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FORMAS URBANAS

JORGE CARVALHO
ÍNDICE

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

2. FORMA ORGÂNICA
2.1 CIDADE ISLÂMICA
2.2 CIDADE MEDIEVAL
2.3 GRANDES DEMOLIÇÕES
2.4 VALORIZAÇÃO DAS FORMAS IRREGULARES
2.5 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PATRIMÓNIO

3. FORMA CLÁSSICA
3.1 CIDADES GREGA E ROMANA
3.2 RENASCIMENTO
3.3 CIDADE BARROCA
3.4 DERRUBE DAS MURALHAS
3.5 MALHAS EM SÉRIE INDUSTRIAL
3.6 EXPLOSÃO DE FORMAS URBANAS
3.7 RETORNO À DEFESA DA FORMA CLÁSSICA

4. FORMA JARDIM
4.1 TRADIÇÃO RURAL ANGLO-SAXÓNICA
4.2 GARDEN-CITY, O MODELO DE EBENEZER HOWARD
4.3 DA APLICAÇÃO DO MODELO ÀS SIMPLES URBANIZAÇÕES DE VIVENDAS

5. FORMA MODERNISTA
5.1 AFIRMAÇÃO DO MODERNISMO
5.2 VILLE RADIEUSE, O MODELO DE LE CORBUSIER
5.3 DA APLICAÇÃO DO MODELO À PROLIFERAÇÃO ESPECULATIVA DE TORRES

6. FORMA URBANO-CAMPESTRE
6.1 PROCURA DO CAMPO PELOS URBANOS
6.2 BROADACRE, O MODELO DE FRANK LLOYD WRIGHT
6.3 PERIURBANO, PROBLEMÁTICA ACTUAL

7. AS CINCO FORMAS VÃO SENDO RECRIADAS E COMBINADAS

8. NOTAS FINAIS

BIBLIOGRAFIA
ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Fustat (Cairo)


Figura 2: Centro Histórico de Évora, interior de quarteirões
Figura 3: Braga Medieval
Figura 4: Lisboa, Braga e Coimbra. Perímetros medievais sobre fotografia actual
Figura 5: Planta de Tomar
Figura 6: Coimbra Medieval
Figura 7: As intervenções de Haussmann, em Paris
Figura 8: Alta de Coimbra (Rua Larga), antes e depois das demolições
Figura 9: Camillo Sitte, página de manuscrito
Figura 10: Cidades portuguesas classificadas como património mundial
Figura 11: Mileto, Plano Geral
Figura 12: Vitrúvio, Plano de Cidade
Figura 13: Timbad, Plano da Cidade
Figura 14: Cidades Ideais Renascentistas
Figura 15: Coimbra, Rua da Sofia
Figura 16: Versailles, Plano de Le Nôtre
Figura 17: Nancy, Plano de um Eixo Renascentista
Figura 18: Lisboa, antes e depois da Intervenção Pombalina
Figura 19: Fachadas Pombalinas, segundo desenho de Eugénio Santos e Carlos Mardel
Figura 20: Planta de Vila Real de Santo António
Figura 21: Vistas de Chaux, cidade ideal de Ledoux
Figura 22: Barcelona, Plano de Cerdá
Figura 23: Malhas em série industrial
Figura 24: Londres, época industrial. Mistura de fábricas e residências
Figura. 25: Glasgow, uma habitação operária, casa existente em 1948
Figura 26: Falanstério, de Fourier
Figura 27: Victoria, de J.C. Buckinghan
Figura 28: Colónia Feliz, de Robert Pemberton
Figura 29: Essen, da Família Krupp
Figura 30: O crescimento de Londres, de 1789 a 1939
Figura 31: Bath, de John Wood
Figura 32: Plano para Regent´s Park, de John Nash
Figura 33: Diagrama de Ebenezer Howard, para a organização da cidade global
Figura 34: Diagrama de Ebenezer Howard, para a organização interna da Cidade-Jardim
Figura 35: Letchword, a primeira Cidade-Jardim, vista aérea em 1960
Figura 36: Raymond Unwin, soluções de desenho urbano
Figura 37: O Plano da Grande Londres, de Abercrombie
Figura 38: Planos para a Cidade-Jardim de Harlow
Figura 39: Plano de uma Cidade-Jardim, de Rogério de Azevedo
Figura 40: Plano de Urbanização de Coimbra, de Etienne de Groer
Figura 41: Anteplano de Urbanização de Castelo Branco, de João Aguiar
Figura 42: Anteplano Geral de Urbanização de Faro, de João Aguiar
Figura 43: Exemplo de construções em quarteirão, de Etienne de Groer
Figura 44: Plano de Radburn, de Clarence Stein
Figura 45: Evolução das Formas Urbanas, das Clássicas às Modernas
Figura 46: A cidade Industrial, de Tony Garnier
Figura 47: “Une Ville Comteporaine”, de Le Corbusier
Figura 48: “Le Plan de Voisin”, de Le Corbusier
Figura 49: “La Ville Radieuse”, de Le Corbusier
Figura 50: Exemplo de Renovação Urbana, de Le Corbusier
Figura 51: Planos para Copenhaga, de cidade linear
Figura 52: Plano Futurista, para a Costa da Caparica, de Cassiano Branco
Figura 53: Plano de Urbanização de Vila Nova de Gaia e Anteplano de Macedo de Cavaleiros, de Arménio de Sousa
Figura 54: Planos para: Olivais Norte, do Gabinete de Estudos da C.M.L.; Olivais Sul, de Carlos Duarte e José Botelho
Figura 55: Urbanizações de Torres e Blocos, em Londres e Paris
Figura 56: Urbanizações de Torres e Blocos, em Santo António dos Cavaleiros
Figura 57: Esquiso para o projecto de Broadacre City, 1934
Figura 58: Broadacre, a cidade ideal de Frank Lloyd Wright
Figura 59: Braga, povoamento disperso
Figura 60: Viana do Castelo, povoamento disperso
Figura 61: Viseu, povoamento disperso
Figura 62: Leiria, povoamento disperso
Figura 63: Estudo de uma Nova Avenida sobre o Tejo, Forestier, 1927
Figura 64: Reconstrução de edifícios terciários. Proposta de Piotr Choynowski, em 1988-1995, Oslo, Noruega
Figura 65: Projecto Kentlands, de A. Duany e E. Plater-Zyberk, 1988, em Gaitherburg, Maryland-EUA
Figura 66: Solução-tipo para a urbanização de vales, em Coimbra, Jorge Carvalho, anos 90
7

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

O presente trabalho inseriu-se na procura de um Modelo para o ordenamento da cidade actual, assumindo-a
tal qual ela hoje existe: ainda referenciada à cidade antiga, mas já policentrada, poliforme, abrangendo áreas
até há pouco consideradas rurais; composta por contínuos edificados, mas também por fragmentos e
ocupação dispersa, e por uma crescente mobilidade.

No pensamento de autores actuais, encontram-se com facilidade abordagens por partes e lugares, ou então
por sectores, nas mais diversas perspectivas disciplinares.

Mas pretendia-se encarar a cidade na sua globalidade física e, para essa cidade alargada (cada cidade
contínua com a sua ocupação periurbana), não se encontrou qualquer modelo actual para a ordenar.

Decidiu-se, então, ensaiar um olhar pela História das Cidades Europeias, elas próprias articuladas com a
procura renovada de um plano ideal.

Não se tratou de uma investigação, mas apenas de uma aprendizagem. Pretendia-se aprender com o
passado e projectá-lo na actualidade, identificando contradições e buscando as necessárias sínteses,
apetrechados para melhor poder planear o futuro.

Os presentes apontamentos resultaram, exactamente, desse esforço de aprendizagem. Tendo-se revelado,


para nós, de utilidade, aqui se publicam, por se acreditar que a outros possam servir.

Desse olhar pelas cidades europeias e pela sua História, ficou a convicção de que, num esforço de síntese,
as formas urbanas nelas presentes se poderão reduzir a cinco:

- orgânica, a dos edifícios em banda, ao longo de ruas de traçado irregular;


- clássica, a dos edifícios em banda, ao longo de ruas de traçado regular;
- jardim, a dos edifícios unifuncionais soltos, envolvidos por espaço verde;
- modernista, a dos edifícios colectivos soltos, envolvidos por espaço público;
- urbano-campestre, a da dispersão periurbana, da mistura campo/cidade.

Os presentes Apontamentos estão estruturados em função delas.

Cada forma urbana considerada é objecto de um percurso cronológico, desde o seu aparecimento (real ou
conceptual) até à sua presença na cidade actual. Sendo que cada percurso se cruza com os restantes, o
texto contém, assumidamente, algumas sobreposições de conteúdo.
8

Face à estrutura adoptada, justifica-se um alerta ao leitor.

É nossa convicção que a cidade deverá ser encarada a diversas escalas complementares entre si, (área
metropolitana; cada cidade alargada; cada parte de cidade) e que, para ser ordenada, é necessário que a
cada escala seja adoptada uma forma específica.

Tal distinção de escala nem sempre surge, nestes apontamentos, de forma suficientemente explícita.

As cinco formas referidas, por vezes conceptualizadas numa perspectiva globalizante, correspondem, de
facto, actualmente, apenas a partes de cidade.
FORMA ORGÂNICA 9

2. FORMA ORGÂNICA

A forma urbana que aqui se denomina de orgânica ocorreu entre o fim do Império Romano e o início do
Renascimento, englobando o período de expansão islâmica e toda a Idade Média.

Caracteriza-se pelos seus traçados irregulares e por um processo lento de crescimento, que ia ocorrendo à
medida das necessidades; mesmo quando revela uma ordem, não se sabe, em muitos casos, que tenha
obedecido a um plano de conjunto; as construções sucediam-se, ao longo de ruas que se iam
estabelecendo.

Englobam-se aqui duas formas de cidades completamente distintas, a da cidade islâmica e a da cidade
medieval. A primeira poucos vestígios deixou nas actuais cidades portuguesas. A segunda corresponde às
partes mais antigas que ainda subsistem e constitui referência incontornável da nossa vivência e da actual
problemática urbana.

As áreas de traçado medieval, ainda hoje existentes, caracterizam-se pelo seu contínuo de ruas e praças de
traçado irregular, mas não caótico. A adaptação à topografia e as ruas que ligam as estruturas centrais às
portas da cidade dão-lhe, muitas vezes, uma organização radioconcêntrica. Apresentam, quase sempre, alta
densidade e problemas de salubridade decorrentes de insuficiente iluminação e ventilação. A estreiteza das
suas ruas revela-se incompatível com uma presença significativa do automóvel.

A procura de uma racionalidade urbana, as preocupações higienistas e a importância atribuída à circulação,


a que se somam, a partir do barroco, argumentos de ordem e autoridade, levaram à destruição maciça de
quarteirões medievais e de outras áreas insalubres e populares entretanto construídas, e à sua substituição
por um traçado urbano regular, de avenidas largas e fachadas estudadas. Tal prática encontra o seu apogeu
com a intervenção de Haussmann em Paris, mas estende-se até meados do século XX, nomeadamente em
Portugal.

Contra estas destruições maciças foram-se levantando opiniões. Camillo Sitte, nos finais do século XIX, é
nesta matéria um precursor, criticando os princípios haussmannianos e chamando a atenção para a beleza
dos traçados irregulares e para a importância dos largos e praças, como locais urbanos de excelência.

Entretanto foi-se desenvolvendo o conceito de património. Da preservação de monumentos singulares foi-se


evoluindo para a defesa dos conjuntos urbanos, com as suas ruas e praças, com o seu casario popular. Hoje
as partes medievais das cidades que ainda subsistem são, por todo o lado, classificadas como centro
histórico, defendendo-se a sua reabilitação.
10 FORMA ORGÂNICA

2.1 CIDADE ISLÂMICA

A expansão do Islão, iniciada no segundo quartel do século VII e estendendo-se para além do século X,
deixou marcas em todo o Mediterrâneo, sendo de realçar a grande semelhança entre todas as cidades desta
civilização, desde o Atlântico ao Golfo Pérsico.

A cidade muçulmana fecha-se em si própria, estabelecendo uma dicotomia cidade-campo ainda mais forte do
que a já existente no mundo greco-romano.

Com densidades de população extremamente elevadas, muitas das suas ruas são dominadas pela calma e
pelo silêncio e apenas nos mercados, nos souk, se verifica uma extraordinária animação, com a conhecida
profusão de pessoas, mercadorias, cores e odores.

É uma cidade íntima, virada para o interior de cada edifício, uma cidade sem fachadas, em que as ruas
constituem labirintos ladeados por muros, atrás dos quais se adivinha uma vida reclusa.

“A cidade islâmica, com o seu casario compacto, os seus terraços, os seus pátios - únicos espaços urbanos
abertos, as suas ruelas tortuosas e insignificantes, não se assemelha a nada porque não é um artifício
racional, mas sim um organismo puramente natural e biológico.

O muçulmano não concebe a ideia de erguer uma fachada significativa e grandiosa numa rua ou praça
pública para exibir a sua condição afortunada. O seu recato é um sinal de respeito pelos seus irmãos, pelos
seus iguais. A primorosa fachada da sua casa será erguida num pátio seu, próprio, não só para sua íntima
contemplação, como também por respeito para com quem não pode ter.

Uma rua ocidental é sempre qualquer coisa de contínuo, cujo exemplo mais perfeito é um alinhamento recto.
Não importa que a rua medieval seja frequentemente sinuosa e adopte as formas curvilíneas mais variadas;
não é por isso que se perde a continuidade. Na rua muçulmana, pelo contrário, mesmo que se trate de uma
artéria de trânsito, a continuidade rompe-se sempre com um cotovelo ou uma esquina. É frequente a rua que
se prolonga paralela a si própria mediante uma esquina que rompe a perspectiva. O alinhamento indefinido
de uma perspectiva contínua, que destrói toda a intimidade, repugna ao muçulmano, acostumado que está a
defendê-la zelosamente. Mediante estas ruas quebradas, onde não existe nenhum alinhamento recto nem
nenhum percurso contínuo, obtém o muçulmano, portanto, este sentido intimista, mesmo no espaço menos
privatizado, mais público” 1.

1 Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 68, 72-73, 82


FORMA ORGÂNICA 11

O esboço de F. Chueca Goitia ilustra bem o labirinto das ruas muçulmanas, com numerosos becos sem
saída, através dos quais se privatiza uma grande parte do espaço público, aumentando o grau de intimidade
do edificado.

Figura 1: Fustat (Cairo) 2

Poder-se-á considerar que a cidade islâmica representa uma enorme regressão relativamente às do mundo
greco-romano, uma vez que não se vislumbra nela regularidade ou organização e por nela faltarem a agora,
os teatros, o espaço público. Mas poder-se-á, numa outra visão, valorizar a intimidade nela conseguida.

“Os traçados da cidade islâmica não enformam nenhuma cidade portuguesa e apenas são expressivos em
dois bairros lisboetas, sendo talvez também possível identificar sinais deste traçado nos casos de Évora e
Faro. Isto acontece fundamentalmente porque os muçulmanos não fundaram aqui cidades, tendo-se limitado
a ocupar os núcleos existentes” 3.

Não obstante o largo período em que ocuparam o sul do país, são poucos os vestígios arquitectónicos que
chegam até nós, talvez porque usavam materiais pouco resistentes nas construções, nomeadamente o barro,

2 Esboço de: Goitia, F. Chueca, 1982, p. 62


3 Salgueiro,Teresa Barata, 1992, p. 213
12 FORMA ORGÂNICA

e porque, devido ao antagonismo religioso, os principais edifícios foram arrasados aquando da reconquista.
Com efeito o único conjunto monumental deste período é o do castelo, cisterna e muralhas de Silves. De
mesquitas apenas se conhece a de Mértola (convertida em igreja católica), embora haja notícias de muitas
outras 4.

Apesar de poucos vestígios urbanísticos e arquitectónicos, a presença islâmica poderá ter sido decisiva no
acentuar dos contrastes entre o norte e o sul de Portugal, vincando o carácter urbano e a importância de
espaços íntimos no interior dos quarteirões da parte meridional. Uma vista aérea do Centro Histórico de
Évora é reveladora da existência, por trás do contínuo de muros e fachadas que formam as ruas, de
numerosos pátios, amplos e arborizados, íntimos.

Figura 2: Centro Histórico de Évora, interior de quarteirões

2.2 CIDADE MEDIEVAL

Com a queda do Império Romano a população dissemina-se por toda a área rural, as cidades decrescem de
população e muitas desaparecem por completo.

A Idade Média corresponde, no seu início, a uma sociedade agrária rudimentar, que será a base do seu
desenvolvimento posterior.

4 Salgueiro, Teresa Barata, 1992, p. 213


FORMA ORGÂNICA 13

“O carácter agrário da sociedade e economia medievais modifica sensivelmente a face da Europa. O facto de
a população estar disseminada faz com que, pouco a pouco, toda a terra seja cultivada, mudando e
humanizando-se a paisagem; estabelecendo-se um continuum, um forte e vivo tecido geográfico humano.

Dentro desse contínuo, desse tecido geográfico, engastaram-se as cidades, de maneira perfeitamente
orgânica, sem que se rompesse a sua continuidade nem se alterasse a sua estrutura. Essas cidades também
não eram demasiado grandes” 5.

O facto que, verdadeiramente, dá lugar ao nascimento das cidades medievais e que, de certo modo, é o
fundamento da sociedade em geral, é o comércio e a indústria, que começam a despontar passado o ano
1000, cada vez com mais força. Esta sociedade burguesa que, paulatinamente, se vai desenvolvendo, é o
estímulo da cidade medieval. Pirenne 6 disse que nunca até aí tinha existido uma classe de homens mais
específica e estritamente urbana que a burguesia medieval.

A cidade medieval implanta-se, portanto, como uma área de liberdade no meio do mundo rural que a
circunda, submetido a uma vassalagem quase absoluta. Os antigos direitos senhoriais, que impedem o
desenvolvimento próspero das cidades, vão caindo pouco a pouco em desuso.

Outras razões, diz Pirenne, influíram no reforço destas comunidades. Entre elas, uma das que teve mais
força foi a necessidade, rapidamente sentida pelos burgueses, de um sistema de contribuições voluntárias
para fazer face às obras comunais mais prementes. A necessidade da muralha, que é característica da
cidade medieval, esteve, em muitos casos, na origem das finanças municipais. Esta contribuição adquiriu
rapidamente carácter obrigatório, e tornou-se extensiva, além da fortificação, a outras obras comuns, como a
manutenção das vias públicas 7.

A localização da cidade medieval é fortemente determinada pelas necessidades de defesa, procurando


colinas, imediações de rios, escarpas abruptas, em suma, locais dificilmente expugnáveis.

“O facto de ter, muitas vezes, que se adaptar a uma topografia irregular condicionou a fisionomia especial e o
pitoresco da cidade medieval. O traçado das ruas tinha que resolver as dificuldades da localização, o que
fazia com que elas fossem irregulares e tortuosas. As ruas importantes partiam em geral do centro e dirigiam-
se radialmente para as portas do recinto fortificado. Outras ruas secundárias, frequentemente em círculo à
volta do centro, ligavam as primeiras entre si. Em linhas gerais este padrão, chamado radiocêntrico, repete-
se muito na cidade medieval. O perímetro das cidades costumava ser, neste casos, sensivelmente circular ou
elíptico; era o mais económico e o de mais fácil defesa. O centro da cidade era sempre ocupado pela

5 Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 81-83


6 Henry Pirenne, citado por Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 86-87
7 Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 81-84
14 FORMA ORGÂNICA

catedral ou templo, pelo que a cidade adquiriu uma importância espiritual de primeira ordem. A mesma praça
onde se encontrava a catedral servia habitualmente também para as necessidades do mercado, e era nela
que se erguiam os edifícios mais característicos da organização da cidade: a Junta e a Casa dos Grémios” 8.

“Em todos os casos, as muralhas de protecção davam uma sensação de coesão e fechamento, facto que
também se verifica quando os subúrbios vieram a ser acrescentados aos burgos medievais mais antigos. (Só
em Inglaterra a tranquila cidade aberta floresceu num período mais recuado). Assim, verificava-se uma
relação de parentesco entre os grandes castelos e as cidades, parentesco esse sublinhado pelas
fortificações e pela diversidade de ofícios e ocupações requerida por um prolongado cerco. O efeito artístico
era conseguido mediante elementos idênticos ou similares, ligados uns aos outros numa progressão
aritmética e simples 9.

Figura 3: Braga Medieval10

As cidades medievais são hoje bastante apreciadas, fornecem-nos importante material de reflexão, mas não
constituem propriamente um modelo que se procure repetir, desde logo porque o contexto da sua produção
era completamente diferente do actual e também porque o conhecimento que delas possuímos nos deixa
ainda algumas perplexidades.

8 Goitia, F. Chueca, 1982, p. 89


9 Rosenau, Helen, 1983, p. 53
10 Braun, Georges, Civitates Orbis Terrarrum, 1594
FORMA ORGÂNICA 15

Charles Delfante 11 considera que a Idade Média, contrariamente a outras épocas, não pretendeu fornecer
modelos e que “não poderemos afirmar ter existido, na altura, uma vontade de composição urbana ou de
criação de uma arquitectura de cidade”. Mas considera “não haver qualquer dúvida da existência de
princípios exactos e intencionais na realização da globalidade da cidade medieval, os quais foram capazes
de controlar o espaço interno e de manter a sua unidade, conferindo-lhe uma permanência histórica ”.

O que destacar das características da cidade medieval ?

Desde logo o seu espaço público comum, complexo e irregular mas unitário, a sua sequência de ruas e
praças que hoje nos encanta. Refere Goitia: “A cidade medieval é um meio homogéneo e, ao mesmo tempo,
plenamente identificável em todas as suas partes. Não há nela nada de dissonante nem que rompa a sua
textura subtil; e, não obstante, nenhuma rua se confunde com outra, nenhuma praça ou praceta deixa de ter
a sua própria identidade, nenhum edifício deixa de falar a sua própria linguagem (...) . Essa identidade, que
não rompe a harmonia do todo, é qualquer coisa que, no decorrer da história, muito poucas vezes
caracterizou o fenómeno urbano” 12.

Também a nuclearização de edifícios públicos monumentais: em local central, formando a silhueta da cidade;
mas ainda a presença de outros edifícios simbólicos, exprimindo a necessidade de auto-representação das
diversas estruturas urbanas e consequentes grupos sociais.

Ainda a forte concentração/densidade, imposta pela existência da muralha, que o crescimento da cidade por
vezes fazia demolir para ser reconstruída mais longe, mas cujos custos elevados recomendavam que tal
fosse evitado.

E, sobretudo, uma estética especifica, talvez com algo de espontâneo e anónimo, mas subentendendo um
pensamento que não integra rigidez planimétrica ou esquematização cartesiana, mas que traduz associações
volumétricas reportadas ao espaço público.
É curioso notar que, sobre a regulamentação a que estava sujeita a construção da cidade, “os historiadores
afirmam que é praticamente impossível descobrir características homogéneas nas diversas legislações e
regulamentações, salvo naquilo que respeita à segurança, à higiene e aos serviços. Verifica-se, no entanto,
uma repetição de formas em vários locais” 13.

Tal aparente contradição dificulta-nos a compreensão da cidade medieval. Fazem-se então referências a
“uma ordem derivada da sua natureza orgânica e autónoma”, ou que “a composição urbana da cidade
medieval não necessita de receitas tipológicas exactamente por ser de natureza orgânica”. Talvez o mesmo

11 Delfante, Charles, 2000, pp. 89 - 97


12 Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 93-94
13 Delfante, Charles, 2000, p. 97
16 FORMA ORGÂNICA

pudesse ser dito, reconhecendo, simplesmente, a existência de uma cultura colectiva (uma técnica, um saber
fazer, uma estética) homogénea e generalizada.

Haverá que distinguir, entre as cidades medievais, as suas diversas origens e as suas diversas épocas de
construção.

Num primeiro período, até cerca do ano 1000, a população dissemina-se pelo campo, formam-se sobretudo
aldeias, espalhadas pelo território.

Terá sido o desenvolvimento do comércio inter-regional a causa do regresso ao desenvolvimento das


cidades, que após essa data começa a ser frequente.

Acontece: a partir de cidades de origem romana, que entretanto tinham sido reduzidas ou até abandonadas;
a partir dos burgos, construídos por razões de defesa e, consequentemente, fortificados; a partir do
crescimento de aldeias. Este desenvolvimento terá acontecido sem planos preestabelecidos, por um
processo dito orgânico.

A partir do séc. XIII surgem cidades construídas de novo, sejam as bastidas (edificadas rapidamente, de uma
só vez, obedecendo a malhas ortogonais), sejam outras cidades novas. Muitas delas terão sido já
enquadradas por planos previamente elaborados.

Embora a maior parte das cidades portuguesas tenha uma origem muito antiga, são escassos os marcos do
passado romano e muçulmano, salvo os que se encontram em profundidade, debaixo do nível do solo. Os
traçados mais antigos que ainda persistem correspondem, pois, à época medieval.

Na “História” de José Mattoso 14 pode observar-se, sobre a fotografia aérea relativamente recente, a
delimitação dos perímetros medievais dos espaços amuralhados das cidades de Lisboa, Évora, Porto, Braga,
Coimbra, Viseu, Guarda, Lamego e Silves e, a título de exemplo, analisar os traçados urbanos ainda
existentes nessas áreas.

As cidades medievais eram, quase todas, de pequena dimensão. No final do século XI as maiores cidades
portuguesas, Braga e Coimbra, tinham áreas amuralhadas de, respectivamente, 14ha e 12ha.

O crescimento da mancha urbana para fora da primitiva fortaleza e a necessidade de continuar a defender as
povoações levaram, no geral, à construção da nova cerca no século XIV, que reuniu novos bairros, mantendo
durante muito tempo terreno de cultivo entre elas. Lisboa era já nessa altura a maior cidade do país, com
cerca de 35 000 habitantes nos fins do século XIV, e cerca de 65 000 em 1527 . A muralha fernandina
cercava uma vasta área de 103,6 ha onde avultavam os espaços vazios de construção intra-muros. A

14 Mattoso, José et. al., 1993, pp. 328-340


FORMA ORGÂNICA 17

conveniência em dispor destes terrenos intra-muros prende-se com a necessidade de garantir uma certa
autonomia de abastecimento em caso de cerco prolongado 15.

(A)

(B) (C)

Figura 4: Lisboa (A), Braga (B), Coimbra (C). Perímetros medievais sobre fotografia actual 16.

15 Salgueiro, Teresa Barata, 1992, pp. 223, 224; Mattoso, José et. al., 1993, pp. 328-340
16 Mattoso, José et. al., 1993, pp. 328, 332 e 333
18 FORMA ORGÂNICA

Voltando à análise dos tecidos urbanos hoje existentes nessas áreas outrora (e nalguns casos ainda)
amuralhadas, pode observar-se:

- a persistência, em muitos casos, do traçado irregular característico da época medieval;


- a sua correcção , algumas vezes, por vias rectilíneas, como é o caso de Braga, onde o crescimento
renascentista, entre 1505 e 1532, ocorreu no exterior mas também no interior da própria cerca;
- a total substituição dos traçados antigos por novas urbanizações, nomeadamente na Baixa Pombalina e
na Alta Universitária, em Coimbra.

Da observação dos traçados irregulares valerá a pena destacar os numerosos largos e praças, que se nota
terem acontecido de forma mais ou menos espontânea, como resultado da evolução da construção. “Por isso
a sua forma é irregular, ás vezes o piso nem se encontra todo ao mesmo nível, como acontece no Largo da
Sé Velha, em Coimbra. Com dimensões reduzidas, elas multiplicam-se e podem adquirir especialização
funcional, e então fala-se na Praça do Pelourinho, na Praça da Sé, na Praça do Mercado, na Praça da
Ribeira, no Terreiro do Trigo ou no da Erva, por exemplo” 17.

Esta organicidade e irregularidade das cidades medievais ainda acontecia no Portugal do início da
nacionalidade. A fundação da Guarda e de Vila Real ocorreu nessa altura e os seus traçados, sobretudo o da
segunda, não evidenciam nenhum plano delineado, talvez devido às condições dos sítios ou às vicissitudes
dos seus povoamentos, muito demorados.

Mas as cidades fundadas a partir do século XIV (inclusivé) demonstram já a adopção de um modelo de
malha rectangular, integrando uma rua principal que unia a praça e as portas mais importantes. É o caso de
Tomar, Caldas da Rainha, Angra do Heroísmo ou mesmo Peniche. É o caso também da Baixinha de
Coimbra, já edificada fora de portas. A mesma regularidade é encontrada na abertura de ruas novas, vias de
atravessamento e escoamento de trânsito, crescentemente motivado por um comércio cada vez mais
significativo, como foi o caso da Rua Nova dos Mercadores, em Lisboa 18.

Está-se na época de transição entre a cidade orgânica e o retorno à cidade clássica preconizado pelos ideais
renascentistas.

17 Salgueiro, Teresa Barata, 1992, p. 221


18 Op. Cit., pp. 164-167 e 215
FORMA ORGÂNICA 19

Figura 5: Planta de Tomar

Figura 6: Coimbra Medieval 19

19 Braun, Georges, “Civitates Orbis Terrarum”, 1594


20 FORMA ORGÂNICA

2.3 GRANDES DEMOLIÇÕES

Os séculos XV e XVI correspondem, na Europa, no que diz respeito ao urbanismo, a um período de intensa
produção intelectual, mas de escassas realizações construtivas. Vão ocorrendo algumas alterações, mas as
estruturas herdadas da época medieval mantêm-se inalteradas.

É a partir do século XVII, com o barroco, que, a par de um rápido crescimento urbano (mais exactamente das
capitais), se verificam transformações significativas de partes específicas das cidades, com as consequentes
demolições, e a criação de eixos de grande monumentalidade.

Mas é já nos séculos XIX e XX que ocorreram demolições sistemáticas de grandes áreas das cidades
existentes. Tal acontece num contexto em que se articulam princípios da racionalidade, higiene e circulação
(em desenvolvimento a partir do renascimento) com a realidade do crescimento caótico associado à
revolução industrial e ainda com a existência de um poder autoritário, desejoso de controlar as crescentes
convulsões sociais.

Esta atitude encontra o seu expoente máximo no trabalho realizado por Haussmann, em Paris, a cujo
município acedeu em 1853. Levou a cabo, em tempo muito rápido e em área muito extensa, demolições
sistemáticas, rasgando novas artérias radiais, marginadas por edifícios de arquitectura estritamente
uniformizada e rematando em estátuas e edifícios monumentais, segundo o modelo neoclássico
(ver Figura 7).

A revolução industrial tinha correspondido, numa primeira fase, à grande concentração operária na cidade
existente e na sua envolvente mais próxima, originando grandes problemas de salubridade, higiene e
acessibilidade.

“Mas as ligações do caminho-de-ferro à periferia, cujo preço baixa progressivamente, permitem que a
urbanização e a especulação ganhem novos espaços. Na lógica da livre iniciativa, a melhor solução para
resolver os problemas de alojamento das classes populares é expulsá-las para a periferia, para um ambiente
mais são e menos caro do que dos quarteirões centrais, onde se apinham e criam perigo social permanente.
E, entretanto, no último quartel do século XIX, a sociedade está em movimento. A vinda para a cidade já não
é apenas para fugir à miséria dos campos, mas também para aproveitar todas as vantagens que a cidade
FORMA ORGÂNICA 21

tem para oferecer, para fazer fortuna. As classes médias desenvolvem-se. É preciso alojá-las e elas podem
pagar” 20. As novas urbanizações, após a demolição, são a resposta adequada.

(A)

(B) (C)

Figura 7: As intervenções de Haussmann, em Paris


A. a negro, com traço mais grosso, as novas ruas abertas nos velhos bairros; a traço mais fino as traçadas na periferia, em terrenos
livres; a quadriculado os bairros novos; a traço simples os parques públicos. B. Av. Campos Elíseos e a Av. De Lena

20 Claval, Paul, 1981, p. 536


22 FORMA ORGÂNICA

A política de Haussmann, respondendo à realidade existente e à ideologia e modelo urbano dominantes,


procura fazer da metrópole uma máquina económica eficaz.

Esta atitude de considerar necessária a demolição das áreas antigas das cidades, porque insalubres, de
difíceis acessos, sem condições de adequabilidade aos progressos da técnica e às exigências da vida actual,
prolonga-se pelo século XX e está presente nas várias formas de modernismo e nas correspondentes utopias
de cidade.

Em Portugal, onde a afirmação do urbanismo como prática social generalizada apenas surge, na década de
30, como resultado da acção voluntarista de Duarte Pacheco, as propostas de demolições maciças estão
presentes em muitos dos Planos Gerais de Urbanização (Figura legal criada em 1934) e dos seus
sucedâneos Ante-Planos, elaborados ao longo dos anos 40.

Valerá a pena seguir e distinguir as propostas de Etienne de Groer e de João Aguiar, ambos adeptos da
cidade-jardim, e que foram autores de planos da quase totalidade das actuais capitais distritais.

De Groer evolui significativamente entre os planos que elaborou para Coimbra e para Évora.

De notar que o Plano de Coimbra é contemporâneo da demolição extensa e maciça que ocorreu na Alta, a
parte mais antiga da urbe, de estrutura medieval, para aí desenvolver a cidade universitária, numa operação
sem precedentes em Portugal. De Groer quase não fez referências à Alta e exclui explicitamente do plano
toda essa área, evitando pronunciar-se.

Para as restantes áreas históricas distingue zonas arqueológicas, que deverão ser protegidas e para as quais
apenas admite “construções projectadas nos estilos históricos existentes nestas zonas”, de outras onde
propõe a renovação edifício a edifício (“É permitido edificar construções com carácter inteiramente novo nos
meios onde a arquitectura existente é má; neste caso, os edifícios antigos deverão, a pouco e pouco, ser
modificados no sentido de novas construções”) e de outras, ainda, para as quais preconiza a total demolição.

