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Publicação quadrimestral n.

º 113 Janeiro/Abril 2018


Edição da APEI Associação de Profissionais de Educação de Infância
Preço 6.50¤ (iva incluído) ISSN 2182-8369
Publicação quadrimestral Equipa editorial: Ana Maria Azevedo, Ana Isabel Santos, Carmo Góis,
n.º 113 Helena Horta, Joana Freitas-Luís, Luís Ribeiro, Maria de Fátima Godinho,
Tiragem: 3400 exemplares Maria Luísa Tavares, Maria Manuela Rosa, Maria Margarida Costa e
Publicação Quadrimestral n.º 111 Maio/Agosto 2017
Edição, Propriedade e Redação: Associação Susana Alberto,
Colaboradores: Helena Faria, Rosário Leote, Sofia Esteves.
Edição da APEI Associação de Profissionais de Educação de Infância

de Profissionais de Educação de Infância


Preço 6.50¤ (iva incluído) ISSN 2182-8369

Bairro da Liberdade, Lote 9, Loja 14, Piso 0. Revisão: António Simões do Paço Design gráfico: Metropolis Design
1070-023 LISBOA www.metropolis.pt
Tel. 21 382 76 19/20 Fax. 21 382 76 21 Impressão: Sersilito - Empresa Gráfica Lda, Travessa Sá e Melo, 209
E-mail: apei@apei.pt NIPC: 501 226 737 Gueifães | Apartado 1208, 4471 - 909 Maia Preço por número: 6.50¤
Diretor: Luís Ribeiro Assinaturas: 1 ano: 17,50¤ (iva incluído), estrangeiro (1 ano) 19¤
(Presidente da APEI) N.º de registo: ERC: 112028 Depósito legal: 12929/86
ISSN: 2182-8369
Os artigos assinados não exprimem necessariamente o ponto de vista da Direção.

Capa . Anish Kapoor, “Eyes Turned Inward” (1993) 38 À descoberta . Rosário Leote de Carvalho
Museu Berardo Bolas de Sabão

1 Editorial . Luís Ribeiro 39 Convergências . Sofia Esteves
Os desafios da pedagogia e o amor
2 Artigo... Maria Helena Horta
A especificidade da linguagem escrita na educação 40 Contos para acordar . Helena Faria
de infância à luz das OCEPE 2016 Primos à solta

10 Artigo . Mário Alberto Santos 42 Nas bancas: Educação


O programa de Outdoor Training KidsTalentum
Brincar e Aprender na Infância
Como Promover as Competências Sociais e Emocionais das Crianças
no desenvolvimento das competências pessoais
Crianças em risco
em crianças da educação pré-escolar
A Estranha Ordem das Coisas
Quando o Cérebro do Seu Filho Vai à Escola. Boas práticas para melhorar a

16 Práticas . Helena Colaço e Vera Poeira



aprendizagem,
Do Telemóvel para o Mundo
Há vida na horta

19 Práticas . Rita Rovisco 44 Nas bancas: Infantil


Uma viagem pela Arte
Niko Panduru e a Missão Especial
Nunu Brinca
O Eco da nossa escola

27 Práticas . Ana Afonso e Ema Mamede



A Orquestra.Uma volta ao mundo à procura dos músicos
O regresso da baleia
Sobre padrões na educação pré-escolar
Uma Rosa na Tromba de um Elefante

30 Práticas . Patrícia Beira Grande


Estar em projeto na creche: no mundo das “Ovmés”

35 Artigo . Maria Teresa Marques Graça


Reflexão sobre experiência pessoal
da supervisão /formação

Estatuto Editorial Os Cadernos de Educação de Infância, fundados em 1987, são uma revista quadrimestral, independente e livre, especializada no campo da educação de infância, que pretende contribuir,
através da divulgação de artigos concetuais e de práticas educativas de qualidade, para a discussão da pedagogia e da educação e para o aprofundamento da compreensão da infância. As suas opções
editoriais são orientadas por critérios de qualidade, rigor e criatividade editorial, estabelecidas sem qualquer dependência de ordem ideológica, corporativa, política, social ou económica, valorizando a
pluralidade de olhares que sejam promotores de reflexão e discussão sobre a educação de infância, contribuindo, desse modo, para o desenvolvimento pedagógico e científico dos seus profissionais e para
a definição de políticas educativas a nível nacional e europeu. No campo da informação e da opinião, orienta-se pelas disposições contidas na Declaração dos Direitos da Criança, na Declaração Universal
dos Direitos do Homem, na Constituição da República Portuguesa, no Estatuto do Jornalista, na Lei de Imprensa, no Código Deontológico dos Jornalistas e nos princípios da ética profissional produzida
e assumida no seio da comunidade da informação, de âmbito nacional ou internacional.

A APEI é apoiada pelo Ministério de Educação no âmbito do protocolo de afetação de recursos humanos
# 113
: EDITORIAL
Luís Ribeiro . Presidente da APEI

Este tem sido um ano fértil em iniciativas infância, que continua a ser tão esquecida no qual continuamos a apostar em artigos

APEI. nas políticas educativas (a APEI continua mui- que promovem a dialética entre a investi-
Em janeiro foi publicado o número especial to empenhada na alteração da Lei de Bases gação e o relato de práticas educativas de
dos Cadernos de Educação de Infância, um do Sistema Educativo e em breve daremos qualidade, abrangendo toda a educação de
número com 128 páginas que comemora os conta dos procedimentos adotados). infância e os diferentes domínios do currículo,
30 anos de edições ininterruptas de uma das Em maio, no Jardim da Estrela, em Lisboa, expondo e divulgando o que de melhor se vai
mais antigas revistas sobre educação em Por- pela primeira vez em Portugal, decorreu o fazendo em Portugal.
tugal (e a única sobre educação de infância). Con-Crit 2018, um encontro de dois dias que Em setembro, voltaremos a encontrar-nos
Em abril, foi publicado o número especial reuniu um conjunto de investigadores, peda- com o #114 dos Cadernos de Educação de
do anterior projeto Infância na Europa, que gogos, educadores e outros profissionais de Infância que, como é hábito, trará muitas
compilou os 10 Princípios para o Desenvolvi- educação de infância de vários países euro- novidades.
mento de uma Estratégia Europeia de Servi- peus e que contou, entre outras comunica- Até lá, desejo a todos (e a todas!) um exce-
ços para a Infância, e também o primeiro nú- ções, com duas excelentes conferências de lente resto de ano escolar e umas excelentes
mero do novo projeto editorial internacional Mariana Valente, Janine da Silva e Maria Ilhéu férias!
Infância na Europa Hoje, que envolve, para (Becoming lovers of the Earth: dialogues on Até setembro!
já, oito países do espaço europeu, um projeto education) e de Assunção Folque e Fátima
que vai ganhando dinâmica e relevo. Aresta (Yes we can! Building-up sustaina-
Durante este período, foram organizados bility from early childhood) que mereceram
nove seminários por todo o país, Encontros elevados elogios de todos quantos puderam
Regionais em Aveiro, Braga, Leiria, Madeira assistir.
e Açores e Encontros Ser Bebé nos Açores, Entretanto, os novos cartões de associado,
Faro, Porto e Lisboa (a que ainda se seguirá com uma imagem gráfica mais atual, foram
o XV Encontro Nacional, em julho), iniciati- enviados a todos os associados da APEI, ao
vas de inegável qualidade que promoveram a mesmo tempo que se foram atualizando os
discussão sobre a importância da educação e dados e reorganizando os serviços de apoio
da pedagogia na infância e que continuaram aos associados.
a manter a aposta de grande relevância em E chegamos ao presente número dos CEI, que
ações centradas nos 0 – 3 anos e na primeira é publicado com algum (deliberado) atraso,

1 Cadernos de Educação de Infância n.º 111 Mai/Ago 2017


: ARTIGO
A especificidade da linguagem escrita
na educação de infância à luz das OCEPE 2016
Maria Helena Horta. Escola Superior de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve (ESEC/UAlg) | Núcleo Interdisciplinar
da Criança e do Adolescente da Universidade dos Açores (NICA)

Nota introdutória
O mundo que nos rodeia é – ou parece ser –
o aspeto mental que domina a nossa existên-
cia. Contudo, a par desse mundo mental exis-
te um outro mundo paralelo que acompanha
essas imagens de uma forma muito subtil,
mas que por vezes pode ter um significado
tão importante que altera o rumo da parte
dominante da mente, até de forma inevitável.
É o mundo paralelo dos afetos, um mundo
em que encontramos sentimentos que acom-
panham as imagens mais marcantes da nossa
mente (Damásio, 2017).
Seguindo a perspetiva deste neurocientista,
importa diferenciar afetos de sentimentos:
“o afeto é uma vasta tenda sob a qual coloco
não só todos os sentimentos possíveis, mas
também as situações e os mecanismos que
são responsáveis pela sua produção, ou seja,
responsáveis pela produção de ações cujas
experiências se tornam sentimentos”; por
seu turno, os “sentimentos acompanham o Além de um sentimento positivo por este dade, é necessária a produção de ações cujas
desenrolar da vida no nosso organismo, tipo de linguagem, é desejável que os edu- experiências sejam concretas para compreen-
mentalmente, quer estejamos a apreender, a cadores de infância despertem (e alimentem) der o mundo e para se compreenderem a si
aprender, a recordar, a imaginar, a raciocinar, a curiosidade natural da criança, pois são as próprias. É um facto que os estudos recen-
a julgar, a decidir, a planear ou a criar” (idem, neurociências que reforçam a ideia de que tes em neurociência nos vêm confirmar que
p. 146). a procura ávida de novas aprendizagens é a memória semântica (conhecimentos con-
Para que a criança desenvolva prazer e mo- um sinal de vitalidade típico de uma infância ceptuais) e a memória biográfica (aconteci-
tivação para ler e escrever (Lopes da Silva, saudável e que, geralmente, “aprendemos mentos vivenciados através da experiências)
Marques, Mata & Rosa, 2016), importa que melhor quando estamos curiosos sobre o ainda não estão diferenciadas na infância, o
a sua relação com a linguagem escrita seja assunto” (Rato & Castro Caldas, 2017, p. 40), que nos indica que as crianças não apren-
suportada por uma ligação afetiva a este tipo além de que “as crianças procuram, conti- dem (nem apreendem) através de discursos
de linguagem. Por outras palavras, é dese- nuamente, sentido em tudo o que fazem” ou fichas: necessitam de experiências reais
jável que a abordagem à linguagem escrita, (L’Eculyer, 2017), através das constantes (L’Eculyer, 2017) que sejam significativas e
em contexto de educação de infância, seja reinterpretações que fazem do mundo em desafiadoras.
enquadrada por um educador ou educadora que vivem. Acredito, sim, que “a qualidade dos contex-
– na qualidade de agente responsável pela Mesmo enquanto desempenhava funções tos educativos em que as crianças se movem
produção de ações cujas experiências se docentes como educadora de infância, nun- e, em particular, as formas como os adultos
tornam sentimentos (Damásio, 2017) – que ca acreditei no potencial do desenvolvimento se constituem como mediadores entre as
intencionalmente cria “uma cultura pedagó- de atividades propedêuticas e da utilização crianças e a linguagem escrita determinam
gica que promova a motivação para a leitura de grafismos (vulgo fichas pré-elaboradas) o desenvolvimento da sua literacia” (Alves
e para a escrita (…) envolvendo as crianças como oportunidades de aprendizagem que Martins, 2017, p. 53).
em tarefas e atividades de literacia autênticas pudessem, de alguma forma, despertar a Como refere Alves Martins (2017), também a
e significativas” (Alves Martins, 2017, p. 54), curiosidade e o gosto da criança pela lingua- forma como as crianças encaram a linguagem
para que venham a desenvolver sentimentos gem escrita. escrita – que é um “processo socialmente de-
positivos por esta forma de comunicação. Se as crianças aprendem com base na reali- terminado”, pois a aprendizagem da lingua-

2 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


nar

gem escrita é alicerçada numa construção so- ta, na área de expressão e comunicação: a gem da leitura e da escrita, entendam as par-
cial que ocorre, na educação de infância, em funcionalidade da linguagem escrita e a sua ticularidades alfabéticas do nosso sistema de
interação com os seus pares e um educador funcionalidade em contexto, a identificação escrita.
ou educadora que intervém intencionalmente de convenções da escrita e o seu prazer e Assumindo que o mundo da infância em ge-
nesse sentido – está dependente de educa- motivação para ler e escrever, pois a “forma ral, e da criança pequena em particular, é um
dores que assumem o seu papel como “guias como o/a educador/a utiliza e se relaciona mundo de descobertas e que brincar “conti-
experimentados”, no desenvolvimento de um com a linguagem escrita é fundamental para nua a ser uma atividade natural na infância,
ambiente “comunicativamente estimulante” incentivar as crianças a interessarem-se e a sendo que a brincadeira permite às crianças
(Horta, 2016). evoluírem neste domínio” (Lopes da Silva et a descoberta do mundo a que pertence e que
al., 2016, p. 67). a rodeia” (Sarmento, Ferreira & Madeira, 2017,
Educadores curiosos, reflexivos e investi- Alves Martins (2017) indica-nos dois tipos p. 7), espera-se que elas aconteçam (as des-
gadores de aquisições necessárias na abordagem da cobertas e a brincadeira) de forma natural e
Devemos assumir, de forma consciente, que leitura e da escrita que estão diretamente espontânea, também em relação à linguagem
a forma como os e as educadoras intervém relacionados com os aspetos referidos an- escrita, através de educadores que reconhe-
(ou não) na sua prática pedagógica irá esti- teriormente: cem (e assumem) a agência da criança no seu
mular ou condicionar as aprendizagens que Aquisições de natureza cultural; modo natural de aprender e apreender este
as crianças possam fazer, designadamente Aquisições de natureza cognitiva/linguística. tipo de linguagem.
em relação à linguagem escrita, pois são eles As aquisições de natureza cultural são aque- O ato de escrita é um processo de reflexão
os responsáveis pelas situações ou oportu- las em que as crianças, para aprenderem a ler que requer uma aprendizagem ativa. Este
nidades de aprendizagem que despontam no e a escrever, têm de se apropriar das práticas processo oferece-nos oportunidades para
dia a dia das vivências das crianças. em torno da linguagem escrita de uma deter- organizarmos o pensamento, o envolvimen-
São estas práticas pedagógicas que desem- minada cultura, isto é, têm de se apropriar to com a sua planificação e permite-nos o
penham um papel essencial na forma como dos usos sociais da linguagem. acesso ao nosso próprio conhecimento sobre
as crianças podem aprender e apreender Por outro lado, as aquisições de natureza determinado assunto. Também nas crianças
três das componentes presentes no domí- cognitiva/linguística são as necessárias para pequenas estas competências são mobiliza-
nio da linguagem oral e abordagem à escri- que as crianças, no processo de aprendiza- das num ato de escrita espontânea – por

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: ARTIGO

exemplo, quando as crianças colocam ques- Alves Martins (2017) – de natureza cultural e de alargar as oportunidades de se exprimirem em
tões ao ou à educadora sobre uma palavra natureza cognitiva/linguística – entendo que a múltiplas linguagens (Balaguer, 2014).
ou letra que querem escrever (Cunningham ou o educador em contexto de educação de É precisamente para cada um desses contex-
e Zibulsky, 2014). infância deve ser, por um lado, um mediador tos que aqui deixo algumas possibilidades de
Todavia, importa também que os educadores, (cultural) e, por outro lado, um provocador: ações e estratégias que podem ser entendi-
em uso pleno e consciência destas competên- Um mediador (cultural) entre a criança e a das como promotoras da abordagem à escrita,
cias, em termos de saberes e de atitudes, se linguagem escrita, na medida em que facilita desde que devidamente contextualizadas, so-
assumam também como profissionais refle- “a emergência da linguagem escrita através cial e culturalmente, nas práticas pedagógicas
xivos, que permanentemente se questionam do contacto e uso da leitura e da escrita, em e educativas de cada educador e em função da
sobre a sua prática pedagógica, que fazem por situações reais e funcionais associadas ao realidade em presença.
enriquecer o seu património educativo, contri- quotidiano da criança” (Lopes da Silva et al.,
buindo assim para o seu desenvolvimento pro- 2016, p. 66); O educador deve brincar (muito!) com a
fissional, numa busca incessante de respostas Um provocador na medida em que promove linguagem escrita
às suas permanentes questões e inquietações. situações ou oportunidades desencadeadoras Estas questões que aqui apresento, não tendo
Retomando as aquisições necessárias na abor- de conflito cognitivo/linguístico, em que a a ambição de virem a ser entendidas como “re-
dagem da leitura e da escrita apresentadas por criança é impelida a colocar questões, a orga- ceitas” ou “metas a atingir”, espero que sirvam
nizar e reorganizar o seu pensamento, ajudan- também para que o educador se questione e
do-a a evoluir nas suas conceções precoces. seja levado a refletir sobre as suas próprias
Independentemente do património con- práticas pedagógicas.
ceptual de cada educador de infância relati-
vamente a este domínio, julgo ser de maior Na organização e gestão do ambiente
importância que desenvolva competências de educativo, o educador
análise e de reflexão acerca do seu próprio de- Disponibiliza, na sala de atividades, livros de
sempenho e do modo como as crianças nestas literatura para a infância, livros-álbum, em pro-
idades aprendem (Horta, 2016), para melhor sa e em verso, livros de poesia, enciclopédias,
poderem apoiá-las no seu processo de apro- dicionários, listas de palavras, outros tipos de
priação do valor da leitura e da escrita (Lopes suporte de escrita (jornais, revistas, etiquetas,
da Silva et al., 2016). cartazes, mensagens, receitas, entre outros)?
Adotando a terminologia de Perrenoud (1993), Oferece, nalguma área da sala de atividades
é necessário que os educadores funcionem no (biblioteca, área específica de escrita), utensí-
“mundo real”. São necessárias as práticas de lios e materiais para escrever à disposição das
educadores curiosos, reflexivos, investigadores crianças, tais como: lápis de carvão, esferográ-
(nas e das suas próprias práticas), atentos às ficas de diversas cores, papéis de vários tama-
necessidades das crianças e cooperantes com nhos e formas, blocos, borrachas, agrafador,
quem os possa auxiliar nesse processo. São furador, post-its, clips, entre outros?
necessários, essencialmente, educadores que Estrutura locais próprios para afixar registos
centrem as suas práticas e o seu construto e escritos: placards, cavaletes, costas de armá-
desenvolvimento curricular no património so- rios, biombos?
ciocultural da realidade em presença (Horta, Organiza os locais para afixar os registos es-
2016). critos para que fiquem ao alcance visual das
É no contexto próprio de cada prática peda- crianças, situando-os ao nível do seu olhar ou
gógica que se espera que o educador possa mais abaixo?
contribuir para a melhoria constante da sua re- Tem em atenção a substituição de registos
lação educativa – de base afetiva – que consti- antigos – frequentemente e em acordo com
tui o pilar das aprendizagens das crianças, con- as crianças – por registos recentes?
fiando nelas e no seu potencial, procurando Disponibiliza cadernos onde são compiladas as

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produções escritas espontâneas das crianças, Tem o cuidado de criar um ambiente esti- Promove e potencia a “pedagogia da escuta”
para que melhor se possa acompanhar o de- mulante e agradável que possa favorecer a (escuta com atenção o que as crianças dizem
senvolvimento das suas conceções precoces? emergência da linguagem escrita por parte e age em conformidade)?
Tem a preocupação de que a linguagem escrita das crianças? Reflete sobre a sua própria oralidade, na me-
esteja presente em todas as áreas da sala de … dida em que é modelo para as crianças, contri-
atividades? buindo para o seu desenvolvimento fonológi-
Coloca à disposição das crianças material de Nas práticas de promoção co, morfológico, lexical e pragmático?
escrita e em diversos suportes para que as do desenvolvimento da oralidade, Dinamiza e/ou proporciona a “hora do conto”
crianças possam produzir espontaneamente o educador na sala de atividades e na biblioteca escolar
a sua escrita, incentivando o surgimento do Estabelece e promove diálogos sobre as situa- ou municipal?
processo de escrita emergente? ções do quotidiano das crianças e da própria Explora histórias recorrendo a diversos supor-
Disponibiliza o cartão com o nome das crianças instituição (creche e/ou jardim de infância), no tes – livros, fantoches, dedoches, sombras
para que o possam utilizar autónoma e es- âmbito de atividades que vão sendo desen- chinesas, projeção ou através de outras estra-
pontaneamente nas suas produções de es- volvidas? tégias e dinâmicas?
crita? Explora lengalengas, adivinhas, trava-línguas,
contos tradicionais, poesias, rimas?
Brinca com a oralidade, levando as crianças a
inventar palavras, pseudopalavras e a recons-
tituir outras?
Proporciona atividades de exploração da cons-
ciência fonológica e morfossintática?
Ajuda as crianças a formar palavras pela junção
de sílabas e de letras?
Juntamente com as crianças, inventa novas
palavras pela troca ou supressão de sílabas?
Conta, reconta e leva as crianças a representar
gráfica e dramaticamente as histórias explo-
radas?
Faz comentários que envolvam a reflexão por
parte das crianças durante o conto da história,
na lógica de um “diálogo leitor”?
Envolve as crianças de forma ativa no seu pro-
cesso de leitura?
Sugere às crianças a continuidade de uma his-
tória ou a criação de um final diferente?
Incentiva e ajuda as crianças a construir nar-
rativas?
Estimula a função pragmática da linguagem
utilizando-a em diferentes contextos?

