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NIPC: 501 226 737 Os artigos assinados não exprimem necessariamente o ponto de vista da Direção.
Diretor: Luís Ribeiro (Presidente da APEI)
15 Artigo . Mariana Moreira, Rita Cordovil, Guida Veiga, Frederico Lopes 46 Nas Bancas: Infância
Mudam-se os tempos, mudam-se os jardins de
infância: O impacto da pandemia COVID-19 na
qualidade do envolvimento físico e práticas do jardim 48 Nas Bancas: Educação
de infância e sua influência no comportamento da
criança do pré-escolar
Estatuto Editorial Os Cadernos de Educação de Infância, fundados em 1987, são uma revista quadrimestral, independente e livre, especializada no campo da educação de infância, que pretende contribuir,
através da divulgação de artigos concetuais e de práticas educativas de qualidade, para a discussão da pedagogia e da educação e para o aprofundamento da compreensão da infância. As suas opções
editoriais são orientadas por critérios de qualidade, rigor e criatividade editorial, estabelecidas sem qualquer dependência de ordem ideológica, corporativa, política, social ou económica, valorizando a
pluralidade de olhares que sejam promotores de reflexão e discussão sobre a educação de infância, contribuindo, desse modo, para o desenvolvimento pedagógico e científico dos seus profissionais e para
a definição de políticas educativas a nível nacional e europeu. No campo da informação e da opinião, orienta-se pelas disposições contidas na Declaração dos Direitos da Criança, na Declaração Universal
dos Direitos do Homem, na Constituição da República Portuguesa, no Estatuto do Jornalista, na Lei de Imprensa, no Código Deontológico dos Jornalistas e nos princípios da ética profissional produzida
e assumida no seio da comunidade da informação, de âmbito nacional ou internacional.
A APEI é apoiada pelo Ministério de Educação no âmbito do protocolo de afetação de recursos humanos
# 121
: EDITORIAL
Luís Ribeiro . Presidente da APEI
Depois de 2020 nos ter deixado imersos numa educação de infância, que sofreu uma signifi- escolar; foi, igualmente, excluída dos trabalhos
pandemia à escala global, cujo efeito, em par- cativa inflexão a partir de 2016. do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade
ticular nas crianças, ainda está por apurar, as Desde a instauração da democracia em Portu- Obrigatória, embora a APEI, através da equi-
expectativas de que neste ano a humanidade gal que a aposta no desenvolvimento da edu- pa de autoras das OCEPE, tivesse participado
possa voltar a registos de normalidade é muito cação pré-escolar foi exponencial. Para além em todas as reuniões e tivesse o documento
elevada. da criação do sistema público de educação pré-escolar/escolar concluído; as orientações
Em Portugal, como um pouco por todos os pré-escolar, em 1977, e da formação superior pedagógicas para a creche, apesar de cons-
países ocidentais, os investigadores estão a de educadores de infância, no início dos anos tarem do programa do Governo, teimam em
promover vários estudos para medir os efeitos 80 do século passado, a partir de 1997, com não arrancar; e, recentemente, a indicação
que o distanciamento social teve no desenvol- a publicação da Lei-Quadro da Educação Pré- dada pela DGE aos agrupamentos de escolas
vimento das crianças, que serão certamente -Escolar, a exigência do nível de mestrado na a propósito do Plano de Capacitação Digital
muito úteis para avaliar os efeitos nefastos do formação inicial para a qualificação profissional foi a da exclusão dos educadores de infância
condicionamento das interações entre crianças para a docência e a integração dos jardins de do processo, referindo-se a estes profissio-
e entre crianças e adultos. infância da rede pública em agrupamentos de nais como “os do ensino pré-escolar”, uma
Mas a pandemia, um pouco paradoxalmente, escolas, este conjunto de medidas de grande terminologia totalmente desadequada, já que
também permitiu que o melhor de todos nós alcance destacou a importância da educação desde a reforma da Lei de Bases do Sistema
emergisse, sendo muitos os relatos de práticas nos primeiros anos e foi consolidando o princí- Educativo de 1973 (há quase 50 anos!) que a
pedagógicas que, apesar de todos os cons- pio de que a educação pré-escolar é a primeira expressão corretamente utilizada é “educação
trangimentos, se conseguiram reinventar e etapa da educação básica, num processo de pré-escolar”.
continuar a prestar às crianças respostas edu- formação ao longo da vida. Um sentimento muito vivo de um regresso
cativas de alta qualidade, algumas das quais No entanto, a partir de 2016 e logo após a a um passado que se julgava definitivamen-
foram traduzidas para artigos que temos o publicação das novas OCEPE, paulatinamen- te ultrapassado e um corte com uma política
privilégio de poder publicar neste número dos te a educação pré-escolar passou a deixar de de promoção da educação de infância pouco
Cadernos de Educação de Infância. constar das políticas educativas: não integrou inteligível.
Mas se há sinais de que 2021 será o ano do o Programa Nacional de Promoção do Su- Excelentes leituras e até maio!
progressivo retorno à normalidade, outros há cesso Escolar, apesar de os discursos oficiais
que nos geram grande apreensão, particular- enfatizarem que uma educação pré-escolar
mente os ligados à política educativa para a de qualidade é o maior preditor de sucesso
também, ser inspiradoras para lidarmos com E se o processo de inclusão passasse pela ida
os problemas tão presentes, e tão novos, que da escola às famílias?
enfrentamos: obesidade infantil, falta de au- Aprendi a usar o termo compulsivo sempre
tonomia, pouco ou nenhum contacto com a que ensaio algum discurso sobre estes cida-
natureza, quase ausência de brincadeira livre, dãos. E não é por acaso. É porque, ao contrá-
brincadeira em grupos alargados, sem adições rio do que é “assumido”, estas pessoas não
digitais... Será demasiado utópico pensar que gostam e não querem viver desta maneira.
a sua inclusão pode também passar por aquilo Como outras assunções: que não adoecem,
que têm para nos inspirar? que não se querem integrar, que ....
Fig. 5 - Produto final apresentado pela criança ao de- Fig. 6 - Produto final apresentado pela criança ao Fig. 7 - Produto final apresentado pela criança ao
safio proposto. Objeto de mediação do olhar. desafio proposto. A incorporação da criança no ob- desafio proposto. Exploração de diferentes suportes
jeto construído. de comunicação.
O ateliê, como espaço de investigação e lias que os frequentam – mas também para
exploração criativa para a infância, tem um todas as pessoas que têm crianças ao seu
conjunto de pressupostos que pensamos a cuidado.
priori impossíveis de adaptar ao novo para-
digma do “à distância”. Permanecendo fiel à O ateliê como multiplicador
importância dos materiais para o desenvol- de possibilidades
vimento infantil, tenho esperança de que as O ateliê é um espaço de pensamento e de
práticas não caiam em adaptações forçadas pesquisa coletiva. Não é apenas o local
que negam os direitos essenciais das crian- para aprender arte e técnicas artísticas. As
ças. Vou reflectir sobre estes desafios neste crianças abordam os materiais com espírito
artigo, escrito inicialmente em abril, no iní- indagador, questionam-se enquanto afun-
cio da crise do covid-19. dam as mãos na tinta, colocam hipóteses
Nestas últimas semanas, apesar de confi- enquanto misturam cores, observam os ou-
nados devido ao covid-19, as coisas andam tros enquanto brincam com o barro. Este
agitadas. Estamos em ensaios, a testar no- pensamento faz-se com os materiais, claro
vos procedimentos. Mas esperamos que está, mas também é preciso perceber o que
seja apenas temporário e que não tarda vol- está para além do espaço físico.
temos todos à vida como a conhecíamos. O ateliê é o espaço, mas também é as pes-
As escolas estão a passar para plataformas soas, as relações. Há toda uma materiali-
online, aquelas que se baseiam num modelo dade, mas há também um lado metafísico, afectou o ateliê. Foi subitamente fechado.
de transmissão de conteúdos só mudam a que está para além dos materiais, do “aqui Não sabíamos por quanto tempo.
forma de os transmitir. Outras adaptam-se e agora”. Primeiro desafio: manter as relações das
às tecnologias para garantir a colaboração Eu quero que o ateliê, como prática de pen- crianças e famílias que frequentam regu-
e autonomia dos seus alunos. As grandes samento, continue nas vidas das pessoas larmente o ateliê. No nosso caso, uns vêm
salas de espectáculo passam os seus pro- depois de nos visitarem. uma vez por semana, outros duas vezes por
gramas em streaming. Os museus fazem O objectivo do Ateliê Maria Brinca à Sombra semana, integrados em sessões coletivas. As
visitas virtuais. Milhares de empresas adap- é oferecer um espaço para a investigação, crianças estão habituadas a fazer parte do
tam-se ao trabalho remoto, gerindo equi- experimentação e construção da aprendiza- seu grupo e a usufruir dos benefícios sociais
pas e projetos através de plataformas on- gem individual e coletiva. E a minha espe- que esse tempo oferece. O meu primeiro de-
line. Até algumas fábricas adaptaram o seu rança é continuar a usar o meu papel de safio foi encontrar um novo espaço para os
sistema produtivo para oferecerem artigos atelierista e oferecer novas perspectivas e nossos encontros.
com procura crescente. desafios às ideias das crianças, para contri- Segundo desafio: como é que vamos fazer
Mas, mesmo que seja temporário, não quis buir para esse multiplicar de possibilidades, isto funcionar, tendo em conta a faixa etária
perder a oportunidade de refletir sobre mesmo que seja à distância. das crianças? Recebemos crianças entre um
como este ateliê, o Maria Brinca à Sombra, Se temos presente a importância do ateliê, e quatro anos de idade. E qual a melhor du-
se pode adaptar ao distanciamento social então temos mesmo de descobrir formas de ração para cada reunião? E qual a plataforma
mantendo a sua relevância. O ateliê é um continuar a envolver as crianças em inves- ideal para as realizar?
espaço importante na vida das crianças por tigações significativas, provocar a observa- Terceiro desafio: não quero que os encon-
ser um multiplicador de possibilidades, de ção, o interesse e as relações. tros do ateliê sirvam para oferecer atividades
explorações e de conhecimento (Gandini, Temos de pôr as limitações da distância a pré-programadas e passo a passo. A internet
2012). É também uma voz defensora da cul- trabalhar a favor dos nossos objectivos e está suficientemente cheia de ideias dessas.
tura da infância, do brincar livre e da apren- valores, e não contra. Quero apenas estar com eles, mostrar-lhes
dizagem activa através dos materiais e das que continuam a ser importantes e a existir
relações. Por isso acredito que esta reflexão Os desafios de um ateliê neste contexto de grupo do ateliê. Podemos
é importante porque estes espaços não são em distanciamento social fazer muitas coisas ou coisa nenhuma. O
apenas relevantes para as crianças e famí- Em finais de março, uma nova situação “quê” não pode sobrepor-se ao “porquê”.
A imagem que temos de criança e do nosso Tenho tido o privilégio de participar em vi- te essencial do meu trabalho intencional. O
papel vai influenciar bastante a relação que deochamadas semanais com um grupo de conteúdo inclui as relações entre materiais e
vamos criar através das plataformas digitais. atelieristas de várias partes do mundo. Nes- materialidades, os processos, ideias e pensa-
As crianças não precisam de ser entretidas. tas últimas semanas temos refletido sobre mentos das crianças. No ateliê observo, do-
Elas têm tudo o que precisam para se entre- este novo paradigma de distância social. Por cumento, reflicto e relanço este conteúdo ao
ter. Ou seja, para irem a “um sítio raramente exemplo, temos questionado sobre o papel longo do tempo.
visitado pelas crianças hoje em dia – a sua que poderemos desempenhar como atelieris- Materiais. Os materiais, que no ateliê são
imaginação” (Brown, B., 2020). tas e como traduzimos a prática do ateliê para seleccionados e organizados com intencio-
uma modalidade à distância. Temos estado a nalidade, neste paradigma de distanciamento
Dar continuidade à colaboração apoiar-nos mutuamente para repensarmos social passam a ser imprevisíveis e não homo-
durante o distanciamento social a nossa prática com as crianças de forma a géneos. Mas no ateliê os materiais não são
Que novo papel, ou papéis, pode ter a(o) ate- fazer sentido hoje dando especial atenção à apenas as coisas físicas, eles também incor-
lierista? necessidade de continuar a valorizar a inte- poram ideias e conceitos. Neste momento de
A(o) atelierista é a pessoa responsável pelo ração pessoal e a colaboração num espaço distanciamento social, a selecção de materiais
ateliê, geralmente alguém com formação na único que é o ateliê. para actividades online é difícil, pois não sei
área das artes. O atelierista proporciona os Antes da pandemia todos os atelieristas pre- que recursos as famílias terão em casa.
encontros ente as crianças e os materiais e paravam o ambiente com intencionalidade, Tempo. O tempo que vamos passar juntos e
as materialidades apoiando-as nas suas pes- seleccionavam os materiais e montavam o todo o restante que será, ou não, influenciado
quisas, e observa a forma como cada criança espaço do ateliê para os encontros criativos por esses breves encontros. Podemos motivar
os manipula e combina, recolhendo evidências e inesperados (DiBello e Ashelman, 2011). En- um certo espírito pesquisador e observador
sobre os seus interesses, o seu desenvolvi- tão, e agora que deixámos de ter o espaço durante as sessões e esperar que isso influen-
mento, as suas estratégias e as suas estrutu- físico do ateliê? cie as suas interações no resto do tempo.
ras cognitivas. Com base nestas observações Pessoas. Crianças e famílias, com quem vamos
vai oferecer novos materiais, materialidades e Cinco ideias a ter em conta manter uma relação distante, mas próxima,
experiências que façam sentido dentro do flu- Considero que há 5 princípios fundamentais porque estamos disponíveis e porque este é
xo contínuo de ideias e conceitos que estão a para o ateliê neste novo paradigma: um trabalho de colaboração. A forma como
ser explorados pela criança. Conteúdo. O conteúdo do ateliê é uma par- vamos nutrir esta relação está directamente
relacionada com o novo conceito de espaço.