Entre estas propõe a demolição de uma vasta área da Baixinha, zona também de traçado medieval situada já
fora de portas, para ser criada uma Avenida Central, ligando a Avenida Sá da Bandeira ao Rio. De notar que
tais demolições vieram, em parte, a concretizar-se, dando origem ao chamado Bota-Abaixo, e que só muito
recentemente tal proposta foi explicitamente abandonada.
FORMA ORGÂNICA 23

Figura 8: Alta de Coimbra (Rua Larga), antes e depois das demolições


24 FORMA ORGÂNICA

No Plano de Évora, porque o seu pensamento evoluiu ou porque a cidade o influenciou, De Groer assume
outro entendimento de património, muito mais integrado: “O quadro em que se encontram os seus grandes
monumentos seria completamente prejudicado se as cercanias deles fossem transformadas. As pequenas
casas antigas não são todas obras-primas, mas o seu conjunto constitui o encanto das ruas de Évora e são
elas que servem para dar um acompanhamento harmonioso aos monumentos. Uma das coisas mais
características da cidade é a estreiteza das suas ruas. É por isso que quase não tocamos nestes
arruamentos antigos, às vezes poucos práticos para a circulação rápida. Mas quando se trata de uma cidade-
museu, seria bárbaro transformá-la num aglomerado qualquer.” E clarifica a sua posição relativamente ao
enquadramento dos monumentos, referindo: “geralmente condeno o desafogo dos monumentos medievais,
porque lhe tira o ambiente apropriado à sua escala”.

A partir deste entendimento procura soluções para resolver problemas de insalubridade sem recorrer a
soluções radicais. E, no que respeita à circulação, propõe apenas a abertura de uma nova rua no sentido
norte - sul, com um traçado que corta transversalmente o interior de um enfiamento de quarteirões amplos,
minimizando as destruições, e com uma faixa de rodagem com 8m, com 4m para cada lado sob arcadas, “de
harmonia com a escala tão pequena da cidade” 21.

As propostas de João Aguiar, buscando uma cidade alternativa de baixa densidade, onde predomina a
habitação unifamiliar e os espaços verdes, contêm extensos esventramentos do tecido existente, como forma
de garantir uma rede viária principal de grande capacidade ou a localização de novos centros cívicos e assim
redesenha quarteirões, rectifica alinhamentos, reestrutura a cidade.

Tais propostas ocorrem, nomeadamente, nos planos para Setúbal, Faro, Viseu e Castelo Branco. O urbanista
assinala o valor patrimonial de numerosos edifícios existentes ou de áreas restritas, como a área amuralhada
de Faro, e defende a sua preservação; mas defende a destruição da sua envolvente por razões de
salubridade e de ordem estética.

Estas demolições, assumidas pelos técnicos e pelo poder, provocaram não raramente reacções de repúdio
da população. O Plano de Setúbal, em concreto, provocou forte polémica pelas extensas demolições que o
atravessamento do centro antigo por novas vias iria implicar. Essa área é considerada pelos habitantes como
fazendo parte da “obra de arte que é a cidade”.22

21 Lôbo, Margarida Souza, 1995, pp. 84-87


22 Op. Cit., pp. 170-185
FORMA ORGÂNICA 25

Mas não são apenas, nem principalmente, os adeptos da Cidade-Jardim, que propõem extensas demolições
da cidade existente.

Frank Lloyd Wright, que defende uma espécie de anti-urbanismo, a cidade espalhada pelos campos,
considera as cidades existentes “irremediavelmente desadaptadas das necessidades actuais, mantendo-se
apenas porque não houve coragem de as abandonar”.

Os defensores da cidade futurista, da cidade radiosa, subalternizam, condenam ou quase ignoram a cidade
existente, propondo uma cidade completamente nova. Um exemplo prático defendido por Le Corbusier (ver
Figura 50) demonstra a vantagem de ir substituindo as ilhotas de casebres por torres abertas ao sol.

É o tempo das utopias, da procura de novos modelos e do consequente desprezo por um passado
considerado pouco adequado às novas tecnologias, às novas exigências, às novas formas de vivência
urbana.

2.4 VALORIZAÇÃO DAS FORMAS IRREGULARES

A procura de harmonia e de beleza, pelo menos no que à cidade diz respeito, esteve ao longo do tempo
associada à ordem e à regularidade.

A cidade orgânica, dita espontânea, não planeada, é de alguma forma o contrário dessa regularidade, mas
nela descobrimos hoje beleza e harmonia.

Não será por acaso que tal descoberta ocorre precisamente após demolições maciças e transformações
profundas na cidade existente, que terá provocado reacção, nostalgia, valorização do passado.

Esta atitude teve em Camillo Sitte, arquitecto e professor em Viena de Áustria , um precursor. Em obra de
1889, desenvolveu uma teoria anti-haussmanniana, recorrendo ao conhecimento das cidades medievais e
renascentistas, valorizando o aspecto estético que o progresso técnico no domínio das infraestruturas tinha
subalternizado, chamando a atenção para a graça das pequenas praças, dos traçados tortuosos, da
arquitectura de origem popular e composição informal.
26 FORMA ORGÂNICA

Figura 9: Camillo Sitte, página de manuscrito23

23 Camillo Sitte, página de manuscrito original do Stabeau, “A arte de construir cidades, o urbanismo, segundo princípios artísticos”,
capítulo II
FORMA ORGÂNICA 27

Citando Camillo Sitte 24:

- “Se queremos reencontrar a liberdade de invenção dos antigos mestres e reagir contra as regras
geométricas e inflexíveis dos seus sucessores é necessário trilhar, por reflexão, os caminhos por onde
os nossos antepassados seguiram por instinto, na época em que o respeito pela arte era uma tradição”.

- “Um espaço fechado é condição essencial de todo o efeito artístico e, contudo, ele é ignorado pelos que
hoje elaboram os planos da cidade”.

- “A regra antiga era a de situar os monumentos nas partes laterais das praças…e os monumentos e
fontes nos locais sem circulação. Deve evitar localizar-se um monumento no eixo de um edifício
ricamente decorado, pois esconderia a vista, e um fundo rico e movimentado prejudicaria o monumento”.

- “Os edifícios com inúmeros andares e fileiras sem fim de janelas semelhantes não poderão jamais
produzir uma impressão artística”.

Camillo Sitte não se limita a valorizar o passado. Reconhece as “aquisições grandiosas no domínio da
higiene”, mas pergunta-se se para as conseguir será necessário suprimir das cidades tudo o que é belo.
Defende a elaboração de planos de expansão nos quais a localização dos edifícios públicos seria
preocupação primeira e onde seriam previstos “vastos espaços verdes envolvidos por habitação, numa linha
que apenas seria interrompida em portas de acesso”; tais planos deveriam “produzir efeito artístico” e
conservar irregularidades.

Esta valorização do irregular, presente nos traçados medievais, veio articular-se com o desenvolvimento do
paisagismo, confluindo no desenho urbano da cidade jardim.

Poder-se-á citar, a propósito, a obra de Raymond Urwin que, associado a Barry Parker, projecta a primeira
garden-city (Letchworth) e que, no seu livro Town Planning in Pratice, expõe as suas ideias sobre como
projectar a cidade.

De destacar a sua posição ecléctica entre o regular e o irregular, distanciando-se de Camillo Sitte, que
apenas parece valorizar o segundo. Confronta o formalismo dos traçados clássicos, em rectículas que
favorecem o trânsito (o regular), com as soluções de respeito pela individualidade do sítio e da valorização do
contraste e de surpresa (o irregular). Evidencia as vantagens e inconvenientes de ambos, explorando a
articulação das suas soluções.

24 Camillo Sitte, em Choay, F., 1965, pp. 259-276


28 FORMA ORGÂNICA

Voltando a Camillo Sitte há que referir que este é, desde então, uma referência incontornável. Exerce
influência no que viria a ser a cidade jardim, ao defender a articulação habitação/espaços verdes e as formas
irregulares que parecem naturais. Representa para Le Corbusier e os seus seguidores a encarnação do
passadismo mais retrógrado. E, passado o modernismo, as suas teorias tornam-se actuais.

De facto, nos anos 60/70, verifica-se uma ruptura com o modelo abstracto da Carta de Atenas e um retorno
crescente e generalizado à defesa das formas da cidade orgânica e da cidade clássica, à redescoberta da
rua, praça e largo como elementos estruturantes na organização do espaço público e suporte das
edificações.

Um primeiro sinal dessa evolução acontece em 1951, no 8º CIAM, organizado pelo grupo inglês MARS, no
qual se discute a importância do centro/“coração da cidade”, propondo-se o reestabelecimento dos antigos
espaços plurifuncionais como lugares públicos de sentido comunitário, e no qual se retoma o elogio das
praças 25.

E é neste retorno conceptual que Camillo Sitte passa a ser frequentemente citado, nomeadamente por P.
Gedds e L. Munford, destacando o carácter humanista das soluções que preconiza.

Hoje vive-se uma fase de consenso no que respeita ao reconhecimento da beleza e harmonia das cidades
orgânicas ou até, mais genericamente, do tecido urbano pré-industrial. Tais opiniões articulam-se com a
evolução do conceito de património, que todos referem dever ser conservado, reabilitado e animado. A
questão é saber como consegui-lo.

2.5 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PATRIMÓNIO

A partir do século XIX até aos nossos dias, a sociedade e o território passam por um processo de
transformação muito rápido e muito profundo: revolução industrial, caminho-de-ferro e depois o automóvel,
evolução das técnicas e materiais de construção, evolução tecnológica em geral; deslocação de massas
humanas do campo para as cidades, gerando enormes concentrações que agora se dispersam em periferias
urbanas. Todo este movimento gera, inevitavelmente, destruição de estruturas preexistentes: no campo vão-
se abandonando agricultura e edifícios; e a cidade é dominada pelo processo de valorização fundiária, com o
aumento do volume dos edifícios.

25 Moreno, Pedro, 1995, pp. 5 e 20


FORMA ORGÂNICA 29

É esta destruição muito rápida das estruturas do passado, levada a cabo pela acção do Homem na sua
busca de progresso, mas que vai constituindo para ele próprio mal estar ou ameaça, que está na origem do
desenvolvimento do conceito de património, entendido como algo que faz parte da nossa memória colectiva e
que tem que ser preservado.

Em meados do século XIX levantam-se vozes pioneiras em defesa do património, valendo a pena citar
Alexandre Herculano, em texto publicado em 1838, sob o título Monumentos Pátrios:

“Correi as principais cidades do reino; buscai os mais veneráveis edifícios. Ou jazem por terra ou foram
aplicados a usos que lhes estão produzindo a ruína.

Corre despeado o vandalismo de um a outro extremo do reino, desbaratando e assolando tudo. (…) Não se
creia todavia, que ele é desalinhado no vestuário, carrancudo na catadura, descomposto nas maneiras, (…)
entende francês e já leu Voltaire, (…) é instruído, civil e afável. Tirem-lhe de diante os monumentos, será o
epílogo de todas as boas qualidades”.

Mas Herculano vai mais longe, intuindo as potencialidades económicas de um turismo cultural:

“Quando a arte ou os factos históricos se tornam recomendáveis, convertem-se em capital social. Calculem
quantos viajantes terão atravessado Portugal. De certo que não vieram cá para correrem pelas nossas belas
estradas (…). Falais de economia política e aniquilais o capital dos monumentos? Adoradores do camartelo,
por qualquer lado que se observe a vossa obra não se descobre senão o absurdo” 26.

A preocupação com o património centrava-se, portanto, nos monumentos e fundamentalmente assim


continuou até meados do século XX, até porque os conceitos modernos, dominantes, questionavam
fortemente o passado e apontavam para a cidade verde, higiénica, aberta ao sol.

A Carta de Atenas 27, texto das conclusões da conferência promovida pelo Serviço Internacional de Museus,
de 1931, e que constitui referência esclarecedora das opiniões internacionais relativas aos bens culturais,
incidia exactamente sobre a conservação, restauro e utilização dos monumentos, referindo: “Nas condições
de vida moderna os monumentos estão cada vez mais ameaçados (…)”; “os restauros, quando inevitáveis,
deverão respeitar a obra histórica ou artística do passado, que inclui estilos de qualquer época”; “a utilização
dos monumentos deve respeitar o seu carácter histórico ou artístico”. E, quando se abre à cidade mais em

26 Ferreira, David Mourão, s. d., pp. 10-15


27 Não confundir com a outra Carta de Atenas contemporânea desta, saída do CIAM 1933 e que constitui a grande referência do
movimento moderno.
30 FORMA ORGÂNICA

geral, ainda o faz sobretudo na perspectiva das “áreas de protecção”: “devem ser respeitados o carácter e
fisionomia das cidades, sobretudo nas proximidades dos monumentos” 28.

É apenas a partir dos anos 50, ao mesmo tempo que se desenha uma ruptura com os modelos futuristas e
um retorno à defesa das formas irregulares das cidades orgânicas, que o conceito de património se começa
a alargar, caminhando numa perspectiva cada vez mais global e integradora.

Numa primeira fase passa-se dos monumentos aos conjuntos arquitectónicos.

Na Convenção de Haia, “para a Protecção dos Bens Culturais em caso de Conflito Armado” (1954) e
vivendo-se ainda o rescaldo destruidor da II Guerra Mundial, começa a verificar-se tal alargamento.

E, na Carta de Veneza de 1964 o conceito de monumento passa a integrar “não só a criação arquitectónica
isolada como os conjuntos urbanos ou rurais representativos de uma civilização particular, de um movimento
significativo, ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas também às
obras modestas que ganharam com o tempo um significado cultural”.

Neste documento, também o conceito de restauro evoluiu, considerando-se que a intervenção


contemporânea não deverá procurar o mimetismo do passado: “O restauro (…) baseia-se no respeito da
substância antiga e de documentos autênticos”; “os elementos destinados a substituir as partes destruídas
devem integrar-se harmoniosamente no conjunto, distinguindo-se contudo das partes originais” 29.

O conceito de património construído continua a alargar-se ao longo dos anos 70 e 80 30.

- A Carta Europeia do Património Arquitectónico, proclamada pelo Concelho da Europa - 1975 - preocupa-
-se com aspectos operativos, apontando para a necessidade de uma “conservação integrada”, que exige
estudos urbanísticos, articulação de restauro com utilização apropriada, disponibilização de meios
jurídicos, administrativos, financeiros e técnicos.

- A Recomendação para Salvaguarda dos Conjuntos Históricos (…), aprovada pela UNESCO em 1976,
considera “conjunto histórico ou tradicional todo o grupo de construções e de espaços, incluindo os
lugares arqueológicos e paleontológicos que constituem uma fixação humana, quer em meio urbano
quer em meio rural e cuja coesão e valor são reconhecidos dos pontos de vista arqueológico,
arquitectónico, pré-histórico, histórico, estético, ou socio-cultural” e entende por “salvaguarda, a

28 Lopes, Flávio, 1996, p. 12


29 Op. Cit., p. 13
30 Op. Cit., pp. 14-19
FORMA ORGÂNICA 31

identificação, a protecção, a conservação, o restauro, a reabilitação, a manutenção e a revitalização


destes conjuntos e do seu tecido social, económico e cultural”;

- O Apelo sobre a Arquitectura Rural e o Ordenamento no Território, de 1976, trata de maneira específica
a problemática da arquitectura rural e sua paisagem;

- A Carta de Florença, de 1981, incide sobre a salvaguarda dos jardins históricos;

- A Resolução relativa à Arquitectura Contemporânea, adoptada pelo Concelho da Europa em 1983,


chama a atenção para a necessidade de integrar as construções contemporâneas nos conjuntos
existentes;

- A Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa, de 1985, amplia o conceito


de património aos bens com interesse social ou técnico;

- A Carta para a Salvaguarda das Cidades Históricas, produzida pelo ICOMOS, em 1987, centra-se numa
perspectiva sobretudo social e reconhece situações de perda irreversível em muitas cidades históricas.
Propõe a adopção de “planos de salvaguarda” que, para serem eficazes, deverão “fazer parte integrante
de uma política coerente de desenvolvimento económico e social e ser tidos em conta nos planos de
ordenamento e nos planos urbanísticos”.

De facto, o conceito de património construído tem-se alargado e tem ganho força. Multiplicam-se, nos últimos
anos, convenções sobre o assunto, declarações de intenção. Por todo o lado se delimitam centros históricos
e se anuncia a vontade de os reabilitar e valorizar.

Mas, tal como reconhece a Carta para a Salvaguarda dos Centros Históricos, continuam a verificar-se, em
muitos casos e nomeadamente em Portugal, situações de degradação crescente do património, seja pelo
abandono crescente que ocorre em determinadas áreas, seja pela situação contrária, a acção destruidora da
procura de valorização fundiária, associada a práticas ineficazes de gestão urbanística.

Importa não esquecer que as intervenções privadas sobre o território encerram objectivos nem sempre
compatíveis com o respeito pelo património e pela envolvente e que a especulação fundiária tem sido, nas
ultimas décadas, a principal responsável pela degradação das paisagens urbanas e rurais. Compete à
Administração Pública contrariar esse processo. Mas é de esperar que desempenhe esse papel apenas na
medida em que, para o efeito, vier a ser apoiada e pressionada pela opinião pública.
32 FORMA ORGÂNICA

Figura 10: Cidades portuguesas classificadas como património mundial


FORMA ORGÂNICA 33

Perspectivando o futuro, no pressuposto de que a opinião pública evoluirá nessa direcção, poderá antever-se
que o conceito de património a preservar tenderá a ser entendido e aplicado numa perspectiva cada vez mais
globalizante. Deverá, para tal, traduzir-se numa atitude de respeito, não dogmático, por tudo quanto exista e
procurar, tanto quanto possível, uma síntese entre o cultural, o social, o funcional e o económico. Neste
sentido:

- A atitude de defesa do património não poderá ser sinónimo de imobilismo, mas antes de reconversão às
necessidades de cada momento, com respeito pelos valores do passado. Algumas atitudes de defesa do
património, radicais e imobilistas, quase religiosas, são hoje positivas na medida em que se opõem ao
processo de destruição em curso, mas tenderão a desaparecer.

- Os processos de preservação e recuperação de zonas antigas (centros históricos ou não) deverão


procurar articular acções de curto prazo com acções de longo prazo. É necessário adoptar atitudes
defensivas e realizar pequenas obras que evitem a ruína dos edifícios ou resolvam problemas sociais
mais gritantes. Mas, para além disso, é necessário equacionar e resolver os problemas estruturais
dessas áreas, implementando as medidas necessárias à sua reconversão e às exigências da vida
moderna.

- As intervenções sobre o território deverão ter em conta que o que se constrói hoje será património de
amanhã. As exigências de qualidade e de respeito pela envolvente deverão, com as devidas
especificidades, aplicar-se não apenas aos centros históricos, mas a todo o território 31.

Este entendimento de património corresponderia já à sua plena integração numa perspectiva global de
ordenamento e de urbanismo.

No que diz respeito, especificamente, à problemática das cidades orgânicas, importa chamar a atenção para
o facto de, nos traçados medievais ainda existentes, subsistirem problemas de salubridade, iluminação e
ventilação, que em tempo serviram de justificação para demolições maciças. Estes problemas terão que ser
resolvidos, sem o que dificilmente se perspectivará uma salvaguarda e utilização duradoiras destas áreas.
Estabelecer compromissos entre a resolução de tais problemas e uma atitude de conservação não será nada
fácil, mas não deixa, por isso, de ser indispensável.

Quanto à evolução das práticas e das ideias, há que reter confrontos radicais, quanto ao conceito de
património e quanto à regularidade/irregularidade enquanto fonte de harmonia. Reflectir sobre tais confrontos
e correspondentes contradições poderá ajudar-nos na escolha de um caminho.

31 Carvalho, Jorge, 1993, p. 19


34 FORMA CLÁSSICA

3. FORMA CLÁSSICA

A maioria dos autores reporta-se ao mundo clássico como sendo o greco-romano, considerado como origem
próxima da nossa civilização. Mas os autores franceses referenciam muitas vezes o termo clássico ao
renascimento. O conceito da forma clássica que aqui se adopta engloba as duas épocas e estende-se aquém
delas, ao barroco, ao neoclássico e, de modo geral, até à actualidade, a todos os traçados que se
caracterizam por:
- uma malha de ruas contínua e regular, geométrica, formando quarteirões;
- a edificação implantada ao longo das ruas, num contínuo de fachada;
- o espaço livre no interior dos quarteirões, quando exista, com utilização privada ou semi-privada;
- as ruas, os largos e as praças constituindo espaço urbano por excelência, o lugar onde os cidadãos se
movimentam, se encontram, se abastecem, se divertem; a rua, o espaço público, como um imperativo
superior, a coisa pública a prevalecer sobre a casa individual.

Esta forma de cidade constitui, até ao modernismo, o paradigma de ordem/harmonia e o modelo de qualquer
cidade planeada, salvo quando a topografia ou outras condicionantes do lugar impediam a sua utilização.

Os traçados ortogonais são extremamente comuns, nomeadamente nas cidades novas de todas as épocas,
desde a reconstrução de Mileto no século V a.C. até a urbanizações actuais, passando pelas cidades
coloniais fundadas na América e na África. Esta adopção da malha ortogonal, tão constante no tempo e no
espaço, explica-se pela racionalidade e facilidade do seu traçado e pela consequente forma regular dos lotes/
facilidade de construção.

Portugal não foi excepção à regra, uma vez que a generalidade das cidades fundadas de novo adoptou o
traçado ortogonal.

Já atrás se referiu a regularidade das urbes criadas no final da Idade Média, a partir do século XIV, por
exemplo Tomar.

Também Vila Real de Santo António, mandada construir em 1733, adoptou a malha rectangular, tal como
ocorreu com a Baixa Pombalina.

O mesmo acontece já nos finais do século XIX, quando se desenvolvem várias cidades no litoral, portos de
pesca que progressivamente vão acumulando funções de veraneio; é o caso de Espinho e da Nazaré (esta
com ruas menos rectilíneas), fundadas de novo a partir de colónias de pescadores; é também o caso do
FORMA CLÁSSICA 35

Bairro Novo da Figueira da Foz, obra de uma companhia urbanizadora que procedeu ao loteamento e
construção de terrenos próximos da praia 32.

Esta regularidade, esta forma clássica, interrompida durante o longo período da Idade Média,
dominantemente rural, é fortemente posto em causa ao longo do século XX.

Com o rápido crescimento das cidades, com os novos paradigmas, modelos e tipologias urbanos (vivenda/
cidade jardim; torre/ cidade futurista), com o automóvel e a dispersão, com o desenvolvimento da
especulação fundiária, com a diminuição da intervenção pública/ aumento da iniciativa privada e a
consequente importância do cadastro da propriedade, a cidade explode em múltiplas formas, que muitos
consideram irracionais, desordenadas, geradoras de mau viver.

Neste contexto, a cidade contínua, ordenada, de ruas e praças, volta a ganhar adeptos, pelo menos entre
urbanistas e pensadores. O modelo, que na realidade nunca foi totalmente abandonado, volta a ser utilizado
em muitas zonas de expansão, embora por vezes em soluções mistas, combinando pormenores e tipologias
nascidas com o modernismo.

3.1 CIDADES GREGA E ROMANA

A Grécia clássica - com as suas cidades-estado - e os impérios helenístico e romano têm sido considerados
como primeira referência, a nossa tradição mais antiga de planeamento das cidades.

“Era lógico esperar que, no ambiente filosófico da Grécia, que legou ao mundo as bases do raciocínio
moderno, surgisse também uma teoria racional da cidade, como organização ideal que resolveria as
deficiências da cidade natural ou histórica que se tinha criado através dos anos. O homem que levou a cabo
esta tarefa foi um grego natural de Mileto, Hipódamo, que poderemos considerar como o primeiro urbanista
com critério científico rigoroso que o mundo conheceu. Aristóteles atribui-lhe o mérito de nos ter deixado a
teoria e de ter posto em prática a doutrina de uma organização lógica da cidade. Em geral, crê-se que seja
dele a criação da cidade em quadrícula, embora ela existisse já nas civilizações industânicas, egípcias e
mesopotâmicas” 33.

32 Salgueiro,Teresa Barata, 1992, p. 184


33 Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 49 e 50
36 FORMA CLÁSSICA

Um exemplo de cidade em quadrícula é Mileto, pátria de Hipódamo, reconstruída cerca de 475 A.C., após ter
sido destruída pelos persas. “O traçado ortogonal adapta-se bem ao contorno sinuoso do promontório que
avança pelo mar dentro, local onde se implantou a cidade, que consta de duas partes: uma, de quadrícula
menor, na parte mais estreita, e outra, maior, na base da península. No meio, como que a reuni-las, está a
ágora, ou conjunto de edifícios representativos, e o grande espaço do famoso mercado” 34.

Figura 11: Mileto, Plano Geral

A mesma procura de regularidade aparece em Platão quando este descreve a ilha lendária de Atlântida, “a
qual continha um palácio cingido por muralhas redondas, na ilha secreta e uma planície rectangular dividida
em 60 000 lotes, sendo cada um deles um quadrado. Deste modo, as duas formas matemáticas básicas, o
quadrado e o círculo encontram-se em justaposição. O facto de Platão referir a planície é significativo, não
apenas devido à sua forma regular mas, também, porque é mais fácil obter uma massa construída planeada
numa região plana, ao passo que os sítios acidentados impõem em grande medida a sua configuração à
matriz humana” 35.

A cidade em quadrícula, hipodâmica, parece ter-se espalhado pelo império helenístico. Os empreendimentos
colonizadores levaram, certamente, os gregos a adoptar este traçado extremamente simples e racional,
quando as cidades são implantadas de novo, em locais de topografia pouco acentuada, escolhidos para um
modelo de cidade já previamente concebida e desenhada.

34 Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 49 e 50


35 Rosenau,Helen, 1983, p. 27
FORMA CLÁSSICA 37

Este saber fazer das cidades parece ter sido transmitido pelos gregos aos romanos.

Vitrúvio, o autor do “único tratado de arquitectura do período romano de que se tem notícia, concebeu, tal
como Platão, a sua cidade ideal não com base no meio em que seria implantada mas tendo em vista
satisfazer, mediante uma forma circular, determinadas concepções de harmonia, regularidade e
delimitação”36.

“A cidade deveria estar dentro de uma muralha circular protectora reforçada por torres, por razões
estratégicas. A organização radial das oito direcções pressupostas dos ventos predominantes deveria ser
evitada, por razões de higiene, por intermédio de oito ruas que as seccionassem (...) a praça do mercado
deveria ser no centro da cidade, porém implantada perto do porto, no caso de um porto de mar” 37.

Figura 12: Vitrúvio, Plano de Cidade

36 Rosenau, Helen, 1983, pp. 32-33


37 Op. Cit., pp. 31-32
38 FORMA CLÁSSICA

Na prática os romanos procuravam realizar traçados regulares e geométricos e, quando isso não era
possível, “integravam nas cidades conjuntos urbanistico-arquitectónicos de grande aparato que constituíam
em si próprios a parte mais impressionante e majestosa da cidade” 38. Roma é o exemplo mais evidente de
tais projectos apresentando, ainda hoje, uma monumentalidade porventura nunca superada.

As cidades do Império Romano, “herdeiras dos gregos, nomeadamente quanto aos refinamentos técnicos
(esgotos, aquedutos, água corrente, balneários, pavimentos, serviços de incêndio)” 39 apresentavam traçados
diferentes conforme correspondiam à ampliação e enriquecimento de povoações já existentes ou à criação
de cidades novas, a partir de um acampamento militar.

Estas últimas, revelando grande sentido prático e organizador, eram obviamente as mais regulares. “Talvez o
melhor exemplo que nos ficou seja a cidade de Timgad, na Numídia (Argélia), uma antiga colónia militar de
Trajano. Estas cidades configuravam um perímetro rectangular, geralmente rodeado por muralhas; o recinto
era cortado interiormente por dois grandes eixos ou ruas principais (por vezes com pórticos) que se
chamavam cardo (eixo N - S.) e decumano (eixo E - O.).

Figura 13: Timgad, Plano da Cidade

38 Goitia, F. Chueca, 1982, p. 56


39 Op. Cit., p. 55
FORMA CLÁSSICA 39

No seu ponto de encontro costumava situar-se o forum e, à volta deste, os templos, a cúria e a basílica. O
resto dos blocos costumava ser perfeitamente regular, consequência da distribuição das ruas no antigo
acampamento” 40.

Mas as cidades gregas e romanas, pese embora a regularidade geométrica sempre associada aos planos de
que se tem notícia, eram de facto muito diferentes entre si. Havia as de regularidade hipodâmica, mas outras
eram consequência das pré-existências, de uma topografia especial.

Em Portugal a forte presença romana quase não se faz notar nos traçados actuais das cidades, tendo sido
apagada no período da Idade Média.

“Apenas em Chaves se encontram vestígios da malha romana. A antiga povoação muralhada apresenta uma
forma rectangular alongada no sentido NW-SE. O burgo é atravessado pela Rua Direita que ligava a porta do
Arrabalde à porta do Anjo e cujo sentido se aproxima do nascente-poente característico do decumano
romano. Algumas vias cruzam a rua Direita, enquanto outras lhe ficam paralelas, desenhando um traçado
ortogonal bastante perfeito e o fórum ficaria no largo, entre a câmara e a igreja matriz” 41.

3.2 RENASCIMENTO

Os séculos XIV e XV correspondem, na Europa, a um período de intensas transformações e descobertas ao


nível político, económico, científico e artístico: o Renascimento.

No que respeita ao urbanismo, ocorreu uma intensa produção intelectual, mas as realizações concretas
deste período são pouco significativas. As cidades europeias tinham ficado estabelecidas na Idade Média.

Para o homem do renascimento havia que retomar o antigo, a antiguidade clássica, como ideal absoluto.
Assim, não é de estranhar que o texto de Vitrúvio tenha constituído a base para a cidade ideal do
renascimento, criação mais intelectual que real. “Trata-se portanto de uma cidade cuja planta é um octógono
rodeado de muralhas. Cada troço de muralha fica oposto a um vento (...). Assim, foi aprovada como
idealmente perfeita a cidade poligonal de oito ou mais lados , que tende, em última análise, para uma
organização circular, possuindo portanto um centro” 42.

40 Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 57-58


41 Salgueiro, Teresa Barata, 1992, p. 214
42 Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 103-104
40 FORMA CLÁSSICA

Num período de grande transformação social e grande produção intelectual, retoma-se a procura da cidade
ideal e, com ela, a valorização de conceitos estéticos associados à ordem e à regularidade. O Plano ideal é,
pois, quase sempre geometrizado, recorrendo às duas formas matemáticas mais básicas, o quadrado e o
círculo, geralmente associados a fins utilitários.

É curioso notar que tal formalismo surge numa época em que prevalecia um sentimento de desilusão e
isolamento e, talvez por isso, a ênfase tenha incidido na necessidade de regularidade, de dignidade, de
normas de conduta, de controle social.

Tal procura de regularidade é muito clara nas obras de dois arquitectos italianos, Alberti (1401-1472) e
Filarete, que se destacaram pelas suas contribuições na área do planeamento urbanístico.

É verdade que Alberti, numa atitude francamente experimental, defende que as ruas deveriam ser traçadas
“à maneira de rios”, segundo um padrão serpenteado. Mas na sua Fortaleza de Tireo, talvez a sua obra mais
completa, prevalece uma total simetria baseada no quadrado.

Também na imaginária Sforzinda, a primeira cidade do Renascimento totalmente planeada, Filarete recorre
totalmente a soluções geometrizadas. O círculo muralhado à maneira de Vitrúvio deveria encerrar dois
quadrângulos em intersecção. Para o centro da cidade é prevista uma praça principal, com dezasseis
quadrados subsidiários, correspondentes a espaços e edifícios públicos e religiosos. Canais de água lineares
seguem até aos bairros de artesãos onde as habitações correspondem a uma sucessão de quadrados,
organizados numa malha rectangular. Mas, na periferia, a imaginação liberta-se da geometria, sendo previsto
um labirinto a circular a cidade; vale a pena, no entanto, notar como neste caso a irregularidade se adequa à
uma função de defesa, prevalecendo uma atitude funcionalista.

Tal procura de regularidade estende-se pelo Alto Renascimento.

Aparece na cidade ideal de Vincenzo Scamozzi (1552-1616), onde as soluções desenhadas exprimem
sempre o objectivo do equilíbrio formal, sem significar, necessariamente, uma simetria de pormenor absoluta.

Aparece, ainda, nas descrições arquitectónicas de More (1478-1535), em Utopia, onde as cidades são
apresentadas com uma forma quase geométrica e constituídas por fileiras de casas idênticas tendendo para
a regularidade. “Aquele que conhecer uma das suas cidades, conhecê-las-á a todas (…) a sua figura é quase
quadrada, pois de um lado deste, que sobe quase até ao cimo da colina, desce em declive ao longo de duas
milhas até ao rio”. Vale a pena destacar, neste caso, a articulação com o sítio, a colina e o rio. Constata-se
ainda alguma integração da cidade com o campo em direcção à colina.
FORMA CLÁSSICA 41

Figura 14: Cidades Ideais Renascentistas


1. Cidade ideal de Vitruvio (descrita, mas não desenhada) - reconstituição. 2. Filarete - Sforzinda no Tratado d’Architettura, 1457-
1464. 3. Pietro Cataneo - Architettura, 1554. 4. Danieli Barbado - Dieci Libri dell’Architettura, de M. Vitruvio, 1567. 5. Buonaiuto Lorini
- Delle Fortificazione Libro Cinqui, 1592. 6. Vicenzo Scamozzi - L’Ideal dell’Architettura Universale, 1615. 7. Scamozzi - Palma Nuova,
1593, a única projectada e realizada (desenho de Scamozzi e vista aérea) 43

43 Selecção de: Lamas, José, 1993, p. 169


42 FORMA CLÁSSICA

Muitos destes ideais urbanísticos não passarão, de facto, de exercícios intelectuais, tendo encontrado o seu
campo de realização sobretudo na colonização da América e nas raras cidades europeias construídas de
novo, como é o caso da cidade veneziana de Palma Nuova, construída para protecção contra a ameaça
turca.

