula.
25

A abordagem da questão da violência não pode ser divorciada das ideologias


políticas. As ideologias de direito sempre defenderam o primado do ordem e da
responsabilização individual. O combate à indisciplina uma bandeira que sempre foi
cara. As ideologias de esquerda tendem a ser mais tolerantes com a questão da
indisciplina dos alunos. O problema é encarado como um mero reflexo de questões de
natureza social, os alunos acabam por serem vistos como “vítimas” e não como
“responsáveis”. O resultado é a utilização de práticas “desculpabilizadoras”,
“permissivas”, etc. Trata-se de um caricatura, mas como tal , é largamente difundida.

4 - Disciplina, Autoridade e autoritarismo

Ao reunir, numa só instituição centenas de crianças com um determinado


tempo para aprender, a escola, no momento do seu nascimento, transpôs para dentro
de suas salas e de seus muros o conceito de educação que vigorava em casa: a
pedagogia do chinelo. O mundo mudou, nossas necessidades são outras. Hoje,
depois de um longo período de ditadura, a sociedade brasileira ensaia a democracia.
Nela, os dóceis alunos pouco pensantes e pouco críticos parecem não mais ter
utilidade. A democracia precisa de cidadãos responsáveis e conscientes. É esse o
bonde que a escola não pode perder.
Hoje, os regimentos internos mais tradicionais estão nos colégios religiosos e
militares que associam, como se fazia antigamente, a qualidade do ensino ao
autoritarismo. Para eles, quanto mais livre, menos o aluno aprende. Aliás, a procura
por esses colégios se dá exatamente por causa da rígida disciplina. Muitos pais
preferem assim. Na outra ponta está o universo das escolas particulares leigas, onde,
passada a fase das experiências quase anarquistas dos anos 60/70, têm-se criado
projetos pedagógico - disciplinares em que os alunos vivem com mais liberdade e
responsabilidade.
O grande nó – porque nem tão explícito como seria de se desejar – está na
escola pública. Sem preparo e sem condições de enfrentar sua dura realidade –
expressa, muitas vezes, em estruturas que comportam 3 mil alunos, distribuídos em
classes de até 50 crianças cada uma –, o professor se escora nas regras tradicionais.
A cada 50 minutos ele muda de classe e não tem tempo, fora do horário de aula para
estabelecer uma relação mais amistosa com os seus alunos. Como esse professor
pode criar condições democráticas e respeitosas de relacionamento com as crianças,
26

se os pais exigem que ele seja rígido e a escola cobra isso dele? Ele não pode. A
democratização das relações dentro da escola só tem condições de se viabilizar
quando existe um projeto que envolva toda a comunidade escolar. Sem isso, o
professor fica mesmo é com a regra mais primária: ele manda, e os alunos obedecem.
Refletir sobre a disciplina na escola é muito significativo, pois após 20
anos de regime autoritário, estamos hoje, tentando constituir uma
nação mais democrática. (Freire e Shor, 1986, p.110)

Muitas vezes “disciplina” é concebida nas escolas como obediência às ordens


sendo que qualquer infração cometida pelo aluno é resolvida com uma punição. Desta
forma, o objetivo passa a não ser o de resolver o problema, mas conseguir que o
aluno “indisciplinado” não incomode mais.
As normas estabelecidas pela escola apesar de recomendáveis e necessárias,
não podem ser rígidas e absolutas, mas adequadas ao tipo de clientela, à sua faixa
etária e que devem fluir naturalmente do relacionamento que se estabelece entre
educadores e educandos, como indivíduos que participam de uma experiência
comum.
Muitas vezes o problema que se torna crucial é o ambiente escolar muito
diferenciado do ambiente natural do aluno, cujos valores, hábitos e atitudes não
encontram consonâncias com o que é estabelecido pela escola.
Segundo Galvão, Wallon diz que o Planejamento das atividades escolares não
deve se restringir somente a seleção de seus temas, mas necessita atingir as várias
dimensões que compõem o meio.
Deve incluir uma reflexão acerca do espaço onde a atividade se desenvolve,
decidindo sobre aspectos relativos quanto ao meio material, como também ao tempo
necessário e o momento mais adequado para a realização do mesmo.
E isto é um ponto de concordância entre Wallon e Freire eShor, pois ambos se
pronunciam de forma a destacar a importância do papel do professor assim como suas
incumbências para que o ambiente escolar seja propício ao desenvolvimento infantil,
pois de acordo com esses autores, o professor deve ter autoridade, o que não implica
agir com autoritarismo. Vejamos:
Deve haver a autoridade do professor para que a sala de aula seja
um ambiente democrático. Esta autoridade mantida pelo professor
poderá ter uma variedade de formas, pois o educador terá que ajustar
sua função às necessidades do momento. (Freire e Shor, 1896,
p.114).

A falta da vivência da democracia é um obstáculo, pois a possibilidade da


perda da autoridade assusta os professores, os quais temem que relações horizontais
entre professor e aluno sejam invertidas e que os alunos tornem-se dominadores.
27

Até certo ponto tais preocupações são justificáveis, pois em


muitas situações, quando o aluno tem espaço para decidir,
inverte-se as posições, criando às vezes um clima de
permissividade. Sabemos que é preciso um clima democrático
que não significa tornar professores e alunos iguais; mas fazer
existir um diálogo tendo o aluno um espaço para participar,
pois, é impossível ensinar sem participação. (Freire e Shor,
1986, p. 114)

A autoridade flui naturalmente sem imposição ou submissão sendo


espontaneamente reconhecido pelas partes. O autoritarismo apresenta uma
imposição, sem respeito ao outro, produzindo submissão e mal-estar.
Visto que a disciplina é primordial à educação, deve-se saber que para ela
existir é preciso uma autoridade sadia, onde se tenha respeito à auto-estima.
Mas o que será que está por trás desses comportamentos? Pesquisas
mostram que, o que parece favorecer o desenvolvimento da autonomia moral são as
relações estabelecidas pela criança no ambiente em que ela vive, se autoritárias ou
cooperativas. O problema de nossas escolas é querer proporcionar autonomia aos
seus alunos sem estar preparada para tal, pois esquecem-se que autonomia não é o
mesmo que individualismo, ou liberdade para fazer o que quer, significa coordenar os
diferentes fatores relevantes, para decidir agir da melhor maneira para todos os
envolvidos, levando em consideração, ao tomar decisões, os direitos, o ponto de vista
dos outros.
Pois de acordo com Galvão, para Wallon deve haver uma reflexão acerca das
oportunidades de interação sociais oferecidas no ambiente escolar, onde serão
definidas as formas de atividades a serem realizadas, afim de oferecer maiores
oportunidades de interação e consequentemente de crescimento aos alunos.

5 - Indisciplina: Como lidar com ela?

O que fazer diante de uma classe repleta de baderneiros? Como botar ordem
no caos? De quem é a culpa?
Conquistar a disciplina em sala de aula tornou-se um verdadeiro desafio para o
ensino nos dias de hoje, tanto nas instituições públicas como privadas, e merece uma
séria reflexão.
Vamos pensar no que acontece dentro da classe, quando o professor tenta
desenvolver o conteúdo de sua disciplina para crianças desinteressadas, apáticas,
bagunceiras, isto é, indisciplinadas. Talvez alguns professores saudosistas (e até
mesmo os progressistas), numa situação de desespero, sonhem em punir
28

severamente, “à antiga”, os baderneiros: expulsar da sala, tirar pontos da nota, ganhar


“no berro”, enfim, reprimir severa e exemplarmente os “maus elementos”. Era desse
jeito que a antiga escola procedia. Mas o seu modelo era apropriado a um quartel,
onde prevalecia a hierarquia. Tanto nas famílias como no ensino, a disciplina era
obtida à custa de medo, subserviência e coação.
Ora, se o ensino é um direito da criança e do adolescente e um dever do
Estado, no intuito de promover pessoas livres, autônomas, capazes de exercer
plenamente a cidadania, não nos interessa criar um exército amedrontado de pseudo-
cidadãos, quer dizer, gente que vai para uma guerra desconhecida. Queremos formar
gente autônoma, emancipada, livre e consciente, capaz de fazer suas próprias
escolhas.
Para começar, vamos adotar o conceito atual de disciplina, que vem a ser o
reconhecimento da atividade em grupo, harmonicamente supervisionada por uma
autoridade externa (no caso, o professor). Esse reconhecimento pressupõe, da parte
do aluno, valores éticos anteriores à escolarização: entendimento de regras comuns,
partilha de responsabilidades, cooperação, reciprocidade, solidariedade etc. E, acima
de tudo, reconhecimento dos direitos do outro, sem o que fica impossível a
convivência em grupo.
Fácil? Não, dificílimo, porque tais noções vêm da família (existem, mas são
raríssimos, os alunos que as desenvolvem por conta própria). E nem toda família tem
condições de fornecer tais valores. Nessa hora, a convivência, a troca de idéias – caso
a caso, aluno por aluno – é premente. As próprias famílias, aliás costumam ser mais
permeáveis do que a gente pensa: de um modo geral, aceitam as noções vindas da
escola e tentam à sua maneira coloca-las em prática.
Agora, quando a família está indisponível ao educador, o professor tem de
assumir esse papel como veremos mais adiante.
29
30

CAPÍTULO II

Teoria Walloniana – Considerações a respeito de disciplina e indisciplina

Tendo discutido no capítulo 1, a disciplina e a indisciplina sob vários enfoques


e suas manifestações na escola, bem como as principais causas do surgimento da
mesma no ambiente escolar, passa-se a discutir agora, no capítulo 2, os aspectos que
influenciam o desenvolvimento da personalidade da criança, tecendo considerações a
respeito do que é considerado, pelos professores, indisciplina dos alunos, com o
objetivo de contextualizar a disciplina/indisciplina com a teoria social do
desenvolvimento elaborada por Henri Wallon e ainda de verificar se as queixas dos
professores são fundamentadas ou se são, como suponho, fruto do desconhecimento
por parte dos professores da teoria do desenvolvimento infantil elaborado por este
autor.

