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Instruções para a apresentação de um filme ou música associado(a) à obra Amor

de Perdição, de Camilo Castelo Branco

 O objetivo do trabalho é estabelecer um contraste ou uma aproximação entre


o Amor de Perdição e o filme ou a música.
 O trabalho implica fazer um comentário-análise à obra (aliás, a um dado aspeto desta
obra, a um seu momento, etc.) a partir de letra de uma canção ou do filme escolhido. O
comentário pode ocupar-se de parte relativamente localizada ou podem aproveitar para
fazer uma abordagem quase global. Mas é importante que haja alguma interpretação.
 Convém que escolham um filme que tenham visto ou conheçam suficientemente.
Deverão apresentar aos colegas o respetivo trailer, oficial, retirado do YouTube. No caso da
escolha de uma música, devem começar por apresentá-la à turma.
 Se optarem por uma canção, esta poderá ser portuguesa, brasileira ou mesmo de
língua estrangeira. Neste último caso, cada citação deverá conter a tradução em português.
 Não deverão usar filmes que sejam adaptações ou versões do próprio Amor de
Perdição ou de Romeu e Julieta, porque esses já serão provavelmente usados em aula.
 Ao longo da apresentação, convém fazer algumas citações do texto camiliano, bem
como da letra da música.
 Não percam demasiado espaço a resumir o filme (e não usem, de modo nenhum, as
sinopses que encontramos na net).
 Os capítulos que leremos de Amor de Perdição são os que estão reproduzidos no
manual — introdução, I, IV, X, XIX, conclusão —, aqueles a que o programa obriga, mas
farão muito bem em relancear outros, se quiserem.

Aqui fica um exemplo, escrito por um colega vosso, de uma associação feita entre a obra
Amor de Perdição e o filme Os Coristas. É um trabalho mais breve por ter sido escrito e
haver limite de palavras.

O enredo de Os Coristas (Christophe Barratier, Les choristes, 2004) é idêntico ao de tantos


filmes cujo espaço é uma escola. Chega um novo professor, que vai contra as regras
estabelecidas; conquista os alunos, até aí indisciplinados, mas enfurece o diretor; entra em
conflito com o poder e acaba por ser demitido. Aparentemente, o intruso perdeu a sua luta,
já que se retoma a vida escolar sem ele, mas os alunos, ainda que se reintegrem num
quotidiano tudo indica semelhante ao anterior, continuam do lado do professor, que talvez
os tenha mudado um pouco. Dos filmes que seguem este modelo, O Clube dos Poetas
Mortos será o mais conhecido.
Só me deterei nos finais de Os Coristas e de Amor de Perdição (do cap. XX, que não está no
manual, à «Conclusão», pp. ….. do manual). O professor Clément Mathieu, expulso, vai
saindo do colégio para ir apanhar a camioneta e não mais voltar ao Fond de l’Étang (‘Fundo
do Pântano’, nome apropriado àquele internato). Também Simão, condenado ao degredo, se
apresta a viajar no barco, que ainda está na Ribeira.
Tanto Mathieu como o herói romântico têm relativo contacto visual com aqueles de quem
foram obrigados a separar-se, alunos e Teresa. Simão avista o vulto de Teresa no mirante do
Mosteiro, «que se debruça sobre a margem do Douro, em Miragaia» — e Teresa «viu, dois a
dois, entrarem amarrados, no tombadilho, os condenados» —, enquanto, nos Coristas,
vemos só as mãos das crianças a despedirem-se pelas frestas da torre do colégio. (Em Amor
de Perdição, Simão pôde assistir mesmo à morte de Teresa: «não era de Teresa aquele rosto:
seria antes um cadáver que subiu da claustra ao mirante».)
Em ambas os casos, porém, a comunicação entre quem parte e quem fica faz-se por escrito.
No filme, os alunos atiram aviões de papel onde registaram palavras de despedida,
reconhecendo o professor a caligrafia e os erros ortográficos de cada um. Na novela, Simão
vê a carta de Teresa que encima um «pacotinho» devolvido e que diríamos póstuma, como
Teresa supõe que seja, pois que é lida já morta a amada: «É já o meu espírito que te fala,
Simão. A tua amiga morreu. A tua pobre Teresa, à hora em que leres esta carta [...] está em
descanso».
Também aproxima livro e filme o facto de os protagonistas, ao afastarem-se, irem
acompanhados: Mariana viaja na nau e seguirá Simão mesmo até às águas do oceano;
Pépinot corre atrás do professor, pede para ir com ele e segue viagem na camioneta.
Nem filme nem livro terminam sem que se volte ao nível narrativo por que se começara. As
duas histórias estão encaixadas numa moldura a que vamos regressar depois do fecho da
ação. No filme, o relato em analepse tivera o pretexto de o agora maestro Pierre Morhange
ter encontrado o diário deixado pelo seu professor. Na novela-romance, o último parágrafo
dá conta de que Rita, a irmã predileta de Simão, ainda vivia, e que Manuel, pai do autor, já
morrera há muito, recordando-nos que, no primeiro nível narrativo, o narrador investigava
a vida de um familiar que, como Camilo, estivera preso na Cadeia da Relação.