Espaço. O espaço é o “terceiro educador”,
como nos diz Loris Malaguzzi, o fundador da
abordagem de Reggio Emilia. E agora, mais do
que nunca, assume um significado mais pro-
fundo. O ambiente como “terceiro educador”
significa que o espaço é definido como um
contexto de escuta “múltipla” que nos envol-
ve a todos individualmente e em grupo, onde
nos escutamos uns aos outros e a nós mes-
mos (Rinaldi, 2006).
contribuírem para que estas crianças desen- das crianças com os outros materiais e
volvam um pensamento autónomo, criativo e conceitos?
crítico, fico feliz. 4. A multimodalidade destaca que a co-
municação ocorre em múltiplos meios,
Conclusão e que os meios têm “recursos” que per-
É um facto que ninguém estava preparado mitem diferentes formas de cognição
para mudar para um ateliê à distância. Antes (Bezemer & Kress, 2016). Que tipo de
desta urgência sanitária a maioria iria dizer novas relações e formas de cognição
que era impossível. Impossível fechar as es- irão surgir?
colas. Impossível passar a trabalhar em casa. 5. Como promover e sustentar uma cultu-
Mas aqui estamos. Quis por isso aproveitar ra e comunidade que pensa colectiva-
esta oportunidade para refletir e aprender so- mente (Gandini, 2012)?
bre as relações e ligações que existem entre
os objectivos e a relevância do ateliê na nossa
sociedade nos dias de hoje. E em que medida
podemos adaptar-nos a este novo paradig-
ma. Isto é importante porque um dia vamos REFERÊNCIAS
regressar ao espaço físico, mas não voltamos Bezemer, J., & Kress, G. (2016). Multimodality, lear-
ning and communication: a social semiotic frame.
para o ponto onde o deixámos. London; New York: Routledge, Taylor & Francis
Para já encontrei cinco ideias base para o ate- Group.
liê em tempo de distanciamento social que Brown, B. (2020). Collective Vulnerability, the FFTs
of Online Learning, and the Sacredness of Bored
guiaram a minha reflexão para encontrar al- Kids [online]. Available at: https://brenebrown.com/
gumas estratégias de acção. blog/2020/03/21/collective-vulnerability/ [Accessed
Se o meu foco está no processo e se quero 03 April 2020].
DiBello, A, & Ashelman, P. (2011). Integrating the Arts
zer uma ponte com a próxima, relembrar o continuar a acompanhar as crianças nas suas in Early Childhood Settings: The Role of Materials
que fizemos ou sobre o que conversámos, e buscas de significado, então o meu papel já [online] Available at: https://www.newjerseyreggio-
também para ter material de apoio para pro- não será tanto o de preparar o espaço físico net- work.org/wp-content/uploads/2011/04/Creati-
ve_ Mindfinal_paper.pdf [Accessed 23 March 2020].
por novas interacções. Posso também pedir com materiais e provocações, mas o de pre- Gandini, Lella (2012). O papel do ateliê na educação
aos pais que tenham especial atenção a um parar um espaço simbólico onde haja relação, infantil: a inspiração de Reggio Emilia. Porto Alegre:
ou outro aspecto nas brincadeiras dos filhos, partilha e colaboração. Onde cada criança se Penso.
Rinaldi, Carlina (2006). In Dialogue with Reggio Emi-
ou que comentem o que se evidenciou no sinta motivada a observar, a colocar hipóte- lia. New York: Routledge, Taylor & Francis Group.
intervalo das nossas sessões. Ainda não te- ses, a participar, e onde se sinta valorizada. Agradecimento especial ao Projecto Kalambaka por
nho bem escolhido qual a altura e o formato criar tantas oportunidades para a colaboração e
reflexão e a Louisa Penfold, PhD, pelo seu apoio e
para estas partilhas, mas pela experiência Outras ideias para continuarmos a refletir dedicação.
algo me diz que vão acontecer durante as Tenho outras perguntas que gostava de con-
videochamadas, e é preciso ver como gerir tinuar a refletir em colaboração. E que são: Maria Brinca à Sombra é um ateliê inspirado na abor-
dagem de Reggio Emilia que abriu em Setembro de
isso para que o tempo não seja todo ocupa- 1. Como adaptar uma prática de ateliê, 2017 em Lisboa. Iniciámos este projeto para oferecer
do com “conversa de adulto”. baseada na investigação e colaboração atividades artísticas e experiências sensoriais focadas
• Para além de nos vermos a nós através do com crianças pequenas, a uma platafor- no desenvolvimento integral e no direito das crianças
pequenas de se expressarem livremente. No final do
ecrã, vemos também a mãe, o pai, irmãos, ma digital online? primeiro ano percebemos que por trás de cada gesto
vemos a casa, vemos os brinquedos, vemo- 2. Como irá a videochamada influenciar as havia uma pergunta, uma pesquisa, e começámos a
-nos cada um no nosso mundo. E isso é di- experiências e a produção de significa- escutar activamente e a refletir sobre as interações e
experiências de aprendizagem fornecidas pelos ma-
ferente de estarmos no ateliê. Trazemos mais dos das crianças? teriais disponíveis.
aspectos da nossa individualidade e é diverti- 3. Qual é o potencial destes meios digitais www.mariabrincasombra.com
do descobrir isso, e torna-nos mais próximos para o ateliê à distância? E como po- www.instagram.com/mariabrincasombra
e reais. No fundo, se todas estas experiências dem eles complementar as experiências
“Parece ser cada vez mais premente enceta- ‘preparar o futuro’, mas de esgotar as suas por pesquisar e recolher imagens de possí-
rem-se esforços para melhorar as oportuni- possibilidades atuais” (idem). veis equipamentos que poderíamos construir
dades de aprendizagem e desenvolvimento Tendo em consideração que os espaços ex- com materiais recicláveis. Dada a enver-
que são oferecidas às crianças, pensando e teriores proporcionam inúmeras oportunida- gadura deste projeto, a sua concretização
fazendo diferente” des de aprendizagem e de desenvolvimento exigiu esforços e cooperação com diversos
(Bilton, Bento & Dias, 2017, p. 7). (para crianças e adultos), reconhecemos a elementos da comunidade educativa. Nesse
necessidade das crianças de terem tempo de sentido, reunimos com os pais interessados
Enquadramento e justificação qualidade para investir, explorar, experimen- em colaborar connosco para que nos ajudas-
da iniciativa tar, seguir o seu ímpeto exploratório e reagir sem a perceber o que era exequível ou não
O Infantário Universo dos Traquinas tem aos estímulos do contexto exterior. Assim de contruir, bem como quais os materiais
capacidade para 124 crianças,1 com idades sendo, o nosso projeto visou a transforma- necessários para a sua execução. Seguida-
compreendidas entre os 3 meses e os 6 anos. ção das práticas pedagógicas nos espaços mente, reuni com a equipa a fim de fazermos
Tem um recreio bastante amplo com 241,45 exteriores e o enriquecimento ecológico uma reflexão profunda e conjunta sobre a
m² e uma horta pedagógica com 336,85 m². destes espaços tendo em vista o desenvol- nossa ação e a compreensão da necessidade
Todavia, dada a escassez de recursos mate- vimento sustentável, pois apesar de ser uma de transformação das práticas nos espaços
riais nos nossos espaços exteriores e valori- ação local, acreditamos que a nossa pegada exteriores, partindo do paradigma “o espaço
zando estes espaços como campos de ação ambiental terá impacto ao nível mundial. exterior é igualmente um espaço educativo
pedagógica por excelência, em Conselho Pe- Em Conselho Pedagógico identificámos as pelas suas potencialidades e pelas oportu-
dagógico, decidimos desenvolver o projeto necessidades e potencialidades dos nossos nidades educativas que pode oferecer, me-
Brincar ao Ar Livre – Transformação das Prá- espaços exteriores e através de abordagem recendo a mesma atenção do/a educador/a
ticas Pedagógicas no Espaço Exterior,2 inspi- fundamentada em pedagogias participativas, que o espaço interior. Se as atividades que
radas nas investigações de Bento & Portugal em prol de uma visão holística do desenvol- se realizam habitualmente na sala também
(2019), Bilton, Bento & Dias (2017), Neto & vimento de crianças e profissionais, conce- podem ter lugar no espaço exterior, este tem
Lopes (2018), Figueiredo (2015) e Santos, bemos o nosso plano de ação. Começámos características e potencialidades que permi-
Mendes, Correia & Santos (2020). Este pro-
jeto teve início no ano letivo 2019/2020 e
continuará em implementação.
Partilhando a conceção de Tardos & Szan-
to-Feder (2016: 42), “criança não brinca,
vive. Vive muito seriamente, implicando-se
completamente, envolvendo todas as suas
funções e todas as suas emoções em cada
ato, desde o nascimento” e sendo brincar
um direito das crianças, é também por nós
reconhecido como uma atividade inata e va-
liosa na infância, através da qual as crianças
adquirem, mobilizam e expandem conheci-
mentos e competências, atribuindo sentido
ao mundo que as rodeia. “Não se trata de
1 48 bebés dos berçários (12 bebés em cada sala), 30
crianças das salas de transição (15 crianças em cada
sala), 46 crianças de jardim de infância (23 crianças
de cada sala). Cada equipa é constituída por uma
educadora de infância e duas assistentes educativas,
o que perfaz um total de oito educadoras e 16
assistentes.
2 O projeto pode ser acompanhado em https://www.
facebook.com/infantariouniversodostraquinas/
tem um enriquecimento e diversificação de baloiços, uma cabana, duas caixas de areia, como parceiro o Município do Porto Santo.
oportunidades educativas” (Silva et al, 2016, uma ponte do equilíbrio, uma mesa, dez Este concurso surgiu como uma possibili-
p. 27). Selámos igualmente o compromisso carrinhos de cestos, uma cozinha de lama, dade de reflexão e apoio financeiro para a
de toda a equipa de não apenas querer a um caminho dos pés descalços, dois trepa- concretização do nosso projeto. Em março,
mudança, mas efetivamente fazer mudan- -árvores, uma vedação, uma montanha, um fomos distinguidos com uma menção hon-
ça, e para que tal seja possível temos de jardim para bebés. rosa no referido concurso e nesse âmbito
fazer uma reflexão crítica constante, ter Ao longo do percurso realizámos formação continuaremos a implementar iniciativas de
disposição para a mudança, trabalhar em em contexto para todos os elementos da sensibilização pedagógica que promovam
equipa, criar recursos e equipamentos sus- equipa pedagógica acerca das práticas pe- os direitos das crianças, a cooperação com
tentáveis, envolver a equipa, as famílias e a dagógicas nos espaços exteriores e sobre as o envolvimento de diversos elementos da
restante comunidade educativa, valorizar a pedagogias participativas. Contámos com a comunidade educativa, bem como inicia-
agência de cada criança, escutar a criança presença, visão crítica e reflexiva do Prof. tivas de desenvolvimento sustentável que
nos assuntos que lhe dizem respeito, defi- Dr. Mário Fortes, autor do programa “Out- incentivem o gosto pela natureza, à luz da
nir o papel do adulto, articular discursos e door Training” e do projeto “Kids Talentum”, educação para o desenvolvimento susten-
práticas, realizar uma observação naturalis- que nos deu várias dicas para que possa- tável e para a cidadania global.
ta, registar, documentar, planear, avaliar e mos continuar com sucesso este projeto. Em junho, surgiu mais uma possibilidade
refletir na ação. de reflexão e de partilha mais alargada do
A apresentação do projeto nosso projeto através do concurso Escola
Mãos à obra na e com a comunidade educativa Amiga da Criança. “Trata-se de uma inicia-
Juntamente com a equipa, familiares, crian- Em janeiro, quando do I Encontro Regional tiva conjunta da CONFAP (Confederação
ças e outros elementos da comunidade de Educação para a Cidadania Global, tive Nacional das Associações de Pais), da LeYa
educativa (como, por exemplo, um enge- conhecimento do concurso Educar para e do psicólogo Eduardo Sá, que visa distin-
nheiro agrónomo), criámos dois quadros Cooperar – Agora Tu!, promovido pela AID- guir instituições educativas que concebem
de ardósia, uma parede sensorial quatro GLOBAL, com o apoio do Camões IP, tendo e concretizam ideias extraordinárias, contri-
Continuidade do projeto
Este projeto terá continuidade no próximo
ano letivo e em todo este processo conti-
nuaremos o trabalho cooperativo com as
crianças, os pais, os familiares, as funcioná-
rias e a comunidade educativa, promovendo
uma cidadania ativa e responsável por parte
de todos. Planeamos também realizar ses-
sões práticas (para a equipa, para as crian-
ças, pais e funcionárias) no terreno com o
Prof. Mário Fortes. O seu projeto é verda-
deiramente inspirador para toda a equipa.