“A cidade é um polígono de nove lados, sendo, no centro, uma praça hexagonal de onde saem seis ruas
principais que vão dar a três portas e a três baluartes. Aos outros seis baluartes vão dar ruas que não
desembocam na praça, mas sim no primeiro anel concêntrico. O esquema é completado por outros dois
anéis concêntricos. Este é o exemplo mais completo e perfeito de uma cidade estrelar e representa o maior
esforço feito para conseguir uma cidade de acordo com os ideais do Renascimento” 44 (ver figura 14).

Mas a actividade urbanística durante os séculos XV e XVI consiste, em grande parte, em alterações no
interior das velhas cidades que, geralmente, modificam muito pouco a estrutura geral. “Enquanto o
pensamento utópico elabora cidades geométricas ideais, a vida decorre nos velhos ambientes medievais,
nas praças irregulares e pitorescas e nas estreitas e tortuosas ruelas de outros tempos. A abertura de
algumas ruas novas, com edifícios solenes e uniformes, e sobretudo a criação de novas praças, regulares ou
quase regulares, para enquadramento de um monumento destacado, uma estátua para honrar um rei ou um
príncipe, ou para representações ou festejos públicos, são os empreendimentos urbanos mais destacados,
que o barroco irá continuar ainda em maior escala” 45.

É na Itália que esta renovação monumentalista das cidades atinge maior expressão. O resto da Europa
demorará algum tempo antes de seguir este caminho.

Também em Portugal se verificaram, nestes séculos XV e XVI,” intervenções dignas de nota, com alterações
nos tecidos antigos ou expansão com ruas largas, praças e monumentos. Tais alterações ocorrem em
simultâneo com o desenvolvimento de estudos superiores, estando bem documentados os casos de Braga,
Coimbra e Évora. A obra mais notável deste período foi sem dúvida a abertura, em Coimbra, da Rua da
Santa Sofia (hoje Rua da Sofia), talvez a mais larga do país até ao século XVIII, onde se concentrou grande
numero de colégios, visto que a cidade intra-muros ficou pequena para albergar a população, que quase
duplicou entre 1527 e 1570, ano em que se aproximava dos 10 mil habitantes. Tal crescimento, em grande
parte de estudantes, surge associado à instalação definitiva da Universidade, em 1537” 46

44 Goitia, F. Chueca, 1982, p. 107


45 Op. Cit., p. 108
46 Salgueiro, Teresa Barata, 1992, p. 170
FORMA CLÁSSICA 43

Figura 15: Coimbra, Rua da Sofia 47

Ocorreu também, no início do século XVI, no que hoje é o Bairro Alto, em Lisboa, o primeiro exemplo
conhecido em Portugal de um loteamento com malha ortogonal, “plano regulador da urbanização sobre
terrenos rústicos, onde começaram a abrir-se talhões e entraram a construir-se tímidas casas, quase todas
para gente marítima” 48.

3.3 CIDADE BARROCA

A transição da ordem medieval para o que viria, depois, a ser a ordem das monarquias barrocas, realizou-se
lentamente mas de uma forma contínua.

O poder político na Idade Média transitava por todo o território, acorrendo onde as necessidades reclamavam
a sua presença.

Mas o poder transeunte começou a sentir dificuldades cada vez maiores para transportar as instituições que
ia criando para auxiliar à governação e a tendência foi a instalação dos seus arquivos, chancelarias e
tribunais em edifícios permanentes. Surge, assim, o Estado nacional moderno e a necessidade de
consagração de uma capital.

“Este Estado nacional moderno, surgido da estrutura agrária da civilização medieval, acaba por ser o que a
destrói, que modifica profundamente a ordem de coisas antigas, que provoca o desequilíbrio na distribuição
da população, voltando mais uma vez à instauração da grande cidade como elemento político e social
decisivo.

47 Figura Extraída de: Câmara Municipal de Coimbra, 1993, p. 30


48 Norberto de Araújo, citado por Salgueiro, Teresa Barata, 1992, p. 171
44 FORMA CLÁSSICA

Depois de ter surgido a nação, como consequência desse continuum camponês feudal da Idade Média, a
capital tem de ser algo verdadeiramente representativo, imagem e condensação da realidade nacional” 49.

Assim - escreve Mumford - “acabou a multiplicação das cidades. (...) a cidade deixava de ser um meio para
conseguir a liberdade e a segurança. Era antes um meio de consolidar o poder político num único centro, sob
a supervisão directa do rei (...). A lei, a ordem e a uniformidade são produtos essenciais da capital barroca
(...) o braço económico é a política mercantil e capitalista, e as instituições mais típicas são o exército, a
bolsa, a burocracia e a corte. Todas estas instituições completam-se mutuamente e criam uma nova forma de
vida social: a cidade barroca” 50.

Em virtude destas circunstâncias regista-se na Europa, a partir do século XVI, um rápido crescimento das
cidades existentes, sobretudo das capitais. Refere Chueca Goitia que, no início do século XVII, “ são já mais
de 14 as cidades que ultrapassam os 100 000 habitantes” e cita, em concreto, Paris (180 000), Londres (250
000), Veneza (195 000), Milão (200 000), Nápoles (200 000), Madrid (200 000 a 250 000), Lisboa (110 000),
Sevilha (100 000), Amsterdão e Anvers (104 000) e Hamburgo.

O Barroco corresponde, pois, a um período de crescimento das cidades e, também, de grande


transformação.

Ao contrário do Renascimento, verifica-se pouco a procura de um plano ideal e utópico para a globalidade da
cidade, mas sobretudo realizações em concreto. Não raro as cidades europeias receberam neste período as
principais características das suas áreas centrais e grande parte dos seus edifícios mais imponentes.

“Embora lentamente, a imagem da cidade é substituída por uma perspectiva histórica e pela consciência do
tempo em constante transformação.

As tendências formais maneiristas mantiveram-se como um poderoso elemento no barroco sendo, porém,
contrabalançada por uma ênfase no planeamento de partes independentes das cidades, combinadas com
efeitos de ilusão” 51.

“Caracterizam esta época algumas realizações planificadas, mais que planos ideais. Os embelezamentos de
certos bairros, que resultaram em enormes avenidas e vistas a direito que leva o olhar até aos edifícios mais
significativos, sobretudo igrejas e palácios, exerceram igualmente uma influência formativa (…) O que se
torna típico é o embelezamento das cidades existentes e não a construção de novas cidades,
caracterizando-se o barroco, neste sentido, pela expansão, em lugar de uma criação livre e irrestrita” 52.

49 Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 128-129


50 Lewis Mumford, citado por Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 130
51 Rosenau, Helen, 1983, pp. 92-94
52 Op. Cit., pp. 82-83.
FORMA CLÁSSICA 45

Figura 16: Versailles, Plano de Le Nôtre 53

53 Gravura de: Pautre, Pirre le


46 FORMA CLÁSSICA

Incidindo sobre partes da cidade, a intervenção barroca herda do Renascimento (e dos clássicos) um mesmo
conceito de harmonia associado à forma geométrica, mas acrescenta-lhe a procura de uma percepção visual,
utilizando para o efeito o instrumento entretanto descoberto, no desenho e na pintura, da perspectiva
geométrica.

Pierre Lavedan 54 reduz a três os princípios fundamentais do urbanismo barroco, a linha recta, a perspectiva
monumental e o programa ou, por outras palavras, a uniformidade. Chueca Goitia acrescenta que tais
princípios se podem resumir a um só, a perspectiva e o que esta trouxe consigo, a cidade concebida como
vista.

Durante o período Barroco, a teoria e a prática do urbanismo é comandada pela França. Este urbanismo, que
já não se resume à simples quadrícula mas a algo concebido esteticamente com os seus eixos, praças e
perspectivas, aparece pela primeira vez na cidade-residência de Richelieu (1633) e está bem expresso em
Versalhes (1671), com os seus monumentos e o seu jardim francês, no qual a natureza é ordenada
arquitectonicamente.

Tais modelos foram imitadas em toda a Europa e têm talvez o seu apogeu em Nanci, cuja construção se
iniciou em 1737, e que F. Chueca Goitia refere como “o mais belo eixo do urbanismo monumental barroco,

Figura 17: Nanci, Plano de um Eixo Renascentista

54 Lavedan, Pierre, 1959, pp. 33 e 34


FORMA CLÁSSICA 47

relacionando diversos recintos, ligados uns aos outros com um sentido requintado e oferecendo sensações
de espaço diferentes, dentro de uma harmonia geral e uma axialidade rigorosa” 55.

A arquitectura barroca, procurando exprimir efeitos teatrais, subordinava a lógica construtiva à aparência,
procurando uma unidade estética, conseguida através de eixos e fachadas uniformes que desembocavam
em praças monumentais, para servir de quadro à estátua do rei.

De sublinhar que, neste período, para além da novidade da perspectiva, é ainda introduzida a
regulamentação urbanística. São estabelecidas normas reguladoras da altura dos edifícios, das suas
fachadas e janelas, com vista à obtenção de uma aparência coesa que não deixará, porém, de reflectir a
estrutura da sociedade. Tal acontece na Holanda e depois na Inglaterra. O exemplo mais conhecido é, talvez,
o conjunto de normas aplicado à reconstrução de Londres em 1667, “em que as casas são classificadas em
quatro categorias de acordo com o número de andares. Este tipo de regulamento conduz a um efeito
uniforme no que respeita às fachadas para a rua e, por conseguinte, a uma aparência próxima da cidade
ideal, embora o centro da cidade enquanto tal não esteja incluído neste tipo de normas” 56.

Falando em Portugal, há que referir a Baixa Pombalina de Lisboa, reconstruída após o terramoto de 1755,
em que diversos elementos atestam a orientação barroca do plano, nomeadamente a busca da “formosura
do conjunto”, e sobretudo o Terreiro do Paço, concebido para servir de quadro à estatua de D. José I.

Mas está-se numa fase de transição. Manuel de Solá-Morales considera esta operação como característica
de uma forma de projectar neoclássica, porque “parte da definição de uma unidade tipológica,
correspondente ao edifício (e ao lote) e estende-se a toda uma área, estabelecendo uma malha que
determina o ordenamento de conjunto (morfológico) e a organização de infraestruturas”. De facto, talvez
porque fosse forçoso construir muito e com rapidez, verifica-se uma planificação urbanista de uniformidade,
que recorre a elementos construtivos produzidos em série. Verifica-se, além disso, a preocupação higienista
(ar/iluminação). Está-se, pois, perante uma urbanização que “apresenta aspectos de extrema actualidade,
constituindo o que hoje poderíamos apelidar de operação integrada, dispondo de um plano de ocupação do
solo, de projectos-tipo imperativos para as edificações e de normas de construção” 57.

55 Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 141 e 142


56 Rosenau, Helen, 1983, pp. 88-89
57 Salgueiro, Teresa Barata, 1992, p.175
48 FORMA CLÁSSICA

Figura 18: Lisboa, antes e depois da Intervenção Pombalina 58

58 Selecção de: Lamas, José, 1993, p. 135


FORMA CLÁSSICA 49

Figura 19: Fachadas Pombalinas, segundo desenho de Eugénio Santos e Carlos Mardel 59

59 Selecção de: Lamas, José, 1993, p. 192


50 FORMA CLÁSSICA

Da mesma altura, e com a mesma inspiração, ocorre a fundação da Vila Real de Santo António, mandada
edificar em 1773, e que apresenta um traçado ortogonal com o eixo paralelo ao rio e uma praça quadrangular
em posição central.

“Embora com homogeneidade de traçado, o plano previa uma ocupação diferenciada do espaço e, tal como
fora feito para a Baixa Pombalina, incluía orientações quanto ao aspecto dos edifícios. As duas filas de
quarteirões junto ao rio eram destinadas às companhias de pesca, a primeira funcionava como fachada da
vila e destinava-se a impressionar quem a demandasse, designadamente os espanhóis de Ayamonte” 60.

Figura 20: Planta de Vila Real de Santo António

A acção urbanística pombalina fez-se notar ainda na cidade do Porto, para a qual foi aplicada em 1769
legislação de excepção (semelhante à decretada para Lisboa em 1758, facilitando a substituição da antiga
estrutura fundiária pelo novo loteamento “regulador, condicionando o direito de propriedade ao interesse
colectivo definido pelo Estado) e onde se verificou a urbanização de importantes áreas para norte da cerca
fernandina, bem como intervenções no traçado medieval, nomeadamente a abertura de um eixo rectilíneo, a
Rua de S. João, que conduz à Praça da Ribeira, a qual sofre importante arranjo” 61.

60 Lamas, José, 1993., p. 179


61 Salgueiro, Teresa Barata, 1992, p. 181
FORMA CLÁSSICA 51

Estas intervenções pombalinas articulam já a influência do barroco com um racionalismo neoclássico que se
estende pelo século XIX e que está na origem de intervenções de grande dimensão, com características
comerciais, industriais e especulativas, onde o traçado viário surge como determinante, e que mais à frente
se designam por malhas em série industrial.

3.4 DERRUBE DAS MURALHAS

A segunda metade do século XVIII, com o iluminismo, trouxe à problemática das cidades duas questões hoje
perfeitamente actuais: a consideração pelas necessidades dos cidadãos mais comuns e a abertura das
cidades, com a abolição dos seus limites.

A liberdade de pensamento, o fervilhar de ideias associado às transformações sociais em marcha, o poder


crescente da burguesia, algum reconhecimento dos operários e camponeses e a necessidade da monarquia
reforçar a sua popularidade, dão relevância ao planeamento das cidades, deixando de se dar importância
quase exclusiva aos edifícios destinados à Corte, à nobreza e à religião e passando a serem também
consideradas as necessidades de outras classes sociais.

O iluminismo traz, assim, uma nova abordagem do planeamento urbanístico, não tanto do ponto de vista
formal (Vitrúvio continua a ser considerado o mestre), mas uma abordagem funcional, nos conceitos de
modernidade e progresso agora aplicados à generalidade dos edifícios e não apenas aos das classes
privilegiadas.

Num período de agitação de novas ideias e de convulsão social surge mais uma vez a utopia, a busca de
uma cidade ideal construída de novo, mas também propostas e intervenções concretas sobre a cidade
existente.

Além disso, por detrás da tendência cenográfica do Barroco, surgem também generosas preocupações
sociais. “Não é só à igreja, ao palácio do príncipe, ao cenário puramente monumental que se dá forma, mas
também se constroem hospitais, hospícios, bairros inteiros ou conjuntos de habitações, alamedas e passeios
para gozo da colectividade, centros de ensino e instituições de cultura, pontes, manufacturas, etc.; e
incorporando tudo dentro de um ordenamento unitário e magnífico, como elementos de um sentido de
espaço e de ambiente totalmente novo” 62.

62 Goitia, F. Chueca, 1982, p. 138


52 FORMA CLÁSSICA

As novas ideias, com epicentro em França, têm em Pierrete Patte (1723-1814), Boullée (1728-99) e Ledoux
(1736-1806) os seus principais autores e intérpretes.

Em meados do século XVIII são elaborados vários planos parciais para Paris. “Patte reuniu estes projectos
parciais num plano-director que tratava a cidade como o todo, originando, por assim dizer, uma imagem ideal
de uma cidade multifocal. Foi esta a sua contribuição específica e paradigmática, visto que os princípios
multifocais ganharam importância com o tempo” 63. De notar como aqui se articulam várias escalas de
planeamento, aspecto também da maior actualidade.

Unidos na preocupação social e até na forma arquitectónica, em que era dada ênfase às formas cúbicas e à
expressão estética das paredes nuas, procurando a simplicidade, o utilitarismo, a supressão dos ornamentos
desnecessários, estes reformadores clássicos dividem-se quanto à abertura e limites da cidade.

Boullée concebeu unidades claramente contidas, incidindo sobretudo na área central, sublinhando a
importância do limite das muralhas, a circunvalação. Une ville sans mur n’est pas une ville, terá dito Sabry, na
linha do defendido por Boullée.

Mas as muralhas eram no tempo militarmente obsoletas. Só poderiam ser defendidas com argumentos
formais.

Figura 21: Vistas de Chaux, cidade ideal de Ledoux

63 Rosenau, Helen, 1983, p. 98


FORMA CLÁSSICA 53

Patte, nas suas Mémoires sur les objects plus importants de l’architecture exige a substituição das fortalezas
por quatro fileiras de árvores, um par ladeando a faixa central para carruagens, as outras duas flanqueando
os caminhos laterais destinados aos peões.

Ledoux, nos seus planos para Chaux, a sua cidade ideal, mostra avenidas que irradiam de um centro e uma
cintura verde de árvores substituindo as muralhas. Para além desta cintura, o tráfego era concentrado em
artérias principais, abrindo para o campo e favorecendo a tranquilidade dos bairros residenciais. O traçado de
Chaux pressupõe a adequação à paisagem, uma cidade implantada num cenário rural. Não coincidindo com
o conceito de Cidade-Jardim nem com a dispersão desorganizada da actual ocupação urbano-campestre,
Chaux é, no entanto, percursora da diluição cidade/campo e do esbater dos limites da cidade.

De notar que as muralhas não tinham apenas um papel defensivo mas também fiscal, uma vez que a
passagem implicava o pagamento de tributos, de portagens, importantes fontes de receita municipal.

Quando as portas de Paris foram abolidas, no final do séc. XVIII, o facto foi celebrado como uma ocasião de
progresso e de grande júbilo. Estava aberto o campo ao liberalismo económico, mas também à problemática
dos subúrbios e da periferia das cidades.

Em Portugal, o crescimento urbano significativo só ocorreu em Lisboa e no Porto.

A publicação A Cerca Fernandina de Lisboa afirma que “findou por 1650 a missão defensiva da cerca e as
suas muralhas e torres, que desde há muito tempo haviam começado a ser aforadas pela câmara, assim
como os chãos a elas contíguos, que haviam sido barbacãs, ladearam-se com edificações em ambos os
seus paramentos, em extensões consideráveis, que os ocultaram, acabando em muitos pontos por ser
demolidos” 64.

No Porto, aquando da intervenção pombalina no final do século XVIII, defende-se a necessidade de destruir
as muralhas que atrofiavam o velho burgo e impediam a sua articulação com as áreas de expansão. “A
muralha que limitava pelo sul a Praça Nova foi destruída em 1788 e no seu lugar edificado o Palácio dos
Cardosos, cuja importância continua a marcar o topo sul da actual Praça da Liberdade, coração do Porto
durante o século XIX” 65.

As restantes cidades portuguesas, que não registam aumento considerável no período da industrialização,
exactamente porque ela não as atingiu, mantiveram-se praticamente circunscritas aos perímetros
amuralhados até meados do século XIX.

64 Matos, José Luís de, 1998, p. 13


65 Salgueiro, Teresa Barata, 1992, p. 181
54 FORMA CLÁSSICA

3.5 MALHAS EM SÉRIE INDUSTRIAL

As muralhas são derrubadas, as cidades crescem, afluem à cidade já não apenas aqueles que fogem à
miséria dos campos, mas também uma classe média que é necessário instalar e pode pagar. Introduz-se
alguma industrialização nos processos construtivos. Tudo acontece com rapidez e surge uma nova forma de
fazer cidade, em série, repetitiva, com objectivos comerciais e especulativos e revelando grande eficácia na
sua resposta ao mercado. Formalmente mantêm-se na linha do barroco, no que respeita às suas
quadrículas, grandes alinhamentos e até perspectivas.

Já atrás se referiu a Baixa Pombalina como exemplo de uma urbanização que articula aspectos do Barroco
com esta tendência industrial.

O mesmo se pode dizer de Paris de Haussmann, realizado na segunda metade do século XIX e que, à custa
de extensas e sistemáticas demolições, rasga importantes avenidas, com arquitectura uniformizada ao nível
das fachadas (segundo a estrutura neoclássica) e rematando em edifícios monumentais.

Mas a operação urbanística de qualidade e nomeada, que melhor corresponde ao que aqui se denomina
malhas em série industrial, corresponde à Barcelona de Cerdá, projecto de 1860. Os espanhóis chamam-lhe
ensanches, palavra que também significa alargamento, dilatação, o que realça a estrutura aberta do modelo.

Aprovado por ordem real em 1859, o Plano de Cerdá moldou a imagem que ainda hoje se tem de Barcelona.

“Baseia-se numa grelha ortogonal com quarteirões de 113m de lado e vias de 20m de perfil, de tal modo que
cada conjunto de nove quadrados e vias correspondentes se inserem num quadrado de 400m de largo. O
sistema é cortado por vias diagonais que confluem numa grande praça. A quadrícula regular estende-se até
aos municípios vizinhos e envolve a velha cidade medieval, rasgada por algumas artérias que dão
continuidade aos eixos das ensanches. Pensado para 800 000 habitantes, o plano contém uma escala pouco
vulgar na Europa do século XIX, aproximando-se mais das grandes expansões, da mesma época, de cidades
americanas como Nova Iorque e Filadélfia” 66.

De notar que Cerdá previu a possibilidade de diferentes ocupações de cada quadrado, em banda contínua ao
longo das ruas, mas também a ocupação apenas em dois lados opostos, ou de dois lados em L, formas
especiais para os equipamentos, etc.

66 Lamas, José, 1993, pp. 216-221


FORMA CLÁSSICA 55

Figura 22: Barcelona, Plano de Cerdá 67

67 Selecção de: Lamas, José, 1993, p. 217


56 FORMA CLÁSSICA

Tais propostas, abrindo o quarteirão das soluções clássicas e criando novos espaços públicos, alguns deles
semi-interiorizados, são precursoras do movimento moderno e vieram a ser utilizados por Tony Garnier e
seus seguidores.

Mas a cidade existente não seguiu tais propostas, a construção instalou-se ao longo das ruas, em banda
contínua, os interiores dos quarteirões mantiveram-se privados. É ainda a solução que aqui denominamos de
clássica.

Manuel de Solà-Morales afirma que as ensanches correspondem a actuações globais (o que as diferencia
das propostas pontuais do barroco inicial), propondo ordenar como um conjunto a totalidade da área urbana
e projectar a totalidade da expansão como se de um edifício único se tratasse 68. E vai mais longe ao
sublinhar o carácter global e inovador das ensanches, que considera 69:

- Nova ideia da cidade: imagem urbana com força integradora; diferenciação da cidade antiga como forma
de afirmação da nova classe dominante, a burguesia; domínio do carácter residencial da cidade, ao
contrário das malhas antigas, que continham de forma indiscriminada todo o tipo de funções e
actividades; acesso fácil; fachadas amplas e representativas; condições de higiene e salubridade; a
cidade como negócio, a eficácia, a lógica especulativa , mas também a capacidade de racionalizar, e
portanto, no limite, de negar dialecticamente a cidade capitalista em cuja origem se encontra.
(De notar que, procurando ser cidade total, dá resposta à residência burguesa, mas não à indústria,
ao caminho-de-ferro, à residência operária, componentes também estruturais da sociedade da
época).

- Nova atitude metodológica: o crescimento assumido como processo dinâmico que, ligando projecto e
expectativas, vêm identificar-se com o carácter especulativo da cidade moderna; distinção, no processo
de construção da cidade, dos momentos de ordenamento (elaboração de planos), urbanização
(construção de infraestruturas) e edificação (construção de edifícios); soluções independentes das
formas e tempos de execução; projecto unitário (o plano/ actuação pública inicial que define uma ordem);
e fraccionário (actuações privadas que se ajustam, ao longo do tempo, a uma ordem). A separação de
fases e o carácter unitário/fraccionário a assegurarem a eficácia, mas também a coerência do sistema.

- Novos instrumentos: a sujeição a critérios de composição e condicionantes tecnológicas de construção é


mínima; trata-se de definir em abstracto o traçado da cidade, a matriz geral de ordenamento do solo e de
enquadrar com o regulamento as várias iniciativas edificatórias; nova legislação específica relativa à
expropriação e reparcelamento.

68 Rubió, Manuel de Solà-Morales i, 1997, p. 106


69 Op. Cit., pp. 115-120
FORMA CLÁSSICA 57

O carácter inorgânico e repetitivo deste traçado urbano da nova cidade capitalista que, procurando um nome
revelador do conteúdo, designamos por malhas em série industrial, provoca bastantes reacções, sobretudo
de cariz estético e vivencial.

Já atrás se fez referência à atitude percursora de Camillo Sitte que, ainda nos fins do século XIX, valorizava
os traçados irregulares de origem popular e composição informal das cidades antigas e atacava os princípios
e soluções haussmannianas. Tais criticas mantiveram-se ao longo do tempo, até à actualidade, não tanto
dirigidas especificamente à Barcelona de Cerdá, cuja racionalidade e exemplaridade não pode deixar de ser
reconhecida, mas à utilização genérica do modelo.

Refere F. Goitia que “o regime capitalista, desenvolvido como uma alavanca para aproveitamento dos
recursos naturais, foi também utilizado para exploração do solo. Grandes companhias ou grandes capitalistas
entraram em jogo e os valores dos terrenos aumentaram em proporções até aí desconhecidas. O
congestionamento provocado pelo aumento da população elevou o valor dos terrenos de habitação, os quais,
ao mesmo tempo e por serem mais caros, passaram a ser aproveitados mais mesquinhamente. Produziu-se,

Figura 23: Malhas em série indústrial 70

70 Figura extraída de: Benevolo, Leonardo, 1981, p. 162


58 FORMA CLÁSSICA

assim, um círculo vicioso que só favorecia os especuladores”. E acrescenta: “Constituíram-se fortunas


enormes assentes nesta especulação de terrenos, os quais, em poucos anos, deixavam de ser terra de
lavoura para se converterem em terrenos de habitação. Estes especuladores dos solos originaram a cidade
inorgânica, as ampliações inorgânicas do século passado. Qualquer outra solução funcional para além da
simples quadrícula teria prejudicado os seus interesses. Se as ruas não fossem todas de tráfego e
aproximadamente da mesma hierarquia, os valores dos terrenos seriam perigosamente afectados. Nada
podia ser mais simples para uma época que apressadamente parcelava, vendia e construía bairros inteiros
do que o traçado em quadrícula. Qualquer departamento municipal, ou qualquer negociante de terrenos,
podia efectuar o parcelamento e avaliar matematicamente o seu futuro rendimento; as escrituras de compra e
venda eram fáceis, e o mesmo acontecia com o loteamento. Os postulados da economia liberal não
permitiam coarctar o livre e exaustivo aproveitamento do solo” 71.

Mas o carácter especulativo do crescimento e transformação da cidade manteve-se até ao nosso tempo. E,
na maior parte dos crescimentos planeados, ocorre a separação de fases ordenamento/
/urbanização/edificação. É verdade que, no que respeita ao ordenamento (planos), os traçados rigorosos
foram substituídos por um simples zonamento, mas o resultado está à vista. A cidade fragmentou-se da pior
forma, sem articulação harmoniosa entre as várias iniciativas. Sem abandonar as críticas a traçados
excessivamente monótonos, sobretudo quando se pretende que se estendam a toda uma cidade, vale a
pena ponderar as vantagens de dispor de malhas (rectangulares ou outras), pré-definidas pela
Administração, que orientem toda a transformação urbana.

3.6 EXPLOSÃO DE FORMAS URBANAS

Assiste-se, desde a revolução industrial até aos nossos dias, a transformações extremamente rápidas na
sociedade e no território, nomeadamente nas cidades que crescem, explodem, fragmentam-se em formas
novas e diversas.

Com a descoberta da máquina a vapor (Watt, 1755) e a ideologia do laissez-faire (Adam Smith, 1723-1790),
com as crescentes mecanização e subdivisão do trabalho, verifica-se o grande desenvolvimento da indústria,
que se concentra em novos centros fabris, junto da matéria prima e, também, junto a grandes aglomerados
urbanos, grandes capitais do barroco.

71 Goitia, F. Chueca, 1982, p. 169


FORMA CLÁSSICA 59

Figura 24: Londres, época industrial. Mistura de fábricas e residências 72

Figura 25: Glasgow, uma habitação operária 73


Casa existente em 1948

72 Figura publicada por: Banks & Co, 1851


73 Figura publicada por: Journal of Royal Institute of British Architects, 1948
60 FORMA CLÁSSICA

“Tornou-se importante para a indústria instalar-se próximo de um grande centro populacional, visto que a
obrigação de manter os desocupados numa pequena povoação podia recair directamente sobre o fabricante.
O ritmo flutuante do mercado foi o que determinou para a indústria a importância do centro urbano” 74.

A instalação industrial (fábricas, armazéns e também o caminho de ferro) enquadrada pela ideologia liberal
dominante, assenhoreou-se do solo urbano e suburbano, ocupando os lugares que lhe eram mais
convenientes, muitas vezes junto das margens dos rios, sem quaisquer preocupações ambientais ou de
ordenamento.

Ao mesmo tempo, e porque o emprego industrial atraiu à cidade uma enorme mão-de-obra que era
necessário albergar, surgiram os chamados bairros operários (a que os anglo-saxões chamam slums) quase
sempre com condições de habitabilidade extremamente deficientes. Com formas diferentes, caracterizaram-
se quase sempre pela grande densidade, falta de espaço público, regularidade e exiguidade dos edifícios,
falta de luz, ventilação e condições de higiene.

A Grã-Bretanha foi pioneira neste processo, que neste país se iniciou ainda antes da implantação do
caminho de ferro, tendo por isso mesmo motivado uma enorme concentração populacional. A população de
Londres duplicou entre 1800 e 1850, altura em que teria cerca de 2,5 milhões de habitantes, superando
qualquer outra cidade presente e passada. E, no entanto, a sua dimensão não superava na altura os 3Km de
raio 75.

A grande concentração de massas humanas, a falta de higiene, as deficientes condições de vida do


operariado, geram todo um clima de revolução social e a busca de alternativas à cidade existente.

As primeiras iniciativas neste sentido, ocorridas ao longo do século XIX, partem dos socialistas utópicos,
assim chamados por Karl Marx por basearem as suas esperanças de melhoria das condições de vida da
classe trabalhadora em projectos individuais e de boa vontade.

Tais projectos, localizados fora da cidade, associavam sempre emprego e habitação, oscilando entre um
igualitarismo paternalista e a procura de uma comunidade de consumo e produção. No que à forma diz
respeito estas iniciativas eram bastante diferenciadas:

- O Falanstério de Fourier era constituído por um enorme edifício com três alas abertas para um espaço
livre, uma espécie de grande hotel concebido para 1600 a 1800 habitantes, com uma configuração que
lembra o Palácio de Versalhes.
Poderíamos hoje associá-lo a uma forma pós-moderna.

74 Goitia, F. Chueca, 1982, pp. 158-159


75 Silva, Paulo, 1996, p. 16
FORMA CLÁSSICA 61

Figura 26: Falanstério, de Fourier

Figura 27: Victoria, de J.C. Buckinghan


62 FORMA CLÁSSICA

Figura 28: Colónia Feliz, de Robert Pemberton

Figura 29: Essen, da Família Krupp


FORMA CLÁSSICA 63

- No projecto para a cidade de Victoria, James Silk Buckingham visa a criação de uma aldeia de
cooperação de 10 000 habitantes, em que todos os residentes seriam accionistas. Construída no meio
do campo, Victoria deveria compor-se por edifícios dispostos em bandas paralelas, maiores ao centro e
gradualmente mais pequenos em direcção ao limite, organizados num plano quadrangular. O quadrado
mais interior destinar-se-ía aos edifícios públicos. As fileiras de casas mais exteriores destinar-se-iam às
classes mais pobres, permitindo-lhes um acesso directo ao campo.
Ao nível da forma, é ainda a clássica.

- O projecto de Robert Pemberton para uma Colónia Feliz revela um ideal muito mais rural. A localizar na
Nova Zelândia (onde a compra do terreno se poderia fazer a baixo preço) apresenta uma forma
totalmente regular, neste caso circular, porque “todas as forças da natureza são redondas”. Mesmo no
centro deveria localizar-se uma quinta em miniatura, rodeada por quatro colégios. Os edifícios
subsidiários seriam distribuídos pelas vias radiais a abrir para o campo. A Colónia deveria basear-se na
propriedade comum e na dignidade de trabalho voluntário 76.
É a articulação da forma regular com o anúncio da diluição cidade/campo, na linha de Chaux, a cidade
ideal de Ledoux.

- A povoação-modelo de Essen, que começou a ser construída em 1865, por iniciativa da família Krupp,
junto das suas fábricas de aço, caracteriza-se pelas suas formas curvilíneas.
É já o traçado irregular característico de muitas cidades jardim.

Estas iniciativas pontuais dos socialistas utópicos são já o anúncio da explosão de formas urbanas que viria a
ocorrer.

É com o desenvolvimento dos transportes, primeiro o caminho de ferro e mais tarde o automóvel, que a
cidade se estende, se dispersa, se fragmenta.

Inicia-se com o caminho de ferro o processo da suburbanização, entendido, tal como faz Peter Hall 77, como
um crescimento residencial periférico à cidade e não acompanhado de postos de trabalho.

Este processo ocorre, até meados do século XX, de uma forma espontânea, dispersa e desordenada,
associado à procura de casa onde os terrenos eram mais baratos.

As grandes iniciativas públicas de demolição de tecido urbano existente e sua substituição por novas
urbanizações destinadas à burguesia,ainda na linha do barroco, também contribuem para este processo de
suburbanização, expulsando as classes mais pobres para a periferia.

76 Rosenau, Helen, 1983, pp. 165-168


77 Hall, Peter, 1992
64 FORMA CLÁSSICA

Londres, que em meados do século XIX estava concentrada numa área com 3km de raio, já ocupava, no
advento da 1ª Guerra Mundial, uma área de 24Km de raio.

Figura 30: O crescimento de Londres, de 1789 a 1939


Os dois círculos têm o diâmetro de 10 e 20 milhas (16 e 32 km)

Diz Manuel de Solà-Morales 78 que “quase todos os historiadores de urbanismo são bastante evasivos ao
tratar do século XIX, sendo este apresentado como um período de transição entre uma industrialização
geradora do caos urbanístico, a quebra das velhas posturas barrocas e neoclássicas e a gestação da
racionalidade funcional”.