Nas práticas de leitura e escrita


o educador
Convida as crianças a escrever o seu nome
nas produções que realiza?
Promove situações em que as crianças pos-

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: ARTIGO

sam escrever o seu nome e o dos colegas e Verbaliza a sua escrita (para que as crianças …
dos adultos da sala? vão tendo consciência de que escreve mais
Escreve diferentes tipos de texto (cartas de devagar do que se fala)? Quando as crianças escrevem
correspondência escolar, convites, recados, Quando escreve o nome e a data nas produ- espontaneamente, o educador
vivências das crianças e histórias (re) produzi- ções das crianças, fá-lo no canto superior es- Questiona-as relativamente àquilo que escre-
das e/ou inventadas, entre outros)? querdo da folha (sentido direcional da escrita veram?
Regista o que as crianças espontaneamente alfabética)? Expõe, na sala de atividades ou noutro local da
verbalizam acerca das suas vivências, desem- Disponibiliza e explora diferentes tipos de ma- instituição, as suas tentativas de escrita, evi-
penhando o papel de mediador (cultural) entre terial escrito: jornais, revistas, livros, listas de denciando a valorização dessas experiências?
a oralidade das crianças e a linguagem escrita? compras, documentação variada (faturas da Valoriza as tentativas de escrita espontânea
Assume-se como leitor e escritor das vivências água, luz, gás), e-mail, cartas? das crianças, assumindo que os erros são
que dizem diretamente respeito ao dia a dia Promove jogos de exploração do código es- construtivos no processo de aprendizagem e
das crianças? crito? aquisição da linguagem escrita?
Promove o contacto das crianças com dife- … Dialoga com as outras crianças acerca das
rentes tipos de texto e de suporte de escrita, tentativas de escrita espontânea presentes
explorando as suas finalidades? Quando as crianças querem escrever uma no grupo?
Estimula as crianças a explicar as suas ideias letra, palavra ou frase, o educador Regista de forma convencional a escrita das
através da escrita? Ajuda e incentiva as crianças a procurar as crianças?
Lê diariamente em frente das crianças ajudan- letras e as palavras nos elementos impressos Confronta a escrita das crianças com a sua – a
do-as a adquirir competências de literacia? existentes na sala de atividades? convencional?
Lê para ou com as crianças? Elabora um modelo para as crianças copiarem? …
Envolve as crianças numa “leitura partilhada” Incentiva as crianças a procurar palavras inicia- Por fim, mas não menos importante, o jogo é
(engaging in “shared reading:”: das pela letra do seu nome? a estratégia, por excelência, a que a educadora
Lê o mesmo livro várias vezes ao longo do Incentiva as crianças a procurar nos nomes ou educador recorrem como forma de abordar
tempo? dos colegas (ou noutros suportes de escrita) a linguagem escrita, sendo a atividade lúdica o
Faz pausas na leitura para falar com as crian- a “letra do seu nome”? seu referencial de atuação?
ças? Apresenta propostas em que as crianças se-
Faz perguntas sobre a leitura e explica os even- jam levadas a procurar no meio envolvente O papel do educador como mediador
tos e detalhes mais importantes? (inclusivamente através de saídas ao exterior) de leitura
Faz perguntas que encorajem as crianças a palavras iniciadas pela “letra do seu nome”? A investigação tem demonstrado a importân-
pensar sobre a história? Incentiva as crianças a identificar as letras que cia da aquisição de competências precoces
Faz pausas para questionar as crianças sobre constituem o seu nome noutros contextos/ para a construção da motivação e posterior
as ilustrações? suportes de escrita? aprendizagem da leitura e da escrita, pelo que
Faz pausas na leitura para falar sobre as pala- Constrói um dicionário com as palavras signi- não posso terminar este artigo sem aludir à
vras (vocabulário novo) da história? ficativas que vão surgindo dos interesses das importância (e ao papel) dos educadores de
Fala sobre a história relacionando-a com situa- crianças e das suas necessidades de escrita? infância como mediadores de leitura (entre o
ções na vida das crianças? Fornece-lhes o modelo e/ou o contacto com escrito, o livro e os potenciais leitores).
Coloca questões abertas sobre a narrativa? diferentes tipos de letra – letras maiúsculas e Já Vygotsky (1998) salientava a linguagem
Repete palavras novas em diferentes situa- minúsculas? como fator crucial para o desenvolvimento
ções? Ajuda as crianças a escrever levando-as a re- cognitivo da criança. Sabe-se hoje que a for-
Escreve e lê de modo a que as crianças vejam? fletir sobre o som das letras? ma pela qual os pais e os educadores desde
Lê o que escreve? Pede às crianças que já têm algum conheci- cedo falam com as crianças pode influenciar
Quando lê, segue a orientação da leitura com mento sobre a linguagem escrita que ajudem a aprendizagem, a memória, a compreensão
o dedo? as que estão a despertar para este tipo de e até a motivação para aprender (Rato & Cas-
Quando escreve explicita porquê, para quem linguagem, numa lógica de aprendizagem tro Caldas, 2017), influenciando o processo de
e o que escreve? cooperativa? “aprender a aprender”.

6 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


Além disso, investigações recentes de-
monstram que as estratégias para o de-
senvolvimento de competências de leitura
e de escrita começam a ser pensadas atra-
vés da linguagem utilizada em contexto:
uma linguagem oral e/ou escrita mediada por
interações sociais (Signor & Santana, 2017).
Segundo Rato e Castro Caldas (2017), as inte-
rações que se desenvolvem à volta dos livros
são uma das melhores formas de promover o
desenvolvimento de competências linguísticas
mais complexas: são várias as investigações
que demonstram a evidência de que ler histó-
rias na infância promove o desenvolvimento
do cérebro para a prontidão para a leitura.
De acordo com essas investigações, a expo-
sição precoce à leitura parece ter um impacto
significativo e mensurável na forma como o
cérebro de uma criança processa as histórias
e pode ajudar a promover o sucesso na futura
aprendizagem da leitura. Sabemos que existem
diferenças (e semelhanças) entre a linguagem
oral e a linguagem escrita: embora as palavras
sejam as mesmas, verifica-se a ausência de
fatores que completam a comunicação atra-
vés da linguagem oral, como os contextos, A literatura para a infância é de uma rique- Desafia o raciocínio;
a entoação melódica e a expressão corporal za inesgotável no acesso das crianças ao Consolida a memória;
que acompanha o discurso. Na linguagem contacto com o livro porque, entre outros Trabalha a estruturação espácio-temporal;
escrita há que recorrer a outros processos aspetos: Facilita as capacidades motoras;
e mecanismos para que se compreenda o A literatura para a infância: Proporciona o conhecimento de diferentes
que se deseja e é nesse sentido que a leitu- Leva a criança à experimentação e ao uso texturas, imagens e estilos de escrita;
ra feita por educadores, de forma regular e de linguagens expressivas; Potencializa a vertente lúdica;
contextualizada na sua prática pedagógica, Constitui-se como momentos de entusias- Potencializa a fruição estética;
ajuda as crianças na compreensão do texto mo e de prazer; Provoca reflexão, discussão, indução e de-
escrito (idem). Desperta o interesse e a imaginação; dução;
Retomando o sentido de agência da criança, Desperta diversas formas de expressar a Apura o espírito crítico e construtivo;
é importante assumir as suas capacidades e criatividade; Favorece o gosto pela investigação-ação;
competências, mesmo no processo anterior É uma forma de manifestação de desejos; …
à aprendizagem (formal) da leitura. Dá espaço para o jogo e para a descoberta; Segundo o neurocientista francês Stanislas
São Cunningham e Zibulsky (2014) que nos Provoca o envolvimento emocional; Dehaene (2016), quando aprendemos a ler,
apresentam o conceito de dialogic reading: Tem conteúdo pedagógico; é uma revolução que acontece no cérebro.
uma técnica baseada na ideia de que antes … Também Rato e Castro Caldas (2017) refe-
de as crianças possuírem competências de Por seu turno, o livro: rem que a aprendizagem da leitura abre um
leitura (de forma independente), elas estão Foca a atenção; novo limiar de empoderamento do cérebro,
prontas para serem participantes ativas nas Sustenta a motivação; em que o gosto por ler pode ter um papel
experiências de leitura de livros. Alimenta a concentração; determinante nesse processo.

7 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: ARTIGO

São estes investigadores que citam um coloca a semente e que, em parceria com os va” (Rato & Castro Caldas, 2017, p. 99).
estudo longitudinal, o 1970 British Cohort pais/famílias, a fará germinar. Em todo este processo – de potenciar o
Study, promovido pelo Economic and So- Destaco particularmente o papel do educa- prazer e a motivação para ler e escrever
cial Research Council, em que foi possí- dor de infância como o adulto privilegiado, (Lopes da Silva et al., 2016) – é necessário ir
vel acompanhar as vidas de mais de 17 no desempenho da sua atividade pedagó- colocando andaimes (scaffolding) na leitura
mil indivíduos, desde o seu nascimento gica, como aquele que poderá/deverá co- da criança; é importante ir atuando na sua
, em que 6000 realizaram uma bateria de locar a semente em bebés pré-leitores, que zona de desenvolvimento proximal, criando
testes cognitivos aos 16 anos. Feita a com- ajudará a regar a semente até que possa oportunidades de aprendizagem; é essencial
paração com outras crianças dos mesmos germinar a flor, crianças leitoras, e poste- elogiar a criança, mantendo-a motivada na
contextos sociais que alcançaram os mes- riormente o fruto, adultos leitores. e para a leitura, para que esta compreenda
mos resultados aos 5 e 10 anos, verificou-se Se o conhecimento é a chave da nossa so- “que a leitura e a escrita são atividades que
que aqueles que liam frequentemente livros ciedade, que se conhece como de informa- proporcionam prazer e satisfação” (idem, p.
aos 10 anos e mais de uma vez por semana ção, a leitura será uma via privilegiada de 71).
tinham, aos 16, resultados mais elevados do acesso ao conhecimento, sendo certo que
que aqueles que liam menos. uma criança que (futuramente) lerá será Notas finais
Conclui-se que a leitura por prazer estava certamente uma criança que pensará. Além São Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999)
ligada a um maior progresso cognitivo, com disso, quanto mais se “questiona, mais se que nos explicam que as crianças, antes de
melhores desempenhos no vocabulário, or- pensa sobre o assunto e isso só pode trazer saberem ler e escrever formalmente, pos-
tografia e matemática. Acrescentam ainda benefícios para o cérebro, como, nomeada- suem muitos conhecimentos sociais sobre
que a “leitura confronta as crianças com no- mente, um aumento de flexibilidade cogniti- a linguagem escrita, o que as leva a afirmar
vas palavras, o que nos permite concluir que
a leitura por prazer promove o desenvolvi-
mento do vocabulário (…) [o que, por sua
vez] ajuda-os a compreender e a absorver
novas informações e conceitos aprendidos
[futuramente] na escola” (Rato & Castro Cal-
das, 2016, p. 97).
Segundo Cunningham e Zibulsky (2014), não
são as pessoas inteligentes que leem mais,
mas o facto de ler muito pode tornar as
pessoas mais inteligentes! Nesse contexto,
apresentam-nos um esquema que reflete
este processo que se desenvolve de forma
recíproca:
Porque todos “nós, para nos envolvermos
em qualquer atividade, temos de ter motivos
e razões para o fazer [e porque] esses mo-
tivos podem ser muito diferenciados, pas-
sando pelos benefícios diretos ou que daí
poderemos retirar, pela satisfação que a si-
tuação nos proporciona ou pelo sentimento
de realização e competência” (Lopes da Silva
et al., 2016, p. 71), é importante que o edu-
cador tenha consciência dos benefícios que
pode trazer às crianças enquanto mediador
de leitura, podendo ser mesmo aquele que

8 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


que as crianças são letradas antes de serem surgem sentimentos positivos e praze- Rato, J. & Castro Caldas, A. (2017). Quando o cérebro
do seu filho vai à escola. Boas práticas para melhorar a
alfabetizadas. rosos, em interação social com o livro aprendizagem. Lisboa: Verso de Kapa.
Numa perspetiva de emergência da escrita, e com a leitura. Rigolet, S. (2009). Ler livros e contar histórias com as
“ao educador é pedido que crie condições 5. É na sinergia destes fatores que se am- crianças. Como formar leitores ativos e envolvidos. Porto:
Porto Editora.
para que as crianças possam pensar, expe- bicionam contextos de educação de in-
Santos, A. (2017). Pensar, experimentar, inventar, brincar:
rimentar, inventar e brincar com a escrita [o fância promotores destas três compo- a escrita na educação pré-escolar. Cadernos de Educação
que pressupõe] uma participação ativa das nentes – funcionalidade da linguagem de Infância, 111: 27-30.
crianças em situações contextualizadas e escrita e da sua utilização em contexto; Sarmento, T., Ferreira, F. I. & Madeira, R. (Orgs.) (2017).
Brincar e aprender na Infância. Porto: Porto Editora.
significativas de utilização da escrita” (San- identificação de convenções da escri-
Signor, R. & Santana, A. (2017). Speech therapy plan
tos, 2017, p. 28). ta; e o prazer e a motivação para ler guided by Bakhtin’s speech genres theory: theoretical-
Já Vygotsky (1979) nos esclarecia no sentido e escrever – integradas no domínio da methodological aspects. Distúrb Comum. 29 (2): 365-373.
da funcionalidade da linguagem escrita e da linguagem oral e abordagem à escrita, Vygotsky, L. S. (1979). El desarrollo de los processos psi-
cológicos superiores. Barcelona: Crítica.
sua utilização em contexto em situação de na área da expressão e comunicação Vygotsky, L. S. (1998). Pensamento e Linguagem. São
alfabetização, o que facilmente se adapta ao das Orientações Curriculares para a Paulo, Brasil: Martins Fontes.
contexto de educação de infância, enquanto Educação Pré-Escolar (Lopes da Silva Referências para as imagens, retiradas do sítio da Fotolia:
nível educativo em que apenas se promove et al., 2016).
uma abordagem à escrita, contextualizada
socioculturalmente para que as crianças
possam ter oportunidades de identificação
de convenções da escrita e onde possam BIBLIOGRAFIA
descobrir o prazer e a motivação para ler Alves Martins, M. (2017). Práticas educativas no jardim de
infância e desenvolvimento da literacia. Macio escreve-
e escrever. -se com um 8, com um M ou com um Y? Cadernos de
Em jeito de conclusão, apresento quatro Educação de Infância, 112: 53-58.
aspetos que poderão ser úteis no processo Balaguer, I. (2014). Loris Malaguzi e a Europa. Infância na
de reflexão dos e das educadoras sobre as Europa. Explorando os temas, celebrando a diversidade,
26: 41.
suas próprias práticas pedagógicas neste Cunningham, A. E. & Zibulsky, J. (2014). Book Smart. How
domínio: to develop and support successful, motivated readers.
1. O processo educativo tem de ser or- New York: Oxford University Press.
ganizado de modo a que a linguagem Damásio, A. (2017). A estranha ordem das coisas. A vida,
os sentimentos e as culturas humanas. Lisboa: Temas e
escrita se revele como necessária à vida Debates – Círculo de Leitores.
das crianças; Dehaene, S. (2016). Ler. Um ato de revolução cerebral.
2. A linguagem escrita deve ter significa- Neuroeducação, 10. Acedido a 5 de março de 2017, em
http://revistaneuroeducacao.com.br/aprender-a-ler-uma-
do para as crianças, despertando nelas
-revolucao-no-cerebro/
uma necessidade intrínseca, e deve ser Ferreiro, E. & Teberosky, A. (1999). Psicogênese da Língua
incorporada numa situação necessária Escrita (Ed. Com.). Porto Alegre: Artmed Editora.
e relevante para vida; Horta, M. H. (2016). A linguagem escrita na educação
de infância: da intenção à prática. Viseu: Psicossoma.
3. A linguagem escrita deve ser “ensina-
Horta, M. H. (2017). O desenvolvimento da comunicação
da” naturalmente, assumida como um oral e da consciência linguística à luz das novas OCEPE.
processo natural no normal desenvol- Cadernos de Educação de Infância, 111: 8-16.
vimento da criança e não como um L’Écuyer, C. (2017). Educar na realidade. Lisboa: Planeta
Manuscrito.
“treino” (mecânico) imposto de fora Lopes da Silva, I. (Coord.), Marques, L., Mata, L. & Rosa,
para dentro; M. (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-
4. A literatura para a infância constitui-se -Escolar. Lisboa: Ministério da Educação/Direção-Geral
como um poderosíssimo instrumento da Educação.
Perrenoud, P. (1993). Práticas pedagógicas, profissão do-
de promoção do gosto por ler e es- cente e formação. Perspetivas sociológicas. Lisboa. Publi-
crever, em que no mundo dos afetos cações Dom Quixote/Instituto de Inovação Educacional.

9 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: ARTIGO
O programa de Outdoor Training KidsTalentum
no desenvolvimento das competências pessoais em crianças da educação pré-escolar
Mário Alberto Santos . Professor coordenador convidado, Escola Superior de Saúde da Universidade da Madeira

No contexto educativo atual, o termo com- formalmente organizados, sistematizados e da comunidade no planeamento, implemen-
petência é referido com frequência, especial- teoricamente fundamentados. tação e avaliação das aprendizagens.
mente no âmbito das políticas educativas da A aprendizagem de competências sociais e O CASEL (2012) concorda que existem cinco
Comissão Europeia em relação à Estratégia de emocionais (Social & Emotional Learning, SEL) grupos de competências-chave que devem ser
Educação e Formação para 2020. De acordo é definida pelo Collaborative for Academic, desenvolvidas como base para a manutenção
com a Comissão Europeia (2014), a falta de Social and Emotional Learning (CASEL, 2012) de relações sociais de alta qualidade e para
competências essenciais está a contribuir pa- como o processo de aquisição e aplicação dos adaptar-se aos desafios na vida. Estes grupos
ra a crise económica mundial, pois os cidadãos conhecimentos, atitudes e competências ne- são: autoconsciência, autogestão, consciên-
não apresentam as capacidades necessárias cessárias para identificar, compreender e gerir cia social, gestão de relações e tomada res-
para se adaptarem, com flexibilidade, à inter- emoções, definir e alcançar metas positivas, ponsável de decisões. No entanto, segundo
nacionalização crescente, ao ritmo rápido das sentir e mostrar empatia pelos outros, esta- Reinoso (2006), a formação tradicional tem
mudanças e à vertiginosa sucessão de novas belecer e manter relações positivas e tomar maioritariamente focado os seus esforços no
tecnologias. Como consequência, a educação decisões responsáveis. Este processo deve desenvolvimento da dimensão social destas
tem uma função essencial tanto social como começar na educação pré-escolar e continuar competências, isto é, nas dimensões de cons-
económica de assegurar que os cidadãos ad- até ao final do secundário e é mais eficaz se ciência social e gestão das relações, demons-
quiram as competências básicas necessárias a for realizado através da instrução na escola, trando pouco interesse no desenvolvimento
estas alterações. com o envolvimento das crianças através de das competências pessoais como a autocons-
A Comissão Europeia (2007) e a OCDE – Or- atividades positivas dentro e fora do jardim ciência ou autogestão. Isto torna-se paradoxal,
ganização para a Cooperação e Desenvolvi- de infância, com o envolvimento dos pais e considerando que é muito difícil desenvolver
mento Económico consideram as competên-
cias sociais e emocionais como essenciais
para a vida dos seus cidadãos (OECD, 2015).
Competências essenciais são as necessárias
a todas as pessoas para a realização e de-
senvolvimento pessoal, para exercerem uma
cidadania ativa, para a inclusão social e para
o emprego. A Comissão Europeia (2007) con-
sidera que os sistemas de educação e de for-
mação inicial dos Estados-membros deveriam
apoiar o desenvolvimento destas competên-
cias essenciais por parte de todos os jovens
porque cada uma delas pode contribuir para
uma vida bem-sucedida na sociedade do co-
nhecimento.
Assumindo as competências sociais e emo-
cionais como uma combinação de conheci-
mentos, aptidões e atitudes que permitem
elaborar e executar de forma coerente os
seus pensamentos, sentimentos e compor-
tamentos para melhorar a sua autoestima e
capacidade de adaptação para alcançar um
equilíbrio na sua dimensão pessoal e social
(Goleman, 2009; Bar-On, 2001), defendemos
a possibilidade de promover estas competên-
cias em contexto educativo através de pro-
gramas de aprendizagem social e emocional,

10 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


com êxito competências da dimensão social dologia o outdoor training, uma metodologia volvimento de competências emocionais e so-
se não são trabalhadas previamente as com- de educação ao ar livre, realizada na Natureza ciais na vida das crianças, e se possível desde
petências da dimensão pessoal. e que utiliza a aprendizagem experiencial co- muito cedo (Bar-On 2001, Lantieri, 2008, et
Por esta razão o CASEL (2012) considera que mo método e a Natureza como “aula”, onde al., 2003), poucos são os estudos sobre a me-
apenas os programas que trabalham todas as as crianças aprendem através de atividades todologia de outdoor training realizados com
competências-chave são eficazes na apren- lúdicas. crianças da educação pré-escolar.
dizagem social e emocional. Assim, e consi- O principal propósito deste programa é de- O programa KidsTalentum procura o desen-
derando as premissas sugeridas pelo CASEL senvolver nas crianças competências de ca- volvimento e crescimento de competências
(2012), foi desenvolvido o programa KidsTalen- ráter pessoal e social, que garantam a sua sociais e emocionais em duas dimensões dis-
tum para crianças da educação pré-escolar de convivência com os outros colegas, para que, tintas:
3, 4, 5 anos de idade, utilizando como meto- quando surjam diferenças, consigam refletir, Dimensão pessoal – através de grupos de tra-
discutir, obter soluções que beneficiem o gru- balho orientados para desafios de caráter pes-
po e entender que, perante as diferenças, se soal, para desenvolver o autoconhecimento, a
requer o respeito à diversidade. Ao utilizar a observação de si mesmo e ainda a capacidade
metodologia do outdoor training esperamos de gestão de stress e de humor em si, com
desenvolver competências comportamentais a consequente diminuição dos níveis de an-
com um índice de aproveitamento superior às siedade e frustração, que poderão ter algum
demais metodologias, pois a vivência ao ar livre impacto na autoconfiança, na autoestima e na
favorece a quebra de paradigmas, a supera- valoração de si mesmo;
ção de limites e desafios, a capacidade de lidar Dimensão social – grupos de trabalho orienta-
com emoções, vivenciando-as, controlando-as, dos para a resolução de problemas interpes-
favorecendo a mudança. soais para desenvolver as competências de
No entanto, a maioria dos programas criados comunicação, trabalho de equipa, liderança,
com esta metodologia foram desenvolvidos tomada de decisão em equipa, e gestão de
para jovens do ensino secundário e universi- stress e de humor do grupo, que poderão ter
tário, bem como empresários. Apesar de vários impacto na adaptação à mudança, no desen-
autores salientarem a importância do desen- volvimento de relações interpessoais, na reso-
lução de conflitos, no desenvolvimento dos
outros e na solidariedade.
Neste estudo pretende-se avaliar o impacto do
programa KidsTalentum no desenvolvimento
da dimensão pessoal das competências so-
ciais e emocionais num grupo de crianças do
pré-escolar, e determinar se a metodologia de
outdoor training utilizada no programa é útil
para a aprendizagem social e emocional.

