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Bem-vindos ao nosso mundo:

educação e Cuidados para Crianças


ISSN 2182-8377

até aos Três anos

www.childrenineurope.org
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013
Caros leitores Edição especial de Infância na Europa

Bem-vindos ao nosso mundo: Tiragem:


educação e cuidados para crianças 3200
até aos três anos
Editora e Proprietária:
Bem-vindos a este número especial Associação de Profissionais
de Infância na Europa que expande de Educação de Infância
alguns dos temas explorados no nú- Bairro da Liberdade, Lote 9,
mero 20, Os cidadãos mais jovens da Loja 14, Piso 0. 1070-023 LISBOA
Europa: serviços e licenças parentais Tel. 21 382 76 19/20 Fax. 21 382 76 21
para crianças até aos 3 anos, publi- E-mail: apei@apei.pt
cado em dezembro de 2011 e cujos
conteúdos resultam de uma série de Diretora:
seminários internacionais realizados na Lúcia Santos (Presidente da APEI
Escócia, Portugal, Polónia e Hungria.
Esses seminários identificaram temáti- Editoras
cas e desafios comuns entre os países Bronwen Cohen e Lúcia Santos
que ainda não possuem sistemas inte-
grados de Educação e Cuidados. Ape- Assistente editorial
sar da recente Comunicação da Comis- Nicola Pay
são Europeia Educação e acolhimento
na primeira infância: Proporcionar a to- Tradução:
Isabel Lopes da Silva
das as crianças melhores oportunidades
para o mundo de amanhã, publicada a
Revisão:
17 de Fevereiro de 2011 e adotada pelos
Paula Paço
ministros da Educação e Segurança So-
cial da União Europeia em 20 de Maio
Design gráfico:
de 2011, a qualidade da educação e cui- Metropolis . www.metropolis.pt
dados para crianças ainda não é a dese-
jável em alguns países. Impressão:
Esta edição explora o que significa qua- Locape, Lda.
lidade nos serviços para crianças meno-
res de 3 anos e defende que as crianças N.º de registo:
mais jovens têm direito a educação e Direção-Geral da Comunicação Social 125384
cuidados de elevada qualidade. Aborda
temas como as transições de casa para ISSN
a creche, aprendizagem ativa, espaço e 2182-8377
design, apoio a crianças com necessida-
des especiais, profissionais e processos de Depósito legal:
avaliação da qualidade. 277555/08
Esperamos que as contribuições dos
autores contribuam para a defesa do in- Capa
vestimento em serviços de qualidade que Caroline Boudry
reflitam a importância dos primeiros anos.
Children in Europe é uma rede de 15 organizações
Bronwen Cohen e Lúcia Santos (editoras) europeias ligadas à educação de infância e que
publicam nos seus países revistas especializadas.
O seu principal objetivo é favorecer a troca de ideias,
Bronwen Cohen e Lúcia Santos práticas e informação entre os profissionais
Editoras que trabalham com crianças dos 0 aos 10 anos
e também para todos os que se interessam
por assuntos sobre a infância.
Children in Europe é publicada com
o apoio da Fundação Bernard Van Leer
www.bernardvanleer.org

Os direitos de edição, publicação e distribuição


da revista Infância na Europa em Portugal
são propriedade exclusiva da APEI – Associação
de Profissionais de Educação de Infância.
4 ediToRiaL Bem vindos ao nosso mundo: por que é preciso fazer mais pelas crianças
europeias com menos de três anos
Bronwen Cohen e Lúcia Santos apresentam este número especial de Infância na Europa.

8 uma aBoRdaGem o direito à educação das crianças dos 0 aos 3 anos


Teresa Vasconcelos fala-nos da Recomendação n.º 3/2011, de que foi relatora,
CenTRada aprovada pelo Conselho Nacional de Educação.
nos diReiTos
os pioneiros: integração de “educação” e “cuidados” na escandinávia e na eslovénia
A Escandinávia e a Eslovénia reconhecem o direito a uma educação holística
para todas as crianças já há alguns anos.

12 TRansiÇões sair de casa para entrar na creche: a abordagem italiana ao apoio


à transição para os serviços formais de eCi
Uma transição suave, gradual e participativa é um indicador importante da qualidade dos contextos em Itália, escreve Chiara Bove.
. indo ao encontro de necessidades e criando oportunidades
Judit Bimbo reflete sobre as necessidades das crianças quando transitam para um contexto formal de educação e cuidados.
o acolhimento das crianças e famílias nos serviços de eCi na Hungria
Marta Korintus explica como os profissionais se preparam durante meses para proporcionar uma transição suave.
Transição: uma experiência única para cada criança
Graça Cardoso coloca o enfoque no acolhimento e em deixar as crianças brincar.
um local que lhes pertence
Livia Cosmay afirma que a finalidade da transição é deixar a criança aperceber-se da mudança e torná-la positiva através da
construção de novas relações.
o ponto de vista de uma mãe sobre a transição
Kerstin Mierke recorda como foi a transição do seu filho de casa para os serviços de ECEC em Itália.

18 aPRendiZaGem Promover a aprendizagem ativa em crianças dos zero aos três anos
Gabriela Portugal mostra como tirar partido da capacidade de empreendedorismo e da sede de independência
aTiva e autonomia das crianças.
Para lá da cancela
Felicity Norton mostra como crianças pequenas eram apoiadas para tomarem decisões e se tornarem líderes
num centro em Inglaterra.
a aprendizagem como um processo aberto e colaborativo
A visão do processo de aprendizagem em San Miniato.
“os peixes andam?”, “os peixes têm asas e voam?”
Hélia Costa mostra como um grupo de crianças muito jovens se envolveu em trabalho de projeto.
matemática para bebés – um trabalho físico intenso
Karin Franzén apresenta uma investigação na Suécia que mostra como as crianças pequenas podem ser matemáticas.

27 envoLvimenTo a “educação das famílias” na Toscana


das FamíLias Enzo Catarsi fala do que significa “educação das famílias” na Toscana.
Redes familiares nos montes apeninos
Anna Pelloni explica como se forjam as relações entre os centros e as famílias.

29 aRQuiTeTuRa um bom design para aprender com sucesso: pedagogia e arquitetura


e desiGn Michele Zini explora a importância de criar ambientes físicos estimulantes que melhoram a qualidade da educação.

31 aPoio adiCionaL dar resposta às necessidades de todas as crianças


Sally Covers mostra como a Hungria apoia os seus cidadãos mais vulneráveis.
à aPRendiZaGem
Ter um filho com autismo
Quando uma criança é identificada pelos serviços como tendo um problema os apoios especializados podem ser um beneficio.

33 os PRoFissionais educadores altamente qualificados para o trabalho com as crianças mais jovens
Paivi Lindberg fala sobre os conhecimentos e competências necessários para trabalhar com crianças dos 0 aos 3 anos.
apoiando os primeiros passos
Um projeto no Lanarkshire do Sul, Escócia, contribui para a nossa compreensão dos conhecimentos e competências necessá-
rios para dar resposta às necessidades das crianças no período pré-natal e até aos três anos.
Celebrando a infância em Cowgate
Lynn McNair explica o que procura nos profissionais que vêm trabalhar no seu centro.
a influência masculina
Lynn McNair explica porque gostaria que houvesse um equilíbrio entre homens e mulheres a trabalhar no seu centro.

38 avaLiaR valorizar e avaliar a qualidade de eCi para crianças dos zero aos três anos
Tullia Musatti, Maria Cristina Picchio e Isabella Di Giandomenico descrevem uma abordagem participativa para a avaliação
a QuaLidade dos serviços.
Bem-vindos ao nosso mundo:
por que é preciso fazer mais pelas crianças
europeias com menos de três anos
ediToRiaL

Bronwen Cohen e Lúcia Santos apresentam este número especial de Infância na Europa que
aborda o sentido da qualidade nos serviços para as crianças até aos 3 anos.

A convicção de que vale a pena investir na elevada qualidade dos serviços de Educação e Cui-
dados para a Infância (ECI) para crianças até aos três anos tem vindo a ganhar cada vez mais
terreno em toda a Europa.
Estes serviços desempenham não só um papel fundamental no apoio ao desenvolvimento
social e emocional das crianças e ao seu bem-estar, proporcionando as bases para uma apren-
dizagem ao longo da vida e estilos de vida saudáveis, mas também são essenciais para muitas
famílias com filhos de menos de três anos. Mais de metade das mulheres e 90% dos homens
com filhos menores de três anos estão a trabalhar (Comissão Europeia/Euridyce, 2009). Em
2011, Infância na Europa procurou saber porquê, apesar do reconhecimento da importância
dos serviços de ECI para crianças dos 0 aos 3 anos, a maioria dos países europeus investia
menos recursos nestes serviços do que nos que se destinam a crianças com mais de três anos.
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

Esta pergunta vinha na sequência da publicação da Comissão Europeia Comunicação sobre


é Diretora executiva de Children in Scotland
– working for children and their families,
Reino Unido e editora das revistas Children in

os cuidados e a educação para a infância (Comissão Europeia, 2011). Esta comunicação apre-
sentava, pela primeira vez, um enquadramento para a aprendizagem pré-escolar, que começa
com o nascimento, enunciando as seguintes recomendações:
• Aumento do investimento, por parte dos países membros da Comissão Europeia, nos
Scotland e Chilldren in Europe.

serviços de ECI.
• Centrar-se na qualidade, bem como na quantidade.
• Dar atenção aos benefícios dos sistemas integrados e de acesso universal.
Bronwen Cohen

• Clarificação das metas de Barcelona1 ao especificar a frequência a tempo inteiro de servi-


ços formais para pelo menos 33% das crianças até aos 3 anos e de, pelo menos, 90% para
as crianças entre os três anos e a idade de entrada na escolaridade obrigatória.
• Apoio para as crianças com necessidades educativas especiais integradas em instituições
regulares.
• Desenvolvimento dos recursos humanos.
• Mais investigação e partilha de conhecimentos a nível da União Europeia.
O Conselho de Ministros da Educação e Família da União Europeia ratificou as conclusões
da Comunicação em maio de 2011, e está a ser constituído pela União Europeia um grupo
4 de especialistas representativos dos governos para ajudar os Estados-membros a dar res-
posta às questões levantadas.
A Comunicação conclui que, em muitos países, há uma grande falta de respostas para
crianças com menos de três anos, particularmente tendo em conta a clarificação das me-
tas de Barcelona de 2002, relativamente a que o atendimento deve ser garantido a tempo
inteiro, de modo a dar resposta aos pais que trabalham.
Bissaya Barreto, Portugal, presidente da APEI
é chefe de Divisão de Infância na Fundação

e editora das revistas Cadernos de Educação

O emprego dos pais pode retirar as crianças da pobreza. Uma em cada seis famílias da
UE com filhos menores de seis anos encontra-se em risco de pobreza, e em 11 países da
UE, incluindo o Reino Unido, as famílias com filhos de menos de três anos encontram-se
de Infância e Infância na Europa.

ainda em maior risco de pobreza (Eurydyce/Comissão Europeia, 2009). A Comunicação


refere-se à ECI como ”a base essencial para uma aprendizagem bem-sucedida ao longo
da vida, integração social, desenvolvimento pessoal e futura empregabilidade”.
Apesar disso, em muitos países, a resposta tem sido maior em termos do alargamento
das redes para crianças com mais de três anos. O nível dos serviços para as crianças de
Lúcia Santos

menos de três anos e a qualidade do apoio prestado continuam a ser problemáticos


em muitos países da UE. Nalguns, a existência de longos períodos de licença parental
pode mascarar a crescente procura de serviços e, em muitos outros, os serviços para

1. Em 2002, na Cimeira de Barcelona, o Conselho Europeu estabeleceu as metas para a provisão de educação e cuidados
para a infância: em 2010, pelo menos 90% das crianças entre os três anos e a idade de entrada para a escolaridade
obrigatória e pelo menos 33% das crianças até aos 3 anos deveriam frequentar um contexto formal de EC.
as crianças mais pequenas têm menos possibilidades de acesso a crianças dos zero aos três anos deve ser considerada um direito e
financiamento público do que os destinados às crianças em idade fazer parte de um quadro legislativo para as crianças do nascimento
pré-escolar, que fazem parte do sistema educativo. aos oito anos. Teresa Vasconcelos, que foi responsável e redato-
As crianças com menos de três anos saem-se melhor nos países que ra desta Recomendação, sublinha que “precisamos de encontrar
reconhecem que a aprendizagem começa com o nascimento, e não formas flexíveis e inovadoras para que este direito seja posto em
aos três anos, e que têm sistemas de ECI totalmente integrados, em prática”. Surgiram várias iniciativas no sentido de elaborar orienta-
que cuidados e aprendizagem estão sob o mesmo teto, quer con- ções pedagógicas para as crianças com menos de três anos e há
cetual, quer administrativamente. Nesses países, as crianças mais um movimento importante para melhorar as práticas educativas em
pequenas têm mais probabilidades de terem um direito mais equita- creche.
tivo no acesso aos serviços, bem como de contar com pessoal mais Nos últimos 20 anos, tanto a Polónia com a Hungria assistiram à
qualificado e mais bem pago a partir do nascimento ou do primeiro corrosão do pleno emprego ligado aos sistemas de cuidados para
ano de vida. Além disso, chegou-se à conclusão de que esses ser- a infância, da responsabilidade de instituições estatais comunistas.
viços são muito mais eficazes no contacto com as famílias de baixo As tentativas para substituir estes sistemas por novos modelos fo-
nível educativo do que os que se destinam a grupos desfavorecidos. ram, no entanto, prejudicadas pela má reputação desses serviços
Então por que será que os serviços para as crianças mais pequenas e a tradição polaca de que as crianças estão melhor em casa com
ainda não têm a atenção e o apoio que merecem? As questões as mães.
colocadas quer pela Comunicação, quer pela análise das políticas As estatísticas da Polónia publicadas pelo Serviço Central de Esta-
e serviços para as crianças com menos de três anos realizada por tística em 2010 indicavam que apenas 2% das crianças até aos três
Infância na Europa foram o ponto de partida para alguns parceiros anos frequentavam instituições para infância, quase todas implan-
da revista continuarem a aprofundar a investigação. APEI de Portu- tadas em áreas urbanas densamente povoadas. Neste seminário, o
gal, Bambini de Itália, Children in Scotland do Reino Unido e Irlanda, debate centrou-se na nova lei polaca sobre cuidados para as crian-
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

Fundação Coménio para o Desenvolvimento da Criança da Polónia ças com menos de três anos, publicada em fevereiro de 2011, que
e Instituto Nacional para a Família e a Política Social da Hungria engloba cuidados e educação e transfere a responsabilidade das
organizaram um conjunto de seminários para aprofundar estas crianças com menos de três anos do Ministério da Saúde para o
questões. Estes seminários, realizados em 2011 na Escócia, Portugal, Ministério do Trabalho e Política Social. A finalidade desta lei é per-
Polónia e Hungria, identificaram temas e problemas comuns aos pa- mitir o desenvolvimento de novos modelos de ECI e ambientes mais
íses que não têm sistemas de ECI integrados. A evolução histórica adequados ao desenvolvimento das crianças. Também é acentuada
dos serviços organizados de acordo com várias funções e finalida- a importância da formação dos profissionais de ECI. Os participan-
des, da resposta às necessidades dos pais que trabalham, passando tes no seminário consideraram esta lei muito importante, mas ma-
pelo apoio a famílias desfavorecidas e ainda por uma educação de nifestaram preocupações relativas às dificuldades que se colocam
infância de base universal, foi analisada de diferentes perspetivas, às autarquias, especialmente em zonas rurais pouco povoadas, no
relativas a financiamento, avaliação, qualificações e salários de pes- desempenho do seu papel de supervisão e regulamentação. Pensa-
soal. Em muitos países foi um desafio ultrapassar estas divisões, e -se que esta nova lei irá, sobretudo, apoiar o desenvolvimento de
apenas alguns o conseguiram. De facto, na maioria dos países da serviços nas zonas rurais da Polónia.
UE, desenvolver sistemas integrados continua a ser um objetivo, Na Hungria, foi publicada legislação que permite às autarquias co-
mais do que uma realidade, e o debate nos seminários de Infância brar aos pais uma taxa pela frequência dos serviços para a infância,
na Europa refletiu as diferentes situações de partida e prioridades com um limite definido em termos de percentagem do rendimento

5 para encontrar respostas.