1 - Estágios de desenvolvimento segundo Henri Wallon

Os fatores orgânicos podem ter seus efeitos amplamente transformados pelas


circunstâncias sociais nas quais se insere cada existência individual e mesmo por
deliberações voluntárias do sujeito. Por isso, a duração de cada estágio e as idades a
que correspondem são referências relativas e variáveis, em dependência de
características individuais e das condições de existência.
O biológico vai, progressivamente, cedendo espaço de determinação social. A
influência do meio social torna-se muito mais decisiva na aquisição de condutas
psicológicas superiores, como a inteligência simbólica. É a cultura e a linguagem que
fornecem ao pensamento os instrumentos para a sua evolução. O simples
amadurecimento do sistema nervoso garante o desenvolvimento de habilidades
intelectuais mais complexas. Para que se desenvolvam, precisam interagir com
“alimento cultural”, isto é, linguagem e conhecimento.
Para Wallon, a passagem de um a outro estágio não é uma simples ampliação
mas uma reformulação. Com freqüência, instala-se, nos momentos de passagem, uma
crise pode afetar visivelmente a conduta da criança.
Segundo a perspectiva Walloniana o desenvolvimento infantil é um processo
pontuado por conflitos. Conflitos de origem exógena, quando resultantes dos
31

desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos


adultos e pela cultura.
Wallon vê os conflitos como propulsores do desenvolvimento, isto é, como
fatores dinamogênicos. Esta concepção quanto ao significado dos conflitos repercute
na atitude de Wallon diante do estudo do desenvolvimento infantil, fazendo-o dirigir,
aos momentos de crise, maior atenção.
No estágio impulsivo, a emoção é o instrumento privilegiado de interaçào da criança
com o meio, a afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas e com a
relação com o mundo físico. A criança apresenta manifestações afetivas, entretanto
inaptidão para agir diretamente sobre a realidade exterior.
Já no estágio sensório-motor e projetivo, a criança interessa-se pela
exploração sensório- motora do mundo físico. Tem maior autonomia na manipulação
de objetos e na exploração de espaços. Há o desenvolvimento da funçào simbólica e
da linguagem. O pensamento precisa de auxílio dos gestos para se exteriorizar (ato
mental reflete nos atos motores).Neste período há predominância das relações
cognitivas com o meio.
Quando chega ao estágio personalista iniciam-se os processos de formação da
personalidade, através das interações sociais ocorre a construção da consciência de
si. Há interesse da criança pelas pessoas (predominância das relações afetivas).
A partir dos 6 anos, a criança entra no estágio categorial onde inicia-se a
formação dos processos intelectuais. Dá-se um maior interesse da criança para com
as coisas, conhecimento e conquista do mundo exterior. Imprime, às suas relações
com o meio, o aspecto cognitivo.
Durante o desenvolvimento dos estágios há uma “alternância funcional”, isto é,
de cada fase em que a criança vive, assume uma preponderância no interesse da
criança que pode ser do “eu para o mundo”, ou “das pessoas para as coisas”.
Entretanto, afetividade e cognição não são funções exteriores uma à outra, ao surgir
como preponderante, uma incorpora as conquistas realizadas pela outra, ou seja,
conquistas do estágio anterior, em um processo de integração e diferenciação.
A afetividade pode ser: Impulsiva emocional ( Nutre pelo olhar, pelo contato
físico e se expressa em gestos, mímicas e posturas; Do personalismo, quando incorpora
os recursos intelectuais (principalmente linguagem), a afetividade simbólica exprimindo
– se por palavras e idéias e nutre-se destas, neste momento deixa de ser indispensável, a
presença física das pessoas.
32

Integrando os processos intelectuais realizados no estágio categorial, a afetividade


torna-se cada vez mais racionalizada – os sentimentos são elaborados no plano
mental, os jovens teorizam sobre suas relações afetivas.
Esta construção recíproca explica-se pelo princípio extraído do processo de
maturação do sistema nervoso, no qual as funções mais evoluídas, de
amadurecimento mais recente, não suprimem as mais arcaicas, mas exercem sobre
elas o controle. Dá-se uma integração das condutas mais antigas pelas mais recentes,
em que estas últimas passam a exercer o controle sobre as primeiras.
A integração funcional não é definitiva. Mesmo que as capacidades já tenham
se subordinado aos centros de controle, podem ser provisoriamente desintegradas.
Wallon defende que as emoções são reações organizadas e que se exercem
sob o comando do sistema nervoso central. Ao dirigir o foco de sua análise para a
criança, ele assevera que é na ação sobre o meio humano, e não sobre o meio físico,
que deve ser buscado o significado das emoções. As emoções são manifestações da
vida afetiva. Possuem especificidades que as distinguem de outras manifestações de
afetividade.
As emoções apresentam variações no funcionamento neurovegetativo, isto é,
são acompanhadas de alterações orgânicas (aceleração dos batimentos cardíacos,
dificuldade na digestão, etc.)
Provocam alterações na mímica facial, na postura, etc.
Modificações visíveis do exterior, expressivas.
Caráter contagioso e poder mobilizador do meio humano.
Origem da consciência (exprimem e fixam, para o próprio sujeito, certas
disposições específicas de sua sensibilidade).
Componente corporal (maneira como o tônus se forma, se conserva, se
consome).
Atividade social, nutre-se com o efeito que causa no outro.
Proporcionam relações interindividuas nas quais diluem-se os contornos do
pensamento de cada um.
Propiciam interações sociais e possibilitam o acesso ao universo simbólico da
cultura.
A relação entre emoção e razão é de filiação, e, ao mesmo tempo, de
oposição.
Segundo Wallon, a linguagem é o instrumento e o suporte
indispensável aos processos do pensamento. Entre pensamento e
linguagem existe uma relação de reciprocidade: a linguagem exprime
o pensamento ao mesmo tempo em que age como estruturadora do
mesmo. Conferindo grande importância ao binômio pensamento –
33

linguagem, Wallon elegeu, como objeto privilegiado de seu estudo


sobre a inteligência o pensamento discursivo (verbal).
É muito grande o impacto da linguagem sobre o
desenvolvimento do pensamento e da atividade global da criança.
Com a posse desse instrumento, a criança deixa de reagir somente
àquilo que se impõe concretamente a sua percepção; descolando-se
das ocupações ou solicitações do instante presente, sua atividade
passa a comportar adiamentos, reservas para o futuro, projetos. A
aquisição da linguagem representa, assim, uma mudança radical na
forma de a criança se relacionar com o mundo.
A linguagem, ao substituir a coisa, oferece à representação
mental o meio de evocar objetos ausentes e de confronta-los entre si”
(GALVÃO, Izabel p. 77, 78, 79)

Wallon identifica o sincretismo como a principal característica do pensamento


infantil. Esta globalidade está presente em vários aspectos da atividade mental, que
percebe e representa a realidade de forma indiferenciada. No pensamento sincrético
encontramos, misturados, aspectos fundamentais, como o sujeito e o objeto pensado,
os objetos entre si, os vários planos do conhecimento, ou seja, noções e processos
fundamentais de cuja diferenciação dependem os progressos da inteligência.
O processo de simbolização é decisivo para que o pensamento atinja uma
representação mais objetiva da realidade, pois substitui as referências pessoais por
signos convencionais, referências mais objetivas.
É no estágio categorial que se intensifica a realização das diferenciações
necessárias à redução do sincretismo do pensamento. Trata-se da capacidade de
formar categorias, ou seja, de organizar o real em séries, em classes, apoiadas sobre
um fundo simbólico estável.
A formação de categorias supõe a separação entre qualidade e coisa. No
sincretismo, verifica-se uma aderência entre essas duas noções; a qualidade é
percebida como atributo exclusivo da coisa à qual se liga.
Ao interagir com o conhecimento formal, o pensamento se apropria das
diferenciações já feitas pela cultura, as quais contribuem para a realização das
diferenciações que devem ser realizadas pelo próprio indivíduo. A redução do
sincretismo e a consolidação da função categorial são processos em estreita
dependência do meio cultural.
Mesmo no pensamento racional, ou no conhecimento científico, é
possível assinalar aspectos positivos ao sincretismo: ao misturar e confundir idéias,
possibilita-se o surgimento de relações inéditas. Necessário ao ato criador, o
sincretismo é essencial à invenção verdadeiramente nova.

