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Medida Provisória: o filme na aula de

História
Publicado por Caroline Dähne em 27/04/2022

Nas últimas semanas foi lançado nos cinemas brasileiros o novo


filme nacional chamado Medida Provisória. Dirigido por Lázaro
Ramos, o enredo trata sobre o Brasil num governo futuro, no qual
uma Medida Provisória é aprovada pelo Congresso Nacional para
realizar a devolução dos negros à África, como uma reparação
histórica pelos séculos de escravidão em nosso território.

A temática tratada no filme remete à diversas áreas da História


brasileira e pode ser um ótimo recurso didático para abordar
conteúdos como a Escravidão e o Racismo em nossa sociedade.

Nós do Nas Tramas de Clio assistimos o filme e elaboramos algumas


dicas para que os nossos colegas professores de História possam
trabalhar com seus alunos. Seja levando eles ao cinema, ou depois
quando o filme estiver disponibilizado em outros formatos para ser
utilizado em sala de aula.

* Lembrando que a Classificação Indicativa do filme é de 14 anos, então nossas dicas se adequam ao trabalho com alunos do
Ensino Médio.
Medida Provisória: uma distopia?
Já indicamos aqui no blog várias obras que se encaixam no gênero
ficcional conhecido como Distopia para ser trabalhadas em sala de
aula. Se você ainda não conhece do que se trata, recomendamos a
leitura do texto abaixo:

Quando falamos em livros, filmes ou séries que se encaixam no


gênero Distopia, a maioria deles partilham de características em
comum, tais como, enredos que se passam num futuro não muito
distante, mas indeterminados temporalmente; sociedades com
governos autoritários, baseados em restrições das liberdades
individuais e no uso da violência; bem como, várias inspirações na
História Mundial.

Com o filme Medida Provisória, não é diferente. A novidade é que


essa distopia acontece em terras brasileiras. Baseado na peça
“Namíbia, não!” de Aldri Anunciação, que foi produzida em 2011, o
enredo se passa num futuro, tem um governo autoritário e se baseia
na estrutura escravocrata que nosso país teve por séculos. Tudo
isso possibilita que o filme seja utilizado como recurso didático nas
aulas de História.
Como trabalhar o filme Medida
Provisória na aula de História?
A utilização de filmes no ensino de História é muito comum, mas o
professor precisa tomar alguns cuidados para que esse recurso seja
bem discutido e não vire apenas um “entretenimento” durante as
aulas. Para preparar sua aula usando o Medida Provisória ou
qualquer outro filme como recurso didático indicamos a leitura do
texto abaixo:

Analisando o filme:
Após assistir o filme com os seus alunos, o ideal é discutir a ideia
central da trama e depois partir para uma análise mais detalhada
dos elementos apresentados. Nós fizemos uma lista de temas que
podem ser abordados nessa análise e relacionados com conteúdos
de História. É claro que para analisar todos eles, seria necessário
várias aulas. Isso vai depender do planejamento do professor, você
escolhe aquilo que melhor atende os objetivos da aula.

Contexto Histórico:
A trama de Medida Provisória inicia com a promessa do governo
brasileiro em pagar uma indenização à população negra pelos anos
de escravidão no país. População essa, que não é mais chamada de
negra e sim de Melanina Acentuada.

Essa promessa não é cumprida e em seguida o governo cria um novo


programa chamado de plano “Resgate-se já”. Cujo objetivo é
fornecer a passagem para que os cidadãos que tivessem “algum
traço” que remetesse fisicamente à ascendência africana pudessem
retornar à África.

A propaganda criada pelo governo reforça a ideia de que essa


medida iria reparar historicamente os danos causados por séculos
de trabalhos forçados em terras brasileiras, durante a escravidão.