O seminário de abertura foi realizado em New Lanark, na Escócia,
familiar, que tem como finalidade garantir a expansão dos serviços.
A procura de serviços para crianças até aos três anos tem diminuído
local onde se localizou o primeiro serviço integrado de educação devido aos três anos de licença parental remunerada. Apesar disso,
e cuidados para a infância do mundo, instituído pelo empresário há ainda longas listas de espera e, em algumas zonas rurais, não
fabril e inovador em educação Robert Owen há cerca de 200 anos existem serviços para esta faixa etária. O seminário, organizado pelo
(ver pág. 7). O debate centrou-se na permanência dos problemas Instituto Nacional da Família e Política Social em Budapeste, admi-
colocados pela divisão, que se mantém na Escócia – como em todo tiu a possibilidade de haver programas transnacionais que seriam
o Reino Unido – entre serviços destinados a “cuidados” e serviços realizados pela Comissão e pelos Estados-membros, como fazendo
destinados à “educação” das crianças. Uma das consequências des- parte das atividades acordadas pelos ministros da Educação e da
ta divisão são os custos elevados que os pais que estão a trabalhar Família na sequência da ratificação das conclusões da Comissão.
ou em formação têm de pagar pelos serviços para as crianças com Não faltam ideias para utilizar os fundos estruturais que a Comu-
menos de três anos, que são considerados como cuidados e não nicação propõe que possam ser utilizados pelos Estados-membros
como educação. Um inquérito recente apurou que na creche mais para desenvolver novos modelos de serviços e para formação dos
cara da Escócia, os pais que a utilizem apenas 25 horas por semana, profissionais. Foram identificados alguns temas possíveis, entre os
durante 50 semanas por ano, pagam cerca de 14 000 euros por ano quais diversidade e inclusão, artes e o papel dos serviços para a
(Children in Scotland/Daycare Trust, 2012). Porém, o Governo esco- infância no desenvolvimento de estilos de vida saudáveis. Bem-vin-
cês prometeu uma nova legislação em 2013 que estará “ao nível do dos ao nosso mundo resulta das contribuições dos participantes
que há de melhor na Europa”. nestes seminários e de outros especialistas e profissionais dos paí-
Em Portugal, o debate do seminário centrou-se na Recomendação ses em que se realizaram e, ainda, de visitas organizadas em Itália, a
publicada pelo Conselho Nacional de Educação em abril de 2011 (ver serviços da cidade de Bérgamo, na região da Lombardia.
página 8). Fundamentalmente, esta defende que a educação das O estipulado na Comunicação da CE a respeito de que os Estados-
-membros devem ter em conta a qualidade bem como a quantidade A Comunicação da CE e as conclusões do Conselho de Ministros da
foi muito bem recebido e chamou de novo a atenção para as Metas Educação e Família da UE salientam o papel dos serviços de ECI na
de Qualidade publicadas em 1996 (Childcare Network da CE) após identificação e resposta às necessidades de crianças com deficiên-
uma ampla consulta realizada, na altura, junto dos Estados-mem- cia ou às que precisam de um apoio especial e sublinham o valor da
bros. Embora não adotadas pela Comissão Europeia, as 40 metas inclusão em serviços de educação regular. Sally Cavers (ver página
interrelacionadas constituem um ponto de partida importante para 31) reflete sobre o sistema da ECI em Budapeste, na Hungria, em
os Estados-membros que procuram dar resposta às questões colo- que a admissão é gratuita para crianças desfavorecidas e para as
cadas pela Comunicação. As metas são estabelecidas relativamente que necessitam de apoio especial.
a áreas chaves de políticas: financiamento, níveis e tipos de servi- Paivi Lindberg (ver página 33) reflete sobre a importância de haver
ços; educação; rácio adulto/crianças; recrutamento e formação de profissionais de educação muito competentes a trabalhar com o
pessoal; ambiente e saúde; pais e comunidade; e desempenho. Um grupo dos 0 aos 3 anos e sublinha com preocupação que, na Euro-
texto2 de políticas de Infância na Europa refere que o relatório da pa, há muitos serviços ainda não regulamentados, que contratam
Childcare Network da CE constitui um “exemplo de um grupo mul- pessoal sem qualquer formação para trabalhar com os cidadãos
tinacional neste domínio que foi capaz de negociar a relação entre mais jovens. Um projeto no Lanarkshire do Sul, na Escócia (ver pá-
coerência e diversidade” – e que pode agora ser útil ao grupo de pe- gina 35), mostra a diversidade de domínios de saber e competências
ritos na análise conjunta desta questão (Children in Europe, 2008). necessárias para trabalhar com o grupo dos 0 aos 3 anos e Lynn Mc-
Bem-vindos ao nosso mundo aprofunda alguns dos aspetos da Nair, diretora de uma creche em Edimburgo, levanta uma questão
qualidade que dizem respeito aos serviços para crianças até aos que vai para além da educação: a de haver um equilíbrio de género
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três anos, começando com a questão do acesso à “educação” como entre profissionais. Finalmente, Tullia Musatti (ver página 38) des-
um direito de todas as crianças, a sua relação com uma abordagem taca a importância de uma abordagem coletiva e participativa na
pedagógica tanto para crianças com menos, como com mais de três avaliação da qualidade. A definição da qualidade da ECI, afirma, não
anos. Teresa Vasconcelos (ver página 8) apresenta o conjunto de re- é apenas uma questão de especialistas.
comendações aprovadas por unanimidade pelo Conselho Nacional Esperamos que Bem-vindos ao nosso mundo possa apoiar a discus-
de Educação, em Portugal, apontando as razões por que deve haver são e o debate em toda a Europa, ser uma fonte de ideias e inspira-
serviços de qualidade acessíveis a todas as crianças com menos de ção tanto para os profissionais como para os que têm a responsa-
três anos. bilidade de desenvolver e melhorar a qualidade dos serviços para os
Em muitos aspetos, as recomendações portuguesas refletem a cidadãos mais novos e, também, um contributo para o programa de
Comunicação da CE, embora envolvam a responsabilidade de dois troca de aprendizagens proposto pela Comissão Europeia.
ministérios e não de um só, relativamente aos serviços para esta Bronwen Cohen é diretora executiva de Children in Scotland, Reino
faixa etária. Os estudos de caso que a seguir se apresentam, dos Unido. Lúcia Santos é responsável dos Serviços para a Infância da
países nórdicos Suécia, Dinamarca e Noruega e ainda da Eslovénia, Fundação Bissaya Barreto, Portugal e presidente da APEI-Associa-
descrevem as abordagens integradas que estes países adotaram já ção de Profissionais de Educação de Infância
há alguns anos.
A psicóloga húngara Judit Bimbo (ver página 13) reflete sobre as
necessidades sociais e emocionais das crianças e as suas implica-
6 ções para os serviços, sendo apresentados diversos modos de ter
em conta essas necessidades no apoio à entrada das crianças para
REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS
Children in Europe (2008). Young children and their services: developing a European appro-
ach, A Children in Europe Policy Paper (versão inglesa). Children in Europe, 2008
os serviços, na Itália e na Hungria. Gabriela Portugal (ver página 18)
www.chidreninEurope.org
refere-se aos ambientes e abordagens que incentivam a aprendi- Children in Europe/Infância na Europa n.º 20 (2011) Os cidadãos mais jovens da Europa:
zagem ativa nos serviços para as crianças mais pequenas, sendo serviços e licenças parentais para crianças até aos três anos.
dados exemplos de práticas de aprendizagem ativa em serviços da Children in Europe (2011) Young Children and their services: developing an European appro-
ach. A Children in Europe discussion paper, 2011
Inglaterra, Portugal e Suécia, onde Karin Franzen (ver página 26) ini- http://www.Childrenin Europe.org/docs/eng_discpaper.pdf
ciou um projeto fascinante de investigação para compreender como Children in Scotland/Daycare Trust (2012) The Scottish Childcare Lottery. Children in Sco-
a aprendizagem ativa ajuda as crianças pequenas a experienciar a tland and the Daycare Trust, 2012 www.childreninscotland.org.uk
www.daycaretrust.org.uk
matemática com o corpo. European Commission Childcare Network (1996) Quality Targets in services for young chil-
Enzo Catarsi (ver página 27) e Anna Pelloni (ver página 28) analisam dren. European Commission Childcare Network, Bruxelas, 1996
as relações entre serviços e famílias em Itália. Pelloni descreve al- European Commission (2011) (COM (2011) 66 Early Childhood Education and Care: providing
all our children with the best start for the world of tomorrow, Bruxelas, 2011
gumas atividades organizadas nos montes Apeninos, na Toscana, http://ec.europa:eu/education/schooleducation/doc/childhood_en.pdf
que vão da natação à apanha de castanhas. Não há dúvida que a European Commission/Eurydice (2009) Early Childhood Education and Care in Europe: Ta-
Natureza é um recurso importante para aprendizagem ativa. ckling Social and Cultural Inequalities p. 57, Eurydice, 2009 www.eurydice.org
Official Journal of the European Union (2011) 2011/C 175/03 Council conclusions on early
O arquiteto e designer Michele Zini (ver página 29) centra-se numa
childhood education and care: providing all our children with the best start for the world
abordagem holística para projetar espaços para crianças. A sua in- of tomorrow . European Union, Brussels, 2011
vestigação produziu uma espécie de “código genético” dos espaços http://publicatons.europa.eu/official/index_en.htm
para as crianças, que tem em consideração luz, cor, som, cheiro,
tato, microclima, relações e conceção do espaço, criando “oficinas
para os sentidos da criança”.

2. A infância e os serviços: desenvolvendo uma estratégia europeia. Infância na Europa.2007.


inFÂnCia na euRoPa

ROBERT OWEN: UM INOVADOR EM EDUCAçãO

Robert Owen, proprietário de fábricas de fiação de algodão em New de segurança em que, com os seus futuros companheiros de escola,
Lanark, abriu a primeira escola para os filhos do pessoal em 1816. As poderá adquirir bons hábitos e princípios, sendo que às horas das
escolas eram conhecidas como Instituições para a Formação do Caráter refeições e à noite voltará para o carinho dos pais, cujo afeto será
e Escola Infantil de New Lanark e destinavam-se a proporcionar ainda maior devido à separação.
equipamentos educativos e recreativos a toda a comunidade. Dentro
do edifício da escola havia também uma cozinha e uma cantina Influenciado pela filosofia de Rousseau, Helvétius e Paine, entre
comunitárias. No ano de abertura, foram acolhidas cerca de 600 outros, Owen considerava que a aprendizagem começa com o
crianças a partir dos 18 meses. Referindo-se ao modo como o jardim nascimento, mas não queria que as crianças fossem “aborrecidas
de infância e a creche devem articular cuidados e educação, Robert com livros”. Pelo contrário, adotava um programa centrado no canto,
Owen escrevia, em 1813: dança, apreciação da Natureza e dos objetos naturais, em que as
crianças davam pequenos passeios na Natureza, acompanhados de
Os pais ficarão libertos da perda de tempo e dos cuidados e ansiedade canções destinadas a reforçar as lições. Também havia aulas para os
que são atualmente ocasionados pela assistência que têm de prestar pais, centradas nas suas competências parentais, e uma gama muito
aos filhos desde a altura que começam a andar sozinhos até à diversa de aulas noturnas para adultos.
entrada para a escola. A criança deve ser colocada numa situação
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

Fonte: Infância na Europa N.º 3, setembro de 2002 www.childrenineurope.org


New Lanark Community Trust (1997) The Story of Robert Owen, NLCT, 1997 http://www.newlanark.org
uma aBoRdaGem CenTRada nos diReiTos

o diReiTo à educação
das crianças dos 0 aos 3 anos
Teresa Vasconcelos é professora na Escola Superior de Educação de Lisboa e também membro do Conselho
Nacional de Educação, tendo sido responsável pelo processo de desenvolvimento e elaboração
da Recomendação sobre “A Educação das Crianças dos 0 aos 3 anos”.

A Recomendação n.º 3/2011, aprovada, em a questão da educação das crianças deste a educação das crianças dos 0 aos 3 anos de-
Portugal, pelo Conselho Nacional de Educa- grupo etário (tradicionalmente da responsa- via passar a ser da responsabilidade do Minis-
ção, sobre educação das crianças dos zero bilidade do Ministério da Solidariedade e Se- tério da Educação, nomeadamente no que diz
aos três anos é um indicador significativo gurança Social) foi considerada como sendo respeito a orientações pedagógicas, questões
da importância que os governos de toda a da responsabilidade tanto do Ministério da de pessoal, supervisão e formação.
Europa estão cada vez mais a atribuir a esta Educação como do Ministério da Solidarieda- Para compreender a introdução na Recomen-
faixa etária. Teresa Vasconcelos apresen- de e Segurança Social. A avaliação da OCDE dação do que está consagrado na Convenção
ta esta perspetiva baseada no direito das (Starting Strong I, 2001) tinha recomendado sobre os Direitos da Criança, serão primeiro
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

crianças dos 0 aos 3 anos a uma educação que Portugal desse mais atenção à questão enunciadas as recomendações expressas no
(e não apenas “cuidados”), afirmando que da educação das crianças com menos de três documento, apresentando-se depois como
precisamos de encontrar formas flexíveis e anos, e não apenas aos cuidados, com o apoio se relacionam com o DIREITO à educação das
inovadoras para que este direito seja posto aos pais que trabalham. crianças dos 0 aos 3 anos. Esta Recomenda-
em prática. Durante a preparação da Recomendação fo- ção toma como referência o Relatório sobre
ram ouvidos os parceiros sociais – associa- a Aplicação da Convenção dos Direitos da
A aprovação por unanimidade pelo Conselho ções de pais, educadores de creches, institui- Criança em Portugal que, em 2005, propõe a
Nacional de Educação, em abril de 2011, de ções privadas de solidariedade social, associa- seguinte orientação:
uma Recomendação ao Governo (mais dire- ções de educadores de infância, amas e amas
tamente ao Ministério da Educação) sobre “A em creches familiares – para conhecer a sua (...) a necessidade de desenvolver estratégias
Educação das Crianças dos 0 aos 3 anos” foi opinião sobre as políticas a desenvolver para baseadas nos direitos da criança que deve-
um momento “histórico”. Pela primeira vez, este grupo etário, tendo muitos afirmado que rão ser coordenadas a um nível multissetorial
de modo a que afirmem o superior interesse
da criança. Este superior interesse da crian-
ça deve constituir-se como ponto de parti-
da para planear a organização de serviços
de atendimento. Estes serviços devem ser
8 orientados pela atual legislação internacio-
nal que se orienta para as crianças desde o
nascimento até aos 8 anos de idade. É vital
apoiar uma educação das crianças com me-
nos de 3 anos de idade guiada por sistemas
de supervisão pedagógica e não apenas
orientada para os cuidados e o apoio às fa-
mílias que trabalham (...).

Portugal é um dos países europeus em que


mais homens e mulheres trabalham fora de
casa. As mulheres têm 4 meses de licença de
maternidade (e os pais podem usufruir de al-
gumas semanas de licença parental), mas ao
regressarem à atividade laboral, têm de en-
contrar formas de apoio para os cuidados a
prestar às crianças.
Esta última recomendação é fundamen-
tal numa perspetiva baseada no DIREITO à
educação das crianças mais pequenas. Re-
conhecendo a sua enorme competência para
explorar, descobrir, comunicar, criar, construir
significado, é fundamental escutar as crianças
destas idades nos seus modos diversificados
de expressão. Consequentes com a Conven- RESUMO DA RECOMENDAçãO
ção dos Direitos das Crianças, reconhecemos-
-lhes o direito à palavra, à escuta e à participa- 1.ª Recomendação: A educação dos 0 aos 3 anos deve ser assumida como um direito e
ção efetiva. Precisamos de encontrar formas não apenas como uma necessidade social.
flexíveis e inovadoras para que este direito
2.ª Recomendação: Responsabilização primeira das famílias, mas as famílias necessitam
seja posto em prática, interpretando as suas
do apoio do Estado e da sociedade civil para desempenhar o seu papel.
tentativas de expressão e respeitando a sua
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

vontade, necessidade de autonomia e de ex- 3ª Recomendação: Tutela pedagógica do Ministério da Educação e Ciência e articulação
ploração independente. Não podemos esque- entre o MEC e o Ministério da Solidariedade e Segurança Social.
cer as crianças com direitos de aprendizagem
diversificados (OCDE, 2009) e aquelas que, 4.ª Recomendação: Fomentar um novo papel para as autarquias que são os órgãos
devido à vulnerabilidade das famílias, preci- do Governo com um contacto mais direto com as necessidades das famílias e das
sam de experiências educativas de superior comunidades.
qualidade, para que se concretizem os princí-
5.ª Recomendação: Diversificar tipos de serviços.
pios de equidade consagrados na Lei-Quadro
da Educação Pré-Escolar. 6.ª Recomendação: Investir na qualidade dos serviços e elaborar orientações
Pensamos que um novo DIREITO deve pas- pedagógicas.
sar a fazer parte das nossas preocupações: o
direito das creches e serviços de acolhimento De acordo com o documento estas orientações pedagógicas deverão:
de crianças terem uma qualidade elevada, es- • “Assegurar uma transição suave entre a casa e a creche (ou outro tipo de serviço),
pecialmente para as crianças de meios socioe- incorporar experiências familiares, uma atitude sensível e calorosa por parte dos
conomicamente desfavorecidos e/ou direitos adultos (profissionais e pais);
de aprendizagem diversificados. Como afirma • Garantir o DIREITO a brincar e várias oportunidades de exploração, experimentação,
Van Oudenhoven (2006), uma “PERSPETIVA
9 BASEADA EM DIREITOS” passa necessaria-
mente a ter em conta as necessidades e as
experiências de aprendizagem que desafiam e amplificam o mundo da criança;
• Proporcionar estabilidade e segurança emocional, relações sociais e autonomia são
competências das crianças mais pequenas, prioridades no currículo em creche.”
pois as crianças dos 0 aos 3 anos devem ter o
direito à palavra nos assuntos que lhes dizem 7.ª Recomendação: Melhorar a qualidade e qualificações dos profissionais (“uma
respeito. Como conclui o autor: “Trata-se de qualificação ética, cultural e técnica”, como afirmou um dos especialistas ouvidos),
uma declaração profunda, que exige mudan- especialmente de amas, amas de creches familiares, investindo na sua formação e nos
ças radicais nas perceções, valores, legislação direitos de trabalho, pensão de reforma, etc.
e intervenção (…). Estamos convictos de que 8.ª Recomendação – Rever o Decreto-Lei n.º 43/2007, de 22 de fevereiro, de modo a
a aplicação de uma perspetiva baseada em garantir a possibilidade de formação com 90 créditos, preparando os educadores de
direitos cria novas necessidades e desafios infância para, simultaneamente, desenvolverem trabalho pedagógico em creche e em
para as crianças e, também, para as famílias e jardim de infância.
a sociedade em geral” (p. 89).
9.ª Recomendação: Intervenção precoce para as crianças e famílias mais vulneráveis.
Esta é uma recomendação essencial, que se aplica quer às crianças que têm “necessidades
REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS educativas diversificadas” (OCDE, 2009), quer às que, devido à vulnerabilidade das
Relatório da Aplicação da Convenção dos Direitos da Criança famílias, necessitam de serviços de superior qualidade que garantam os princípios de
em Portugal (2005). Lisboa: ME equidade claramente enunciados na Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar.
Conselho Nacional de Educação (2011). A Educação dos 0 aos
3 anos: Recomendação n.º3/2011. Relatora: Teresa Vasconce- 10.ª Recomendação: Alargar o investimento na investigação sobre a aprendizagem e o
los. Lisboa: Conselho Nacional de E
OCDE (2001) Starting Strong I. Paris: OCDE.
desenvolvimento das crianças dos 0 aos 3anos, as famílias e os serviços que as apoiam.
OCDE (2009) Starting Strong II. Paris: OCDE.
Van Oudenhoven, N. & Wazir, R. (2006). Newly Emerging Nee-
11.ª Recomendação: Alargar o “direito à palavra” aos mais pequenos.
ds of Children: An exploration. Antwerpen: Garant.
uma aBoRdaGem CenTRada nos diReiTos

os pioneiros: integração de “educação” e


“cuidados” na escandinávia e na eslovénia

Sendo a proposta portuguesa relativa- sando a ser consideradas como aprendizes “tempo da infância”. Esta tendência históri-
mente recente, muitos países escandina- competentes e ativos, com curiosidade para ca remonta ao forte movimento popular do
vos e a Eslovénia já reconhecem, há vários descobrir o mundo. Neste aspeto, a Suécia século XIX em prol da educação, que ainda
anos, que as crianças dos 0 aos 3 anos têm foi muito influenciada pelo trabalho pionei- hoje é visível na política de ECI.
direito a uma educação de caráter holísti- ro de Luís Malaguzzi, de Reggio Emilia, Itá- Para o desenvolvimento dessa política fo-
co, o que se reflete nos seus sistemas de lia. De igual modo, o aspeto dos cuidados ram fundamentais a lei de 1964, que atri-
ECI. apoiou uma dinâmica educativa que reco- buía às autarquias a responsabilidade legal
nhece que aspetos que vão da autoconfian- de tornar todos os serviços públicos aces-
ça à alimentação são tão importantes como síveis a todos os cidadãos, e a importância
SUÉCIA aprender a ler e a escrever. conferida ao direito da criança à educação e
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