Metodologia
Medir o impacto do programa KidsTalentum na
adquisição de competências socioemocionais,
de dimensão pessoal. Para tal, foi utilizada
uma metodologia quantitativa e optámos por
um desenho quase experimental, uma vez que
eticamente, dentro do contexto socioeduca-
tivo, não podemos constituir aleatoriamente
grupos que permitam controlar algumas va-

11 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: ARTIGO

Programa de Outdoor Training . Desenvolvimento de competências sócio-emocionais em crianças


Plano de atividades pré-escolar 2016-2017 . Programa desenvolvido pelo Professor Doutor Mário Alberto Santos

Data Atividade Local da Atividade Competências a desenvolver Plano de atividade


Setembro/ outubro
Novembro Outdoor Floresta Comunicação Exploração da Natureza
Dezembro Outdoor Floresta Trabalho de equipa Atividade de inverno
Janeiro Outdoor Floresta Liderança Jogos na Natureza
Fevereiro Outdoor Floresta Iniciativa Vamos brincar à nossa vontade
Março Outdoor Floresta Responsabilidade Vamos conhecer os animais
Abril Outdoor Floresta Gestão de stress As plantas são nossas amigas.
Vamos limpar a floresta
Maio Outdoor Floresta Gestão de humor As plantas são nossas amigas.
Vamos limpar a floresta
Junho Outdoor Floresta Criatividade Construção “A nossa casa”
Julho Outdoor Floresta Empreendedorismo Vamos construir os nossos brinquedos

riáveis que já demostraram ser importantes ro masculino. A idade variava entre os 3 e 5 Utilizando o coeficiente de Kuder-Richardson
para o desenvolvimento de competências. anos, sendo os grupos heterogéneos. como medida de fiabilidade, foram encontra-
dos níveis aceitáveis de consistência interna
Outdoor training como metodologia Instrumentos (KR-20 = 0,72).
de aprendizagem Para avaliar o desempenho da criança na com- Para avaliar a perceção das crianças em relação
O outdoor training (OT) é uma metodologia petência emocional foi utilizada a versão por- à dimensão pessoal das suas competências
que pretende trabalhar diversas competên- tuguesa traduzida por Roazzi, Dias, Minervino, socioemocionais foi utilizado o questionário
cias, nomeadamente as socioemocionais, Roazzi e Pons (2008) do Test of Emotion Com- de inteligência emocional de Bar-On (EQ – i:
ao ar livre, fazendo-o através de diversas prehension (TEC), de Pons, Harris, e De Ros- YV; Candeia & Rebocho, 2007), que avalia:
atividades de aventuras. Para que tal acon- nay (2004), que avalia o nível de compreensão Competências intrapessoais (α = 0,78), a ca-
teça, os participantes são retirados da sua emocional. A compreensão emocional é a ca- pacidade de estar atento a si próprio e as suas
zona de conforto e estimulados a enfrentar pacidade sociocognitiva de reconhecer emo- emoções;
desafios, vencer os seus limites e transpor ções, compreender as causas das emoções Gestão de stress (α = 0,76), a capacidade de
os problemas impostos. É caracterizado por dos outros e das situações emocionais, e uma lidar com o stress e de controlar emoções;
modalidades que atraem e satisfazem todos serie de capacidades e conhecimentos relacio- Adaptabilidade (α = 0,84), a capacidade para
os estilos de aprendizagem, pois proporciona nados com as emoções, como a compreensão ser flexível e alterar os sentimentos e pensa-
o desenvolvimento de capacidades e compe- das relações entre emoções e outros estados mentos em função da situação;
tências comportamentais (Santos, 2012). mentais, o conhecimento de estratégias de re- Humor geral (α = 0,75), a capacidade de ser
gulação de emoções e a compreensão de res- otimista e expressar sentimentos positivos.
Participantes postas emocionais ambivalentes (Pons et al., Este teste também fornece uma medida de
Os participantes no programa KidsTalentum 2004). Assim, o TEC avalia nove componentes inteligência emocional total (α = 0,84), que
são crianças de dois grupos do Jardim de In- da compreensão emocional, sendo atribuído considera também a competência interpes-
fância do Centro Social e Paroquial de Santa um ponto por cada componente com resposta soal da dimensão social. A pontuação bruta
Cecília, Região Autónoma da Madeira (RAM), correta. Cada criança pode obter um mínimo obtida nesta escala foi estandardizada com
Portugal. No grupo de controlo participaram de zero e um máximo de nove pontos. Esta base numa amostra de 426 crianças da RAM
15 crianças, 10 de género feminino e 5 do pontuação bruta foi normalizada e transfor- e transformadas em notas T em função da ida-
género masculino. No grupo experimental 15 mada em notas T, em função da idade, com de. Neste estudo, a escala apresentou bons
crianças, 10 do género feminino e 5 do géne- base numa amostra de 478 crianças da RAM. índices de fiabilidade (α = 0,80).

12 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


Procedimentos Discussão educandos, na medida em que este método
O projeto é composto por três componentes Os resultados indicam uma melhoria na in- pedagógico lhes possibilita a oportunidade de
que são descritas com maior detalhe numa teligência emocional global das crianças que viver experiências reais, significativas, positivas
publicação prévia (Santos et al., 2013). O pri- participaram no programa KidsTalentum. Es- e bem-sucedidas de superação das adversi-
meiro refere-se ao envolvimento da comu- tes resultados são muito importantes se con- dades.
nidade escolar: foram realizadas, no mês de siderarmos que a literatura tem demonstrado Porém, para que a procura de superação des-
setembro de 2016, sessões de uma hora para que a inteligência emocional tem uma grande tas adversidades possa favorecer a mobiliza-
apresentar o projeto e os dinamizadores do importância nos indicadores de sucesso aca- ção e o desenvolvimento de recursos de adap-
projeto. A segunda componente refere-se aos démico (Mann & Kanoy, 2010; Sparkman et al., tação, o programa de outdoor training deve
procedimentos de avaliação do programa. No 2012; Song et al., 2010) e na adaptação pes- propiciar a resolução de desafios graduais,
mês de outubro, foram realizadas as avaliações soal e social (Claros & Sharmos, 2012; Dollar, progressivos, tangíveis e proporcionais aos
pré-teste individualmente com cada uma das & Stifter, 2012; Ruiz et al., 2012; Schutte, Ma- recursos internos de confrontação e externos
crianças tanto do grupo de controlo como do louf, & Hine, 2011). de proteção das crianças (Tomazini, 2011). Os
grupo experimental por psicólogas treinadas, Os resultados sugerem que as atividades resultados positivos no desenvolvimento da
com uma duração aproximada de 45 minutos. outdoor realizadas se fizeram num ambiente adaptação indicam que o programa KidsTa-
As sessões pós-teste foram realizadas da mes- seguro e supervisionado onde as crianças pu- lentum foi desenvolvido de forma apropriada
ma forma no mês de junho. A terceira com- deram explorar novos desafios, aprenderam para esta faixa etária e que teve sucesso na
ponente refere-se ao programa de outdoor a gerir o risco e adaptar-se à mudança e às criação de um contexto desafiador, transfor-
training para aprendizagem social e emocio- adversidades. De facto, as atividades do pro- mador, sem que a segurança física e emocional
nal, concebido para o grupo do pré-escolar e grama KidsTalentum possibilitaram às crianças das crianças, necessárias à aprendizagem e ao
aplicado por um facilitador com experiência em enfrentar desafios físicos, ambientais, cogni- desenvolvimento integral dos indivíduos, fos-
outdoor training e duas psicólogas educacio- tivos, psíquicos e sociais em meio natural, sem negligenciadas.
nais. O grupo de controlo continuou com as abandonando temporariamente a sua zona A função autoavaliadora contida neste proce-
suas atividades normais. de conforto para ingressar, deliberadamente, dimento implica contemplação e consequen-
O programa foi desenvolvido ao longo dos me- numa aventura onde enfrentaram adversida- te reflexão sobre o próprio comportamento
ses de novembro de 2016 até julho de 2017 e é des. Ao enfrentar situações desafiadoras mas
composto por 28 sessões de duas horas cada, superáveis, as crianças tiveram a oportunida-
com uma frequência semanal de uma sessão. de de vivenciar uma experiência positiva de
O programa foi dividido em unidades didáticas, superação de adversidades que favoreceu o
cada uma das quais procura dar ênfase a uma desenvolvimento de recursos internos e exter-
ou duas competências socioemocionais cha- nos de proteção e facilitou o aprimoramento
ve; a última unidade apresenta atividades mais da sua capacidade de adaptação. Yunes e
gerais, que abrangem todas as competências: Szymansky (2002) já tinham indicado que os
Módulo 1 (4 sessões) – Competências de co- estímulos geradores de tensão fazem que os
municação e trabalho em equipa. indivíduos possam desenvolver e mobilizar
Módulo 2 (4 sessões) – Competências de lide- fatores internos e externos de proteção para
rança, tomada de iniciativa, responsabilidade e enfrentar futuras situações de stress.
tomada de decisões. O contexto dos desafios favorecidos pelo pro-
Módulo 3 (6 sessões) – Competência de to- grama oferece às crianças um simulacro das
mada de decisões em equipa e gestão do adversidades que vão viver ao longo de toda
stress. a sua vida, capacitando-as a lidar de modo
Módulo 4 (4 sessões) – Competências de ges- mais resistente e construtivo com as adversi-
tão de humor. dades da vida. Os dados da presente pesquisa
Módulo 5 (duas sessões) – Consolidação das evidenciam o potencial deste programa para
competências. facilitar o desenvolvimento integral e o aper-
feiçoamento da capacidade de adaptação dos

13 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: ARTIGO

de forma a reconhecerem os seus próprios prias ações, tendo a possibilidade de aclarar o ças da educação pré-escolar, este estudo teve
recursos; a identificarem o que é necessário significado e a validade das suas condutas e como principal objetivo avaliar os efeitos do
mudar para obter uma ação mais efetiva; a crenças (Dewey, 2004). É importante assinalar programa KidsTalentum na dimensão pessoal
conhecerem-se melhor a si próprios e ao res- que perceber as suas dificuldades nesta com- das competências sociais e emocionais. Con-
to dos companheiros; a aprenderem a prestar petência não diminuiu o seu autoconceito. sideramos que, ao utilizar a metodologia do
atenção, a estarem despertos e a saberem dis- Também na escala de humor geral encontra- outdoor training para o desenvolvimento das
criminar o valor da informação recebida, pelo mos efeitos positivos do programa. Enquanto competências sociais e emocionais, o índice
que o processo de aprendizagem se amplifica as crianças mantiveram os seus estados de de aproveitamento será superior às demais
(Reinoso, 2006). humor positivos, as crianças do grupo de metodologias e que a vida ao ar livre favorece
Paradoxalmente, observamos que na com- controlo diminuíram a sua capacidade de oti- a quebra de paradigmas, a superação de limi-
petência de gestão de stress as crianças que mismo e de satisfação. É possível que, como tes e de desafios, a capacidade de lidar com
participaram no programa apresentaram uma indica a fundação EYFS (Early Years Founda- emoções, vivenciando-as, controlando-as, fa-
diminuição na perceção das suas capacidades, tion Stage, 2007), as atividades fora da sala vorecendo a mudança.
apesar de a adaptabilidade e a gestão de stress de atividades apoiem o desenvolvimento de Assim, o outdoor training proporciona padrões
corresponderem a competências e disposições atitudes positivas através de novas oportuni- de aprendizagem de relações pessoais e inter-
diretamente envolvidas na forma como se lida dades, desafios e responsabilidades e deem pessoais que desenvolvem a personalidade
com situações adversas, problemas e mudan- a oportunidade de levar a beleza, a alegria, a (Santos, 2012). Podemos inferir que, apesar de
ças (Sousa, 2010). Esta diminuição poderá es- maravilha e a exuberância da Natureza ao dia não haver efeitos significativos do programa
tar relacionada com uma maior perceção das a dia das crianças. na compreensão emocional, o KidsTalentum
suas dificuldades (geradas pelo aumento das teve efeitos positivos significativos na auto
suas competências intrapessoais). Graças à Conclusão e heteroperceção das competências intrapes-
experiência, as crianças foram confrontadas, Sendo poucos os estudos sobre a metodolo- soais, de adaptabilidade e humor positivo.
de forma direta, com o resultado das suas pró- gia de outdoor training realizados com crian- Os resultados encontrados por esta pesqui-
sa apontam a metodologia outdoor training
como uma ferramenta facilitadora do desen-
volvimento das competências socioemocionais
que poderá ser utilizada tanto em programas e
ações de prevenção e promoção de competên-
cias e poderá beneficiar indivíduos e grupos,
principalmente aqueles submetidos a riscos
psicossociais, potenciais ou reais. Esperamos
que esta pesquisa possa motivar não apenas
novas investigações científicas acerca das van-
tagens do outdoor training, mas também o
desenvolvimento e a implementação de outros
programas educativos como o KidsTalentum,
adaptados a populações específicas, que utili-
zem esta metodologia como uma ferramenta
de desenvolvimento humano, de promoção
da saúde integral dos indivíduos e do aprimo-
ramento da capacidade de enfrentar riscos e
lidar com as adversidades de modo mais adap-
tativo e construtivo.

14 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


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15 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: PRÁTICAS

Há Vida na Horta
Helena Colaço. Educadora de infância, Jardim de Infância Nossa Senhora da Piedade, Odemira
Vera Poeira . Educadora de infância, Jardim de Infância Nossa Senhora da Piedade, Odemira

Da minha aldeia vejo quanto da terra se tureza é uma presença necessária nas escolas. “Nunca pensei que isto pudesse acontecer, vir-
pode ver no Universo Enquanto profissionais de educação, estamos mos brincar aqui na terra! Isto é mais giro do
Por isso a minha aldeia é tão grande como certas de que a exploração do meio natural que brincar às escondidas” (Inês, Sala do Rio).
outra terra qualquer é promotora da felicidade e traz benefícios “Eu nunca brinquei com a lama porque não
Porque eu sou do tamanho do que vejo à criança: fortalece o sistema imunológico e tenho horta” (Beatriz, Sala do Rio).
E não do tamanho da minha altura... mantém-na em atividade física; promove a “Gostei de cavar na terra com a pá, fiz bura-
Fernando Pessoa socialização durante as brincadeiras; possibili- cos” (Joana, Sala do Pátio).
ta a descoberta do meio próximo através da
Atualmente a oferta de jardins de infância com observação e exploração de diversos materiais No princípio era uma terra pequenina, es-
espaços exteriores estandardizados e pouco naturais e, consequentemente, o desenvolvi- quecida, triste e sem beleza…
convidativos à descoberta e exploração do meio mento cognitivo. Além disso, permite-lhe ava- O projeto pedagógico Há Vida na Horta, há
é uma realidade no nosso país e priva a criança liar os perigos através da reflexão do que pode muito desejado, teve início no ano letivo de
de contactar com a Natureza. Os materiais na- e não pode fazer no lugar onde se encontra. 2007/2008 e permanece até aos dias de hoje
turais são substituídos por infraestruturas fixas Perante esta última ideia, entendemos existir na nossa instituição, trazendo uma nova cor
e pavimentos que condicionam a capacidade de cada vez mais uma superproteção da criança. ao quotidiano pedagógico. Numa terra que
resposta em caso de desequilíbrio, que pouca Não queremos colocar em causa as questões em tempos se dizia abandonada, avistam-
(ou nenhuma) margem de manobra oferecem de segurança, que são por demais importan- -se atualmente diversas sementeiras que
para o experienciar pelas próprias mãos (Colaço, tes, mas realçar que uma proteção em demasia são cuidadosamente tratadas pelas mãos
2013). Tal como Pérrisé (2011, para. 10), entende- acaba por limitá-la no seu desenvolvimento e das crianças no terreno sobranceiro ao rio
mos que é importante a presença da Natureza aprendizagem. Mira (no Jardim de Infância Nossa Senhora
no lugar onde as crianças brincam, isto é, onde As árvores, as plantas, os animais e os chei- da Piedade) e nos espaços exteriores da Casa
elas possam manusear as pedrinhas, sementes ros característicos do mundo natural são uma Beatriz Gambôa e da Casa Maria Luísa Cordes
e amêndoas, apalpar as diferentes texturas das realidade no nosso jardim de infância, num da Ponte, situadas na localidade de Boavista
ervas, cavar na terra, juntar gravetos e tocos, lugar que se pretende rico em oportunidades dos Pinheiros, Odemira. Foi nossa intenção,
aspirar os diferentes aromas, caminhar sob as e momentos de descoberta, bem como apela- enquanto equipa pedagógica, “fazer da terra
sombras de árvores e observar os insetos no tivo a todos os sentidos do ser humano (Colaço, abandonada um jardim bonito e agradável ao
seu habitat. Brincar na Natureza e com a Na- 2013). olhar de quem o visse” (Geraldo, Matias &

16 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


Zacarias, 2009, p. 22) e conduzir as crianças * Exploração de temáticas diversas no espa- -conta) como se diz no Alentejo. Observam
à descoberta das hortas e do seu próprio jar- ço agrícola do jardim de infância.1 o crescimento das plantas, o pousar de uma
dim de infância. A horta é tida como um espaço de aprendiza- borboleta sobre a folha de couve, o canto do
gem e de saber científico. Cada visita é única pintassilgo que decide instalar o seu ninho na
“No início a horta é só terra e depois nós e uma fonte de aprendizagem sobre a vida, as romãzeira e criar os seus filhos, a marca deixa-
pomos sementes e plantas e tratamos delas relações com os outros, o respeito pela Natu- da pelos caracóis que passeiam vagarosamen-
com carinho” (Francisca, Sala do Rio). reza e por saberes tradicionais. De acordo com te nas folhas mais tenras para as saborearem,
as Orientações Curriculares para a Educação assim como o recorte deixado em algumas
Objetivos/competências gerais: Pré-Escolar (OCEPE), “o contacto com seres plantas por uma comunidade de lagartas que
* Requalificar o olhar sobre as hortas e es- vivos e outros elementos da Natureza e a sua decide instalar-se no espaço agrícola.
paços circundantes existentes na instituição; observação são normalmente experiências
* Abrir novos espaços de descoberta; muito estimulantes para as crianças, propor- “Gosto de observar e descobrir bichinhos da
* Respeitar a relação entre pessoas, animais cionando oportunidades para refletir, com- natureza que andam lá na horta. Há lá muitos
e plantas. preender e conhecer as suas características, bichinhos da natureza: porcas-saras, joani-
as suas transformações e as razões por que nhas, caracóis e minhocas” (Mafalda, Sala do
Grandes ações: acontecem” (Lopes da Silva, Marques, Mata & Rio).
* Restauração dos canteiros: Rosa, 2016, p. 90). “Descobri que as árvores dão frutos e os fru-
• Redefinição dos seus limites; Nas explorações feitas no espaço agrícola as tos são para comer … as alfaces são para fazer
• Reconhecimento das diferentes plantas crianças conseguem desfrutar ao máximo do salada” (Joana, Sala do Pátio).
presentes; contacto com a Natureza, fazer as suas des- “Eu um dia quando fui à horta descobri uma
• Recolha das plantas a instalar; cobertas ao escavarem em pequenos bocados família de porca-saras a andar à procura de
• Sementeira e plantação; de terra, de onde, sem ninguém esperar, sai comida”. (Bárbara, Sala do Rio)
• Manutenção dos canteiros: limpeza e uma minhoca ou uma “porca-sara” (bicho-de-
monda das ervas daninhas, rega, co- Na instituição onde trabalhamos cada gru-
locação de tabuletas de identificação; 1 Os objetivos e as grandes ações aqui descritas estão po tem a sua horta e uma vez por semana
explanados no Projeto Educativo, anos letivos 2016-
* Colheita de plantas; 2020, do Jardim de Infância Nossa Senhora da Pieda- cuidamos dela. As visitas a este espaço são
* Realização de registos individuais na sala; de – Odemira/Boavista dos Pinheiros. rotativas e as crianças não vão todas ao mes-
mo tempo. Existem tarefas diferentes que se
realizam a cada novo ano letivo: preparamos a
terra, delineamos os caminhos por onde pas-
samos em harmonia com a Natureza, cavamos,
semeamos, plantamos, regamos, mondamos,
colhemos e identificamos as culturas com pla-
cas.
Em contexto de sala, todos sabem em que
estado se encontra a sua horta através da
partilha de conhecimentos que é feita com o
resto do grupo no momento da comunicação.