O plano encabeçado pelo recentemente criado “Ministério da


Devolução” inicialmente era voluntário. Mas, devido à resistência,
logo o plano de devolução se tornou compulsório, utilizando da
violência para obrigar essas pessoas a irem para a África.
Como trabalhar o contexto histórico do
filme?
Existem diversas abordagens que podem ser feitas a partir desse
olhar inicial. Nossa primeira sugestão é para que os professores
utilizem o filme quando já tiverem abordado a temática da
Escravidão em suas aulas. Assim, os próprios alunos terão
autonomia para iniciar o debate e as análises sobre a obra.

Ao abordar a temática geral do filme, podemos realizar discussões


sobre políticas eugenistas aplicadas anteriormente em nossa
História. O governo do filme, ao enviar as pessoas negras para fora
do país, está aplicando uma política de branqueamento da
população nacional e reforça a ideia de que a população branca
seria pretensamente “superior” às pessoas de “melanina
acentuada”.

Essa discussão pode auxiliar na identificação de práticas racistas


que ainda acontecem no dia a dia da sociedade brasileira e que
aparecem no filme.

Ancestralidade e Raízes
Em várias partes do filme, as falas remetem a ideia de que o
governo brasileiro estaria fazendo “um favor” às pessoas negras ao
enviarem elas para a terra de seus antepassados. Isso fica
evidenciado na propaganda realizada pelo governo que incentivava o
programa “Resgate-se Já”, baseado naquela ideia de: “vocês
valorizam a cultura africana e buscam um resgate da memória?
Então voltem para a sua terra”.

Como trabalhar a Ancestralidade em sala de


aula:
Nas cenas em que a inspetora entrevista as pessoas e pergunta
para onde na África elas gostariam de ser enviadas, os professores
podem realizar uma abordagem com os alunos identificando as
estratégias utilizadas pela sociedade escravocrata brasileira no
apagamento da identidade dos escravizados.

Como fazer isso?


 Evidencie que os escravizados eram separados de seus grupos
e familiares como forma de evitar rebeliões.
 Ressalte as mudanças de sobrenome realizadas em terras
brasileiras, no momento em que os escravizados eram
batizados no cristianismo e por vezes recebiam sobrenomes
que indicavam quem eram os seus “donos”.
 Aponte a falta de registros que indiquem corretamente de onde
esses escravizados vinham, como forma de facilitar o
apagamento da memória e identidades individuais, facilitando o
processo de aculturação.
 Questione os alunos: para onde ir quando não se sabe
exatamente quais são essas raízes?

Elementos Históricos: Os Afro


Bunkers
Uma das cenas mais emblemáticas do filme, ocorre quando Capitu,
personagem interpretada pela atriz Taís Araújo, foge do hospital
onde era médica e corre para a floresta para ficar escondida durante
a noite. Ao chegar novamente na cidade, Capitu encontra outros
fugitivos e é levada em segurança para um Afro Bunker.

Como trabalhar em sala de aula?


As cenas da fuga de Capitu podem ser analisadas com os alunos
sobre como ocorriam as fugas dos escravizados durante o Brasil
Colônia e Império. Com as matas sendo refúgios temporários ou
permanentes. Essas cenas, trazem elementos visuais e sonoros que
remetem ao passado do nosso país. Já os Afro Bunkers, maneira
como é chamado no filme os esconderijos dos negros, podem ser
relacionados com os Quilombos.

Elementos Históricos: a simbologia do


filme
É impossível não reparar na utilização de referências históricas ao
longo do filme, seja em nomes ou em números. Isso pode ser
analisado em sala de aula com os alunos, segundo os exemplos
abaixo:
 Medida Provisória 1.888: reforce com os alunos que o número
da medida refere-se ao ano em que foi realizada a Lei Áurea no
Brasil, libertando os escravizados. Levante uma discussão
sobre como essa pretensa liberdade aconteceu. Para isso,
demonstre como tanto na medida provisória, quanto na Lei
Áurea, os negros não receberam nenhum tipo de assistência
após a criação da lei.
 Inspetora Isabel: no filme, a responsável do governo para
implantar a medida provisória no país é a personagem Isabel,
interpretada pela atriz Adriana Esteves. O nome não é mera
coincidência, afinal a mulher que entrevista os cidadãos de
“melanina acentuada” e os “liberta” para voltarem à África, tem
o mesmo nome da Princesa Isabel, responsável pela assinatura
da Lei Áurea. E que por muito tempo foi chamada de
“redentora”, aproveite e analise com os alunos essa
representação. Aqui no blog temos algumas sugestões de
atividades sobre isso.