A abordagem holística ao trabalho com cuidados para a infância, pela Lei de Assis-
Acesso a serviços formais de ECI crianças, que reconhece o seu desenvolvi- tência Social de 1976. Atualmente, os níveis
• Com a idade de 1 ano: 46% mento intelectual, social, emocional, físico, de frequência da educação de infância na
• Com a idade de 2 anos: 86% moral e estético, é visível em muitas dimen- Dinamarca estão entre os mais elevados
• Com a idade de 3 anos: 90% sões dos serviços suecos de ECI. da Europa. A maioria das crianças fica ao
O currículo de educação pré-escolar sueco cuidado dos pais até ao ano, mas estes
Fonte: Skolverket, 2009
recomenda “boas atividades pedagógicas em começam a inscrevê-las em creches desde
que cuidados, estimulação e aprendizagem que têm cerca de seis meses. Os cuidados
A Suécia tem sido pioneira. Um relatório formam conjuntamente um todo coerente”. informais fora da família são ilegais.
da Comissão Nacional de Cuidados para Foi introduzido um novo currículo, em julho A Lei de Currículo Pedagógico de 2004 apli-
a Infância que teve grande influência no de 2011, ao mesmo tempo que foi publicada ca-se a todas as crianças dos 0 aos 6 anos
início da década de 1970 reconhecia que o uma Nova Lei da Educação. Havia alguma e estabelece que os serviços para a infân-
atendimento a crianças não podia ter como preocupação com que, passados dez anos da cia devem ser orientados pelos seguintes
única finalidade permitir o trabalho femini- integração, tivesse sido dada mais importân- seis princípios: desenvolvimento pessoal
no (Agência Nacional Sueca da Educação, cia à educação pré-escolar como preparação holístico da criança, competências sociais,
2000). para a escola, com um consequente estreita- linguagem, corpo e movimento, natureza e
10 A Suécia continuou, desde então, a seguir
esse princípio. Não há, desde há muitos
mento do currículo, que colocava em risco o
seu caráter holístico. Uma avaliação da im-
fenómenos naturais, expressões culturais
e valores. O currículo pedagógico de cada
anos na Suécia, uma divisão concetual plementação do currículo realizada em 2008 centro educativo tem de ter uma secção
entre cuidados e educação, o que remete (Agência Nacional Sueca para a Educação) dedicada às crianças dos 0 aos 3 anos.
para uma “abordagem pedagógica em que observou que parecia ser dada uma grande
os cuidados, a educação e a aprendizagem importância ao desenvolvimento da lingua-
constituem um todo coerente”. No final da gem e que “o desenvolvimento das crianças, NORUEGA
década de 1990, a Suécia foi ainda mais o seu desempenho e competências estavam
longe e realizou também uma integração a ser cada vez mais detalhados e avaliados”. Acesso ao Barnehager (Serviço de ECI
estrutural. Transferiu a responsabilidade O Governo declarou que pretendia contrariar para crianças de 1 a 6 anos)
dos serviços de segurança social para o se- esta tendência e fazer que a abordagem ho- • Com a idade de 1 a 2 anos: cerca de 75%
tor da educação, para criar um sistema de lística se mantivesse como alicerce do novo • Com a idade de 2 a 3 anos: cerca de 84%
Educação e Cuidados para a Infância total- currículo.
mente integrado para todas as crianças dos Fonte: Estatísticas Noruega e Moser, 2009
12 meses aos seis anos, abrangendo acesso,
financiamento, pessoal, funcionamento, re- DINAMARCA Na Noruega, já existe há muitos anos um sis-
gulamentação e currículo. tema integrado de serviços para crianças dos
O impacto da aposta sueca na integração Acesso a serviços formais de ECI zero aos seis anos, com um sistema público
teve grande alcance. A integração concetu- • Com a idade de 0 a 3 anos: 66% de Barnehager bem implantado e com gran-
al da ECI permitiu novas maneiras de com- Fonte: Estatísticas da Dinamarca, 2009
de expansão. Na base deste sistema está
preender as crianças muito pequenas, que uma compreensão clara das crianças como
deixaram de ser vistas como seres passivos, Na Dinamarca, há uma longa tradição de indivíduos e como grupo social, do seu lugar
que apenas necessitavam de cuidados, pas- respeito pela criança e de preservação do na sociedade e da sua relação com o mundo.
inFÂnCia na euRoPa

A responsabilidade de todo o setor da in- tinavam-se a prestar cuidados às crianças Ten years after the preschool reform; A national evaluation
of Sweden preschool; a summary of report 318, Skolverket
fância foi transferida para o Ministério da cujos pais estavam empregados. Em 1993, (Agência Nacional Sueca da Educação), 2008
Educação e Investigação em 2006 e, em como parte de um processo mais amplo www.skolverket.se/2.3894/in_english
2009, a Dinamarca assumiu o compromisso de reforma e investimento na educação, a Working for inclusion: the role of early years workforce in
addressing poverty and promoting social inclusion, Children
de, na década seguinte, garantir o direito responsabilidade pela educação de infância
in Scotland, in partnership with La Bottega Di Geppetto,
legal de todas as crianças à frequência de foi transferida do Ministério do Trabalho e Italy: Nordland Research Institute, Norway: and the Come-
Barnehager a partir de um ano. Os níveis Assuntos Sociais para o Ministério da Edu- nius Foundation for Child Development, Poland, 2008-2010
de frequência são já relativamente elevados cação e Desporto, que assumiu globalmen- www.childreninscotland.org.uk/wfi

para esta faixa etária, mas o acesso univer- te os serviços. Esta passagem fez mudar o
sal só está garantido para as crianças resi- enfoque das necessidades dos pais para os
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

dentes a partir dos três anos e a falta de direitos das crianças à educação e ao de-
lugares é a razão principal por que as crian- senvolvimento social, independentemente
ças dos 0 aos 3 anos não frequentam a ECI. da situação parental, rendimento familiar
O Plano de Enquadramento para os conte- ou local de residência.
údos e tarefas no jardim de infância, que Em 1995, foi formada uma Comissão Cur-
se seguiu à Lei da Educação Pré-Escolar de ricular para as Instituições de Educação
2005, dá especial atenção ao grupo dos 0 Pré-Escolar, com uma série de participan-
aos 3 anos. O jardim de infância é consi- tes onde se incluíam psicólogos, pedago-
derado uma instituição pedagógica e, por gos, investigadores e outros especialistas.
isso, esse Plano de Enquadramento centra- Esta comissão elaborou um novo currículo
-se mais na aprendizagem, mas em con- democratizado e orientações para a práti-
junto com educação e cuidados, definindo ca. Baseando-se nos direitos universais da
diversas áreas de aprendizagem: comunica- criança, reconhecia a necessidade de fle-
ção, linguagem e texto; corpo, movimento xibilidade e respeito pelas diferenças indi-
e saúde; arte, cultura e criatividade; Natu- viduais, em vez da anterior abordagem de
reza, ambiente e tecnologia; ética, religião igualdade enquanto “o mesmo para todos”.
11 e filosofia; comunidade local e sociedade; e
números, espaços e formas.
Tratava-se de um currículo holístico que
abrangia todas as atividades que se reali-
O jardim de infância é considerado como zam nos centros de educação para a infân-
tendo um papel preventivo, como sublinha cia, incluindo as rotinas diárias, como comer
a lei de 2005: “O jardim de infância tem e dormir.
particular responsabilidade na prevenção Na Eslovénia, cabe às autarquias garantir
dos problemas sociais e na identificação um número adequado de lugares nos ser-
de crianças com necessidades educativas viços para a infância e também o financia-
especiais.” É também visto como um espa- mento e subsídios às contribuições familia-
ço de integração de crianças de diferentes res.
etnias, níveis socioculturais, línguas e cul-
turas.

REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS
ESLOVÉNIA
Childcare in Education, Skolverket (Agência Nacional Sueca
da Educação), 2000
Acesso a serviços formais de ECI www.skolverket.se/2.3894/in_english
• Com a idade de 1 ano: 34% How they did it: Early childhood education and care in Slo-
venia and Norway, Briefing Paper 7, Children in Scotland,
• Com a idade de 2 anos: 55% September, 2011
• Com a idade de 3 anos: 76% Inspiring change: an early childhood education and care
study visit to Sweden and Poland, Children in Scotland and
King Baudouin Foundation, 2010
Quando a Eslovénia fazia parte da ex-Ju- www.childreninscotland.org.uk
goslávia, os serviços para a infância des- www.kbs-frb.be
TRansiÇões

sair de casa para entrar na creche:


a abordagem italiana ao apoio à transição
para os serviços formais de eCi
Chiara Bove é investigadora na Universidade de Milão-Biocca, Itália.
chiara.bove@unimib.it.

Em Itália, há uma forte tradição de partici- fazer parte de uma rede de apoio. ências de transição e separação tenham sido
pação da família nos serviços de educação O tempo do processo de transição varia entre traumáticas.
de infância. Chiara Bove descreve o proces- uma e três semanas, dependendo da idade e São muitas vezes as condições práticas da
so delicado e gradual de inserimento (aco- experiência das crianças e das necessidades vida de trabalho que determinam a duração e
lhimento). das famílias. A maneira de fazer depende tam- natureza do processo de transição. As famílias
bém da pedagogia do centro e da situação da não se podem dar ao luxo de uma transição
A entrada da criança, pela primeira vez, num família. Por exemplo, umas vezes é feita em gradual, mesmo que a considerem necessá-
serviço de Educação e Cuidados para a In- grupo com vários pais que trazem os filhos ria, e têm de apoiar a autonomia da criança
fância (ECI) corresponde, em geral, à primeira ao centro ao mesmo tempo. Outras, cada par e valorizar os seus recursos interiores e com-
separação do contexto familiar. É um aconte- pai/mãe-criança entra em momentos diferen- petências.
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

cimento importante, que exige um nível eleva- tes. O inserimento não é uma prática rígida, O inserimento é um conceito cultural que
do de profissionalismo para conseguir que a sendo organizada segundo a interpretação de reflete a interpretação italiana mais vasta de
criança se adapte e se sinta segura num novo cada comunidade local. ECI como um sistema em que há uma gran-
ambiente que vive das relações com pares e A nível teórico, a presença de alguém bem de continuidade nas relações. Porém, temos
adultos (Mantovani, Terzi, 1987). conhecido da criança durante o tempo de du- de ter cuidado com o risco de transformar a
Em Itália, há uma forte tradição de participa- ração do processo de transição remete para prática de inserimento em rituais automáticos
ção e envolvimento das famílias (Mantovani, a contribuição da teoria da vinculação (Bowl- destituídos de sentido. A cultura relacional, o
2007). Desde o início da década de 1970, pais by, 1969, 1988) e para as suas relações com o bem-estar e a participação são, sem dúvida,
e educadores desempenharam um papel fun- comportamento de exploração autónoma da uma base de referência e um ponto de partida
damental na mediação da transição de casa criança (Ainsworth, 1978). Também se inspira importantes (Mantovani, 2007). O desafio que
para a creche. Anos de investigação, experi- na perspetiva ecológica do desenvolvimento e se coloca hoje em dia é alargar este ponto de
ência e debate levaram a uma definição do no construto teórico de “relações entre siste- vista e discurso sobre autonomia, interdepen-
processo de inserimento (acolhimento) como mas” (Bronfenbrenner, 1979), apoiada por es- dência e relações, incentivando a adoção de
“uma estratégia para iniciar cuidadosamente a tudos sobre as elações entre grupos de pares. uma perspetiva antropológica da infância que
relação e comunicação entre crianças e adul- Os investigadores concordam que uma expe- seja capaz de dar resposta às complexidades
tos” (Bove, 2001:109), que foi introduzida na riência positiva de transição cria uma espécie e paradoxos do nosso tempo de modo flexível
12 prática. O inserimento tem duas finalidades
principais: facilitar a adaptação ativa da crian-
de “marca” para as relações subsequentes
com professores, para além de ser um mo-
e consciente.

ça ao novo contexto e ajudar a promover uma mento de crescimento para os pais” (Catarsi,
forte relação ou aliança com as famílias. Tam- 2008; Milani, 2010).
bém cria as bases para o futuro envolvimento Esta perspetiva de transição suave, gradu- REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS
e participação dos pais no centro. al e participada está hoje muito divulgada Ainsworth, M.D.S. et al. (1978) Patterns of attachment: A
A prática centra-se em conseguir que a criança nos serviços italianos de ECI e constitui um psychological study of the Strange Situation. Eribaum: Hills-
se adapte gradualmente, com apoio dos pais indicador de qualidade. Há, porém, algumas dale.
Bove, C. (2001) Inserimento: A Strategy for Delicately Begin-
ou do cuidador primário, ao contacto com dificuldades. A diversidade da sociedade mo- ning Relationships and Communications. In L. Gandini e C.P.
pares e adultos de fora da família. Os pais derna significa que os centros estão cada vez Edwards (eds.) Bambini: The Italian Approach to Infant/To-
ddler Care. Teachers College Press. Columbia University. New
são convidados a passar o máximo de tempo mais a trabalhar com pais de origens culturais, York, pp. 102-124.
possível no novo contexto, encorajando os linguísticas e educacionais muito diferentes, Bowlby, J. (1988) A secure base. Tavistock Professional Book:
London.
filhos a interagir com pares e educadores. A que têm conceitos diferentes de educação de Bronfenbrenner, U. (1979) The Ecology of Human Develop-
separação é curta no início, aumentando pro- infância e, por conseguinte, expetativas diver- ment. Experiences by Nature and Design. Cambridge, M.A:
Harvard University.
gressivamente. sas de ECI e do que representa para o filho/a. Catarsi, E. (2008) L’ambientamento dei bambini e dei genitori
A presença dos pais na instituição é positiva Tudo isto pode ter impacto na suavidade da nel Nido, in Comune de Firenze, Assessorato Pubblica Instru-
zione, Linee guida per I Servizi educative alla prima infanzia,
a três níveis: facilita a adaptação progressiva transição e na participação dos pais. Pode ser Júnior: Azzano San Paolo, Bergamo.
da criança a um novo contexto; proporciona particularmente difícil para os pais imigrantes Mantovani, S. (2007) Un tempo per incontrarsi. Pensieri e pra-
tiche per favorire l’ambientamento di bambini e genetori nella
aos educadores a oportunidade de conhece- compreender as finalidades do inserimento e scuola dell’infanzia. Kite Edizioni: Padova
rem a criança, ao observarem como interage as oportunidades que pode oferecer, em pri- Mantovani, S.; Terzi, N. (1987). L’inserimento. In Bondioli, A;
Mantovani, S. Manuale critico dell’asilo nido. Franco Angeli,
com os pais; e dá aos pais a oportunidade de meiro lugar, devido às diferenças de origem Milano, 1991.
conhecer outros adultos ligados à instituição, cultural e linguística, mas também por haver
aumentando assim a probabilidade de virem a mais probabilidades de que as suas experi-
indo ao encontro de necessidades
e criando oportunidades
Judit Bimbo é vice-presidente da Associação de Creches da Hungria, tendo trabalhado antes como psicóloga de
crianças e sido diretora dos serviços para crianças em Eger, no Norte da Hungria.

O desenvolvimento de cada criança é um


processo único, resultante de uma intera-
ção contínua entre os genes e o ambiente
social. As experiências sociais da criança e o
seu desenvolvimento biológico, neurológico
e psicológico interrelacionam-se para criar
uma “história” que determina o desenvolvi-
mento da personalidade e da futura saúde
física e mental.
As relações das crianças pequenas com os
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

adultos são essenciais para um desenvol-


vimento saudável da função neurológica e
psicológica, numa altura em que o instinto e
a impulsividade são dominantes e se estão a
desenvolver conhecimentos sobre regulação
das emoções, interação física e social com
o ambiente e lidar com regras e limites. Du-
rante este intenso e crítico período de cres-
cimento, as crianças precisam de segurança
física e emocional, estimulação dos sentidos
e oportunidades para realizar uma grande
diversidade de experiências, e ainda consis-
tência para que a sua experiência do mundo
não seja imprevisível e caótica.
Estes princípios fundamentais não cons-
tituem apenas uma lista de verificação. A
13 resposta às necessidades mais básicas das
crianças pequenas têm de ser incluídas na
sua educação, aspeto em que os serviços de
ECI desempenham muitas vezes um papel
importante. “conseguir” um determinado resultado, o dada prioridade nos primeiros anos. O jogo
A importância de relações seguras com o que pode ser contrabalançado por “ativida- orientado pelo adulto introduz expetativas
adulto significa que o rácio criança/adulto des livres” que apoiem e estimulem o jogo e, por conseguinte, pressão para realizar,
é fundamental, tal como o foco pedagógico espontâneo. o que pode ser adequado à capacidade in-
em dar resposta às suas necessidades de cui- O jogo espontâneo é a linguagem natural da terna de uma criança, mas demasiado para
dados e de educação. criança, em que constrói relações importan- outra, dando-lhe o sentimento de ser menos
As rotinas de “cuidado” do dia a dia, tais tes tanto com o ambiente externo como com competente e incapaz de ter sucesso. Nem
como o tempo das refeições e de higiene o seu mundo interior. Algo que a criança faz sempre é possível determinar se uma ativi-
constituem oportunidades para dar respos- voluntariamente. O jogo espontâneo cons- dade de jogo orientada pelo adulto é ade-
ta simultaneamente aos cuidados e à edu- titui verdadeira autorregulação. A criança quada para uma determinada criança e nem
cação. Por exemplo, à medida que as suas decide o que quer fazer (interesse, tomada sempre o comportamento da criança deixa
competências se desenvolvem, o educador de decisão, vontade) e ativa funções psi- transparecer ansiedade interna. Porém, po-
pode incentivar a criança a fazer mais coi- cológicas necessárias para jogar (memória, demos ter a certeza de que o jogo espontâ-
sas sozinha, apoiando o desenvolvimento pensamento, fantasia, atenção). Brincar em neo apoia sempre o desenvolvimento interno
da sua autossuficiência, autonomia e valor grupo é uma oportunidade de desenvolver da criança, respeitando as suas capacidades
próprio. Contudo, é importante lembrar que competências sociais. próprias.
as rotinas de cuidados são culturalmente de- Importa, no entanto, estabelecer a distin-
terminadas e, tal como as ações reguladoras ção entre jogo iniciado pelo adulto e jogo
do adulto, impõem à criança expetativas de espontâneo da criança, a que deveria ser
TRansiÇões

o acolhimento das crianças e famílias


nos serviços de eCi da Hungria
Marta Korintus é coordenadora de investigação no Instituto Nacional da Família e Política Social de
Budapeste, Hungria.
Marta.korintus@ncsszi.hu

O período de adaptação das crianças que damente duas semanas, no outono, para cerca de duas semanas, o que depende de
transitam de casa para os serviços formais dar esse apoio. Os pais são apresentados cada criança. Para o centro, o período total
de ECI, começa na Hungria no princípio do ao profissional que vai trabalhar mais direta- de acolhimento estende-se do princípio de
verão e pode durar até meados de novem- mente com a criança e é marcada uma data setembro até meados de novembro. É pe-
bro, como explica Marta Korintus. para fazer uma visita a casa. dido aos pais (ou outro membro da família)
que fiquem com a criança durante as primei-
A receção às crianças e famílias Visita a casa ras duas semanas. A sua presença é consi-
nas creches da Hungria A finalidade desta visita é contactar com a derada importante para proporcionar “uma
Os profissionais da Educação e Cuidados criança no seu ambiente familiar, em que está base segura” durante esses primeiros dias,
para a Infância na Hungria vão avançando mais à vontade, e permitir ao profissional que são fundamentais. A duração do tempo
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

pouco a pouco, durante um período de vá- responsável e a outro membro do pessoal do passado no centro e o número de horas de
rios meses, no apoio a uma transição suave centro uma oportunidade de conhecer a per- separação dos pais vai aumentando gradu-
da casa para os serviços formais prestados a sonalidade, hábitos e necessidades da criança. almente.
crianças e famílias. Observar a criança em casa ajuda estes pro- O papel dos pais e a progressão gradual são
A experiência de transição da criança e a dos fissionais a criar um ambiente que seja o mais aspetos essenciais. Não há regras definidas
seus pais/cuidadores são consideradas como familiar e acolhedor possível para a criança. que estabeleçam por quanto tempo os pais
intrinsecamente relacionadas. Os educadores O responsável pela criança traz-lhe um pe- podem ficar com as crianças. Esta decisão
são por isso encorajados a ser sensíveis tanto queno presente, normalmente um trabalho é tomada conjuntamente pelos pais e pelo
às inseguranças dos pais como às das crian- (desenho, trabalho em feltro ou costura feito educador responsável.
ças. Particularmente as mães podem sentir-se pelo educador) com o símbolo que será atri- A adaptação da criança – e, de facto, todo
simultaneamente ansiosas e culpadas por co- buído à criança no centro para personalizar o processo de transição para os serviços de
locar a criança num centro educativo. o seu cacifo, toalha, lençóis, pente e outros ECI – é apenas o começo de um processo
pertences. É acordada a data e hora do pri- muito mais longo: o trabalho de parceria
Sessões de introdução meiro dia “normal” da criança no centro. com os pais.
(durante todo o verão)
As inscrições são habitualmente feitas no Acolhimento
14 fim da primavera. A maioria dos centros edu-
cativos organiza um programa de sessões
Cada educador acolhe uma só criança de cada
vez, estando previsto que o processo dure
introdutórias durante todo o verão, que tem
como finalidade informar os pais sobre as
práticas do centro e lançar as bases da cons-
trução de futuras relações. Estas sessões
podem incluir apresentações feitas pelos
educadores, mas também convites para pas-
sar algum tempo a brincar no recreio, para
que todos se conheçam.