“Quando voltamos à horta as plantas estão


um bocadinho crescidas” (Mafalda, Sala do
Rio).
“Sinto calor na horta porque está sol e cavo
muito rápido” (João, Sala do Pátio).
“Para semear temos que colocar uma semen-
te na terra e depois tapar com terra e depois

17 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: PRÁTICAS

regar e depois deixarmos ela apanhar sol” (Bár- Segundo Augusto Matias Op, teólogo que “Eu gosto de ir à horta plantar plantas porque
bara, Sala do Rio). participou no nosso livro E eis que tudo era eu gosto dos alimentos que saem das plantas
“As linhas dos nossos canteiros são onduladas bom, “Nós somos colaboradores de Deus na quando elas crescem” (Francisca, Sala do Rio).
como o pelo de uma ovelha” (Adelaide, Sala continuação e desenvolvimento de tudo o Mais recentemente, surgiu a nível institucio-
do Rio). que existe. Por isso, as nossas atitudes para nal um projeto de intervenção no sentido de
com a natureza devem ser de conservar, re- sensibilizar as crianças para o desperdício ali-
Temos na nossa horta ervas aromáticas (coen- produzir e cuidar de tudo o que a terra nos mentar. Pretende-se deixar nelas o sentimento
tros, salsa, hortelã, poejos, alecrim e lúcia-lima) dá” (Geraldo, Matias & Zacarias, 2009, p. 34). que não se deve deitar comida fora, que é im-
e vegetais (brócolos, espinafres, couves, na- Efetivamente, as ocasiões de descoberta e de portante cuidar do planeta e respeitar as ações
biça, favas, alhos, rabanetes) que são cuida- exploração na horta possibilitam às crianças dos outros. Por exemplo, o padeiro não dorme
dosamente plantados ou semeados de acordo saber cuidar e respeitar a Natureza, os outros de noite para fazer o pão que será saboreado
com as técnicas agrícolas, tendo-se em con- e o mundo. por nós na manhã seguinte.
sideração o rigor científico das experiências Em termos práticos, cada grupo tem um re-
proporcionadas às crianças. “As plantas precisam de água e de sol e de cipiente transparente onde coloca os restos
Para trabalhar na horta trazemos de casa carinho para sobreviverem e crescerem” (Ni- alimentares do almoço e procede à sua pe-
as nossas botas de borracha e temos vários colau, Sala do Rio). sagem. No final, são avaliados e discutidos
utensílios como regadores, sachos, ancinhos, os resultados em contexto de sala com vista
baldes, etc. Tentamos transmitir às crianças que o modo à valorização e reajustamento de comporta-
como cuidamos das nossas plantas deve ser mentos. A par da exploração de conteúdos
“Fico alegre porque vou à horta com as bo- o modo como tratamos todas as pessoas que matemáticos associados à noção de número
tas de borracha e piso a terra” (Sara, Sala do nos rodeiam. Efetivamente, nas idas à horta, e à organização e tratamento de dados que
Pátio). as crianças vivenciam valores como a solida- é feita, pretende-se que esta prática de não
riedade, a cooperação, a partilha, o respeito desperdício alimentar traga repercussões nas
O envolvimento dos pais/famílias é valorizado e a entreajuda, valores estes que acabam por vidas futuras das crianças.
como preconizam as OCEPE (Lopes da Silva transportar para as suas vivências diárias. E eis que tudo era bom.
et al., 2016). Na verdade, os pais/famílias, jun-
tamente com os filhos, comprometem-se a Nada nasce do nada
trazer as botas de borracha no respetivo dia Uma vez que um dos objetivos das hortas é
e, além disso, contribuem com plantas e se- alimentar as pessoas – tendo em vista uma ali-
mentes de modo a enriquecer as vivências e mentação saudável – e que as crianças passam REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
os conhecimentos das crianças. grande parte do seu tempo na escola, emergiu Colaço, H. (2013). A Criatividade na Educação Pré-Escolar
outro projeto institucional, o Garfo Verde. Este como forma de Expressão e Comunicação. Relatório de
Mestrado em Educação Pré-Escolar. Faro: Universidade
Saber e acreditar projeto visa sensibilizar as crianças para uma do Algarve – Escola Superior de Educação e Comunica-
O Projeto Há Vida na Horta está intimamen- alimentação saudável, tendo como incentivo ção.
te relacionado com outro projeto pedagó- os alimentos colhidos da sua horta. De facto, Geraldo, M. T., Matias, A. & Zacarias, F. P. (Orgs.) (2009).
E eis que tudo era bom. Lisboa: Paulinas.
gico da instituição, o Génesis, que aborda estes alimentos, depois de cuidados e colhidos Périssé, P. (2011). Fábricas de anjos barrocos. Acedido a
a espiritualidade na infância. As crianças, da horta pelas mãos das crianças, são levados 25 de março de 2018 em: https://www.educare.pt/tes-
nesta fase, “estão mais recetivas e dispo- até às cozinheiras da instituição, que acabam temunhos/artigo/ver/?id=12645&langid=1
Lopes da Silva, I. (coord.), Marques, L., Mata, L. & Rosa,
níveis para descobrirem e desenvolverem por confecioná-los. Todas as sextas-feiras, o M. (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-
a sua relação com a dimensão espiritual e almoço é à base de legumes e verduras e tem -Escolar. Lisboa: Ministério da Educação/Direção-Geral
como tal é importante valorizar o desper- o contributo das crianças. Observamos que da Educação (DGE).
Outros documentos consultados:
tar de grande curiosidade para as questões existe uma maior recetividade a estes alimen- Projeto Educativo (2016-2020). Jardim de Infância Nossa
espirituais, pois a formação espiritual das tos pelo simples facto de as crianças terem Senhora da Piedade – Odemira/Boavista dos Pinheiros.
crianças cruza-se com a descoberta da sua participado com alimentos colhidos da horta
própria identidade (Projeto Educativo, 2016- para a sua refeição.
2020, p. 19).

18 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: PRÁTICAS

Uma viagem pela arte


Rita Rovisco. Educadora de Infância, Creche e Jardim de Infância Tutor T

"Educados pela arte – todos os seres obras de arte, mostrei-lhes obras para eles
humanos devem sê-lo. Pois que outro se inspirarem e para reproduzirem em con-
componente melhor e mais propício a formidade (que é quase a mesma coisa),
fazer florescer a divindade interior do contei-lhes histórias de vida, mostrei-lhes o
indivíduo, senão o de colocá-lo desde moderno, o barroco, o abstrato e o renasci-
cedo sob o que realmente inspira a sua mento – tudo sem ordem, com muita von-
alma? Toda a criança pode crescer sob o tade e muitas ideias, mas sem fio condutor.
signo do equilíbrio se, ao lado do pão, Assim como as crianças gostam de histórias
da ideia, da experiência e do brinquedo, ou canções, também apreciam a observação
lhe derdes o alimento que a conecta com de obras de arte. Ao repetir-se esta ação, as
a sua essência. Se ela própria puder fa- crianças adquirem o hábito de observar arte.
zer os seus primeiros ensaios de criação Com a gramática visual adequada, imagens
livre e espontânea, percebendo e intuin- apelativas, histórias verídicas associadas ao
do diretamente a sua infinita capacidade objeto de observação, a criança envolve-se
de criar e produzir. Sem a imposição de e dá-se o processo cognitivo e emocional
modelos e padrões, permitindo que, pela (Gardner, 1994).
experimentação, encontre a sua própria Foi então que decidi ingressar no mestrado
expressão” em Educação Artística, na vertente das Ar-
(Cura-dor Wozen, 2018). tes Plásticas na ESE de Lisboa, uma verda-
deira lufada de ar fresco, que veio susten-
Comecei a amar a arte como uma criança tar toda esta necessidade de aprender mais
ama brincar e explorar, sem regras, sem sobre esta área tão vasta e diversificada e
preconceitos, um amor puro, daqueles onde consegui encontrar as respostas que
que temos necessidade de partilhar com o precisava para criar um programa com fio
mundo. Queria partilhá-lo com as minhas condutor e proporcionar assim o contacto
crianças de jardim de infância, mas não com a obra de arte de forma lúdica, contí-
sabia como. nua e deslumbrada.
“Importa que, também no jardim de infância, “O que devíamos ensinar é a atitude dialógica
haja imagens de obras de arte à disposição para com a arte, a capacidade não apenas de descontextualizada – agrupados por ativi-
das crianças, que as poderão rever e utilizar ver o mundo significativo que transcende os dades, reduzidos à investigação em sala e
para recriar as suas produções, dialogar em meios expressivos, mas também de nos re- não permitindo às crianças que desenvolvam
grupo sobre elas, partilhando as suas desco- lacionarmos pessoalmente com este mundo, competências naturais e implícitas ao seu
bertas e interpretações, de modo a que sejam de nos abrirmos a ele e de nos enriquecermos desenvolvimento –, também a obra de arte
um meio de alargamento e enriquecimento com os significados aí descobertos” (Leon- não deve aparecer por si só como um evento
cultural e de desenvolvimento da apreciação tiev, 2011). isolado, mas sim como parte integrante da
crítica” (OCEPE, 2016). Assim como já se chegou à conclusão de que cultura escolar, da comunidade e do quotidia-
O meu percurso foi natural. Comecei por existem certos temas que não devem ser no. Refletindo sobre hipóteses de apresentar
sugerir às crianças que copiassem outras apresentados de forma compartimentada e a obra de arte de forma sistemática, lúdica e

1ª sessão Leitura de imagem das obras correspondentes à corrente estética determinada onde as crianças falam sobre o que estão a
visualizar. São abordados os conteúdos da gramática e da linguagem visual.
2ª sessão Exploração de diferentes técnicas observadas nas obras.
3ª sessão Expressão de ideias e ideais da época através da pintura ou desenho.
4ª sessão Construção de uma obra tridimensional.

19 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: PRÁTICAS

coerente, esbocei algumas ideias e foi assim estéticas, e, particularmente, um olhar sobre pois de apresentadas as curiosidades asso-
que nasceu “Grandes Obras, Grandes Artis- si e sobre as suas vivências e emoções. ciadas à época, obra ou artista, é necessá-
tas, Uma viagem pela arte”, que consiste na O projeto intitulado “Grandes Obras, Grandes rio dissecá-las, para que as resolvamos bem
abordagem da Educação Artística na vertente Artistas, Uma viagem pela arte” foi concebido no espetro emocional, as crianças e eu, que
das artes plásticas, para idades compreendi- de modo a ser abordada uma corrente es- tanto aprendo a conversar com elas, que
das entre os 3 e os 6 anos. Um projeto sus- tética por mês. O planeamento das sessões ajusto as informações e as minhas expec-
tentado numa metodologia e estrutura pró- repete a forma, mas difere no conteúdo, tativas normalmente são largamente ultra-
prias, mas apoiado sempre nos interesses do estruturando-se da seguinte forma: passadas pela inteligência emocional de
grupo de crianças. A leitura de imagem é orientada segundo as quem analisa ainda a vida com inocência.
Começámos este ano na Tutor T, com as salas normas do Programa Visual Thinking Strate- É maravilhoso!
de pré-escolar a realizar as sessões de Educa- gies, as sessões colocam três questões de Normalmente são três obras por mês, o que
ção Artística uma hora por semana. resposta aberta, que permitem às crianças no início me pareciam muito poucas, mas
Os objetivos que estão na base do desen- dialogar e pensar sobre o que estão a ver: depois entendi que as crianças precisavam
volvimento deste projeto e o orientam visam - O que está na imagem? de mais tempo para conversar sobre o que
o contacto da criança com a obra de arte, - O que vês que te faz dizer isso? viam. Não é possível mostrar a Mona Lisa e
através da leitura de sentido e de um diálogo - Que podemos encontrar mais? a Criação de Adão sem referir os mistérios
em que a criança expresse e verbalize o que É-me difícil descrever o que acontece e mensagens subliminares que estão nas
vê e como vê a obra, dando-lhe a oportuni- durante as sessões de leitura de imagem, obras. É claro que eles gostam de saber
dade de dizer como se sente e o que pensa, porque são tão cheias de tanto, somos que Miguel Ângelo teve de pintar deitado
promovendo o desenvolvimento da literacia envolvidos numa esfera, que difere de e de pé o teto da Capela Sistina, mas quan-
em artes visuais, o conhecimento de diferen- grupo para grupo, em que as crianças do se explica que o artista pintou Deus
tes meios de expressão, a aquisição de gra- relacionam a sua vida com as obras apre- dentro de um cérebro quando este tenta
mática da linguagem visual, a aquisição de sentadas, e é necessário ter tempo para alcançar Adão, para que as pessoas quan-
conhecimentos relativos a algumas correntes nos envolvermos num diálogo em que de- do olhassem para cima a rezar pudessem,
antes de o fazer, pensar um pouco pelo
seu “cérebro”… Podem imaginar a avalan-
che de questões. É preciso tempo para eles
colocarem as suas dúvidas sobre a Igreja, o
clero e a sociedade da altura. Uma criança
de 4 anos, no meio da conversa sobre esta
obra, comparou a hierarquia da nossa esco-
la à hierarquia do clero, dizendo: “A Teresa
(diretora) é o papa, vocês (educadoras) os
padres e nós somos o povo que vai à mis-
sa.” A Mona Lisa do Norte, A menina do
brinco de pérola, de Vermeer, proporciona-
-nos momentos fascinantes quando imagi-
namos o que ela está a pensar e a sentir,
revelando muito do nosso ser, e adoramos
a história do Edvard Munch que fez O Grito
porque a “namorada” (mulher casada com
quem tinha um caso) terminou a relação
com ele e o deixou de coração partido. São
construções mentais que requerem tempo
para sedimentar. Não o podemos fazer em
apenas 10 minutos… Como passar rapida-

20 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


mente pelo facto de Kandinsky ver a sua criativo destes grandes artistas: quando
escola (Bauhaus) destruída por causa da conhecemos o Renascimento, pintaram
II Guerra Mundial e que mesmo assim fez em pé uma folha enorme por cima das
belas obras de arte, pintando música? suas cabeças (Miguel Ângelo), desenharam
As crianças querem entender a história que a pastel e “esfumaram” com os dedos o
fez história. Em todas as sessões os gru- desenho de forma a entender o sfumatto
pos tentam descobrir quem é o artista, a de Leonardo da Vinci, pintaram ao som das
sua vida e história, como estava o mundo músicas favoritas com lápis de cera preto
nessa altura, como as pessoas agiam, o que e coloriram com anilinas, tudo ao som e ao
a figura da obra está a sentir ou a pensar, ritmo do que os faz feliz, quando abordá-
ligando tudo à sua experiência pessoal. mos Kandinsky. Não se trata de reprodu-
As crianças também sofrem desamores, zir o que já foi feito, trata-se de aprender
ciúmes, divórcios e arrufos emocionais, com um mestre da pintura e com a sua
também identificam estes sentimentos e ideia (outrora pioneira) uma nova forma
sabem dissertar sobre eles, faz-lhes bem de expressão. As técnicas mostram-lhes
ter a oportunidade de refletir em grupo so- novas formas de criar e de se expressar e
bre questões emocionais e sociais, desen- proporcionam-lhes momentos de novida-
volvem a sua humanidade e o sentido de de e prazer. A ludicidade é um ingrediente
pertença de forma construtiva e positiva. essencial em todas as sessões, tal como
“É imprescindível que lhes proporcionemos queremos desenvolver competências cog-
o acesso ao que a cultura humana já com- nitivas, motoras, sociais e emocionais nas
pôs através do infinito cosmos da compo- crianças respeitando os seus interesses em
sição artística conhecida, permitindo que contexto de sala. Na “Arte”, nome que as
bebam nas fontes mais puras da criação crianças dão às nossas sessões, também
humana. Que as crianças possam exercitar os seus interesses, as suas ideias e a sua
a sua sensibilidade através dos sentimen- individualidade têm de ser tidos em conta.
tos singelos de inspiração. E se assim, no “A arte bem compreendida é um poderoso vivência positiva; o objetivo não era abordar
futuro, não forem todos humanos literal- meio de elevação e de renovação. É a fonte os valores sociais, o que se deve fazer e o
mente artistas, tê-los-emos moralmente dos mais puros prazeres da alma; ela embe- que não se deve fazer, essas regras já são
mais empáticos e criativos, capazes de co- leza a vida, sustenta e consola na provação e abordadas em sala, o objetivo era que as
locar os seus talentos ao serviço do avanço é a mola propulsora para expansão da nossa crianças expressassem plasticamente senti-
sustentável de toda a comunidade ao seu consciência. Quando a arte é sustentada, mentos opostos.
redor” (Cura-dor Wozen, 2018). inspirada por uma vontade sincera, por um Uma criança desenhou o funeral do seu
Depois de conhecermos as obras, as carac- nobre ideal, é sempre uma fonte fecunda de avô, que já tinha falecido há uns meses. A
terísticas da corrente estética do mês, de instrução, um meio incomparável de civiliza- mãe ficou espantada com os pormenores e
verbalizarmos sobre as questões emocio- ção e de aperfeiçoamento” (Cura-dor Wozen, com a representação tão real e fidedigna do
nais que surgem e que as obras nos sus- 2018). acontecimento, a criança nunca tinha falado
citam, vamos explorar as técnicas que os Depois de dominada a técnica, passamos à naquele assunto em família, a mãe não fa-
pintores nos mostram. essência da mensagem, do que nos ficou, e zia ideia de que aquela vivência ainda estava
Tento que a experiência seja a mais pare- expressamos plasticamente o que “nos vai na latente e tinha tido tanta importância na vi-
cida possível com a do artista, fornecendo alma” através do desenho ou da pintura. da do seu filho, foi o ponto de partida para
os materiais e o ambiente de acordo com Quando abordámos o barroco, altura da his- muitas conversas em família em que a criança
a obra e técnica do mesmo. Acredito que tória pautada pela luta entre o bem e o mal, pôde desmistificar e “arrumar” o que estava a
o mais importante é o contacto emocional foi-lhes dado um suporte com duas folhas sentir com as pessoas mais próximas.
com a obra e com a produção artística, por de cores diferentes. Numa desenharam uma Outra atividade foi, partindo de um autor-
isso não condiciono nem limito o processo vivência considerada negativa e na outra uma retrato de Almada Negreiros, desenharmos

21 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: PRÁTICAS

a cara de um amigo numa folha de acetato. Pensador (inspirado n’ O Pensador de Ro-


Foi uma experiência muito divertida dese- din) e expusemos pensamentos que con-
nhar em cima da cara de alguém e também sideramos importantes as pessoas terem,
ser desenhado; em seguida, colocámos fizemos a forma humana com plasticina,
essa folha de acetato desenhada em cima uma escultura têxtil inspirada em Miró,
de outra onde estava escrito aquilo que o uma escultura com as diferentes partes da
modelo do desenho pensava de si próprio cara inspirada na técnica cubista de Picas-
e o texto começava com EU SOU. O que so e para a última escultura está planeado
aconteceu foi que todos diziam o seu no- usarmos vários objetos do Brincalhão para
me e o que gostavam de fazer, mas para formar uma figura (humana ou animal). Os
falar das suas qualidades e características, materiais entram no ateliê e o grupo dá-
que era o que se lhes pedia, precisaram -lhes forma. Nunca sabemos muito bem o
de bastante tempo para pensar. Alguns que vai acontecer… Com a escultura têx-
exemplos são: “Eu sou linda, bonita, prin- til de Miró, tinha pensado num resultado
cesa e grande porque como tudo sozinha” completamente diferente, pensei que eles
(3 anos); “Eu sou forte porque tenho mais quisessem pintar a base, que era um tapete
músculos que o normal” (4 anos); “Eu sou velho, mas não, adoraram entrançar limpa-
boazinha e gosto que os meus amigos se -cachimbos, tecidos de cores vivas e que-
magoem para os ajudar” (5 anos); “Eu sou riam mesmo incluir uma boneca “que fala-
linda, corajosa porque não tenho medo do va” – tive de os dissuadir a não a prender
meu cão e sou boa pessoa, porque tenho pelo pescoço, fi-los refletir sobre a imagem
um coração bom” (6 anos). que daria à comunidade escolar, mas eles
Por mais dolorosas que sejam as lutas que riam-se e diziam: “Mas era bué da fixe!” O
se travam na Terra, mesmo quando os ho- resto do grupo fez valer o plano inicial da
mens se entredevoram em guerras armadas escultura e acabámos por prendê-la pela
e económicas, ainda que o ódio e a into- barriga “a fingir que é um cinto”.
lerância assombrem algumas das inúmeras Gosto muito desta imprevisibilidade: em
regiões enormes do planeta, sempre haverá todas as sessões acontece algo de dife-
dentro do ser humano uma luz de expecta- rente, estou sempre a aprender.
tiva, de equilíbrio, de paz e liberdade (Cura- Visitámos o Museu Berardo quando entrá-
-dor Wozen, 2018). mos no modernismo e no pós-modernismo,
Terminamos o mês com uma obra tridimen- as últimas correntes estéticas do ano
sional. Sendo a escultura um meio de ex- letivo. O contacto direto com a obra de ar-
pressão que deve ser integrado no desen- te é fundamental para cimentar todas estas
volvimento do currículo da expressão plás- ideias desenvolvidas no ateliê. Mais que is-
tica, fazia todo o sentido integrá-la como so, o contacto com o museu, o santuário
ponto de passagem do programa. Aqui são das obras de arte. Combinei previamente
fornecidos vários materiais: os de desper- com o Serviço Educativo realizarmos uma
dício, os moldáveis, os transformáveis, os visita livre para que as crianças pudessem
brinquedos que iam fora (recolhemos na ser acompanhadas, fazer perguntas e, aci-
escola os brinquedos que iam fora, jogos ma de tudo, terem o seu tempo de apre-
incompletos e todo o tipo de materiais, a ciação da obra de arte. Foi maravilhoso!
que acabámos por dar uma “vida artística” As pessoas que nos acompanharam tive-
– o caixote onde fazem estes depósitos é ram imensa sensibilidade para entender as
o “Brincalhão”), fizemos cidades em Lego, nossas necessidades e “viajaram” com eles
fizemos esculturas de papel, fizemos um pelo museu. As crianças adoraram e senti