Surgem, de facto, na passagem do século XIX para o XX, novos modelos de organização territorial que
rompem totalmente com a cidade clássica, até aí paradigma da ordem e harmonia.

Podem identificar-se três modelos integrantes do movimento moderno que, contendo algo de comum, se
confrontam entre si pelo muito que propõem de diferente:
- a cidade jardim, de Ebenezer Howard
- a cidade dispersa, de Frank Lloyd Wright
- a cidade futurista, de Le Corbusier

Todas elas partem do mau estar que lhes provoca a cidade existente, com os seus problemas de
congestionamento e insalubridade, e das novas potencialidades criadas com o desenvolvimento dos
transportes. Todas elas assentam numa análise funcional da cidade e não em qualquer concepção estética
ou simbólica da sua forma e significado. E todas elas defendem 79:

78 Rubió, Manuel de Solà-Morales i, 1997, p. 105


79 Claval, Paul, 1981, p. 550
FORMA CLÁSSICA 65

- uma rede hierárquica das vias de comunicação;


- uma separação de funções centrais, industriais e residenciais, estando as últimas dotadas dos
equipamentos necessários;
- uma procura do contacto com a natureza.

Mas acabam aqui as semelhanças. Os modelos citados preconizam cidades totalmente alternativas:

- A Garden-City, concebida por Howard, recusa o crescimento contínuo e indefinido da urbe, defende a
criação sucessiva de cidades novas de dimensão limitada, englobando habitação e emprego, articuladas
entre si por transportes públicos eficientes. Cada cidade teria densidades baixas, zonas verdes,
predomínio de habitação unifamiliar;

- A Broadacre, de Frank Lloyd Wright, corresponde à negação do próprio conceito de cidade, traduzida na
dispersão de todas as actividades, as quais se instalariam em parcelas de área não inferior a um acre,
criando um híbrido contínuo urbano/rural. Assentava, tal como a cidade-jardim, na habitação unifamiliar,
de tradição anglo-saxónica;

- A cidade futurista recusa esta fuga para o campo, apostando na total utilização das novas técnicas e
tecnologias de construção e na concentração urbana que as torres em altura viriam permitir. Estas
torres, envidraçadas, abertas ao sol, implantar-se-iam isoladamente, fazendo desaparecer a rua, em
favor do espaço verde envolvente.

Estes modelos, na sua concepção global, mas também e sobretudo nas opções morfológicas e tipologias que
lhe estão associadas, vieram a ter grande influência no desenvolvimento das cidades do século XX. Os
novos modelos de agrupamentos de edifícios propõem uma relação diferente entre estes e a rua, ou o
espaço exterior, que deixa de ser frontal para ser lateral. Também a clara distinção espaço público/ espaço
privado, que caracterizava a cidade tradicional, é substituída por uma nova relação entre espaços, surgindo o
semi-público (ou semi-privado) e novas articulações dentro/fora.

Do ponto de vista tipológico, a construção em altura constitui a resposta dominante ao grande crescimento
populacional e terciário entretanto ocorrido. Em muitos casos a rua, no seu sentido clássico, desaparece de
facto. Mas nem sempre surgiram as amplas áreas verdes preconizadas, mas antes espaços informes e
apertados onde se apinham os automóveis.

Também as urbanizações de vivendas se multiplicam, com traçados curvilíneos ou ortogonais, algumas


destinadas a ricos, outras às classes médias, algumas inseridas no contínuo urbano, outras espalhadas pelo
campo. Nos Estados Unidos constituem mesmo a solução dominante, organizadas em quadrículas regulares
que se estendem indefinidamente, adoptando com outra tipologia a lógica do que atrás se denominou malhas
em série industrial.
66 FORMA CLÁSSICA

E a dispersão, a mistura cidade/campo, tem-se acentuado crescentemente, não tanto pela adopção de
qualquer modelo, mas antes como consequência de uma procura, que a Administração vai consentindo, na
sua incapacidade para ordenar.

Há que acrescentar a presença determinante do automóvel. As taxas de motorização cresceram


exponencialmente e o automóvel invade tudo, tornando largamente insuficiente o espaço público da cidade
préexistente e mesmo das urbanizações mais recentes que, afastando-se da generosidade dos modelos
modernistas, foram dominadas pelos interesse fundiários.

A cidade do século XX é marcada, ainda, de forma decisiva, pelos novos traçados viários. Já não são as ruas
de outrora, onde se misturam veículos e pessoas. São vias especializadas, exclusivas para os automóveis,
que constituem, salvo quando são enterradas, barreiras fortíssimas a qualquer vivência pedonal.

Globalmente a cidade dispersa-se, fragmenta-se. Só através de um acto voluntarista se poderão identificar


os seus limites. É o próprio conceito da cidade que está em causa.

3.7 RETORNO À DEFESA DA CIDADE CLÁSSICA

Abertura, fragmentação e dispersão da cidade; segregação funcional; implantação isolada das construções
em fundo verde; abandono da rua e da praça: são estes os elementos caracterizadores de todos os modelos
modernistas, que partem da recusa da cidade então existente e integram aquilo que designamos por período
de explosão das formas urbanas.

A partir dos anos 60, contudo, verifica-se o retorno a que a História nos habituou, assistindo-se a uma crítica
crescente a todas as teses modernistas, reencontrando-se as vantagens da cidade tradicional, da cidade
contínua, a importância das ruas e praças como lugares de encontro e de convívio. Ou seja, passam a
defender-se, outra vez, as formas de cidade que aqui designamos de orgânica e de clássica.

Refere Paul Claval, citando a opinião de diversos autores 80: “A verdadeira cidade, a cidade de outrora, era
uma festa; a rua era um teatro permanente, onde cada um é ao mesmo tempo actor e espectador (…) A
cidade é uma cidade de cultura onde a vida germina e prolifera (…) onde as ideias nascem e se
desenvolvem. O meio urbano é favorável à criatividade e é também um espaço de socialização. Nas ruas as
crianças e adolescentes viviam sobre o olhar dos mais velhos, não ficando entregues a si próprias; a fusão
de gerações e a transmissão de conhecimentos acorria naturalmente”.

80 Claval, Paul, 1991, p. 552


FORMA CLÁSSICA 67

“Recupera-se, assim, o traçado urbano como projecto que afirma o valor dos alinhamentos como instrumento
definidor dos elementos tipológicos da forma urbana: ruas, praças, centros, largos; e constitui as hipóteses
metodológicas em oposição à abstracção funcionalista dos Planos Racionalistas de manchas e zonas. A
atenção volta a colocar-se na forma da cidade como construção espacialmente concreta” 81.

Este movimento amplia-se e alarga-se até hoje, constituindo o pensamento actualmente dominante entre
urbanistas e pensadores da cidade.

O seu início coincide com a queda das ideias modernistas que se começa a desenhar no 8º CIAM, em 1951,
organizado pelo grupo inglês MARS, no qual se defendem o restabelecimento dos antigos espaços
plurifuncionais como lugares públicos de sentido comunitário e se retoma o elogio de praça.

Poder-se-á citar Jane Jacobs, com o seu livro The Death and Life of Great American Cities, publicado em
1961, como referência deste retorno à defesa da Cidade Clássica. Apologista da megalopolis, recusa as
cidades satélites, recusa o zonamento, defende densidades elevadas, põe em causa os parques verdes,
defende a rua e a mistura funcional. Em suma, ataca todas as ideias modernistas e defende o seu contrário.

Põe em causa os planos estruturais e funcionalistas referindo:

“Quando os urbanistas e planeadores tentam encontrar um plano susceptível de evidenciar o esqueleto de


uma cidade (as auto-estradas e outras vias são geralmente utilizadas para esse fim), vão pelo caminho
errado. Uma cidade não se faz de peças e pedaços, como um edifício de estrutura metálica, ou até de uma
colmeia ou de um coral. A estrutura de uma cidade funde-se numa mistura de funções e nunca nos
aproximamos mais dos seus segredos estruturais do que quando nos ocupamos das condições que geram a
sua diversidade” 82.

Não concorda com a solução de dispersar cidades autónomas por regiões metropolitanas; e também recusa
a solução cidade-campo:

“A partir do momento em que as novas cidades se vêem absorvidas pela economia complexa de uma região
metropolitana, com todas as escolhas que esta comporta em matéria de trabalho, recreação e comércio, elas
perdem a sua individualidade social, económica e cultural. Não se pode associar a economia metropolitana
do século XX ao estilo de vida da cidadezinha do século XIX (…). Na própria medida de existência das
grandes cidades, temos o dever de procurar desenvolver inteligentemente uma autêntica vida citadina e
incrementar a força económica da cidade” 83.

81 Moreno, Pedro, 1995, p.7


82 Jane Jacobs, em Choay, F., 1965, p. 378
83 Op. Cit., p. 376
68 FORMA CLÁSSICA

Defende a concentração, a mistura funcional e as densidades elevadas:

“Uma forte densidade residencial, ao mesmo tempo que um tecido urbano cerrado, são necessários para
assegurar a diversidade e o pleno funcionamento da cidade. As coisas mudaram muito desde o tempo em
que Ebenezer Howard, depois de estudar os casebres de Londres, conclui que, para salvar os seus
habitantes, era necessário abandonar a vida urbana, Os progressos realizados em diversos campos -
medicina, higiene, epidemiologia, dietética, legislação do trabalho - transformaram revolucionariamente
condições perigosas e degradantes que, por algum tempo, foram características inevitáveis da vida dentro
das grandes cidades” 84.

Põe em causa a utilidade dos parques verdes:

“Para que fins reclamamos mais espaços livres? Para constituírem sinistros vazios entre os edifícios, ou para
uso e prazer dos habitantes? Mas estes não utilizaram o espaço livre só porque ele está ali, ou porque assim
o querem os urbanistas”.

“Os técnicos do urbanismo e da habitação têm uma concepção totalmente fantasiosa das condições de vida
de que as crianças precisam. Deploram que população infantil se veja condenada a brincar nas ruas da
cidade (…) Seria necessário transportar essas crianças para parques e áreas de jogos (…) Mas é nesses
parques e áreas de jogos (refere-se a Nova Iorque) que os bandos de jovens delinquentes praticam os seus
delitos. (…) Tirar as crianças da animação da rua para levá-las para os parques, significa retirá-las da
vigilância alerta de muitos adultos, transferindo-as para lugares onde a sua presença é muito escassa ou
nula. Pensar que tal mudança representa uma melhoria para a educação da criança da cidade é pura
fantasia” 85.

E também discorda dos jardins interiores, dos espaços semi-públicos:

“Os urbanistas da Cidade-Jardim, com a sua ira pela rua, achavam que, para assegurar a vigilância, bastaria
reservar terrenos situados no interior dos conjuntos residenciais. (…) O inconveniente desta solução é que,
onde quer que tenha sido aplicada, se constata que nenhuma criança com um mínimo de carácter, depois
dos seis anos, aceita de bom grado ficar num local tão aborrecido” 86.

Defende, pois, o retorno à rua, com a sua animação e mistura de funções:

“A atracção exercida sobre o homem pela visão dos outros homens é um facto que, estranhamente, os
urbanistas e os arquitectos parecem desconhecer. Partem, pelo contrário, de ideias apriorístas que os
habitantes da cidade buscam a contemplação do vazio, da ordem e da calma.

84 Jane Jacobs, em Choay, F., 1965, p. 376


85Op. Cit, pp. 371 e 374
86 Op. Cit., p. 372
FORMA CLÁSSICA 69

Nada é menos verdadeiro. Uma rua viva está cheia de utilizadores e de observadores”.

“Se um bairro não tem ruas vivas, os seus habitantes necessitam, para manter os contactos sociais, de
aumentar o círculo da sua vida privada. Terão que estar prontos para enfrentar uma forma de relação com os
outros que os compromete bem mais do que a vida na rua. Caso contrário, vão ficar isolados”.

“Deixemos que os contactos interessantes, úteis e significativos entre cidadãos se reduzam às relações
privadas e a cidade esclerosar-se-á”.

“O bom funcionamento da rua estava ligado à existência, entre os transeuntes, de um certo sentimento
inconsciente de solidariedade. (…) Numa rua a confiança estabelece-se através de uma série de numerosos
e minúsculos contactos (…). A maior parte são manifestamente triviais, mas a soma deles não o é. Ao nível
do bairro, o conjunto dos contactos fortuitos e públicos, geralmente espontâneos, é que cria nos habitantes o
sentimento de personalidade colectiva, cuja ausência é catastrófica”.

“A supressão das ruas, que tem por consequência a supressão do seu papel social e económico, é a ideia
mais prematura e destrutiva do urbanismo ortodoxo”.

Procura definir as características a que uma rua deve obedecer para cumprir as suas funções:

“Para atrair os transeuntes e constituir em si um factor de segurança, a rua urbana deve possuir três
qualidades principais:

- Estabelecer uma demarcação nítida entre o espaço público e o espaço privado;

- Dispor de olhos que a vigiem, olhos daqueles que podemos chamar os seus proprietários naturais. Para
tal, os edifícios que ladeiam a rua deverão estar orientados para ela, não poderão virar-lhe as costas,
nem oferecer-lhe uma fachada cega. Os comerciantes e proprietários de pequenos negócios são os
melhores agentes de segurança.

- Ser utilizada praticamente sem interrupção, devendo, para tal, oferecer número significativo de lojas e
lugares públicos, alguns dos quais deverão também ficar abertos à noite. Ninguém gosta de olhar por
uma janela que dá para uma rua vazia; pelo contrário, muitas pessoas poderão distrair-se durante o dia,
observando uma rua plena de actividade” 87.

A mistura funcional que defende estende-se aos automóveis:

“A vida atrai a vida. A separação entre os pedestres e os carros perde as suas vantagens teóricas se travar
ou suprimir formas de vida e de actividade essenciais”.

87 Jane Jacobs, em Choay, F., 1965, p. 370


70 FORMA CLÁSSICA

Para que a rua possa desempenhar as suas funções esta e, nomeadamente, o passeio, deverão ter a
dimensão suficiente:

“Passeios de trinta ou trinta e cinco pés (dez a onze metros) seriam suficientes para acolher ao mesmo
tempo as actividades das crianças, as árvores necessárias, a circulação dos peões e a vida pública dos
adultos. Poucos passeios possuem uma largura semelhante. Esta é invariavelmente sacrificada à circulação
dos veículos; considera-se geralmente que os passeios são unicamente destinados à circulação de peões,
sem que neles se reconheça nem respeite o seu papel de órgãos vitais e insubstituíveis de segurança
urbana, vida pública e educação de crianças” 88.

Estas opiniões de Jane Jacobs, talvez demasiado esquemáticas na sua recusa do modernismo e, sobretudo,
das razões que o motivaram e não dando pistas para o problema do automóvel (hoje determinante no
funcionamento da urbe) são, no entanto, perfeitamente actuais, e não poderão deixar de ser tidas em conta
no ordenamento das diversas partes que constituem a cidade.

Deste percurso - iniciado com o impacto, nas cidades, da Revolução Industrial, passando pelas diversas
formas de modernismo e retornando, agora, à valorização conceptual da forma clássica - ressaltam diversos
confrontos de ideias, que valerá a pena ponderar: a dimensão e os limites da Cidade; as densidades a
praticar; a distribuição funcional; o papel e a importância das áreas verdes; as diversas concepções viárias; a
importância da rua como local de encontro e de lazer.

88 Jane Jacobs, em Choay, F., 1965, p. 374


CIDADE JARDIM 71

4. FORMA JARDIM

Adopta-se aqui um conceito de forma jardim muito lato e generalizado, o de contínuo de vivendas em fundo
verde, englobando todos os traçados urbanos que se caracterizem por:
- segregação de funções, constituindo as áreas de vivendas zonas residenciais por excelência , dotadas
ou não de equipamentos e de pequeno comércio de apoio;
- separação de tráfego, sendo que pelo menos o de atravessamento deverá ser exterior à zona
residencial; poderá ainda ocorrer uma hierarquização das vias de acesso, desde a que estabelece a
ligação à via exterior até ao cul-de sac;
- presença significativa das zonas verdes urbanas, públicas ou privadas;
- predomínio de habitações unifamiliares; o espaço com fundo verde, no qual se implantam as
construções isoladas (ao contrário da forma clássica e da forma orgânica que se caracterizam pela
continuidade da construção);
- contínuo urbano; as áreas agrícolas são-lhe exteriores, não se verificando mistura cidade-campo.

Sendo que as três primeiras características ocorrem em todas as formas modernas e que a última apenas
afirma o seu carácter tradicionalmente urbano, é pela sua morfologia e tipologia habitacional - contínuo de
vivendas em fundo verde - que esta forma de cidade se distingue das outras.

Repondo o rigor histórico, é de referir que o conceito inicial de Garden City, concebido por Ebenezer Howard,
não se reporta apenas ao traçado urbano, mas também à organização da cidade a uma escala macro,
sendo, aliás, neste domínio que se revela francamente inovador.

Recusando o crescimento ilimitado das metrópoles, Howard propõe, em alternativa, a criação de sucessivas
cidades novas, articuladas entre si por transportes públicos; cada uma não deveria ultrapassar os 32 mil
habitantes, integraria os correspondentes empregos e seria envolvida por uma área agrícola própria.

Tal modelo, apresentado em 1989, foi desde logo experimentado, e viria a ter bastante aplicação após a 2º
Grande Guerra, nomeadamente em Inglaterra, confrontando-se com outro modelo modernista, o da Cidade
Futurista, com as suas altas densidades e torres abertas ao sol.

Em Portugal o modelo de Cidade Jardim esteve presente na maior parte dos planos e anteplanos de
urbanização elaborados nos anos 40 e 50, muitos deles da autoria de Etienne de Groer ou de João Aguiar.
Tais planos não visaram a criação de cidades novas, até porque a generalidade dos aglomerados urbanos
portugueses eram de pequena dimensão, mas antes a sua expansão e renovação.
72 CIDADE JARDIM

Associada à cidade jardim surge muitas vezes a defesa de formas curvilíneas e irregulares, pretensamente
naturais, entendidas como informais, acidentais, selvagens. Tais formas não decorrem dos diagramas de
Howard, os quais ostentam grande regularidade. Entroncam, isso sim, na tradição rural anglo-saxónica e no
desenvolvimento do paisagismo. Entroncam também nas ideias de Camillo Sitte, que afirmavam a beleza
presente na irregularidade da cidade orgânica.

Mas nem todas as urbanizações de vivendas apresentam estas formas. É nos E.U.A que tal opção tipológica
apresenta maior desenvolvimento e grande parte das suas cidades caracterizam-se por um contínuo de
habitações unifamiliares, centradas no respectivo lote, organizadas em extensas malhas reticulares.

Talvez por influência americana, ou simplesmente pelo acréscimo da mobilidade, o facto é que a procura da
vivenda, na Europa, pelos urbanos, para residência habitual, está na ordem do dia. Ocorre a partir dos anos
70, já não em cidades novas (que não mais foram criadas), mas na expansão de aglomerados existentes, em
subúrbios mais ou menos isolados e ainda em pequenas parcelas espalhadas pelo campo.

4.1 TRADIÇÃO RURAL ANGLO-SAXÓNICA

As cidades anglo-saxónicas, sofrendo a influência do processo histórico europeu, guardam, no entanto e


desde sempre, as suas especificidades, que decorrem do peso dominante, aí existente, do ideal rural.

Goitia 89 sublinha a diferença entre a cidade pública do mundo greco-romano (a polis grega e a sua herdeira
civitas romana) e a cidade doméstica e campesina da civilização nórdica (a town). A primeira corresponde
sobretudo à praça, à ágora, ao local de encontro, nela sobressaindo o espaço público enquadrado pelas
fachadas, em contraposição ao campo que a rodeia. A segunda é muito mais uma cidade dentro de portas,
um habitat definido por tectos e paredes; mas tal habitat não se separa do campo, espalha-se pelo campo, os
espaços livres centrais chegam a afirmar-se como parte desse campo, especialmente preservado e exaltado.

Compreende-se, assim, que a Inglaterra se tenha mantido um tanto à margem do urbanismo barroco. Apesar
do processo de grande concentração urbana (Londres, com cerca de 250 000 habitantes no início do século
XVII, seria na altura a maior cidade europeia), os nobres rurais e mercadores continuam a viver na sua maior
parte em propriedades fora da capital.

89 Goitia, F. Chueca, 1982


CIDADE JARDIM 73

É com o derrube das muralhas, a abertura da cidade ao campo e o fim do barroco, que a influência inglesa
começa a aumentar. “A reacção ao rococó deveu-se, em parte, à inspiração inglesa, levando a um culto da
natureza e a um renovado interesse pela simplicidade” 90. É visível, no virar do século XVIII, a influência
mútua exercida entre a Inglaterra e a França, nomeadamente com a escola neoclássica dos seguidores de
Ledoux. Dos ingleses, o modelo de uma cidade implantada em cenário rural, o conceito do pitoresco - que
pressupõe uma irregularidade bem escolhida - e ainda os jardins ingleses de imagem naturalizada. Dos
franceses, os modelos de organização geométrica da cidade mas a abertura à ideia de uma cidade integrada
no campo, já considerada em Chaux, a cidade ideal de Ledoux.

A cidade balnear de Bath, criação de John Wood, é um exemplo notável de integração cidade-campo e,
apesar de especificamente inglês, revelador das referidas influências. Bath articula a maneira inglesa de
apreciar o mundo rural, com a implementação de jardins em declive (muito populares em Itália desde o
Barroco) e com a regularidade geométrica (de influência francesa) baseada em praças circulares e
semicirculares, estrita uniformidade dos edifícios e classicismo das fachadas 91.

Este modelo de Bath não se reproduziu fora da Inglaterra, nem no que respeita a forma, nem quanto à
dinâmica privada que o originou. Afirma Helen Rosenau 92 que “a cena inglesa se caracterizou por uma
extraordinária complexidade, pois nela o fundo rural e os progressos técnicos formam o reverso das
realizações individuais, que alcançam força e coerência não obstante o escasso patrocínio público”,
acrescentando que a influência inglesa no estrangeiro se traduziu no interesse pelos edifícios rurais e,
sobretudo, no desenvolvimento da arquitectura paisagista.

De facto, deixando a fortificação protectora de ser essencial para a segurança, surge naturalmente a procura
de espaço aberto, de espaço verde como complemento da cidade, o que se traduz na crescente procura do
subúrbio ou da casa de campo, mas também na exigência de jardins ou parques urbanos. E é na resposta a
estas novas dinâmicas e necessidades que a influência da cultura anglosaxónica, em que sempre prevaleceu
o ideal rural, se faz sentir nas novas formas de cidade, onde se enterlaçam espaços edificados e zonas
verdes.

90 Rosenau, Helen 1983, p. 127


91 Op. Cit., p. 139
92 Ibidem
74 CIDADE JARDIM

Figura 31: Bath, de John Wood


CIDADE JARDIM 75

Pode apontar-se, como exemplo, a urbanização de John Nash, para o Regent’s Park, que tem sido
considerada como uma das melhores realizações do neoclassicismo. O parque, propriamente dito, apresenta
a habitual característica dos grandes relvados ingleses, mas articulada com círculos e outras formas
geométricas; e o seu enquadramento edificatório, constituído por residências particulares luxuosas, casernas,
e uma zona destinada a três mercados, confere ao conjunto a necessária coesão 93.

Figura 32: Plano para Regent’s Park, de John Nash

93 Rosenau, Helen, 1983, p. 132


76 CIDADE JARDIM

Mas, pelos meados do século XIX, o impulso romântico associado à procura do campo e ao paisagismo,
tendem a abandonar a regularidade ainda presente no neoclassicismo e a substitui-la por um favorecimento
do “natural”, entendido como acidental, caprichoso, selvagem, informal. “O princípio do laissez-faire era
aplicado pelos novos planeadores urbanos tanto ao ambiente quanto à edificação. Esta procura formal
representa uma revolta contra a ordem, um alívio ante as implacáveis necessidades de uma rotina diária
monótona e ultra-regimentada. Só no parque paisagístico podiam ser levados ao seu limite ideal esses
princípios do estudado acaso” 94.

Nesta linha, e referindo-se aos subúrbios, afirma ainda L. Mumford: “Por algum tempo, o padrão de ruas dos
novos distritos residenciais permaneceu regular e quase não se distinguia do existente na cidade central. Em
sua disposição formal, pouca coisa havia para assinalar de diferente relativamente a um antigo subúrbio
vitoriano, excepto a dimensão do espaço destinado a jardins. Mas a nova forma de subúrbio passou a ser a
das edificações espalhadas num parque. Segundo os princípios românticos, a casa, o lote e o jardim
suburbano eram deliberadamente desformalizados. A rua evitava as linhas rectas, mesmo quando não havia
curvas proporcionadas pela natureza: podia desviar-se para poupar uma árvore ou para preservar os
vigorosos contornos de uma encosta”.

“Em todos os sentidos, o parque precedeu a nova forma urbana e nela estampou certas características que
jamais tinham sido antes desejadas ou concebidas. Essa liberdade marcou o caminho para novas invenções,
inclusive no que respeita à circulação. O Central Park de Olmstead e de Vaux era superior a qualquer planta
convencional de duas dimensões pois, usando passagens suspensas e subterrâneas, proporcionava quatro
redes de tráfego independentes: caminhos para pedestres, trilhos para cavaleiros, estradas para veículos de
rodas e artérias transversais para o tráfego da cidade. Nas suas disposições, tendo em vista a circulação
desembaraçada e os cruzamentos seguros, esse esquema proporcionou uma contribuição singular ao
planeamento urbano” 95.

Está-se, pois, perante uma nova forma de cidade, completamente distinta da clássica, habitualmente
designada por “cidade jardim”. Naquela, os espaços livres desempenhavam o papel de figuras sobre o fundo
construído; nesta, verifica-se uma total inversão: o espaço torna-se num fundo verde, no meio do qual se
desenvolveram as construções 96. Naquela, misturava-se todo o tipo de tráfego ao longo das ruas; nesta,
assiste-se a uma segregação funcional.

94 Mumford, Lewis, 1982, p. 528


95 Op. Cit., pp. 528 e 529
96 Choay, Françoise, 1965
CIDADE JARDIM 77

4.2 GARDEN CITY, O MODELO DE EBENEZER HOWARD

O conceito e o termo Garden City foi criado por Ebenezer Howard, aparecendo pela primeira vez no seu livro
programático Tomorrow: A Peaceful Path to Social Reform, publicado em 1898, e no qual procura um modelo
alternativo ao crescimento das cidades.

Howard rejeita as grandes concentrações urbanas e também o subúrbio desorganizado que caracterizava o
crescimento urbano da época. Afirma: “estas cidades superpopulosas tiveram o seu momento; foram o
melhor que uma sociedade em grande parte baseada no egoísmo e na rapina puderam construir, mas são
absolutamente inadaptadas a uma sociedade em que o aspecto social da nossa natureza tenha o necessário
reconhecimento” 97. No que respeita ao subúrbio, quase não o levou em consideração, ou rejeitou-o como
uma concessão intolerável.

“Percebeu que o alívio do congestionamento não dependia de se alargarem as áreas dormitórios da cidade,
mas da descentralização de todas as suas funções. Procurou casamento estável entre a cidade e o campo e
não uma ligação de fim-de-semana. Trocando a expansão urbana feita por acréscimo de pequenas parcelas,
pela descentralização ordenada em cidades “contidas em si mesmas”, Howard acreditava que seria possível
deter o congestionamento e a expansão contínua de Londres. Assim, com o tempo, uma parte significativa
da população metropolitana seria impelida para fora, por valores imobiliários mais baixos, o que possibilitaria
a reconstrução do centro histórico dentro de linhas mais abertas, com maior respeito pela saúde,
conveniência social e amenidades da vida. O êxito da nova cidade-jardim restituiria ao centro superpovoado
a ar puro, o sol e a beleza que lhe haviam sido roubadas pelo seu crescimento desordenado”98.

Citando Howard : “O meu empenho será demostrar que no campo-cidade se podem desfrutar possibilidades
de inter-relação social iguais, para não dizer maiores, do que as que se desfrutam nas grandes cidades e
que, ao mesmo tempo, as coisas belas da natureza podem acompanhar e rodear todos os habitantes 99.

O modelo proposto consiste na criação de uma rede de cidades polarizadas por um centro de maior
dimensão e melhor apetrechamento em serviços. Cada uma destas cidades deveria ter uma dimensão
limitada e as áreas residenciais deveriam estar associadas aos correspondentes postos de trabalho. Cada
uma destas cidades seria envolvida pelo campo e estaria ligada a todas as outras por uma rede eficiente de
transportes públicos.

97 Ebenezer Howard, em Aymonino, C., 1972, p. 198


98 Mumford, Lewis, 1982, pp. 556 e 558
99 Ebenezer Howard, em Aymonino, C., 1972, p. 136
78 CIDADE JARDIM

Figura 33: Diagrama de Ebenezer Howard, para a organização da cidade global

A ideia de dimensão limitada de cidade é talvez o elemento fundamental do modelo. Diz Howard: “A Cidade
Jardim está terminada, a sua população alcançou os 30 000 habitantes, como continuar o seu
desenvolvimento?. Fundando - provavelmente com poderes parlamentares - outra cidade a pequena
distância, mas por forma a que a nova cidade possa dispor também de uma área rural própria. Quando disse
“estabelecendo outra cidade” (e para efeitos administrativos haverá duas cidades), não se deve esquecer
que os habitantes de uma poderão alcançar a outra em poucos minutos, pois de um modo especial se
providenciará uma rápida comunicação, pelo que os habitantes das duas cidades representarão na realidade
uma só comunidade”. E acrescenta: “ Em certo sentido ainda se viverá numa cidade de pequena dimensão,
mas de facto viver-se-á numa cidade grande e mais bonita, que desfrutará, a poucos minutos a pé ou em
transportes, de todos os deleites naturais da área rural: campos, arvoredo e bosque, para além de parques e
jardins” 100.

100 Ebenezer Howard, em Aymonino, C., 1972, p. 196


CIDADE JARDIM 79

A eficácia do modelo assenta no caminho de ferro: “Em primeiro lugar, há um caminho de ferro intermunicipal
que une todas as cidades do anel exterior, com vinte milhas de circunferência (32 km). Existe também
ligação de cada cidade à cidade central, que distará três milhas e um quarto, o que facilmente poderá ser
percorrido em cinco minutos” 101. Seriam exactamente os transportes públicos que permitiriam gozar de todas
as vantagens de uma cidade unitária isolada, com os seus próprios empregos e serviços, mas também das
oportunidades e ofertas de uma cidade de grande dimensão.

Outra ideia que vale a pena sublinhar é a de que cada cidade teria uma área rural própria. Não se trata, pois,
de uma mistura cidade/campo, mas de uma cidade rodeada por áreas agrícolas que se deveriam manter em
exploração, permitindo uma interligação entre a vida rural e a urbana. “Para reunir e expressar essa reunião
da cidade e do campo, Howard rodeou sua nova cidade com um cinturão verde agrícola contínuo. Essa
muralha horizontal serviria, não só para a aproximar do ambiente rural, como também para impedir que
outros núcleos urbanos se fundissem com ela: ocorreria, assim, tal como com a antiga muralha vertical, a
sensação de unidade interna” 102.

O modelo utópico de Howard teve enorme importância, não apenas por ir ao encontro de aspirações da
época (que ainda hoje se mantêm), mas porque ele demonstrou a sua exequibilidade, abordando aspectos
sociais e sobretudo financeiros, que tratou com grande rigor.

A concepção do projecto insere-se nas tradições cooperativas e mutualistas, excluído o lucro privado,
concentrando todas as receitas num Central Council inserido no município.

Diz Howard: “Um aspecto essencial deste plano é que todas as rendas procedentes dos terrenos, deverão
ser pagas aos fiadores, os quais reservarão o necessário para juros e amortizacão de capital e passarão o
benefício ao Central Council do novo município, que o aplicará na criação e manutenção das necessárias
obras públicas, ruas, escolas, parques, etc. (…). Um dos principais traços característicos da Cidade-Jardim,
relativamente a outros municípios, é que o seu método para obtenção das receitas se baseia por inteiro nos
alugueres, pagos por todos os usufrutuários da propriedade. Demonstrar-se-á que estes serão de sobra
suficientes para pagar os custos da Cidade Jardim, nomeadamente os juros e amortização do financiamento
inicial, as despesas de gestão e conservação e constituirão, ainda, uma reserva para ocorrer a outras
necessidades” 103.

101 Ebenezer Howard, em Aymonino, C., 1972, p. 196


102 Mumford, Lewis, 1982, p. 557
103 Ebenezer Howard, em Aymonino, C., 1972, pp. 137 e 142
80 CIDADE JARDIM

Ainda, segundo Howard, existem “quatro razões decisivas que permitem alcançar, na Cidade Jardim,
resultados financeiros vantajosos relativamente a outras situações:

- Ocorrendo em terrenos praticamente limpos de edifícios e instalações, a verba necessária para compra
ou expropriação de terrenos não incluirá indemnizações por danos ou prejuízos;

- Partindo-se de um plano global e já conforme as modernas exigências e necessidades, obtêm-se


economias, evitando os gastos que ocorrem nas velhas cidades, quando se pretende a sua adequação a
tais necessidades;

- Logo que os terrenos estejam livres, é possível introduzir a maquinaria mais adequada e moderna para a
construção de ruas e outras obras de engenharia;

- A ocupação só será paga a título de aluguer, para além de uma pequena soma correspondente à
entrada inicial” 104.

Howard acreditava que, numa cidade construída de novo, com espírito mutualista e comunitário, seria
possível articular da melhor forma espírito público e organização empresarial. Citando: “Em todas as
comunidades progressistas aparecem sociedades e organizações que representam um espírito público e
empresarial de um nível superior ao manifestado por aquelas, na sua capacidade colectiva. É provável que o
governo de uma comunidade nunca possa trabalhar a um nível superior ao exigido pelo sentir médio dessa
comunidade. Por isso, se os esforços do Estado ou das suas organizações municipais forem inspirados e
dinamizados por aqueles membros cujos ideais de missão se elevam acima da média, ter-se-á dado um
grande passo para o bem estar de qualquer sociedade. Assim sucederá na Cidade Jardim 105.