Reuniões individuais com os pais


(início do verão)
No final de maio ou início de junho, os pais
são convidados para reuniões no final da
tarde com o diretor do centro e os educa-
dores, em que são apresentadas a filosofia
do centro, as regras e rotinas e os serviços
prestados (por exemplo, roupa, alimentação,
observação médica). É nesta altura que os
educadores explicam a importância da parti-
cipação dos pais no processo de adaptação,
sendo-lhes pedido que reservem aproxima-
inFÂnCia na euRoPa

Transição: uma experiência


única para cada criança
Graça Bandola Cardoso é presidente da direção (em regime de voluntariado) do Centro Social de Azurva e
subdiretora de um agrupamento de escolas.
gbandola@gmail.com

Um projeto focalizado especificamente em nhã começa paulatinamente a ser entendido


períodos geralmente olhados como “tempos como verdadeiramente importante e inicia-se
menores” – receção e entrega das crianças um trabalho no sentido de respeitar o modo
– não só fez aumentar o nível de bem-estar como a criança chega e as necessidades que
das crianças como encorajou também os apresenta. Consolida-se o conceito de “quarto
pais a ficarem mais um pouco. Graça Bando- de brincar”, ao ser dada uma especial atenção
la Cardoso enfatiza a “importância de bem à decoração e disposição dos materiais no es-
receber” e de “deixar as crianças brincar”. paço da receção, criando espaços confortáveis
e de boas-vindas, com uma maior variedade de
Houve um tempo no qual as chegadas e par- materiais oferecidos às crianças.
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

tidas das crianças na instituição eram perce- A mudança mais significativa, contudo, dá-se
cionadas como pouco relevantes, não sendo na atitude dos profissionais. Tornam-se mais
visto como necessário pelos diversos interve- sensíveis à ideia de que as transições são uma
Acolhendo uma criança no Centro Social de Azurva
nientes o investir num “mero” tempo de es- experiência única para cada criança, que não
pera. Porém, é esse tempo que pode marcar deve ser orientada pelos adultos; reconhecem
Uma (re)construção do ambiente educativo
o início de um bom ou mau dia das crianças os benefícios da brincadeira espontânea e au-
implica uma visão holística de todos os espa-
numa instituição: um bom começo de dia tónoma, não somente como forma de apren-
ços e de todos os tempos da rotina diária. A
influencia o bem-estar, os sentimentos posi- dizagem e bem-estar, mas como um meio de
preocupação dos educadores centra-se geral-
tivos, a abertura e recetividade ao mundo ex- prevenir sentimentos de solidão e ansiedade.
mente nos espaços da sala de atividades e são
terior por parte das crianças (Laevers, 2005), Estes benefícios foram discutidos com os pais.
por vezes esquecidos os espaços coletivos –
marcando a diferença entre o modo como À chegada são seguidos os sinais das crianças
refeitórios, salas de receção e entrega, casas
estas veem a instituição, o modo como se le- sobre o modo como estas preferem entrar
de banho, corredores. Nestes locais emerge
vantam de manhã, a vontade que manifestam nas atividades em cada manhã. Cada criança
muitas vezes uma falta de cuidado relativa-
ou não de ir para a instituição e a segurança e lida com a transição casa-instituição de forma
mente ao espaço relacional no qual a crian-
descontração com que enfrentam o momento pessoal e única: pode agarrar-se a um objeto
ça se move, e são aí visíveis baixos níveis de
da despedida dos pais pela manhã. Sendo os preferido que a ligue a casa, escolher um brin-
sensibilidade do adulto nas manifestações de
15 tempos em que os pais têm um contacto mais
direto com a instituição, a receção e entrega
quedo no espaço onde a deixam e não querer
estabelecer contacto imediato com a pessoa
respeito, atenção e afeto. Isto tem repercus-
sões na qualidade do bem-estar das crianças.
são também determinantes, em grande par- que a acolhe, ficar a dormitar mais um pouco,
Esta visão alargada da educação e do que é
te, da perceção positiva ou negativa que têm ou simplesmente não fazer nada.
considerado “ambiente educativo” encoraja
daquela. Os níveis de bem-estar das crianças aumentam
os profissionais a maximizar o potencial de
Antes do início do projeto era dada às crian- quando são respeitadas, ouvidas e considera-
cada espaço/tempo. Temos uma obrigação
ças alguma escolha de atividades, geralmente das. Demonstram mais vitalidade e autocon-
cívica de incorporar as crianças em contextos
desenho e jogos de mesa. Contudo, observa- fiança e mostram-se mais relaxadas e envolvi-
que as respeitam, se queremos concretizar
ções realizadas através da Escala SICS – ZICCO das nas atividades que elas próprias encetam.
o seu direito a serem felizes, descontraídas,
(Laevers, 2005) evidenciavam baixos níveis de Nota-se ainda um outro resultado. Anterior-
abertas, recetivas e autoconfiantes (Oliveira-
bem-estar por parte das crianças. Os sinais de mente a este projeto, um número significativo
-Formosinho, in Oliveira-Formosinho et al,
desconforto incluíam choros e conflitos fre- de crianças frequentava atividades adicionais,
2007).
quentes, que iam diminuindo de intensidade ao “extracurriculares”, como natação, música ou
longo do dia. Ainda assim, educadoras e auxi- dança, na crença de que estar inativo ou ocio-
liares não estabeleciam qualquer relação entre so é negativo. Com a progressiva conscien-
estes fatores: o desconforto inicial, o aumento cialização da importância do tempo dedicado REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS
gradual de bem-estar e o modo como as crian- à brincadeira, um número crescente de pais
ças eram recebidas na instituição. foi optando por ficar um pouco mais no cen- Laevers, F. (2005). Manual SICS. Well-being and Involvement
in care settings. A process oriented self-evaluation instru-
A mudança ocorre através da consciencializa- tro, no final do dia, normalmente no exterior, ment. Leuven: Kind and Gezin and Research Centre for Ex-
ção, que emerge da discussão e análise das deixando as crianças brincar e brincando com periential Education.
Oliveira-Formosinho, J. (2007). Pedagogia(s) da infância:
observações, de dois aspetos fundamentais: a elas de forma descontraída, aproveitando os Reconstruindo uma praxis de participação. In J. Oliveira-For-
importância de bem receber e a importância de materiais reciclados e naturais que aí eram mosinho, T. Kishimoto e M. Pinazza (Orgs.), Dialogando com
o passado construindo o futuro. São Paulo: Artes Médicas.
deixar as crianças brincar. Este tempo da ma- deixados pela equipa.
TRansiÇões

um local que lhes pertence


Livia Cosmai é coordenadora dos serviços para as crianças da cidade de Bérgamo, Itália.
liviacosmais@libero.it

A finalidade da transição é fazer que a crian-


ça se aperceba da mudança, mas que esta
seja positiva pela construção de uma nova
relação com o educador que irá trabalhar
com ela, afirma Livia Cosmai.

Um “projeto educativo” em Bérgamo, Norte


de Itália, centra-se em facilitar a transição das
crianças mais pequenas da cidade para os ser-
viços educativos formais.
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

A mudança foi gradual. Começou por deixar


de se fazer um planeamento educativo que
organizava previamente todas as atividades
sem um conhecimento profundo de cada Os pais mantêm-se ao alcance do olhar da criança durante o período
criança para quem essas atividades eram pla- delicado de transição nos centros de CEI de Bérgamo.
neadas.
Procurar que todos os educadores conheçam mudança, o que não é possível. Também não profissionais recomendam cerca de duas se-
cada uma das crianças com que vão trabalhar tem a intenção de evitar que a criança não manas. Alguns pais têm só três dias, outros
constitui o centro de uma política da cidade de exerça qualquer resistência a separar-se dos decidem estar durante um mês ou mais e há
Bérgamo para facilitar a transição das crianças pais, o que é uma reação natural. O objetivo é ainda os que decidem partilhar o processo
para os serviços formais de educação. fazer que a criança se aperceba da mudança, com outros membros da família, tal como
Começa no primeiro encontro com a criança mas que esta seja positiva pela construção de avós, especialmente se a criança demora mais
e a família, que é planeado para obter por- uma nova relação com o educador, que lhe tempo do que o previsto a adaptar-se. A famí-
menores importantes sobre a criança e o seu dará atenção e consolo se for necessário. O lia é um ponto de referência securizante para
ambiente familiar. Por exemplo, o tempo da educador tem de encorajar a criança a des- a criança, proporcionando-lhe estabilidade
entrada é deliberadamente flexível. O objeti- cobrir o novo ambiente onde se sentirá à emocional enquanto ganha progressivamente
16 vo é enquadrar-se tanto quanto possível na
rotina da criança.
vontade para ser protagonista da sua apren-
dizagem, tendo um dos pais ou outro membro
confiança no novo ambiente.
Construir bases sólidas de relações próximas é
A finalidade deste processo não é conseguir da família por perto. Os pais estão presentes vital durante o período de transição. Os edu-
uma transição em que a criança não dá pela durante este delicado processo de transição. cadores observam cuidadosamente como a
A duração do processo é variável, mas os criança reage ao novo ambiente e encorajam a
sua exploração ativa. Também estão particu-
larmente atentos a manifestações de angústia
por parte da criança. Proporcionar bem-estar
à criança é essencial para estabelecer com ela
uma relação baseada na confiança.
Quando os pais vêm ao centro pela primeira
vez pode ser-lhes oferecido um café ou uma
fatia de bolo, dando-lhes também a oportu-
nidade de conversarem com outros pais. Têm
depois a possibilidade de se envolverem em
diversas atividades, como costurar ou cozi-
nhar para as crianças.
Deste modo, o centro educativo torna-se
gradualmente um local que tanto as crianças
como os pais sentem que lhes pertence.
inFÂnCia na euRoPa

o ponto de vista de uma mãe


sobre a transição
Kerstin Mierke

Kerstin Mierke recorda o processo de tran- pudemos ver quanto apoio era dado pelos achávamos que o debate sobre o desenvol-
sição, com o seu apoio e o do pai, do seu educadores. Os trabalhos manuais que os vimento do Aidan era muito “resumido”.
filho de dois anos de casa para o Asilo, pais faziam durante o inserimento pareciam Transmitimos esta opinião e prometeram-
um centro educativo comparticipado para ser considerados muito importantes. Para -nos que, no futuro, dariam mais porme-
crianças dos três meses aos três anos, na além dos álbuns de família, havia argolas de nores. Contactava informalmente todas as
Lombardia, Itália. guardanapo, bordado de bibes e de outros tardes com a educadora responsável pelo
objetos pessoais, que os educadores usa- Aidan, que me contava histórias e “graci-
As crianças que entram de novo para o vam para confortar as crianças e mostrar- nhas”, para além da informação habitual
Asilo começam várias semanas mais tarde -lhes que os pais estavam com elas em sobre as refeições e sesta. Penso que foi
do que as que já o frequentaram antes e pensamento. a sua personalidade e relação com o Aidan
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

é pedido aos pais que fiquem com elas até Durante o primeiro ano, recebemos muita que fez que esse primeiro ano fosse tão
duas semanas, como fazendo parte do inse- informação sobre a criança, tanto formal agradável para nós.
rimento (acolhimento). como informal. As reuniões periódicas de
Durante a primeira semana de inserimento, pais eram um tanto decepcionantes, porque
o meu marido ficou todos os dias com o
Aidan cerca de duas horas sem nunca deixar
a sala. Os educadores observam as crianças Kerstin Mierke e Aidan, o seu filho de 2 anos.
e ocupam os pais, numa mesa ao centro da
sala, com trabalhos manuais. A atividade
que mais apreciámos foi a feitura de um
álbum de fotografias da família pelo meu
marido, de que o Aidan gostou muito.
Na segunda semana, tanto o meu marido
como o Aidan ficaram durante mais tempo
e as crianças passaram períodos cada vez
mais longos na sala, sem os pais.
17 A transição foi bastante suave, tanto para
nós como para o Aidan, mas havia outros
pais para quem era claramente mais difícil e
aPRendiZaGem aTiva

Promover a aprendizagem ativa


em crianças dos zero aos três anos
Gabriela Portugal é professora associada na Universidade de Aveiro e investigadora do Centro do Investigação
Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF), Portugal.
gabriela.portugal@ua.pt

As oportunidades proporcionadas durante a procurar desenvencilhar-se sozinha, a dei- des exploratórias e sociais e um aumento de
os primeiros anos são a base para a criança xar o adulto, a correr riscos, não acontece perturbações de desenvolvimento. Em situa-
construir a sua visão da realidade. Gabriela por oposição a um desejo de proximidade e ções extremadas, o bebé privado de relações
Portugal desenvolve a transposição para a de segurança. Sabemos que a criança não afetivas adequadas pode reagir com apatia,
prática do conceito da aprendizagem ati- tem curiosidade, não evidencia o seu ímpeto distúrbios alimentares, do sono e/ou incapa-
va em crianças dos zero aos três anos, de exploratório a não ser num clima de segu- cidade de desenvolvimento (failure to thri-
modo a tirar partido da sua capacidade de rança. A sua energia, a sua curiosidade, o ve). A criança um pouco mais velhinha pode
empreendedorismo e da sua sede de inde- seu desejo para aprender, em suma, o seu evidenciar comportamentos mais resistentes
pendência. desenvolvimento sensório-motor, social, lin- ou agressivos, pode voltar-se para si mesma
guagem e pensamento estão intimamente em busca de conforto (desenvolvendo hábi-
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

Ao olharmos um bebé, não podemos deixar relacionados com a qualidade das interações tos como chupar ou manipular partes do seu
de admirar o vigor que ele põe na movimen- e ligações afetivas que estabelece com as corpo), pode mostrar medos exacerbados,
tação, ao voltar-se, ao tentar sentar-se, ao suas figuras de referência. indisponibilidade para novos estímulos e ex-
levantar-se, ao andar, ao mexer, ao procurar Lembremos as investigações clássicas de periências, etc.
desenvencilhar-se sozinho, ao comunicar e Spitz (1946) e Bowlby (1992), ou mesmo Har- Em suma, as crianças dependem de adultos
falar cada vez melhor, ao tentar fazer coisas low (1976), evidenciando a importância de atentos e capazes de criar um ambiente de
cada vez mais difíceis. Existe na criança uma figuras de referência afetivamente significa- exploração convidativo e seguro, a partir do
força empreendedora para aprender, mexer, tivas para a aprendizagem e desenvolvimen- qual podem aprender ativamente. A consi-
explorar, fazer as coisas e conhecer a alegria to futuros. Nos seus trabalhos, os autores deração da atividade natural da criança, o
da ação e do sucesso. concluem que é na ausência de bases segu- brincar, a atenção ao mundo experiencial da
Mas esta força empreendedora que a leva ras que se verifica maior restrição de ativida- criança, ou seja, a atenção ao seu bem-estar
e qualidade da sua implicação nas diferentes
atividades e rotinas, e a focalização na qua-
lidade das relações que se estabelecem com
a criança são o fundamento de um programa
educativo de qualidade.
18 De acordo com uma abordagem experien-
cial, a maneira mais económica e conclusiva
para avaliar a qualidade em qualquer contex-
to de ensino é atender a duas dimensões:
bem-estar emocional e implicação experien-
ciados pelas crianças. Como refere Laevers
(2003, p. 14), “Quando queremos saber como
está cada criança num contexto educativo,
temos primeiro que perceber o grau em que
se sente à vontade e age espontaneamente,
demonstra vitalidade e autoconfiança. Todos
estes elementos indicam que o seu bem-es-
tar emocional está bem e que as suas neces-
sidades físicas são atendidas: a necessidade
de ternura e afeto, a necessidade de segu-
rança e clareza, a necessidade de reconhe-
cimento social, a necessidade de se sentir
competente e a necessidade de um sentido
na vida. O segundo critério está relacionado
com o processo de desenvolvimento e exi-
ge do adulto a organização de um ambiente
desafiador que favoreça o desenvolvimen-
to”. Este segundo critério, o de elevada im-
dor poderá questionar várias dimensões do
contexto educativo (Laevers, 2005; Portugal
& Laevers, 2010).

O ambiente educativo
Até que ponto o contexto educativo é “rico”,
apelativo e diversificado? Importa olhar a or-
ganização dos espaços, os materiais lúdicos
disponíveis, a diversidade das atividades em
oferta no decurso do dia. O espaço contém
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

materiais que estimulam diversas áreas de


desenvolvimento sensorial e motor (e.g., ma-
teriais sonoros, escorregas, estrutura de tre-
par, declives, caixa de areia, blocos e outros
materiais de construção) e desenvolvimento
social e linguístico (e.g., livros, bonecas, jo-
gos)?