Sem dúvida que a atual situação pandémica
ainda trouxe mais força a este projeto, as-
sim como os nossos autores de referência
que, através das suas investigações, fun-
damentam a importância de se estabelecer
uma relação próxima com a natureza desde
uma idade precoce, como condição base
para aquisição de atitudes de cuidado e
respeito pelo espaço (sentimento de per-
tença e familiaridade) e pelos outros (com-
preendendo o seu papel na relação com os
seres vivos e assumindo responsabilidades
na preservação e cuidado com o mundo que
a rodeia).
Continuaremos a desenvolver ações de sen-
sibilização para pais e funcionários, sobre a
educação para os direitos das crianças e
para o desenvolvimento sustentável, reco-
nhecendo a criança como construtora ativa
(sentir, tocar, ver, cheirar, ouvir) e bem-estar os pares e com o apoio dos adultos (disponí-
emocional. O nosso papel será o de adulto veis, empáticos, atentos, congruentes, sen-
em suspensão (Oliveira-Formosinho & For- síveis e promotores de autonomia). Através
mosinho, 2017): observar, colocar o estímu- da observação, da escuta ativa das crianças
lo certo no momento oportuno (Vygotsky, e dos registos dos adultos, estamos a con-
1984), numa atitude sensível, reflexiva, aten- seguir implementar uma mudança efetiva e
ta e disponível. inovadora das práticas neste contexto.
Em suma…
“O desenvolvimento de um trabalho de qua-
lidade ao ar livre exige um grande esforço
por parte dos profissionais, sendo necessária REFERÊNCIAS
uma vontade intrínseca para mudar e para Bento, G. & Portugal, G. (2019). Uma reflexão sobre
um processo de transformação de práticas pedagó-
aprender com os erros ao longo do processo gicas nos espaços exteriores em contextos de educa-
(…) importa apostar no trabalho de equipa ção de infância. In Revista Portuguesa de Educação¸
como principal estratégia para superar as di- 32 (2), pp. 91-106.
Bilton, H., Bento, G. & Dias, G. (2017). Brincar ao
ficuldades” (Bilton et al., 2017, p. 7). Ar Livre. Oportunidades de desenvolvimento e de
Julgo que não é de mais reforçar que o espa- aprendizagem fora de portas. Porto: Porto Editora.
ço exterior oferece diversas oportunidades Figueiredo, A. (2015). Interação Criança-Espaço Exte-
rior em Jardim de Infância. Tese de Doutoramento em
de aprendizagem e desenvolvimento que Psicologia. Aveiro: UA.
apresentam especificidades muito próprias. Fortes, S., Mendes, R., Correia, S. & Santos, N. (2020).
Ao ar livre, em contacto com a natureza, as Metodologia Outdoor Training: Desenvolvimento de
Competências Sociais e Emocionais em Crianças e
crianças vivem um conjunto de experiências Jovens. Estoril: Prime Books.
do seu próprio desenvolvimento e apren- importantes para a sua saúde, bem-es- Neto, C. & Lopes, F. (2018). Brincar em Todo o Lado.
dizagem, papel que lhe é reconhecido pela tar, autonomia, concentração, felicidade, Lisboa: APEI.
Oliveira-Formosinho, J. & Formosinho, J. (2017). Peda-
Convenção dos Direitos da Criança (1989). desenvolvimento holístico, crescimento gogia-em-Participação: a documentação pedagógica
O acesso à educação é também um direi- equilibrado e harmonioso. Os adultos que no âmago da instituição dos direitos da criança no
to de todas as crianças, tendo como base acompanham as crianças devem valorizar e cotidiano. In Em Aberto, v. 30, nº. 100, set./dez. (pp.
115-130). Brasília.
a igualdade de oportunidades, a equidade reconhecer as potencialidades pedagógicas Silva, I., Marques, L., Mata, L. & Rosa, M. (2016).
e a inclusão de todas as crianças. Assim, o destes espaços, apoiando as crianças nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-esco-
espaço exterior deve proporcionar um am- suas descobertas. Acredito piamente que lar. ME: DGE.
Tardos, A. & Szanto-Feder, A. (2016). O que é a auto-
biente convidativo para todas as crianças e a articulação entre teorias e práticas, bem nomia na primeira infância? In J. Falk. Educar os Três
adultos. Na organização e estruturação des- como o acompanhamento e supervisão das Primeiros Anos: a experiência de Lóczy. (pp. 39- 52).
te projeto teremos sempre em consideração mesmas em conjunto com a formação em São Paulo: Junqueira & Marin.
UNICEF (s.d.). A Convenção sobre os Direitos da
os estímulos que queremos proporcionar às contexto levarão à transformação das práti- Criança. Adotada pela Assembleia Geral nas Nações
crianças com diferentes interesses e neces- cas pedagógicas. Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada por
sidades, reconhecendo que cada uma possui Com o nosso projeto, estamos a conseguir Portugal em 21 de setembro de 1990. Lisboa: UNICEF.
Vygotsky, L. (1984). A formação social da mente. São
um ritmo de aprendizagem único, que vamos aumentar a quantidade e diversidade de Paulo: Martins Fontes.
continuar a respeitar e a valorizar. Usufruir equipamentos e espaços não estruturados
do espaço, apoiar cada criança nas suas ao ar livre, tornando o infantário um espaço
descobertas, estimular a criatividade, a inte- melhor e com mais qualidade, que propor-
ração com os pares e a valorização da na- ciona experiências mais significativas para
tureza têm sido ações constantes. Estamos cada criança e para cada adulto, que prima
muito conscientes de que as práticas ao ar por uma abordagem socio-construtivista,
livre potenciam mais saúde, mais autonomia, onde as crianças são agentes do seu próprio
permitem uma maior estimulação sensorial processo de aprendizagem na interação com
Introdução e dedicatória ces) que são percecionadas pela criança na trar que espaços exteriores naturais, quando
Este artigo pretende dar a conhecer o im- sua relação recíproca com o ambiente, sendo comparados com os tradicionais e pré-fabri-
pacto que a pandemia covid-19 teve na por isso fortes preditores do seu comporta- cados, parecem contribuir para o aumento
qualidade do envolvimento físico e práticas mento lúdico, ativo, social e emocional (Berti, da atividade física das crianças (Määttä et
pedagógicas do jardim de infância (JI), bem Cigala, & Sharmad, 2019; Gibson, 1979; Moore, al., 2019), das oportunidades de jogo livre e
como no comportamento das crianças em 2012) e da sua aprendizagem (Neto, 2017). Por espontâneo, bem como a autonomia, a cria-
idade pré-escolar. Para isso alia uma carac- exemplo, quando a definição espacial dos es- tividade, a atenção, o envolvimento no jogo,
terização objetiva, qualitativa e comparativa paços interiores e exteriores do JI é clara nos a resolução de problemas, a autoconfiança, a
da qualidade do envolvimento físico de 18 JI limites e áreas temáticas, as crianças mostram autorregulação, a socialização e o bem-estar
do concelho de Gondomar, distrito do Por- mais atenção e continuidade no jogo, coope- psicológico (Bilton, 2010; Brussoni et al., 2017).
to, realizada antes da pandemia de covid-19 ração, e emoções mais positivas (Berti et al., Berti e colaboradores (2019) referem ainda
(outubro-novembro 2019) e depois do pe- 2019). Espaços interiores e exteriores peque- que quanto maior perceção de risco estes ele-
ríodo de confinamento (junho e setembro nos e acolhedores, com caráter privado, para mentos oferecerem à criança, mais estarão a
de 2020), ao olhar sensível de 18 educado- onde as crianças podem ir quando se sentem contribuir para a sua autoestima.
ras de infância que retratam as estratégias cansadas, sobrecarregadas ou infelizes pare-
utilizadas para garantir o cumprimento das cem satisfazer a necessidade de privacidade, Para além do envolvimento físico, as práticas
diretrizes da Direção-Geral de Saúde (DGS) afastamento e intimidade e contribuir para a pedagógicas são igualmente moduladoras
nos seus JI e partilham a sua opinião sobre o construção de uma identidade positiva, bem do comportamento da criança. Fortemente
impacto das mesmas na qualidade do espa- como para uma maior capacidade de regula- influenciadas por um contexto sociocultural
ço, nas práticas pedagógicas e no comporta- ção emocional (Berti et al., 2019). próprio e enraizado, estas também podem
mento das crianças. Mais especificamente relacionado com os es- incentivar ou inibir a criança de utilizar os es-
É a estas educadoras que dedicamos este paços interiores, a literatura sugere que quan- paços e materiais do JI (Kyttä, 2004; Laevers,
artigo. São um exemplo de força, coragem do a quantidade de espaço interior é pequena 2015).
e resiliência, a quem queremos demonstrar para o número de crianças, a participação so- Segundo Laevers (2015) as práticas pedagógi-
todo o nosso reconhecimento. Mesmo em cial tende a diminuir e o isolamento, agitação cas deverão guiar a criança a arriscar desco-
tempo de crise abriram as portas à investiga- e agressividade tendem a aumentar (Moore, brir novas brincadeiras de forma espontânea,
ção e partilharam a sua experiência e visão, 2012). Por outro lado, uma circulação clara, facultando o tempo necessário para que se
contribuindo para que se pensasse a educa- facilitada por pistas de circulação a identificar possa envolver com fascínio e perseverança,
ção durante uma pandemia e para que dessa os caminhos que levam até às áreas de ativi- sem constantes interrupções. Esta capacida-
forma prosperassem a ação e a mudança. A dade e que não perturbam as brincadeiras e de de envolvimento é também um indicador
todas elas, obrigada! aprendizagens que nelas decorrem promove a de bem-estar, essencial ao desenvolvimento
autonomia e independência e maior variedade harmonioso da criança e à sua aprendizagem.