Abordemos agora as propostas de Howard relativas à forma interna da cidade:

O projecto iniciar-se-ia pela aquisição de propriedades com 2400 ha, no centro das quais se instalaria a
cidade-jardim, que ocuparia 400 ha. A restante área (2000 ha) destinar-se-ia a zona agrícola.

A cidade seria preferencialmente de forma circular, com um raio de pouco mais de 1km. Seis avenidas, cada
uma com 26m de largura, atravessariam a cidade, do centro à periferia.

No centro, um espaço com cerca de 2 ha, destinado a um belo jardim, à volta do qual se instalariam edifícios
e equipamentos públicos. A seguir, um Parque Central, cobrindo 58 ha, com grandes equipamentos de
recreio. Este seria envolvido pelo Crystal Palace, aonde se instalaria o comércio e que incluiria uma arcada
de vidro, larga e contínua, que convidaria à estadia, mesmo com tempo chuvoso.

104 Ebenezer Howard, em Aymonino, C., 1972, p. 156


105 Op. Cit., p. 172
CIDADE JARDIM 81

Continuando mais para o exterior, encontrar-se-iam as habitações, ao longo das avenidas radiais e de anéis
concêntricos. Cada habitação instalar-se-ia num lote próprio e espaçoso, com superfície média de 6,5m por
44m.

No meio da área residencial, dividindo-a em duas coroas, uma Grande Avenida circular, com uma largura de
125m, formando um cinturão verde de mais de 5km de comprimento, em parte marginado por equipamentos.

Continuando, chegar-se-ia à circular exterior, servida por caminho de ferro e ao longo da qual se instalariam
as indústrias, os armazéns, os parques de carvão e de madeira. Haveria pouco fumo e ruído porque todas as
máquinas seriam movidas a electricidade.

Mais para o exterior, ainda, as áreas agrícolas 106.

Figura 34: Diagrama de Ebenezer Howard, para a organização interna de cada Cidade-Jardim

106 Ebenezer Howard, em Choay, F., 1965, pp. 280-285


82 CIDADE JARDIM

De todo este modelo vale a pena destacar:

- O estar-se em presença de uma cidade, de um contínuo urbano, não de uma mistura cidade-campo.
Com 30 000 habitantes e 400 ha a sua densidade global seria de 75 hab./ha, tendo que o próprio
Howard sugerido para as áreas residenciais uma densidade entre 170 a 250 hab./ha 107; está-se, pois,
perante uma densidade baixa, mas uma densidade urbana.

- A grande presença de espaços verdes: parque e cintura verde urbana no interior da cidade, espaço
agrícola próprio no seu envolvimento.

- A opção por lotes destinados a habitação individual com o seu quintal próprio (moradias).

- A grande regularidade geométrica do modelo, bem visível nos seus diagramas, tanto mais de sublinhar,
quanto os seus seguidores irão defender, na sua maior parte, formas curvilíneas e irregulares,
pretensamente naturais.

A obra de Howard teve um sucesso considerável e quase imediato, o que lhe permitiu criar, logo em 1899, a
Associação das Garden-Cities e lançar, em 1903, o projecto da primeira cidade-jardim, a de Letchworth, cujo
plano foi confiado aos arquitectos Parker e Unwin. Construiu ainda, a partir de 1919, uma segunda cidade, a
de Welwyn, onde surge a utilização generalizada do impasse, semi privatizado o espaço público (lembrando,
neste aspecto, pese embora as diferenças radicais que as separam, a intimidade da cidade islâmica).

Estas cidades, que ainda subsistem, funcionaram como modelos utilizados sobretudo após a 2ª Grande
Guerra Mundial, nomeadamente na criação de cidades novas na Grã-Bretanha.

Mas o modelo, já adulterado, também surge nomeado e associado a simples urbanizações de vivendas. Diz
L. Mumford que “a denominação que Howard escolheu para a nova concepção urbana se revelou infeliz,
porque a existência de jardins, embora integrante da nova cidade, não era o seu elemento diferenciador, pois
caracterizava ainda mais copiosamente muitos subúrbios de então” e que “foi na sua urbanidade e não na
sua horticultura que a cidade-jardim mais se afastou do modelo comum de construção e urbanismo” 108.

107 Mumford, Lewis, 1982, p. 560


108 Ibidem
CIDADE JARDIM 83

Figura 35: Letchword, a primeira Cidade Jardim


Vista aérea em 1960
84 CIDADE JARDIM

4.3 DA APLICAÇÃO DO MODELO ÀS SIMPLES URBANIZAÇÕES DE VIVENDAS

O modelo de Howard comporta, relativamente à forma da cidade, duas abordagens a escalas totalmente
distintas.

A primeira, a uma escala macro, aplica-se sobretudo às grandes cidades e corresponde à recusa do seu
crescimento ilimitado, seja contínuo ou em mancha de óleo. Propõe em alternativa a criação de sucessivas
cidades novas, articuladas entre si por transportes; cada uma delas teria um número limitado de habitantes,
os correspondentes postos de trabalho e uma área agrícola envolvente.

A segunda respeita já ao traçado urbano e a opções morfológicas e tipológicas, propondo vastas zonas
verdes urbanas associadas a serviços e equipamentos e zonas residenciais constituídas sobretudo por
habitações unifamiliares em lotes com jardins (vivendas).

É na primeira abordagem que o modelo de Howard é extremamente inovador: Quanto à opção do verde e
das vivendas, esta já era praticada em diversos subúrbios da época; mas o conceito de Cidade-Jardim,
talvez pelo seu próprio nome, foi sendo associado sobretudo a essa forma urbana.

E é nesse sentido, lato e mais comum, de tecido urbano dominado por vivendas em fundo verde, que o
conceito aqui é utilizado. Nele se englobam, portanto, algumas cidades novas entretanto criadas, mas
também subúrbios residenciais e crescimentos contíguos à cidade existente, desde que apresentem aquela
característica.

As ideias de Howard, desde logo passadas à prática, ganham muitos seguidores. Entre eles Raymond Unwin
que, associado a Barry Parker, projectam a primeira e célebre garden-city de Letchworth e que editou, em
1909, o Town Planing in Practice, onde expõe as suas ideias sobre os métodos para projectar a boa forma da
cidade.

De destacar das suas ideias:

- A proposta de que o planeamento da cidade deverá ser realizado a duas escalas, que designa de town
planning e de site planning: na primeira, a organização dos principais traçados viários, a localização dos
equipamentos e a distribuição funcional; na segunda, a organização do bairro, do quarteirão e da rua 109.

- A defesa de uma cidade dividida em várias partes, mas com limites claros entre elas, assim como entre
o campo e o espaço urbano. “Não há motivo para limitar hoje as cidades do mesmo modo que no
passado, seria agravar a congestão urbana. Mas é importante dar-lhe limites, separando das partes

109 Lamas, José, 1993, p. 256


CIDADE JARDIM 85

vizinhas o espaço destinado aos vários bairros. (…) Podemos tirar partido, sem copiar os seus muros
fortificados, do excelente ensino dado pelas cidades do passado. O próprio muro pode encontrar uma
utilização moderna. Onde existem florestas será possível manter uma faixa de largura suficiente para
formar uma teia. Em todo o caso, é necessário estabelecer uma linha de separação entre a cidade e o
campo, evitando desse modo os espaços de entulhos e pardieiros que desolam os subúrbios modernos”
110.

- A articulação do regular com o irregular. Confronta o formalismo dos traçados clássicos, em recticulas
que favorecem o trânsito (a regular), com soluções de respeito pela individualidade do sitio e de
valorização do contraste e da surpresa, característico do espaço medieval (o irregular). Evidencia as
vantagens e inconvenientes de ambos, aponta os casos em que um ou outro se justifica, explorando
com eclectismo as duas soluções.

- Defende as tipologias residenciais de baixa densidade e as moradias unifamiliares, na linha da cidade


jardim. Mas considera que estas devem obedecer a implantações pensadas em conjunto (sugerindo uma
leque muito amplo de soluções), por só assim se obter um controlo adequado sobre o espaço público
resultante 111.

Figura 36: Raymond Unwin, soluções de desenho urbano

110 Raymond Unwin, citado por Choay, Françoise, 1965, p. 290


111 Lamas, José, 1993, p. 254
86 CIDADE JARDIM

Já atrás se referiu que o modelo de Howard, à escala macro, esteve na origem da criação de diversas
cidades novas, ainda no início do século.

Mas é já após a 2ª Grande Guerra que o modelo tem importante aplicação, nomeadamente na Grã-Bretanha.

Ocorre, na altura, a alteração da estrutura produtiva, até aí assente na indústria pesada. Esta evolução,
minorando a importância da localização de matéria prima, acentuou ainda mais o afluxo das actividades
económicas às grandes cidades, por estarem junto aos centros de decisão e por constituírem locais de mão-
de-obra diversificada e de grande consumo.

Entra-se, contrariamente ao ocorrido anteriormente, numa fase de grande intervenção pública no processo
de ocupação do território. As soluções para as patologias decorrentes das grandes aglomerações são
procuradas através da criação de novos pólos urbanos, de iniciativa pública. Procura orientar-se o
crescimento urbano, residencial e industrial, abrindo para uma dimensão regional do planeamento espacial.

No Relatório Barlow, elaborado entre 1937 e 1940, é reconhecida a necessidade de ordenamento das zonas
urbanas consolidadas e recomendada uma política de descentralização industrial e de procura de equilíbrio
entre regiões.

O Relatório Uthwat (1942) vem recomendar a nacionalização do solo agrícola para futura urbanização, bem
como das parcelas urbanas a reedificar. Estes objectivos de intervenção fundiária directa do Estado, com
avanços e recuos em função das mudanças de governos, entre trabalhistas e conservadores foram
perseguidos durante décadas 112.

Em 1945 são definidas, para o conjunto da Grã-Bretanha, seis zonas a desenvolver, sendo previsto para o
efeito urbanizações de iniciativa pública e a correspondente venda ou aluguer de lotes ou edificações, para
além de ajudas financeiras à instalação e facilidades de licenciamento 113. Todo este processo traduziu-se na
criação de cidades novas nos arredores dos grandes aglomerados populacionais.

O Plano Abercombie, para a Grande Londres (1944) aposta na manutenção da população e estabilização do
emprego industrial, propondo: a desdensificação da cidade existente; um anel verde, ocupando uma faixa
entre os 20Km e os 35Km do centro, na qual se localizariam áreas de lazer e equipamentos; a criação de
cidades novas, com cerca de 50 000 habitantes cada uma, para onde seriam deslocados população e
empregos.

O Relatório Reith (1946) retoma a proposta de criação de cidades novas na envolvente das grandes cidades
concentradas, para permitir a deslocação de população. Tais cidades deveriam ter uma população entre os

112 Peter Hall, citado por Silva, Paulo, 1996


113 Merlin, Pierre, 1969, pp. 14 e 15
CIDADE JARDIM 87

Figura 37: O Plano da Grande Londres, de Abercrombie

20 000 e os 60 000 habitantes para permitirem eventos sociais, mas ainda deslocações a pé ou de bicicleta
entre a habitação e o trabalho. Deveriam estar suficientemente distantes entre si para que tivessem uma vida
económica, social e cultural realmente independente. Rodeando cada uma, uma cintura de protecção rural e
verde de lazer, com uma largura de 1200 m. As densidades praticadas deveriam ser baixas; para uma
população de 60 000 habitantes previa-se uma área de 2000 ha e uma cintura verde de 2400 ha.

Era realizado, para cada uma destas cidades, um plano director, que definia vias e zonamento/ distribuição
funcional. À medida que o processo ia avançando eram elaborados planos de massas (espaços públicos,
volumes, densidades) e planos de pormenor (regulamentando cada construção) 114.

114 Merlin, Pierre, 1969, p. 27


88 CIDADE JARDIM

Foram construídas, nos 20 anos seguintes, uma vintena de new towns, oito das quais na região de Londres,
na linha das cidades-jardim defendidas por Ebenezer Howard. A responsabilidade pela realização de cada
cidade era entregue a uma Development Corporation que adquiria, por via amigável ou expropriação, os
terrenos necessários, promovia a sua infraestruturação e vendia ou arrendava lotes ou construções.

As densidades praticadas foram de facto baixas, embora um pouco superiores às recomendadas pela
Comissão Reith, tendo-se verificado uma forte redução na cintura verde prevista 115:

Quadro 1: Densidades praticadas nas ‘new towns’ inglesas

DENSIDADES (HAB/HA)
RECOMENDADAS PELA
NÍVEIS PRATICADAS
COMISSÃO REITH
Conjunto da Cidade (englobando a cintura verde) 15
30 a 35
Conjunto da Cidade (incluindo ainda zonas
30
industriais, mas excluindo cintura verde)

Zonas Residenciais (incluindo equipamentos) 42  50

Zonas Residenciais (não incluindo equipamentos) 72  100

É de destacar o pequeno peso financeiro do custo do terreno. De facto, a sua incidência nas new towns
inglesas oscilou entre 1 e 3% do investimento total, permitindo uma intervenção pública fundiária bastante
eficaz.

As new towns tiveram êxito, concretizaram-se, mas o pressuposto de que o crescimento das grandes cidades
seria estancado falhou redondamente; as cidades novas da região de Londres acolheram apenas 1/6 do
crescimento de facto verificado nestes 20 anos. O grande aumento do emprego terciário não tinha sido,
igualmente, devidamente considerado.

Poderá apontar-se, a título de exemplo, o plano para Harlow, uma cidade nova da Região de Londres,
projectada por F. Gibbert. O seu centro é implantado numa zona sobrelevada, permitindo a sua afirmação
visual. A cidade é envolvida por floresta e atravessada por ribeiros, correndo entre pequenos vales, que
delimitam unidades de vizinhança e constituem zonas verdes e agrícolas 116. De notar o desenho curvilíneo,
muito comum nestas cidades-jardim, afastando-se da regularidade formal observada nos diagramas de
Ebenezer Howard.

115 Tabela extraída de: Merlin, Pierre, 1969, p. 31


116 Merlin, Pierre, 1969, p. 22
CIDADE JARDIM 89

Figura 38: Planos para a Cidade Jardim, de Harlow

Plano Geral (em cima); Unidade de Vizinhança (em baixo)


90 CIDADE JARDIM

Os custos de Harlow repartiram-se pelo terreno (menos de 2%), infra-estruturas (13%), arranjos urbanos
(10%), alojamento (60%) e edifícios industriais e comerciais (15%).

Vale a pena destacar e sublinhar o conceito de unidade de vizinhança, aqui utilizado.

Tal conceito tem origem em estudos sociológicos americanos, preocupados com o enfraquecimento das
relações sociais entre vizinhos, nomeadamente nas grandes cidades e em novas urbanizações e é formulado,
nos anos 20, por Clarence Perry, que procura identificar a célula social fundamental da cidade, fixando o
principio do crescimento celular. Cada célula (unidade de vizinhança) deveria ter uma dimensão suficiente para
justificar a existência de um conjunto de serviços e equipamentos, nomeadamente escolares, mas a uma
distância percorrível a pé. Perry fixou a sua população em cerca de 5 000 habitantes. As artérias de tráfego
utilizadas por pessoas e mercadorias que nada têm a ver com a vizinhança deveriam situar-se fora desta célula.
Mas admitia-se sempre “um generoso fluxo através de fronteiras, pois somente os adversários da ideia de
unidade de vizinhança a consideram como unidade fechada, destinada a impedir o contacto com o resto da
cidade” 117.

De notar que, associado a este conceito surgem duas características dos modelos modernistas de cidade: a
segregação entre vias de passagem e vias locais; a criação de espaços verdes locais, para uso de vizinhança e
também para protecção do tráfego exterior.

As propostas do Relatório Reith adoptaram exactamente estes princípios, assumindo a unidade de vizinhança
como uma noção ao mesmo tempo prática e natural. Defendem que cada uma delas deveria ter desde 5 000 a
12 000 habitantes, dispondo de comércio, escola primária, igreja e centro comunitário, estando separados entre
si por largos espaços verdes. Em muitos casos (Harlow por exemplo) estas unidades eram agregadas em
conjuntos de maior dimensão (cerca de 20 000 habitantes) organizadas à volta de um centro secundário, com
equipamentos de nível intermédio entre os da unidade de vizinhança e os do centro da cidade nova 118.

O modelo da cidade-jardim, enquanto traçado urbano e nas suas opções morfológicas e tipológicas, também
teve e continua a ter aplicação no crescimento contíguo à cidade existente.

Tal ocorreu em Portugal, nomeadamente nos anos 40, período que aqui foi de apogeu do planeamento, tendo
sido elaborados cerca de três centenas de anteplanos de urbanização. Margarida Souza Lôbo considera que,
neste período, nomeadamente entre 44 e 48, se “associa um urbanismo formal, em que o desenho do espaço

117 Mumford, Lewis, 1982, pp. 541 e 542


118 Merlin, Pierre, 1969, p. 29
CIDADE JARDIM 91

público acusa a influência dos modelos alemães e italianos, com uma versão tardia da cidade-jardim , numa
ambiguidade entre a ruralidade e a inovação topológica da moradia isolada ou geminada” 119.

Já tinham ocorrido, anteriormente, propostas de localização de pequenas cidades-jardim na periferia de Lisboa,


da autoria de Forestier, e ainda o exemplo singular da pequena cidade-jardim de Viana do Castelo, concebida
por Rogério de Azevedo, em 1932 120.

Figura 39: Plano de uma Cidade-Jardim, de Rogério de Azevedo

Mas a influência decisiva da cidade-jardim chega a Portugal através de Etienne de Groer. Este refere que a
teoria de Howard “pode ser considerada como a primeira base do urbanismo moderno” e opõe-se ao modelo de
cidade futurista que desponta na altura, considerando o arranha-céus como “artigo publicitário sustentado por
uma especulação fundiária desenfreada”.

Em consonância com o conceito teórico de Howard, defende que a cidade não ultrapasse um tamanho médio e,
para tal, propõe o estabelecimento de uma zona rural de protecção à cidade (critério ainda hoje utilizado) e a
criação de aglomerados satélites. Pretende, com o estabelecimento da zona rural, impedir o crescimento
ilimitado em mancha de óleo e, também, o crescimento periférico e descontrolado por fuga ao regulamento do
plano. Quanto aos aglomerados satélites, propostos em concreto nos Planos de Coimbra e Luanda, pode

119 Lôbo, Margarida Souza, 1995, p. 145


120 Op. Cit., p. 74
92 CIDADE JARDIM

constatar-se que estes, pela sua pequena dimensão, proximidade da cidade e funções residenciais,
correspondem de facto a um subúrbio-jardim e não ao conceito inicial de Howard 121.

Figura 40: Plano de Urbanização de Coimbra, de Etienne de Groer.


Anteprojecto Geral de Coimbra (em cima); Urbanização de um terreno acidentado (em baixo)

121 Lôbo, Margarida Souza, 1995, p 74 a 79


CIDADE JARDIM 93

Mas a pequena dimensão da generalidade das cidades portuguesas não colocava sequer a questão da
necessidade do seu desdobramento. Foi nos traçados urbanos e tipologias propostas para a transformação e
expansão contínua da cidade existente que a influência do modelo se fez sentir.

Referindo-se a João Aguiar, que nos anos quarenta é o urbanista de grande número de cidades portuguesas,
nomeadamente Olhão, Setúbal, Faro, Castelo Branco, Guarda, Santarém, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu,
afirma Margarida Sousa Lôbo: “Numa permanente dialéctica entre a consolidação e reestruturação do tecido
existente, fechando ou redesenhando quarteirões, rectificando alinhamentos e rasgando eixos viários
principais, e a proposta de uma cidade alternativa, de baixa densidade, onde predomine a habitação
unifamiliar e os espaços verdes, com uma rede viária bem hierarquizada que garanta a tranquilidade e
privacidade das novas áreas residenciais, o urbanista tenta a conciliação entre o urbanismo formal e uma
imagem fortemente influenciada pelo desenho da cidade-jardim” 122.

Figura 41: Anteplano Geral de Urbanização de Castelo Branco, de João Aguiar

122 Lôbo, Margarida Souza, 1995, p. 170


94 CIDADE JARDIM

Figura 42: Anteplano Geral de Urbanização de Faro, de João Aguiar

Estes planos eram elaborados numa perspectiva de grande crescimento demográfico, para horizontes de 30 ou
50 anos, considerando, portanto, grandes áreas de expansão.

Previam, de uma forma geral 123:

- Uma rede viária bem hierarquizada, com uma rede principal de grande capacidade e procurando a
tranquilidade dos espaços residenciais. Tal rede implicava, no atravessamento do tecido urbano existente,
demolições significativas. Surgia por vezes, por exemplo no plano de Castelo Branco, a proposta de um
anel viário circular.

- A criação ou reforço das áreas centrais, destinadas a edifícios públicos, muitas vezes designadas zonas
oficiais.

- A delimitação de áreas a sujeitar a renovação urbana, por razões de salubridade.

- A criação de novas zonas residenciais, com predomínio da habitação individual.

123 Lôbo, Margarida Souza, 1995, pp. 169-195


CIDADE JARDIM 95

- A criação de generosos espaços verdes, muitos deles públicos; no Plano de Viseu, era mesmo previsto um
sistema de parques, mas também espaços verdes privados; no regulamento do Plano de Faro foi
estabelecido que 50% da área do lote deveria ser mantida com arborização ou jardim, “incluindo o espaço
entre a fachada principal e o limite do lote, como forma de valorizar o arruamento”.

- A criação de numerosos equipamentos, quase sempre envolvidos por zonas verdes.

- O estabelecimento de uma cintura de protecção, fundamentalmente non aedificandi, para evitar a


construção dispersa na periferia da cidade. No Plano de Faro esta cintura ocupava 1km de largura, mas
habitualmente era bastante inferior.

Os quarteirões residenciais propostos apresentavam, do ponto de vista da morfologia urbana, diferenças


radicais relativamente à cidade clássica. Eram muitas vezes curvilíneos e, sobretudo, eram abertos, visíveis do
exterior, nalguns casos de utilização colectiva.

No Plano de Coimbra, Groer propõe, para além de vivendas isoladas, quarteirões organizados “em duas alas”
ou com distribuição em U, sendo o espaço central ocupado com equipamentos desportivos, com um
aproveitamento tipo moderno, com blocos transversais e pequenas bandas longitudinais de um só piso.

Figura 43: Exemplo de construções em quarteirão, de Etienne de Groer


96 CIDADE JARDIM

João Aguiar propõe, no Plano de Olhão, a sistemática abertura dos quarteirões ao exterior, rasgando-os nos
topos e prevendo atravessamentos longitudinais. No Plano de Setúbal propõe igualmente o uso público do
interior dos quarteirões, atravessados por uma rede de caminhos pedonais, que convida à sua utilização como
espaços de lazer 124.

Na cidade clássica as ruas eram públicas e o interior dos quarteirões era privado. Na cidade jardim surgem os
espaços semi-privados, abre-se o quarteirão, os edifícios individualizam-se. Globalmente verifica-se uma maior
procura de intimidade e individualidade. O desenho curvilíneo e o impasse, muitas vezes utilizado, isola
visualmente os espaços e dá-lhes uma função semi-privada.

A aposta na habitação unifamiliar, dominante na Cidade-Jardim, articula-se com pressupostos ideológicos caros
ao regime. Citando Etienne de Groer: “A casa grande, de rendimento, é desfavorável à educação das crianças.
Nela as crianças definham e observa-se que os laços de família enfraquecem. Nas grandes casernas, de
dependências pequenas, a promiscuidade, as querelas, a pouca limpeza, o mau exemplo de alguns são
contagiosos e o indivíduo, gradualmente depravado, depressa se junta às massas” 125.

Mas é nos EUA que esta aposta na habitação unifamiliar apresenta maior desenvolvimento. Insere-se, antes de
mais, na tradição anglo-saxónica. Vai ao encontro da filosofia individualista dominante. Aliás, a casa isolada foi
desde sempre um modelo associado às virtudes da civilização norte americana, que não se podia referir a
nenhuma tradição urbana própria. “Para Marshall e os economistas neoclássicos do inicio do século XX, a
melhor forma de resolver a crise urbana e evitar tensões sociais era alargar as áreas abertas à urbanização,
uma vez que o preço do solo é mais moderado na periferia e a população trabalhadora poderia assim tornar-se
proprietária da sua habitação. Os EUA oferecem condições especialmente favoráveis a esta forma de
urbanismo, uma vez que os construtores de automóveis, como a Ford, iniciam a produção em massa, os
salários são relativamente altos e os custos dos terrenos efectivamente baixos 126.

O modelo de Howard teve desde logo influência nos EUA, inspirando Henry Wright e Clarence Stein. No modelo
de Radburn (New Jersey, 1928 – 1930) são previstas malhas regulares de grande dimensão e de expansão
territorial indefinida. No interior de cada super-quarteirão eram previstos jardins comunitários, para os quais
revertiam as habitações. Estabelecia-se, assim, uma diferenciação funcional: ruas de passagem, envolvendo
quarteirões residenciais, no interior dos quais existia um jardim público 127.

124 Lôbo, Margarida Souza, 1995, pp. 81, 175 e 176


125 Op. Cit., p. 81
126 Claval, Paul, 1981, p. 548
127 Rubió, Manuel de Solà-Morales i, 1997, p. 193
CIDADE JARDIM 97

Figura 44: Plano de Radburn, de Clarence Stein 128

128 Selecção de: Lamas, José, 1993, p. 315


98 CIDADE JARDIM

Estava aberto o caminho para a solução, hoje dominante nos EUA, de cidades de vivendas, organizadas numa
malha regular, que se estende indefinidamente por quilómetros e quilómetros. De notar a semelhança, no que
respeita à abertura e traçado viário, com àquilo que anteriormente se designou por malhas em série industrial,
tendo-se usado como referência a Barcelona de Cerdá. Mas a opção tipológica é radicalmente diferente: numa,
edifícios de habitação colectiva, ainda de inspiração neoclássica; na outra, urbanizações de vivendas individuais
de baixa densidade e muito espaço ajardinado.

Lewis Mumford é bastante crítico relativamente a esta opção urbanística, de vivendas em série, referindo:

“Retirar-se como um monge e viver como um príncipe - essa foi a finalidade dos criadores originais do
subúrbio. (…) Essa utopia revelou-se, até certo ponto, realizável e tão encantadora, que aqueles que a
conceberam não perceberam o castigo final a ela ligado. O castigo da popularidade, a inundação fatal de um
movimento de massas cujos números acabariam por fazer desaparecer a vantagem que cada indivíduo
procurava para seu próprio círculo doméstico e, pior ainda, por substituí-la por uma vida que não era sequer
uma falsificação barata mas, pelo contrário, a desoladora antítese”.

“O resultado final da separação entre o subúrbio e a cidade só se tornou visível no século XX, com a
propagação do ideal democrático, valendo-se das conveniências da multiplicação e da produção em massa.
O movimento colectivo em direcção às áreas suburbanas produziu uma multidão de casas uniformes,
inidentificáveis, alinhadas de maneira inflexível, a distâncias uniformes, em estradas uniformes, num deserto
comunal desprovido de árvores, habitado por pessoas da mesma classe, mesma renda, mesmo grupo de
idade, assistindo aos mesmos programas de televisão, comendo os mesmos alimentos pré-fabricados e sem
gosto, guardados nas mesmas geladeiras, conformando-se, no aspecto externo como no interno, a um
modelo comum, manufacturado na metrópole central. Assim, o efeito último da fuga suburbana é,
ironicamente, no nosso tempo, um ambiente uniforme e medíocre, do qual é impossível fugir. O que ocorreu
com o êxodo suburbano nos Estados Unidos ameaça agora, graças aos mesmos instrumentos mecânicos,
verificar-se em todo o resto do mundo, em velocidade igualmente acelerada, a menos que sejam tomadas as
mais vigorosas medidas em contrário” 129.

Mas a recomendação de Mumford não terá valido de muito.

O período seguinte à Segunda Guerra Mundial é dominado pela construção de blocos de habitação
colectiva, resposta rápida e industrial às grandes necessidades de alojamento, na altura existentes.

129 Mumford, Lewis, 1982, p. 525


CIDADE JARDIM 99

Mas a partir dos anos 70 verifica-se, na Europa, uma procura crescente da habitação individual, seja em
urbanizações de vivendas (contíguas à cidade, contíguas a antigos aglomerados rurais, ou constituindo novos
subúrbios), seja ainda em edifícios dispersos pelo campo.

Actualmente, embora se mantenha tal procura, tendo-se estendido a extensos territórios envolventes das
cidades, parece no entanto estar a ocorrer um retorno à construção de edifícios plurifamiliares. Tal tendência,
com o detalhe dos números, será à frente demonstrada.

Em Portugal, sendo bem visível a construção recente de numerosas vivendas unifamiliares dispersas ou
agregadas em urbanizações, a verdade é que as últimas décadas têm sido crescentemente dominadas pela
construção de edifícios de grande dimensão.

Da Cidade Jardim, suas origens, concepções e realizações concretas, vale a pena reter especialmente, para
reflexão:

- A necessidade de assumir e ordenar uma cidade-território que se estenda muito para além dos limites da
cidade tradicional (continuo construído). O Modelo de Howard visava a organização de uma cidade
global, constituída por várias cidades; tal necessidade está hoje bem patente no território.

- O conceito de unidade de vizinhança (também utilizado na cidade futurista), que visava contrariar o
isolamento e a marginalidade através do reforço das relações de vizinhança. Tal necessidade, estende-
se aos dias de hoje; o conceito poderá ter especial utilidade perante a cidade actual, dispersa e eclética,
constituída de facto por muitas partes.

- A adopção de formas irregulares, naturalizadas, associadas ao verde. Tal tendência, com origem no
paisagismo anglo-saxónico, confronta totalmente os conceitos clássicos de harmonia, até aí sempre
associados à ordem, à geometria e à regularidade.
100 FORMA MODERNISTA

5. FORMA MODERNISTA

Carta de Atenas, cidade modernista, cidade radiosa, cidade futurista, urbanismo progressista, são
expressões habitualmente utilizadas para designar esta forma urbana.

A opção pela denominação forma modernista decorre da sua utilização corrente. No entanto e em rigor, há
que não esquecer que são parte integrante do movimento moderno, não apenas o modelo da Carta de
Atenas, mas também a Garden-City de Ebenezer Howard e a Broadacre de Frank Lloyd Wright, que
constituem propostas bastante distintas entre si e até opostas.

O que designamos por forma modernista abrange então as propostas da Carta de Atenas, mas também
muitas aplicações desfiguradas do modelo proposto, podendo ser definida, no sentido lato, como englobando
todas as soluções de torres e conjuntos de blocos, separados entre si, e rodeados por espaço público.

Figura 45: Evolução de Formas Urbanas, das Clássicas ás Modernas


FORMA MODERNISTA 101

Podem distinguir-se dois períodos na afirmação da cidade futurista: o primeiro, desde o inicio do século até à
segunda Grande Guerra, que corresponde sobretudo a formulações teóricas e a experimentações; o
segundo, do pós Guerra aos anos 70, que se traduz na sua frequente aplicação.

O modelo, com numerosos adeptos e muitos intérpretes, assume-se como internacional. Da fase inicial
poderão talvez destacar-se Tony Garnier, muitas vezes considerado como o pai deste urbanismo
progressista, a Escola da Bauhaus e, necessariamente, Le Corbusier, o grande sistematizador e divulgador
do modelo, expresso na Carta de Atenas, documento incontornável na história do urbanismo.

A adopção maciça do modelo ocorre no pós-Guerra, momento em que era necessário construir muito, com
rapidez e de forma económica, tendo-se revelado eficaz para o efeito.

Verifica-se, na altura, uma forte intervenção pública na área do planeamento das cidades e na produção de
habitação, tendo-se intervido à escala do planeamento regional, procurado modelos para as áreas
metropolitanas, construído cidades novas.

O modelo futurista surge associado, muitas vezes, à opção, à escala macro, pela cidade linear, com
direcções preferenciais de urbanização.

A partir dos anos 60 o modelo começa a ser crescentemente criticado por:


- desrespeito pela cidade existente;
- zonamento, com a correspondente separação funcional;
- densidades excessivas, tendo alimentado a especulação;
- abandono das ruas e das praças.

Mas as duas primeiras críticas estendem-se a todos os modelos modernistas e há que referenciar tais
opções à época em que foram tomadas. A terceira crítica será, em parte, injusta. É no abandono de ruas e
praças que o modelo futurista parece ter de facto originado resultados francamente negativos, quer ao nível
da vivência urbana, quer no que respeita ao desenho da cidade.

Em Portugal, as ideias da Carta de Atenas ganham adeptos a partir do I Congresso de Arquitectos, em 1948,
mas demoram a ter aplicação concreta.

Em 1981, os edifícios com 10 ou mais fogos, assim como os de 5 ou mais pisos, ainda só tinham presença
significativa na Área Metropolitana de Lisboa. Nos “concelhos com cidades médias” apenas representavam
3.6% do número de alojamentos.

Actualmente, num momento em que muito se critica a Carta de Atenas é que, paradoxalmente, se estão a
construir edifícios de cada vez maior altura e dimensão.
102 FORMA MODERNISTA

5.1 AFIRMAÇÃO DO MODERNISMO

A influência do movimento moderno na concepção do espaço urbano decorre, por um lado, do mau estar
sentido na cidade existente, com os seus problemas de congestionamento, insalubridade e promiscuidade e,
por outro, das novas potencialidades decorrentes do desenvolvimento tecnológico.