O papel do educador
O educador tem intervenções estimulan-
tes durante as atividades, enriquecendo o
brincar da criança e criando oportunidades
plicação, apenas acontece quando o desafio O ambiente, a parte do currículo que inclui de evolução da brincadeira? O educador co-
presente na atividade se verifica no prolonga- o arranjo espacial, tal como está organizado, loca questões ou intervém, estimulando a
mento das atuais possibilidades das crianças, pode promover ou restringir o jogo da crian- criança a refletir, a descobrir, a comunicar?
ou seja, em zona de desenvolvimento próximo ça e as suas interações com os outros, pode Organizam-se atividades considerando a di-
19 (Vygotsky) (Laevers, 2003, p. 15). “Implicação
significa a existência de uma atividade mental
facilitar ou não a sua autonomia e rotinas,
os momentos de aconchego e bem-estar
versidade e individualidade das crianças? O
potencial de aprendizagem das atividades e
intensa em que a pessoa funciona nos limites estético. A organização do espaço pode materiais é constantemente refletido?
máximos das suas capacidades em que o flu- facilitar aprendizagens, criar desafios, pro-
xo de energia provém de fontes intrínsecas. vocar a curiosidade, potenciar autonomia e Promover interações positivas
Não se pode conceber uma situação que seja relações interpessoais positivas. A criação de Até que ponto as crianças se sentem à von-
mais favorável ao verdadeiro desenvolvimen- um clima familiar onde se conhece seguran- tade no contexto e no grupo? O espaço é
to. Se pretendemos uma aprendizagem de ça e amplas oportunidades para explorações, agradável, aconchegante, interessante, ca-
nível profundo, não o conseguiremos sem descobertas e estabelecimento de relações ótico, demasiado organizado? Existe pouca
envolvimento” (Ibidem). sociais, exercitando a sua autonomia e com- interação positiva entre as crianças, verifi-
Assim, os níveis de bem-estar e implicação petências permite às crianças envolverem-se cando-se frequentes disputas, lutas, empur-
tornam-se pontos de referência para os pro- ativamente nas aprendizagens. rões? Ou as interações entre as crianças são
fissionais que pretendem melhorar a qualida- Sabendo que cada bebé e criança muito pe- normalmente positivas (e.g., as crianças mais
de do seu trabalho, promovendo o desenvol- quena absorve e integra cada experiência velhas cooperam e partilham; em geral, as
vimento e a aprendizagem. São indicadores vivida, passando esta a fazer parte da sua crianças brincam conjuntamente, raramente
do que a oferta educativa ou as condições forma de sentir e pensar o mundo, na cre- ocorrendo disputas ou brigas). Os adultos
ambientais provocam nas crianças. Perante che, cabe a cada profissional compreender e modelam competências sociais positivas
níveis baixos de implicação, a questão que se assegurar formas diversas e positivas de pro- (e.g., são gentis, escutam, estabelecem rela-
coloca para o educador é: por que é que a im- moção de aprendizagens e desenvolvimento, ções empáticas e cooperantes)?
plicação será baixa? Que poderei eu fazer para atendendo aos seus níveis de bem-estar e de
mudar a situação? Que poderei fazer para au- implicação. Na procura de compreensão para Facilitar a independência e o desafio
mentar os níveis de implicação, ter crianças a os níveis de implicação e de bem-estar emo- Quanta iniciativa e autonomia se vive no
agir e aprender com empenho e alegria? cional evidenciados pelas crianças, o educa- contexto? Importa olhar as oportunidades
aPRendiZaGem aTiva

que existem para as crianças escolherem


o que vão fazer, explorarem e realizarem a
atividade à sua maneira, durante o tempo
que necessitarem; olhar o grau em que as
crianças assumem responsabilidades em si-
tuações várias (e.g., pôr a mesa, arrumar, de-
cidir sobre o local para expor o seu desenho);
olhar a forma como os conflitos são tratados
e as regras são explicadas e concertadas com
as crianças.
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

Aproveitar ao máximo a rotina diária


A rotina diária está bem organizada e tem em
consideração as necessidades de todas as
crianças? O conteúdo, duração e ordem dos
diferentes momentos do dia (comer, dormir,
brincar no exterior…) devem ter em considera-
ção a idade da criança e as suas necessidades
individuais. Importa olhar o plano ou as roti-
nas do dia e pensar: são suficientemente cla-
ros, estruturadores e, simultaneamente, flexí-
veis, assegurando espaço para a autonomia e
segurança de todas as crianças? Até que pon- tado, posto a dormir ou confortado, perce- fraldas, vestir, comer, dormir). Os cuidados
to são introduzidas variações na programação ber, enfim, aquilo que a criança comunica. de rotina são momentos importantes, ofere-
no sentido de respeitar as necessidades das Tudo isto exige um sistema individualizado cendo oportunidades únicas para interações
crianças (e.g., períodos mais curtos no contar de cuidados que promova a proximidade individualizadas e para aprendizagens senso-
20 histórias para crianças com dificuldades de
atenção; mais tempo para crianças que co-
e intimidade entre o adulto e a criança –
existência de uma pessoa de referência ou
riais e comunicacionais. Quando as rotinas
são agradáveis, as crianças aprendem que
mem mais devagar e que não podem terminar pessoa chave, para a criança. O tamanho do as suas necessidades e os seus corpos são
ao mesmo tempo que as outras; condições grupo e o rácio adulto-criança é importante, importantes. A situação de muda de fraldas,
previstas para as crianças que acordam mais pois grupos pequenos permitem mais inti- por exemplo, se realizada de forma respeita-
cedo que a maioria)? Em qualquer momento, midade e segurança, possibilitando oferecer dora, permite o estabelecimento de relações
há um adulto atento e pronto a intervir, se cuidados mais individualizados e atentos às próximas, de envolvimento numa tarefa con-
necessário, atendendo ao interesse e salva- necessidades e capacidades de cada crian- junta, de atenção ao corpo da criança, de di-
guarda do bem-estar da criança? ça. Em pequenos grupos, os diálogos entre álogo, de sensações, de focalização da aten-
A consideração de todos estes elementos é adultos e crianças, através de gestos, vo- ção, etc., podendo esta rotina configurar-se
importante para a compreensão do contexto, calizações, contactos através do olhar, são como um tempo educativo de excelência.
identificação das suas forças e fragilidades e facilitados porque há menos pessoas, menos Antes de conseguirem arrastar-se ou gati-
focalização em objetivos e estratégias educa- barulho, menos atividades em interferência. nhar, os bebés dependem dos adultos para
tivas consequentes, atendendo às caracterís- À medida que o adulto se torna capaz de os levaram até às coisas e para lhes apre-
ticas das crianças entre os 0 e os 3 anos de prever as necessidades das crianças e a for- sentarem um objeto ou atividade interes-
idade (Lally et al, 1995; Portugal, 2011). ma como responderá a diferentes tipos de sante. À medida que se amplificam as suas
estímulos, a criança conhece estabilidade capacidades de mobilidade e manipulativas,
Dos zero a um ano emocional, aprende um sentido de seguran- é importante proporcionar um ambiente bem
Com o bebé muito pequeno, o papel do ça e confiança relacionado com o sentimen- organizado, onde objetos estimulantes estão
adulto é aprender os seus ritmos de sono e to de que as pessoas e o mundo são previ- acessíveis e onde há uma variedade de es-
alimentares, perceber o seu comportamento síveis e oferecem experiências interessantes. colhas e desafios visuais, tácteis e motores
perante novos objetos e pessoas, perceber O dia de um bebé organiza-se em torno de que chamam a atenção da criança, encora-
as suas preferências na forma de ser alimen- experiências de cuidados diárias (muda de jam a curiosidade, a exploração e permitem
que cada uma estabeleça uma relação com o para que a criança encontre quem converse Porque a criança constrói uma realidade a
mundo ao seu próprio ritmo com ela, se sinta escutada e valorizada nos partir das oportunidades oferecidas pelo
seus esforços comunicativos. ambiente, esta realidade construída nos pri-
De um a dois anos meiros anos tem uma influência considerável
Por volta do ano de idade, os bebés po- Dos dois aos três anos nas relações que estabelecerá com outras
dem agora sair e voltar à base segura que No decurso do seu terceiro ano de vida, a crianças, adultos e o mundo em geral. À me-
representa o adulto presente. Podem ser criança expressa-se cada vez melhor através dida que se desloca da relação inicial para
atraídos por um objeto ou um lugar, mas à da linguagem e interessa-se cada vez mais o contexto físico e social mais lato, ela leva
medida que brincam, procuram a segurança pelos seus pares, gosta de imitar o jogo das uma organização de sentimentos, atitudes,
que lhes é conferida pelo adulto através de outras crianças, surgindo comportamentos, expectativas, cognições e comportamentos.
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

um contacto visual, de uma vocalização ou mais ou menos fugazes, de cooperação fu- Leva a sua história, as suas experiências
gesto. Eles dependem de adultos atentos e gidia. Ajudada pelo adulto, aprende a adiar a processadas e integradas, sendo neste sen-
capazes de criar um ambiente de exploração satisfação imediata de um desejo, a esperar, tido que as experiências precoces da criança
convidativo e seguro. É importante que os a alterar a forma de o satisfazer, percebe, exercem a sua influência no desenvolvimen-
espaços incluam recantos confortáveis e re- pouco a pouco, que importa considerar as to. Porque o desenvolvimento não é irreme-
laxantes em que o educador está disponível necessidades dos outros e aprende regras do diavelmente determinado nos primeiros anos
para interagir ou confortar (por exemplo, funcionamento em grupo. Assiste-se a um de vida, cada trajetória de vida tem a opor-
a existência de um sofá na sala, de uma intenso desenvolvimento social e linguístico, tunidade de ultrapassar fragilidades iniciais,
mantinha e almofadas são elementos que à expansão da sua capacidade imaginativa e se experiências adequadas forem posterior-
introduzem uma nota de ambiente familiar ideacional, no jogo de faz de conta, em inte- mente vividas pela criança. Mas não deixa de
e que predispõem à aproximação entre as ração com outras crianças e adultos. Parale- ser um direito do bebé-cidadão poder expe-
pessoas, adultos e crianças). É importante lamente, ainda se mantém muito orientada rienciar, desde a idade de creche, um mundo
que os espaços ofereçam uma variedade de para o movimento e para a ação, necessitan- seguro e estimulante, alicerce de aprendiza-
objetos interessantes, com diferentes textu- do de muito espaço e liberdade para as suas gens ativas e desenvolvimento felizes.
ras e desafios motores diversificados, sem explorações e experiências ativas, Procura
que se gere confusão ou que seja posta em cada vez mais desenvencilhar-se sozinha:
21 causa a segurança da criança. O investimen-
to nos espaços exteriores é importante. Ao
quer vestir-se sozinha, comer sozinha, segu-
rar o copo sozinha; ser ela a tocar a campai- REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS

ar livre, no contacto com areia, terra, água, nha, ser ela a premir o botão do elevador, ser Bowlby, J. (1992). A secure base, clinical applications of atta-
flores, ervas, plantas, troncos, pedras, etc., ela a transportar o balde, a regar as plantas, chment theory. London: Routledge.
Harlow, H. (1976). A natureza do amor. In L. Soczka (ed.). As
as crianças encontram, naturalmente, desa- a utilizar o martelo… Ela investe cada vez ligações infantis. Lisboa: Bertrand.
fios que se situam no prolongamento das mais no seu projeto, obstina-se, excita-se, Laevers, F. (2003). Experiential education - Making care and
education more effective through well-being and involve-
suas capacidades e realizam descobertas in- colocando uma carga afetiva cada vez maior ment. in F. Laevers and L. Heylen (eds.), Involvement of chil-
suspeitadas e sempre renovadas. O espaço no desejo de alcançar, e cedo vemos apa- dren and teacher style, Insights from an International Study
on Experiential Education (pp. 13-24). Studia Paedagogica
exterior é um local altamente estimulante, recer a reação do triunfo. O “viste?”, “olha!” 35, Leuven: University Press.
proporcionando várias sensações corporais, mostram até que ponto a criança quis fazer Laevers, F. et al. (Ed.) (2005), Well-being and involvement in
care settings. A process-oriented self evaluation-instrument.
coisas para olhar e apreciar, coisas para agar- qualquer coisa de difícil e tem consciência Kind & Gezin and Research Center for Experiential Education,
rar, explorar, sentir e manusear, perceção de de o ter conseguido. Ela procura ir além das Leuven University.
Lally, R. et al. (1995). Caring for infants and toddlers in
cheiros, sons próximos e longínquos (e.g., o suas atuais possibilidades, buscando o mais groups. Developmentally appropriate practice, Zero to Three,
chilrear dos pássaros, o barulho do vento na difícil: passar por debaixo da cadeira, saltar Washington.
o degrau da escada, chutar a bola para bem Portugal, G. & Laevers, F. (2010). Avaliação em Educação Pré-
folhagem das árvores, da chuva a cair, do -Escolar. Sistema de Acompanhamento das Crianças. Porto:
cão que ladra). longe, fazer uma torre muito alta, escavar Porto Editora.
um túnel, pintar uma flor com muitas cores, Portugal, G. (2011). No âmago da educação em creche – o
Sob um olhar atento e afetuoso, as crianças primado das relações e a importância dos espaços. In Conse-
desenvolvem sentimentos de confiança e dizer palavras difíceis… lho Nacional de Educação, Educação da criança dos 0 aos 3
E assim, tal como no início, continuamos anos, pp. 47-60. Lisboa: CNE.
competência e aprendem a comunicar, esti- Spitz, R. (1946). Hospitalism, a follow-up report. Psychoa-
muladas por um adulto que demonstra in- a admirar o frenesim que a criança põe na nalytic Study of the Child, 2, 113-117.
teresse em compreender, escutar, observar, procura incessante de novas aprendizagens
fornecer e ensinar palavras. Torna-se impor- e de assegurar níveis elevados de bem-estar
tante providenciar variadas oportunidades emocional e de implicação.
aPRendiZaGem aTiva

Para lá da cancela
Felicity Norton é subdiretora do Núcleo de Investigação de Pen Green.
www.pengreen.org.

Felicity Norton descreve como num centro 1 2


de ECI em Inglaterra os adultos encorajam
e apoiam crianças muito pequenas a ava-
liarem riscos, a serem autodeterminadas,
líderes e decisoras.

Desde 2004 que o Centro de Pen Green para


crianças e famílias no Northamptonshire uti-
lizava uma cancela no corredor principal para
marcar os limites entre o Baby and Toddler
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

Nest, para crianças de menos de três anos, e


o Den, para crianças entre os dois e os qua-
tro anos.
Era uma prática que seguia a tendência his-
tórica em Inglaterra de separar as crianças
mais pequenas das mais velhas. ças mais novas a serem líderes e decisores rou-se a atravessar a cancela; depois, com
O projeto curricular de Pen Green afirma que e a desenvolverem um sentido de domínio o apoio do adulto responsável pelo seu gru-
as crianças devem ser capazes de “desafiar, deste ambiente? A cancela fechada impedia po, passou totalmente para dentro do Den
questionar e escolher”. Esta filosofia e as as crianças de explorarem, criando-lhes um (espaço das crianças mais velhas), acabando
práticas diárias dão oportunidade às crian- limite material imposto pelos adultos. por tomar a iniciativa de se juntar à irmã e a
ças para serem independentes, escolherem Durante um período de seis meses, o centro outra criança, que estavam a lanchar. À me-
e tomarem decisões, que são elementos es- de Pen Green abriu regularmente a cancela dida que o tempo passava, Isabella arriscava-
senciais de bem-estar psicológico, incluindo entre o Baby and Toddlers Nest e o Den du- -se mais e ia explorando todo o ambiente.
a autodeterminação (Ryan, 1995). rante períodos de 60 minutos, observando Demonstrava coragem e resiliência quando
Os profissionais reconheciam as crianças as reações de crianças e adultos. Os resul- não conseguia encontrar a irmã e se aventu-
como dotadas de energia, poder e inde- tados eram surpreendentes e a reação de rava sozinha. Posteriormente, determinada
pendência. Mas parecia haver um paradoxo duas irmãs, Amelia, de três anos, e Isabella, e cheia de energia, Isabella conduziu outras
22 entre o princípio filosófico de promoção da
autoeficácia e a prática diária de Pen Green.
de dois, foi particularmente evidente. Antes
da abertura da cancela, era costume Isabella
crianças onde Amelia a tinha levado antes.
Na perspetiva da teoria da vinculação de
Estava, de facto, o centro a apoiar as crian- ficar a observar a irmã. Ao princípio, aventu- Bowlby (1997) e na de Zona de Desenvolvi-
mento Próximo de Vigotsky (1978), parece
que Isabella utilizou Amelia como “base de
segurança” – uma relação a partir da qual
podia explorar, sendo encorajada pela irmã a
3 4 ir para além do que já conhecia e ser, depois,
capaz de apoiar outras crianças.
O caso de Amelia e Isabella é um exemplo de
como as crianças muito pequenas podem ser
apoiadas para seguir as suas preferências e
dirigir as suas ações – tornarem-se líderes e
decisoras. Também leva os profissionais a re-
fletir sobre o processo de ir transferindo para
a criança um maior controlo da sua ação.
Ao ser -lhes permitido tomarem decisões
sobre as suas ações e atividades, as crian-
ças utilizaram uma grande diversidade de
estratégias e tiveram o apoio de que precisa-

Isabella e Amelia 1. Isabella a observar Amelia. 2. Isabella contente por estar no interior do Den (a sala dos 2 anos), com o profissional responsável e a irmã. 3. Isabella visitando a irmã, indiferente
aos olhares dos espetadores. 4. Amelia levando Isabella para áreas anteriormente não exploradas. 5. Isabella aceitando os desafios motores colocados por Amelia.
a aprendizagem como
um processo aberto
e colaborativo

Em San Miniato, Itália, os serviços para as criança aprende ou podem ajudar a desen-
5
crianças de zero a três anos adotam uma volver a sua compreensão, mas o ato de
visão muito particular da natureza do pro- aprender é interno e pessoal e não pode ser
cesso de aprendizagem. realizado por procuração de outra pessoa.
Neste sentido, “aprender” é um conceito
A criança usa a experiência para construir a sua muito vasto. É efetivamente inseparável do
visão da realidade. O conhecimento e a com- desenvolvimento global da criança, físico e
preensão não estão “lá fora” à espera de serem emocional, bem como intelectual. Inclui cer-
apresentados pelo educatore e transmitidos tamente as atividades mais formais e escola-
a um aprendiz sobretudo passivo. O conheci- res, que a criança irá encontrar em estádios
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

mento e a compreensão são construídos na posteriores da vida. Porém, nos serviços de


mente das crianças, muitas vezes em colabo- ECI prestados em San Miniato relaciona-se
ração com o educatore ou com outra criança. com a questão fundamental de conseguir
A noção da criança como protagonista é a entender-se com outras pessoas e começar
vam para desenvolverem um sentimento de consequência lógica da perspetiva construti- a compreender o funcionamento imediato
domínio sobre o seu ambiente. Os adultos vista de aprendizagem. A criança é conside- do mundo envolvente.
apoiaram o desenvolvimento das estratégias rada como sendo capaz, cheia de recursos e
Extrato retirado de “Young children in charge: A small Italian
das crianças para liderarem a sua aprendiza- totalmente apta para dar sentido ao que se community with big ideas for children (Crianças responsá-
gem através do “dar e receber”, da negocia- passa à sua volta e utilizá-lo para construir veis: Uma pequena comunidade italiana com grandes ideias
ção e da exploração do limite – a cancela –, uma imagem do mundo. Os outros podem para as crianças) Children in Scotland, 2008.
em vez de adotarem “regras” rígidas impos- www.childreninscotland.org.uk/publications
facilitar as experiências a partir das quais a
tas pelo adulto.
À medida que surgiam as estratégias das
crianças, estas começavam a experimentá-
-las nas suas relações com as outras e com
o ambiente.

23 Quanto mais atentos estiverem os profis-


sionais e os pais às estratégias das crianças,
mais oportunidades estas têm de as aplicar e
aperfeiçoar, tornando-se coconstrutoras da
sua aprendizagem. As crianças do Baby and
Toddler Nest e do Den de Pen Green não têm
tempo a perder – estão ávidas de aprender,
prontas a exprimir as suas preferências e a li-
derar a sua aprendizagem. O desafio para os
educadores de infância é “andar para a fren-
te”, afirmando a sua autoridade em questões
curriculares e desenvolvendo as abordagens
pedagógicas que dão melhor apoio à apren-
dizagem das crianças.

REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS

Bowlby, J. (1997) Attachment and Loss, Vol. 1, Pimlico Edition.