Fundamentação de interações entre crianças e entre crianças Os tempos mudaram. Em dezembro de 2019
O JI é um contexto próximo da criança e por e materiais (Berti et al., 2019). Uma boa ilu- começou a ouvir-se falar de uma inexplicável
isso tem grande impacto no seu desenvol- minação parece contribuir para uma maior série de casos de pneumonia reportados na
vimento (Bronfenbrenner, 1995; Flôres et atenção e disponibilidade para aprender. Em China (Tang et al., 2020). Estávamos longe
al., 2019), comportamento e aprendizagem contrapartida, o excesso de ruído nas salas de imaginar que esses casos se iriam trans-
(Moore, 2012). de atividades parece afetar as capacidades de formar, segundo a Organização Mundial de
A forma como os espaços do JI são cons- pré-leitura das crianças em idade pré-escolar. Saúde (OMS), numa pandemia a nível interna-
truídos e equipados e o tipo de práticas Espaços com cores frias promovem compor- cional (Huang et al., 2020), levando o Governo
implementadas pelos agentes educativos tamentos calmos, ao contrário de espaços Português, tal como os de outros países do
(fortemente influenciadas pelo contexto so- com cores quentes, que parecem estimular mundo a decretar no dia 18 de março o estado
ciocultural) influenciam o tipo de atividades comportamentos de excitação e agitação (Ata de emergência e a fechar todos os JI do país.
a realizar (Barker, 1968; Farinha, Correia & et al., 2012). Durante o período de confinamento estudos
Carvalho 2019, Kyttä, 2004), isto é, oferecem Relativamente às características do espaço internacionais como o de Capurso et al. (2020)
diferentes oportunidades de ação (affordan- exterior, vários estudos têm vindo a demons- e Idoiaga et al. (2020) alertaram para o facto
de as crianças em idade pré-escolar, devido partilhados e retirar das salas os acessórios exteriores de jogo, e v) características de lo-
ao isolamento, estarem a registar sintomas não essenciais às atividades pedagógicas). calização do terreno do edifício relativamente
de ansiedade, problemas emocionais e rela- Estas diretrizes têm criado um verdadeiro à comunidade. Desta avaliação resultou uma
cionais e níveis alarmantes de sedentarismo desafio aos JI que se viram obrigados a reor- pontuação final reveladora do nível de quali-
(Moore et al., 2020). Estes últimos também ganizar o espaço e práticas pedagógicas com dade do envolvimento físico de cada JI (0.00-
foram evidenciados num estudo nacional de o intuito de manter o respeito pelas Orienta- 1.00=má; 1.01-2.00=razoável; 2.01-3.00=bom
Pombo et al. (2020). ções Curriculares para a Educação Pré-Escolar e 3.01-4.00=excelente). A aplicação da EAEFC
Tornou-se claro que manter as escolas fecha- (Lopes da Silva et al., 2016) e assegurar o bem- foi realizada em três momentos diferentes:
das poderia resultar em danos para o desen- -estar das crianças e as oportunidades para antes da pandemia (outubro/novembro 2019),
volvimento social, psicológico e educacional que continuassem a brincar de forma ativa. logo após o confinamento das crianças do
das crianças (Capurso et al., 2020; UNESCO, Estas diretrizes permaneceram as mesmas no pré-escolar (junho de 2020) e no início deste
2020), bem como na perda de rendimentos início do ano letivo em setembro de 2020. novo ano letivo (setembro de 2020).
e produtividade dos adultos que não podiam Assim, avaliar o impacto que a pandemia de Com o intuito de conhecer as estratégias uti-
trabalhar por causa das responsabilidades de covid-19 está a ter na qualidade do envolvi- lizadas pelas educadoras para seguir as dire-
cuidar das crianças (Capurso et al., 2020; Ma- mento físico, nas práticas pedagógicas do JI trizes da DGS, bem como a sua perceção e
cartney et al., 2020). Mais ainda, confirmou- e consequentemente no comportamento das opiniões sobre a viabilidade de execução das
-se a existência de uma taxa de contágio da crianças torna-se absolutamente essencial mesmas, a sua congruência com as OCEPE e o
covid-19 muito inferior entre crianças (Hong para auxiliar uma mudança e adaptação mais seu impacto no comportamento das crianças,
et al., 2020) e que o risco e redes de contágio seguras e fundamentadas do JI nos tempos foi-lhes realizada uma entrevista semiestrutu-
nos JI, quando cumpridas as diretrizes sugeri- atuais e com o menor impacto possível no rada individual com a duração de 45 minutos
das pelas entidades de saúde, tinham menor bem-estar e desenvolvimento das competên- logo após o confinamento das crianças do
probabilidade de proliferar do que noutros da cias cognitivas, motoras e socio-emocionais pré-escolar (junho de 2020) e no início deste
comunidade (European Centre for Disease da criança. novo ano letivo (setembro de 2020). Partici-
Prevention and Control, 2020; Macartney et param 18 educadoras da educação do pré-es-
al., 2020). Neste novo quadro de evidências, o Estudo colar.
Governo decidiu a 1 de junho de 2020 reabrir Deste estudo fizeram parte 18 JI do concelho Os resultados da avaliação da qualidade do
os serviços do ensino pré-escolar nos JI em de Gondomar, do distrito do Porto, 16 do se- envolvimento físico dos JI visitados são apre-
regime presencial e assim os manter no início tor público e dois do setor privado. sentados na Tabela 1.
do ano letivo, em setembro de 2020. A qualidade do envolvimento físico dos JI foi Os resultados mostram que nenhum dos JI
Segundo a Direção-Geral de Saúde (2020), caracterizada com recurso à Escala de Avalia- apresentou um nível de qualidade do envol-
para garantir uma reabertura segura em junho ção dos Envolvimentos Físicos para Crianças vimento físico excelente nos três diferen-
de 2020 e mantê-la no início do ano letivo, em [EAEFC] (Moreira, Cordovil, Veiga & Lopes, tes momentos de avaliação. Como se pode
setembro de 2020, teriam de se cumprir dire- 2020), versão traduzida e adaptada da esca- verificar, em junho de 2020 houve um au-
trizes centradas em assegurar i) maior flexibi- la original americana denominada Children’s mento significativo do número de JI com má
lidade das regras de capacidade/lotação (por Physical Environments Rating Scale (CPERS5) qualidade do envolvimento físico, quando
exemplo, diminuição do número de crianças (Moore, 2012). Esta foi preenchida quando da comparadas com o período pré-pandemia
por área, tendo em vista maximizar a distância visita de um membro da equipa de investiga- (outubro/novembro de 2019). Contudo, em
entre crianças; preferência pela realização de ção ao espaço de cada JI durante cerca de 120 setembro de 2020 a qualidade do envolvi-
atividades no espaço exterior); ii) organização minutos e centrou-se na avaliação de cinco mento físico atingiu valores muito semelhan-
de circuitos e horários alternativos; iii) refor- dimensões: i) proporção entre o tamanho do tes aos atingidos em outubro/novembro de
ço dos procedimentos de desinfeção para edifício do JI e o número de crianças acolhi- 2019, o que sugere que, no geral, os JI con-
adultos, crianças, espaços e materiais (por das em simultâneo; ii) qualidades estéticas, de seguiram voltar a reajustar-se às condições
exemplo, melhorar a limpeza e desinfeção dos escala, de circulação, de ambiente interior, se- que tinham antes da pandemia. É de notar
materiais permanentes, favorecer a utilização gurança e proteção; iii) características dos es- que apenas um dos JI conseguiu manter
de materiais mais fáceis de desinfetar para as- paços interiores para cuidados e para ativida- uma boa qualidade do envolvimento físico
segurar uma devida desinfeção dos materiais des; iv) funcionalidade e riqueza dos espaços em junho de 2020; contudo, em setembro,
Tabela 2. Frequência de implementação de diferentes estratégias (número de jardins de infância que implementaram cada estratégia), e a
avaliação das educadoras (número de opiniões positivas, negativas e nulas) sobre cada estratégia, quando implementada, no período após o
confinamento (junho e setembro).
embora com todas as restrições e maior des- estratégias mais utilizadas foram remover obje- relação a esta medida estava principalmente
conhecimento em relação à covid-19, o facto tos e materiais soltos no interior e/ou exterior relacionada com a falta de condições de espa-
de estarem menos crianças no JI aumentou promotores da partilha, limitar o número de ço exterior em condições meteorológicas extre-
a quantidade de espaço que as crianças pu- crianças que utilizassem o material ao mesmo mas no verão (pouca sombra, solo de cimento).
deram utilizar tanto no interior como no ex- tempo e aumentar a utilização do espaço ex- Em setembro de 2020 houve um decréscimo
terior, com ambientes mais calmos e tranqui- terior. na implementação da maioria das estratégias,
los. Assim, as educadoras consideraram que Limitar o número de crianças que podiam uti- exceto as centradas na utilização do espaço
as próprias crianças puderam expandir o seu lizar o material ao mesmo tempo foi a medida exterior e na promoção de medidas de desin-
movimento, explorar outras áreas e outros que as educadoras consideraram ser a pior, feção. Esta última estratégia foi a que teve
materiais com mais tempo, parecendo-lhes uma vez que dificultava a socialização das maior perceção positiva entre os educadores,
estarem mais tranquilas e envolvidas no jogo. crianças. Por outro lado, o aumento da utiliza- que consideraram que aumentar as medidas
Para além disso as educadoras sentiram que ção do espaço exterior foi considerado positi- de desinfeção (por exemplo, cada criança de-
nessas condições tinham maior disponibilidade vo. As educadoras associaram mais possibilida- sinfetar as suas mãos antes de entrar numa
para trabalhar de forma mais individualizada. des de ação lúdica e motora no exterior a um área ou antes de partilhar material de artes
Os resultados mostram ainda que, em junho comportamento mais tranquilo e feliz por parte e expressão plástica, como os lápis, canetas,
de 2020, quando as pré-escolas reabriram, as das crianças. A única perceção negativa em tintas ou a plasticina) eram melhores do que
é fundamental, por um lado, criar condições AUTORES 2019 (COVID-19) in newborns, infants and children. Pe-
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Motricidade Humana, Universidade de Lisboa; Rita Zhang, L., Fan, G., Xu, J., Gu, X., Cheng, Z., Yu, T., Xia,
que estas medidas de proteção não coloquem Cordovil. CIPER, Interdisciplinary Center for the Stu- J., Wei, Y., Wu, W., Xie, X., Yin, W., Li, H., Liu, M., …
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Clinical characteristics of novel coronavirus disease
Figura 3 - Cozinha de Lama, Cor da Terra (de- Figura 4 - Biblioteca, Cor de Terra. Figura 5 - Ateliê Passos de Gigante. Na ima-
talhe). gem, a Francisca, de dois anos, foi buscar a
caixa da matemática com números de madeira
e outros recursos (denominadas de loose parts)
para as suas “contas”.
vindo a criar uma situação calamitosa em “Nenhuma criança deveria crescer sem co- zinha de lama e a área de servir (mesa) na
termos físicos e mentais, já que nas últi- nhecer o coro dos pássaros. relva, as crianças registaram graficamente
mas décadas houve uma perda de mais A sala no Cor da Terra é uma grande quinta os seus desejos e os educadores puseram
de 12 horas de tempo livre por semana.” de onde crianças e adultos participam nas mãos à obra para construir e reunir os ma-
Espaços naturais são ricos de “partes soltas” descobertas. Para além das áreas de cultivo, teriais. O espaço foi então preparado para
que incluem tudo: árvores, pinhas, pedras, das árvores de fruto e dos animais da quinta, corresponder às expectativas deste brincar,
lama e galhos. Simon Nicholson também su- as crianças observam os fenómenos naturais mas imediatamente, com a introdução de
gere a praia como um bom exemplo destes em primeira mão. Observam o dia passar, as alguns elementos reais (como talheres, pa-
ambientes. A areia para moldar, o mar em mudanças trazidas pelas estações do ano, e nelas e outros utensílios de cozinha cedidos
constante movimento, os baixios cuja fauna o espaço de brincar cresce com elas. por familiares), as iguarias gastronómicas
e forma mudam com a maré. Pela excelen- Vamos reestruturando os espaços exteriores tornaram-se mais delicadas, com mais in-
te localização, no Ateliê Passos de Gigante, e interiores para se adaptarem aos grupos gredientes e processos demorados de con-
passamos muito tempo no areal. de crianças, às propostas pedagógicas dos fecção. Não há nada como cozinhar com as
Estes ambientes, quer seja na quinta do Cor adultos e à força natural dos elementos, panelas daqueles que nos são queridos: o
da Terra ou no areal perto do Ateliê Passos construindo novas propostas para brincar, sentimento de pertença e de familiaridade
de Gigante, estão cheios de “coisas” que investigar e documentar a aprendizagem. com os objetos e os espaços ganha outra
cumprem muitas funções diferentes. Lu- A Cozinha de Lama do Cor da Terra é um dimensão relacional.
gares que podem ser adaptados às nossas exemplo da metodologia em ação. Depois Como atelierista, não poderia deixar de
necessidades e ideias. Contudo, nestes am- de questionarmos as crianças sobre aquilo acrescentar à cozinha, a área da escrita dos
bientes, é também crucial a flexibilidade dos de que necessitavam para cozinhar melhor cardápios (lousa e giz), uma coleção de re-
adultos para que seja permitido às crianças e do que precisava de ser melhorado no ceitas, as colheres e panelas de diferentes
explorar todo o seu potencial. espaço que engloba a caixa de areia, a co- tamanhos para as medições, a beleza das
flores naturais e as frutas da quinta, poten- O meu amor pelos livros e por incentivar a suas escolhas e que aquele esteja estetica-
ciando cada vez mais a riqueza do brincar. leitura nos mais pequenos faz que organize mente bem-apresentado. As estantes e me-
O interesse pela cozinha motivou que re- inúmeras formações neste âmbito, sempre sas baixas suportam contextos que corres-
pensássemos a biblioteca e conseguíssemos numa perspetiva Reggio Emiliana. pondem aos interesses das crianças.
disponibilizar também alguns livros para con- Neste sentido, no Cor da Terra também te- Todas as estruturas são móveis, servindo
sultas de novas sugestões culinárias. Assim, mos uma biblioteca lá fora. Podem ouvir-se múltiplos propósitos pedagógicos.