2 – As interações na construção da identidade


34

Segundo a perspectiva Walloniana, estudar o homem, significa estudar suas


interações com seu meio.
Em sua teoria o conceito de meio inclui a dimensão das relações humanas, a
dos objetos físicos e a dos objetos do conhecimento. O meio é o campo sobre o qual a
criança aplica condutas de que dispõe, ao mesmo tempo em que é dele que retira os
recursos para sua ação.
De acordo com sua concepção, a Educação deve propor a formação do sujeito
na busca de superar conflitos e dicotomias próprias de seu desenvolvimento que
opõem, por exemplo, indivíduo e sociedade, afetividade e inteligência,
desenvolvimento motor e desenvolvimento cognitivo.
Para Wallon, a formação da criança decorre das relações com o meio: primeiro
e diretamente o meio social, que a alimenta e que satisfaz suas necessidades desde
seu nascimento e durante anos. Daí a afirmação de Wallon de que o ser humano é
geneticamente social, pois a dependência do outro estaria inscrita na espécie como
necessidade de sobrevivência. Na ausência do outro, o homem perece. Essa relação
de dependência apresenta influências diretas sobre seu comportamento e suas
atitudes, uma vez que é para as pessoas em sua volta que elas convergem. As
primeiras relações das crianças com o meio humano são de participação nas
situações em que se encontra e nas quais a criança se confunde, misturando-se com
elas. É o que Wallon chamou de sincretismo; primeiro indício da consciência.
A primeira relação social da criança será no grupo familiar e posteriormente se
estenderá a outros grupos. O bebê, logo ao nascer, passa a estar sujeito a horários,
hábitos alimentares e de higiene; depois aprenderá a andar, falar e assim por diante.
O que ele aprende e como aprende caracterizaram a peculiaridade de cada grupo,
classe social, cultura. Neste sentido, a socialização está relacionada às condições
objetivas da vida do indivíduo.
Os primeiros anos de vida da criança são fundamentais para o seu
desenvolvimento. Neste curtíssimo espaço de tempo, ela passa por diversas etapas,
tanto no espaço físico, como no mental, no social e no emocional. Esses aspectos
todos influenciam o desenvolvimento da personalidade, entrelaçando-se e evoluindo,
tornando cada indivíduo um ser único e diferente dos demais. Os dois planos da
realidade (vivido e imaginado), para Wallon são inicialmente indistintos:

...uma espécie de confusão, que ainda não está superada, entre a


expressão verbal e o conteúdo real, semelhante à confusão do ato e
das circunstâncias, ou à do sujeito e da situaçào...
35

Em todas as formas de sua atividade, a criança passa, portanto,m por


uma etapa em que os processos em curso a misturam estreitamente
às circunstâncias diversas de sua ação, de tal modo que a situação e
tudo que realiza, ou tudo que a exprime, parecem desenhar os
relevos essenciais da sua vida mental. ( Wallon, 1979, p.80)

Assim o desenvolvimento da criança caminha do sincretismo para a


diferenciação e o que fundamenta a existência humana são as relações do homem
com seu meio, de tal forma que a consciência evolui em um processo de socialização
que individualiza, e as possibilidades de desenvolvimento do pensamento e do
conhecimento estão submetidas às condições de existência, onde a cultura
desenvolvida pelos homens é o limite imposto.
A fórmula das categorias não é dada de uma vez para sempre. Elas
acompanham a atividade humana no seu poder de utilizar as coisas.
São em cada estádio do pensamento aquilo que os meios, de que o
homem dispõe em face do Universo, querem que elas sejam. Já não
há, portanto, que escolher entre o agnoticismo ou o idealismo. Estes
cedem lugar a um realismo que não é a crença de uma identidade
imediata entre a impressão bruta que nos produzem as coisas e a sua
essência, mas, ao contrário, a certeza de que os nossos
conhecimentos, progredindo e transformando-se são, em cada época,
o testemunho das leis e das estruturas que as nossas técnicas nos
permitem descobrir e pôr em jogo na naturaza. (Wallon, 1979,p.124)

Wallon entende em seus estudos, que as disponibilidades pisiquicas que estão


em potência na criança não se desenvolvem de maneira linear, mas de acordo com o
modo como são resolvidos os conflitos entre ela e as diferentes circunstâncias e os
diferentes objetos com os quais se confonta e que modelam sua atividade.
É, no final das contas, o mundo dos adultos que o meio lhe impõe e
daí resulta, em cada época, uma certa uniformidade de formação
mental... Se o adulto ultrapassa a criança, a criança à sua maneira
ultrapassa o adulto. Ela possui disponibilidades psiquicas que um
outro meio utilizaria de outro modo. Muitas dificuldades coletivamente
vencidas pelos grupos sociais permitiram já que muitas delas se
manifestassem. Com a ajuda da civilização, não estarão em potência
na criança outros desenvolvimentos da razào e da sensibilidade?
(Wallon, 1941, p.32)

Segundo o autor, a criança principia em um sincretismo, sem diferenciar-se das


pessoas, da situação em que se encontra ou dos objetos à sua volta. No decorrer de
seu desenvolvimento, à medida em que vai interagindo com o meio, alguns campos
funcionais, em estreita relação um com o outro, vão se diferenciando. Com o tempo, a
afetividade, a motricidade, a inteligência e a consciência de si, vão se construindo, em
dependência com vários aspectos, entre eles as relações interpessoais, a maturação
do sistema nervoso e as circunstâncias que irão suscitar o desenvolvimento e
36

exercício de cada função. Isto quer dizer que a maturação orgânica não é a única
condição para o aparecimento de determinada função. Ela deve ser exercidade dentre
as possibilidades que o meio oferece. É o contato social durante os primeiros anos de
vida com os pais e outras pessoas que possibilitam mais tarde o reconhecimento do
eu.
... as emoções não possuem nenhuma característica de um sistema
de uma atividade simbólica. Longe de servir para evocar ou combinar
as representações, elas limitam e chegam mesmo a reprimir seu jogo.
Aliás, elas devem inversamente ceder-lhes o lugar quando não
conseguem triunfar. Entre as duas existe antagonismo e
incompatibilidade (...) situadas entre o automatismo das relações e a
atividade intelectual, as emoções mantém com ambos uma dupla
relação de filiação e proposição. (...) Constituindo por um lado, o fator
que foi primeiramente capaz de realizar, entre os indivíduos, a
unidade de atitude e de consciência da qual pode surgir o comércio
intelectual entre eles, as emoções entraram, emseguida, em conflito
com o que haviam tornado possível. Suas manifestaçòes são
perturbadas ou reprimidas pelo controle, ou pela simples atividade da
inteligência e, reciprocamente, não podem produzir-se sem alterar-lhe
o funcionamento . ( Wallon, 1986, p. 147 – 148)

De acordo com ele, o ser humano não nasce com a percepção e os reflexos
prontos, eles serão possibilitados pela maturação orgânica e construídos socialmente
ao longo de seu desenvolvimento. Sendo assim, até o primeiro ano de vida (
denominado por Wallon de estádio impulsivo emocional) o psiquismo principia em uma
indivisão entre o ambiente ou a situação. Nessa idade a criança tem necessidade do
contato físico, gosta de ficar no colo, de ser acariciada. No estádio sensório motor e
projetivo, entre o primeiro e o terceiro ano de vida, as disdposições orgânicas já
permitem à criança ações mais voltadas para o meio físico e ela começa a dedicar-se
a exercícios sensório motores. Ela gosta de subir em tudo, correr, pular e até imitar. O
movimento faz parte de seu ajustamento ao mundo que a cerca e lhe propicia o
conhecimento de suas possibilidades.
É muito ativa. Brinca, trepa. Mexe em tudo, derruba coisas. Leva tudo à boca.
Cai e se machuca com facilidade. Também sente medo, desprazer, raiva, ciúme,
alegria, excitamento, afeição por adultos, crianças, animais. Afirma o autor, que desde
o nascimento existem íntimas relações entre o desenvolvimento orgânico e o
desenvolvimento psíquico, sem preponderância de um sobre o outro, mas ação
recíproca. As reações motoras são orientadas para a realidade e são, nos gestos da
criança que se encontram as raízes de seu pensamento: por meio deles ela pode
lembrar de um objeto ou de uma situação. Até o terceiro ano de vida “o pensamento
só pode impor-se ã consciência se se realizar pelo gesto ou pela palavra” “( Wallon,
1979, p. 143) Nesse período, o personagem principal de vida da criança é a mãe. A
37

qualidade da socialização que a criança irá estabelecer dependerá muito da atitude da