E agora um exemplo da associação entre a música “As regras da sensatez”, de Rui Veloso, e a
obra Frei Luís de Sousa, de Garrett, também realizada por uma colega vossa. Reforço que,
nestas duas situações, havia sido pedido um texto, não uma apresentação oral.

A recomendação feita na canção de Rui Veloso — no fundo, a regra de sensatez, já que


«As regras da sensatez» é mesmo o título desta faixa do álbum Avenidas (1998), aqui na
versão (2012) com Maria João e Mário Laginha — poderia aplicar-se a várias personagens
do Frei Luís de Sousa, ainda que, por vezes, por negação.

«Nunca voltes ao lugar / onde já foste feliz» encerra um conselho que quase calharia
bem a Madalena no momento em que, incendiada a casa de Manuel de Sousa, a família
Vilhena-Coutinho tem de se acolher sob o antigo teto dos Vimioso, o palacete onde vivera
com o primeiro marido. Contudo, dificilmente se pode dizer que Madalena tivesse sido feliz
durante a união com D. João de Portugal. Telmo, reconhecendo que «o pobre de meu amo»
recebera «respeito, devoção, lealdade» de Madalena, recrimina à sua senhora não ter amado
o primeiro marido («mas amor!»), enquanto Madalena replica que ao amor «não está em
nós dá-lo, nem quitá-lo», assentindo o que afirmara o aio. Além disso, bem vistas as coisas,
era até o coração que lhe dizia que não faria bem em regressar àquela casa («tu não sabes a
violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela
casa»), o que infirma o dístico «Por muito que o coração diga / Não faças o que ele diz».

A D. João talvez o conselho da canção conviesse mais, porque amara Madalena


(Telmo o lembra: a primeira visita, «vivo ou morto», seria decerto a Madalena, já que lhe
queria muito). Significaria que, tendo sido dado como morto em Alcácer Quibir, se lhe pedia
que não se mostrasse depois. Teria sido indesejável um regresso logo sete anos depois e,
mais ainda, vinte e um anos decorridos. Mas que faria então o zombie D. João? Estaria
condenado a penar entre o Norte de África e Almada? Mas é o que acontecerá ao Romeiro-
D. João de Portugal, depois de vir empecilhar tudo.
Afinal, a frase imperativa da canção assentaria melhor a Telmo. O escudeiro é quem
foi feliz, naquela mesma casa e com o amo dileto, e se vê agora constrangido a regressar
onde, digamo-lo muito conotativamente, «ardera de paixão». Como se adverte no poema de
Carlos Tê, só irá encontrar «erva rasa por entre as lajes do chão». Nada do que Telmo lá vai
ver «será como no passado». O reencontro com D. João não resulta apenas, porém, da
cedência a uma tentação a que levasse a saudade, embora matasse mesmo «a recordação /
que lembra a felicidade» (e, de caminho, alterasse todo o presente, como «cinza / que dá na
garganta nós»). Tudo escapa ao arbítrio de Telmo, tudo depende de um destino que ele não
controla, apesar de o invocar constantemente. É o destino e a sua irrevogabilidade que
interessam à tragédia.

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