recolhemos pela comunidade educativa várias histórias em cima das árvores, deitados na Os objetos e materiais que habitam os espa-
revistas, livros e catálogos de receitas para relva ou na rede, às refeições, antes do sono ços transitam, pois são “vivos” e não seden-
que as crianças tivessem acesso a mais lin- e mesmo enquanto fazemos o walk-stop- tários e imóveis. São trazidos para fora ou
guagens visuais, tácteis e culturais e amplias- -talk nos passeios da quinta. levados para dentro sempre com o propósito
sem o seu repertório sobre a alimentação. de responder às solicitações das crianças e
Todo este material está assim disponível Os livros pertencem às mãos dos meninos à intencionalidade pedagógica dos adultos.
para que as crianças, junto dos educadores, e não à “escola”. Estando nós conscientes destas necessi-
possam partir para novas descobertas. Tanto no Cor da Terra como no Passos de Gi- dades, os espaços são então enriquecidos
Segundo o pensamento de Malaguzzi, de gante, o espaço é visto como o terceiro edu- pelos materiais mais inusitados, variados e
que é importante “que a escola encontre e cador. Enquanto atelierista, procuro sempre estimulantes.
manifeste a sua própria identidade”, e tam- que o ambiente seja convidativo e provoca- Nesta foto, tirada nos ateliês dos bebés do
bém entendo que a fluidez da relação entre tório da investigação. Que esteja organizado Cor da Terra, a Ema, de dois anos, recolheu
espaço interior e exterior deve ser parte vi- para que as crianças se sintam tranquilas e os diversos recipientes de vidro, o recipiente
sível da identidade de qualquer escola. Não confortáveis nas suas buscas criativas, que plástico que continha diversos legumes, se-
limitar os espaços a uma utilização imutável tenham os materiais de que necessitam ao mentes e massas, a sua colher, e foi repetin-
e condicionada. seu alcance para que sejam autónomas nas do a ação de encher, transportar e despejar
durante largos minutos, iniciando e parando flexível, logo menos restrita, formando assim çoar. Brown e Csikszentmihalyi juntam-se na
sempre que desejava, trocando de colheres e um círculo virtuoso de repetições: aprendi- proposta de deixar brincar as crianças pelo
outros utensílios. zagens-conquista-aprendizagens. tempo que elas determinarem. Quando a
O barulho causado pelos seus movimentos Um dos fatores-chave no processo de com- criança não está preocupada com atingir um
servia também de estímulo, bem como as co- pound flexibility é que a criança se sinta em produto final, mas sim explorar o processo,
res atrativas dos materiais e a transparência controlo. É esta a razão pela qual a brinca- mais motivada estará para a aprendizagem.
dos vidros e plásticos, nesta manhã ensola- deira autodirigida é essencial ao desenvolvi- Aprender in locu, desenvolver o pensamento
rada de outono. mento infantil. científico através da investigação e questio-
A flexibilidade do ambiente, a variedade de Sabemos também que o estado mais ativo namento constante, ampliar a capacidade de
recursos e os múltiplos usos destes são o do cérebro (e mais propício à aprendiza- observação, leva-nos, enquanto educadores,
que alimenta a aprendizagem das crianças e gem), o estado de fluxo (flow) é definido por a querer acompanhar de perto como se pro-
influencia a sua capacidade de concretizar as Mihaly Csikszentmihalyi como o estado ideal cessa o pensamento e se tecem as teorias.
tarefas a que se propuseram. Esta permissão de consciência em que sentimos e realizamos Para mim, enquanto atelierista, é importante
da exploração leva à experimentação, a cor- o nosso melhor. É um estado emocional po- conhecer os processos de pensamento das
rer riscos, testar hipóteses e validar aprendi- sitivo que se caracteriza por uma completa crianças para criar depois as condições ideais
zagens partilhando-as com os outros. envolvência na atividade que estamos a rea- para que elas possam representá-los nas
Estes pequenos sucessos aumentam a au- lizar sem nos importarmos com mais nada. suas diferentes linguagens artísticas.
toestima da criança, o que permite que in- Assim, quanto mais nos dedicamos a algo Os contextos de investigação que acolhem
terpretem o seu ambiente de forma mais que nos dá prazer, mais o iremos aperfei- as questões das crianças são também aque-
Acreditar que a educação é o principal fator Até à data, implementei cinco projetos no criança traz para o grupo, nas datas ali de-
de desenvolvimento humano e social signifi- pré-escolar e dois no 3.º ciclo, sendo em qual- terminadas, uma quantia certa e divisível
ca admitir que não há fase da vida em que a quer deles delineado um sonho que, para ser por três, experimentando desta forma a sua
educação não seja crucial. O enriquecimento concretizado, necessita de dinheiro. A sua contribuição monetária seguindo uma regra
cultural e uma atitude de permanente dispo- transversalidade pedagógica e o envolvimen- social mais tarde exercida na sua vida adulta.
nibilidade para a educação cultivam-se desde to da comunidade tornam estes projetos mo- Em cada mealheiro (poupança, investimen-
o início da vida, com uma educação rica e tores de enriquecimento para um bom nível to, doação) é depositado 1/3 do rendimento
geradora de indivíduos equipados com ferra- de literacia financeira sustentando um futuro previamente estabelecido: Tripé Mágico =
mentas para aprender e querer aprender. equilíbrio económico-financeiro. Este é o meu poupar, doar, investir.
A educação formal, a informal e a não formal maior objetivo profissional, pois delineia um A partir do sonho, crio material pedagógico
fazem parte da minha responsabilidade en- caminho sempre acompanhado da preocu- durante a vigência do projeto: histórias, re-
quanto cidadã e educadora de infância. Com pação de assegurar o desenvolvimento geral, gistos gráficos, poesias, jogos, para susten-
33 anos de experiência profissional, trabalhei harmonioso e equilibrado de cada criança. tar a motivação e o foco no objetivo final.
em diversos ambientes socioculturais, com Como já referido, o lançamento do projeto Para conseguir o dinheiro, são delineadas
diferentes modelos pedagógicos, em diversas parte sempre do delinear de um sonho co- estratégias em colaboração com as famílias
entidades e modalidades. mum. das crianças.
Atualmente, desenvolvo a minha função do- O foco e a determinação na conduta em A etapa seguinte é a construção dos três
cente no jardim de infância do Agrupamento qualquer situação da vida são fundamentais mealheiros utilizando material reciclado. São
de Escolas de Vila do Bispo. para garantir o sucesso do sonho. Aqui não sempre transparentes para que as crianças
Em 2013 iniciei um trabalho prático de educa- é diferente: a decisão de gerar um sonho em vejam o dinheiro a “crescer” dentro deles.
ção financeira, depois de estudar o tema de grupo tem por objetivo o trabalho de equipa Estes mealheiros têm sempre relação com
forma autodidata e por iniciativa própria. A e o respeito pelo outro, na diversidade mas os personagens/situação da motivação cria-
sensibilidade para a abordagem a este tema também na particularidade. da em cada projeto. Nestes mealheiros, as
deu-se com a perceção do baixo nível de li- O sonho torna-se realidade graças ao em- crianças depositam o dinheiro arrecadado,
teracia financeira que o grupo de crianças penho e ao trabalho de todos com base na sempre em valores iguais. Daí a importância
apresentava. confiança e na crença que aprendemos com de que o dinheiro trazido de casa (rendimen-
Daí partiu a decisão de trabalhar o dinheiro, Walt Disney: “Se podemos sonhar, também to fixo) seja divisível por 3. O montante não
tema até então inimaginável na minha sala de podemos tornar os nossos sonhos realidade.” é o mais importante, mas sim o valor. Aqui a
jardim de infância. Considerando a missão da E como tornar um sonho realidade? Um sonho criança experimenta a igual importância do
OCDE quanto ao equilíbrio financeiro e eco- que, para ser concretizado, precisa de dinhei- poupar, do doar e do investir. As mais novas,
nómico dos Estados membros, é do meu inte- ro? A resposta encontra-se no sucesso e na que ainda não conhecem o valor das moedas
resse e responsabilidade ajudar na promoção experiência dos projetos já vividos. A criação e notas, compreendem perfeitamente que
da literacia financeira enquanto agente edu- do Tripé Mágico veio em defesa do que en- moedas/notas iguais são distribuídas por
cacional. Criei e implementei, então, um es- tendo como sucesso financeiro: equilíbrio cada um dos mealheiros.
quema lúdico-pedagógico adaptado ao nível entre três vertentes, poupar, doar e investir. Ao longo da vigência de cada projeto, vai
etário do pré-escolar. A partir deste modelo, a Depois de delineado o sonho comum ao gru- sendo aferido com os pais o modo como ga-
que chamei Tripé Mágico, tenho desenvolvido po de crianças e fixado o objetivo do projeto, rantir que a verba final assegure a realização
diversos projetos de educação financeira de é dado ao grupo a possibilidade de orçamen- do sonho das crianças: alterando a forma
crianças em idade pré-escolar, envolvendo as tar os custos, aqui já com a participação das de rendimento ou indo reestruturando as
suas famílias e as comunidades envolventes. famílias. Com estas, estipula-se qual o rendi- estratégias de investimento. A avaliação é
Com base no referencial sobre educação fi- mento mensal dispensado por cada criança contínua e feita em conjunto com os partici-
nanceira emanado do Ministério da Educação ao projeto. Pretendo com isto a proximidade pantes. A criança tem sempre acesso visível
em 2013, com indicadores básicos para todos com a realidade social, já que cada família ao sonho, através de uma imagem posicio-
os níveis de ensino, criei um método didáti- tem, normalmente, como fonte de rendimen- nada junto ao mealheiro da poupança para
co facilitador do enriquecimento da literacia tos, um ordenado, um vencimento fixo, pelo que possa apreender o modelo de educação
financeira. trabalho profissional desenvolvido. Assim, a financeira e nunca se desviar do seu foco.
tas dos bolos vendidos e feitos pelas mães Além da confeção e venda de bolos foi O dinheiro arrecadado pagou a viagem de
durante o ano. Também foi feita a rifa de uma realizado um mega-evento em Barão de S. avião entre Faro e Porto, o autocarro para
“cesta de primavera” com produtos alimenta- Miguel, uma aldeia do concelho de Vila do as deslocações no Porto, a estada e alimen-
res, vendida pelas crianças. Bispo, com grande participação da comu- tação, bem como as visitas a Serralves, ao
O dinheiro arrecadado foi suficiente para nidade. Clubes recreativos, restaurantes, Parque Biológico de Gaia e ao Teatro de Ma-
pagar a concretização do sonho, que durou bares, supermercados e associações despor- rionetas do Porto.
dois dias, e ainda visitar o Pavilhão do Conhe- tivas doaram os seus serviços e produtos em O dinheiro da doação foi entregue à Make-
cimento, em Lisboa, pagando as despesas de prol do projeto. Cobraram-se as entradas e -a-Wish, que viabiliza a realização dos so-
alimentação, não apenas das crianças como as refeições e foi montada uma banca para nhos de crianças com doenças crónicas. Já
também dos familiares que as acompanha- a venda de produtos. Pais e equipa da sala o dinheiro do investimento foi utilizado na
ram. organizaram e serviram e as organizações lo- compra de um projetor multimédia e de uma
O dinheiro do mealheiro das doações foi des- cais responsabilizaram-se pela animação do máquina de cortar papel e tecido.
tinado à ala pediátrica do Hospital do Barla- evento.
vento do Algarve. Já o dinheiro do investi- Outra fonte de receita foi a angariação de Reis e rainhas
mento que restou foi utilizado na aquisição de fundos na inauguração de um salão de be- Depois de definido o projeto “Sonhamos e rei-
uma televisão e de uma máquina fotográfica. leza. Além disso, foram distribuídos “aviões- namos”, criei e adaptei a história “As estrelas
-mealheiros” pelos cafés de todo o concelho douradas”, dos irmãos Grimm. Isto aconteceu
Batismo de voo onde as pessoas podiam fazer a sua doação. porque uma das crianças que frequentavam a
O projeto do ano letivo 2014/2015 intitulou- Este projeto foi sustentado por muitos patro- sala é filha de mãe alemã e descendente dos
-se “Sonhamos e voamos” e consistiu em fa- cinadores particulares, assim como pelas jun- próprios irmãos Grimm.
zer o “batismo de voo”: andar de avião pela tas de freguesia e por muitas empresas locais. As crianças construíram os três mealheiros em
primeira vez. As crianças construíram um O interesse e o envolvimento da comunida- forma de castelo. Além do rendimento fixo
mealheiro-dinossauro (poupar), um mealhei- de foram fundamentais para o sucesso des- (três euros trazidos de casa) e da venda dos bo-
ro-fada (doar) e resolveram manter o Investe te projeto, assim como a participação entu- los, foi feita uma rifa de um quadro doado. Foi-
Grunhim do projeto anterior. siasta das famílias e da equipa de trabalho. -nos atribuído o primeiro prémio do concurso
de máscaras no desfile do carnaval de Sagres,
no valor de 250,00€, com um carro alegórico
construído pelas famílias.