22 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


que a experiência foi verdadeiramente po- maravilhoso criar, através da investigação e repete nos últimos meses do ano), por ser
sitiva e marcante. fundamentação teórica, uma forma (haverá à partida incompreendida pela sociedade
Este foi o primeiro ano em que o Progra- outras) de estar em contacto permanente vigente e por considerar que é necessário
ma “GOGA – Uma viagem pela arte” foi com a obra de arte. desenvolver alguma sensibilidade relativa-
aplicado na Tutor T. O balanço é muito Foi necessário criar uma organização coe- mente à era artística que estamos a viver.
positivo por todas as situações acima evo- rente e lógica, influenciada pelo Programa Relativamente à arte pós-moderna, Perkins
cadas. A obra de arte e a expressão ar- DBAE – Discipline Based Art Education, (1994) refere que uma mente preparada e
tística entraram na vida desta comunidade adotado em várias escolas dos Estados habituada à arte contemporânea e pós-mo-
de forma holística no currículo escolar. Unidos. Apoiei-me então na história da ar- derna não necessita de respostas às questões
O objetivo inicial e ponto de partida te como linha condutora das sessões. Foi que surgem da sua observação, pois parte da
da minha dissertação “Como abordar necessário selecionar correntes estéticas, mesma está em descobrir e tentar entender
Educação Artística, na vertente das artes aboli as que estão bem pormenorizadas a mensagem, o puzzle, o que revela, o que
plásticas, de forma lúdica e consistente?” nos programas escolares de outros ciclos esconde e qual o mistério.
foi concretizado. Foi para mim um desafio e dei mais enfâse à arte moderna (que se Sendo que todos os meses conhecemos
uma corrente estética diferente – arte ru-
pestre (o início de tudo), renascimento,
barroco, romantismo, realismo, impressio-
nismo, pós-impressionismo, modernismo
e pós-modernismo –, o programa Primeiro
Olhar, da Gulbenkian, que também desen-
volve atividades por corrente estética, em-
bora não cronologicamente, chamou-me a
atenção para a importância da abordagem
de diferentes meios de expressão (arquite-
tura, fotografia, pintura, desenho, escultura,
colagem, tapeçaria e artes gráficas) e tam-
bém da abordagem da gramática visual.
O contacto diário com as famílias é funda-
mental. No final de cada sessão, todas as
famílias recebem um resumo do que fize-
mos com fotografias por email e os traba-
lhos são expostos à porta do ateliê com a
descrição da atividade.
É muito interessante verificar que existe
um interesse maior pela arte desde que as
crianças contactam com a obra de arte com
regularidade, que o museu começa a fazer
parte dos passeios de fim de semana, que
vão chegando obras e artistas novos ao
nosso ateliê e que a arte começa a fazer
parte do quotidiano destas famílias. Um pai
apanhou um quadro que estava no lixo (em
ótimo estado) porque sabia que a filha iria
querer partilhá-lo ou realizar alguma ativi-
dade plástica com ele. Uma mãe diz que
esgotou a memória do seu telemóvel no

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: ARTIGO

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25 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018
: PRÁTICAS

BIBLIOGRAFIA
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Viagem pela Arte. Dissertação de Mestrado.
Unesco, C. N. (2006). Roteiro para a Educação Artística.
Lisboa: Comissão Nacional da Unesco.
Museu Berardo porque a filha queria fo- nosso dia a dia. Para já não falar, obviamente,
tografar todas as obras para mostrar aos da cultura geral decorrente dos projetos que
amigos no ateliê. Os pais vão partilhando vão fazendo e que lhes dá uma visão da his-
episódios e conversas que surgem em fa- tória da arte mundial. Ainda ontem me sentei
mília sobre obras de arte e essa partilha é com eles, com um livro sobre arte, porque
demonstrativa da importância que a obra ambos procuravam saber mais sobre Miró,
de arte ganhou na vida dos seus filhos e de quem tinham falado nas respetivas aulas
consequentemente nas suas. de arte uns dias antes. Pelo caminho fomos
Termino esta partilha com o testemunho encontrando outras obras que captavam a
da mãe Marta Neves, que reflete na perfei- sua atenção. Lembro-me também do orgulho
ção a génese do Programa “Grandes Obras de ambos os meus filhos a entregarem-me as
Grandes Artistas, Uma viagem pela arte”: suas primeiras “obras de arte”, que ainda ho-
“Para mim foi absolutamente surpreendente je estão expostas no nossa sala de estar, e de
ver a reação dos meus dois filhos ao estudo falarem nos pintores que os tinham inspirado
da arte, nas suas variadas formas.  para a fazerem. A verdade é que a presença
A primeira recordação que tenho dessa in- da arte lhes abre precisamente isso, formas
fluência é de a minha filha Francisca, com 3 diferentes de ver o mundo e de o apresentar,
anos, numa visita à fábrica da SPAL, apontar sejam pessoas, locais ou emoções. Maneiras
para um prato e dizer: “Olha, mãe, este prato de se inspirarem, alargando-lhes o horizon-
tem o homem de Vitrúvio!” A curiosidade de- te. E que melhor altura para terem acesso a
les quanto ao mundo que nos rodeia, sobre este “instrumento” senão quando estão pre-
o que é (ou não) uma obra de arte, o espírito cisamente a descobrir o mundo, ainda sem
crítico, apurando o que gostam e o que não qualquer pré conceito?”
gostam, as sensações que lhes trazem a cor,
a forma, a textura é evidente nos dois no

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: PRÁTICAS

Sobre padrões na educação pré-escolar


Ema Mamede . CIEC - Universidade do Minho, Ana Afonso . Jardim de Infância de Santa Lucrécia

Em idade pré-escolar as crianças requerem “um padrão de repetição é um padrão no qual padrões (dois problemas) e criação de padrões
aprendizagens ricas, significativas e multidisci- há um motivo identificável que se repete de (dois problemas).
plinares. Cabe ao educador proporcionar-lhes forma cíclica indefinidamente” (p. 20) ou uma Nas tarefas de continuação de padrões era
experiências matemáticas enriquecedoras, re- sequência que se repete, posteriormente, a dado à criança um padrão iniciado, havendo
lacionadas com o seu quotidiano. A vontade um determinado número de termos, como espaços em branco para que pudesse ser con-
de aprender e desenvolver noções matemáti- explicam Frobisher, Monaghan, Orton, Orton, tinuado. Na tarefa da “Lagarta”, as crianças
cas surge muito cedo, sendo fundamental que Roper e Threlfall (1999). Estes padrões podem continuaram o padrão indicado no corpo de
os educadores sejam capazes de dar continui- ser trabalhados desde muito cedo na educa- uma lagarta (ver figura 1) molhando a ponta
dade a essas aprendizagens e curiosidades e ção pré-escolar, onde as crianças têm a pos- do dedo na tinta guache com a cor adequada.
que forneçam o apoio necessário (Silva, Mar- sibilidade de continuar e construir sequências Na tarefa das “Folhas”, as crianças tinham de
ques, Mata & Rosa, 2016). Todavia, de acordo em que o padrão se repete. Nos padrões de
com Vale (2009), embora se reconheça cada crescimento, segundo Barbosa, et al. (2011),
vez mais a relevância dos padrões na mate- “cada termo muda de forma previsível em re-
mática, não lhes tem sido dada importância lação ao anterior” (p. 20). Esses autores afir-
nos currículos nacionais. mam que existem “padrões de crescimento
Na matemática, o termo padrão relaciona-se lineares e não lineares” (p. 20) e outros “cuja
com alguns tipos de regularidade, formas ou descoberta conduz a invariantes que permitem
números. Noutros contextos, pode relacionar- o estabelecimento de propriedades numéricas
-se com cores e sons, onde se detetem regu- ou geométricas” (p. 19).
laridades. Orton (1999) elucida que a noção de
padrão é polissémica e não tem uma definição A importância dos padrões
concreta. Segundo Palhares e Mamede (2002), na educação pré-escolar
a ausência de uma definição concreta deste Realizou-se uma intervenção em que se pro-
termo pode conduzir a uma reduzida signifi- curou compreender as ideias das crianças de
cância por avaliarem tratar-se de uma simples uma sala de jardim de infância na exploração
repetição ou considerarem um padrão algo ba- de padrões figurativos de repetição. Para tal,
nal e que tudo pode ser considerado padrão. observaram-se 17 crianças (9 de 4 anos, 8 de
O termo em questão pode, em determinados 5 anos) na resolução de tarefas de padrões
casos, significar uma particular disposição ou e identificaram-se as dificuldades por elas
arranjo de formas, sem regularidade aparente. sentidas na exploração de tarefas de padrões
Um padrão envolve, obrigatoriamente, repe- figurativos de repetição.
tição ou mudança. São conhecidos dois tipos As tarefas incidiam na exploração de padrões
de padrões, os de repetição e os de cresci- de repetição através da continuação de pa-
mento. Barbosa, Borralho, Barbosa, Cabrita, drões (dois problemas), descoberta de intru-
Vale, Fonseca e Pimentel (2011) afirmam que sos em padrões (dois problemas), tradução de

Figura 1 - Criança durante a resolução do problema Figura 2 - Crianças durante a resolução do problema Figuras 3, 4, 5, 6, 7 e, 8 e 9
"Lagarta". "Folhas".

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: PRÁTICAS

Figura 10 - Resolução do problema "Formas geométri- Figura 11 - Resolução do problema "Formas geométri- Figura 12 - Resolução do problema "Texturas" pelo gru-
cas" pelo grupo dos 4 anos. cas" pelo grupo dos 5 anos. po dos 4 anos.

numa dada sequência, tendo a criança de pro- padrão de figuras geométricas (quadrados,
ceder à correção desse elemento. Na tarefa círculos, triângulos e retângulos), as crianças
das “Frutas”, apresentaram-se sucessivamen- acordaram, em pequeno grupo, qual das fru-
te às crianças quatro padrões de repetição tas iria corresponder a cada uma das figuras
em que tinham de descobrir a peça de fruta para depois traduzirem o padrão das frutas no
“intrusa” e substituí-la pela peça de fruta na correspondente padrão das figuras geométri-
Figura 13 - Resolução do problema "Texturas" pelo gru- posição correta (figuras 5-7). cas (figuras 10-11).
po dos 5 anos. Na tarefa “Pauzinhos coloridos”, as crianças No problema das “Texturas”, que consistiu na
tinham de descobrir qual o pauzinho intruso tradução de um padrão formado por folhas de
continuar um padrão feito com folhas de três no padrão dado e substituí-lo corretamente. variados tipos, as crianças recorreram a qua-
tamanhos e cores distintas, colando as folhas A figura 8 mostra a resolução de crianças de 4 drados de materiais, cores e texturas variadas
em cima da linha (figuras 2-4). anos em dois dos padrões apresentados, a fi- e acordaram entre si qual a textura que iria
A continuação de padrões foi algo que as gura 9, a resolução de crianças de 5 anos num corresponder a cada tipo de folha, para assim
crianças apreciaram imediatamente. Apesar outro padrão proposto. Nas tarefas de des- poderem traduzir os padrões do tipo AAB-
disso, revelaram dificuldades em entender coberta do intruso, a maioria das crianças foi BAABB para o grupo dos 4 anos (figura 12)
que tinham de continuar o padrão apresen- capaz de identificar o intruso, mas não foi fácil e ABBCABBC para o grupo dos 5 anos (figura
tado e não de recomeçá-lo. Algumas crianças mencionar de imediato qual o seu substituto. 13), tendo as crianças acordado entre si qual
dispuseram os elementos aleatoriamente, não As crianças sentiram dificuldades em descobrir a textura que iria corresponder a cada tipo de
tendo noção da regularidade e da unidade de intrusos menos evidentes ou quando inseridos folha, traduzindo assim o padrão.
repetição. Outras inventavam novos elemen- em padrões mais complexos e na sua correta Depois, procederam à continuação do mesmo
tos, sem fazer qualquer referência aos ante- substituição. Estas tarefas foram acessíveis padrão. As tarefas de tradução de padrões fo-
riores. Este fenómeno está descrito por Rus- pelo facto de os intrusos terem, maioritaria- ram as mais complexas. As dificuldades das
tigian (citado por Threlfall, 1999) e carateriza mente, cor distinta dos restantes elementos. crianças centraram-se na perceção do objetivo
uma fase inicial de contacto com padrões por Com a prática, as crianças foram capazes de da tarefa e no que tinham realmente de fazer.
crianças pequenas. No decorrer do estudo as resolver estas tarefas confortavelmente. As suas atividades foram explicadas de forma
crianças ficaram familiarizadas com este tipo As tarefas de tradução de padrões consisti- mais detalhada e realizadas em pequeno grupo.
de tarefas e concretizaram as atividades com ram na substituição integral e regrada de cada O facto de serem realizadas em pequeno grupo
sucesso, tendo-se colmatado as poucas difi- um dos elementos do padrão, de acordo com gerou entreajuda e partilha de conhecimentos
culdades com apoio e dedicação. regras previamente definidas. No problema entre as crianças durante a resolução da ativi-
As tarefas de descoberta do intruso consistem das “Formas geométricas”, que consistiu na dade. Estas atividades exigiram algum apoio às
na identificação de um elemento inadequado tradução de um padrão com frutas por um crianças de 4 anos, mas em contrapartida as

Figura 14 - Crianças durante a resolução do problema Figura 15 – Criação de padrão com rolhas coloridas (4 Figura 16 - Criação de padrão com rolhas coloridas (5
"Rolhas coloridas". anos). anos).

28 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


municarem oralmente entre si e com o educa-
dor, organizam e consolidam o pensamento
Figura 17 - Crianças durante a resolução do problema Figura 18 – Criação de "Moldura" (5 anos). matemático (NCTM, 2007). Na educação pré-
"Moldura". -escolar, a comunicação oral deve ser usual e
estimulada, pois é fundamental para o desen-
crianças de 5 anos demonstraram destreza na de reconhecer os padrões propostos e execu- volvimento das crianças. As tarefas sugeridas
sua resolução, ao ponto de serem capazes de tar as atividades propostas neste âmbito. A neste estudo proporcionaram às crianças vá-
traduzir padrões mais complexos. intervenção sobre padrões foi de extrema im- rios momentos de exploração, discussão e par-
As tarefas de criação de padrões constaram na portância, pois de acordo com Baratta-Lorton tilha, como privilegiam as OCEPE (Silva et al.,
criação de padrões com materiais diversifica- (1995), o trabalho com padrões pode ser a fer- 2016). Assim, para além de organizarem o seu
dos. O problema “Rolhas coloridas” consistiu ramenta perfeita que guie a criança no desen- raciocínio matemático, tiveram a oportunidade
na criação de um padrão a partir do enfiamen- volvimento da sua compreensão matemática. de expressar as suas ideias.
to de rodelas de rolhas de cortiça previamen- Este estudo abordou tarefas inovadoras que Em suma, foi um estudo bastante pertinente,
te pintadas (amarelo, vermelho, verde e azul) permitiram às crianças o primeiro contacto na medida em que contribuiu para o desenvol-
num fio (figura 14). com os padrões que, apesar de figurarem nas vimento do raciocínio matemático e pré-algé-
As crianças de 4 anos puderam escolher duas OCEPE (Silva et al., 2016), foram uma novidade brico das crianças e, mais tarde, formará bases
cores (figura 15) e as de 5 anos escolheram para todas as crianças nele envolvidas. Através fulcrais para a aprendizagem da matemática e,
três ou quatro cores (figura 16). da resolução das atividades proporcionadas, mais concretamente, da álgebra.
O problema “Molduras” consistia na criação as crianças familiarizaram-se com padrões,
de um padrão à volta de um quadrado de car- tendo participado ativamente na resolução
tão, recorrendo à colagem de massas variadas dos problemas propostos. O raciocínio mate-
como laços, parafuso e cotovelos (figura 17). mático é fundamental e deve ser estimulado REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Nestas atividades as crianças revelaram difi- desde a entrada na educação pré-escolar. De Baratta-Lorton, M. (1995). Mathematics their way. U.S.A:
Dale Seymour Publications.
culdades em criar o padrão à volta do qua- acordo com o National Council of Teachers Barbosa, A., Borralho, A., Barbosa, E., Cabrita, I., Vale, I.,
drado de cartão e não em linha reta como of Mathematics – NCTM (2007), o educador Fonseca, L., & Pimentel, T. (2011). Padrões em Matemática:
estavam acostumadas. Apesar disso, estas deve fomentar, desde cedo, a justificação de uma proposta didática no âmbito do novo programa para
o ensino básico. Lisboa: Texto Editores. Lda.
atividades foram as mais apreciadas pelas escolhas, ações e afirmações. Os problemas Frobisher, L., & Threlfall, J. (1999). Teaching and Assess-
crianças. Embora houvesse objetivos e regras surgem rápido e podem ser muito variados, ing Patterns in Number in the Primary Years. Em A. Orton,
a cumprir, o facto de lhes ser sido dado liber- portanto é pertinente que as crianças conhe- Pattern in the Teaching and Learning of Mathematics (pp.
84-103). Londres: Cassell.
dade na criação do padrão tornou as ativida- çam estratégias de organização de pensa- Frobisher, L., Monaghan, J., Orton, A., Orton, J., Roper, T.,
des mais criativas e desafiantes. Algumas das mentos, para que sejam capazes de explicitar & Threlfall, J. (1999). Learning to Teach Number A hand-
crianças de 4 anos precisaram de um pouco o seu raciocínio, dentro e fora da matemática. book for students and teachers in the primary school.
Cheltenham: Stanley Thornes Publishers.
de apoio inicial, mas depois foram capazes Segundo Silva et al. (2016), “o desenvolvimen- NCTM. (2007). Princípios e Normas para a Matemática
de criar padrões corretamente. A maioria das to do raciocínio matemático implica o recurso Escolar. Lisboa: APM (Tradução portuguesa da edição
crianças de 5 anos criou padrões com facili- a situações em que se utilizam objetos para original de 2000).
Orton, A. (1999). Pattern in the teaching and learning of
dade e de forma autónoma, desde os mais facilitar a sua concretização e em que se in- mathematics. Londres: Cassell.
simples aos mais complexos. No final, foram centiva a exploração e a reflexão da criança” Palhares, P., & Mamede, E. (2002). Os padrões na matemá-
colocadas as fotografias de cada criança e (p. 75). A mesma fonte salienta que assim as tica do pré-escolar. Educare/Educere, 107- 123.
Silva, I. L., Marques, L., Mata, L., & Rosa, M. (2016). Orien-
pintaram-se as massas, tendo-se criado uma crianças são desafiadas a explicar, justificar e tações Curriculares para a Educação Pré- Escolar. M. d.-G.
moldura (figura 18). partilhar as suas descobertas/soluções e que (DGE), Ed., Lisboa, Portugal.
Esta intervenção revelou-se bastante positiva, esse processo as leva a desenvolver e orga- Threlfall, J. (1999). Repeating patterns in the primary years.
In A. Orton (Ed.), Patterns in the teaching and learning of
na medida em que foram poucas as crianças nizar o seu pensamento, bem como as suas mathematics (pp. 18-30). London: Cassell.
que no final deste estudo ainda revelavam representações. Vale, I. (2009). Das tarefas com padrões visuais à genera-
pouca destreza na exploração de padrões, es- A comunicação matemática é um outro as- lização. XX SIEM. Em J. Fernandes, H. Martinho & F. Viseu
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pecialmente nas tarefas de tradução e criação peto fundamental na educação matemática, 35-63. Viana do Castelo: APM.
de padrões. A maioria das crianças foi capaz segundo o NCTM (2007). As crianças, ao co-

29 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: PRÁTICAS
Estar em projeto na creche:
no mundo das “Ovmés”
Patrícia Beira Grande. Diretora pedagógica na Creche Gente Miúda, do Centro Paroquial de Paderne. Escola Superior
de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve.