mãe. As oportunidades de relações com outras pessoas devem ser priorizadas.
A família é, sem dúvida, o principal agente socializador da criança, enquanto
ainda pequena. É dos pais a responsabilidade de ajudar os filhos a desenvolverem
comportamentos e características de personalidade aceitáveis aos grupos sociais a
que pertencem. O tipo de ambiente familiar adotado pelos pais, na pratica do dia-a-dia,
resultará em maior ou menor capacidade da criança para enfrentar situações positivas
ou negativas. Também influenciará no conceito que a criança tem de si mesma,
enquanto pessoa.
Contrapondo-se à idéia de uma consciência individual e primitiva, Wallon
considera que o meio humano modela a consciência individual, pois o EU não se
constitui de uma vez, mas de acordo com a idade, com as circunstâncias e com as
disposições individuais.
Quando a criança descobre outras relações fora da família, a criança pode
firmar-se em outros papéis e outras posições que no ambiente familiar são fixas.
Emergindo juntos na vida psíquica, o equilíbrio entre o EU e o OUTRO não é
constante, conforme afirma Wallon .
Portanto, por volta dos 3 anos, a criança se torna mais sensível a seu papel
nas relações em ambiente familiar, passando então, a falar na forma pessoal, usando
o pronome meu. Numa família democrática, onde os pais adotam práticas disciplinares
como a explicação e o reforço positivo, evitam os castigos físicos e solicitam a
participação da criança nas decisões da família, obviamente essa criança se tornará
um adulto competente e independente, com uma auto - estima e equilíbrio emocional
surpreendente.
Já os pais autoritários, que agem através da punição e da imposição de regras
sem qualquer explicação, levarão seus filhos a se tornarem pessoas conformadas e
adaptáveis socialmente a qualquer sistema.
Filhos de pais permissivos serão crianças imaturas e inseguras e os que mais
dificilmente se adaptarão e se realizarão pessoal e socialmente. A auto-estima dessas
crianças e adultos é muito baixa.
É fácil reconhecer que o ideal é uma atmosfera familiar democrática. Não é
fácil, porém, chegar a ela em nossa cultura, onde até bem pouco tempo o que se tinha
era um padrão familiar patriarcal.
Podemos dizer, por fim, que a família ou seu substituto, a creche, constituem o
grupo de socialização primária para a criança. As teorias psicológicas concordam
quanto à importância desse primeiro grupo na formação do individuo.
38

Nos seus primeiros anos de vida, a criança depende física e psiquicamente do


adulto. Se não for alimentada, limpa, cuidada e amada, não sobreviverá.
Mas, nas últimas décadas tem havido uma inequívoca tensão nos núcleos
familiares. Os pais têm cada vez menos tempo para convivência com os filhos, o nível
de desemprego se elevou, a instabilidade social cresceu, as taxas de divórcios e
separações são cada vez maiores e o aumento da mobilidade vem provocando uma
sensação de desenraizamento nas pessoas.
O núcleo familiar no qual as crianças vem sendo criadas é bastante restrito,
limitando-se a seus pais e irmãos. Esse fato faz com que as mesmas conheçam e
convivam muito pouco com a família maior, resultando em uma certa indiferença no
seu relacionamento com os demais parentes.
É difícil, nas grandes cidades, uma convivência íntima entre tios, primos e,
lamentavelmente, até com os avós (figuras tão importantes no desenvolvimento das
crianças).
Esses fatores, somados causam uma diminuição das fontes estáveis, que
colaboram para a construção dos relacionamentos sociais, provocando uma ascensão
do individualismo. Tudo isso gera um indiscutível incremento no estresse da família
nuclear.
Nesse sentido, nossas crianças estão mais dependentes de apoios da
comunidade, de instituições que representem lugares adicionais de segurança,
amparo e esperança que ofereçam figuras identificatórias confiáveis. Dentre esses
lugares comunitários de força e estrutura, estão incluídos os que propiciam a crença
em um ser superior e a confiança no ambiente escolar.
É importante então, entender o papel da escola maternal destacado por Wallon
na formação da criança que tende a deixar sua subjetividade, classificando-se como
um ser entre outros e com os quais aprenderá a travar relações mais objetivas.
Quanto maior for a participação do sujeito em atividades coletivas,
tanto mais anônimas ou mais categoriais tenderão a tornar-se as suas
relações com o Outro. ( Wallon, 1973, p. 166).

O autor realça a importância das crianças relacionarem-se entre sí na escola


maternal, pois acredita que a escola maternal pode preparar a criança para entrar em
grupos maiores, onde seu papel será mais diversificado.
A escola maternal parece perfeitamente adequada para preparar a
emancipação da criança, que vive ainda enquadrada na sua vida
familiar onde mal sabe distinguir a sua personalidade do lugar que
nela ocupa e onde a representação que faz de si própria tem algo de
global, confuso e de exclusivo. ( Wallon, 1975, p. 212)
39

Nessa faixa, as crianças demonstram serem donas de si. A relação com o


ambiente é amistosa e familiar. São extremamente falantes, possuem um bom
vocabulário. Gostam de brincar umas com as outras, algumas ainda preferem não
misturar meninos com meninas.
O ajustamento à escola não é difícil. Geralmente, apresentam boa memória e
concentração. Gostam de elogios e de aprovação. São carinhosas ou rudes e
agressivas, às vezes. Riem, choram com facilidade, amam e hostilizam. Manifestam,
nesta idade, sentimentos de ambivalência e indecisão. Apresentam, nas brincadeiras,
atitudes dominadoras e autoritárias. São generosas e boas companheiras.
A área afetiva é ampliada. Fazem novas amizades, formam diferentes grupos.
Em geral, interessam-se pelo sexo oposto, pelo casamento, pelam maneira como faz o
bebê.
Quando as crianças separam para brincar de casinha, geralmente as meninas
atuam como mamães e agem como tal. Os meninos imitam seus pais na lida do
trabalho.
Nesta idade, há a formação de vínculos afetivos em relação à professora e
entre os próprios colegas. As crianças se preocupam umas com as outras, se cuidam
e quando necessário, se cobram determinadas posturas.
Wallon diz que ao ir para a escola, a criança pode aprender práticas sociais,
atuando em diferentes grupos, vendo-se como um elemento necessário e
complementar a eles. Mas, Wallon também tece críticas aos psicólogos e pedagogos
que privilegiam os aspectos intelectuais da infância e também aos professores que
não percebem o motivo do interesse das crianças em vir à escola, que é encontrar
seus pares e em função de não o perceberem acabam impedindo a socialização.
Nesse período, as crianças não param quietas. É, então, importante o uso do
escorregador, dos balanços, das gangorras, das brincadeiras de roda, dos saltos e
corridas, pois estimulam a descoberta do próprio corpo e ajudam-nas a se localizarem
no espaço. A criança desta idade usa muito os grandes músculos. O seu equilíbrio é
bom.
Quando um brinquedo lhe agrada, sente-se feliz. É afável, ri para os outros,
procura a aprovação dos que a cercam.
Brincam em grupos de 3 ou 4 crianças. É egocêntrica, mas já começa a
brincar com os companheiros: meninas e meninos juntos, pois têm os mesmos
interesses.
A curiosidade aumenta. Elas fazem bastantes perguntas. Gostam de canções e
jogos imitativos. Já possuem um amiguinho de quem gostam mais.
40

É ao sair da idade puramente familiar, por volta dos 6 ou 7 anos, no


início da idade escolar, que a criança começa a ser capaz de procurar
um lugar num grupo cujos membros são livres de o aceitar ou não. A
partir desse momento, a criança aprende a conduzir-se como uma
pessoa no meio dos seus semelhantes, com a vontade dos quais ela
poderá ter de se pôr de acordo, resultando daí para a criança a
possibilidade de desenvolver toda uma nova variedade de condutas
sociais. ( Wallon, 1975, p. 173)

Um grupo pode ser caracterizado como um conjunto de pessoas que


apresentam propósitos (objetivos) comuns, interação, consciência grupal, vínculos que
podem ser definidos, dependência mútua para a satisfação de necessidades e
habilidade para atuar como organismo.
Nas situações identicas como de ensino e de aprendizagem, o grupo pode ser
caracterizado como o conjunto de alunos que interagem em função de objetivos
cooperativamente aceitos, onde a participação de cada um se traduz no pensar com o
outro, no respeitar para ser respeitado, no agir e no crescer com o outro.
Em sala de aula, o trabalho em grupo é necessário e indispensável à
socialização do educando. Responsabilidade, cooperação, divisão de trabalho,
solidariedade, senso crítico e criatividade são atitudes e habilidades que podem ser
estimuladas a partir do trabalho em grupo.
Portanto o grupo tem um papel fundamental na formação da criança, já que
mediada por ele, é possível criar uma consciência mais objetiva de sí.
Nota-se, portanto, um aspecto importante que é a diferenciação do papel da
escola e da família na construção da identidade infantil. A família é o primeiro meio no
qual a criança se insere e a entrada na escola favorece a ampliação de possibilidades
para a construção do sujeito, pois nela a criança pode ocupar lugares diferentes
daquele que ocupa no espaço familiar bem como participar de grupos diversificados,
com objetivos diversos.