O dinheiro da poupança serviu para pagar a re-
criação histórica no Palácio de Queluz, a estada
e a alimentação das crianças e seus familiares
e ainda sobrou para uma visita ao Museu do
Dinheiro.
Por decisão das crianças, o dinheiro do mea-
lheiro das doações foi destinado à aquisição de
um telescópio para a Walking Sagres (empresa
de caminhadas e preservação da natureza com
quem desenvolvemos projetos de sustentabili-
dade). Como ainda sobrou algum dinheiro, as
crianças decidiram oferecer 50 packs de água
aos bombeiros que estavam a trabalhar no
combate aos incêndios de Pedrógão Grande.
O dinheiro do investimento foi direcionado
para a aquisição de livros com temas desco-
nhecidos para as crianças, como o livro Hori-
zonte. Mais uma vez foi trabalhada uma das
Um desafio educativo inesperado e muito um compromisso onde se podem estreitar zem do que ouvem leva-as a “criar novos
disruptivo: ensaiar e experimentar um novo vínculos emocionais duradouros e altruístas instrumentos, novas técnicas, novas histó-
modo de cuidar. Cabia a esta instituição na base do amor porque cuidamos, não im- rias, novas explicações (ibidem: 160)” “Não
escolar da rede pública e às educadoras de portando quem amamos. Na linha de Alison aprendem apenas o que os outros disseram,
infância em particular mediar, manter e ali- Gopnik: “O que nos faz amar uma criança mas quão fiáveis são e quanto deverão con-
mentar a comunidade à distância fazendo não é algo relacionado com ela – é algo rela- fiar nelas no futuro (ibidem: 162). Ou seja,
o acompanhamento educativo das crianças cionado connosco” (2017: 100). Quer se trate se acreditarmos nas crianças e nas suas ca-
em contexto familiar, como consequência de pais ou de outros adultos cuidadores, de- pacidades de compreensão do mundo, elas
da interrupção inesperada da modalidade nominados de “aloprogenitores” (idem: 87), interpelam-nos, mostram-se competentes,
de ensino presencial. Almejando contribuir “as emoções de cuidar são desencadeadas arriscam, investigam e descobrem através
para a igualdade de oportunidades inscrita por um contexto social, pela nossa imersão do que observam e das tecnologias físicas e
na Convenção dos Direitos da Criança,1 era numa teia de amor que liga parceiros, pro- sociais disponíveis (a autora referida inclui os
urgente manter o sentimento de pertença a genitores e outros e por aquilo que experi- rituais na segunda).
uma comunidade, de preferência próxima da mentamos, cremos e aprendemos” (ibidem: O educar, neste contexto histórico, afirmou-
definida por Wenger, McDermott e Snyder 97). Contextualizando o cuidar neste período -se como um exercício político na vertente
(2002), para construir sentidos profundos de pandemia, penso que todos cuidamos e dos fundamentos democráticos da organi-
nas interações e proporcionar aprendizagens nos educamos uns aos outros de alguma zação da oferta educativa, mas um exercício
e bem-estar socioemocional a todos, famí- maneira, igualmente importante e essencial. também social e cultural, pela mediação de
lias, educadoras de infância e outros técni- Não serão também as crianças agentes nes- instrumentos e conteúdos materiais e ima-
cos. te cuidar e educar? Refletindo sobre o que teriais, disponíveis em vários formatos. Edu-
Como base da ação educativa, tínhamos a nos diz Gopnik a respeito da aprendizagem car aconteceu nas vivências, nas experiên-
compreensão de que “O desenvolvimento cultural das crianças, a reprodução que fa- cias, nas partilhas, num espaço e tempo de
motor, social, emocional, cognitivo e linguís-
tico da criança é um processo que decorre
da interação entre a maturação biológica e
as experiências proporcionadas pelo meio fí-
sico e social” (OCEPE, 2016: 8), assim como
a indissociabilidade das vertentes desen-
volvimento e aprendizagem, conjugando o
binómio educar e cuidar. Sabemos que as
crianças são cidadãs gregárias muito de-
pendentes do contacto físico e da relação
interpessoal rica e variada numa comunidade
mais alargada, assim como especialistas na
leitura e integração da comunicação não-
-verbal. São imprescindíveis para elas am-
bientes educativos com rotinas significativas
e de qualidade que lhes deem segurança físi-
ca e emocional, espaços, tempos e materiais
diversos disponíveis na nossa segunda casa,
onde vão aprendendo a habitar e a construir
cidadania. Serão os jovens e adultos de to-
das as idades tão diferentes das crianças?
Refiro-me especialmente às relações próxi-
mas que envolvem a prestação de cuidados,
1 1 Edição revista em 2019, art.º 28 e 29.
O espaço e tempo de interação, esse tercei- pondermos ao desafio para trabalhar com as ciência de que estar próximo do outro não
ro educador, foi reinventado e mediado por famílias à distância foram vistas como mais- é só estar fisicamente, mas que o desejamos
via telemática e pela colaboração de cuida- -valias, para encontrar respostas feitas à me- como pão para a boca.
dores mais próximos. Malaguzzi lembra: “O dida de cada grupo e de cada contexto fami-
que as crianças aprendem não ocorre como liar onde se desenvolvem as nossas crianças.
um resultado automático que lhes é ensina- Acreditamos que aprendemos muito e alar-
do. Pelo contrário, isso deve-se em grande gamos competências digitais e relacionais, BIBLIOGRAFIA
parte à própria realização das crianças como ensaiamos tecer currículo através de afetos Dewey, J. (1971). Experiência e educação. São Paulo:
Companhia Editora Nacional.
uma consequência das suas atividades e e cumplicidades, elegemos o bem-estar de Edwards, C, Gandini, L, Forman G. (2016). As cem lin-
dos nossos recursos” (Edwards et al, 2016: todos como base para a intencionalidade guagens da criança. A abordagem de Reggio Emilia
72). Goodman enfatiza que “compreender pedagógica, porque respeitamos a liberdade na educação da primeira infância. (vol.1). Porto Ale-
gre. Penso Editora.
é sentir desejo, drama e conquista” (idem: de escolha na exposição das famílias, aten- Gopnik, Alison (2017). O Jardineiro e o Carpinteiro.
72), sendo o brincar mais do que entreter. demos à diversidade na sua composição, ou Coleção Temas e Debates. Lisboa. Círculo de Leitores.
Nesta época de grande oferta de entreteni- com crianças recém-nascidas, ou de diversos Marques, I. (2019). A brincar também se educa. Bar-
carena. Editorial Presença.
mentos digitais, mais explorados na fase de níveis de ensino e cada uma especial à sua Neto, C, Lopes, F. (2018). Brincar em todo o lado.
confinamento, é importante distinguir estes maneira, assim como atendemos à concilia- Câmara Municipal de Cascais e Associação de Profis-
conceitos. Brincar é uma atividade vital para ção do acompanhamento das crianças com sionais de Educação de Infância (APEI).
Nídio, Alberto (2012). “O tempo das crianças e as
explorar e descobrir, entretenimento é agir o trabalho dos pais e com constrangimentos crianças deste tempo” (203-224) in Araújo, E. & Du-
de forma passiva, automática e pouco cria- ligados à acessibilidade digital. Avaliamos que (eds.) (2012). Os tempos sociais e o mundo con-
tiva (Marques, 2019). Para melhor elucidar, como muito positiva a colaboração das fa- temporâneo. Um debate para as ciências sociais e
humanas. Universidade do Minho: Centro de Estudos
para além de vivência, brincar enquanto jogo mílias na realização e partilha de atividades, de Comunicação e Sociedade/Centro de Investigação
“não é um processo definido, é um processo tendo-se entrelaçado atividades propostas em Ciências Sociais Retirado de
aleatório. Jogar ou brincar não é só incerteza por nós com as resultantes de iniciativas re- http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/cecs_
ebooks/article/download/1561/1463
é uma forma acrescida de ganhar segurança lacionadas com interesses emergentes das Silva, I. (coord.) et al. (2016). Orientações Curriculares
e autonomia” (Neto & Figueiredo, 2018: 9). crianças e das condições físicas e materiais para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Ministério da
Muitas brincadeiras foram registadas, desde dos contextos de vidas destas. Educação/Direção-Geral da Educação (DGE).
Spodek, B., Saracho, O. (1998). Multiple Perspectives
manipulativas, motoras, construtivas e dra- No estar em relação por vias telemáticas, on Play in Early Childhood Education. State Univer-
máticas (Spodek & Saracho, 1998) através de será útil e bom olhar para o copo meio cheio. sity of New York, Albany.
imagens partilhadas pelas famílias. Fomos Ilustra esta ideia uma criança que evidencia- UNICEF, Convenção Internacional dos Direitos da
Criança e Protocolos Facultativos (ed. revista 2019).
educadoras mediadoras culturais na aceção va mutismo seletivo desde o início do ano, Retirado de https://www.unicef.pt/media/2766/uni-
mais literal e prática da palavra, aproximando pois só comunicava verbalmente com os co- cef_convenc-a-o_dos_direitos_da_crianca.pdf
o cuidar associado à necessidade de “colo” e legas da sua idade, passando à distância via Wenger, E. (2001). Comunidades de prática. Aprendi-
zagem, significado e identidade. Barcelona: Paidós.
o educar no ensaio de práticas de cidadania, telefone a falar com a educadora sem papas Wenger, E.; McDermott, R.; Snyder, W. M. (2002).
valorizando a participação e a iniciativa das na língua. Emerge também a grande cen- Cultivating Communities of Practice: a guide to ma-
crianças e das famílias. tralidade do agregado familiar na formação naging knowledge. Boston: Harvard University Press.
Planificações Pré-escolar, retirado de https://
Neste período tão especial, foi notória a das crianças, ao mesmo tempo que se fazem apoioescolas.dge.mec.pt/node/351
necessidade de proximidade entre todas as famílias a brincar, a olhar o céu, a semear
educadoras, causada pelo distanciamento fí- emoções e a colher afetos, na lida da casa, a
sico imposto, pois antes de cuidar das crian- jogar às escondidas nos espaços conhecidos
ças e famílias precisavamos de cuidar de nós e a enfrentar os medos, a fazer escolhas e
e nutrir a esperança de que íamos conseguir cócegas, a criar e a recrear-nos com tantos
dar o nosso melhor. Muitas horas bem pas- materiais adormecidos lá em casa. Estamos
sadas em reuniões informais no Teams, va- todos diferentes e com certeza mais próxi-
riadas formações online, partilhas pelo what- mos. Só precisamos de sentir com profundi-
sApp, umas em “sincronia”, outras nem por dade, e a pressa é inimiga da nossa perfeição
isso. A ansiedade e a expectativa de corres- imperfeita. Porventura temos maior cons-
Os grandes movimentos pedagógicos têm no processo de construção de modos par- vista as especificidades dessa educação que
evidenciado a importância da ligação entre ticipativos de pensar e fazer pedagogia (Oli- se projetam no âmbito institucional, sócio-
o desenvolvimento profissional e o desen- veira-Formosinho & Formosinho, 2013). Uma -organizacional e pedagógico.
volvimento da liderança pedagógica. Citando relação fundamentada nos valores, crenças, Na sua opinião, uma liderança transforma-
apenas alguns exemplos, veja-se o caso do princípios e conhecimentos do campo das cional é baseada numa visão inspiradora para
Movimento da Escola Moderna (Niza, 2013), pedagogias da infância participativas, cujos os profissionais, abrange valores e princípios
do movimento Reggio Emilia (Malaguzzi, modelos pedagógicos buscam a promoção de igualdade, solidariedade, liberdade, jus-
2016) ou, mais recentemente, o Observatório da democracia e da aprendizagem com bem- tiça e humanismo, busca promover outras
da Cultura Infantil (Fochi, 2019). O foco deste -estar no quotidiano, por meio das práticas lideranças, é meta-integradora, objetiva o
artigo é o movimento da Associação Criança educativas e das interações que as caracte- desenvolvimento das crianças e adultos e
e a sua pedagogia – a pedagogia-em-parti- rizam. a transformação das práticas educativas e
cipação. A pedagogia-em-participação defende uma dos contextos de trabalho. Essa visão de
Nesse âmbito, o artigo aborda elementos perspetiva de liderança para os centros de liderança tem como base uma pedagogia
do percurso formativo de uma diretora de educação de infância baseada numa visão da infância integradora, que se sustenta na
um centro de educação de infância que fez pedagógica que contemple a especificidade compreensão holística das dimensões que
a opção por aprofundar conhecimentos no da educação dos bebés e demais crianças constituem a ação profissional, ética, com-
campo da pedagogia da infância, destacan- nesses contextos. Formosinho (2003) argu- plexa e situada de educar crianças pequenas,
do como isso mudou a sua atuação pro- menta que esses centros precisam não só de e não em análises isoladas.
fissional, encaminhando-a para a liderança uma gestão competente do ponto de vista A liderança transformacional é meta-inte-
pedagógica. É um recorte de uma pesquisa administrativo, mas também de uma lideran- gradora porque promove, em primeiro lu-
qualitativa, desenvolvida durante o doutora- ça pedagógica transformacional, tendo em gar, uma integração dos profissionais para
mento, realizado na Universidade Federal do
Ceará e na Universidade Católica Portugue-
sa do Porto. Os dados empíricos aqui apre-
sentados foram construídos a partir de uma
entrevista com a diretora de um centro edu-
cativo localizado a oeste de Lisboa. Trata-se
de uma Instituição Privada de Solidariedade
Social (IPSS), onde ocorrem processos de
formação em contexto à luz da pedagogia-
-em-participação.