Na creche, cada minuto é uma novidade, mas é uma característica que quero alimentar ao a funcionar como uma espécie de comunida-
aos poucos começamos a perceber o porquê longo da vida. Por isso dei por mim muitas de, ou talvez um laboratório de ideias. Atra-
de estarmos ali. Chegamos a casa com um vezes a refletir sobre “quem sou eu e qual vés deste registo, agir com intencionalidade
cansaço fora do comum, mas começamos a o meu papel neste grupo?” Num dos livros educativa passou a ter outro sentido: era
gostar logo desde o primeiro dia. que me fascinaram na minha formação inicial, estar a desencadear procedimentos racio-
Quando comecei a desenvolver a minha prá- lê-se que o invulgar e o inesperado atraem nais determinantes para o futuro, ou, como
tica com bebés e crianças pequenas dediquei facilmente as crianças (Katz, 1997), e não só descrevem as Orientações Curriculares para
tempo a conhecer um pouco mais esta faixa esta como outras frases encaminharam-me a Educação Pré-Escolar (OCEPE) (Lopes da
etária até então desconhecida para mim. As no arranque de vários projetos. Silva, Marques, Mata & Rosa, 2016, p. 4), “um
ferramentas que recebi na formação inicial adulto plenamente capaz para um exercício
foram fundamentais, mas desbravar o mun- Educador facilitador: como assim? de cidadania ativa”.
do logo após o nascimento eram “mares O educador é um primeiro modelo pedagó- Não é só a partir dos 3 anos de idade, pois
nunca dantes navegados”. Degrau a degrau, gico para este passo evolutivo. O estímulo também a creche é considerada um contexto
fui adequando aquilo que considerava uma à mudança na relação aluno/criança-profes- de grande responsabilidade social. O viver a
boa intervenção, mas com o tempo percebi sor/educador é descrito por David Kennedy comunidade desde tenra idade pode passar
que afinal havia muito mais por descobrir. (2004) como uma forma de criação do mun- por experienciar momentos sérios e estimu-
Hoje consigo perceber que fui amadurecendo do colaborativo, dialógico e playful.1 Para lantes que, de forma divertida, façam “cóce-
ideias, refletindo e dando significado àquilo este autor, o facilitador deve ser um mo- gas no pensamento” e encorajem a pensar
que fui descobrindo, ou melhor, descons- delo pedagogicamente forte para que haja de forma cativante durante períodos carrega-
truindo. Fascinada por metodologias que um passo evolutivo. Quando desmistifiquei dos de significado, pois, como refere Alberca
possibilitam a descoberta, por considerar este papel, rapidamente a minha sala passou (2014, p. 23), “a inteligência do ser humano
que tudo tem uma magia própria, comecei 1 A palavra playful, na tradução para a língua portugue-
é infinita”.
a focar-me mais no processo em si do que sa ganha um sentido que não se enquadra na que pre- Através da experiência fui percebendo o va-
nos resultados. A minha única certeza era tendo atribuir ao conceito. Não encontrei uma única lor desta responsabilidade profissional/social
palavra que fizesse jus ao termo neste enquadramen-
que tinha muitas dúvidas. Sempre tive e vou to, mas reconheço que ser playful poderá ir mais além
e passei a estar mais atenta a este compro-
continuar a ter. Sou curiosa por natureza e do que brincar de forma intencional e pedagógica. misso comigo própria, com as crianças e suas
famílias, auxiliares de ação educativa e todos
aqueles que de uma forma ou de outra con-
seguimos contagiar.
Envolvimento foi um ingrediente fundamen-
tal. Importava conhecer as crianças desta
idade e entendê-las. Esta personalidade,
que Mathew Lipman2 nos inspira a enten-
der como capaz, contraria a vulnerabilidade
que a criança ganha perante o imenso poder
do adulto. Se para Lipman a infância é uma
dimensão da experiência humana, importa
alimentar esta fome de sentido, potencian-
do experiências ou, se quisermos parafrasear
Gopnik, vivenciar os “mundos possíveis”.
Os projetos fluíam, as ideias surgiam de
tantos lados, era quase inconcebível haver
tempo para corresponder a tanta motivação.
2 Matthew Lipman, filósofo conhecido como o “pai” da
filosofia para crianças, uma abordagem feita através
do diálogo onde é potenciado o pensamento multidi-
mensional (crítico, criativo e colaborativo).

30 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


Prioridades estabelecidas, senti que estava a
desenvolver com as crianças uma forma de
pensamento organizada.

Recetividade à mudança
A primeira e talvez a maior mudança que fiz
teve a ver com o respeito. Respeitar a criança,
na prática, é muito mais do que isso. No seu
livro O Bebé Filósofo, Gopnik (2010) explica
de forma surpreendente que evidências po-
demos ver nos comportamentos dos bebés
que nos levam a acreditar que a infância é de
facto uma parte profunda da condição huma-
na. Não menorizar os bebés foi um passo fá-
cil de dar, mas exigente, visto que importava
alargar esta postura a toda a equipa. Talvez
este tenha sido o maior desafio. No entanto,
trabalhar com uma equipa motivada é meio
caminho andado para o sucesso de qualquer
intervenção, e os obstáculos deixam de o ser. to e desenvolvimento, direta ou indiretamente. ta disposição para agir em vez de passivamen-
Até aos dias de hoje, nos diálogos fluentes do As crenças que fixamos raramente são definiti- te existirem, que sabem que podem investigar
dia a dia, são ouvidas expressões tais como vas e muitas podem ter tido a sua origem nos ativamente para serem adultos que querem
“por favor” e “obrigada” quando há necessi- primeiros anos da nossa vida. Nunca a idade mudar o mundo.
dade de questionar alguém, ou quando é feito foi elemento impeditivo de explorar o que quer
algum pedido. Há todo um cuidado de nunca o que seja com as crianças. Apesar da adequa- Saber como é que sabemos
fazer sem dar uma explicação criteriosa e fun- ção que deve ser feita, é importante perceber Na creche, todos os dias são diferentes. O iní-
damentada, e isto aplica-se tanto aos adultos a criança como um ser holístico num meio cio de um projeto não precisa de partir sempre
como às crianças. cheio de contextos que ainda não conhece e com uma história. Mas os projetos dão origem
que precisa de experimentar. Experimentar é a muitas histórias. Foram vários aqueles que
Reinventar a gramática diferente de apenas conhecer. Identifico-me, me marcaram. Segundo Katz (1997, p. 179), “Os
Outro passo muito importante foi quase que como profissional, com o que Horta refere projetos podem ser iniciativas a curto prazo ou
anular o uso da palavra “não”. Esta foi uma (2016, p. 90): “E se a individualidade de cada podem animar uma sala durante oito sema-
mudança morosa e exigente, no entanto, de- um reflete o profissional que é, então consi- nas ou mais”. Recordo-me do relato de uma
safiante. Mais do que reinventar uma gramá- dero que esta é a forma mais adequada para, auxiliar de ação educativa que me disse: “Até
tica própria, a maioria da equipa teve oportu- como educador de infância, transmitir às crian- nós aprendemos tanto com estas coisas!” A
nidade de participar, de forma descontraída, ças o gosto por esta forma de estar, também verdade é que eu às vezes sinto que o meu
num processo de reflexão contínua. O que na educação.” cérebro é um autêntico laboratório de ideias e
digo e como o digo determinam aquilo que Mathew Lipman, num documentário sobre a o melhor é ter percebido de que forma consi-
eu oiço. importância do programa que criou, Filosofia go contagiar as crianças e quem está à minha
para Crianças3, referiu que estas têm uma cer- volta, ao mesmo tempo que sou contagiada
Construir conhecimento 3 FpC – Filosofia para Crianças, programa desenvolvido também.
Outra grande mudança teve a ver com a con- por Matthew Lipman e Ann Sharp onde as crianças Há efetivamente uma idade mínima para com-
ceção de projetos. Eu gosto de chamar conce- aprendem através de uma prática dialógica, em co- preender certos conceitos, mas acredita-se
munidades de investigação filosófica. Trata-se de uma
ção, pois acredito que tal como o ser humano, abordagem diferente da metodologia de projeto. Con- que não haja uma idade mínima para obser-
um projeto também é concebido, construído, tudo, refiro-me a ambas por considerar que a primeira var, investigar, experimentar, perceber e refle-
acompanhado e está em constante crescimen- poderá ter um efeito prático enriquecedor na segunda tir. Saber como sabemos é uma característica
e em outras conceções teóricas.

31 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: PRÁTICAS

sobre a qual tenho vindo a investir (e a inves-


tigar), já que as crianças mais novas têm difi-
culdade em perceber de onde vêm as crenças
que vão fixando. O que refere Gopnik (2010),
à luz das suas descobertas científicas com be-
bés, é que as crianças conhecem a diferença
entre a verdade e a ficção. Uma das provas
desta afirmação é a forma como riem das suas
brincadeiras. Posto isto, deduz-se que quando
concretizamos um projeto ajudamos as crian-
ças a construírem conhecimento, sendo que
nós próprios também o fazemos em relação a
elas, às competências que vão adquirindo e à
forma como o fazem, o que será percetível no
projeto que passo a apresentar.

No mundo das Ovmés


A Creche Gente Miúda pertence ao Centro
Paroquial de Paderne, cuja missão, visão e
valores assentam em princípios católicos, de
cariz solidário. É nesta instituição que tenho
desenvolvido o meu gosto e interesse pelas
aprendizagens dos bebés, estando esta faixa
etária um pouco “esquecida” no que respeita
a pressupostos e orientações pedagógicas,
o que na verdade tentei transformar numa
vantagem na medida em que esta ausência
de informação me incitou a querer perceber
mais acerca da faixa etária em questão. monte de pelo branco passou a suscitar o paço da casinha. Enquanto balançava as
Para além de ser uma creche espaçosa, es- interesse do grupo. Rapidamente quisemos agulhas para cima e para baixo, nós ajudá-
tá apetrechada com materiais lúdicos, mas saber quem, tal como a Noa, tinha ovelhas vamos com as lãs. Enleávamo-nos nelas e
acima de tudo tem muita luz natural e as de peluche em casa. Num instante a sala de fazíamos grandes “teias”. A primeira família
janelas remetem-nos para um cenário rural atividades transformou-se num celeiro. Uma de ovelhas teve de se registar e foi neces-
inconfundível. Sita numa aldeia do concelho a uma, as ovelhas iam chegando. Importa- sário arranjar-lhes nomes. Batizámo-las de
de Albufeira, a freguesia de Paderne conta va acondicioná-las e dar-lhes de comer. A Pio, Ola, Branquinho, Pelo e Mano. Este
com um moinho, um castelo, um lagar de criatividade começou a expandir-se e num foi o mote para entendermos como eram
azeite e até mesmo pequenos museus com abrir e fechar de olhos estávamos a iniciar os nossos nomes, e passámos a conhecer
antiguidades específicas do local. Além da um projeto. Conhecemos a história da “Ove- o mundo das letras de uma outra forma.
creche, esta instituição ainda tem outras lhinha dá-me Lã”, que era em verso e muito Mergulhámos num alguidar cheio de massi-
respostas sociais, nomeadamente lar, centro divertida de ler, livro este que acabámos por nhas de letras e descobrimo-las todas. Eram
de dia e apoio domiciliário. Aqui se juntam, reproduzir, com páginas de várias texturas. deliciosas. “Será que comer massas de letras
com um intuito sociopedagógico, o início e Aprendemos a canção da ovelhinha branca faz-nos falar mais?” “Vamos fazer uma so-
o fim da vida, e esta díade tem servido de e uma das avozinhas do lar ajudou-nos a pa com elas e descobrir!” Entendemos que
base a riquíssimas experiências. explorar alguns conceitos enquanto cons- na creche as palavras são brinquedos e lá
Na Sala das Cores, todos os dias, a Noa trazia truiu um cachecol dentro da sala, que foi estávamos nós a mergulhar também noutra
a sua ovelhinha debaixo do braço e aquele posteriormente usado pelos bebés no es- parte do currículo.

32 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


O conceito de literacia que desponta a partir adultos, que aprendem a aceitar que há mais terizado por uma grande capacidade de criar
dos anos 60 trouxe com ele a necessidade de de um quadro de referência para compreender mundos imaginários. A ficcionalidade das
definir, ou redefinir, o processo de aquisição o mundo (…), isso é particularmente verdadei- obras literárias promove esta atividade criativa.
de competências específicas da escrita. Mary ro para a criança. A sua maneira de pensar é Por isso, começámos logo a fazer perguntas.
Clay (1972), na sua obra Reading: The Patter- animista” (2005, p. 61). À luz destes princípios, Será que alguma das nossas ovelhinhas da sa-
ning of Complex Behavior, refere não só estes Inês Manuel, estagiária do mestrado em Edu- la também fazia muuu? Descobrimos que sim.
conhecimentos mas o papel ativo das crian- cação Pré-Escolar da Universidade do Algarve, Marcámos a consulta pelo telefone da sala e
ças na construção dos mesmos, sendo ela a contou a história da “Ovelha que fazia Muuu” lá fomos à enfermaria ter com a Dra. Mónica,
autora, segundo Viana et al (2014, p. 17), da e ficámos a pensar em muitas coisas. Quan- que nos deu uma receita e muitos materiais
expressão literacia emergente (early literacy). do uma criança se identifica com o texto, ou para podermos tomar conta da nossa ovelhi-
Hoje em dia abraça-se a ideia de que a lite- parte dele, para além do respeito que o mes- nha. É importante frisar que, paralelamente a
ratura para a infância deve usar os mesmos mo ganha, assim como o seu autor, o leitor toda esta investigação, houve a criação da-
recursos que a literatura em geral. Goes (São começa a ter grande facilidade em se colocar quilo que Horta (2016, p. 69) denomina como
Paulo, 1984, pp. 15-16) refere que a “literatura sob os mais variados papéis e perspetivas de “ambiente comunicativamente estimulante”,
infantil é linguagem carregada de significado compreensão do mundo. Experiencia a vida ou até, como sugere, “estar em projeto, dialo-
até ao máximo grau possível e dirigida ou não de forma intrínseca. Se a obra literária é rica, gando com a linguagem escrita” (ibidem, p. 91).
às crianças, mas que responda às exigências permite várias leituras, permite que o leitor se Como na linda aldeia de Paderne há pastores e
que lhes são próprias”. possa posicionar e reposicionar perante os ovelhas, nada como vivenciar esta experiência
Bettelheim reforça esta ideia quando refe- factos e consequentemente perante a socie- ao vivo. Deslocámo-nos ao campo e pudemos
re que “seja qual for a nossa idade, só uma dade, os seus contextos sociais e o mundo. conhecer de perto as “ovmés” (foi assim que
história que seja conforme com os princípios O nosso pensamento funciona como uma lhes chamámos). Depois de grandes corridas
subjacentes ao nosso pensamento tem força narrativa. Ele é construído por uma história, com estes novos amigos peludos, uma das
para nos convencer. Se isso é assim para os a nossa história, e o universo infantil é carac- ovelhas do rebanho teve os seus filhotes e
conseguimos assistir a este momento na pri-
meira fila. Mas bom, bom, foi correr com estes
animais e cuidar deles durante quase toda a
manhã.
Nos dias seguintes fomos ao Centro Educativo
do concelho conhecer o ciclo da lã. Aprende-
mos muito sobre a lã e os materiais que pode-
mos usar para tratar da mesma.
É certo que em cada semana há um evento
novo para comemorar, uma novidade, uma
efeméride! Mas aqueles dias onde realmente
“estamos” são aqueles em que nos dispomos
a vivê-los, sem pressas. São os momentos
em que nós, educadores/facilitadores, nos
encontramos mais despertos para as neces-
sidades da criança e do grupo, para seguir
o “caminho” com aquelas pessoas que nos
fazem sentir grandes Einsteins. Nestes dias
observamos mais, refletimos mais, corrigimo-
-nos mais, compreendemos mais. Recordo-me
de ler Irene Puig (2015, p. 19) quando refere
que “se há um objetivo claro na educação pré-
-escolar, é o de criar hábitos que acabem por

33 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: PRÁTICAS

transformar atitudes e padrões de comporta- que siga os seus focos de interesse. Para nós é evidente esta função da educação.
mento, o que determinará as personalidades Goldschmied (2006, p. 148) refere que “no Escutar e observar a criança deve ser um prin-
dos indivíduos”.4 Esta personalidade para a segundo ano de vida, as crianças sentem um cípio. Há quem refira que o corpo que sente
qual somos inspirados a entender como ca- grande impulso de explorar e descobrir por si não pode ficar parado.
paz contraria a vulnerabilidade que a criança mesmas a maneira como os objetos se com- A título de conclusão, gostaria que estas
ganha perante o imenso poder do adulto. portam no espaço quando são manipulados linhas fossem uma espécie de estímulo, ou
por elas”. até mesmo um convite para que os leitores
Considerações finais A descrição supra citada reflete de forma compreendam a importância de deixar a ex-
Considerando que o brincar heurístico5 po- clara o que foi vivido e sentido nesta comu- ploração com olhos de quem quer ver, com
tencia a experiência criadora da criança, para nidade específica. as mãos de quem quer tocar, com o desejo
além de diminuir os conflitos e despertar pa- As crianças precisam de tempo para viver o de quem quer sentir, cheirar, criar e experi-
ra as múltiplas funcionalidades dos objetos abstrato. Precisam de descodificar aquilo que mentar um mundo cheio de oportunidades
e suas transformações, também concretiza lhes inquieta o pensamento, de fazer trocas, daquilo que, por ora, se apresenta como des-
uma vasta quantidade de processos inves- de experienciar situações modificáveis. conhecido.
tigativos. “Se nesta forma de expressão artística se coloca
O adulto/facilitador fica numa situação privi- muitas vezes a ênfase no fazer, é fundamental “Não deixes nunca de sonhar, porque os
legiada pois, interferindo o mínimo possível, que, para além de experimentar, executar e sonhos tornam o homem livre”.
consegue criar as condições adequadas em criar, as crianças tenham oportunidade de Walt Whitman
torno do momento, potenciando a explora- apreciar e de dialogar sobre aquilo que fazem”
ção. Desta forma está a permitir à criança (Lopes da Silva et al., 2016, p. 49).
Estes diálogos que surgem da apreciação,
4 “Si hay un objetivo claro a lo largo de la escuela infan- da construção, do contacto, que desen- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
til este es el de crear hábitos que se acabarán trans-
volvem a sensibilidade estética da criança, Alberca, Fernando. Todas as Crianças Podem Ser Einstein.
formando en actitudes y pautas de comportamento, Planeta. Lisboa. 2014.
que determinarán la personalidade de los indivíduos” representam meios para desenvolver o seu Clay, Mary. The Patterning off Complex Behavior. Virginia.
(Puig, 2015, p. 19). pensamento crítico. Importa sublinhar a ideia 2009.
5 Definição de Goldschmied que define este brincar Goes, Lúcia Pimentel. Introdução à Literatura Infantil e
como uma proposta para qualificar as oportunidades de que o educador deve potenciar estes con- Juvenil. São Paulo: Pioneira, 1984.
educativas através de uma abordagem por meio da textos e privilegiá-los. Goldschmied, Elinor & Jackson, Sonia. Educação dos 0
exploração. Da exploração à simbolização. aos 3 anos. O Atendimento em Creche. Artmed. 2006.
Gopnik, Alison. El Filósofo entre Pañales. Grupo Planeta.
Madrid. 2010.
Horta, Maria Helena. Linguagem Escrita na Educação de
Infância. Psicosoma. Viseu. 2016.
Katz, Lilian. A Abordagem por Projeto na Educação de
Infância. (Tradução de Tavares, Carla e Vale, Ana Isabel).
Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa. 1997.
Lipman, Matthew, cit. in Kennedy, David. The Philosopher
as Teacher. The Role of a Facilitator in a Community of
Philosophical Inquiry. Oxford, Blackwell Publishing Lda.
2004, pp. 749-754.
Martins, Isabel. Ovelhinha Dá-me lã. Kalandraka. Lisboa.
2010.
Lopes da Silva, Isabel (coord.), Marques, Liliana, Mata,
Lourdes & Rosa, Manuela. Orientações Curriculares para
a Educação pré-Escolar. Lisboa. Editorial do Ministério da
Educação, Direção-Geral da Educação (DGE), 2016.
Pinto, Isabel. A Ovelha que Fazia Muuu. Porto Editora,
Lisboa, 2016.
Puig, Irene. Vamos a Pensar con Niños e Niñas de 2 a 3
Años. Madrid. Octaedro. 2015.
Viana, Fernanda, Ribeiro, Iolanda & Batista, Adriana (coor-
ds.). Ler para Ser. Almedina. Lisboa. 2014.