3 – Crises e conflitos – processo de desenvolvimento da criança

Wallon dá um destaque especial ao estudo das situações de crise e aos


conflitos presentes no desenvolvimento da criança, considerando, essas
manifestações, como fundamentais para o processo de construção da identidade
infantil.
Ao buscar enfocar o ser humano por uma perspectiva global, a psicogenética
walloniana identifica a existência de alguns campos que agrupam a diversidade das
funções psíquicas. A afetividade, o ato motor, a inteligência, são campos funcionais
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entre os quais se distribui a atividade infantil. Aparecem pouco diferenciados no inicio


do desenvolvimento e só aos poucos vão adquirindo independência um do outro,
constituindo-se como domínios distintos de atividade. A pessoa é o todo que integra
esses vários campos e é, ela própria, um outro campo funcional.
Segundo Wallon, o estado inicial da consciência pode ser comparado a uma
nebulosa, uma massa difusa, na qual confundem-se o próprio sujeito e a realidade
exterior. O recém-nascido não se percebe como indivíduo diferenciado. A distinção
entre o eu e o outro só se adquire progressivamente, num processo que se faz nas e
pelas interações sociais.
Até que a criança saiba identificar sua personalidade e a dos outros,
correspondendo a primeira ao eu e a segunda à categoria do não-eu, encontra-se num
estado de dispersão e indiferenciação, percebendo-se como que fundida ao outro e
aderia às situações e circunstâncias. Portanto, o sentido do processo de socialização
é de crescente individualização.
Neste período em que a criança se sente ao mesmo tempo
estritamente solidária com a família, e ávida de sua autonomia,
existem para elas causas repetidas e por vezes lancinantes de lutas
íntimas.” (Wallon, 1979 p. 206)
Para Wallon, o outro é parceiro perpétuo do eu na vida psíquica. O processo de
formação do eu se dá por movimentos complementares e alternantes de expulsão e
incorporação do outro. Isso ocorre de forma sistemática, da seguinte maneira:
O recém-nascido não se diferencia do outro nem mesmo no plano corporal. É
pela interação com os objetos e com o seu próprio corpo – em atitudes como colocar o
dedo nas orelhas, pegar os pés, segurar uma mão com a outra – que a criança
estabelece relações entre seus movimentos e suas sensações e experimenta,
sistematicamente, a diferença de sensibilidade existente entre o que pertence ao
mundo exterior e o que pertence a seu próprio corpo.
Eis portanto aqui como vêem, uma prova da ligação que parece
indissolúvel, a partir de uma determinada idade, entre o
desenvolvimento psíquico do indivíduo e o seu desenvolvimento
biológico. E as condições de um desenvolvimento psíquico são de tal
modo necessárias que chegam a prevalecer sobre as condições, por
vezes medíocres, do desenvolvimento biológico. (...)
Existe, não preponderância do desenvolvimento psíquico sobre o
desenvolvimento biológico, mas ação recíproca. (Wallon, p. 202-203)

A construção do eu corporal é condição para a construção do eu psíquico,


tarefa central do estágio personalista. No período anterior à apropriação da
consciência de si, a criança encontra-se num estado de sociabilidade sincrética. O
adjetivo sincrético é utilizado para designar as misturas e confusões a que está
42

submetida a personalidade infantil. Indiferenciada, a criança percebe-se com que


fundida nos objetos ou nas situações familiares, mistura a sua personalidade à dos
outros, e a destes entre si.
Esta diferenciação entre o espaço objetivo e o subjetivo ocorre no primeiro ano
de vida e é uma etapa da formação corporal. A segunda etapa corresponde à
integração do corpo e sensações ao corpo visual, isto é, à junção do corpo, tal como
sentido pelo próprio sujeito à sua imagem, tal como vista pelos outros. Este processo
de interação ocorre ao longo do estágio sensório-motor e projetivo...
Outro indício da indiferenciação do eu psíquico é o fato de a criança referir-se a
sua pessoa mais freqüentemente pelo próprio nome, na terceira pessoa, do que pelo
pronome “eu”.
O terceiro ano de vida dá início a uma reviravolta nas condutas das crianças
nas suas relações com o meio.
A criança opõe-se sistematicamente ao que distingue como sendo diferente
dela, o não-eu: combate qualquer ordem, convite ou sugestões que venha do outro,
buscando, com o confronto, testar a independência de sua personalidade recém-
desdobrada, expulsar, do eu, o não-eu.
... Foi notado em crianças que, ao verem nascer um irmãozinho ou
ainda uma irmãzinha, gostariam de estar no seu lugar e não se
resignarem em ceder-lhes o lugar de última nascida que detinham até
então e no qual tinham encaixado a sua própria personalidade.
Vemo-las estiolarem-se, dados os cuidados prestados á um outro que
não a sim mesmas. É a impossibilidade de atribuir a outrem o que
pertence a outrem e a si mesmo o que pertence a si. (Wallon 1979, p.
207)
Em geral, esta etapa tem o aspecto de uma verdadeira crise, como bem podem
testemunhar os educadores da faixa pré-escolar, na qual são extremamente
freqüentes os conflitos interpessoais.
... A escola maternal parece ser perfeitamente adequada para
preparar a emancipação da criança que vive ainda encaixada na sua
fica familiar onde sabe distinguir mal a sua personalidade do lugar
que aí ocupa e onde a representação que faz de si mesma tem algo
de global, de confuso e de exclusivo. (Wallon 1979, p. 207)

Nesta fase a criança esforça-se por ter papel de destaque e status de


vencedor, utilizando-se todas as circunstâncias favoráveis e usando recursos cada vez
mais elaborados: manifestações de ciúme, trapaças, “acessos” de tirania,
dissimulação. A exacerbação do ponto de vista pessoal é um movimento necessário
para destacar da massa difusa em que se encontrava a personalidade, a noção do eu.
A criança é então extremamente exclusiva; é capaz de arrogância e
presunção, mas é sobretudo capaz de ciúme. O ciúme é muito
específico dessa idade. Porque apresenta um estado ainda mal
diferenciado da sensibilidade; Consiste, ao mesmo tempo, numa
43

espécie de alienação de si perante o rival e na pretensão de se lhe


substituir. (Wallon, 1979, p. 207)

Um dos conteúdos que a atitude de oposição adquire é o desejo de


propriedade das coisas. Confundindo meu com o eu a criança busca, coma posse do
objeto assegurar a sua própria personalidade.
O exercício da oposição, somado aos progressos da função simbólica, fazem
com que a criança deixe de confundir sua existência com tudo o que dela participa,
isto é, reduzem o sincretismo da personalidade, a qual ganha autonomia e deixa de
ser tão facilmente modificada pelas circunstâncias.
Ainda no estágio personalista, quando este primeiro salto na formação do eu
está ce certa forma garantido, a crise de oposição dá lugar a uma fase de
personalismo mais positivo a qual se apresenta em dois momentos. O primeiro é uma
etapa de sedução, a “idade da graça”.
... Esta fase de rejeição ou de reivindicação puramente formais, cuja
fonte é a necessidade de reconhecer e de fazer reconhecer a
existência da sua pessoa, de fazer admitir os seus méritos, de a dar
em espetáculo a outrem. É aquilo a que Homburger chama a idade
da graça, e que corresponde ao narcisismo dos psicanalistas. As
reações de prestância invadem o comportamento das crianças. Os
“olha como eu faço” substituem os “não quero ... É meu ... Empresto,
mas não dou”. O tom agressivo ou arrogante torna-se conciliador ou
sedutor. (Wallon, 1979 p. 64)

No momento seguinte, predomina a atividade de imitação. A criança imita as


pessoas que a atraem, incorporando suas atitudes e também o seu papel social, num
movimento de aproximação ao outro que havia sido negada. É um processo
necessário ao enriquecimento do eu e ao alargamento de suas possibilidades.
Finalmente, terceira fase, opera-se uma nova inversão. Os méritos
que a criança encontra em si própria já não lhe chegam, desejariam
ter os de outrem. Procura naqueles que o rodeiam, já não apenas
admiradores, mas modelos. O espírito de concorrência fá-la alternar
ou combinar as disposições hostis da primeira fase e conciliadora da
seguinte. A imitação ultrapassou o nível do gesto, encontra-se agora
no da personagem. É uma pessoa o que a criança procura agora nos
outros. Imitar alguém é em primeiro lugar, admira-lo, mas é também,
em certa medida, querer substituir-se lhe. (Wallon, 1979, p. 64).