Pedagogia-em-participação, liderança
pedagógica e formação em contexto
A pedagogia-em-participação, perspetiva
pedagógica da Associação Criança, foi de-
senvolvida progressivamente com base na
cooperação realizada no âmbito dos pro-
jetos de formação, intervenção e pesquisa
apoiados por esta associação (Oliveira-For-
mosinho & Formosinho, 2001).
A pedagogia-em-participação compreende
a liderança pedagógica dos contextos de
educação de infância no âmbito das rela-
ções entre pedagogia e liderança. Uma re-
lação entendida como capaz de cooperar
o desenvolvimento de uma ação educativa práxis participativa. Esta associação en- tão e a equipa educativa de sala, conside-
coerente com a pedagogia em que se baseia, tende que a complexidade desse proces- rando que a liderança pedagógica tem de
e em segundo lugar promove a integração so exige mediação e liderança pedagógica ser compartilhada (Bolivar, 2012).
dos profissionais no desenvolvimento de (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2001),
um projeto pedagógico que tem por refe- exercida por uma profissional capacitada A perspetiva da diretora sobre a sua
rência esta pedagogia, portanto, considera para assumir estes papéis e na realidade atuação antes e depois das formações
a natureza holística do ato educativo. Essa dos contextos (Oliveira-Formosinho, 2016), situadas na pedagogia da infância
meta-integração tem de ser feita com base por uma formadora que medeia e lidera a As experiências formativas vividas pela di-
em valores e princípios de igualdade, solida- transformação das formas de pensar e fa- retora, nomeadamente a participação na
riedade, liberdade, justiça e humanismo, que zer pedagogia no quotidiano e a formação formação em contexto realizada no centro
orientam a visão da liderança numa perspec- de lideranças que darão continuidade ao educativo em que trabalha e a realização do
tiva transformacional das realidades educa- processo formativo e transformativo após mestrado em Educação de Infância, ambas
tivas (Formosinho, 2003). a sua saída. fundamentadas na pedagogia como campo
A Associação Criança, que assume esses Em interface com a visão de mundo que a do conhecimento, foi identificada como
valores na sua perspetiva pedagógica, in- fundamenta, a pedagogia-em-participação fundamental para a atuação desta profis-
tervém, por meio da formação em contexto, pensa a liderança pedagógica em contextos sional na direção pedagógica da instituição.
nos centros de educação de infância que de educação de infância em bases demo- A formação em contexto alimentou a sua
desejam assumir o desafio da descons- cráticas e progressistas. Nessa significação, vontade de saber e conhecer e impulsionou
trução da maneira tradicional de pensar a liderança pode e deve ser assumida por o ingresso no mestrado:
e fazer pedagogia e a construção de uma profissionais que integram a equipa de ges- “Eu já pensava antes da formação em con-
texto em poder adquirir mais conhecimen-
tos [...]. E realmente, quando comecei a
perceber que a pedagogia-em-participação
era um mundo e que a investigação estava
ao rubro, como costumo dizer, que havia
muita coisa nova, eu de facto percebi que
não podia ficar por ali. Precisamente, por-
que o meu papel também é de fazer que as
coisas cresçam e avancem. Portanto, con-
siderei que indo tirar o mestrado também
criava mais ferramentas para poder apoiar
este processo [a continuidade da formação
em contexto e do desenvolvimento da pe-
dagogia-em-participação no quotidiano do
centro, após a saída da formadora externa],
porque havia muita coisa que nós tínhamos
descoberto e aprendido com a [nome da
formadora em contexto externa], mas de-
pois era preciso continuar. [...]. E o mestra-
do foi uma excelente oportunidade de eu
adquirir mais conhecimentos [...].”
A diretora evidencia como o desenvolvi-
mento profissional envolve encontrar ins-
piração para as coisas que se quer fazer e
para as que se faz (Malaguzzi, 2016), mos-
tra a sua percepção acerca do seu papel na
A intervenção precoce (IP) tem como princi- acontece em cada momento, como reage a A diversidade familiar é uma realidade cada
pal objetivo dar uma resposta organizada o criança, quem está com a criança, as condi- vez mais atual.
mais precocemente possível às necessidades ções básicas/necessárias estão asseguradas? Há famílias de mães/pais solteiros, mães/
da criança e da família. Para isto acontecer, o educador de infância pais divorciados, mães/pais adotivos, casais
As práticas atuais em IP recomendam uma (inserido numa equipa de IP que deve ser com filhos de ambos, casais do mesmo sexo
intervenção centrada na família e no aumen- transdisciplinar) tem de conhecer individuali- com os seus próprios filhos e adotivos, etc.
to das suas competências e poder em intera- zadamente a realidade familiar para elaborar Não podemos esquecer, também, a família
ção direta nos diferentes contextos naturais com a família a melhor intervenção para a alargada (irmãos, avós, tios…) como estrutu-
da sociedade em que interage. criança e a sua família. Todas as famílias são ra familiar de apoio.
É uma abordagem individualizada e abran- diferentes porque são constituídas por pes- O papel do educador de infância (e dos ou-
gente da família (onde se inclui a criança), soas, todas elas diferentes. tros profissionais da equipa) é fornecer a in-
valorizando as suas competências e capaci- Não há um modelo único de família. Há fa- formação necessária para a tomada de deci-
dades de forma a potencializar ao máximo o mílias. sões fundamentada e consciente da família.
desenvolvimento da criança.
A IP deve ser desenvolvida nos diferentes
contextos naturais da criança (creche, ama,
domicílio), cabendo à família decidir qual o
mais adequado à sua realidade familiar.
Um dos contextos naturais mais enrique-
cedor é o domicílio. É neste contexto que a
criança está inserida continuamente e onde
a família se sente mais confortável (é o seu
domicílio). Neste contexto há maiores opor-
tunidades de aprendizagem natural através
das rotinas diárias familiares.
A intervenção da família no desenvolvimen-
to da criança é contínua e mais pertinente
(dia após dia) que a intervenção esporádica
(semanal ou bissemanal) de qualquer profis-
sional.
O profissional, neste caso o educador de in-
fância, é o intruso na relação entre a criança
e a família e neste contexto específico (casa
da família). O educador de infância tem as
técnicas pedagógicas, mas numa intervenção
centrada na família em contexto domiciliário
tem que saber introduzir essas técnicas nas
rotinas diárias familiares através da família.
As sessões domiciliárias, bem como todo o
trabalho a desenvolver pela família no tempo
entre visitas do educador de infância, de-
vem basear-se nas rotinas diárias familiares
(levantar, casa de banho, vestir, pequeno-al-
moço, brincar, almoço, sesta, lanche, despir,
banho, vestir, jantar, deitar).
Nas diversas e variadas rotinas diárias o que
A intervenção deve centrar-se no aumento tituição da equipa varia e depende das ne- dades da família. Os objetivos a concretizar
das competências da família e na rede de re- cessidades da criança e das necessidades e devem incidir sobre a criança, mas também
cursos e apoios existentes. prioridades da família. sobre a família. Há famílias que precisam de
A relação de empatia e confiança entre edu- Só há dois elementos permanentes na equi- um apoio inicial global para depois estarem
cador de infância e família deve ser construí- pa: a criança e a família. conscientes do apoio a prestar à criança.
da com base no conhecimento individua- Esta mudança de paradigma, ou seja, a mu- Este documento deve refletir, também, os
lizado e aprofundado da família, nas suas dança do centro de decisões, continua a ser recursos necessários para dar resposta às
múltiplas dimensões (estrutura familiar, in- muitas vezes intimidatória para as famílias e necessidades e dificuldades reais da criança
terações familiares e ciclos de vida familiar). ameaçadora para os profissionais. e da família. O PIIP não pode adaptar as ne-
Esta relação deve iniciar-se desde a primeira Os profissionais têm a função de apresen- cessidades das famílias aos recursos existen-
visita domiciliária, ou seja, a forma como nos tar as opções fundamentadas para decisão tes na sociedade e muito menos adaptar as
apresentamos, a nossa postura, a inexistên- da família. Estas devem ir ao encontro das necessidades que os profissionais conside-
cia de juízos de valor, o respeito pelo fun- respostas necessárias para ultrapassar as ram mais prioritárias para as famílias.
cionamento familiar, ser honesto em relação dificuldades. A família é que tem o poder O PIIP é um documento que reflete a plani-
às capacidades da criança com expectativas de decidir o que quer e como quer atingir o ficação da equipa com base nas preocupa-
realistas, saber ouvir... melhor para o bem-estar físico e psíquico da ções, prioridades e decisões da família (o que
Só com este tipo de relação é possível o criança. É o educador de infância que tem de está a correr bem; a quem recorre quando
envolvimento da família, em que se requer adaptar-se à família através da mudança de necessita de ajuda; quais os assuntos ou
a sua presença e participação ativas e con- atitudes, práticas, crenças e valores. preocupações principais; o que gostaria que
tínuas. Quanto mais jovem é a criança, mais os acontecesse ou mudasse para a sua criança
Uma sessão domiciliária tem, pelo menos, profissionais trabalham com a família que a ou família; que recursos serão úteis).
cinco momentos: rodeia. A família é o primeiro contexto social da
1.º momento: saudação (aos adultos e à O modelo ecológico do desenvolvimento hu- criança e o domicílio o seu primeiro contexto
criança). mano fornece-nos uma visão mais global e natural, sendo fundamental a intervenção
2.º momento: reflexão/avaliação da “se- completa da criança, da família e dos con- centrada nestes contextos o mais precoce-
mana” (como correu, o que fizeram, qual o textos. mente possível.
resultado, observação de registos, caso exis- A avaliação contínua e permanente destes
tam). elementos é fundamental para a intervenção
3.º momento: ação (atividade/tarefa/objeti- individualizada de cada criança e sua família,
vos definidas para aquele dia com a criança em cada momento. BIBLIOGRAFIA
e/ou criança e família). O documento escrito que operacionaliza Dale, N. (1996), Working with families of children
with special needs, Brunner-Routledge.
4.º momento: planificação (indicações para todo o processo de intervenção é o Plano Dunst, C., Trivette, C., Deal, A. (1994), Supporting and
o trabalho a desenvolver com a criança du- Individual da Intervenção Precoce (PIIP). strengthening families, Brooklin Books.
rante a “semana”, se possível com um re- Todo o trabalho de informação, observação Klass, C. (2003), The home visitor’s, Paul H Brookes
Publishing Cº.
gisto para a família indicando quem faz o e avaliação da criança, família e contexto(s) é
quê, quando, quantas vezes, como reagem utilizado para construir o plano de interven-
a criança e a família). ção da equipa. O PIIP é um processo e não
5.º momento: despedida (da criança e dos um documento finalizado quando elaborado,
adultos). ou seja, é um documento em contínua e per-
O paradigma da intervenção mudou. A in- manente construção e reformulação.
tervenção não serve (como em momentos Assumindo que a família é o elemento prin-
anteriores) para os profissionais dizerem às cipal da intervenção, esta deve participar em
famílias o que fazer e como fazer. todas as fases do processo e o seu nível de
Atualmente a equipa nuclear é a família envolvimento em cada fase é definido pela
(onde se insere a criança) e os profissionais é própria família.
que integram esta “equipa familiar”. A cons- O PIIP deve refletir as preocupações e priori-
Nota introdutória Um dos maiores desafios dos educadores de ra autora, com informação acerca das PSF,
Este artigo pretende dar a conhecer um infância (EI) é a possibilidade de contribuir abordando alguns tópicos relevantes para
projeto de prevenção primária realizado no para que as crianças sejam cada vez mais que os EI sejam capazes de identificar pre-
âmbito da pós-graduação em Perturbações autónomas e que as suas dificuldades de cocemente alguns sinais de alerta de forma
dos Sons da Fala (PSF), da Escola Superior de comunicação e outras possam ser ultrapas- a realizarem atempadamente a sinalização e
Saúde da Universidade do Algarve. sadas, ou pelo menos minimizadas, de modo o encaminhamento para uma avaliação em
Este tipo de prevenção tem como finalida- a que se sintam bem adaptadas à sociedade terapia da fala. Com este site, poderão ainda
de reduzir a incidência de doenças e risco de da qual fazem parte (Germano, 2011). compreender o impacto destas perturbações
novos casos na população, através de uma Os EI reconhecem a importância de ser feito na vida das crianças, bem como ter acesso a
maior informação e educação, para que a o despiste precoce dos problemas ao nível atividades que podem ser desenvolvidas em
população esteja alerta para sinais que pos- da linguagem e da fala dentro das suas sa- sala de aula pelos EI, de modo a potenciar
sam surgir (Almeida, 2005). Na área da tera- las, pois consideram que é aí o espaço pri- as capacidades de linguagem oral das suas
pia da fala, as práticas de prevenção primária vilegiado de desenvolvimento das crianças, crianças.
têm aumentado significativamente. já que é no jardim de infância (JI) que as O site encontra-se disponível em https://
A educação pré-escolar, embora não seja de crianças passam a maior parte do seu dia. psfala.wixsite.com/psfjardiminfancia e pode
frequência obrigatória, constitui a primeira No entanto, na maioria dos casos revelam ser consultado pelos interessados nesta te-
etapa de um longo processo educativo e, dificuldades na identificação específica des- mática.
consequentemente, um marco decisivo no ses problemas (Germano, 2011). A importância do jardim de infância no de-
sucesso escolar e social das crianças (Sim- Posto isto, considerou-se pertinente a di- senvolvimento linguístico da criança
-Sim, 2008). vulgação de um site, realizado pela primei- As crianças que frequentam o JI encontram-
-se numa faixa etária na qual o desenvolvi-
mento linguístico é rápido e determinante.