Pen Green Center for Children and Families (1983) Curriculum
Document, Pen Green Center, Corby
Ryan, R.M. (1995) Psychological Needs and the Facilitation
of Integrative Processes; Journal of Personality, 63, 397-427.
Vygotsky, L. S. (1978) Mind and Society – The Development
of Higher Psychological Processes, Cambridge, MA: Harvard
University Press.
aPRendiZaGem aTiva

“os peixes andam?”


“os peixes têm asas e voam?”
Hélia Costa é membro da Associação Criança, Universidade do Minho, Portugal.

Hélia Costa descreve o desenvolvimento


de um trabalho de projeto que partiu dos
interesses das crianças mais pequenas
numa creche e jardim de infância em Por-
tugal.

Estamos perante um estudo de caso de um


processo de formação em contexto numa
sala de creche (no ano letivo de 2002-2003)
que procura reconstruir as atividades com as
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

crianças e experimentar fazer projeto, atra-


vés da contextualização da perspetiva da
Associação Criança, a Pedagogia-em-Parti-
cipação (Oliveira-Formosinho, 2011; Oliveira-
-Formosinho e Gambôa, 2011).
O estudo de caso realiza-se numa sala de
creche com 22 crianças com idades compre-
endidas entre os 18 meses e os 2 anos, na
Creche e Jardim de Infância Albano Coelho
Lima, localizada no concelho de Guimarães,
Portugal. Partimos com muitas dúvidas e
incertezas. Mas também com muitas certe-
zas: a primeira é a da necessidade de dar voz nascimento; a terceira, a da importância do importância da qualidade das múltiplas inte-
à criança desde o nascimento; a segunda, contexto para que as suas vozes sejam real- rações para desenvolver com as crianças um
a de lhe dar direito à participação desde o mente ouvidas e escutadas; a quarta, a da quotidiano respeitador.
Estas certezas consolidaram a motivação
24 para reconstruir e desenvolver o ambiente
educativo: organização pedagógica dos es-
paços e seleção dos materiais e organiza-
ção pedagógica do tempo e das interações
(Oliveira-Formosinho e Formosinho, 2012).

A emergência do projeto
Compreendo que as crianças estão interes-
sadas nos peixes. Crio-lhes experiências com
os peixes.
É neste processo de observação e escuta
que procuro entender os seus interesses
e as questões emergentes que permiti-
rão desenvolver uma investigação. Como?
Devolvo-lhes as suas falas para perceber as
suas intenções, ajudando-as a explicitá-las.
Identifico o que as crianças querem saber:
se os peixes andam? Se os peixes têm asas e
voam? Como é que os peixes nadam?
Para responder às questões, as crianças pri-
vilegiam a família como fonte de informação.
A adesão dos pais é grande. As crianças
entusiasmam-se com a informação enviada.
Toda esta informação tem de ser organizada,
para criar situações em que a sua utilização
se traduza em experiências de aprendizagem
das crianças.
O projeto entra agora numa outra etapa.
Aprendemos muitas coisas. Que vamos fazer
agora? Produzir é muito importante para o
aprender porque exige passar da exploração
para a representação. Através da representa-
ção as crianças mostram, tornam visíveis as
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

aprendizagens.
Todas as experiências que as crianças tive-
ram com os peixes, despertaram os sentidos
inteligentes e as inteligências sensíveis e ga-
nharam forma nas suas obras. As crianças
conquistaram as suas próprias representa-
ções da realidade e criaram significado.
Com isto, foi cumprida uma outra etapa des-
te projeto. Os processos e produções vão
ocupando as paredes da sala de atividades
e o ambiente educativo transforma-se. Fala
das aprendizagens das crianças e da colabo-
ração das suas famílias. Mostra o aprender, às nossas perguntas iniciais?» As crianças • os peixes não têm pés. Não têm pernas.
o viver e o brincar. entusiasmam-se a contar o que aprenderam: Têm barbatanas (Afonso);
E é o momento de perguntar: «Então, o que • os peixes têm cabeça com dois olhos e • os peixes não têm braços, têm barbatanas
aprenderam sobre os peixes? Respondemos uma boca (Bernardo); para nadar. Eu tenho braços (Luísa).
25 Considerações finais:
Este estudo de caso mostra o valor da pe-
dagogia-em-participação, abordagem que
defende uma aprendizagem experiencial, o
respeito pelas crianças e famílias, a escuta,
a coconstrução da aprendizagem e a docu-
mentação (Azevedo, 2009).

BIBLIOGRAFIA
Azevedo, A. (2009). Revelando a aprendizagem das crianças:
a documentação pedagógica. Tese de Mestrado em Educa-
ção de Infância. Braga: Instituto de Estudos da Criança, Uni-
versidade do Minho.
Oliveira-Formosinho, J. (Org.) (2011). O espaço e o tempo na
pedagogia-em-participação. Coleção Infância n.º 16. Porto:
Porto Editora.
Oliveira-Formosinho, J., & Gambôa, R. (orgs.) (2011). O tra-
balho de projeto na pedagogia-em-participação. Coleção
Infância n.º 17. Porto: Porto Editora.
Oliveira-Formosinho, J., & Formosinho, F. (2012). Pedagogy-
-in-Participation: Childhood Association educational appro-
ach. Porto: Porto Editora
aPRendiZaGem aTiva

matemática para bebés – um trabalho


físico intenso
Karin Franzén é doutorada e professora catedrática de Ciência Educacional na Universidade de Karlstad, Suécia
Karin.Franzen@kau.se.

O conceito de aprendizagem ativa em Sara demonstra como a aprendizagem im-


crianças até aos três anos, ao centrar-se plica um fluxo recíproco entre o corpo, a
na “educação”, bem como nos “cuidados, mente e a matéria. Por exemplo, Sara ainda
está a levar os educadores a refletir sobre A Sara avança com passos mal seguros não possui vocabulário para explicar a rela-
a promoção da aprendizagem, nesta faixa e repara num grande carro de brinque- ção entre o peso do corpo e as marcas que
etária, de determinadas áreas de conteú- do na entrada. Começa a gatinhar, em a areia lhe deixou na pele, mas o corpo re-
do. Karin Franzén apresenta um projeto de vez de andar, na sua direção, perce- gistou a sensação. Mede o carro com todo
investigação sueco. bendo que deste modo chega lá mais o corpo, “experimentando” o seu tamanho
depressa. O chão é liso e duro, mas e forma, enquanto anda à volta dele. As
Sara para de repente, senta-se de joe- ações observadas transmitem o interesse
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

O currículo sueco para a educação de infân-


cia estabelece claramente a necessidade de lhos e olha para as mãos. Há um pouco por conceitos como categorização, tempo,
as instituições para a infância promoverem de areia no chão, que lhe ficou agarra- tamanho e forma.
aprendizagens matemáticas nas crianças dos da às mãos. Sacode-a e fica a observar Organizar ambientes de aprendizagem que
0 aos 3 anos e que estas devem desempe- as marcas que as pedrinhas deixaram estimulem o corpo e a mente é um desafio
nhar um papel ativo no processo. nas suas mãos. para os educadores. Em termos de mate-
As investigações existentes sobre matemá- Continua a gatinhar para o carro, de- mática, significa proporcionar materiais que
tica na educação de infância incidem sobre- pois faz força para se por de pé e tenta possam ser explorados de muitas maneiras,
tudo na compreensão cognitiva de conceitos entrar. A sua primeira tentativa é mal passando de um conceito estreito de ma-
matemáticos básicos como a contagem e sucedida, porque não levantou sufi- temática para pensar criativamente sobre o
de termos relacionados com a quantidade, cientemente a perna. Levanta mais a modo como a matemática faz parte integral
como “mais” e “menos”. As práticas desen- perna, quase consegue, mas cambaleia de quase tudo o que fazemos, mesmo a
volvidas estão, no geral, mais direcionadas e cai. Tenta outra vez, agora mordendo dança, o movimento e a música. As crianças
para desenvolver a aprendizagem matemáti- o lábio e balança a perna para dentro pequenas precisam de experienciar a mate-
ca em crianças de mais de três anos. do carro. Com um pé dentro e outro mática com os seus corpos.
A minha investigação adota um conceito fora, inclina-se para dentro do carro e
muito abrangente de matemática, centran- usa o corpo como alavanca para me-
26 do-se no que a matemática poderá repre-
sentar para as crianças mais pequenas. Esta
ter a outra perna para dentro. Parece
estar contente no lugar do condutor e
REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS

investigação baseia-se em Lenz Taguchi começa a rodar o volante. Barad, K. M. (2007) Meeting the universe halfway: quan-
tum physics and the entanglement of matter and meaning.
(2010), que considera a aprendizagem como Um pouco depois, a sua expressão
Durham, N. C. : Duke University Press.
um processo orgânico que pode começar e muda e fica com um ar preocupado. Lenz Taguchi, H. (2010) Rethinking pedagogical practices
avançar a partir de qualquer ponto, e em Olha por cima do ombro para um lado in early childhood education: a multidimensional approach
e para outro e parece confundida pelo to learning and inclusion. In N. Yelland (ed.) Contemporary
Karen Barad (2007), que põe em causa as Perspectives on early childhood education (pp. 14-32) Mai-
teorias que afirmam que a linguagem é fun- tamanho e dimensão do carro. Desliza denhead, Berkshire: Open University Press.
damental para a criação de sentido e signi- para fora e começa intencionalmente a
ficação. De acordo com Barad, quando se andar à volta do carro, mantendo uma
estuda o processo de aprendizagem huma- mão em cima e traçando a sua forma
na, não se pode separar o corpo da mente e contornos. De vez em quando, faz
e a sua interação com os objetos e acon- uma paragem e dobra-se para observar
tecimentos. Para sublinhar a constituição mais de perto uma parte do carro. De-
mútua do sujeito e do objeto, Barad usa o pois de dar uma volta completa, volta
termo “intra-ação” e Lenz Taguchi serve-se a entrar no carro e parece estar outra
do conceito de pedagogia “intra-ativa” para vez alegre e bem-disposta. Procura es-
caracterizar uma nova perspetiva da educa- tabelecer contacto visual comigo e faz
ção de infância. um grande sorriso.
A minha observação de Sara, de um ano,
num centro para a infância sueco constitui
um bom exemplo de como as crianças po-
dem “ser” matemáticas.
envoLvimenTo das FamiLias

a “educação das famílias” na Toscana


Enzo Catarsi é professor de Educação Geral na Universidade de Florença, Itália
catarsie@unifi.it

A “educação das famílias” é concebida


para melhorar a vida das crianças, alargan-
do as experiências dos pais”, escreve Enzo
Catarsi.

Segundo a perspetiva toscana, a “educação


das famílias” é fundamental nos serviços de
educação e cuidados para a infância (ECI)
dos zero aos três anos” (Catarsi, 2010; For-
tunati-Catarsi, 2011; Catarsi-Fortunati, 2011).
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

Para além das reuniões iniciais em pequeno


grupo para apresentar o centro, os serviços
organizam muitas vezes ateliês em que os
pais se reúnem para fazer fatos de másca-
ra, marionetas, livros e outros objetos para
as crianças e também festas para celebrar
acontecimentos importantes como o Natal,
o Carnaval ou o fim do ano escolar.
Todos estes acontecimentos, embora pare- Pais a brincar na creche.
çam informais, são considerados oportuni-
dades para os pais partilharem as suas ex-
periências de educação de crianças, a fim de 12 semanas. Durante os primeiros encontros, se expressar abertamente é a preocupação
criar uma rede de suporte. o grupo reflete em conjunto sobre os temas principal do animador do ateliê. Esta liber-
Os ateliês de educação das famílias são que considera importantes e chegam cole- dade de expressão constitui a base de uma
sempre orientados por um especialista em tivamente a um acordo sobre o que vai ser autorreflexão democrática e coletiva. A fina-
educação de infância e implicam, habitual- debatido nas semanas seguintes. lidade do ateliê não é ser didático e mudar o

27 mente, grupos de 15-18 pais que se reúnem


semanalmente durante um período de 10 a
Conseguir que os pais se sintam suficien-
temente à vontade para serem capazes de
comportamento dos pais, mas estimulá-los,
através da autorreflexão, debate e troca de
pontos de vista, a procurar novas maneiras
de fazer.
Deste modo, a finalidade dos centros para a
Uma sessão de leitura em voz alta para pais. Pais numa oficina de fim de tarde a fazer decorações para
educação e cuidados para a infância não re-
o centro.
side apenas em prestar diretamente serviços
às crianças, mas em melhorar as suas vidas,
alargando as experiências dos pais.

REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS

Catarsi, E. (2010) Family and ECEC services in Tuscany. Italian


Journal of Family Education I, 2010, pp. 5-15.
Catarsi, E. Fortunati, A. (2012) Nurseries in Tuscany. Beauty,
quality and participation in the proposal of “Tuscany Appro-
ach” for children and families, Junior Edition, Parma.
Catarsi, E. (2008) Pedagogy of the family Carocci, Rome
(tradução espanhola. Pedagogia de la família, Octahedron,
Barcelona).
Catarsi, E. Fortunati, A. (2011). The Tuscany approach to
education in early childhood education and care services.
Junior, Parma.
envoLvimenTo das FamiLias

Redes familiares nos montes apeninos


Anna Pelloni é coordenadora dos serviços de educação e cuidados para a infância em Serramazzoni, Itália.
primainfanzia@comune.pavullo-nel-frignano.mo.it

Nos montes Apeninos italianos, os serviços dos filhos, através de iniciativas informais
de educação e cuidados para a infância são como o passeio semanal na mata e outras,
o fulcro das ligações comunitárias, explica um pouco mais formais, como ateliês sobre
Anna Pelloni. questões que interessam especialmente aos
pais.
Durante o outono, se for dar um passeio Para além destas iniciativas, cada centro or-
nas matas dos montes Apeninos em Itália, ganiza também outras atividades como, por
poderá encontrar um grupo barulhento e di- exemplo, “a ordenha da manhã” numa quinta
vertido de crianças a colher castanhas com próxima ou a horta, no exterior do centro.
os pais. Os adultos estão muito ocupados A Comissão para a Infância organiza um
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

a ensinar as crianças a retirar as castanhas conjunto de ateliês como a natação do sá-


sem se picarem nos ouriços, a trocar receitas bado, “Canto, jogo e movimento”, Danças
feitas com castanhas ou a limpar os picos africanas e Quinquilharias, abertos a todos
de mãozinhas doridas de apertar os ouriços os pais cujos filhos frequentam os vários
com excessivo entusiasmo. centros do concelho. Alguns ateliês usam os
Este grupo de famílias tem os filhos num equipamentos da autarquia, como a piscina
dos serviços de educação e cuidados para a aquecida e o centro de danças étnicas, ou-
infância (ECI) de Serramazzoni e está a dar tros surgem da possibilidade de haver pais
o seu passeio semanal de sábado. Muitas com determinadas competências. Este ano,
destas atividades de exterior são organiza- foram animados por um cantor de ópera e
das pelo Comitato Servizi Prima Infanzia (Co- um professor de ginástica. ajudam a evitar o sentimento de isolamento,
missão dos Serviços para a Primeira Infância), Estes acontecimentos que criam uma rede frequente nos pais de áreas rurais que estão
constituído por representantes dos pais, dos entre famílias são muito valorizados pelos em casa a tratar dos filhos.
educadores e dos diretores de cada serviço, pais, que aproveitam a oportunidade para Os nossos serviços de ECI são locais em
com um coordenador para a infância contra- partilhar com outros a sua experiência en- que se forjam relações entre pais, não pelo
tado pela autarquia. A Comissão tem como quanto pais, passam tempo de qualidade simples facto de os filhos frequentarem a
28 principal responsabilidade promover a par-
ticipação dos pais na educação e cuidados
com os filhos e sentem-se, de facto, como
fazendo parte de uma comunidade. Também
mesma instituição, mas devido a uma consci-
ência comum que decorre da perceção de se-
rem parceiros dos profissionais na tarefa de
educar e cuidar das crianças da comunidade.
A ECI é considerada como um processo de
diálogo, partilha e reciprocidade que a torna
central na vida da comunidade.
Após seis anos de organização de atividades
deste tipo, verificámos que os pais estão a
transpor este espírito iniciado na creche para
o jardim de infância e para a escola do 1.º
ciclo. Recentemente surgiu a ideia de um
Banco de Tempo, em que os investidores
fazem trocas de tempo. Por exemplo, trocar
uma hora a empilhar lenha por uma hora de
conversação em francês, o que é não só um
meio de estreitar relações na comunidade,
mas também de dar oportunidade às crian-
ças mais velhas para tomarem parte em ati-
vidades formativas do caráter.
aRQuiTeTuRa e desiGn

um bom design para aprender


com sucesso: pedagogia e arquitetura
Michele Zini é arquiteto e designer de ZPZ Associados, Itália. Realizou diversos projetos de investigação com
as Crianças de Reggio.

Há belos edifícios que não constituem am- ças aprenderem e crescerem. Os arquitetos tituídos pelas “qualidades sensoriais” imate-
bientes eficazes de aprendizagem para as não devem trabalhar sozinhos. Quando ZPZ riais acima referidas. A nossa investigação
crianças. Michele Zini descreve como ar- Associados começou a investigação (Gepi e produziu uma espécie de “código genético”
quitetos e educadores podem criar espaços Zin, 1998) com Crianças de Reggio, em 1994, dos espaços para crianças – os arquitetos,
educativos estimulantes que irão contribuir para criar um diálogo entre arquitetura e designers, educadores e outros que o to-
para melhorar a qualidade educativa. pedagogia, a equipa incluiu representantes mem como ponto de partida podem criar
dos domínios da educação, psicologia e de uma variedade infinita de espaços, mas to-
Não existe uma fórmula para determinar o ciências de sistemas complexos (um mem- dos terão em comum, esperamos nós, uma
que faz de um espaço um bom ambiente bro da equipa era um engenheiro biológico qualidade e um “espírito” semelhantes.
educativo. Essa fórmula não tornaria as coi- que estudava o modo como o cérebro per-
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

sas mais fáceis, nem serviria a grande com- ceciona formas), bem como da arquitetura, Ateliês multissensoriais: a finalidade é criar
plexidade e espontaneidade da infância. Mas arte, design interativo (criação de relações espaços que constituam ateliês para os sen-
após anos de investigação em projetos de significativas entre as pessoas e os produ- tidos das crianças, que lhes permitam ser os
espaços para crianças em Reggio Emília, Itá- tos e serviços que utilizam) e design senso- seres humanos ricos e competentes que são
lia, o ZPZ Associados consegue talvez apre- rial (centrado na luz, cor, tato, cheiro, som e e realizar o seu incrível potencial criativo.
sentar valores, qualidades e instrumentos microclima). A nossa tarefa era coordenar os
que podem ser úteis como orientação para diferentes contributos para que se comple- Luz: a iluminação proveniente de diversas
educadores e arquitetos. mentassem mutuamente, embora mantendo fontes para proporcionar uma luz tanto
No projeto de um espaço para crianças, a a visão especializada. concentrada como difusa e diferentes “tem-
abordagem holística é essencial. A qualida- Era necessário passar da simples constru- peraturas”, cores quentes, frescas e branco
de estética ajuda, mas nem sempre um belo ção de estruturas para a ideia de criação de rosado. A luz também permitirá criar dife-
edifício é um bom ambiente para as crian- “ecossistemas artificiais” para crianças cons- rentes sombras, com que as crianças podem
brincar.