34 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: ARTIGO

Reflexão sobre experiência pessoal


da supervisão /formação
Maria Teresa Marques Graça. Jardim de Infância de Esporões, Agrupamento de Escolas Alberto Sampaio

Refletir sobre a minha experiência de supervi- na ‘necessidade que obriga’ a pôr de lado o de cidadãos informados, críticos e atuantes.
são, algo que mal acabo de iniciar, afigurou- incessante queixume da falta de condições e Reevoco, se me é lícito, a questão dos sérios
-se-me, num primeiro momento, como um im- a substituí-lo pela procura de estratégias efi- compromissos que o trabalho com crianças
perativo prematuro, ainda que adequadamen- cazes de observação da criança, por exemplo. acarreta, para desenganar quem ousar apla-
te apoiado pela formação em Estratégias de Atitude nada heroica, por sinal, mas própria de nar levianamente a disparidade de poder e
Supervisão. A tarefa de opinar sobre o resulta- quem não pretende a perfeição e apenas re- estatuto existente entre adultos e crianças,
do da minha introspeção enquanto educadora conhece a obrigação de se formar e informar, perigoso disfarce de uma permissividade
cooperante na formação inicial surgiu-me de qual professor intelectual crítico e prático re- anárquica, deitada à sombra do “aqui man-
forma muito turva, pouco delineada, resultado flexivo, deitar mão de tudo o que tiver à dispo- damos todos” que em nada contribui para o
da parca experiência na área e inevitavelmen- sição para prosseguir, descobrindo e fazendo desenvolvimento equilibrado da criança. Se
te evocativa do meu percurso profissional em ‘desabrochar’ cada criança. E descobrir é ir ao algum saber educativo eu detiver, advindo de
educação de infância, matizado de sucessos e encontro. E quantas maravilhas se encontram, qualificações inerentes à prática profissional,
realização pessoal, mas também de obstáculos sobretudo se me disponho honestamente a pois então que verse no desenvolvimento
e perplexidades. implementar estratégias de diferenciação pe- de uma ação consciente e contagie as es-
Povoaram-me então a memória inúmeras dagógica orientadas para o desenvolvimento tagiárias. A ética, por exemplo, deve estar
crianças, únicas, com histórias, sensibilidades, de práticas inclusivas, não porque se fala mui- sempre presente no quotidiano do educa-
interesses e características irrepetíveis, peran- to delas, mas porque o trabalho com crianças dor e constitui um verdadeiro desafio para
te as quais tantas vezes quase sufoquei sob acarreta sérios compromissos. Depois vêm as encontrar formas de quebrar o poder desi-
uma esmagadora responsabilidade, à qual ten- surpresas. “Desta forma, a criança até conse- gual que flagrantemente existe entre ele e a
tava responder com competência ou impotên- gue!” E a alma enche e vai alimentando o tal criança. Aprendi, com o passar dos anos e a
cia (?) ao perceber que muito destas histórias encanto que não esmorece com o passar dos experiência adquirida, que quanto mais me
singulares de vida me iriam escapar por entre anos… É como um ciclo, afinal. Ao longo da empenho em ir ao encontro daquilo que as
os dedos quando, ao longo de 11 anos, traba- vida vou reconstruindo o pensamento e a ação crianças têm para dizer, tentando anular os
lhei com grupos de 29 crianças, sem direito a na medida em que me informo, procuro e me meus ruídos adultos, mais me encontro como
auxiliar. Depois, a pressão aliviou um pouco… descubro, critico e atuo. A competência vem pessoa e me redefino enquanto profissional
Mas os anos passam e, como o encanto não a seguir, por acréscimo, mas não enaltece, de educação. Verdadeiro dilema este, por si-
desaparece, lanço-me confiante, substituin- ao invés, coloca-se ao serviço da construção nal, que me leva a estender o compromisso e
do a angústia pela esperança, até porque a de uma escola que, paulatinamente, se vai a questionar até onde posso ir na minha ação
vontade de fazer sempre melhor se traduz tornando cada vez mais reflexiva e formadora com as estagiárias que comigo percorrem

35 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: ARTIGO

este semestre de trabalho com crianças, no acarreta) não tem resultado em desprimor entrega, cada dia, tantas vezes incompreen-
jardim de infância. Aqui confluem igualmente da minha pessoa, antes recoloca o respeito dida e desperdiçada por quem vê o mundo e
individualidades inevitavelmente diferentes já e a confiança no lugar que lhe é devido. E as crianças com olhos diferentes. E lá vem ele
que estão em causa ritmos, tempos, opor- o deleite de ver a competência partilhada e de novo, até o consigo vislumbrar: o encanto.
tunidades e experiências, também eles, dife- mutuamente reconhecida aparece no brilho O encanto apaga qualquer mágoa ou incom-
rentes. Mas muito embora estejam em pre- dos olhos de quem se implica no processo. preensão do sistema, convida à persistência,
sença competências diferentes, no caso das Depois, consegue-se ver crescer o desejo de inspira, reclama o direito à relação com a
estagiárias, não as poderei considerar, neces- fazer mais e melhor. criança, porém… vem sempre acompanhado
sariamente, na ordem do deficit. Porque o Escusar-me-ei à afirmação forçada e engano- da estranha sensação de estar aquém da res-
potencial já o têm, acredito, só precisam de sa de que me apraz levar a cabo a produção ponsabilidade e de ter sempre, sempre, muito
oportunidade e motivação para o expandi- desta reflexão escrita – três preciosas tardes que aprender, a começar com as crianças, cla-
rem. Não receio admitir já ter visto, espe- subtraídas ao convívio familiar, na quadra ro. Pergunto-me: como poderei eu transferir
lhadas nelas, intervenções desajustadas que natalícia. Soaria a falsa modéstia, pretensão o encanto que me sustém e alenta para as
em tempos eu própria cometi. E por que não inoportuna. É, sim, um esforço, admito-o. educadoras/professoras estagiárias que co-
convocar ora aqui a ética? Não estarão em Contudo, à medida que o texto se enforma migo dividem os dias e que em breve iniciarão
causa poderes desiguais? Como devo atuar dou-me conta de quão significativas foram a sua prática? Passará necessariamente pela
enquanto orientadora cooperante? Que estilo para mim as temáticas da ação, sobretudo relação, acredito.
supervisivo devo assumir? Alternar entre eles as relacionadas com a supervisão da prática No trabalho do jardim de infância a relação é
(não-diretivo; colaborativo; diretivo), confor- profissional, a observação e a investigação- inevitável. Convivemos, crianças e adultos, indi-
me o feedback das estagiárias? Dou por mim -ação na formação de professores e, claro, vidualidades e características tão próprias mas,
a conjeturar… A liderança é-me conferida e as relacionadas com a supervisão e didática estando juntas, a relação acontece. Esta rela-
dela não me livro. Mas a oportunidade de específica à educação pré-escolar. Pese em- ção poderá assumir uma pluralidade de formas:
correr riscos e experimentar é um direito de bora a minha franqueza, devo admitir que a autoritária, adversativa, transmissiva, passiva,
quem aprende – as estagiárias – ou, de que revisão das mesmas me impulsionou a mer- etc., ou pode assumir uma forma de poder par-
outro modo poderão elas refletir sobre as in- gulhar na reflexão do meu dever ser profis- tilhado e de participação onde se promove o
tervenções desajustadas e evoluir? Assumir- sional e revisitar os porquês do meu percurso respeito e a singularidade de cada um.
-me como humana (com todas as limitações de educadora, a razão do meu persistir apesar Estarei eu a caminhar na direção certa? Aque-
e ‘deslizes’ no trabalho pedagógico que isso de tanta adversidade, os para quê? da minha la para a qual tende o campo da supervisão
que, segundo Alarcão e Roldão (2008, 15)
ganhou uma dimensão colaborativa, autorre-
flexiva e autoformativa, à medida que os pro-
fessores começaram a adquirir confiança na
relevância do seu conhecimento profissional
e na capacidade de fazerem ouvir a sua voz
como investigadores da sua própria prática e
construtores do saber específico inerente à
sua função social? Bom, as solitárias tardes
natalícias parecem começar a ganhar pontos.
Vou-me tornando numa profissional mais co-
laborativa, autorreflexiva e autoformativa se
me disponho (mas não só) a frequentar ações
deste cariz? Admito então ter encontrado
outros ‘ingredientes’ que, aliados ao encanto
pelas crianças e pela profissão, me suscitam
autoconfiança e diluem a sensação de estar
sempre aquém do meu dever ser profissio-

36 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


nal. Afinal, invisto naquilo que sei fazer, mas me oriento e tento aplicar coerentemente. informalmente nesta dinâmica – sem querer
com tento e medida, não vá a investigação da Nesta conformidade, como poderia alvitrar suprimir os tempos específicos existentes para
minha própria prática ver-se ameaçada por outra conceção que não a do relacionamento tal – as várias fases da observação na super-
uma educadora cheia de si mesma. E há que colegial com as estagiárias, do mútuo reco- visão (pré- observação – observação – pós-
evitar o ensimesmamento em demasia, mas nhecimento de competências que se desejam -observação).
impulsionar o entusiasmo, pois quando este partilhar, da criação de oportunidades às esta- À medida que o período de estágio foi amadu-
acontece, tende a estender-se e a alimentar- giárias para correrem riscos e experimentarem, recendo, pretendi gradualmente avançar para
-se das situações ricas e positivas – como nas para definir a minha conceção de supervisão e um estilo de liderança delegating, procurando
sessões de supervisão e didática específica – e de educadora cooperante na formação inicial? encorajar e dar confiança e predisposição para
a servir-se delas como se de um barómetro de Revejo- me nas palavras de Waite (1995:87), aprender e fazer cada vez melhor, o que, aliás,
desempenho se tratasse. É que assim até os quando refere que talvez possamos agora é algo que se assemelha com o ciclo evolutivo
fantasmas do estar aquém e da insegurança escrever acerca de uma ‘superVisão’, numa de um grupo de crianças em desenvolvimento.
se amedrontam e (quase) desaparecem. Ali se tentativa de expressar o potencial visionário Esta ação constituiu um inegável suporte ao
escancararam mentes e corações numa dialé- das relações colegiais entre o professor e um meu desempenho enquanto educadora de
tica deslumbrante onde nada era de ninguém elemento externo, do qual ambos podem be- infância e, neste caso, educadora cooperante.
e tudo era de todas – seis educadoras com as neficiar se ambos adotarem uma postura edu- Por vezes, mesmo se não entendemos o por-
professoras formadoras – e se aprendeu com cativa/indagatória. Na verdade, não concebo quê, ficámos com a sensação de que determi-
os exemplos e se deu exemplo, se soltaram melhor forma de partilhar a minha experiência nada oportunidade ou situação surge na nossa
exclamações de admiração e entusiasmo, se com as estagiárias do que assentar na mesma vida em tempo oportuno. É como se viesse
redescobriu o muito que temos para dar e para transparência que procuro empreender com as em resposta a uma necessidade reclamada por
aprender. Abriu-se espaço ao saber e à parti- crianças. Pela mesma razão que a educação de nós, de modo mais ou menos consciente. E
lha. Tudo se tornou entendível e possível, nem infância deve ser transformadora e autêntica quando acontece sentimo-nos invadidos por
que fosse o aperto no peito ao perceber que e não detentora de dois pesos e duas medi- uma estranha sensação de prazer, de termos
“ali podia ter feito muito melhor”… Não seria das – assim eu a considero – deverão estas sido recompensados com algo que nos preen-
nada má ideia se estas sessões específicas, em mesmas características constituir condição si- che e nos completa. Sinceramente, senti-o ao
supervisão e didática, se pudessem repetir ci- ne qua non também da supervisão de adultos longo desta ação, sobretudo das sessões de
clicamente já que a estrutura e a conceção de e então o encanto persistirá, qual melodia em supervisão e didática específica, por me sentir
estágio não são sempre iguais nem imunes à dois andamentos: com as crianças e com as como ‘peixe na água’.
evolução e o barómetro do desempenho dos estagiárias. E a oportunidade aconteceu e incrementou a
educadores cooperantes não pode nem deve Construção articulada do saber, do currículo, minha predisposição autorreflexiva, autofor-
deixar de funcionar. da rotina… Na sala de atividades tudo é dinâ- mativa e colaborativa, mas ainda a respon-
Interessante a forma como assomam, ao mico, relacional, transversal, partilhado. E lá es- sabilidade de passar o legado desta missão
longo destas linhas, certos traços que, emba- tamos, eu e as estagiárias, lado a lado, a anali- grandiosa que é educar. Para além do caráter
lados nas reflexões e nas emoções, me vão sar o que vai acontecendo. Que oportunidades formador, dos estilos supervisivos, exteriori-
atribuindo determinadas características e defi- educativas podemos potenciar na criança? Que zados por discursos de atributos vários, esta
nindo enquanto profissional, ao mesmo tempo qualidade pedagógica têm as intervenções, as ação espoletou ainda em mim uma nova cons-
que se entretecem com as novas emoções e estratégias utilizadas, as decisões? Afortu- ciência que ousa convocar algo que não se en-
reflexões advindas mal enverguei esta nova nadamente, os momentos de observação da contra nos currículos universitários porque se
veste e me descubro educadora cooperante, prática pedagógica no jardim de infância não encerra no coração, dia a dia, no tu a tu com
na formação inicial. Convoco imediatamen- têm de ser necessariamente isolados como o(a) estagiário(a) que inicia a sua prática e
te os meus ‘ingredientes’ da autoconfiança acontece nos outros níveis de ensino e a nossa que escreve, gravado bem fundo, algo que os
imprescindíveis para não vacilar em demasia. ação conjunta com as crianças pode ser mais olhos não sabem ler: garantir a continuidade
Qual o meu papel? O que é esperado de mim facilmente acompanhada pela tal relação de da persistência do encanto!
enquanto educadora cooperante? ‘reciprocidade orgânica’ que implica respeito e
De facto, a narrativa da minha reflexão des- confiança, partilha de objetivos, experiência e
vela alguns dos princípios segundo os quais liderança, pelo que, por vezes, se entrecruzam

37 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: ÀDESCOBERTA

Bolas de sabão
Rosário Leote de Carvalho . Licenciada em Química

Fazer bolas de sabão é uma atividade de que cula concentrar-se nas partes mais baixas. Esta Glicerina (2 medidas)
todos gostamos, independentemente da ida- fragilidade faz que rebentem quando encontram Água (destilada se necessário) (40 medidas)
de. Normalmente adquirimos a mistura já feita uma superfície. Copo de medidas
e apenas temos de fazer as bolas de sabão. Outro fenómeno interessante que ocorre nas Recipiente para realizar a mistura
Quando acaba a mistura comprada, raramente bolas de sabão é a formação de faixas coloridas, Argolas e dispositivos para fazer as bolas de
conseguimos produzir uma com efeitos seme- devidas a fenómenos de interferência construti- sabão
lhantes. va e destrutiva da luz refletida.
De facto, a química das bolas de sabão é bas- A variedade de receitas que existem reflete a di- Procedimento
tante complexa. Uma bola de sabão pode ser ficuldade de controlar todos os fatores associa- Foram referidas acima as quantidades em ter-
definida como uma bolha de uma fina película, dos à formação de bolas de sabão. Salientam-se mos de medidas, pois as quantidades dependem
composta por moléculas de água e de sabão a qualidade da água (pode ser substituída por da quantidade final desejada. Apresenta-se de
(ou detergente), circundada por um gás (nor- água destilada); o tipo/marca de detergente/ seguida um exemplo para 2000 g de mistura
malmente o ar). sabão; condições atmosféricas (o vento é um final. Esta “receita” é adequada para realizar
A água possui uma elevada tensão superficial, o inimigo para a formação de bolas de sabão); o grandes bolas de sabão.
que tem como consequência a elasticidade da tipo de dispositivo usado para fazer as bolas e,
superfície livre da água líquida, a esfericidade claro, a habilidade do operador. Mostrar o sabão líquido
das gotas de água, o rápido colapso das bo- Deve notar-se que, apesar das inúmeras “recei- Questione as crianças sobre as propriedades
lhas de água, formando gotas, na ausência de tas” disponíveis, não existe a receita certa para deste (cor, estado físico, utilização, etc.)
um agente tensioativo. Assim, para se forma- nenhuma atividade experimental. Todas devem
rem as desejadas bolas de sabão é necessário ser adaptadas às condições físicas e humanas Mostrar a glicerina
adicionar detergente, pois este possui agentes disponíveis. Cabe ao educador escolher o mo- Questione as crianças sobre as propriedades
tensioativos que são compostos por uma parte mento adequado para a realização da atividade, desta (cor, estado físico, etc.)
hidrófila e uma parte hidrófoba. Dada a natu- assim como os materiais a utilizar, não esque-
reza destas duas partes e do seu contacto com cendo que normalmente temos todo o equipa- Medir 5 medidas de sabão líquido e colocar
a água, na formação de uma bola de sabão as mento essencial ao nosso dispor, só que por no recipiente
partes hidrófobas do agente tensioativo procu- vezes temos de o adaptar às necessidades. No Discuta qual é o material adequado para estas
ram afastar-se da água e as partes hidrófilas são entanto, estas atividades devem ser planeadas medidas e que este depende da quantidade de-
atraídas para esta. Assim, a fina película de uma e testadas antes de serem realizadas em sala de sejada.
bola de sabão é constituída por duas camadas aula. E tão importante como a própria experiên- • Medir 2 medidas de glicerina e colocar
de agente tensioativo no meio das quais existe cia são as questões orientadoras, que permitem no recipiente
água. No início esta película tem uma espessura guiar as crianças no decorrer da atividade. • Medir 40 medidas de água e colocar no
considerável, mas esta espessura diminui rapi- recipiente
damente, quer por evaporação, quer por efeito Materiais necessários • Misturar o sabão, a glicerina e a água
da gravidade, que faz a água do interior da pelí- Sabão líquido (5 medidas) • Fazer as bolas de sabão

Não termine aqui a atividade. Os alunos devem


fazer o registo das suas observações da forma
que achar mais conveniente (desenhos, textos,
oralmente, etc.). Promova a discussão sobre es-
tes resultados ao longo do ano. Esta pequena
experiência pode dar origem a muitas outras.

BIBLIOGRAFIA
Mário Nuno Berberan e Santos, Clementina Teixeira, Bolas de
Sabão: preparação, estrutura e propriedades, Química, Bole-
tim da Sociedade Portuguesa de Química, 94, 31-36 (2004).

38 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: CONVERGÊNCIAS

Os desafios da pedagogia e o amor


Sofia Esteves . Psicóloga, mãe e formadora

Todos os dias, pais e educadores são confron- seres únicos e especiais, que não podem nem preceitos, pois são os únicos realmente eficazes
tados com inúmeros desafios educacionais. devem, ser formatados por conceitos, teorias e e pertinentes em pedagogia.
O que anteriormente parecia “fácil”, num mode- modelos diversos. Uma criança é um universo Deixemos de lado os conceitos abstratos e as
lo tradicional onde o pai ordenava e o filho obe- multifacetado, que se vai alterando continua- experiências dos outros.
decia, hoje tornou-se um desafio de proporções mente. O que hoje funciona, amanhã pode já Recusemo-nos a aceitar de forma passiva e
hercúleas, onde pais e educadores veem-se a não funcionar. absorvente as pseudo-fórmulas educacionais.
braços com uma quantidade gigantesca de Mas garanto-vos que há algo que nunca falha A vida, tal como as relações humanas, não se
informação e contrainformação sobre teorias/ (ou que nunca deve falhar) que é o amor. resolve através de equações matemáticas.
modelos pedagógicos, comportamentais e afe- O amor é o sentimento mais perfeito que exis- Há que viver a vida tal e qual ela nos é apresen-
tivos, veiculados por inúmeros meios de comu- te, porque é naturalmente imperfeito. Porque tada, de braços abertos e, se sentirmos dor, an-
nicação, que os levam, muitas vezes, a ter mais cresce à medida que o tempo passa, amadurece gústia ou algum tipo de receio, lembremo-nos
dúvidas do que certezas. Para já não falar do com os desafios que a vida nos impõe e fortale- que o que importa é o amor que sentimos por
“bicho papão” chamado trauma. ce-se com os laços que se criam com verdade, aquele ser tão especial, que surgiu nas nossas
Onde devia imperar o amor, impera o medo, empatia, aceitação e compromisso. vidas para nos melhorar enquanto pessoas.
a raiva e a frustração. Um sentimento de im- Sermos verdadeiros, aceitarmos as limitações A parentalidade, tal como a vida ou a felicidade,
potência, perante uma perfeição inalcançável, e as diferenças, desenvolvermos a empatia e é um caminho que se percorre em conjunto,
vivida em permanente angústia e sofrimento. comprometermo-nos connosco próprios e com com todas as falhas, limitações, conquistas e
É de suma importância relembrar que a fun- o outro é meio caminho andado para criar seres fracassos. É isso que a torna tão única e es-
ção da informação é de esclarecer, mas esta humanos genuínos, seguros e felizes. pecial!
“sangria” na busca da mesma deixa-nos pou- Para vivermos a parentalidade de uma forma
co tempo para reflexão e observação do que mais saudável e menos traumatizante, para nós
realmente importa: as nossas crianças. São e para as nossas crianças, devemos seguir estes

39 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: CONTOS PARAACORDAR

Primos à solta
Helena Faria . Contadora de histórias

Em casa da Tia Carolina e do Tio Afonso tu- nosso verdadeiro banquete, pendurados nos Medo ficava para lá do muro que confinava
do era fino e chique e havia portas fechadas ramos onde nêsperas e cerejas nos maquilha- com a estrada (essa estrada de saída da aldeia
nos dia em que a família se reunia e os primos vam as caras, as mãos e as roupas. Aí era a e que me fez perguntar pela vida fora: “onde é
pequenos se encontravam. Era uma espécie verdadeira aventura porque, gente da cidade o fim da estrada?”). Ficava para lá da estrada.
de medicina preventiva para que a nossa ocu- que éramos, podíamos conhecer a Natureza Na floresta do outro lado. No meio da flores-
pação selvagem não atormentasse os cristais, pelos nossos próprios pés. Aí rebolávamos no ta. Numa clareira no meio das árvores velhas.
as pratas e as porcelanas. Sim, eu pertencia chão, tomávamos banho no tanque de rega, Num casebre sujo e em ruínas que nunca víra-
ao grupo dos primos pequenos. Eram primos fazíamos lutas de índios atirando a fruta podre mos mas que imaginávamos e ansiávamos. O
afastados, filhos dos primos da mãe, que vi- do chão uns aos outros, claro que só depois Grande Medo era a casa da bruxa. O Grande
viam em Lisboa e no Porto e que a Tia Carolina de construirmos paliçadas com canas para nos Medo era a Bruxa. Aquela de quem diziam
e o Tio Afonso reuniam no dia do seu aniver- protegermos. Aí deixávamos que o ranho cor- que tinha mais de duzentos e quarenta e três
sário de casamento. resse livremente até à ponta dos lábios antes anos! Aquela que diziam que não tinha cabelo,
Durante esses almoços, os primos pequenos de o limpar na manga do casaquinho de ve- mas uma farripas de pelo em pasta por entre
só permaneciam na mesa o tempo suficiente ludo, esfolávamos os joelhos e esquecíamos as crostas da cabeça! Aquela que tinha esca-
para emborcar duas colheres de sopa, umas as lágrimas da dor dos arranhões. Caíamos e mas na pele dos braços e das pernas e que se
garfadas de arroz (à valenciana) e uma enor- voltávamos a levantar. Era assim durante uma vestia com os restos de um saco de batatas!
me fatia de bolo. Depois, saíamos da grande tarde inteira uma vez por ano. Aquela que só tinha dois dentes e que quando
sala de jantar, corríamos corredor fora, atra- Não foram raras as vezes em que voltámos abria a boca deitava um cheiro que era capaz
vessávamos a fronteira do portão (à socapa), para casa em corrida desenfreada, a gritar de de matar um touro! Aquela que comia olhos
atravessávamos a estrada (proibida) e adentrá- susto, por nos depararmos com alguma vaca de sapo e fazia unguentos e punha o mau
vamo-nos pelos campos de erva alta, alheios ou alguma cabra a pastar. olhado às pessoas que apareciam doentes
às carraças e às cobras que aí habitavam. Mas o Grande Medo não era ali, a uma escas- de repente! Aquela que nos comeria (se nos
Então trepávamos às árvores e comíamos o sas centenas de metros da aldeia. O Grande apanhasse!). Aquela!