 Antônio Gama: o personagem, interpretado pelo ator Alfred


Enoch, é um advogado brasileiro que resiste ao plano “Resgate-
se Já” e fica dentro do seu apartamento. No início do processo
de “devolução”, ele faz várias ações contra a Lei, tentando
lutar judicialmente em prol dos cidadãos de “melanina
acentuada”. O nome do personagem e a sua profissão são
inspirados em Luís Gama, o advogado abolicionista brasileiro
que é considerado o Patrono da Abolição da Escravidão no
Brasil.

Temas atuais:
Além de todas as abordagens que sugerimos acima, o filme
possibilita a discussão de várias temáticas atuais e muito
necessárias. Em uma das cenas, um repórter angolano entrevista
brasileiros recém chegados à África e aponta o descontentamento
dos angolanos com a chegada dos imigrantes em seu território. Essa
cena pode ser utilizada para levantar discussões sobre Xenofobia no
tratamento com imigrantes. Além de discussões sobre o conceito de
Identidade, baseado na ideia de que no Brasil as pessoas de
“melanina acentuada” eram considerados africanos e na África eles
eram considerados brasileiros, não se encaixando em nenhuma
dessas sociedades.
Em outras cenas, temas como cotas, cultura/talento negro na
formação brasileira e a situação da mulher negra na sociedade são
também ressaltados. Eles podem ser abordados nas aulas de
História, a partir da contextualização da nossa sociedade e da
formação do povo brasileiro.

Temos também aqui no blog, alguns textos que podem auxiliar


nessas abordagens em sala de aula:

Afrofuturismo
Toda a estética do filme é baseada no conceito de Afrofuturismo
que, segundo informações disponibilizadas no instagram do filme,
consiste no movimento que valoriza a cultura negra na ficção, como
no uso de roupas e cenários.

A análise visual do filme, pode ser realizada em sala de aula,


observando os vestuários dos personagens remetendo à herança
cultural africana em nossa sociedade. Esses elementos podem ser
observados no trailer do filme abaixo:

Trilha Sonora de Medida Provisória


Além dos elementos visuais e do enredo, a trilha sonora de Medida
Provisória também pode ser utilizada como recurso didático nas
aulas de História. Com músicas de grandes nomes do cenário
brasileiro, como Elza Soares e Cartola, o filme valoriza novamente a
cultura negra brasileira.

Segue abaixo a lista de músicas da trilha sonora do filme:


Trilha Sonora do Filme Medida Provisória. Disponível
em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Medida_Provis%C3%B3ria_(filme)
E dicas de como utilizar músicas no Ensino de História:

Além de um plano de aula em que mostramos como analisar a


Escravidão na música de um dos integrantes da trilha sonora do
filme, Rincon Sapiência:

https://www.olimpiadadehistoria.com.br/especiais/planos-de-aula/
plano/6.45365?page=2&editions=6&classes=1,2,3

Medida Provisória: o Filme na


aula de História
Se você leu até aqui já percebeu que estamos falando de um ótimo
filme nacional e que pode contribuir muito como recurso didático na
aula de História. Então corre pro cinema e prestigie essa obra. Se
utilizar nossas dicas, nos conte nos comentários como foi trabalhar

com os alunos esse filme


Até a próxima!

Observação: as imagens utilizadas são para fins educativos.


Categorias: HISTÓRIAPLANO DE AULA Tags: “aula de história” “Distopia” “Ensino de História”
“Escravidão” “História do Brasil” “Medida Provisória” “recurso didático” “sala de aula”

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