Surgem assim modelos alternativos de organização territorial que, assentes numa busca de racionalidade e
de funcionalidade, têm em comum:
- uma separação de funções centrais, industriais e residenciais, estas últimas dotadas de equipamentos;
- uma aposta na utilização dos novos meios de transportes, caminho de ferro e automóvel, e na
consequente criação de uma rede hierárquica de vias de comunicação, separando os vários tipo de
tráfego;
- uma procura de contacto com a natureza, seja através da criação de zonas verdes urbanas (públicas ou
privadas), seja pela articulação com áreas agrícolas.

Alguns modelos criados, como o das cidades jardins ou o da solução campesina de Frank Lloyd Wright,
apostam numa cidade estendida, de baixa densidade, reflectindo de alguma forma uma tendência crescente
de valorização do contacto com a vida rural.

Mas a reacção à cidade existente gerou também, e ao mesmo tempo, em sentido parcialmente oposto, a
vontade da total utilização das novas técnicas e tecnologias de construção, que permitiam a construção em
altura e, dessa forma, compatibilizar a procura do sol e de verde com densidades elevadas. Criar-se-ia uma
cidade totalmente nova, futurista.

O betão armado, com as suas enormes potencialidades construtivas, tornava possível todas as utopias. Sant’
Elia, por exemplo, numa posição bem radical, considera que a forma deverá subordinar-se à função, apregoa
o triunfo da mecanização sobre a função natural e defende a sua megalopos, uma cidade de arranha céus,
aeroportos e ruas subterrâneas.

As novas teses da arquitectura e do modernismo ganham numerosos adeptos e têm muitos intérpretes,
podendo, talvez, destacar-se Tony Garnier, muitas vezes considerado o iniciador de um “urbanismo
progressista”, a Escola da Bauhaus, onde pontifica Walter Gropius e, necessariamente, Le Corbusier.

Das propostas contidas na cidade industrial de Tony Garnier, projecto de 1901, vale a pena destacar:

- A organização da cidade a uma escala macro, como uma cidade linear, centrada em eixos viários,
nomeadamente no caminho de ferro e consequente sucessão de estações.
FORMA MODERNISTA 103

- A adopção do zonamento, separando e estruturando as diferentes funções. Tal zonamento constituía,


na época, uma resposta e reacção natural às condições de promiscuidade caótica da cidade industrial;

- O envolvimento de cada edifício por espaço público. Propunham quarteirões de 150m X 30m, agrupando
lotes de 15m X 15m; cada construção não poderia ocupar mais de metade da superfície do lote (conceito
de índice de ocupação); “o resto do lote formando jardim público, utilizável pelos peões (…), disposição
que permite o atravessamento da cidade em qualquer sentido” 130.

Walter Gropius, primeiro na Bauhaus e depois em Harvard, procura uma síntese entre arte e indústria “para
encontrar o novo edifício do futuro”. Defende a standardização e a pré-fabricação, realiza estudos sobre
alojamento em série. Refere: “A existência de standards - dito de outra forma, o uso consciente da forma-tipo
- é o critério de toda a cidade regulamentada e ordenada. A repetição dos mesmos meios relativamente aos
mesmos fins exerce sobre o espírito humano uma influência estabilizadora e civilizada” 131.

Le Corbusier, cuja obra se traduz em poucas realizações, mas sobretudo em planos directores que não
chegam a ser implementados e em diversos livros, é sobretudo o grande sistematizador e divulgador de
ideias comuns aos arquitectos progressistas da sua geração: separação das funções urbanas, multiplicação
dos espaços verdes, racionalização da habitação colectiva, criação de protótipos funcionais. Anima a criação,
em 1928, do Congresso Internacional da Arquitectura Moderna (CIAM) e as suas ideias estão bem expressas
na Carta de Atenas.

Vale a pena conhecer a visão do próprio Le Corbusier sobre a difusão e afirmação crescente do modernismo,
sistematizada num “Atlas das aplicações das novas teses da arquitectura e do urbanismo”, integrado na sua
obra Manière do penser l’urbanisme, de 1946 132:

“Por volta de 1900, Tony Garnier, na sua Cité Industrielle, materializada por uma série magistral de
desenhos, propõe, pela primeira vez, um solo de cidade transformado em domínio público, prestando-se à
instalação de funções comunitárias úteis a todos os habitantes.

Integra, novamente, a dignidade e a pureza, depois de um longo eclipse, nos locais de habitação, de trabalho
e de contacto cívico.

130 Tony Garnier, em Choay, F., 1965, p. 212


131 Walter Gropius, em Choay, F., 1965, p. 227
132 Le Corbusier, 1971, pp. 41-44
104 FORMA MODERNISTA

Figura 46: A cidade Industrial, de Tony Garnier


FORMA MODERNISTA 105

Alguns anos mais tarde, Auguste Perret realizará as suas primeiras construções de betão armado, detentoras
de uma nova estética (garagem Ponthieu, edifício da Rua Franklin, guarda-móveis dos Gobelins, etc.).

Depois da guerra de 1914-18 aparece L’Esprit Nouveau, revista internacional da actividade contemporânea
que apresenta de modo especial os problemas da arquitectura e do urbanismo, despertando um interesse
que, imediatamente, ultrapassa fronteiras. Estas teses (ética e estética, técnica e sociológica) são
materializadas (1922, Salão de Outono) pelo estudo de Le Corbusier, denominado Une Ville Contemporaine
de 3 Millions d’Habitants. Alguns problemas nele salientados tornar-se-ão da mais premente actualidade: o
lar (a célula de habitação, o loteamento racional compreendendo o futuro estatuto do solo e a determinação
de unidades de grandeza conformes); o urbanismo de hoje levando em conta as condições de habitação, de
trabalho, de repouso e de circulação. Este tema sintético, arquitectura e urbanismo, incansavelmente
perseguido, conduz, em 1930, à elaboração da tese chamada de Ville Radieuse.

Em 1928, foram fundados os C.I.A.M. (Congresso Internacional de Arquitectura Moderna) consagrando os


seus trabalhos ao urbanismo.

Em 1933, os C.I.A.M. encerram o seu IV Congresso em Atenas, com as Constatations, publicadas em 1943,
sob o título La Charte d’Athènes.

De ano para ano, temas urbanísticos e soluções arquitectónicas conjugam-se para responder às grandes
questões actuais sobre a urbanização e a construção. Estes esforços, surgindo em todos os lugares do
mundo, ligavam-se por laços directos ou indirectos a manifestações essenciais de evolução espiritual. Por
exemplo, a cruzada inglesa de Ruskin e o advento das cidades-jardim; as teorias urbanísticas de Camillo
Sitte; o movimento de arte 1900 (…); o desenvolvimento irresistível do betão armado, a construção do
automóvel, do avião, do transatlântico, a aparição do arranha-céu nos Estados Unidos.

Uma parte dessas ideias, embora vindas dos mais longínquos horizontes, reencontra, hoje, algumas das
proposições proféticas de Fourier, formuladas por volta de 1930, no nascimento da era da máquina.

Por outro lado, certas disposições, visando a urbanização das cidades industriais, retomam, aplicadas a
outros fins, uma velha ideia espanhola: o centro linear de habitação, remontando a 1880 e retomada em
silêncio, na União Soviética, por ocasião de certos empreendimentos do Plano Quinquenal.

Com incidências diversas e segundo as possibilidades locais, um esforço unânime e universal desemboca
em aplicações significativas em todos os lugares do mundo: as proposições de Walter Gropius, reagindo
contra o artificio e o conformismo que sucederam ao primeiro despertar arquitectonico alemão; o Jugen Styl;
os Escandinavos (Estocolmo, obras sociais, cooperativas de habitação etc., Helsínquia: trabalhos de Alvar
Aalto, fábricas, sanatórios etc.); na Holanda, os últimos planos de urbanização de Amsterdão e uma
renovação arquitectónica generalizada (residências, fábrica Van Nelle, escritórios, concurso para o projecto
do Paço Municipal de Amsterdão, etc.). Em Antuérpia, em 1933, mais de metade dos projectos do concurso
106 FORMA MODERNISTA

internacional para o plano de urbanização da margem esquerda do Escaut pertencia ao tipo da Ville
Radieuse. Na Checoslováquia, movimento caracterizado em Praga, em Brno, como em Zlin (Batà). Na União
Soviética, um movimento autóctone , o construtivismo, completa-se, já em 1928, com contribuições
ocidentais (Concurso internacional para o Palácio do Centrosoyus e o concurso Internacional para o Palácio
dos Sovietes). Na Suíça, numerosas aplicações espalhadas por todo o território e, muito particularmente, em
Zurique, Berna, Genebra, Basileia. Na Itália, uma acção muito fecunda dos C.I.A.M., em Milão. Em
Joanesburgo (Transval), a Faculdade de Arquitectura da Universidade é totalmente tomada pela doutrina dos
C.I.A.M. Londres liga-se a ela por volta de 1932 (imóveis, exposições, projectos de urbanismo londrino). No
México, numerosas construções. No Rio de Janeiro, um grupo C.I.A.M. muito activo constrói o Ministério da
Educação Nacional e da Saúde Pública, faz os projectos da Cidade Universitária e de muitos edifícios
públicos. A mesma actividade no Uruguai e na Argentina. Nos Estados Unidos, arranha-céu, característico de
Howe e Lescaze, em Filadélfia; o Museum of Modern Art, em Nova Iorque, instala nas suas colecções as
maquetes do palácio dos Sovietes e da urbanização de Nemours, da Argélia, feitas em Paris. A Universidade
de Harvard (Boston) confia a sua cátedra de arquitectura a um dos membros dos C.I.A.M. Na Argélia, um
esforço incansável para que as autoridades adoptem um plano de urbanização de Argel e de sua região,
segundo a doutrina dos C.I.A.M. A mesma seiva circula na Hungria, na Turquia, na Polónia, na Jugoslávia,
na Grécia. A China e o Japão estiveram entre os primeiros a fazer uma aplicação entusiástica dessas teses.

Nenhum país deixou de ser atingido por essa renovação. Frutos do cálculo (que é universal) e de uma nova
consciência, nascida no curso do primeiro ciclo da era da máquina, esta arquitectura, este urbanismo
difundido no mundo inteiro, possuem traços comuns. Bastarão alguns anos de desenvolvimento para que as
características locais, impostas pelo clima e pelas tradições, surjam naturalmente neste movimento”.

5.2 VILLE RADIEUSE, O MODELO DE LE CORBUSIER

Le Corbusier, como todos os outros modernistas, recusa frontalmente a cidade existente, pela sua mistura de
funções, problemas de circulação, falta de sol e de higiene:

“A cidade radioconcêntrica industrial faliu. Ela molesta os homens, impondo circulações quotidianas
mecânicas e frenéticas e determinando uma mistura congestionada dos locais de trabalho. Cinturões
sucessivos e sufocantes interpenetrando-se como engrenagens, estabelecimentos industriais e bairros de
comércio, oficinas e subúrbios, subúrbios próximos e distantes” 133.

133 Le Corbusier, 1971, p. 10


FORMA MODERNISTA 107

“É tempo de repudiar o traçado actual das nossas cidades, na qual se acumulam os edifícios e se enlaçam
ruas estreitas, repletas de barulho e cheiro a pó e gasolina, abrindo-se as janelas sobre tais sujidades. As
grandes cidades tornaram-se demasiado densas para a segurança dos seus habitantes e, contudo, não são
suficientemente densas para responder às novas realidades” 134.

Mas Le Corbusier recusa também o modelo da cidade jardim:

“Muita gente pensa compensar o desgaste nervoso e os mil dissabores da cidade morando em pequenas
casas na periferia. Sem dúvida a casinha (minha casa, meu lar), ladeada por uma horta e um pomar e pela
árvore amiga, ocupa o coração e a mente das multidões, permitindo que os homens de negócios obtenham
lucros substanciais no loteamento dos terrenos.

Em oposição a essa grande dispersão de pânico, cumpre lembrar uma lei natural: os homens gostam de se
agrupar, para se ajudarem mutuamente e se defenderem, para economizarem esforços. Quando se
dispersam, como actualmente nos loteamentos, é que a cidade está doente, hostil, e não cumpre mais os
seus deveres” 135.

O Modelo de organização da cidade de Le Corbusier parte de um novo conceito de arquitectura, possível


pela evolução das técnicas construtivas. O pressuposto é o do máximo aproveitamento da máquina e de toda
a evolução tecnológica:

“A máquina é um acontecimento capital na história da humanidade (…) que opõe um mundo velho a um
mundo novo na globalidade de todas as raças.

Uma casa é uma máquina de habitar, uma cadeira é uma máquina de sentar (…) É necessário estudar e
encontrar a célula perfeita que responde às necessidades humanas, fisiológicas e sentimentais. A concepção
minha casa (regionalista) irá desaparecer. Coloca-se a questão de uma organização internacional de
standards de alojamento” 136.

O aparecimento do betão, do aço e do vidro torna possível a revolução da arquitectura, que assenta na
separação entre as funções portantes (vigas e pilares) e as partes portadas (paredes e divisões, que poderão
ser em alvenaria, mas também em vidro).

134.Le Corbusier, 1971, p. 234


135 Op. Cit., pp. 11 e 12
136 Le Corbusier, em Choay, F., 1965, p. 233
108 FORMA MODERNISTA

Tais acontecimentos construtivos permitem que seja defendido pelos modernistas:


- a supressão dos embasamentos dos edifícios; fundações localizadas; o primeiro piso a 3m de altura; o
solo livre, entre pilares, podendo ser utilizado para circulação ou outros fins;
- a ampla utilização do vidro nas fachadas, abrindo os edifícios à luz;
- a cobertura constituindo um novo piso, um terraço-jardim para uso colectivo dos moradores.

A maison radieuse, a torre isolada, onde o sol invade os compartimentos através do vidro, permitindo que
deles se desfrutem vistas magníficas, é afinal o elemento essencial e diferenciador do modelo.

Dela decorrem três consequências que marcaram decisivamente partes significativas das actuais cidades:
- a construção em altura, potenciando altas densidades;
- o desaparecimento da rua/corredor, com o seu alinhamento de edifícios;
- o espaço livre, público, rodeando os edifícios.

Le Corbusier é bem explícito a este respeito.

Cada torre (unidade de habitação) ocuparia uma pequena área de solo e teria 50m de altura, alojando 1600
pessoas (noutro local refere 337 apartamentos, de 23 tipologias diferentes). Ruas interiores, segundo o eixo
longitudinal do edifício, serviriam os vários apartamentos, organizados em duplex, que teriam isolamento
acústico entre si. A meia altura (pisos 7 e 8) ruas comerciais e de serviços, de apoio directo aos corredores.
No último piso (17º), uma creche ligada ao jardim colectivo, sobre o terraço, sala de cultura física, um solário,
um bar-bufet 137.

Cada unidade incluía, pois, habitação e prolongamento da habitação (pequeno comércio, serviços de apoio,
escolas, equipamentos), no próprio edifício, mas também no espaço verde envolvente. “A posição próxima ou
distante dessas ferramentas quotidianas cria, no espaço de tempo determinado pelas vinte e quatro horas
solares, o agrado ou o desconforto”.

As torres distanciar-se-iam umas das outras entre 150m a 200m, sendo afectados 4ha a cada uma, o que
significaria uma densidade de 400 pessoas/ha (ou 85 fogos/ha) que o próprio Le Corbusier considera alta,
por oposição às defendidas, na altura, para as cidades-jardim.138.

137 Le Corbusier, em Choay, F., 1965, p. 248


138 Op. Cit., p. 243
FORMA MODERNISTA 109

Figura 47: “Une Ville Contemporaine”, de Le Corbusier 139

139 Selecção de: Lamas, José, 1993, p. 353


110 FORMA MODERNISTA

Figura 48: “Le Plan de Voisin”, de Le Corbusier 140

140 Selecção de: Lamas, José, 1993, p. 355


FORMA MODERNISTA 111

Figura 49: “La Ville Radieuse”, de Le Corbusier 141

141 Selecção de: Lamas, José, 1993, p. 357


112 FORMA MODERNISTA

O desaparecimento da rua-corredor é uma consequência do modelo, mas também uma opção explicitamente
defendida: “é tempo de repudiar o traçado das nossas cidades (…) ruas estreitas, repletas de barulho, cheiro
a pó e gasolina”; “sobre a pressão das velocidades mecânicas, impõe-se uma decisão urgente, libertar as
cidades da opressão, da tirania da rua”.

Um exemplo, apresentado por Le Corbusier no seu livro Manière de penser l’urbanisme 142 é bem ilustrativo
da intervenção que defende para um quarteirão antigo, a que chama ilhota de casebres ( ver Figura 51)

Na solução C “ a rua continua um corredor, o lugar comum de peões, carros e transportes públicos; as
fachadas e as suas janelas continuam a abrir-se para a poeira da rua ou para os pátios; a orientação da
construção continua dependente do traçado da rua, sem qualquer relação com a regra do sol; a vegetação
destina-se apenas ao embelezamento dos pátios, não participa da paisagem; a solução adoptada ignora os
“prolongamentos da habitação”, questão essencial do alojamento.

A solução D, estendida às ilhas contíguas, essa sim, corresponde ao modelo preconizado: “dá inicio à
libertação do solo; permite a orientação racional da habitação; (…) a cidade transforma-se pouco a pouco em
parque; abolida a tirania da rua, todas as esperanças são permitidas”.

O desaparecimento da rua-corredor e a implantação isolada de “torres” não significa, no entanto, a adesão às


teses decorrentes do paisagismo, da forma curvilínea, irregular, da “naturalidade estudada”.

Le Corbusier defende a regularidade, o terreno plano, a geometria, a linha recta:

“A minha cidade é traçada sobre um reticulado regular de ruas afastadas 400m, subdivididas por vezes em
200m”.

“O terreno plano é a solução ideal, a solução normal, numa sociedade civilizada”.

“Uma cidade moderna vive de linha direita; a circulação exige a recta. A curva é difícil e perigosa, paralisa. A
linha recta está presente em toda a história do homem, em todo o acto humano. A rua curva é o caminho dos
burros, a rua direita o caminho dos homens.

O esforço humano é idêntico através de todos os tempos. As cidades, os templos, as habitações, contêm
células de aspecto idêntico e dimensão à escala humana. O animal humano é como a abelha, um construtor
de células geométricas” 143.

142 Le Corbusier, 1971, p. 90 a 94


143 Le Corbusier, em Choay, F., 1965, p. 240
FORMA MODERNISTA 113

A - Uma ilhota de casebres; B - Reunificação da propriedade fundiária; C - Nova solução com imóveis que dão para ruas e
para grandes pátios; D - A solução defendida 144

Figura 50: Exemplo de Renovação Urbana, de Le Corbusier

144 Le Corbusier, 1971, pp. 91-94


114 FORMA MODERNISTA

O modelo de Ville Radieuse, para além desta procura de ordem e regularidade, apresenta como
características fundamentais:

- a separação das três funções principais: habitação, trabalho e lazer;


- a segregação dos diversos tráfegos e a consequente especialização das redes viárias; no subsolo as
mercadorias; tráfego de atravessamento em viadutos; ao nível do solo o acesso local automóvel, peões,
bicicletas;
- a aproximação à natureza, “atendendo às suas condições escritas numa das tábuas da Lei do
Urbanismo Contemporâneo, cujos elementos são o ar puro, o sol e a vegetação”;
- a supressão da apropriação privada do solo; o solo da cidade todo ele transformado em domínio público,
prestando-se à instalação de funções comunitárias, úteis a todos os habitantes;
- os edifícios em altura, abertos ao sol, potenciando uma forte densidade e a consequente diminuição das
deslocações; o desaparecimento da rua-corredor” 145.

As três primeiras características são comuns a todos os modelos modernistas. É com as duas últimas que a
cidade radiosa, futurista, cidade-jardim vertical, se opõe, frontalmente, áqueles outros modelos que assentam
na tipologia de vivenda individual.

Numa perspectiva macro, Le Corbusier assume a metrópole, a cidade de grande número de habitantes,
buscando para ela uma organização territorial.

Pensa numa cidade de três milhões de habitantes e estabelece para eles uma classificação: os urbanos, que
trabalhariam na área central e habitariam na sua envolvente directa e que seriam cerca de meio milhão; os
suburbanos, operários que viveriam nas cidades-jardim e trabalhariam nas fábricas da periferia; os mistos,
que também habitariam nas cidades-jardim , mas trabalhariam na área central 146.

Sublinha a necessidade do rigor dos números e de um modelo de distribuição associada à organização das
comunicações e dos transportes, aspecto que mantém toda a actualidade.

Defende, nesta escala global, a substituição de organização radioconcêntrica por uma organização linear,
centrando as comunicações internas da grande cidade num eixo com estrada, caminho de ferro e canal,
estabelecendo ligações fáceis entre todos os pontos.

As zonas habitacionais, com os seus espaços verdes e serviços próprios seriam separados das zonas
industriais por cortinas de árvores protectoras.

145 Le Corbusier, 1971, p. 12


146 Op. Cit., p. 238
FORMA MODERNISTA 115

Como todos os alojamentos seriam idênticos, seria fácil a mudança de residência aquando da mudança de
emprego, o que permitiria residência próxima do local de trabalho.

Noutro local, a área central, terciária, organizada à volta da grande estação. Le Corbusier não sente qualquer
atracção, nem considera necessários centros obstruídos, desordenados e barulhentos das velhas cidades;
propõe a sua demolição, salvaguardando apenas os monumentos mais importantes. Mas está consciente da
necessidade de uma organização concentrada dessa área central, para favorecer contactos múltiplos.
Imagina para tal uma série de lugares especializados, negócio, governo, universidade, construídos em
imensos espaços verdes e ligados entre si por vias rápidas.

Mas não considera a necessidade do passear pela cidade, do encontro informal, do divertimento nocturno. À
noite cada um voltaria para a sua casa, para a família e para dormir; o convívio aconteceria centrado nas
unidades de habitação 147.

As ideias de Le Corbusier para a localização das funções terciárias aproximam-se do que viriam a ser as
soluções dominantes nos Estados Unidos da América.

Defende a grande concentração, a grande densidade dessas áreas: “Os escritórios concentram-se, em todas
as cidades, numa área especifica; mais ainda, tendem a reunir-se num único edifício, num imóvel perfeito, a
“cidade dos negócios” 148; “utilizando o grande acontecimento construtivo, que é o arranha-céus, seria
suficiente localizar, nalguns pontos raros, construções imensas de 60 pisos. A partir do 14º piso seria a calma
absoluta, o ar puro. Nestes edifícios, segundo a feliz experiência americana, concentrar-se-iam os lugares de
trabalho, o que traria maior eficácia económica de tempo e de espaço, para além da calma indispensável” 149.

Mostra igual apreço pelo park-way o qual, parcialmente em contradição com a ideia inicial, veio a sustentar
outra forma de organização de terciário, também americana, os serviços instalados ao longo de uma estrada.
Refere: “A organização das estradas, fora da cidade, têm assumido duas formas: a primeira é a grande auto-
estrada que liga duas cidades através de uma pista cercada e defendida de qualquer cruzamento; a segunda
cresceu nos Estados Unidos e tem o nome de park-way. O seu princípio é o de esculpir, através dos campos,
vias dominantes, com funções de recreio, multiplicando as soluções paisagísticas”. O park-way, com os seus
cruzamentos controlados, vinca a separação entre a circulação e as áreas de construção, é o acto percursor
das operações cirúrgicas indispensáveis às cidades obstruídas. Então o park-way entrará no centro e
percorrê-lo-á como agora percorre o campo, flexível e livre, como a planta das unidades habitacionais” 150.

147 Claval, Paul, 1981, p. 546


148 Le Corbusier, 1971, p. 77
149 Le corbusier, em Choay, F., 1965, p. 233
150 Le Corbusier, 1971, pp. 85 e 98
116 FORMA MODERNISTA

Estas novas ideias, modernistas, espalham-se por todo o mundo e viriam a influenciar, decisivamente, as
transformações territoriais das décadas seguintes. A opção internacionalista integra o próprio modelo e é
explicitamente assumida por Le Corbusier:

“Os adversários da nova arquitectura apelidam-na, para a desqualificar, de internacional. Reconhecem,


assim, que se estabeleceu uma unanimidade em todas as regiões e latitudes, e mais não revelam que o
medo perante alguns excessos deste período de mutação” 151.

5.3 DA APLICAÇÃO DO MODELO À PROLIFERAÇÃO ESPECULATIVA DE TORRES

Podem distinguir-se dois períodos na afirmação da cidade futurista: o primeiro ocorre desde o início do
século até à Segunda Grande Guerra e corresponde essencialmente a formulações teóricas e a
experimentações; o segundo, que se estende até ao início dos anos 70, traduz-se na sua aplicação maciça,
se bem que muitas vezes desfigurada.

No pós-guerra verifica-se uma enorme necessidade de construção de habitação motivada por um grande
afluxo às cidades e pelas destruições decorrentes da própria guerra. Ocorre, na altura, a alteração da
estrutura produtiva, até aí assente na indústria pesada. Esta evolução, minorando a importância da
localização da matéria prima, acentuou o afluxo às grandes cidades, por constituírem locais de mão-de-obra
diversificada e de grande consumo, e ainda pela proximidade ao centro de decisão.

Este forte crescimento das metrópoles e as teses económicas intervencionistas, na altura dominantes,
suscitam grande intervenção pública no ordenamento das cidades e na produção e oferta de solo urbanizado
e de habitação. Adopta-se a escala de planeamento regional, procuram-se modelos para as áreas
metropolitanas, constroem-se muitas cidades novas.

Confrontavam-se, na altura, dois modelos: à escala macro, a solução radioconcêntrica e a solução linear;
sobre a forma urbana, a cidade-jardim e a cidade futurista.

A diferença entre um crescimento radioconcêntrico e um crescimento linear assenta essencialmente na


adopção (ou não) de direcções preferenciais de urbanização.

O crescimento espontâneo é normalmente radioconcêntrico, salvo quando acidentes topográficos impõem a


sua lei.

151 Le Corbusier, 1971, p. 35


FORMA MODERNISTA 117

Mas a vontade de ordenar a metrópole com base nos transportes públicos aponta, na linha defendida por
Tony Garnier para a cidade linear, para uma melhor rentabilização das infraestruturas de transporte e até
para a preservação de zonas verdes de maior dimensão.

Outro argumento a favor da cidade linear surge com o planeamento regional e a consequente adopção de
eixos de desenvolvimento a essa escala.

Os planos elaborados para Copenhaga adoptam este modelo.

O Plano dos Dedos, de 1947, constitui o primeiro plano regional da cidade, propondo travar o crescimento e
canalizando as tendências de urbanização para um conjunto de centros urbanos, a criar ao longo de cinco
eixos suportados por transportes ferroviários suburbanos e separados por espaços verdes protegidos. O
tempo de transporte máximo para o centro seria de quarenta e cinco minutos.

O Esquema Preliminar, de 1961, elaborado ainda antes que os cinco dedos estivessem implantados, propõe
uma direcção preferencial de urbanização no sentido oeste (no sentido das principais cidades do país e do
continente europeu) e a criação de secções de cidade da ordem dos 250 000 habitantes, absorvendo cada
uma o crescimento urbano ao longo de um decénio 152.

Figura 51: Planos para Copenhaga, de cidade linear 153

152 Merlin, Pierre, 1969, p. 71


153 Figura extraída de: Merlin, Pierre, 1969, p. 73
118 FORMA MODERNISTA

Também em Estocolmo, cidade com grande tradição de planeamento e de iniciativa pública fundiária, o
Plano de 1952 adopta um modelo linear, prevendo a construção de cidades satélite ao longo das linhas do
metropolitano, cada uma delas composta por unidades de vizinhança de 10 a 20 mil habitantes, localizadas à
volta de cada estação. Perto desta, localizar-se-ia uma área comercial de pequena dimensão, sendo prevista
uma de maior importância para o conjunto da cidade satélite. Num raio de 500m predominaria a habitação
colectiva; na coroa dos 500 aos 1000m a habitação individual.

O Plano de 1967 rompe com as hipóteses tímidas de crescimento dos planos anteriores e assume um forte
crescimento populacional. Mantém a proposta das cidades satélites mas a outra escala, com unidades de 40
000 habitantes, ao longo de duas direcções preferenciais, noroeste e sudoeste, a primeira ligando a capital
ao norte do país e a outra no sentido do continente europeu. Introduz já a vontade de reforço do centro da
cidade, com a sua renovação e a concentração de actividades comerciais e financeiras.

Relativamente a Londres, já atrás se referiu o Plano de Abercrombie (1944) como exemplo de uma solução
radioconcêntrica, associada à contenção do crescimento e à criação de cidades-jardim, distanciadas entre si
e com zonas agrícolas envolventes.

Mas também em Inglaterra, a partir dos anos 60, se rompe com a perspectiva de contenção da população
nas grandes cidades, aceitando-se as dinâmicas existentes, ao mesmo tempo que se substitui a opção
radioconcêntrica por um crescimento assente em novas infraestruturas de transporte, privilegiando as
direcções por elas servidas, ou seja, por uma opção linear.

De referir um estudo dirigido por Colin Buchanan, de 1966, para South Hampshire (região situada a 125km
de Londres, para sudoeste), no qual são analisados e comparados vários esquemas teóricos de
desenvolvimento urbano e onde se conclui que estes se podem reduzir a três: a rede radioconcêntrica,
formada por células hexagonais; a rede linear; a rede rectangular. Estabelecida a comparação entre estes
modelos, concluem:

- “A rede radioconcêntrica revela-se rígida, quase não permite o crescimento, falta-lhe flexibilidade. É um
modelo essencialmente estático.

- A rede rectangular é invertebrada, não é estável e não permite que os centros urbanos exerçam o seu
papel atractivo. Além disso, não permite a utilização em boas condições dos transportes públicos.

- A rede linear afigura-se a melhor. Apresenta grande flexibilidade e é particularmente favorável aos
transportes 154.

154 Merlin, Pierre, 1969, p. 64


FORMA MODERNISTA 119

Nos anos 60 é, pois, a perspectiva dos transportes públicos, associada à admissibilidade do grande
crescimento das cidades - que aliás nenhum plano tinha conseguido evitar - que impõem as escolhas a
adoptar.

Todos os modelos modernistas consideravam a importância da circulação, mas a rede de transportes era
assumida como relativamente independente das zonas urbanas. Agora, o tráfego e o plano de massa 155

começaram a ser assumidos como duas faces de um único e mesmo problema, que teriam de ser planeados
em conjunto.

Esta é exactamente a perspectiva do Relatório Buchanan. Elaborado mediante solicitação, em 1961, do


Ministério dos Transportes britânico, que pretendia estudar os problemas provocados pelo crescimento do
tráfego automóvel dentro das cidades, e apresentado em 1963, conclui que a coexistência pacífica
automóvel/peão exige a criação de novas soluções urbanas, a que chama arquitectura de circulação.

Considera-se, neste Relatório, que a necessária separação entre tráfego de atravessamento e as zonas de
vivência conduz a uma organização celular de cidade. Esta deveria, pois, ser organizada como um conjunto
de zonas de vivência, articuladas entre si por corredores de distribuição primária de tráfego.

Cada zona de vivência poderia corresponder a um bairro activo, com grande circulação interna, mas sem
tráfego de atravessamento. “A dimensão máxima de uma zona de vivência seria determinada pela
necessidade de impedir que a circulação interna atingisse um volume tal que precisasse de ser dividida, pela
introdução, dentro da rede, de uma via de distribuição suplementar”.

Partindo deste conceito, propõe uma nova metodologia para abordar as questões de circulação:

“Na maior parte dos estudos o problema considerado era essencialmente o da circulação de veículos. Em
consequência, estes estudos preocupavam-se sobretudo com o contorno das cidades, adoptando uma
perspectiva centrípeta. O nosso método levou-nos a adoptar uma perspectiva oposta: ocupamo-nos em
primeiro lugar com as zonas de vivência, começando por aquelas onde se concentram as principais
actividades; pouco a pouco, num movimento centrífugo, vai-se criando uma estrutura celular para o conjunto
da cidade, sendo que a rede viária irá surgindo por si mesma” 156.

Já não se está, portanto, perante a defesa de uma forma de cidade (futurista ou outra), mas perante uma
metodologia, que parte da cidade existente e procura resolver os problemas de tráfego, também existentes.

155 Plano de massa: é um instrumento de representação gráfica, utilizado pelos planos futuristas, uma espécie de vista aérea com
sombras, em que a dimensão da sombra é proporcional à altura do edifício
156 Buchanan, em Choay, F., 1965
120 FORMA MODERNISTA

Voltemos, então, à cidade futurista e desta vez a Portugal.

No período anterior à Segunda Grande Guerra a influência do modelo apenas teve representações pontuais.

Pode citar-se a proposta de Cassiano Branco, elaborada no início dos anos 30, para um pólo de lazer na
Costa da Caparica.

A solução apresenta um conjunto de mega - edifícios, bastante afastados entre si e com forma arquitectónica
bem definida. “O espaço público é generoso, prevendo uma cidade para o automóvel e longas zonas
pedonais. Um canal artificial navegável, separando a praia das esplanadas marginais e atravessado por uma
sucessão de pequenas pontes de acesso à praia, confere uma carga lúdica adicional ao conjunto.

Toda a proposta se situa no domínio da utopia. A ocupação pré-existente é ignorada, e apenas a paisagem
natural enquadra as novas construções. A linguagem, a escala e a força plástica dos edifícios anunciam um
novo conceito de cidade, dominando a paisagem, sem limites definidos e onde a arquitectura assume o papel
de protagonista. A faixa marginal, com o plano de água e os espaços verdes, alternando com as esplanadas,
são uma epopeia ao lazer, por oposição a uma cidade do trabalho que progressivamente se organiza” 157.

Figura 52: Plano Furturista, para a Costa da Caparica, de Cassiano Branco

Nos anos 40, como atrás se referiu, foi o modelo de cidade-jardim que esteve presente na generalidade dos
planos de urbanização que foram sendo elaborados.

É no I Congresso Nacional de Arquitectura, em 1948, que se assistiu a uma adesão aos princípios da Carta
de Atenas, defendida por Viana de Lima, Arménio Losa, Lobão Vital.