Cor: as cores devem ser mais variadas do


que os simples vermelhos, amarelos e azuis
29 que os adultos relacionam muitas vezes com
a infância. O objetivo é fornecer às crianças
um esquema subtil de cores, com muitas to-
nalidades diferentes, contrastes e variedade
para ampliar a riqueza visual.

Som: o ambiente sonoro é uma dimensão


ambiental, que pode ser projectada, não
apenas diminuindo e aumentando os níveis
acústicos, mas também concebendo possi-
bilidades de som. Por exemplo, o ambiente
sonoro pode ser agudo, abafado ou bem
torneado.

Cheiro: o “ambiente aromático” também


pode ser projetado. Materiais como a borra-
cha, a cortiça e o látex têm cheiros caracte-
rísticos, e o cheiro dos produtos de limpeza,
dos elementos naturais e outras fragrâncias
também são importantes.

Mana Tamariki Nova Zelândia Tato: uma variedade de materiais cria um


contexto multissensorial com superfícies-
aRQuiTeTuRa e desiGn

Berçário – ZPZ Associados


bém se reúnem neste local para trabalharem
em projetos conjuntos.

Espaço: os ambientes de aprendizagem não


devem estar simplesmente divididos segun-
do funções específicas. As áreas muito es-
pecializadas, por exemplo para fazer música,
têm o seu lugar. Mas espaços mais genéri-
cos, como a piazza central, são fundamen-
tais pela sua flexibilidade, o que é ainda mais
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

importante quando a nossa conceção global


de educação vai evoluindo no sentido de
abertura, conhecimento, pesquisa e inven-
ção sem limites.
As “qualidades sensoriais” imateriais são
instrumentos de design com grandes poten-
cialidades na criação de ambientes de apren-
dizagem estimulantes e acolhedores. Tornar-
-se-ão possivelmente ainda mais impor-
tantes à medida que formos sabendo mais
sobre os processos cognitivos das crianças.
Rainbow Family Centre (Centro Familiar Arco-Íris) Port Glasgow, Escócia
É também importante a investigação recente
sobre “neurónios espelho”, que aponta para
que a nossa interpretação do comportamen-
to dos outros desempenha um papel funda-
mental na nossa capacidade de ter empatia
30 e conviver com outros.
Não há dúvida de que é difícil projetar espa-
ços flexíveis e em contínua mudança que re-
flitam ainda “as cem linguagens da criança”.
As crianças são seres complexos, o que im-
plica uma abordagem complexa da conceção
do espaço. No entanto, é um investimento
que vale a pena.
Em Reggio Emília, o primeiro educador da
criança são os pais e o segundo, o educador
da sua sala. O terceiro é o ambiente. O am-
biente da criança não é apenas um contexto
de aprendizagem ou um pano de fundo pas-
sivo em que se realizam atividades. É uma
parte integrante da aprendizagem e ajuda as
crianças a definir a sua identidade.

macias e rugosas, húmidas e secas, opacas, Relações: todas as escolas e centros para Este artigo foi inicialmente publicado em
brilhantes, translúcidas e transparentes. a infância de Reggio Emília têm uma piazza, Making Space: architecture and design for
uma área central idêntica à da praça de uma young people. Children in Scotland, 2011
Microclima: a ventilação, a humidade, a cidade, em que os três principais sujeitos da www.childreninscotland.org.uk/makingspace
temperatura, a poluição, etc. têm impacto comunidade – crianças, educadores e pais –
no uso funcional do espaço. podem conviver. Por vezes, as crianças tam-
aPoio adiCionaL à aPRendiZaGem

dar resposta às necessidades


de todas as crianças
Sally Cavers é diretora de Enquire, serviço de aconselhamento escocês para o apoio educativo especial.
info@enquire.org.uk www.enquire.org.uk

Como é que os serviços regulares podem 12% das crianças até aos três anos, sendo por semana que realizam anualmente uma
dar uma resposta mais eficaz a todas as a sua frequência gratuita para crianças des- observação da saúde de todas as crianças.
crianças dos zero aos três anos e desem- favorecidas ou com necessidade de apoio Assim, a frequência de um serviço de ECI au-
penhar um papel na identificação dos que especial (neste momento, os outros pais só menta as probabilidades de identificação de
precisam de apoio especial? Sally Cavers contribuem para pagar as refeições). problemas relacionados com a saúde.
descreve o apoio que é prestado, na Hun- Há, no entanto, listas de espera e em 2010 Se as crianças têm de ser avaliadas para
gria, a alguns dos seus jovens cidadãos houve na Hungria 4000 crianças que se ins- beneficiar de medidas de apoio especializa-
mais vulneráveis. creveram e não tiveram lugar. do organizadas individualmente, a presença
Em dezembro de 2011, visitei dois serviços de de serviços de saúde e de profissionais de
ECI no Distrito 18 de Budapeste em que os educação especial na instituição facilita a
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

De acordo com a política europeia, o apoio e


o investimento em bebés e crianças até aos profissionais calculam que identificam cerca troca de informação entre os educadores e
três anos é mais eficaz quando faz parte de de cinco crianças por ano com necessidade as famílias, em que intervém, quando ne-
um sistema abrangente e universal de edu- de apoio especial. Falaram da confiança que cessário, o contributo do especialista. O
cação e cuidados para a infância. os pais depositam nos educadores e da re- vice-presidente da autarquia e o pessoal da
A Comunicação da Comissão Europeia sobre ação maioritariamente positiva que encon- creche reconhecem que há um problema de
Educação e Cuidados para a Infância subli- tram quando falam com os pais sobre as quantidade, havendo grandes listas de espe-
nha a universalidade da Educação e Cuida- suas preocupações. ra e falta de serviços de ECI nalgumas das
dos para Infância (ECI).”Relativamente às As crianças que frequentam estes serviços áreas com menor densidade de população.
crianças com necessidades educativas espe- e que tenham sido identificadas como ne- Apesar disso, é evidente haver uma significa-
ciais, os Estados-membros comprometeram- cessitando de um apoio especial têm um tiva e consistente atribuição de recursos pú-
-se, pela adesão à Convenção da ONU sobre acompanhamento especializado periódico. A blicos para as crianças dos 0 aos três anos.
os direitos das pessoas com deficiência, a responsabilidade pela educação e cuidados Katalin Acsai, da Associação de Creches da
adotar abordagens inclusivas da educação das crianças com necessidades significativas Hungria, afirma que “os primeiros anos ficam
(…). Reconhecendo o potencial da ECI para e complexas cabe a uma comissão de psi- para sempre”. De facto, a coordenação dos
dar resposta aos desafios da inclusão (…) que cólogos, pediatras e educadores do ensino serviços para crianças até aos três anos exis-
depende da organização e financiamento do especial (licenciados em Pedagogia). O apoio tente na Hungria tem como consequência
31 sistema de ECI. Foi claramente demonstra-
do pela investigação que o acesso universal
é dado, quer no serviço de ECI que frequen-
tam, quer num centro de desenvolvimento
que a identificação, atendimento e apoio a
necessidades especiais faz parte da vida das
a uma ECI de qualidade é mais benéfico do da criança, quer ainda num instituto espe- instituições regulares de ECI.
que intervenções dirigidas exclusivamente cializado. As necessidades das crianças com
a grupos vulneráveis. Uma ECI direcionada problemas menos complexos são atendidas
para determinados grupos coloca problemas, no serviço regular de ECI, sem recurso a
apoio especializado. REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS
porque na prática é difícil de identificar com
precisão o grupo alvo, há tendência para No Distrito 18, um coordenador da integração Comissão Europeia (2011) Comunicação da Comissão: Edu-
é responsável pela avaliação e orientação do cação e Cuidados para a Infância: Proporcionar a todas as
estigmatizar os beneficiários e pode mes- crianças o melhor começo para o mundo de amanhã [COM
mo levar à segregação em fases posteriores apoio às crianças que necessitam de apoio (2011) 66]
da educação. Os serviços direcionados para especial. Cabe-lhe fazer uma primeira visita à http://ec.europa.eu/education/school-education/doc/chil-
casa das crianças que foram referenciadas à dhoodcom_en.pdf
determinadas populações têm também mais
probabilidades de ser cancelados do que os comissão de supervisão pelos pais ou por um
serviços universais” (CE, 2011). profissional de saúde, para debater o tipo de
apoio que será necessário. Este coordenador
Distrito 18, Budapeste, Hungria tem um maior envolvimento no início, que se
Na Hungria, há subsídios de licença parental reduz quando tudo está organizado.
para que os pais possam ficar em casa a cui- Há uma relação próxima entre os profissio-
dar dos filhos durante os três primeiros anos nais de saúde e os serviços de ECI. Por exem-
de vida da criança, mas também um sistema plo, os visitantes de saúde têm de passar um
bem implantado de educação e cuidados atestado quando a criança se inscreve num
para as crianças deste grupo etário. Atual- serviço de ECI e há, nestes serviços, pedia-
mente, esse sistema tem capacidade para tras contratados um certo número de horas
aPoio adiCionaL à aPRendiZaGem

Ter um filho com autismo

Quando uma criança é sinalizada pelos te, prepará-los para compreender e apoiar a
serviços de educação regular como tendo criança. Embora o diagnóstico só possa ser
Marta Petrus, uma deficiência, um apoio individualiza- feito depois de a criança ter 18 meses, muitas
coordenadora da educação do permanente pode ser extremamente das crianças encaminhadas para o programa
especial no Distrito 18 importante. O programa Early Bird do La- têm ainda menos de três anos. Considera-
de Budapeste narkshire do Sul, Escócia, dá apoio aos pais -se essencial envolver os pais o mais cedo
enquanto a criança está à espera de diag- possível.
“Ajudo a coordenar o apoio especiali- nóstico ou foi diagnosticada como autista. “Ajudamos os pais a ver o mundo com os
zado de psicólogos educacionais, psi- olhos dos filhos”, diz Margot Mooney. “As
cólogos, terapeutas comportamentais, crianças a quem foi diagnosticado autismo
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

A maioria das crianças encaminhada para


fisioterapeutas e terapeutas da lingua- o Programa Early Bird foi diagnosticada podem ter comportamentos muito difíceis.
gem, permitindo que a sua intervenção como tendo autismo pelo Serviço de Diag- Se um pai/mãe não compreende as causas
abranja a criança, a família e o centro nóstico de Autismo do Lanarkshire do Sul, subjacentes a estes comportamentos, isso
de ECI. depois de ter sido anteriormente sinalizada pode ter, a longo prazo, um impacte signifi-
pelos serviços regulares de saúde por atra- cativo e, por vezes, negativo na sua relação
Organizo o plano anual para a criança sos de desenvolvimento. Muitos pais nesta com o filho. A atenção centra-se em primei-
a partir das discussões do seu caso, situação sentem-se destruídos e isolados e ro lugar nas razões desses comportamentos
realizadas trimestralmente. De acordo aceitam de boa vontade não só o aconse- difíceis da criança, na gestão do comporta-
com as necessidades, cada profissio- lhamento profissional dado pelo programa, mento, na melhoria da comunicação, no jogo
nal dá opinião e apoio, segundo a sua mas também a oportunidade que este lhes e nas rotinas do dia a dia, como dormir, co-
área de especialidade, sendo o trabalho oferece de desenvolver uma rede de apoio mer e a sua higiene.”
orientado para o desenvolvimento da entre pares. As avaliações dos pais demonstram o impac-
confiança, resiliência e competências O Programa Early Bird dirigido pela técnica to positivo que pode ter um apoio direcio-
da vida diária da criança, dando-se de apoio à família Margot Mooney e pela nado deste tipo. “Compreendo agora que o
particular atenção à sua socialização. professora especializada Shirley Muir dispo- mau comportamento não se destina a abor-
Os profissionais também aconselham e nibiliza um curso de 13 semanas, aprovado recer ou irritar”, diz um pai. “Modificar o que
32 apoiam os pais da criança e os profis-
sionais de ECI que com elas trabalham.
pela Sociedade Nacional de Autismo, que
tem como objetivo dar mais conhecimentos
digo e faço, ou o ambiente, tem influência
no comportamento do meu filho.”
Este apoio é especialmente importante aos pais sobre a doença e, por conseguin-
quando, como muitas vezes acontece,
os pais também têm necessidades es-
peciais.

Neste contexto, os serviços de ECI


tornam-se meios importantes para pro-
porcionar apoio parental. A incidência
deste apoio é sempre no sentido de
capacitá-los no seu papel de pais. “
os PRoFissionais

educadores altamente qualificados para


o trabalho com as crianças mais jovens
Päivi Lindberg é diretora de serviço nos Serviços para a Criança, Adolescente e Família no Instituto Nacional de
Saúde e Segurança Social de Helsínquia, Finlândia.

A qualidade da educação e cuidados para a


infância está intrinsecamente ligada à qua-
lidade dos profissionais. Päivi Lindeberg
analisa os saberes, perícia e competências
requeridos no trabalho com a faixa etária
dos zero aos três anos.

Os níveis de formação dos profissionais, o


acesso a oportunidades de desenvolvimento
profissional e a qualidade das condições de
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

trabalho são elementos centrais para a boa


qualidade dos serviços de Educação e Cui-
dados para a Infância (OCDE, 2006). Porém,
o que deve ser pedido aos profissionais que
trabalham com crianças dos zero aos três
anos para lhes proporcionar o melhor come-
ço de vida possível?
É cada vez mais consensual que as crianças
pequenas necessitam de cuidados e educa-
ção. Contudo, não se trata do mesmo tipo
de “educação” que é ministrada pelos pro-
fessores das escolas. Nos países nórdicos,
a pedagogia para as crianças em idade pré-
-escolar, que inclui as crianças dos zero aos
três anos, promove a aprendizagem através
do jogo, sendo os “cuidados” uma parte in-
33 tegrante do processo.
Segundo Dahlberg e Moss (2006), “[a pe-
dagogia] articula um conceito específico de
aprendizagem (que dá prioridade à relação,
diálogo e construção de significados, em vez
da transmissão de um saber predetermina-
do) com uma ideia lata do cuidar, que vai
muito para além dos cuidados físicos, para Conhecer os direitos da criança e saber Compreender a “pedagogia da escuta”
significar interesse e envolvimento em todos como os aplicar na prática. Esta aplicação (Rinaldi, 2006). Os educadores precisam de
os aspetos da vida (social, física, estética, exige o reconhecimento do enorme poten- ter boas competências de comunicação e es-
cultural, etc.)”. cial da criança. Mesmo as crianças pequenas cuta, que incluam a capacidade de fazer que
Educadores qualificados que trabalham com que necessitam de um apoio especial podem as crianças sejam visíveis, sendo sensíveis às
crianças pequenas precisam de: participar, à sua maneira, numa grande diver- suas necessidades, ideias e pensamentos.
sidade de atividades. Esta capacidade exige um adulto atento,
Saber apoiar o bem-estar, encorajar o que trabalha num ambiente emocionalmente
desenvolvimento positivo e estimular Ser capazes de construir uma ligação entre caloroso e seguro, em que as crianças po-
a aprendizagem. Na Finlândia, os profis- a teoria e a prática. Devem ser capazes de dem ser elas próprias. As crianças devem ter
sionais sublinham a importância das ativi- relacionar os conhecimentos teóricos com as possibilidade de mobilidade independente
dades normais do dia a dia e a diversidade necessidades individuais das crianças com e de exploração, podendo escolher entre a
de oportunidades que proporcionam às que trabalham. Um questionamento reflexi- diversidade de materiais acessíveis e de equi-
crianças de se envolverem e participarem vo é fundamental: “Por que estou a fazer o pamentos à sua disposição. Os educadores
em todos os aspetos que dizem respeito à que faço? E estará adequado a esta criança devem saber planear de forma a permitir que
sua vida. em particular?” as crianças participem plenamente, desde o
os PRoFissionais

momento que chegam até que saem, tanto atitude positiva e refletida relativamente ao REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS
dentro da sala como no exterior, o que se trabalho com crianças e famílias é tão impor- Dahlberg, G. & Moss, P. (2006) Ethics and Politics in Early
reflete nos recursos que utilizam e nas ima- tante como um diploma formal. Childhood Education. RoutledgeFalmer.
Oberhuemer, P & Schreyer, I. (2008) Que profissional? Infân-
gens e mensagens que estes comunicam. As Ser capaz de tudo isto exige educadores ex-
cia na Europa, n.º 15, 9-11.
Orientações Curriculares Nacionais da Fin- tremamente competentes. Porém, os relató- OCDE (2006) Starting Strong II Early Childhood Education
lândia para a ECI afirmam, por exemplo, que rios da OCDE de 2006 e 2001 indicam que and Care. Paris: OCDE.
“jogo, movimento, exploração e expressão em muitos países europeus os profissionais OCDE (2001) Starting Strong Early Childhood Education and
Care. Paris: OCDE.
livre através de diferentes formas artísticas” que trabalham nas respostas autorizadas le- Rinaldi, C. (2006) In dialogue with Reggio Emilia: Listening,
são formas de agir e pensar próprias das galmente para crianças com menos de três Researching and Learning. Routledge.
crianças. Essas atividades promovem o bem- anos têm, no geral, menos formação do que Stakes (2005) Varhaiskasvatussuunnitelman perusteet toinen
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

tarkistettu painos. Helsinqui: Stakes, Oppaita 56 (Orienta-


-estar da criança e a perceção de si-próprias os que trabalham com crianças com mais de ções Curriculares Nacionais para a ECI da Finlândia).
e aumentam as oportunidades de participa- três anos. Esta situação encontra-se sobre- Sylva, K., Melhuish, E. C., Sammons, P., Siraj-Blatchford, I.,
ção. Uma atividade que as crianças conside- tudo nos países que têm sistemas de ECI Taggart, B. (2004) The Effectve Provision of Pre-School Edu-
cation (EPPE) Project: Technical Paper 12 – The Final Report:
ram significativa também lhes permite ex- em que cuidados e educação estão ainda Effective Pre-School Education. London DfES/Institute of
pressar os seus pensamentos e sentimentos. divididos, com diferentes departamentos do Education, University of London.
Governo responsáveis por cada grupo etário
Ser capazes de trabalhar em ambientes (Oberhuemer e Schreyer, 2008). Um proble-
complexos em parceria com pais de di- ma mais grave relativo aos profissionais nos
ferentes meios sociais, culturais e edu- sistemas divididos é que muitos serviços não
cacionais, e com outros profissionais da estão regulamentados, o que significa que
educação, saúde e serviços sociais. Muitas os profissionais não têm qualquer formação
crianças e as suas famílias têm necessidades (OCDE, 2006).
de apoio especial e os profissionais de edu- A situação é diferente nos países nórdicos e
cação desempenham um papel importante, bálticos da UE e também na Eslovénia, em
tanto na identificação dessas necessidades que as estruturas administrativas dos servi-
como na prestação de apoio ou, pelo me- ços de ECI foram integradas e é exigida uma
34 nos, no aconselhamento de onde o poderão
obter. As famílias também devem sentir que
formação mais longa, a nível do ensino su-
perior, aos profissionais com maior respon-
fazem parte da comunidade de ECI, o que sabilidade no trabalho com crianças desde o
pode ser conseguido pela documentação do nascimento até à idade de entrada na esco-
trabalho da criança e pela utilização de práti- laridade obrigatória.
cas dialógicas colaborativas. As Orientações O estudo EPPE (Sylva, Melhuish, Sammons,
Curriculares da Finlândia para a ECI (Stakes, Saraj-Blathchford, Taggart, 2004) demons-
2005) referem uma parceria educacional que trou que mesmo as crianças mais pequenas
dá importância às oportunidades de envol- tinham melhores resultados a longo prazo
vimento dos pais nas atividades através da em centros que tinham um currículo equili-
melhoria de diversas formas de documenta- brado, que integrava educação e cuidados,
ção. Os pais e os profissionais são incentiva- pessoal com uma formação elevada, mistu-
dos a elaborar um plano individual para cada ra social de crianças e grupos reduzidos. Ao
criança, que é periodicamente avaliado e re- proporcionar às crianças mais pequenas as
formulado. A finalidade desse plano é deba- atividades pedagógicas adequadas, é possí-
ter abertamente as oportunidades e desafios vel transformar a tradicional abordagem dos
que o currículo coloca a cada criança. cuidados numa abordagem holística com
finalidades desenvolvimentais abrangentes.
Ter uma atitude positiva e refletida. As
crianças são curiosas e interessadas, gostam
de explorar, experimentar. Trabalhar com
crianças significa abrir uma janela para um
mundo de aventuras e oportunidades. Uma
apoiando os primeiros passos