Na sucessão de conflitos interpessoais, que marca o estágio personalista,


expulsão e incorporação do outro são movimentos complementares e alternantes no
processo de formação do eu.
O conflito eu-outro não é uma vivência exclusiva do estágio personalista. Na
adolescência, fase em que se faz necessária a re-construção da personalidade,
instala-se uma nova crise de oposição. Diferente da criança pequena, que é mais
44

emocional na vivência de seus conflitos, o adolescente procura apoiar suas oposições


em sólidos argumentos intelectuais.
Manifestando-se de forma concentrada no estágio personalista e na
adolescência, a oposição se mantém como um importante recurso para a
diferenciação do eu. Para Wallon, “o outro é um parceiro perpétuo do eu na vida
psíquica”. Mesmo na vida adulta, os indivíduos se vêem às voltas com a definição das
fronteiras entre o eu e o outro, as quais podem desfazer-se devido a situações
específicas como de dificuldade ou de cansaço.
Ainda que esta etapa de semiconfusão e de conflito íntimo entre si e
outrem seja inevitável, e que seu papel seja necessário para a ulterior
harmonização das relações eu-outrem, será bom que a criança não
sofra a influência exclusiva da família e que, em antecipação sobre a
idade seguinte, freqüente também meios menos rigorosamente
estruturados e menos profundamente afectivos. A escola infantil pode
responder a essa necessidade. (Wallon, 1979, p. 65)

Dá decorre a necessidade da criança freqüentar a pré-escola, desde que os


professores estejam cientes de seu desenvolvimento e de suas necessidades a fim de
não confundam atos e atitudes das crianças, que poderão ser, por vezes,
contraditórios, com indisciplina, pois esta palavra não caberia, nesse contexto, para
designar esses atos infantis que lhes são próprios dessa idade e fazem parte de seu
crescimento pessoal.

4 – A emoção segundo Wallon

Preocupado em afirmar a especificidade da psicologia enquanto


ciência, Wallon buscou explicitar seus fundamentos epistemológiocos,
seus objetivos e seus métodos. Dialogava com as principais
correntes, no pensamento filosófico ocidental, procurando identificar a
origem das contradições que atingiam a psicologia de sua época.
Wallon admitia o organismo como condição primeira do
pensamento, pois, afinal, pensava que toda função psíquica supõe
um equipamento orgânico. Advertia, contudo, que isso não lhe
constitui uma razão suficiente, já que o objeto da ação mental vem do
exterior, isto é, do grupo ou ambiente no qual o indivíduo se insere.
Entre os fatores de natureza orgânica e os de natureza social as
fronteiras são tênues; o que existe é uma complexa relação de
determinação recíproca. O homem é determinado fisiológica e
socialmente, sujeito, portanto, a uma dupla história, a de suas
disposições internas e a das situações exteriores que encontra ao
longo de sua existência.
A existência do homem, ser indissociavelmente biológico e
social, se dá entre as exigências do organismo e as da sociedade,
entre os muros contraditórios da matéria viva e da consciência. O
estudo do psiquismo não deve, portanto, desconsiderar nenhum
desses fatores, nem, tampouco, trata-los como termos
independentes; deve ser situado entre o campo das ciências naturais
45

e sociais. Para constituir-se como ciência psicologia precisa dar um


passo decisivo no sentido de unir o espiritual e o material, o orgânico
e o psíquico.
Wallon propunha que se estudasse o desenvolvimento infantil,
tomando a própria criança mo ponto e partida, buscando, dessa
forma, compreender cada uma de suas manifestações no conjunto de
suas possibilidades, sem a prévia censura da lógica adulta”.
(GALVÃO, Izabel pp. 27, 28, 30, 31, 32, 36 e 37)

Como podemos observar, Wallon oferece ao educador instrumentos


“preciosos” para a realização de uma educação de qualidade, como a orientação para
realização de uma observação profunda da criança e do ambiente em que ela vive.
Vygotsky destacou a importância da mediação e Wallon a importância de considerar o
biológico e o social para mediar. Portanto, nós, educadores, temos uma grande
responsabilidade em nossas mãos: precisamos conhecer a inteligência, o social, as
possibilidades de mediação para, a partir deles, interagir com veracidade e dignidade
com nossos alunos, ou pupilos.
Uma tendência fortemente instalada na dinâmica escolar é que, diante de
qualquer problema ou dificuldade que se encontre no trabalho comum aluno (alunos),
atribui-se a dificuldade a algum problema exterior à relação pedagógica ou ao contexto
educacional, visto como causa única.
Necessário é um exercício para se identificar quais expectativas e hipóteses
estão por trás dessa cobrança da escola que, aliás, só se lembra da família da criança
quando se depara com algum problema.
Uma hipótese é a de, baseada em aspectos relativos ao papel da família na
construção do sujeito, uma expectativa que está subjacente a essa cobrança da
escola é a de que caba à família transformar a criança num aluno. Isto é, caberia à
família ensinar à criança como ela deve se dirigir ao professor, como deve se
comportar em classe, além da familiarização com outros elementos da cultura escolar
que, no fundo, boa parte dos professores gostaria que fosse ensinado em casa. A
escola cobra esses comportamentos, mas raramente os ensina, ofende-se muito
quando eles não são dominados, como se lês devessem vir pontos da família.
A conduta de um aluno na escola é uma continuidade de sua vida familiar.
Logo, os responsáveis pela criança, em casa, estariam lidando com os mesmos
“problemas” que o aluno manifesta na escola e sua não solução se explicaria por uma
espécie de negligência da família. Esta idéia geral não se sustenta, pois escola e
família são contextos com funções e estruturas distintas e sabemos que as condutas
da criança podem ser muito diferentes num e noutro. E se, de fato, a criança carrega
uma experiência familiar e esta pode lhe favorecer ou dificultar sua relação com a
escola, isso não pode ser definido, a priori, por explicações grosseiras e
46

preconceituosas; é preciso ver cada caso. E podemos ver quadros distintos: crianças
que, devido a dificuldades familiares, têm, de fato, sua conduta na escola perturbada
como, por exemplo, por meio de uma inibição intelectual. Por outro lado, podemos ver
crianças que, apesar das dificuldades familiares, conseguem estabelecer vínculos
saudáveis na escola e retiram, da sua relação com o conhecimento e com a cultura,
novas possibilidades identificatórias que podem ajuda-la na elaboração dos conflitos
decorrentes das relações familiares.
O êxito do trabalho da escola depende de total similitude de valores entre a
cultura familiar e a cultura escolar. Se, por um lado, a proximidade pode ser um
facilitador, como mostram pesquisas de cunho sociológico que mostram maior
incidência de fracasso entre famílias não escolarizadas, ela não garante.
... A organização da família, das relações entre as crianças e adultos,
entre sexos, entre indivíduos e coletividade, impõem a sua afecvidade
quadros mais ou menos rígidos, imperativos, proibições susceptíveis
de influir profundamente sobre a constituição da pessoa. (Walln,
1979, p. 55)

Pela psicanálise, cada um, ao nascer, se insere numa trama desejante que o
antecede; cada um tem um lugar no desejo dos pais. Temos que é no âmbito familiar
que se dão os vínculos mais primitivos, as primeiras identificações, relações objetais
que vão marcar para sempre cada sujeito.
Pela psicogenética de Wallon, o desenvolvimento psicossocial é visto como um
complexo processo em que imbricam fatores biológicos e sociais. A criança se
apropria de elementos dos meios em que se insere. “O meio nada mais é do que o
conjunto mais ou menos durável d circunstâncias nas quais se desenvolvem
existências individuais” pode ser concreto ou simbólico. “Vários meios podem
superpor-se para um mesmo indivíduo e até entrar em conflito”. A criança incorpora
elementos dos meios nos quais se insere e age sobre lês, transformando-os.
A família é o primeiro meio no qual um ser se insere, desde o nascimento e
dele depende para sua segurança, alimentação, proteção. No inicio da vida, a sua
relação com o meio humano é de fusão, há indiferenciação. A família é também um
grupo, na qual cada membro tem um papel, um lugar, tanto marcado pela composição
familiar, por exemplo, filho único, filho mais velho, caçula, menino, menina, como pelas
relações estabelecidas, o mais ordeiro, o mais bagunceiro, etc. Os vínculos são
carregados de afeto.
A entrada na escola representa uma importante ampliação e possibilidades
para a construção do sujeito, pois a criança pode ocupar lugares diferentes dos que
ocupa na família (bom em matemática, fraco em artes), bem como participar de grupos
diversificados, com objetivos diversos.
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Vem então a idade escolar, a idade em que as relações da criança


com o meio se podem tornar mais diversas, mais facultativas, mais
abertas, em que ela pode entrar em grupos de composição mais
variável, em que o seu lugar nestes grupos depende mais dele, das
suas preferências ou dos seus méritos, e não é irrevogável. Adquire
gradualmente o sentimento de que a sua personalidade é polivalente
e, por conseguinte mais livre. É uma entre outras, e susceptível de
entrar em combinações variadas e modificáveis... (Wallon, 1979, p.
65-66)