40 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


As pessoas, na aldeia e na cozinha da casa dos
tios, falavam, diziam, mexericavam, deixavam
conversas a meio quando entrava alguém…
Um celebre domingo de nuvens, conversa, pu-
xa conversa, cada um a dizer que era capaz de
enfrentar o Grande Medo, cada um a dizer o
que lhe faria se a encontrasse cara a cara, cada
um a provocar cada vez mais os outros, cada
um a sentir-se cada vez mais forte, e os passos
a encaminharem-nos… até ao muro!
Olhámos para o outro lado.
Nada. Tudo parecia normal.
O muro era fácil de saltar.
Uma perna, outra, e o grupo dos primos pe-
quenos entrou na floresta. O ar parado, pesa-
do, abafado. Só se ouviam as cigarras.
A conversa mudou de tom. Agora já ninguém
falava alto. Só sussurros. Os passos tornaram-
-se mais lentos e cuidadosos. Os olhos vigilan-
tes. Todos sabíamos que a coragem não tinha
saltado o muro, mas ninguém dava parte de
fraco. Ninguém voltava para trás. – Ó garotos estúpidos! Eu bem vos ouvi! resta! Levava-nos de volta para a aldeia pelo
A certa altura, o Paulito começou a torcer as Andar por aqui com esta trovoada! E debai- caminho da estrada e devolveu-nos a casa e
pernas e, de repente, abriu a braguilha e fez xo de uma árvore! Ainda ficam esturricados! à família.
xixi! Desatámos todos a fazer pouco dele, a Tolos! Tolos! Tolos! É isto que vos ensinam lá Entrámos pela porta da cozinha. A velha fa-
atirar-lhe ervas e a correr atrás dele. Rapida- na cidade? Gente sem sabedoria! Ai! Atão vá! lou com alguém e desapareceu. Nunca mais
mente a correria transformou-se em gritaria e Venham! Eu levo-vos. a vimos.
começámos a pregar sustos uns aos outros, Devagar e a medo, fomos levantando a cabeça Muitos anos mais tarde voltámos a ter um
escondendo-nos atrás dos troncos das árvo- na direção da nossa interlocutora. Era velha. encontro de primos e relembrámos aconteci-
res. A alegria e a brincadeira tinham voltado e Muito velha, mas só deveria ter pr’aí, uns cen- mentos da nossa infância.
os medos foram esquecidos. As gargalhadas to e dezanove anos. Vestia uma saia cinzenta, A certa altura a Maria Manuel lembrou-se do
enchiam o espaço para lá das suas fronteiras um casaco de malha cinzento e, por cima, um Grande Medo:
invisíveis. Tínhamos conquistado um novo rei- xaile quase preto. Na cabeça tinha um lenço – Alguém chegou a saber quem era aquela
no! Até parecia que a brincadeira ali era mais preto atado sob o queixo, onde tinha algumas velha que nos levou para casa?
intensa! verrugas cheias de pelos grossos. Mas não se A Isabelita ouvira dizer que era uma velha
Mas um enorme ribombar de um trovão se- parecia nada com o Grande Medo! ama de leite de várias crianças da aldeia.
guido de um aguaceiro tremendo cortou a Abriu um enorme guarda-chuva preto e es- De repente, o João Miguel lembrou-se:
brincadeira e abrigámo-nos debaixo de um perou que nos aproximássemos. Obedecemos – E o perigo que nós corremos quando nos
velho carvalho. Agora tremíamos e apareciam em silêncio. Abriu uma caixa de lata e deu um abrigámos da trovoada por baixo do carvalho!
algumas lágrimas. A tempestade, sobre nós, biscoito a cada um. Ainda desconfiados, acei- – Pois foi, meu! – concluiu o Zé Carlos.
era verdadeiramente assustadora! Aninhados támos porque a fome apertava e todos masti- E naquele encontro já de adultos, ficámos
uns nos outros, fomos surpreendidos por… gámos até à última migalha. a conversar sobre a relatividade do medo: a
– O que é que andam aqui a fazer? Por entre as pingas parecíamos uns gatos pin- importância de o ultrapassar e a importância
Gritámos em uníssono um guincho de medo! gados. A velha apertava os mais pequenitos da sua existência face ao perigo.
Era Ela aquela voz roufenha! A bruxa! Estava junto à sua saia. Tínhamos sido apanhados.
atrás de nós! Mas ela seguia na direção da saída da flo-

41 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: NASBANCAS:EDUCAÇÂO
Brincar e Aprender na Infância Porto Editora, janeiro de 2018
Carolyn Webster-Stratton Como Promover as Competências Sociais e Emocionais das Crianças, Psiquilibrios, 2017
Aurízia Anica e Sofia Freire Raposo (Coords.) Crianças em risco Soroptimist Internacional Clube de Tavira/Universidade do Algarve, 2017

O mais im- Este livro procura construir um olhar mul-


portante na tidimensional da "criança em risco", articu-
infância são lando a perspectiva diacrónica, que indaga
três sabe- a relação entre o processo de (re)estru-
res: a ser, turação deste conceito e o processo de
a estar e a transformação socioeconómica e cultural
fazer. Para na época contemporânea, com a perspetiva
que esta sincrónica, em que se privilegiam as abor-
aprendi- dagens psicológica, jurídica e educacional
zagem se do fenómeno, da sua prevenção e reme-
concreti- diação.
ze, não Procuram-se respostas para as seguintes
há ou- questões: qual o significado do conceito de
tra for- "criança em risco"? Quais os fatores de ris-
ma de co e as consequências prováveis de se viver
a criança uma infância em risco? Que intervenções
aprender a não ser através do brincar, que devem ser promovidas para reduzir os fa-
se revela uma atividade natural (e necessá- Este livro surge no contexto dos progra- tores de risco nas crianças? Como as trans-
ria) na infância. mas da série Anos Incríveis e em con- formações sociais, económicas e culturais
A brincadeira permite à criança a descoberta tinuidade ao livro publicado pela Psi- implicaram a reformulação do conceito de
do mundo a que pertence e que a rodeia, quilibrios, Os Anos Incríveis – Guia de criança em risco na época contemporânea?
onde, a sós ou com outros, vai tecendo a Resolução de Problemas para Pais de Que tratamento dá o ordenamento jurídi-
sua forma de se relacionar e de construir ci- Crianças dos 2 aos 8 Anos de Idade.  co português à criança em perigo e a um
dadania. Ao brincar, a criança aprende a ser, É dirigido aos profissionais que trabalham dos fatores de risco mais prementes no
a estar com os outros, a fazer e a aprender. com crianças (educadores de infância e quotidiano, a violência doméstica? Como se
Brincar exige, por isso, tempo, mediadores professores, mas também a todos os pro- caracteriza o modelo português de prote-
físicos e humanos e espaços para que a fissionais implicados na educação e de- ção de crianças e jovens em perigo e como
criança possa fruir de um tempo e espaço senvolvimento das crianças, quer em con- foi implementado no caso concreto de um
seus, em que brinque livremente e assim texto escolar, quer em outros contextos concelho do Sul de Portugal? Que desafios
construa sólidas estruturas de aprendizagem educativos, como psicólogos, educadores se colocam ao psicólogo clínico no exercí-
multidimensional. sociais, elementos das equipas de coor- cio da sua
Neste livro coleta-se um conjunto de textos denação dos apoios educativos (ECAE) activida-
de educadores, professores e investigadores e da intervenção precoce ou outros).  de pro-
que, com base em projetos de investigação Estes profissionais contribuem forte- fissional
em que sempre é reconhecida a voz das mente, conjuntamente com as famí- quando
crianças, refletem sobre a articulação entre lias, para que as crianças desenvolvam acompa-
o brincar e o aprender na infância. as designadas soft skills, essenciais para nha uma
Porque é necessário reafirmar o brincar e a que no futuro sejam capazes de cola- criança
infância e porque se trata de algo muito sé- borar, comunicar e resolver problemas. em pe-
rio quando falamos de brincar na infância, Os pais poderão também beneficiar com a rigo?
este livro constitui-se como de leitura (qua- leitura deste livro, que propõe o aumento
se) obrigatória para todos/as que trabalham de práticas educativas positivas estimulado-
com crianças. Apenas para que não nos es- ras do desenvolvimento das competências
queçamos da importância destes aspetos. sociais e emocionais, da resolução de pro-
blemas e do sucesso académico.

42 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


António Damásio A Estranha Ordem das Coisas, Temas e Debates, 2017 
Joana Rato e Alexandre Castro Caldas Quando o Cérebro do Seu Filho Vai à Escola. Boas práticas para melhorar a aprendizagem,
Verso de Kapa 2017
Daniel Sampaio Do Telemóvel para o Mundo, Editorial Caminho 2018

O que le- Os mais recentes desenvolvimentos no


vou os se- conhecimento do cérebro e o crescente
res huma- interesse na sua aplicação para a área da
nos a criar educação levam à necessidade de clarificar
culturas, e distinguir factos científicos de extrapola-
esse con- ções precipitadas. O ritmo a que a ciência
junto im- avança parece lento quando comparado
pressio- com as expectativas associadas às questões
nante de do ensino e da melhoria dos processos de
práticas aprendizagem.
e instru- Um livro útil, atual e necessário que, além
mentos dos adjetivos enunciados, se torna muito
onde importante para todos aqueles que, (profis-
se in- sionais ou não) na área da educação, se in-
cluem a teressam pelo desenvolvimento do cérebro
arte, os da criança. Este novo livro de Daniel Sampaio, numa
sistemas Um excelente contributo na área das neu- linguagem coloquial mas rigorosa, abor-
morais e a justiça, a governação, a economia rociências, que apresenta uma linguagem da a mais atual problemática com que
política, a tecnologia e a ciência? científica e técnica, mas acessível aos diver- se confrontam os adolescentes, pais e
A resposta habitual a esta pergunta remete sos tipos de público. É enriquecido pelo fac- educadores de hoje: a relação dos jo-
para a excecional inteligência humana, auxi- to de ser suportado, além do conhecimento vens com a internet e as redes sociais.
liada por uma faculdade ímpar: a linguagem. técnico-científico dos seus autores, em inú- Partindo duma contextualização socioló-
Em A Estranha Ordem das Coisas, António meros estudos atuais, nacionais e interna- gica da sociedade actual e da relação dos
Damásio proporciona uma resposta diferen- cionais sobre a temática. jovens com as redes sociais e a internet,
te. Ele afirma que os sentimentos — de dor, bem como as mais diversas áreas do co-
sofrimento ou prazer antecipado — foram as nhecimento que proporcionam, aborda tam-
forças motrizes primordiais do empreendi- bém as mais perniciosas questões com que
mento cultural, os mecanismos que impulsio- sistematicamente nos confrontamos no
naram o intelecto humano na direção da cul- relacionamento com as novas tecnologias.
tura. Além disso, propõe que os sentimentos Sem colocar em causa o benefício no acesso
monitorizaram o sucesso ou o fracasso das ao conhecimento que esta tecnologia propor-
nossas invenções culturais e permanecem, ciona, revela também os problemas que a sua
ainda hoje, envolvidos nas operações subja- má utilização pode provocar nos jovens de
centes ao processo cultural, para o melhor e hoje, nomeadamente a vulgarização da sua in-
para o pior. timidade, através das redes sociais: Instagram,
A interação favorável e desfavorável de sen- Facebook, WhatsApp, Snapchat, You Tube.
timento e razão deve ser reconhecida se qui- No fim de cada capítulo inclui uma sec-
sermos compreender os conflitos e as con- ção Para pensar e Perguntas e Respostas, em
tradições que afligem a condição humana, que esquematiza como um manual de con-
desde os dramas humanos pessoais até às sulta as questões de maior importância.
crises políticas. Aborda ainda a relação dos adolescentes e
Um livro científico, mas escrito de forma dos educadores com a sexualidade, as drogas
acessível e compreensível para todos os que e o álcool, relatando em cada deles casos clí-
se interessam pela génese da humanidade. nicos específicos.

43 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


: NASBANCAS:INFANTIL
Paula Marinho; Ilustração: Maria José Silva Niko Panduru e a Missão Especial Edições Vieira da Silva, 2018
Cally Stronk e Constanze Von Kitzing Nunu Brinca Kalandraka Editora Portugal Lda, 2018
O Eco da nossa escola Recortar Palavras, 2018

Nunu brinca é um dos títulos de uma série


de livros cartonados e canteados para pré- Tendo como temática a ecologia e a susten-
-leitores e primeiros leitores, protagonizada tabilidade, Alice Cardoso criou catorze tex-
por um pequeno elefante e da qual faz par- tos poéticos que foram ilustrados por Ana-
te “Nunu passeia”. A importância do brincar bela Pedrosa para a realização deste projeto:
individual e coletivo para o desenvolvimento - A nossa horta premiada.
Baseado numa história verídica e escrito das capacidades motoras, mas também o - Alcino, um espantalho muito fino.
pela mãe de um menino que, durante a sua conhecimento do meio envolvente e a so- - Avião! Avião! Avião!
frequência no jardim de infância, se revelou cialização, marcam este volume, visualmente - Brincar ao ar livre.
cheio de entusiasmo, ternura, entusiasmo e marcado pela escolha de letras maiúsculas - O saquinho branco da Liliana.
amor, além de um grande altruísmo ao querer para os textos, escritos em rima, tão breves - Luzinha Pardaloca.
ajudar outra criança que não tinha brinque- e simples, assinados por Cally Stronk, onde - Não se esqueçam de mim!
dos. o ritmo e a musicalidade estão presentes, e - O eco da nossa escola.
Através do personagem deste livro, somos pelas ilustrações de contornos bem definidos - Papelão, Embalão, Vidrão e Pilhão.
levados a reflectir em valores tão nobres de Constanze V. Kitzing. - Reginaldo, o duende amigo do ambiente.
como a solidariedade, a esperança e o so- - Segunda chance.
nho, demonstrando que de uma forma muito - Seiva de amor.
simples podemos sempre ajudar alguém que - Um dia serei flor!
necessita. - Uma ideia luminosa.
O livro inclui de oferta um CD com a canção
“O eco da nossa escola”, cantada por alunos
do pré-escolar ao 4º ano do ensino básico.
Compositor: Rui Gonçalves
Gravação e edição áudio: Cemeia — Escola
Superior de Educação de Coimbra

44 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


Cloé Perarnau A Orquestra.Uma volta ao mundo à procura dos músicos edição da Planeta Tangerina 2018
Benji Davies O Regresso da Baleia Orfeu Negro, fevereiro 2018
António José Forte; Ilustração: Mariana Malhão Uma Rosa na Tromba de um Elefante Orfeu Negro 2018

Depois do êxito de A Baleia, Benji Davies


traz-nos mais uma história sobre amor, ter-
nura e coragem. Depois de Noé e o seu pai
terem devolvido a baleia ao seu habitat natu-
Um grande concerto está marcado para ral – o mar – muitas vezes Noé se lembra-se
daqui a uma semana, mas os membros da da sua amiga e procura-a sem sucesso. Será
orquestra desapareceram. Todos! E de re- que no decorrer de uma inesperada aventura Publicado originalmente em 1971, este texto
pente! Para onde terão ido? O maestro vai no mar, numa noite de frio e de gelo, a sua fez já as delícias de muitas crianças, tendo
recebendo alguns postais com dicas impor- amiga baleia irá aparecer? agora sido recuperado, com novas ilustra-
tantes e, na companhia do seu fiel assis- Benji Davies é o autor do texto e das ilustra- ções, para os leitores do nosso tempo. Ao
tente, decide partir em busca dos músicos ções deste álbum ilustrado, que em Portugal génio poético do escritor surrealista António
desaparecidos. foi traduzido por Rui Lopes e editado pela José Forte, juntam-se as bem-humoradas e
A questão é que eles estão espalhados por Orfeu Negro (fevereiro 2018). coloridas ilustrações de Mariana Malhão, num
vários países e cidades do mundo, em luga- diálogo vivo e inspirado entre texto e imagem. 
res apinhados de gente: os violinistas foram
para Tóquio, a tocadora de harpa está no Poeta da alegria de viver e do humor surreal,
Porto, os trompetistas no Rio de Janeiro, os António José Forte dedicou este livro à sua
flautistas em Abidjan… filha Gisela.
Um livro de grande formato – tipo “descobre
onde está” – que nos leva a viajar e a apren-
der mais sobre as grandes cidades do mundo
e os instrumentos musicais, em que Chloé
Perarnau faz uma analogia entre o som do
instrumento e o local em que estes se en-
contram pela mão dos seus músicos.

45 Cadernos de Educação de Infância n.º 113 Jan/Abril 2018


Na janela da sua casa, o caracol aguarda por algo
enquanto vão passando vários amigos.
Admirados perguntam-lhe o que está a fazer.
Em solidadriedade todos eles ficam à espera.
À espera do quê?
Esta é uma história com suspense
escrita por Rosa Montez e ilustrada
por Sofia Ambrósio.

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PROTOCOLO APEI
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VALORIZE A SUA SAÚDE


COM MAIS BENEFÍCIOS AO SEU SERVIÇO
Com o objectivo de lhe assegurar a possibilidade de acrescentar valor ao seu serviço de saúde, a Açoreana
Seguros cria a oportunidade de complementar o subsistema do qual é actual beneficiário.
O Açoreana IMED – Complemento Subsistemas permite-lhe ter comparticipação plena das suas despesas de saúde
e ainda beneficiar do acesso a uma rede de prestadores mais vasta e mais vantajosa nos custos médicos. A oferta
é flexível e a escolha de prestadores e comparticipações é livre. Além destas vantagens, também tem a liberdade
de incluir o seu agregado familiar nos benefícios deste serviço.
Se a saúde é hoje um direito, deve ter a liberdade de escolher tudo a quem tem direito.

OPÇÕES
REEMBOLSO COMPARTICIPAÇÕES REEMBOLSO

HOSPITALIZAÇÃO REDE/FORA
90% REDE
Reembolso das despesas pré-comparticipadas PARTO 90%
pelo subsistema ASSIST. MÉD. AMBULATÓRIA 90%
Dois planos à escolha com capitais reforçados ESTOMATOLOGIA 80%
PRÓTESES E ORTÓTESES 80%
ASSISTÊNCIA ÀS PESSOAS NA
REDE BEM-ESTAR NA

REEMBOLSO E REDE ADVANCECARE * COMPARTICIPAÇÕES REEMBOLSO REDE/FORA REDE

HOSPITALIZAÇÃO COMPARTICIPAÇÃO
90% 90% / 50%
REDE/FORA REDE
Conjugação de reembolso e rede. PARTO REEMBOLSO 90% / 50%
90% - COMPLEMENTO
Dois planos à escolha com capitais reforçados. DOENÇAS CRÓNICAS GRAVES 90% 90% / 50%
Acesso a preços convencionados. ASSIST. MÉD. AMBULATÓRIA 90% 85% / 50%
Acesso à rede bem-estar (acupuntura, estética, ESTOMATOLOGIA 80% 60% / 50%
homeopatia, osteopatia, nutrição, health club, spa, PRÓTESES E ORTÓTESES 80% 60% / 50%
psicologia). ASSISTÊNCIA ÀS PESSOAS NA NA
REDE BEM-ESTAR NA NA

* Opção disponível para não beneficiários mediante a aplicação de uma franquia de 60€ na cobertura de Assistência Médica Ambulatória

PLANO DE CAPITAIS EXEMPLOS


1 Aderente
CAPITAIS BASE TOP Beneficiário, opção Reembolso
36 anos
HOSPITALIZAÇÃO 15.000€ 30.000€
PARTO (sublimite) 1.000€ 1.000€ PLANOS BASE TOP
DOENÇAS CRÓNICAS GRAVES (sublimite) 3.000€ 6.000€ PRÉMIO TOTAL MENSAL 8.94€ 10.27 €
ASSIST. MÉD. AMBULATÓRIA 1.000€ 2.000€
Família 3 Aderentes
ESTOMATOLOGIA 250€ 250€ Opção Reembolso e Rede
Beneficiário 40 anos, Cônjuge não beneficiário
PRÓTESES E ORTÓTESES 1.000€ 1.500€ 38 anos e filho não beneficiário 5 anos
ORTÓTESES OCULARES (sublimite) 100€ 150€
PLANOS BASE TOP
ASSISTÊNCIA ÀS PESSOAS Sim Sim
PRÉMIO TOTAL MENSAL 32.24 € 36.80 €
REDE BEM-ESTAR Sim Sim
PROTOCOLO APEI - 05/15

Para conhecer melhor esta oferta conte com o profissionalismo e disponibilidade


da JERÓNIMO SEGUROS, LDA:
Tlm: +(351) 912 222 634 | +(351)927 949 393
Tel: +(351) 212 555 124/5 Fax: +(351) 212 555 126
E-mail: geral.jeronimo@jeronimoseguros.com

A consulta destas informações não dispensa a leitura das condições gerais e especiais da Apólice, que prevalecem para todos os efeitos legais e contratuais
6
7
JUL
2018
Fórum Municipal
Luísa Todi
SETÚBAL

APEI
INTEGRAÇÃO CURRICULAR

6 julho 7 julho

08:30 Abertura do secretariado 9:30 A importância da educação pré-escolar no sucesso


09:30 Sessão de abertura escolar no 1º ciclo
Lurdes Veríssimo - Universidade Católica do Porto
10:00 Early Learning Matters
Rowena Phair - coordenadora do IELS (International Early
11:00 Coffee-break
Learning and Child Well-being Study), OCDE
11:30 Avaliação e documentação na educação de infância.
11:30 Coffee-break
Um itinerário de (re)construção das práticas e da
pedagogia para a infância
12:00 Conversas em torno da escrita no jardim-de-infância
Cristina Parente – Instituto de Educação, Universidade
Margarida Alves Martins – Centro de Investigação em do Minho
Educação, ISPA
13:00 Almoço
13:30 Almoço
14:30 Educação de Infância: um ninho da democracia
15:00 Workshops e Comunicações Paralelas
Laborinho Lúcio - Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo
(Agrupamento de Escolas Sebastião da Gama) Tribunal de Justiça
17:45 Momento Cultural 16:00 Apresentação de projeto literário
(Jardim do Bonfim)
16:30 Momento cultural
18:30 Sunset Party
17:00 Sessão de encerramento
(passeio de catamarã no estuário do Sado)
21:00 Jantar do XV Encontro Nacional
(Restaurante Espaço Setúbal)
Inscrições em www.apei.pt

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