Um projeto no Lanarkshire do Sul, Escócia, Apoio aos pais para brincarem em casa com • Prevenção e gestão de violência e agres-
contribui para a compreensão dos conheci- bebés e crianças pequenas – atividades e são;
mentos, perícia e competências diversifica- ideias que contribuem para cada estádio do • Impacte de maus-tratos domésticos nas
dos e complexos que são necessários para desenvolvimento da criança e promovem os crianças e jovens.
dar resposta às necessidades do grupo etá- pais e cuidadores como os primeiros e mais A capacidade do profissional para desen-
rio do pré-nascimento aos três anos. importantes educadores; volver uma relação e dar apoio aos adultos
• Trabalho em serviços integrados para chave na vida das crianças é tão importante
O programa Primeiros Passos tem como crianças; como os conhecimentos, perícia e compe-
finalidade quebrar o ciclo de pobreza, de- • Normas de partilha de informação; tências diretamente relacionados com o
sigualdade e fraco rendimento das famílias, • Manutenção de registos; trabalho com crianças.
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

centrando-se exclusivamente no período • Estágios em clínicas de encaminhamento, O programa começa na fase pré-natal,
entre o início da gravidez e os três anos. A centros familiares, programas de saúde e apoiando a grávida na adoção de compor-
maioria da equipa é constituída por profis- serviços integrados para crianças da região; tamentos saudáveis. A relação desenvolvida
sionais com muita experiência em educação • Acompanhamento de parteiras; nesta fase é fundamental para a continui-
e cuidados para a infância, mas com for- • Saúde familiar, incluindo nutrição, saúde dade do apoio proporcionado nos primeiros
mação contínua intensiva para aprofundar oral, tabagismo, atividade física, abuso três anos de vida da criança. Shirley Mitchell,
conhecimentos, perícia e competências de de drogas e saúde mental (pré-natal e diretora do programa afirma: “O apoio pós-
modo a serem capazes de dar o apoio holís- pós-natal); -natal centra-se nas competências paren-
tico exigido e de refletir sobre as necessida- • Efeitos do álcool e drogas na gravidez; tais e no desenvolvimento de interações
des deste grupo etário. • Primeiros socorros a crianças e bebés; positivas com a criança, com especial aten-
A formação abarca diversos tipos de temáticas • Reanimação de bebés; ção ao brincar e ao falar desde a mais tenra
que incluem o desenvolvimento da criança, a • Aleitamento e apoio ao desmame; idade. O programa Primeiros Passos tam-
aprendizagem pelo jogo, promoção e apoio • Apoio a famílias com dificuldades emo- bém dá ajuda em questões práticas como
à saúde, trabalho com outros profissionais e cionais ou comportamentais; habitação, finanças, realização de estudos e
serviços, apoio à família – tanto emocional • Primeiro apoio em saúde mental; empregabilidade. A finalidade global é criar
como prático. O programa de formação para • Apoio a famílias para acederem a bene- autoestima e resiliência nos pais, porque se
35 os profissionais de Primeiros Passos abrange:
• Proteção da criança;
fícios sociais e a outros serviços como
aconselhamento em caso de endivida-
sabe que isto vai ter um impacto positivo
na criança em desenvolvimento. Esperamos
• Desenvolvimento da criança; mento; que os resultados positivos se mantenham
a longo prazo.”
Embora este programa se centre particular-
mente em mães vulneráveis de comunida-
des desfavorecidas, os conhecimentos dos
profissionais de Primeiros Passos fazem
ressaltar a diversidade e complexidade que
envolve o trabalho de apoio à criança du-
rante os primeiros anos. “As competências
e o conhecimento especializado dos pro-
fissionais são essenciais para permitir que
transmitam corretamente as mensagens,
trabalhem com as famílias de forma ade-
quada e atuem eficazmente com os servi-
ços parceiros. As qualidades pessoais são,
no entanto, fundamentais para atingir es-
tes resultados”, acrescenta Shirley Mitchell.
“Do ponto de vista das famílias é esta a
chave para o programa ter sucesso.”
os PRoFissionais

Celebrando
a infância em Cowgate
Lynn McNair explica o que espera dos pro- a perspetiva sociológica. Viver num mundo independentemente da fase da vida em que
fissionais que vêm trabalhar para o centro de globalização e migração implica a neces- se encontra. A infância tem de ser enaltecida
que dirige em Edimburgo, Escócia. sidade de ter um pensamento aberto e ca- como um período com o seu valor próprio
pacidade de adaptação e flexibilidade para e não como uma preparação para o futuro.
As crianças têm o direito a um profissional dar resposta ao desenvolvimento holístico Há certamente muitas outras competências
que demonstre alegria, entusiasmo e afeto e único próprio de cada criança. A partir que contribuem para alargar as experiências
pelas crianças com quem trabalha. As pesso- deste conhecimento, espera-se que os pro- da criança num centro educativo. Por exem-
as podem diferenciar entre os profissionais fissionais tenham competências de reflexão plo, os profissionais de Cowgate tiveram li-
que trabalham com crianças mais pequenas e qualidades reflexivas que lhes permitam ções de guitarra, em sessões conjuntas com
e os que trabalham com as mais velhas, mas uma análise crítica e uma valorização contí- as crianças, para melhorar canções e jogos,
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

a realidade é que as suas competências de- nua do progresso, que lhes permita planear e há um pequeno grupo que também está a
vem ser fluidas, de modo a poderem traba- ambientes estimulantes para as crianças. Por começar com aulas de trabalhos em madeira.
lhar com todas as crianças do centro – pro- exemplo, que a qualidade dos planos que Um centro de educação e cuidados para a
fissionais sensíveis ao que observam e que elaboram reflita o que sabem da criança e infância não é a casa das crianças nem a es-
adaptam as suas respostas às crianças e suas dos seus interesses e o modo atento como cola, embora deva ter um caráter “familiar”,
famílias. a escutam. em que os profissionais vivem com as crian-
É, evidentemente, essencial que tenham um Nesta prática, a criança é tratada com res- ças, pais e outros membros da comunidade.
profundo conhecimento da psicologia do peito e confiança, considerada como plena
desenvolvimento e de outras teorias que de potencialidades e capacidades e, sobre-
influenciam a educação, como por exemplo, tudo, como agente da sua aprendizagem,

36
a influência masculina
Os homens perfazem apenas uma peque-
na percentagem dos profissionais de edu-
cação de infância. Será que contribuem
com competências e saberes diferentes?
Lynn McNair explica por que gostaria que
houvesse equilíbrio entre homens e mu-
lheres nos profissionais dos centros para
a infância.

Os saberes e competências requeridos aos


inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

profissionais que trabalham com crianças


pequenas são independentes do género.
Contudo, não há dúvida de que a influência
masculina pode acrescentar alguma coisa
a um centro para a infância e melhorar as
experiências que são proporcionadas às
crianças.
Em Cowgate, quatro dos 22 membros da
equipa são homens. Estes quatro homens
incluem o porteiro, que tem uma excelente
relação com as crianças e as envolve nas
suas tarefas diárias.
Scott, com 35 anos, é um dos três profissio-
nais qualificados. Candidatou-se a um lugar
na educação e cuidados para a infância
quando tinha 16 anos, mas não foi aceite.
37 Depois, trabalhou na construção civil como
montador de andaimes, mas diz que nunca
perdeu o interesse por trabalhar com crian-
ças pequenas, embora pensasse que era
uma profissão que lhe estava vedada, até
há pouco tempo, quando as atitudes sociais
relativas a os homens trabalharem em cui-
dados para a infância começaram a mudar.
Os homens que trabalham neste centro têm
uma influência calmante nalgumas crianças.
Talvez em casa seja o pai que as consola, ou
será do tom de voz, ou então porque são
pessoas de temperamento calmo. Também
observámos neste centro que os homens
estabelecem relações próximas com os pais,
particularmente com os pais do sexo mas-
culino. Na última década, houve uma gran-
de mudança no envolvimento dos pais do mais à vontade, a ficarem mais tempo e a para os homens. Em resposta a um anúncio
sexo masculino nos cuidados para a infân- participarem nalgumas experiências com as recente para contratação de um auxiliar de
cia e, neste centro, pelo menos metade das crianças. É importante conseguir um equi- educação, um terço das candidaturas foram
crianças são trazidas ou levadas pelo pai. líbrio entre profissionais do sexo feminino de homens.
A presença de profissionais do sexo mas- e masculino e há sinais de que a educação
culino parece ajudar os pais a sentirem-se de infância se está a tornar mais atrativa
avaLiaR a QuaLidade

valorizar e avaliar a qualidade de eCi


para crianças dos zero aos três anos
Tullia Musatti, Mariacristina Picchio e Isabella Di Giandomenico são investigadoras no Instituto de Ciências
Cognitivas e Tecnologias do Conselho Nacional de Investigação de Itália
tullia.musatti@isct.cnr.it

Nos últimos 10 anos, um grupo de investi-


gadores italianos concebeu um sistema de
avaliação dos serviços para crianças dos
zero aos três anos. Isabella Di Giandome-
nico, Tullia Musatti e Mariacristina Picchio
resumem a abordagem participativa ado-
tada.

A qualidade dos serviços de Educação e Cui-


dados para a Infância (ECI) tornou-se, interna-
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

cionalmente, uma questão relevante no início


da década de 1990. Nos países mais industria-
lizados, o aumento de participação das mu-
lheres, de todas as classes sociais, no mercado
de trabalho levou a que a procura de serviços
de ECI se tornasse uma questão social impor-
tante. Como os conhecimentos profissionais e
científicos também se ampliaram, as questões
anteriores sobre os efeitos da frequência dos
serviços de ECI no bem-estar e desenvolvi-
mento das crianças foram substituídos por
uma preocupação mais centrada na qualidade
e adequação das práticas que assegurassem
resultados positivos. Deste modo, valorizar e
avaliar a qualidade surgiram como duas faces
da mesma moeda (Moss e Pence, 1994).
Em Itália, a preocupação generalizada com
a qualidade dos serviços de ECI levou a dar
38 importância à questão da avaliação durante
a década de 1990. Na última década, o nosso
grupo de investigação concebeu um sistema
para avaliar os serviços para crianças dos
zero aos três anos. Neste artigo, apresenta-
mos, em linhas gerais, a perspetiva em que o
sistema se baseia (Di Giandomenico, Musatti
& Picchio, 2008).

Porquê avaliar a qualidade?


Avaliar a qualidade de um serviço de ECI a
fim de controlar o cumprimento de normas e
requisitos é uma responsabilidade específica
dos serviços dos governos. Porém, quando O que é a qualidade? ECI devem ainda ter em conta o estatuto das
diretores ou profissionais avaliam o apoio Em 1991, um documento europeu (EC- Child- crianças, famílias e sociedade e as suas rela-
de um serviço aos processos de bem-estar, care network, 1991) afirmava que a qualidade ções em transformação. Estas considerações
aprendizagem e socialização das crianças, é “relativa” e que a sua definição é “um pro- significam que, apesar de o desenvolvimento
planeiam em simultâneo ações para melhorar cesso em construção”. As respostas institu- das crianças seguir processos idênticos nas
as normas, através de inovações na prática. cionais de ECI enquadram-se na organização diferentes culturas, não é possível estabe-
Assim, melhorar a prática e controlar são as social e nas suas mudanças estruturais e lecer uma definição universal de qualidade,
duas principais finalidades da avaliação das culturais, ao longo dos espaços nacionais e nem existe uma única prática adequada.
respostas de ECI. Embora possam parecer dos tempos. As finalidades e objetivos edu- Assim, a definição de qualidade da ECI não
duas finalidades diferentes, podem ser inte- cativos mudam, as práticas que apoiam a sua é apenas uma questão de especialistas. Es-
gradas com vantagem. realização mudam também. As práticas de calas como a ECERS e a ITERS-ECERS, cuja
finalidade é avaliar a qualidade dos serviços dos clientes”. O sistema que propusemos in- e os contrastes entre todos os contributos
de ECI baseada em práticas desenvolvimen- clui procedimentos específicos de avaliação permitem um ajustamento recíproco dos as-
talmente apropriadas, não são sensíveis ao dos pais, durante os quais lhes é pedido para petos subjetivos e possibilitam a emergência
contexto e não têm em consideração dife- expressar a sua opinião sobre a experiência dos significados partilhados. É especialmen-
rentes perspetivas pedagógicas e culturais. do filho e, também, a sua. te importante que a discussão não gire em
Na rede municipal italiana de ECI, os coor- torno de atitudes, convicções ou abordagens
Avaliação participativa: quem e como? denadores pedagógicos desempenham um culturais, mas se centre numa documenta-
A avaliação das respostas de ECI deve seguir papel importante no apoio às práticas dos ção comum, que torne as práticas do servi-
um processo democrático, dando a todos a profissionais e em garantir a qualidade dos ço transparentes para todos. No sistema de
oportunidade de debater a sua opinião e ou- serviços perante as autarquias locais. Es- avaliação que propusemos, é recomendado
inFÂnCia na euRoPa ediÇÃo esPeCiaL 2013

torgando a responsabilidade da avaliação às tão assim, simultaneamente, numa posição aos coordenadores e profissionais que ob-
crianças e famílias. O debate sobre a educa- externa à realização da prática e interna à servem e documentem todos os aspetos
ção e cuidados das crianças pode tornar os promoção da sua melhoria. O papel do co- que definem a qualidade do serviço, dando
serviços de ECI um fórum de relações demo- ordenador é particularmente valorizado, no particular relevo às experiências quotidianas
cráticas, proporcionando oportunidades de sistema de avaliação proposto, pois tem de das crianças (Di Giandomenico, Musatti &
desenvolvimento cultural nas nossas socie- dar a sua opinião sobre a qualidade do servi- Picchio, 2011). A análise e debate desta do-
dades. Deste modo, a qualidade do serviço ço, bem como sobre o apoio e coordenação cumentação sistemática, por todos os par-
de ECI é construída através de um processo das atividades de avaliação dos profissionais ticipantes, irá conduzir à expressão de juízos
participativo, sendo a avaliação considerada e dos pais. qualitativos e fundamentados. Evitam-se os
como um ato ético e político (Infância na Eu- Os decisores políticos e os serviços do Go- juízos sintéticos como a atribuição de níveis,
ropa, 2007, Musatti, 2011). verno têm de garantir o direito das crianças porque não favorecem a compreensão mú-
O sistema de avaliação que propusemos in- à educação, assegurar uma igualdade de tua entre participantes. É pedido a todos
clui todos os intervenientes envolvidos na oportunidades para todos e prestar contas que justifiquem os seus juízos de valor, ten-
qualidade da resposta de ECI e nesse enqua- do investimento da sociedade na ECI. Este do como referência um conjunto de finali-
dramento participativo comum são tidas em envolvimento implica pareceres formais so- dades e objetivos educativos previamente
consideração as diferenças de situação e de bre a qualidade do serviço. A necessidade comunicados ou apresentados noutros con-
papéis que desempenham. de articular estes pareceres com o processo textos democráticos.
A avaliação está inserida no horário diário contínuo de reflexão e debate entre todos os
39 dos profissionais de ECI e tem em conta a
sua posição específica de participantes dire-
intervenientes mais centrados na melhoria
das práticas constitui uma questão central
tos no contexto educativo. A avaliação tem do sistema de avaliação proposto, em que REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS
de se tornar uma componente essencial da os juízos de valor de todos os intervenientes
Children in Europe (2007) Young Children and their Services:
sua prática profissional, promovendo os pro- são integrados num relatório final da quali- Developing an European Approach.
cessos reflexivos, valorizando as competên- dade do serviço, que confirma o cumprimen- www.childrenineurope.org
cias de observação e análise da prática, bem to das normas e a consecução de objetivos, Di Giandomenico, I.; Musatti, T. & Picchio. M. (2008) The Role
como os seus resultados, e constituindo a apresentando também uma proposta de of Evaluation in the Construction of na Integrated System
of ECEC O papel da avaliação na construção de um sistema
base de um processo permanente de inova- inovação e melhoria das práticas no futuro. integgrado de ECI Rassegna Italiana di Valutazione, XII, 40
ção e melhoria da qualidade. 89-106
Os pais têm de confiar que a frequência da A avaliação participativa será fiável? Di Giandomenico, I.; Musatti, T. & Picchio. M. (2011) Using
ECI vai apoiar o bem-estar e desenvolvimen- A participação dos diferentes intervenientes written reports as a tool for analysis and evaluation of
children’s experience in day care center. In EADAP (eds.)
to dos filhos. Estabelecem relações com a levanta a questão da objetividade da avalia-
ERATO – Analyse, evaluate and innovate: A guide for ea-
instituição e os profissionais, contribuem ção. A autoavaliação dos profissionais é con- tly childhood and care (0-6) (pp.70-90) Edinburg: Children
com as suas atitudes, convicções e com- siderada adequada à prática educativa, mas in Scotland
portamentos para a qualidade do serviço e demasiado subjetiva. Porém, se a avaliação European Commission Childcare Network (1991) Quality in
estão dispostos a participar nos cuidados e externa é tida como mais objetiva, pode dei- Services for Young Children: A Discussion Paper. Bruxelas:
European Commission, Equal Opportunities Unit
educação prestados aos filhos a diferentes xar escapar aspetos essenciais da qualidade Moss, P. &Pence, A. (eds.) (1994) Valuing Quality in Early Chil-
níveis. O modo como um serviço responde do serviço. Na nossa opinião, uma avaliação dhood Services. London: Paul Chapman Publishing
a estes requisitos e os níveis de participação fiável exige processos rigorosos de regulação Musatti, T. (2011) Evaluation: Participatory, Democratic and
parental são indicadores da sua qualidade da participação de todos os intervenientes Transparent www.childrenineurope.org
OCDE (2006) Starting Strong II: Early Childhood Education
(OCDE, 2006). A participação dos pais na internos e externos, refletindo simultane-
and Care. Paris: OCDE
avaliação do processo não pode no entanto amente as diferenças das suas posições,
ser reduzida a uma avaliação de “satisfação papeis e opiniões. O debate, a integração

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