Logo, potencialmente, a escola oferece à criança a possibilidade de se inserir


em grupos diferenciados, nos quais ela ocupe lugares distintos. Essa diversificação de
posições é muito enriquecedora para a personalidade da criança. Esse é um potencial
da escola, normalmente desperdiçado, se pensarmos na constante estigmatização dos
alunos em contexto escolar, cristalização de papéis.
Com tudo isso, não quero dizer que as relações entre escola e família sejam
fáceis, ou que esteja sempre tudo bem com as famílias,e a origem dos problemas
esteja sempre na escola. Não. Quero dizer que a relação é de uma complexidade que
não cabe nas generalizações apressadas que fazem as escolas. E que não adianta
nada, ao contrário, só atrapalha, a escola olhar com tanta desconfiança a família, pois
disto decorre um retraimento: medo de conversar, sentimento de humilhação,
desconfiança, rancor. É preciso olhar as famílias como elas são, não como a gente
gostaria que fosse. É preciso abrir espaço para diálogo, troca.
A teoria de “Wallon tem por objeto o estudo da Gênese dos processos
psíquicos que constituem uma pessoa. Baseia-se numa visão não
fragmentada do desenvolvimento humano, buscando compreendê-lo
do ponto de vista do ato motor, da afetividade e da inteligência, assim
como do ponto de vista das relações que o sujeito estabelece com o
meio.
Uma definição que se pretenda abrangente não deve,
tampouco, restringir o conceito de interação social às relações
interpessoais, isto é, ao contato direito entre as pessoas. Numa
definição ampla, devem estar incluídas, também, as relações das
pessoas com as produções culturais, historicamente acumuladas,
fruto das relações entre os seres humanos e, destes, com a natureza.
Mesmo na ausência de um parceiro concreto, nessas interações com
os produtos da cultura, o outro se encontra presente, mas mediado
pela linguagem, pelas representações e demais manifestações
culturais.”(GALVÃO, Izabel, Extraído do texto “Expressividade e
emoções segundo a perspectiva de Wallon)

5 – Em busca de uma nova disciplina – Considerações a respeito da


prática em sala de aula de educação infantil
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Wallon dá destaque ao estudo das crises e conflitos que encontra no processo


de desenvolvimento da criança. A atenção que dedica à análise da crise de oposição,
característica do terceiro ano de vida, ilustra essa atitude de enfrentamento dos
conflitos. Investigando o significado das condutas de oposição, típicas de criança
desta idade, Wallon mostra sua importância para o processo de construção da
personalidade, atribuindo ao conflito eu-outro, um significado positivo, dinamogênico.
No cotidiano escolar, são comuns as situações de conflito envolvendo
professor e alunos. Turbulência e agitação motora, dispersão, crises emocionais,
desentendimentos entre alunos e destes com o professor são alguns exemplos de
dinâmicas conflituais, como a que, com freqüência, deixam a todos desamparados e
sem saber o que fazer.
É possível perceber alguns traços comuns às interações conflituais, como a
elevação da temperatura emocional e a perda de controle do professor sobre a
situação. Portanto, quanto maior a clareza que o professor tiver dos fatores que
provocam os conflitos, mais possibilidade terá de controlar a manifestação de suas
manifestações emocionais e, em conseqüência, encontrar caminhos para soluciona-
los. O exercício de reflexão e de avaliação, que o professor faça, das situações de
dificuldade, buscando compreender seus motivos e identificar suas próprias reações
(se ficou irritado, assustado ou indiferente) já é, por si só, um fator que tende a
provocar a redução da atmosfera emocional. Afinal, a atividade intelectual voltada para
compreensão das causas de uma emoção reduz seus efeitos. Atuando no plano das
condutas voluntárias e racionais, o professor tem mais condições de enxergar as
situações, com mais objetividade e, então, agir de forma mais adequada.
Assim, nas interações marcadas pela elevação da temperatura emocional,
cabe ao professor tomar a iniciativa de encontrar meios para reduzi-la, invertendo a
direção de forças que usualmente se configuram: ao invés de se deixar contagiar pelo
descontrole emocional das crianças, deve procurar contagia-as com sua racionalidade.
Sabemos que, em geral, não é possível que essa reflexão seja feita
simultaneamente à crise. É somente depois de tê-la vivido, já fora do “calor” do
momento, que se torna possível a reflexão, a avaliação e uma possível compreensão
da situação.
Se cada professor pensar nas situações de conflito que vive com seus alunos,
é provável que consiga identificar algumas dinâmicas que se repetem sempre consiga
distinguir algumas categorias de conflito.
Nas situações de oposição, é possível distinguirmos aquelas em que há um
motivo concreto para tal atitude “proposta desinteressante, atitude autoritária do
professor, etc”. E outras, em que a oposição parece vazia de conteúdo, isto é, os
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alunos contestam o professor ou recusam-se a realizar uma proposta feita por ele,
pelo simples gosto de exercitar a oposição.
O professor, se estiver ciente do papel desempenhado pelo conflito eu-outro na
construção da personalidade, pode receber, com mais distanciamento, as atitudes de
oposição sem toma-las como afronta pessoal. Afinal, é provável que as oposições não
sejam contra a sua pessoa, mas contra o papel de elemento diferenciado que ele
ocupa.
Importante recurso para construção da identidade (individual coletiva) as
condutas de oposição podem ser interpretadas também, como indício de uma
necessidade de autonomia. A introdução de medidas concretas, que visem a
possibilitar maior autonomia e responsabilidades às crianças, pode diluir a oposição e
facilitar a convivência nos momentos críticos. Sem falar nos benefícios que tais
medidas podem trazer para o desenvolvimento de condutas sociais importantes, como
a cooperação e a solidariedade.
As dinâmicas turbulentas se caracterizam pela elevada incidência de condutas
de dispersão, agitação e impulsividade motora, situações que deixam visível uma
divergência entre as intenções do professor – conter – e a dos alunos – escapar ao
controle.
Ao contrário dos conflitos resultantes do exercício da atitude de oposição,
essas dinâmicas, quando muito freqüentes, não tem nenhum significado positivo; ao
contrário, só fazem consumir energia, desgastando o professor e os alunos.
A identificação dos fatores responsáveis que podem estar no plano dos
conteúdos de ensino, das atitudes do professor, da organização do espaço da sala de
aula ou do tempo das atividades, propicia a possibilidade de aperfeiçoamento da
prática pedagógica. Na discussão que aqui propomos, daremos destaque a um dos
fatores, que é a inadequação das exigências posturais normalmente feitas pela escola.
Ignorando as múltiplas dimensões do ato motor no desenvolvimento infantil, é
comum a escola simplesmente se esquecer das necessidades psicomotoras da
criança e propor atividades em que a contenção do movimento seja uma exigência
constante.
A realização da maior parte das tarefas propostas costuma exigir que as
crianças fiquem sentadas, paradas e com a atenção concentrada num único foco. Em
geral, a intensidade com que a escola exige essas condutas é superior às
possibilidades da idade, o que propicia a emergência da dispersão e impulsividade, já
que, o cansaço provocado flexibiliza ainda mais o domínio da criança sobre a sua
atenção e as suas reações motoras.
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Essa reflexão traz, como conseqüência imediata para a estruturação das


atividades escolares, a redução do tempo, durante o qual se exige posturas de
contenção. Além de propiciar a diminuição da impulsividade motora que deflagra os
conflitos, a intervenção sobre o fator tempo favorece o desenvolvimento de
autodisciplina.
Segundo uma visão academicista, considera-se que a criança só aprende se
estiver parada, sentada e concentrada. Ora, se lembrarmos das características da
atividade infantil, veremos que isso não é verdade, pois, movimento (sobretudo, em
sua dimensão tônico-postural) mantém uma relação estreita com a atividade
intelectual. O papel do movimento, como instrumento para expressão do pensamento,
é mais evidente na criança pequena cujo funcionamento mental é projetivo (o ato
mental projeta-se em atos motores), mas está presente também, nas crianças mais
velhas e mesmo no adulto. Sendo movimento, fator implicado ativamente no
funcionamento intelectual, a imposição de imobilidade, por parte da escola, pode ter
efeito contrário sobre a aprendizagem, funcionado como um obstáculo.
Não há uma postura padrão que garante a atenção em toda e qualquer
atividade: a atitude corporal mais adequada varia conforme o tipo da atividade e do
estímulo. E, muitas vezes, são justamente as variações na posição do corpo que
permitem a manutenção da atenção, na atividade que está sendo realizada.
Através dessa reflexão, tenho o objetivo de deixar bem evidente a inadequação
das exigências feitas pela escola, que, impondo uma verdadeira “ditadura postural”,
desrespeita as condições da criança, quanto ao controle voluntário de suas ações e ao
funcionamento da atividade intelectual, propiciando a incidência desse tipo de conflito
entrópico.
Para alcançarmos o enriquecimento das alternativas posturais é preciso romper
com a visão tradicional de disciplina, que tem por expectativa uma classe com alunos
permanentemente sentados e atentos à atividade proposta pelo professor. É preciso
deixar de olhar o movimento somente como transgressão e fonte de transtorno,
buscando enxergar nele sua multiplicidade de dimensões e significados. É preciso,
enfim, olhar a criança como ser concreto e corpóreo, uma pessoa completa.
Em primeiro lugar, é preciso abandonar os clichês do tipo “o adolescente é
rebelde e revoltado pela própria natureza”, “as crianças são naturalmente egocêntricas
e indisciplinadas”.
Ninguém nasce rebelde ou disciplinado: trata-se de um comportamento
construído. Se antigamente disciplina equivalia ao silêncio absoluto, a disciplina
desejada hoje é a do interesse e participação. É importante que o aluno fale, dê sua
opinião, de modo que possamos acompanhar suas descobertas e sua aprendizagem.
51