157 Lôbo, Margarida Souza, 1995, p. 124


FORMA MODERNISTA 121

A sua influência fez-se sentir sobretudo ao nível da arquitectura e em intervenções de pequena escala, como
planos de pormenor.

Mas alguns urbanistas adoptaram esta concepção de cidade como modelo global. Os primeiros exemplos
são os planos de Vila Nova de Gaia e de Macedo de Cavaleiros, ambos de autoria de Arménio Losa e Bonfim
Barreiros.

“O anteplano de Vila Nova de Gaia (…) surge como o primeiro plano que adere claramente aos princípios da
Carta de Atenas, introduzindo um novo conceito de cidade, em que o homem se reconcilia com a natureza.
Esta nova cidade não tem limites, os edifícios libertam-se da rede viária e passam a ficar envolvidos pela
paisagem, de acordo com a concepção que o Congresso dos Arquitectos apelidara de Cidade Radiosa.

A proposta de Losa para Gaia organiza o aglomerado em unidades residenciais constituídas por conjuntos
independentes entre si, as quais, em articulação com os centros programados, o centro cívico e
administrativo, o centro cultural e de ensino, o centro social e de negócios e, finalmente, o centro desportivo,
estruturam o aglomerado que o sistema principal de circulação sublinha. As unidades residenciais contêm os
serviços e instalações indispensáveis à vida quotidiana dos seus habitantes.

A proposta enfatiza todo o sistema de circulação, segregando o trânsito automóvel, os ciclistas e os peões.
Três ascensores, de comunicação do aglomerado de Vila Nova de Gaia com a faixa ribeirinha, completam
este sistema de circulação.

De acordo com a Carta de Atenas, Losa determina um zonamento rigorosamente unifuncional e preconiza
densidades localizadas muito elevadas, as quais por sugestão, da Direcção-Geral, o urbanista diminui para
300 habitantes por hectare.

Os espaços verdes incluídos em cada unidade de vizinhança, assim como os espaços envolventes, integram
o extenso sistemas de parques, que funciona como enquadramento paisagístico do conjunto de edifícios
propostos.

Dentro da nova concepção, o aglomerado pré-existente fica subalternizado, sendo em parte condenado por
razões de salubridade que iludem os verdadeiros objectivos, a implementação de um aglomerado ex novo de
acordo com o último figurino” 158.

O plano para Macedo de Cavaleiros, de 1952, segue os mesmos princípios e é o anúncio de uma nova
forma. “Os edifícios em banda libertam-se da rede viária e da malha cadastral. O parecer de Conselho
Superior de Obras Públicas sublinha-o com desagrado: “não se prevê loteamento do terreno, como parece
conveniente”.

158 Lôbo, Margarida Souza, 1995, pp. 212-215


122 FORMA MODERNISTA

A maior parte dos edifícios em banda encontram-se rigorosamente orientados com as fachadas a nascente e
poente, constituindo um conjunto ritmado e repetitivo, que só a imposição da via circular obriga a inflectir e
dobrar sobre si mesmo” 159.

Figura 53: Plano de Urbanização de Vila Nova de Gaia e Anteplano de Macedo de Cavaleiros, de Arménio Losa

No domínio das realizações concretas, a aplicação dos princípios da Carta de Atenas a uma área de
dimensão apreciável terá acontecido em Lisboa, nos Olivais, e depois em Chelas: Plano dos Olivais Norte
(1955-58), para 2 500 fogos de habitação social, num terreno de 40ha; Plano de Olivais Sul (1960), com
186ha; Plano de Chelas, 510ha destinados a albergar 11 500 fogos 160.

159 Lôbo, Margarida Souza, 1995, p. 216


160 Salgueiro, Teresa Barata, 1992, p. 185
FORMA MODERNISTA 123

Figura 54: Planos para: Olivais Norte, do Gabinete de Estudos de Urbanização da C.M.L.;
Olivais Sul, de Carlos Duarte e José Botelho 161

161 Selecção de: Lamas, José, 1993, p. 27


124 FORMA MODERNISTA

O modelo futurista, radioso, do edifício em altura, solto na paisagem e aberto ao sol, teve aplicação em
planos, em urbanizações de dimensão, mas também e sobretudo em intervenções dispersas e pontuais.

Situemo-nos outra vez no pós-guerra, com o grande afluxo às metrópoles, a correspondente necessidade
habitacional e a forte intervenção pública na produção e oferta de solo urbanizado.

Havia que construir muito, com rapidez e de forma económica. E o modelo futurista afirmou-se como
adequado para o efeito, uma vez que defendia:
- a construção em altura, com a plena utilização do betão armado;
- a adopção de formas-tipo, a standardização, com a correspondente pré-fabricação, elementos
essenciais da procura de racionalidade industrial;
- os edifícios isolados, soltos, o que permitia a construção da cidade por sistemas independentes: vias e
infraestruturas, edifícios e espaço verde; cada um deles poderia ser projectado e construído de forma
quase autónoma, o que criava grandes facilidades na implementação.

Não admira, portanto, que este modelo de cidade, assumindo uma perspectiva progressista, apostando no
total aproveitamento tecnológico e potenciando toda uma operacionalidade industrial, tenha sido
preponderante numa altura em que era necessário construir de forma rápida e maciça.

Mas o modelo, desfigurado dos seus objectivos generosos, serviu também à especulação fundiária. De
recordar que Le Corbusier, na sua Ville Radieuse, defendia o solo público e megaedifícios afastados 150 ou
200m. Mas, muitas vezes, aconteceram construções em altura mas muito próximas entre si, cada uma a
projectar sombra sobre a outra. E o espaço público, longe da generosidade do modelo, revelava-se exíguo
para albergar os automóveis, que invadem as escassas áreas pedonais, informes e mal tratadas.

Além disso, as torres não se limitam às novas urbanizações, invadem a cidade existente, contínua,
aumentando as suas carências funcionais, decorrentes de um espaço público já muito exíguo perante a
novidade do automóvel.

Nos EUA, onde a opção dominante foi a vivenda individual, as torres são adoptadas para os centros das
cidades, reduzidas a áreas de negócios, o C.B.D. (Central Business District).

Por iniciativa pública ou privada, com soluções mais generosas ou mais especulativas, o modelo futurista e a
construção em altura estão presentes, de forma expressiva, nos processos de expansão e transformação das
cidades.
FORMA MODERNISTA 125

Muito criticado a partir dos anos 60, o modelo continua ainda a ser aplicado.

Já atrás se referiu a posição de Jane Jacobs, em publicação de 1961, onde põe em causa as cidades
modernistas (a futurista e a cidade-jardim), defendendo a importância da rua e da mistura funcional.

Refere Paul Claval: “As funções da cidade, funções urbanas por excelência, são a maximização das inter-
relações sociais e o favorecimento de encontros e trocas de todas as espécies. Ao reduzir as necessidades
dos cidadãos, como o fizeram as utopias da cidade moderna, à trilogia habitação/trabalho/lazer e ao reduzir o
urbanismo ao correspondente zonamento, os resultados são as deslocações de metro, a casa para dormir e
os engarrafamentos ao fim de semana. Não é a cidade, mas a sua caricatura” 162.

Muitos e muitos outros autores poderiam ser citados nas suas criticas ao modernismo. Este e a sua Carta de
Atenas são acusadas de todos os males da cidade, uma espécie de bombo da festa.

As críticas mais habituais são:


- a densidade excessiva, ter alimentado a especulação fundiária;
- o desrespeito pelas preexistências, pelo património;
- a separação funcional, com o correspondente zonamento;
- o abandono de ruas e praças.

Vale a pena analisar, sumariamente, uma por uma.

Quanto à densidade e à especulação:

É verdade que o modelo futurista defende a concentração, densidades elevadas. Nalguns casos, como faz
Sant’Elia, é mesmo defendida a grande concentração de arranha-céus e ruas sobrepostas. Mas na Carta de
Atenas a construção em altura corresponde à procura do sol, a grandes espaços livres. Na Ville Radieuse a
densidade sugerida é de 85 fogos/ha, elevada mas não excessiva.

E a perspectiva assumida é colectivista, o solo é assumido como público. O modelo, na sua génese, não
tinha intenções especulativas.

É a construção em altura que permite as altas densidades. Mas não foi a Carta de Atenas que inventou o
betão armado, apenas o utilizou.

Densidade excessiva e especulação decorrem, portanto, da evolução tecnológica, da voracidade (natural)


dos promotores e da permissibilidade do Estado, muito mais do que da Carta de Atenas.

162 Claval, Paul, 1981, p. 554


126 FORMA MODERNISTA

Quanto ao desrespeito pela cidade existente:

É verdade que os modelos de cidade futurista quase ignoram a cidade existente, o que deixa subjacente a
vontade de a abandonar.

Mas tal atitude não é apenas característica deste modelo, já vem bem de trás. Está patente nas intervenções
de Haussman, assim como nas propostas de Ebenezer Howard e de Frank Lloyd Wright.

Vivia-se na altura a utopia, a vontade de transformar o mundo. Razões higienistas justificavam as


demolições. O actual conceito de património ainda não existia, o seu desenvolvimento é bem recente.

Quanto ao zonamento/ segregação funcional:

Sendo característica integrante e importante da cidade futurista, é-o igualmente de todos os modelos
modernistas.

Há que não esquecer que a cidade industrial, com a sua enorme promiscuidade, motivou esta necessidade
de segregação de actividades.

Refere Jane Jacobs, defendendo a mistura funcional, que a evolução nos campos da medicina, higiene,
epidemiologia, dietética e legislação de trabalho já não justifica tal segregação. Mas essa é uma situação de
hoje, não é de outrora.

E é de referir, para além disso, que a mistura funcional que hoje defendem muitos urbanistas e pensadores
da cidade nem sempre é de facto desejada pela população, originando muitos conflitos. Trata-se de um
assunto em aberto, merecedor das necessárias sínteses e de soluções de compromisso.

Quanto ao abandono das ruas e praças:

Esta, sim, terá sido a proposta do modelo futurista que originou resultados francamente negativos.

Acreditou, na altura, Le Corbusier, que em cada unidade de habitação, com pequenos serviços, comércio e
equipamentos, ocorreria todo um convívio social. A realidade demonstrou que estava enganado. A
construção em altura inibe o relacionamento social. Nas deslocações verticais, nos elevadores, as pessoas
retraem-se, não comunicam; o morador do 5º esquerdo talvez nunca chegue a conhecer o do 7º direito .A rua
e a praça revelaram-se indispensáveis como locais de encontro, de troca e de lazer.

Também no que respeita ao desenho da cidade o modelo originou consequências nefastas.

Anteriormente, na cidade das ruas, mais regulares ou irregulares, com melhores ou piores perspectivas e
alargamentos mais ou menos generosos, com fachadas mais ou menos interessantes, ocorria sempre uma
coerência, pelo menos a decorrente da continuidade e da clara separação espaço público/espaço privado.
FORMA MODERNISTA 127

Figura 55: Urbanizações de Torres e Blocos, em Londres e Paris:


Em cima: Bairro de Roehampton, região de Londres, 1950;
Em baixo: Cidade Nova de Champigny Sur Marne, região de Paris, 1968 163

163 Figuras extraídas de: Lamas, José, 1993, pp. 371 e 30


128 FORMA MODERNISTA

Figura 56: Urbanizações de Torres e Blocos, em Santo António dos Cavaleiros 164

164 Figura extraída de: Lamas, José, 1993, p. 360


FORMA MODERNISTA 129

Com o modelo futurista passaram a projectar-se ruas (muito subordinadas às características técnicas da
circulação automóvel) e a pendurar edifícios nessas ruas, sobrando então uns restos de espaço,
normalmente públicos, os quais por vezes não têm qualquer utilidade.

Um modelo modernista não tem que ser necessariamente assim, é possível que nele o espaço público seja
assumido como elemento determinante da solução urbanística, numa perspectiva de conjunto, e assim
originar, mesmo sem rua, soluções bastante interessantes, tanto do ponto de vista formal como funcional.

Mas a questão é que o modelo permite a referida atitude de projectar elementos quase independentes,
menosprezando a importância do espaço público. E tal possibilidade, articulada com os objectivos de lucro
dos promotores e com um individualismo crescente da sociedade, que se reflecte na atitude dos projectistas,
transforma a cidade num somatório de peças soltas, sem solução de conjunto nem coerência e,
paradoxalmente, com espaço público quantitativamente excessivo, mas claramente insuficiente, porque
informe, para as necessidades de estar, circular e estacionar.

Pensando em tipologias, há que referir que a construção em altura, de torres e blocos, que de alguma forma
se pode associar ao modelo futurista, teve uma enorme expressão, após a 2ª Grande Guerra, em muitos
países europeus, tendo constituído resposta eficaz ao crescimento das cidades e à grande carência de
alojamento.

A partir dos anos 70 verifica-se uma alteração a este domínio tipológico. Inquéritos realizados nessa altura
revelam que a maioria da população não gosta da solução e anseia por moradias individuais, situação que
prevalece até hoje. Por isso, pelas críticas que se foram levantando ao modelo e, sobretudo, pelo aumento
de taxa de motorização e porque o grande boom de crescimento demográfico estava a passar, a construção
de habitação unifamiliar voltou a crescer, sendo absolutamente dominante nos países do norte europeu.

Contudo, na Europa dos anos 90, conforme revelam os números que à frente serão apresentados, assiste-se
a uma tendência para o processo voltar a inverter-se. Cresce a construção de edifícios plurifamiliares.

O aumento dos agregados residentes, embora significativo, na ordem dos 12% por decénio, não é suficiente
para justificar tal tendência, sobretudo numa altura em que o crescimento urbano ocorre sob o binómio
mobilidade/dispersão.

As razões radicam, provavelmente, no aumento do protagonismo dos promotores e no correspondente


objectivo de valorização fundiária, face a uma atitude de maior permissividade/desregulamentação por parte
da Administração Pública.
130 FORMA MODERNISTA

Em Portugal, concretamente, a construção de edifícios em altura e de grande dimensão tem vindo a crescer
nas últimas décadas. Em 1981, no Continente, os alojamentos em edifícios com 10 ou mais fogos eram 10%;
nas licenças concedidas entre 94 e 96 representavam 45%. Estes e outros números serão à frente
apresentados e comentados detalhadamente, para as várias cidades consideradas.

Da forma modernista, seu Modelo de referência e suas aplicações concretas, a maioria delas bastante
abastardados relativamente à ideia inicial, haverá que reter especialmente:

- Pela positiva:
a necessidade de prestar maior atenção ao automóvel; a realidade actual é bem demonstrativa de como
o seu não suficiente enquadramento (dimensionamento de espaço, disciplina) é causa de muitas das
patologias da vivência urbana.

- Pela negativa:
a necessidade de contrariar o processo de construção da cidade através do somatório de peças soltas
(as vias e os edifícios como projectos autónomos, o que sobra como espaço público); este deveria, ao
contrário, constituir ponto de partida de toda a forma e disciplina urbana.
FORMA URBANO-CAMPESTRE 131

6. FORMA URBANO-CAMPESTRE

Forma urbano-campestre é o nome aqui adoptado para a mistura cidade/campo que, crescentemente, vai
acontecendo em torno da cidade contínua, envolvendo os diversos tipos de subúrbios.

Caracterizando-se pela presença dominante de habitação unifamiliar dispersa e isolada e pela persistência
de áreas agrícolas e florestais, poder-se-lhe-ia ter chamado rururbano. Mas preferiu vincar-se o seu carácter
de cidade, de nova forma de cidade.

A procura do campo pelos urbanos terá existido desde sempre, por razões higiénicas e de lazer. Mas, a partir
do século XVIII, com o derrube das muralhas e com o desenvolvimento da electricidade e dos transportes,
ela assume um carácter totalmente novo, é a construção que se espalha pelo campo envolvente, ocupando
áreas enormes.

Poder-se-á apontar Frank Lloyd Wright como o grande teórico da dispersão, defendendo uma teoria de
organização espacial que corresponde à negação do próprio conceito tradicional de urbanidade. A sua
cidade ideal, a Broadacre, seria um híbrido urbano-rural, em que todas as construção se espalhariam pela
paisagem, cada uma delas em parcelas de área não inferior a um acre, com uma arquitectura orgânica e
naturalista, integrante da própria paisagem.

O modelo que defende é pouco consistente, não se detendo em questões económicas ou financeiras, sociais
ou políticas. Mas a dispersão, não planeada mas consentida, é hoje uma realidade.

De notar que se trata de uma nova forma de ocupação urbana, as relações dos novos habitantes com o
espaço em que se instalam pouco tem a ver com ruralidade

Perante esta ocupação do território divergem as opiniões. Alguns, na linha de Frank Lloyd Wrigh,
consideram-na o sonho partilhado do regresso à natureza, a afirmação da liberdade a todos os níveis.
Outros, ao contrário, consideram-na uma forma de alienação mais redutora que qualquer outra e apontam-
lhe objecções sérias, como seja o grande consumo de espaço, os custos elevados de infraestruturação, o
alto consumo de energia.

Tais inconvenientes, que indiscutivelmente estão associados à dispersão, são ainda acentuados pelo facto
desta ocorrer à margem do ordenamento. A única solução parece ser, pois, assumi-la com uma nova forma
de cidade e procurar para ela um modelo especifico de ordenamento, enquadrando a construção mas
também as actividades agrícola e florestal aí existentes, que deveriam ser repensadas em função da cidade,
buscando complementaridades.
132 FORMA URBANO-CAMPESTRE

6.1 PROCURA DO CAMPO PELOS URBANOS

A actual problemática do periurbano, entendida como nova forma, dispersa, de organização da cidade,
corresponde a um fenómeno relativamente novo, que começou a desenvolver-se dois séculos atrás.

Mas ele entronca na procura do campo pelos urbanos e essa terá existido desde sempre.

“Nas cidades helénicas é frequente que o ginásio e até mesmo a academia se encontrem nos subúrbios, tal
como o jardim que associamos ao filósofo Epicuro.

Nos tempos medievais vimos que o mosteiro muitas vezes se instalou fora dos muros da cidade antes que,
pelo seu crescimento posterior, a cidade viesse a rodeá-lo.

Grandes universidades, como Oxford e Cambridge, que nasceram em cidades, procuraram e formularam,
para seu próprio uso, o mesmo tipo de ambiente do parque; aliás, talvez os seus esforços no sentido de
assegurar o luxo dos espaços tenha intensificado o antagonismo entre citadinos e estudantes.

Em todos os casos o padrão suburbano era tipicamente aberto. Jardins, pomares e calçadas cobertas e não
apenas espaço vazio, acompanhavam os prédios” 165.

Estas ocupações no subúrbio estão associadas ao luxo e ao poder, mas a procura do meio rural pelos
urbanos é um fenómeno geral. Ocorre pontualmente, sem grandes instalações fixas, associada não só à
agricultura mas também à procura de divertimento e do contacto com a natureza.

“Em toda a História, aqueles que possuíram ou arrendavam terras fora dos muros da cidade gostavam de ter
um lugar no campo, mesmo que não desempenhassem activamente trabalhos relacionados com a
agricultura: uma cabana, uma casa de campo, um caramanchão com parreiras, construído para servir de
retiro temporário (…). Enquanto a cidade permaneceu relativamente compacta e contida em si mesma, foi
possível manter certo equilíbrio entre as ocupações rurais e urbanas e os respectivos prazeres: comer,
beber, dançar, praticar desportos atléticos, entregar-se ao amor físico; todos os modos de relaxamento
tinham uma aura especial de festividade numa paisagem verdejante e ensolarada. Uma das primeiras penas
da continuação do crescimento urbano foi o facto de deixar aquele agradável cenário a grande distância,
confinando-o cada vez mais às classes dominantes” 166.

Outro motivo, desde sempre associado à procura do campo pelos urbanos, reside na sua superioridade
higiénica e em razões de saúde. “A partir do século XIII o medo da peste instigou uma fuga periódica da
cidade; pode dizer-se que o subúrbio começou como uma espécie de enfermaria de isolamento rural” 167.

165 Mumford, Lewis, 1982, p. 522


166 Ibidem
167 Op. Cit., p. 526
FORMA URBANO-CAMPESTRE 133

Mas, mesmo sem peste, a cidade, com a sua concentração de pessoas e actividades, é necessariamente
poluída, pelo que a fuga para o campo, em casos de doença, tem sido persistentemente recomendada pela
medicina. O facto é que “o subúrbio aparece quase tão cedo quanto a própria cidade (como seu
complemento), o que talvez explique a capacidade de sobrevivência da antiga urbe, face às condições
insalubres que predominavam dentro dos seus muros” 168.

A partir do século XVIII a procura das periferias urbanas intensifica-se imenso, resultando uma ocupação do
território com características sociais e espaciais bem diferentes das anteriores.

Este processo de dispersão ocorre, desde logo, porque as muralhas deixaram de ser necessárias e também
porque o grande crescimento e o mal estar que este, muitas vezes desordenado, provocou e provoca aos
seus habitantes, estimula a que tal aconteça.

“A exigência de espaço veio mudar totalmente as dimensões do planeamento urbano, tão logo a fortificação
protectora deixou de ser essencial para a segurança. Não importa o que mais tenha o subúrbio representado,
é certo que exigiu uma expansão de áreas abertas, de verdura e de jardins, como complementos da cidade.
O que outrora só podia ser exigido pelos reis constituía agora prerrogativa de todos os comuns que
pudessem possuir uma parcela de terra. (…) Parte do valor estético do subúrbio, a sua especial virtude
psicológica, decorre do quotidiano ir e vir para a cidade, com a sua alternância de amplidão e
enclausuramento, liberdade e constrição, facilidade de movimentos e embargos de tráfego, espaço e
congestionamento” 169.

Vale a pena sublinhar que esta procura e valorização do campo é um fenómeno caracteristicamente urbano,
nada tem de rural. É o liberalismo económico, o aproveitamento da máquina e a consequente concentração
nas cidades que gera a valorização do seu negativo.

“Aqueles que encabeçaram a marcha da civilização, a partir do século XVIII, inclinavam-se a mostrar certo
desdém para com o campo, morada de agricultores atrasados, rústicos, sem maneiras, ou de aristocratas
que procuravam o prazer à custa de suas rendas e não dos lucros obtidos no comércio e na indústria.
Contudo, mesmo entre os líderes e beneficiários utilitaristas, o impulso no sentido de escapar ao ambiente
industrial era comum; na verdade, possuir riqueza bastante para lhe fugir constituía sinal de êxito” 170.

Um bom exemplo do que se refere surge, bem caracterizado, na Cidade e as Serras, um romance de Eça de
Queirós, onde Jacinto, um fidalgo português de muitos haveres, acaba por se entediar da vivência mundana,
do burburinho, da procura intelectual e das inovações tecnológicas de Paris, para se render ao encanto e

168 Mumford, Lewis, 1982, p. 522


169 Op. Cit., p. 527
170 Op. Cit., p. 521
134 FORMA URBANO-CAMPESTRE

simplicidade das serranias de Tormes. Eça de Queirós, membro proeminente da chamada Geração de 70 ,
expoente em Portugal do liberalismo europeu, traça assim uma imagem romântica do campo, questionando o
meio urbano, de que é um ilustre representante.

Esta Geração de 1870, lutando por uma nova sociedade, assente na Revolução Industrial, na supremacia da
burguesia e no regime parlamentar, ela própria reagia e criticava acerbamente algumas das características
essenciais dessa nova sociedade, acabando por reflectir as contradições do processo em curso 171.

Tal ocorre num período de grande crescimento 172. de Lisboa e do Porto, que duplicam a população em 50
anos. Entre 1864 e 1911, Lisboa passou de cerca de 210 mil almas para 434 mil e o Porto de 86 mil para 194
mil 173.

A necessidade de espaço, associada à crescente valorização dos terrenos centrais e ao desenvolvimento


dos transportes, motivaram assim a grande ocupação das periferias.

“O que se iniciou como uma fuga pontual da cidade por parte das famílias tornou-se um retiro generalizado;
muito mais do que subúrbios individuais, produziu um cinturão suburbano disperso.

O tipo inicial de subúrbio, que dependia principalmente do caminho de ferro, apresentava uma vantagem
especial que só pôde ser plenamente avaliada depois de ter desaparecido. Enfileirados ao longo de uma
ferrovia, eram descontínuos e convenientemente distanciados: e, sem ajuda da legislação, eram limitados
tanto em população quanto em superfície; com efeito, os maiores raramente alcançavam dez mil habitantes.

Logo que o automóvel se tornou comum, desapareceu a escala pedestre do subúrbio e, com ela, a maior
parte da sua individualidade e do seu encanto. O subúrbio deixou de ser uma unidade de vizinhança, tornou-
se uma massa difusa, de baixa densidade, gerando a conurbação. Enquanto a cidade se estende para os
subúrbios, a nota rural desaparece. Com o tempo, o subúrbio não goza das vantagens da sociedade nem da
solidão” 174.

Esta análise, de L. Mumford, colhe hoje bastante concordância, parece conforme à realidade, mas não
esgota a questão. O crescimento suburbano estará bem longe do ideal romântico que em parte o provocou,
mas nem por isso a procura de habitação unifamiliar parou de crescer. Ocorre, por vezes, em urbanizações

171 Marques, Oliveira, 1976, p. 56


172 Este crescimento de Lisboa e Porto está na origem da decisão, datada de 1865, de elaboração de “Planos Gerais de
Melhoramentos” para aqueles dois municípios; não se estende a outras cidades, justamente porque estas não apresentam
crescimento significativo.
173 Op. Cit., p. 33
174 Mumford, Lewis, 1982. pp. 530, 543- 546
FORMA URBANO-CAMPESTRE 135

de vivendas, contíguas ou não a alguns aglomerados urbanos, assumindo a forma de Cidade-Jardim. Mas,
muitas vezes, estas espalham-se pelo campo, estabelecendo uma mistura urbano-rural.

6.2 BROADACRE, O MODELO DE FRANK LLOYD WRIGHT

Frank Lloyd Wright (1869-1959) é sem dúvida o grande defensor da cidade dispersa, desenvolvendo uma
teoria de organização espacial que pode ser considerada como um anti-urbanismo. A sua cidade utópica, a
Broadacre, é apresentada, em 1934, através de três livros sucessivos e uma maqueta gigante.

O modelo que defende não se detém em questões económicas ou financeiras, sociais ou políticas. Revela
não tanto uma doutrina, mas uma atitude muito pessoal, nem sempre fundamentada.

Os seus pressupostos ideológicos correspondem a uma ideia lírica de liberdade total, decorrente do
desenvolvimento da democracia e do capitalismo. Refere: “A tarefa essencial é a de utilizar as leis mecânicas
para tornar o homem livre, não sendo obrigado a ganhar dinheiro para assegurar a subsistência, podendo
consagrar-se as tarefas mais nobres, para o desenvolvimento estético da vida. O homem verdadeiramente,
livre deverá, no essencial, fazer o que deseja no instante em que o deseja. A nova Broadacre City , fundada
na ideia de uma unidade mínima de um acre por indivíduo, visa mais do que isso, visa criar a cidade natural
da liberdade” 175.

Acredita que a restruturação do ambiente físico e a posse familiar de casa própria traria como consequência
o aparecimento de instituições idóneas e a tal liberdade total. Defende, assim, a “abolição do apartamento
alugado e escravo do salário, criando o verdadeiro capitalismo, o único capitalismo possível se a democracia
tiver algum êxito”.

A sua posição perante a cidade existente é de total recusa, considerando que “o simples fenómeno do
automóvel a torna ultrapassada, irremediavelmente desadaptada das necessidades actuais, mantendo-se
apenas por não ter havido ainda coragem de a abandonar e de construir novas cidades à medida das novas
necessidades”.

Aprecia a cidade medieval: “Esse urbanismo era uma festa de espírito, tudo à escala humana, à escala da
época feudal”. Mas considera que a era da máquina não trouxe ainda, relativamente a essa época, nenhuma
nova forma de plano urbanístico, sendo por isso necessária uma mudança radical 176.

175 Frank Lloyd Wright em Choay, F., 1965, p. 304


176 Op. Cit., p. 302
136 FORMA URBANO-CAMPESTRE

O modelo que defende, a Broadacre, corresponde a um extremo de dispersão, a algo híbrido entre o campo
e a cidade, assentando no estender das redes de electricidade, na total utilização dos transportes mecânicos
e numa ideia de arquitectura orgânica, naturalista.

A sua arquitectura assenta nessa organicidade, na recusa de tipologias em favor de uma grande diversidade
e no enraizamento na paisagem.

“Com a arquitectura orgânica o homem recupera a sua nobreza e o seu território, de que se torna parte
integrante, com as árvores, os rios e as colinas.

Em qualquer democracia, amante da liberdade, a sensação de estrangulamento torna-se intolerável. Em


matéria de bem estar, não pode confrontar-se com a superioridade do viver ligado à natureza e ao sol.

A arquitectura orgânica dirige-se, assim, a toda a humanidade; é necessário que o sol seja colocado ao
serviço de cada um, um direito que deverá ser legalmente consagrado. Abolidos os privilégios e a tirania dos
proprietários fundiários, os edifícios das cidades elevar-se-ão livremente na verdura, estritamente ligados ao
sol.

Se a livre utilização do sol estiver assegurada em condições verdadeiramente democráticas, a arquitectura


resultará da topografia, os edifícios adoptarão uma infinidade de formas, articulando-se com a natureza. A
beleza da paisagem será procurada não mais como um suporte, mas como elemento de arquitectura” 177.

Edifícios isolados, espalhados na paisagem, liberdade tipológica, defendia FranK Lloyd Wright.

Relativamente à habitação, a sua grande referência era a do edifício unifamiliar, instalado numa parcela de
área não inferior a um acre, mesmo se destinada a famílias de poucos recursos: “Para as classes
socialmente desfavorecidas ser-lhes-ia vendido um lote barato, com água canalizada e fossa séptica, onde
poderiam instalar uma primeira unidade pré-fabricada, a que poderia juntar outras no futuro, conforme os
seus meios e os seus desejos” 178. De notar a adopção do conceito de habitação evolutiva, ainda hoje
extremamente válido como programa de habitação social, que articula o curto prazo com o futuro.

No que respeita à construção em altura tinha uma posição algo crítica, mas não a recusava: “O arranha-céus,
enquanto unidade independente, poderia justificar-se, poderia até ser belo e económico, mas sempre na
condição de não interferir com a envolvente, sendo concebido num grande espaço verde. Mas a verticalidade
exagerada não é moralmente admissível. É a tara das nossas cidades, do nosso país.

177 Frank Lloyd Wright em Choay, F., 1965, pp. 304 e 305
178 Op. Cit., 1965, p. 307
FORMA URBANO-CAMPESTRE 137

Figura 57: Esquiso para o projecto da Broadacre City, 1934

Figura 58: Broadacre, a cidade ideal de Frank Lloyd Wright

A. Conselho de Administração; B. Aeroportos; C. Desportos; D. Escritórios profissionais; E. Estádio; F. Hotel; G. Hospital; H. Pequena
indústria; J. Pequenas quintas; K. Parque; L. Motel; M. Indústria; N. Mercadorias; P. Caminhos de ferro; R. Hortas; S. Casas e
apartamentos; T. Igreja e cemitério; U. Laboratórios de Investigação; V. Jardim zoológico; W. Escolas
138 FORMA URBANO-CAMPESTRE

A verticalidade projecta sombra. Se os direitos cívicos dos vizinhos fossem respeitados, não poderiam existir
arranha-céus como os que existem” 179.

No entanto os edifícios altos seriam admitidos no seu modelo. “Ocorreriam sem vizinhos, em parques
individualizados, inseridos no campo. Apartamentos cooperativos poderiam ser construídos para cidadãos
ainda inexperientes, desejosos da beleza do campo, mas não capazes de participar na sua criação” 180.

Ao contrário dos outros arquitectos do movimento moderno, não defende a separação de funções, até porque
ela não seria necessária numa ocupação tão dispersa. Essencial, sim, seria o estender de vias por todo o
território.

“Auto-estradas bem integradas na paisagem, de largura generosa, com toda a segurança, oferecendo
acessos fáceis, bordejadas por flores, refrescadas pela sombra das árvores e ligadas, com intervalos
regulares, a aeródromos. Auto-estradas que serão elas próprias grande arquitectura, passando por estações
de serviço. Estas grandes vias unirão e separarão séries infindáveis de unidades diversificadas: quintas,
mercados, escolas verdes, admiráveis e espaçosas habitações, cada uma bem instalada nos seus acres de
terreno” 181.

“Os escritórios e serviços seriam geralmente vizinhos da habitação, e poderiam constituir interessantes
elementos plásticos.

Ao longo das estradas, lugares de divertimento e mercados com formas generosas e flexíveis, à maneira dos
pavilhões, que seriam lugares de troca cooperativa, não apenas de bens, de coisas materiais, mas também
de valores culturais.

As escolas seriam instaladas num parque natural circundado pelo campo. Seriam em metal e vidro, para que
entrasse o sol e os alunos fossem educados no amor pela terra e pela liberdade.

Imaginem-se unidades funcionais interligadas umas com as outras de tal forma que cada cidadão possa,
segundo as suas escolhas, dispor de todas as formas de produção, distribuição, transformação e lazer, num
meio distando dez a quarenta minutos da sua habitação, utilizando o seu automóvel, o seu avião pessoal ou
os transportes públicos”.

Esta distribuição integrada dos diversos modos de existência, em ligação íntima com o sol, constituiria a
grande cidade, cobrindo o país inteiro. Seria a Broadcare City de amanhã. A cidade seria a nação” 182.

179 Frank Lloyd Wright em Choay, F., 1965, p. 303


180 Op. Cit., p. 307
181 Op. Cit., p. 306
182 Ibidem
FORMA URBANO-CAMPESTRE 139

Este modelo, utópico e pouco consistente, não terá tido aplicação directa. Mas não deixou de influenciar todo
o urbanismo americano: nas suas opções de vivendas/ densidades baixas/ quilómetros e quilómetros de rede
viária; talvez, ainda, na ocorrência persistente de funções não habitacionais ao longo das estradas.