Nesse sentido, o EI tem um papel funda-
mental na criação das condições favoráveis
para que esse desenvolvimento ocorra. As
estratégias utilizadas por estes profissio-
nais são de extrema importância, pois irão
proporcionar condições e experiências para
a aprendizagem e para um futuro sucesso
escolar ao nível da leitura e da escrita, não
esquecendo os aspetos relacionados com a
autoestima e a inclusão de qualquer criança
(Germano, 2011).
O desenvolvimento de uma criança depende
das oportunidades de aprendizagem que lhe
são oferecidas pelo ambiente que as rodeia.
Com a entrada da criança para o JI, as suas
possibilidades comunicativas são amplamen-
te alargadas. Com efeito, além de alargar o
número de interlocutores, o JI permite ain-
da à criança usufruir de um vasto leque de
experiências e, com um ambiente educativo
bem estruturado, tornar-se-á num contexto
privilegiado para o desenvolvimento de todo
o seu potencial comunicativo e linguístico,
que será fundamental para o seu desempe-
nho social e académico futuro, promovendo de fala que podem ser caracterizados por às necessidades da criança, tendo em vista a
a vontade de aprender (Sim-Sim, 2008). omissões, substituições, adições e/ou dis- superação das suas dificuldades e o seu de-
A aquisição da linguagem e da fala é reali- torções dos sons da fala, que vão interferir senvolvimento ótimo (Germano, 2011).
zada pela grande maioria das crianças com no discurso do indivíduo (ASHA, 2011). No entanto, nem sempre estes problemas
relativa facilidade. Existem, no entanto, são identificados na altura certa, arrastan-
algumas que experimentam contrarieda- A relevância da identificação e sinaliza- do-se até à entrada para o 1.ºciclo, situação
des nesta trajectória, as quais podem em ção precoce no jardim de infância em que as crianças se confrontam com a
grande medida comprometer o seu desen- Diversos autores sugerem a necessidade de aprendizagem da leitura e da escrita e os
volvimento e aprendizagem e propiciar al- uma identificação atempada das crianças problemas anteriores se agudizam, assumin-
terações ao nível do comportamento (Rice, cujo nível linguístico as coloca em risco de do por vezes contornos difíceis de resolver
2000). virem posteriormente a desenvolver e a ex- (Germano, 2011).
perimentar dificuldades de leitura e de es- Desta forma, o EI é fundamental neste pro-
As perturbações dos sons da fala crita em fases posteriores do seu percurso cesso, por ser o elemento que se encontra
A fala é um modo verbal-oral de comuni- académico (Catts et al., 2001). Sabe-se que mais próximo da criança num período de
cação e realiza-se através da produção e a grande maioria das características par- desenvolvimento tão essencial da sua vida
articulação de sons. No entanto, esta com- tilhadas por estas crianças são evidentes (Castro & Gomes, 2000).
petência não progride normalmente para antes do ingresso no primeiro ciclo (Catts, O educador tem um papel determinante na
um número considerável de crianças, dando 1997). aquisição e desenvolvimento da linguagem
origem a PSF (Bernstein & Tiegerman, 1993; Neste sentido, os EI, em particular os do oral das crianças. Assim, estes profissionais
Lima, 2009; Beitchman & Browlie, 2010). A pré-escolar, devem estar sensíveis e aten- deverão possuir um amplo conhecimento
maioria das crianças comete alguns erros tos a sinais frequentemente associados a linguístico para serem capazes, por um lado,
quando aprende a dizer palavras novas, dificuldades persistentes da linguagem oral de refletir sobre o percurso de desenvolvi-
erros estes que fazem parte do percurso e encaminhá-los assim que possível para um mento das crianças, identificando eventuais
normal do desenvolvimento da fala. O pro- terapeuta da Fala (TF), de modo a que futu- fragilidades e, por outro, terem a competên-
blema é quando esses erros persistem para ras potenciais dificuldades possam ser dete- cia para conceber materiais e/ou promover
além da idade esperada (ASHA, 2003). tadas e trabalhadas atempadamente (Catts atividades que visem a identificação dessas
As PSF constituem um dos diagnósticos et al.,2001). dificuldades. Deverão ainda ser capazes de
mais comuns na casuística dos TF (Oliveira, Dada a prevalência e o impacto negativo fomentar nas crianças o gosto pela “brinca-
Lousada & Jesus, 2015). A prevalência das destas perturbações, é importante que a in- deira com a língua”, no sentido de promover
PSF varia entre 10 e 15% em crianças em tervenção do TF em crianças com PSF seja e desenvolver comportamentos linguísticos
idade pré-escolar (McLeod & Baker, 2014; efetiva, idealmente antes de a criança ingres- adequados (Sim-Sim, Silva & Nunes, 2008).
McLeod & Harrison, 2009; ASHA, 2000) e sar no 1.º ciclo de escolaridade (Nathan et al., Os educadores são profissionais de extre-
comprometem a inteligibilidade do discurso 2004), minimizando o impacto e/ou ajudan- ma importância para o desenvolvimento
das crianças (Bowen, 2009; Broomfield & do a prevenir problemas futuros a nível do da comunicação humana, permanecendo
Dodd, 2004; Joffe & Pring, 2008; Pascoe desenvolvimento das capacidades de apren- sensíveis às variações de desenvolvimento
et al., 2010). dizagem, bem como a nível comportamental existentes dentro da própria normalidade e
As PSF dizem respeito às dificuldades que (Peixoto, 2007). estando portanto aptos, através da sua ex-
algumas crianças apresentam no desen- periência profissional, a identificar quando
volvimento dos sons da fala. Perturbações O papel do educador de infância uma criança é muito diferente das outras
dos sons da fala é uma designação abran- na identificação e sinalização precoce linguisticamente falando e quando essa de-
gente que pode incluir dificuldades diversas O papel do EI na identificação e sinalização sigualdade poderá interferir na sua compe-
ao nível da articulação e/ou organização de problemas ao nível da linguagem e da tência para aprender (Limissuri & Befi-Lo-
fonológica (Bowen, 2011). As crianças que fala é crucial para que as crianças possam pes, 2009). Por serem os profissionais que
apresentam estas dificuldades podem ter ser avaliadas por um TF, a fim de se iniciar contactam mais diretamente com um maior
um desenvolvimento mais tardio dos sons atempadamente, caso necessário, uma inter- número de crianças, podem servir como im-
da fala e/ou apresentar padrões atípicos venção especializada e dirigida que atenda portantes agentes na prevenção e conscienti-
intervenção adequada, facilitando assim a Roles and responsibilities of speech- language pa- Moats, L. (1994). The Missing Foundation in Teacher
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Assim, sendo o TF responsável pelo desenvol- speech and language and language disorders in the Silva, C., & Peixoto, V. (2008). Rastreio e Prevalência
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vimento de atividades no âmbito da preven- Franco, M., Reis, M., & Gil, T. (2003). Comunicação, to de escolas. Revista da Faculdade de Ciências da
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guagem em contexto escolar. Fundamentos. Lisboa: bitstream/10284/969/2/272- 282.pdf
sirva o seu propósito e possa contribuir para Ministério da Educação Sim-Sim, I., Silva, A., & Nunes, C. (2008). Linguagem
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A abelha é uma das criaturas mais admirá- No outono, algumas sementes de flores são Todos os sábados de manhã, o Jaime vai
veis do mundo... Mas está em perigo. arrastadas para longe por um vento forte. com a avó à natação.
Bzzz, bzzzz, bzzzz... Estás a ouvir? Muito Entre elas, encontra-se uma mais pequena Mas no dia em que vê três mulheres vestidas
perto, a zoar, a zumbir... Uma abelha! Este é que, apesar da sua delicadeza, evita os peri- de sereias no metro tudo muda.
um livro para descobrires o incrível trabalho gos que a ameaçam ao longo de uma viagem O Jaime fica maravilhado. Quando chega a
das abelhas. pelas estações do ano em que cruza o mar, casa, só consegue pensar numa coisa: tor-
Dançando e volteando de flor em flor, as uma montanha alta e gelada ou o deserto. nar-se também ele uma sereia.
abelhas sorvem o néctar e espalham o pólen. Quando o vento por fim cessa e cai no solo, Mas o que irá dizer a avó?
O pólen dá origem às sementes, as semen- a pequena semente consegue também im- Belo e terno, o livro de estreia de Jessica
tes a novas plantas, e estas plantas a novas pedir que os pássaros a devorem ou ser pi- Love é uma maravilhosa celebração da indi-
flores. É um ciclo maravilhoso e perfeito, que sada. E é assim que ela se transforma numa vidualidade e uma vitória do amor incondi-
só pode terminar em mel! flor imensa que todos vêm admirar. cional, Vencedor do Prémio BolognaRagazzi,
Entra nesta viagem e descobre também na categoria Opera Prima.
como podemos defender as abelhas juntos. Depois, chega novamente o outono e é ago- Este livro está recomendado pelo programa
O livro conta ainda com uma atividade para ra a vez de o vento lhe levar as suas próprias LER+ Plano Nacional de Leitura.
fazer na escola. sementes. Mais uma vez, e de uma forma só
Este livro está recomendado pelo programa simples na aparência, Eric Carle incentiva as
LER+ Plano Nacional de Leitura. crianças a aprenderem sobre o mundo que
as rodeia, descrevendo através de cores e
frases poéticas o ciclo natural de uma planta
ao longo de um ano.
As alforrecas são animais marinhos. Ou Os pássaros deixaram de cantar. Livro infantil que tem duas intenções. Pri-
eram, até eu ter começado a vê-las em Os gatos já não miavam. meira, ser uma bela história que promova a
sítios bem diferentes do que seria de es- E as vacas recusavam-se a dar leite. fantasia e a exploração por parte da crian-
perar. Talvez fossem migratórias, mas isso Os animais pareciam ter feito um pacto. ça, e como segunda intenção, despertar o
não explicava tudo. Se calhar, as alforrecas Álbum de estreia de Eduarda Lima, O Pro- adulto para o mundo mágico da infância,
eram animais marinhos até precisarem de testo é um grito silencioso. Dos minúscu- através do convite a uma presença plena.
ser outra coisa, e coisa é uma palavra que los insetos aos animais de estimação lá de Como adultos, muitas são as vezes que nos
dá para quase tudo. casa, da floresta virgem ao rio da nossa ci- deparamos com a falta de recursos. Esta
dade, o silêncio ecoa por todo o lado. história convida-nos a olhar para a criança
Conseguem ouvir? como um ser capaz, competente e promo-
Esta é uma história sobre o impacto da tor de enormes ensinamentos.
ação humana no ambiente e um apelo para Fica a sugestão: sentem-se no chão com
nos unirmos hoje em nome da biodiversida- uma atitude de igual valor e observem a
de e de um planeta mais sustentável. transformação que irá ocorrer dentro de
Este livro está recomendado pelo programa cada um de vós. Mágicas leituras!
LER+ Plano Nacional de Leitura.
www.apei.pt