Aqui, a sua atuação é decisiva, pois uma coisa é verdade: com exceção de
casos patológicos, crianças e adolescentes são muito curiosos. Eles adoram aprender,
desde que o conhecimento não lhes pareça impingido e, sobretudo, quando seu
interesse e participação são estimulados.
Mas eles também gostam de ser respeitados: valorizam a sinceridade, o jogo
aberto de um professor.
Satisfazer uma curiosidade (no caso, despertada pelo professor em classe) e, a
partir disso, construir um novo saber, é uma experiência extremamente
recompensadora. Ou seja, é trabalho e prazer ao mesmo tempo.
Mas o fato de que o trabalho escolar se constitua em prazer não significa que
ele se transformou em lazer. Esse tipo de confusão é comum e acaba acarretando
inúmeros problemas, sobretudo de disciplina.
Daí a importância de se fazer uma negociação permanente. Como nem todo
assunto vai interessar a todo mudo todos os dias, convém fazer um acordo, uma
espécie de “contrato social” com a classe, estabelecendo as regras do jogo. Todos
participarão da feitura das regras, mas, uma vez acatadas pela maioria, a turma se
obriga a cumpri-las. Caso uma ou várias regras, com o tempo, não funcionem mais,
pára-se tudo e discute-se com os alunos a criação de novas regras.
Essa postura não pode passar a imagem do professor “bonzinho” (que sequer
é respeitado pelos alunos), mas sim a do professor interessado na classe como um
todo e em cada um de seus membros. Aqui também é fundamental dizer a verdade.
Existe, sim, uma liberdade na organização da classe, mas ela se destina ao
aprendizado. E, para que ela aconteça, é necessária a presença de uma autoridade
representada pelo professor. Em outras palavras, o professor não é o “dono” do saber,
mas aquela pessoa que orienta a classe para que ela construa seu jeito de aprender,
cada vez mais e melhor.
Pouco a pouco, a turma vai percebendo a legitimidade dessa autoridade. Mas
vai percebendo na prática, através daquilo que viveu e não porque alguém disse que é
assim e pronto. Essa é a nova disciplina. Um imenso desafio e um enorme prazer para
alunos e professores.
À guisa de conclusão, é preciso esclarecer que, com esse exercício de reflexão
sobre situações conflituais presentes no cotidiano escolar, não tenho por meta
alcançar um estado de ausência de conflitos. Afinal, dado o papel dinamogênico que
assumem no desenvolvimento, isso não seria possível. O que se propõe e, outrossim,
uma avaliação por meio da qual seja possível distinguirmos entre os conflitos que
possuem, de fato, um significado positivo e aqueles que, ao contrário, indicam
52

inadequações e equívocos da escola em atender as necessidades e possibilidades da


criança.
53

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perspectiva abrangente, pela qual Wallon se propõe a estudar a criança em


desenvolvimento, traz significativas contribuições para o modo de se olhar e de se
compreender suas condutas no contexto escolar. Confirma a intuição de tantos
professores que se recusam a se dirigir a seus alunos como se fossem intelectos
abstratos ou sujeitos sem história. Fornece subsídios para que se compreenda a
complexidade dos planos em que se estrutura a criança e da trama que se tece entre
ela e o meio social.
A idéia de que o ser humano se constrói na interação social, no confronto com
o outro, traz importantes conseqüências para a compreensão, na escola, dos sujeitos
em formação e de seus processos. Sujeitos concretos e contextualizados, os alunos
têm na escola e na família, dentre outros ambientes concretos ou simbólicos com os
quais interagem, meios nos quais se constituem. Explicações simplistas eximem o
meio escolar de qualquer participação, além de se constituir numa avaliação
imprecisa, é ineficaz porque afasta da escola também a possibilidade de lidar com o
problema, pois sua solução dependeria sempre da ação de um elemento externo.
Ver a escola como importante meio de constituição do sujeito não significa, em
absoluto, vê-la como entidade todo poderosa e isolada de um contexto social mais
amplo. Significa sim, assumir-se como co-participante e co-responsável de um
processo de formação. A reflexão sobre as possibilidades de interação social,
oferecidas pela escola, é um exercício a ser feito em permanência, incluindo aí tanto
as interações entre as pessoas como as interações destas com o conhecimento e
outros produtos da cultura.
Ampliando-se as possibilidades de compreensão quanto às condutas infantis,
escapa-se da armadilha de sempre atribuir uma conotação moral a atos que muitas
vezes são simplesmente a expressão de peculiaridades próprias a fases do
desenvolvimento humano. Livre dessa armadilha, o educador pode chegar a modos de
compreensão mais apropriados para cada situação específica e criar novas formas de
estrutura a sua prática, cujos desajustes são, muitas vezes, a grande fonte de
dificuldades.
Componentes indissociáveis da ação humana, as manifestações emocionais
têm importante impacto nas dinâmicas de interação que se criam nas situações
escolares. O conhecimento das funções, das características e da dinâmica das
emoções pode ser muito útil para que o educador entenda melhor, situações comuns
ao cotidiano pré-escolar. Tanto no sentido de conseguir um melhor envolvimento dos
54

alunos e com os mesmos, como no de evitar cair em circuitos perversos em que pode
perder o controle da dinâmica do grupo e da sua própria atuação.
Esse conhecimento pode contribuir para o estabelecimento de um clima
favorável de interações. Apropriar-se do papel que têm as manifestações expressivas
e emocionais na coesão do grupo pode inspirar interessantes recursos para o
professor obter o envolvimento dos alunos em suas propostas e explicações. Assim, à
preocupação com a clareza e coerência lógica de suas explicações e propostas, o
professor pode aliar a atenção aos aspectos expressivos de seu comportamento. O
entusiasmo pelo conhecimento que ensina pode, se expresso em sua postura, na
tonalidade e melodia da voz, ser mais facilmente transmitido, digo, contagiado, aos
alunos. Não creio, contudo, que esse entusiasmo possa ser simplesmente forjado por
alguma técnica; prefiro crer que ele tenha que ser genuíno e verdadeiro.
Ao se apropriar de recursos expressivos para obter o maior envolvimento dos
alunos, o professor pode vir a se deparar com situações inesperadas. Devido à
complexa dinâmica de desencadeamento das emoções, recursos que até certo
momento se mostram bem sucedidos para obter a adesão dos alunos, podem, de uma
hora para outra, serem responsáveis pela instalação de um clima de dispersão e
turbulência. É o que acontece quando, por exemplo, uma proposta feita em tom
animado pelo professor, além do interesse que provoca nos alunos, gera uma
animação muito além daquela desejada por ele. Os efeitos da emoção são
imprevisíveis e podem surpreender, além disso, características como a labilidade, o
narcisismo e o contágio que têm seus efeitos potencializados em contextos coletivos,
como é o caso da situação típica de uma aula. Se, por um lado, a compreensão da
dinâmica de desencadeamento das emoções pode ajudar a controlar seus efeitos
sobre a dinâmica das interações sociais, por outro, não há conhecimento teórico capaz
de eliminar as possíveis turbulências provocadas por elas. É preciso, pois, aprender a
conviver com esse risco inerente às interações.
Ao analisar a situação, bem como suas próprias reações emocionais, o
educador tem maiores chances de compreendê-la. Ao se permitir assumir suas
próprias emoções, por menos nobres que sejam, como a raiva que sente de um aluno
específico ou o desespero em que sê vê em determinadas situações, o educador pode
perceber melhor o modo como ele vive as situações e como ele as influencia. Vendo
as situações com mais clareza, é menor o risco de cair em circuitos perversos e maior
as chances de ter atitudes mais acertadas.
A simples disposição para esta reflexão e para eventuais ajustamentos nas
ações escolares – que visam, não só, ao bem estar do aluno mas, também, ao do
professor – representam, por si, fator fundamental para uma prática pedagógica de
55

qualidade. A compreensão quanto aos tipos mais primitivos de interação e ao impacto


da emoção e da expressividade na dinâmica de interações é um ingrediente
importante para a gestão dos conflitos e conseqüente obtenção de um bom clima de
sociabilidade. É condição, também, para que não se construa uma equação de
igualdade entre conflito e violência.
A ação pedagógica não deve se restringir à compreensão e ao controle, mas
deve incluir, também, possibilidades de expressão. É preciso que a escola reflita sobre
as possibilidades que oferece, buscando situações em que a expressão seja, de fato,
o objetivo da atividade e não um transbordamento indesejado que tenderá a ser
contido.
A presença de atividades que posssibilitem maior interação entre as crianças
parece-me um caminho eficaz na busca da construção da identidade das crianças pré
–escolares auxiliando-as na superação dos conflitos típicos dessa idade . Creio que se
constituiria um bom objeto de estudo a busca da confirmação da hipótese acima
levantada.
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