E a procura do acre, para instalação de casa própria, vai aumentando na Europa e nomeadamente em
Portugal, traduzindo-se aqui na procura de quintinhas de 5 000m2, unidade mínima de cultura hortícola de
acordo com a legislação portuguesa, que assim se vai desviando para usos urbanos.

O modelo, apesar de não consistente e de pouco defendido, vai sendo admitido e praticado. A dispersão está
na ordem do dia, é um fenómeno actual da cidade.

6.3 PERIURBANO, PROBLEMÁTICA ACTUAL

Poder-se-á definir periurbano como sendo o “desenvolvimento dos aglomerados urbanos, bem para além dos
seus limites históricos, de forma pouco densa e com predomínio de habitação unifamiliar” 183.

O fenómeno verdadeiramente novo desta ocupação reside, não tanto na opção tipológica mas, sobretudo,
nas vastas áreas que abrange, traduzindo-se numa nova forma de ocupação, muito dispersa, aproximando-
se do modelo defendido por Frank Lloyd Wright.

Sublinha-se a ideia de que se trata de uma ocupação urbana. De facto, as relações dos novos residentes
com o espaço que ocupam pouco têm a ver com ruralidade, se bem que por ela possam ter simpatia.

“A ruralidade era caracterizada pela dependência dos actores em relação aos processos naturais, pela
influência das relações de proximidade e conhecimento na forma e processo dos principais actos sociais e
ainda pela unidade familiar com a unidade de produção e de consumo” 184. Ora nada disto se passa no actual
periurbano. Os antigos habitantes ainda terão alguma ligação à agricultura, cada vez menor, e manterão
relações sociais de proximidade. Mas os novos habitantes são essencialmente urbanos: vêm na sua maioria
da cidade, de habitação colectiva; trabalham algures, nos serviços ou na indústria; vivem dependentes do
automóvel; o seu lazer e realidades de referência estão centrados na televisão e no hipermercado, quando
muito praticarão alguma jardinagem; prezam a individualidade, estabelecem poucas relações de vizinhança,
por vezes ocorrem mesmo problemas relacionais entre novos e velhos residentes.

183 Mayoux, Jacques, 1979, p. 17


184 Pinto, citado por Mendes, M. Filomena et. al., 1998, p. 14
140 FORMA URBANO-CAMPESTRE

A decomposição económica, social e demográfica do espaço rural torna o campo cada vez mais orientado
para a cidade e pela cidade 185.

Face à crescente periurbanização poderão opinar alguns que “a dualidade urbano-rural, que se julgaria
historicamente resolvida a favor da dominação urbana, passa a ter significado quando a concentração urbana
e as megalopolis constituem contextos de degradação e de ineficácia e quando as novas tecnologias de
transportes e comunicações, assim como os novos modelos de organização da actividade económica
revalorizam os espaços rurais”186 e que, em consequência, “a dicotomia cidade/campo deve dar lugar à
integração espacial, cujo processo não deve ser visto como o campo que se urbaniza ou como a cidade que
se ruraliza, mas como uma nova forma de reorganização social, que deverá reflectir complementaridades”187.

Valorizando as periferias, afirma B. Seachi que “é cada vez menos certo que a periferia seja o lugar de
actividades subordinadas, de degradação, representando melhor o lugar de intercâmbio entre a cidade e o
resto do mundo” 188.

Tais opiniões reflectem desde logo uma realidade, a da mistura cidade-campo que, com a crescente
dispersão, vai ocorrendo na envolvência dos aglomerados urbanos. Esta nova organização territorial e as
relações sociais específicas a ela associadas terão que ser melhor estudadas e conhecidas, e igualmente
procurado um modelo de ordenamento que a enquadre. Mas tal procura não deverá iludir a questão, está-se
perante uma nova forma de organização de cidade.

O fenómeno do periurbano, muitas vezes apresentado como um retorno ao campo, é antes de mais um novo
processo de urbanização.

A importância do periurbano era já reconhecida, 20 anos atrás, pelo governo francês, que encomenda
relatório sobre o assunto a uma equipa coordenada por Jacques Mayoux, 189 exactamente porque está
perante uma tendência crescente de construção de habitação unifamiliar, que neste país ultrapassa, em
1975, a construção de habitação colectiva.

Em tal relatório constata-se uma difusão territorial cada vez maior, um ritmo acelerado de crescimento das
comunas rurais à volta da velha cidade e operações fundiárias e urbanísticas de dimensão cada vez mais
pequena.

185 Barros, citado por Mendes, M. Filomena et. al., 1998, p. 1.4
186 Aguiar, citado por Mendes, M. Filomena et. al., 1998, p. 1.5
187 Baltazar, citado por Mendes, M. Filomena et. al., 1998
188 Bernard Seachi, citado por Moreno, Pedro, 1995, p. 41
189 Mayoux, Jacques, 1979
FORMA URBANO-CAMPESTRE 141

“Em França, nos anos 70, a quase totalidade do crescimento demográfico ocorreu nos concelhos
periurbanos, muitas vezes fora dos perímetros das cidades planeadas. A construção nova, essa prosseguiu
numa linha de inércia, tendo 2/3 dela ocorrido em zonas demograficamente estáveis”.

“As povoações rurais deixaram-se ganhar pelo processo de urbanização. Conjugam-se o desejo dos
proprietários de valorizar os terrenos, o do município de desenvolver a comunidade e o dos agentes
imobiliários na procura de terrenos.

No principio são pequenas iniciativas, mas muitas vezes o movimento amplia-se, muda de dimensão e de
natureza; um loteador adquire um grande terreno e instala-se numa comunidade distinta da povoação; os
seus habitantes são urbanos em país conquistado; estabelecem-se por vezes relações difíceis com os
antigos habitantes”.

“O equilíbrio urbano-rural fica ameaçado, os preços dos terrenos sobem em flecha, muitos espaços agrícolas
ficam inutilizados. O processo urbano origina fortes perturbações na actividade agrícola e nos equilíbrios
naturais, ainda mais pelo seu caracter anárquico e aleatório” 190.

Ainda segundo este relatório, a procura do periurbano engloba aspirações a dois modos de vida bastantes
diferentes que correspondem a organizações espaciais também diferentes, a cidade-jardim e o rururbano
(que aqui incluímos na cidade campesina).

“O cliente da cidade-jardim é um verdadeiro urbano que aspira a um espaço organizado, infraestruturado e


bem equipado (embora muitas vezes não o consiga), com as seguintes características:
- presença vegetal; cada habitação rodeada pelo seu próprio jardim; equipamentos associados a zonas
não edificadas, sejam parques ou agricultura eventualmente subsidiada;
- edifícios de pequenas dimensões, com 2 a 3 pisos, 4 pisos como um máximo pontual;
- possibilidade de personalizar a habitação e de utilizar comodamente o automóvel privado.

O cliente do rururbano não gosta da cidade. Deseja um habitat isolado, no meio da natureza, fora do barulho
e da promiscuidade, sendo que:
- deseja uma vizinhança com a agricultura, embora nem toda; sim ao mugir dos estábulos e ao canto do
galo, mas não ao cheiro dos pesticidas e ao barulho do tractor;
- aceita serviços colectivos muito reduzidos: caminho, electricidade e água potável; dispensa transportes
públicos, os equipamentos poderão situar-se a alguma distância, o saneamento terá solução
individual”191.

190 Mayoux, Jacques, 1979, p. 22-29


191 Op. Cit., p. 48
142 FORMA URBANO-CAMPESTRE

Mas no periurbano não ocorre apenas a função habitacional e, nesta, a oferta existente nem sempre separa
e corresponde aos dois tipos de procura referidos. Verificam-se situações de grande promiscuidade que
ocorrem na ausência de um qualquer modelo de organização territorial e não respeitam o espírito do lugar
(hoje tão citado e valorizado). Novas urbanizações e construções isoladas vão-se pendurando, a esmo, nas
infraestruturas existentes.

“Com a multiplicação dos sistemas de contacto (infraestruturas viárias, telecomunicações), os objectos


arquitectónicos (singulares, ou áreas urbanas) perdem progressivamente a referência a um lugar para se
referirem ao sistema de comunicação. O sítio perde significado como lugar físico (locus) e ganha carácter de
lugar de uso. Neste contexto, as actividades procuram uma melhor localização relativa, conforme os
interesses individuais, que são distintos e variados e os edifícios assumem aqui um carácter ubíquo por
pertencerem, com certa indiferença, ao sistema de comunicações.

As diferentes lógicas e interesses de localização no território configuram-se em tecidos heterogéneos e


desconexos, aparentemente caóticos. Numa pequena área da periferia, a habitação unifamiliar isolada, que
procura o sossego e melhores condições ambientais, coabita frequentemente com a indústria de mão-de-
obra e capital intensivo, ou o recém aparecido bloco de escritórios, onde a acessibilidade o permite” 192.

Esta dispersão, periurbana, decorre também de novas necessidades locacionais das actividades produtivas,
da quase obrigatoriedade técnica e económica de os grandes estabelecimentos industriais, comerciais e de
serviços se localizarem fora do tecido urbano clássico, em zonas especializadas.

A localização das grandes superfícies comerciais merece uma reflexão especial.

A cidade clássica afirmava-se por uma centralidade muito explícita e quase única, baseada essencialmente
no comércio, mas também na plurifuncionalidade desse espaço central.

As grandes superfícies comerciais que se vão instalando procuram locais de fácil acessibilidade automóvel,
junto a nós de vias rápidas, são assumidamente monofuncionais e são concentracionárias, contendo-se em
si próprias, evitando relações com a envolvente, criando à sua volta uma muralha de espaço aberto/
estacionamento automóvel.

Esta atitude concentracionária ocorre mesmo em centros comerciais localizados nos centros das cidades,
que se isolam da rua, fechados no seu circulo de lojas e ar condicionado, evitando que os seus utilizadores
ou consumidores se distraiam com o exterior.

192 Moreno, Pedro, 1995


FORMA URBANO-CAMPESTRE 143

Perante esta dinâmica, o planeamento deixou-se ir a reboque. E, no entanto, estas unidades constituem hoje
elementos fundamentais e estruturantes da cidade global, constituindo importantes locais não só de comércio
mas também de encontro e de lazer; são novas centralidades.

A sua localização ponderada e a adopção de uma forma articulada com o exterior poderiam ter ajudado à
estruturação, qualificação e animação da cidade, numa perspectiva global, mas também na do sitio onde se
inserem. Tal como ocorrem, na sua maior parte, contribuíram decisivamente para a fragmentação, separação
funcional, dependência excessiva do automóvel.

Mas voltemos à problemática do periurbano centrada sobretudo na função residencial.

Dados estatísticos e inquéritos relativos a cidades europeias demonstram uma crescente adesão à habitação
unifamiliar. Apesar disso, há quem continue a duvidar dessa preferência. Argumenta-se que ela decorre dos
altos preços praticados nos centros das cidades e mesmo nas suas periferias mais próximas, constituindo
portanto a escolha possível face ao mercado.

Considerem-se, então, os argumentos pró e contra o desenvolvimento periurbano. Para uns é:


- “a satisfação de uma necessidade ancestral;
- o sonho partilhado do regresso à natureza, traduzido no jardim que envolve cada habitação;
- a melhor resposta a um desejo profundo de posse e de personalização do espaço vital de cada um,
desejo exacerbado pelo anonimato que caracteriza a civilização urbana;
- a reacção saudável contra o risco de perda de identidade, a revolta do indivíduo contra a sociedade que
o queria anular;
- a afirmação da liberdade a todos os níveis.

Para outros é:
- o longo trajecto habitação-trabalho, a pobreza dos serviços colectivos, a procura de um tempo que
continua a fugir, a procura de uma natureza que não passa de um simulacro;
- a solidão, um verdadeiro anonimato decorrente da falta de contactos;
- uma enorme carga no orçamento das famílias: empréstimos com habitação, exigência de equipamentos
próprios, necessidade de segunda viatura;
- uma enorme carga para o orçamento público: infraestruturas (construção inicial e conservação), gastos
insuportáveis de energia;
- um espaço desfigurado, uma agricultura ameaçada pelo aumento dos preços fundiários;
- um mito perigoso, um demissionismo da cidade, forma mais elaborada de ocupação de espaço;
- uma forma de alienação mais redutora que qualquer outra” 193.

193 Mayoux, Jacques, 1979, p. 20


144 FORMA URBANO-CAMPESTRE

Figura 59: Braga, povoamento disperso

Figura 60: Viana do Castelo, povoamento disperso


FORMA URBANO-CAMPESTRE 145

Figura 61: Viseu, povoamento disperso

Figura 62: Leiria, povoamento disperso


146 FORMA URBANO-CAMPESTRE

Grande parte destes argumentos reflectem o posicionamento ideológico de cada um face a esta ocupação do
território. Valerá a pena dar especial atenção aos argumentos de ordem mais objectiva, nomeadamente:
- custos de construção e gestão das infraestruturas e equipamentos;
- consumo de energia;
- consumo de espaço;
- abandono das áreas urbanas existentes.

Uma ocupação dispersa, com infraestruturas muito estendidas e subaproveitadas, é inevitavelmente muito
cara, não só na construção inicial mas também e sobretudo na sua gestão e conservação.

No final dos nos 70, nos EUA, é dado o alarme. O livro de Pat Choate e Susan Walter, America in Ruins194
introduz o tema dos custos necessários à conservação e reconstrução das infraestruturas, que é fortemente
ampliado pela imprensa. É referida a necessidade de um investimento de 3 000 biliões de dólares para
manter a um nível aceitável as infraestruturas existentes. É referida a necessidade de 150 dólares por
americano, até ao ano 2000, só para os sectores da água e dos transportes.

De facto, até aí, a ênfase sempre tinha sido colocada na construção de novas infraestruturas. É nesta data
que os olhos se voltam para a necessidade de renovação das existentes e se proclama a crise das
infraestruturas como problema nacional. As redes de água tinham sido construídas, no essencial, por volta de
1880 e as de esgotos no início do século, encontrando-se portanto no fim da sua vida útil.

Desenham-se então soluções: por um lado, equaciona-se a possibilidade de menores custos (mas não se iria
diminuir a qualidade e mesmo o grau de segurança?); por outro lado, procuram-se novos recursos,
desejavelmente estáveis, com maior ou menor participação dos directamente interessados195.

Perante este problema, há que resolver situações existentes mas há também que perspectivar futuras
ocupações e, procurando a redução dos custos, parece existirem apenas duas soluções, alternativas ou
complementares:
- organizar a urbanização, oferecendo-lhe bons serviços públicos, não autorizando a ocupação fora
dessas áreas;
- admitir a dispersão, mas então fixar desde logo e de forma clara os serviços públicos a que terá direito,
reduzindo-os ao mínimo indispensável.

194 Lefèvre, Ch. et. al.,1988, p. 137 e 138


195 Ibidem
FORMA URBANO-CAMPESTRE 147

Uma ocupação dispersa, de habitações individuais, gasta inevitavelmente mais energia, com o aquecimento
e com o automóvel, sendo que este se torna indispensável, não só para as deslocações habitação/trabalho,
mas também para as simples deslocações de vizinhança. Perante este facto, nada haverá a fazer, a não ser
evitar a dispersão.

Outra objecção, forte, ao periurbano, é a de que o seu crescimento está associado ao abandono da cidade
existente. Diz Jacques Mayoux, referindo-se a França:

“As famílias de maiores rendimentos tendem a procurar outros espaços e os quarteirões existentes tenderão
a ficar vagos e/ou apenas ocupados por famílias de menores recursos, o que origina degradação do
património, marginalização, insegurança, etc. Entre os quarteirões existentes há que distinguir os centros
históricos e outros, aos quais seja reconhecido valor estético ou emocional, que tenderão a atrair novos
habitantes. Mas as coroas urbanas construídas nos anos 30 e 70, sem ordem nem encanto, tenderão a
tornar-se habitação de oportunidade a preços baratos e tenderão a degradar-se física e socialmente, a
menos que certas categorias sociais (intelectuais, professores, militantes políticos e sociais), que têm
possibilidade económica e cultural de escolha, aí venham a instalar-se voluntariamente, por moda ou
snobismo, redescobrindo vantagens e encantos na habitação colectiva” 196.

O abandono de muitos alojamentos é, também e sobretudo em Portugal, a partir de 1980, um fenómeno


crescente e generalizado, conforme se pode verificar pela leitura dos dados que, sobre o assunto, à frente
serão apresentados. Por eles se conclui que, no ano 2000, existirão em Portugal cerca de 4,7 milhões de
fogos, dos quais apenas 3,2 milhões estarão ocupados por famílias residentes, sendo que o número de fogos
vagos rondará os 0,65 milhões.

Esta é uma tendência pesada. À medida que se constróem três fogos, ocorre mais um fogo destinado a
residência habitual, um fogo para segunda habitação e há mais um fogo que fica vago, abandonado.

Tal tendência, de desperdício económico e originadora de mau viver, criando espaços de degradação, falta
de higiene e marginalidade, deveria ser contrariada, o que poderia ser feito através de:
- contenção do aparecimento de novas áreas de construção, seja em espaço periurbano, seja em
qualquer outro;
- adopção de medidas de penalização ao abandono e de incentivo à efectiva recuperação e utilização de
fogos existentes.

196 Mayoux, Jacques, 1979, p. 60


148 FORMA URBANO-CAMPESTRE

Um último argumento contra o periurbano é de ser grande consumidor de espaço, um inimigo da necessária
preservação dos espaços agrícolas e naturais.

Tal argumento apenas parcialmente parece ter razão de ser.

De facto, a necessidade de espaço para construção não é assim tão grande, apenas é fortemente empolada
pela especulação fundiária. E, por outro lado, a realidade das actuais cidades (nomeadamente das
portuguesas) é a da existência de numerosas áreas já de alguma forma comprometidas com a presença de
construção, como ilustram as fotografias aéreas de diversas cidades (ver Figuras 60 a 63).

Assim, o argumento de consumo de espaço justifica a procura de contenção das áreas periurbanas, evitando
que se vão estendendo cada vez para mais longe das cidades. Mas, relativamente às áreas periurbanas já
existentes e muito extensas, não parece haver outra solução que não seja assumi-las e ordená-las. O grande
consumo de espaço acentua-se exactamente por essa falta de ordenamento.

A reter, então, como fundamental:

- a forma urbano-campestre existe, constituindo uma das partes da cidade alargada actual; integra
pequenos aglomerados, construção dispersa, mas também áreas agrícolas e florestais que são parte
integrante e quantitativamente dominante nesse território;

- estas partes urbano-campestres da cidade, também necessitam de ser ordenadas; trata-se, no


essencial, de planear a paisagem, procurando para as áreas agrícolas e florestais uma função activa,
complementar das outras funções urbanas, e procurando para a construção enquadramento e tipologia
adequados.
149

7. AS CINCO FORMAS VÃO SENDO RECRIADAS E COMBINADAS

Após este percurso por cidades europeias e pela sua História fica-nos a convicção de que as formas urbanas
nelas presentes se poderão, num esforço de síntese, reduzir a estas cinco; orgânica; clássica; jardim;
modernista; urbano-campestre.

Tal convicção, traduzindo então um esforço de síntese, vale enquanto referência, mas terá que ser
relativizada.

Existe, de facto, no chamado mundo ocidental, uma multitude de formas urbanas, mas afigura-se que estas,
assumidas enquanto movimento ou simples intervenções pontuais, tendem a referenciar-se a alguma destas
cinco formas, a combiná-las ou a recriá-las.

Aborde-se, como exemplo, o importante Movimento Beautiful City que surgiu em Chicago, no início do
século, visando o embelezamento das cidades existentes, e depois se estendeu à Europa, muitas vezes
associado a regimes autoritários.

Em Portugal foi trazido por Forestier. Este chegou a Lisboa em 1927 para colaborar no respectivo Plano
Geral de Melhoramentos e foi autor de diversas propostas para a cidade, entre as quais um amplo parque
circundante, um eixo de prolongamento da Avenida da Liberdade na direcção de Carnide e o estudo que se
observa na figura 63 197.

Figura 63: Estudo para uma Nova Avenida sobre o Tejo, Forestier, 1927 198

197 Lôbo, Margarida Souza, 1995, pp. 16, 27 e 28


198 Op. Cit., p. 29
150

Este modelo havia já sido importado da Europa, tendo as suas origens no Barroco e correspondendo no
essencial ao modelo de Haussman. É o próprio Daniel Burnham, pai do Movimento, que o assume, dizendo:
“O trabalho que Haussman realizou em Paris é o mesmo que deveremos levar a cabo em Chicago” 199.

Do ponto de vista social a atitude é clara, surgindo bem explicitada em discurso realizado em 1909 por um
banqueiro e grande proprietário de Chicago, que proclama: “o primeiro objectivo do urbanista é eliminar os
lugares onde nasce a enfermidade, a depravação moral, o descontentamento e o socialismo”.

Ocorreram então as grandes demolições, a construção de enormes avenidas marginadas por construção,
muitas vezes em diagonal relativamente ao traçado dominante, e a procura de monumentalidade.

Mas surge também, neste Movimento, a influência da cidade jardim, com a incorporação das preocupações
paisagistas que irrompem na época, as grandes vivendas, a defesa dos parques e também o aproveitamento
da presença da água, aspecto este totalmente actual.

A importância que Burnham deu a esta última questão ressalta claramente de um seu texto, bastante lírico,
referente a Chicago: “Ambas as margens da lagoa deveriam ornamentar-se com árvores e arbustos que se
adaptem ao nosso clima e que dêem flores (…). Nos meses de Maio e de Junho poderia realizar-se um
festival sobre a água (…). Diante de nós, uma plantação de árvores majestosas, (…). O lago tem-nos
chamado durante anos, finalmente respondemos-lhe” 200.

Olhe-se agora para o que recentemente tem sido chamado de novo urbanismo.

Conforme refere Maciej M. Mycielski 201 a expressão urbanismo redescoberto ser-lhe-ia mais apropriado,
exactamente porque os seus defensores se limitam a redesenhar modelos de outrora, recusando as
quadrículas ilimitadas de vivendas (das cidades americanas) e também as torres modernistas.

Um simples folhear das publicações Rinascimento Urbano, da organização A Vision of Europe 202, ou The
New Urbanism, de Peter Katz 203, logo evidencia o retorno às formas que aqui designamos de cidade
clássica, sobretudo nas operações de renovação urbana, e de cidade jardim, estas como alternativa e
procura de contenção dos subúrbios.

199 Hall, Peter, 1996, p. 186-213


200 Ibidem
201 Mycielski, Maciej M., 1999, pp. 65 e 66
202 Tagliaventi, Gabriele, 1996
203 Katz, Peter, 1994
151

Figura 64: Reconstrução de edifícios terciários. Proposta de Piotr Choynowski, em 1988-1995, Oslo, Noruega 204

204 Tagliaventi, Gabriele, 1996, p.186


152

Figura 65: Projecto Kentlands, de A. Duany e E. Plater-Zyberk, 1988, em Gaithersburg, Maryland– EUA. 205

205 Katz, Peter, 1994, pp. 31, 34 e 40


153

Os títulos dos diversos exemplos apresentados no Rinascimento Urbano são, só por si, bastante elucidativos
do programa que defendem os seus autores. Vale a pena citar: “Reconstruir a cidade capital da Europa”;
“Continuação da tradição clássica”; “Continuar a construção da cidade burguesa”; “Urbanizar os subúrbios”;
“Ampliar a cidade com novos quarteirões urbanos”; “Fundar novas cidades tradicionais”; “Requalificar o
Espaço Urbano, demolindo edifícios modernistas obsoletos”; “Construir edifícios públicos tradicionais”,
“Reconquistar o centro das cidades”; “Reconquistar os espaços sagrados”; “Revitalizar a cidade jardim”;
“Embelezar a cidade”.

Aliás, o equivoco só está no nome, os protagonistas deste novo urbanismo são bem claros no que defendem.

Gabriele Tagliaventi refere: “A maior parte das cidades foram tristemente destruídas nos últimos cem anos. A
continuidade cultural e a tradição ocidental foram interrompidas quase definitivamente. Este fenómeno
apresenta alguma similitude com a Renascença europeia dos séculos XIV e XV. Hoje, como então, a cidade
actual está quase totalmente destruída ou arruinada. Hoje, como então, alguns sinais parecem emergir
dessas ruínas da nossa cultura e das cidades antigas, anunciando um renascimento da cultura clássica e da
urbanidade” 206.

Maurice Culot acrescenta: “O Renascimento Urbano liberta-se de conceitos, métodos e técnicas que ainda
ontem eram proscritos em nome do moralismo funcionalista. Hoje, a cópia, a imitação, o mimetismo, a
restituição, o pastiche, a patine, tudo isso está de novo à inteira disposição da criação e da cultura
arquitectónica e urbana. Mas o pluralismo que resulta da tolerância não deverá encorajar a fazer não importa
o quê, (…) exige que as realizações se inscrevam nas diversas fileiras da tradição urbana europeia” 207.

As realizações concretas que, neste âmbito, têm ocorrido, são sobretudo pontuais. As cidades tradicionais e
as cidades jardins construídas reeditam o conceito da célula ou da unidade de vizinhança, mas são quase
sempre isoladas. São urbanizações de qualidade e de luxo, sendo por isso suspeitas de elitismo e de que a
denominação que adoptaram traduz apenas uma atitude comercial.

Mas o que importa aqui destacar é que este novo urbanismo se limita, de facto e assumidamente, ao retomar
de formas conhecidas (ver Figuras 65 e 66).

O recriar das formas urbanas do passado pode organizar-se em movimentos, como os atrás referidos, mas
surge também, com frequência, na diversidade das intervenções pontuais que vão ocorrendo na cidade, de
autores eruditos ou populares. Se referenciadas às cinco formas identificadas, correspondem a soluções
híbridas ou combinadas, muitas vezes caóticas, outras vezes com critério e harmonia.

206 Tagliaventi, Gabriele, 1996, p. 19


207 Op. Cit., p. 28
154

Figura 66: Solução-tipo para urbanização de vales, em Coimbra. Jorge Carvalho, anos 90
155

Por exemplo, quando se retoma o quarteirão, mas com aberturas e assumindo o seu interior como um
espaço semi-público, regressa-se á forma clássica, mas numa solução híbrida, influenciada pelo modernismo
na sua fase inicial.

Outro exemplo, neste caso de um desenho nosso, para Coimbra. Sendo a Cidade caracterizada por uma
topografia muito acentuada, temos defendido nalgumas circunstâncias - ocupação de vales - uma solução-
tipo, conforme Figura 66, que articula a rua com blocos abertos às vistas e ao verde, mantendo a linha de
água. Trata-se de uma solução mista, entre a rua (clássica) e os blocos (referência modernista), mas que, se
aplicada à totalidade do vale, garantirá a sua unidade.

Poderão, pois, existir soluções de desenho urbano que articulem entre si algumas das cinco formas aqui
identificadas como referência, garantindo a harmonia e unidade pretendidas.

O essencial é procurar sempre uma forma, coerente e identificável no seu conjunto, evitando ocupações
caóticas e/ou sem identidade própria.
156 NOTAS FINAIS

8. NOTAS FINAIS

A cidade é, por excelência, o repositório da História do Homem. Após a Idade Média, período em que a
população se dissemina pela área rural, cultivando a terra, mudando e humanizando a paisagem, assiste-se,
desde o início do Barroco até aos nossos dias, a uma crescente concentração da população nas áreas
urbanas. Começou com o Estado Nacional Moderno, quando o poder transeunte necessitou de tornar fixas
as suas instalações e criou as capitais. Acentuou-se com a revolução industrial. Acentuou-se ainda com o
forte desenvolvimento de toda a actividade terciária.

Assim sendo, a cidade não poderá deixar de ser considerada como um meio ambiente criado pelo Homem e
em constante transformação, reflectindo sempre uma sobreposição de testemunhos de várias épocas
históricas, que em cada momento suscitam reacções de apreço ou desagrado e o consequente desejo de os
manter ou demolir.

Tempos houve em que o grande crescimento das cidades, a enorme transformação da sociedade e a
correspondente capacidade de utopia suscitaram a vontade de introduzir modificações radicais na cidade
existente e de criar modelos de organização territorial substancialmente novos. Referimo-nos, em concreto,
aos diversos modelos, integrantes do movimento moderno, surgidos e afirmados na primeira metade do
século XX.

No momento actual, no pós-moderno, ocorrendo ainda enormes transformações nas cidades, não se
vislumbra, no entanto, o desenho conceptual de uma nova forma.

Verifica-se sobretudo a crítica e a recusa da racionalidade modernista e percebe-se que tal recusa, num
contexto de afirmação do individualismo e do eclectismo, dificilmente poderá originar um novo modelo, o
qual, enquanto solução de conjunto enquadradora de iniciativas muito diversas, exigiria a adopção de uma
qualquer racionalidade. A não ser, evidentemente, que se considere a ausência da forma específica como
nova ordem e como nova forma.

No pós-moderno, apesar da sua crítica ao moderno, mantem-se e acentua-se um dos elementos mais
caracterizadores da Carta de Atenas, que muito justamente tem sido criticado: o da concepção de espaço
urbano enquanto somatório de peças soltas, nomeadamente vias e edifícios. Só que a antiga procura de
racionalidade de cada uma das peças, entendidas como máquinas, é agora substituída pela busca de
espectacularidade.
NOTAS FINAIS 157

Mas, paradoxalmente, ocorre também o contrário, o retorno à defesa da forma orgânica e da forma clássica,
o apreço pelas soluções de ruas e praças. Na sequência de tal atitude, têm sido classificadas numerosas
áreas como centros históricos e levados a cabo processos de recuperação, renovação, reabilitação, que
constituem provavelmente – a História o dirá - intervenções estimáveis do momento actual.

Uma outra ocorrência que caracteriza, sem dúvida, a actual ocupação urbana do território, é a de
fragmentação e dispersão. A cidade deixou de ser, definitivamente, um todo contínuo e limitado, para
constituir ou integrar áreas metropolitanas, conurbações, aglomerações urbanas.

Tal realidade perspectiva-se desde o final do século passado com o desenvolvimento dos transportes
públicos, e vem a originar, no pós-guerra, num quadro de forte intervenção pública, a criação de cidades
novas, radioconcêntricas, como as propostas para Londres por Abercrombie; ou lineares, como as
implementadas em Estocolmo ou o Plano dos Dedos de Copenhaga. O crescimento actual, de antigos
aglomerados urbanos situados na área de influência de grandes cidades, embora ocorra de forma mais
espontânea, acaba por ser uma solução semelhante.

Mas a ocupação urbana não se dá apenas na continuidade das cidades, ocorre também entre elas e à volta
delas, com limites que só um acto de vontade poderá determinar. Aconteceu, portanto, uma mistura cidade-
campo, que aqui designámos por forma urbano-campestra. Tal ocupação não obedece a um qualquer
modelo conceptual, como aquele que Frank Lloyd Wright, no início do século, de forma aliás pouco
sustentada, ousou proclamar. Ocorre, simplesmente, em resultado da democratização da acessibilidade que
o automóvel faculta e perante alguma permissividade da Administração Pública, agora acentuada pela
desregulamentação preconizada pelo neoliberalismo.

Vive-se pois, actualmente, um processo de afirmação e coexistência de formas muito distintas de cidade,
sendo esta globalmente caótica e fragmentada, não se desenhando nenhum modelo que assuma com
clareza esta nova realidade e que, ao nível da organização territorial, a enquadre, oriente e articule de forma
estratégica, mas também global.

Refere Kevin Lynch: “está a edificar-se uma nova unidade funcional – a região metropolitana – e ainda não
se entendeu que esta também deve possuir imagem própria” 208.

De facto, o planeamento de cidade tem vindo a debruçar-se crescentemente sobre questões económicas e
sociais, o que não poderá deixar de se considerar positivo, mas abandonando a disciplina de organização
territorial, quando muito preocupando-se com partes da cidade, na linha do defendido, entre outros, por Aldo

208 Kevin Lynch, em Choay, F., 1965, p. 391


158 NOTAS FINAIS

Rossi ou Carlo Aymonino, ou apenas com algumas partes da cidade, na lógica mais recente do planeamento
estratégico.

Esta atitude decorre, obviamente, dos paradigmas dominantes: competitividade; empreendorismo; política de
representação de interesses (dos que têm capacidade organizativa para os defender); contratualização e
parcerias; flexibilização; mercado.

Sem deixar de considerar os aspectos positivos que daqui decorrem, não poderão também deixar de se
reconhecer as insuficiências e perversões do mercado e a indispensabilidade da disciplina e orientação
pública no ordenamento da cidade, o que implica a procura de um modelo para o efeito.

A compilação destes Apontamentos integra-se, exactamente, nessa procura. Corresponde a um olhar pela
História das Cidades, procurando conhecer as diversas formas urbanas que, repositório do passado, nela
coexistem, para , em seguida, analisar as potencialidades e deficiências de cada uma delas face ao
momento presente.

Numa conclusão muito genérica, dir-se-á, desde já, que:

- as cinco formas urbanas identificadas estão, todas elas, presentes na Cidade e todas elas são actuais;

- a questão que se coloca hoje ao planeamento não é a de escolher entre elas; interessa, isso sim, que
todas sejam consideradas e respeitadas, sobretudo quando já presentes no território;
- há que assumir a cidade pluriformal e constituída por várias partes, defendendo a coerência,
funcionalidade e harmonia de cada uma.

Assume-se, assim, a cidade como um somatório de partes.

Mas este entendimento, da cidade apreendida por bocados em si completos e da tensão que se cria entre
eles, como defende Aldo Rossi 209, deverá, a nosso ver, ser complementado, na linha das preocupações de
Kevin Lynch, pelo assumir, também, da cidade como um todo que importa estruturar e ordenar, buscando
para ela uma forma global.

Apresentar-se-á uma proposta, nesse sentido, num outro trabalho – ORDENAR A CIDADE – no qual os
presentes apontamentos – revistos e resumidos - surgirão já mais orientados para a busca de soluções.

209 Rossi, Aldo, 1972, pp. 12 e 80


159

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