Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Autores
1
Paulo Augusto Moreira Camargos
Publicação: Nov-2003
www.pneumoatual.com.br
ISSN 1519-521X
o perfil de susceptibilidade aos antimicrobianos. Apesar da inexistência de pesquisas neste
sentido, a relação custo-benefício do diagnóstico etiológico, pelo menos em serviços de referência,
parece compensar o dispêndio com a antibioticoterapia desnecessária.
Em trabalho realizado na Finlândia com quase nove mil crianças de três meses a 14 anos de idade
(média de 5,6 anos), verificou-se 201 casos de pneumonia durante os 12 meses de duração da
pesquisa. Entre os 133 pacientes em que foi possível estabelecer a etiologia por métodos
sorológicos (66% do total), os vírus estiveram envolvidos em 25% dos casos, enquanto as
bactérias foram responsáveis por 51% dos quadros. Nos 24% restantes foi identificada etiologia
mista, predominando a associação entre bactérias. Nos 201 pacientes com pneumonia
comprovada radiologicamente, o Streptococcus pneumoniae foi identificado em 28% deles, o
Mycoplasma pneumoniae em 22%, a Chlamydia sp em 14%, o Haemophilus influenzae em 6% e a
Moraxella catarrhalis em 2%. O vírus respiratório sincicial respondeu pela maior parte (21%) dos
agentes virais identificados. Além da menor participação viral, que contrariou as expectativas,
chama atenção no perfil etiológico encontrado neste estudo o predomínio do pneumococo e do
Mycoplasma pneumoniae e a relativamente discreta participação do H. influenzae.
Este fenômeno é também comentado num artigo de revisão sobre pneumonias, na qual autores
canadenses afirmam que, nos países desenvolvidos, o H. influenzae tipo b chega a ser
responsável por 5% a 18% dos casos de pneumonia bacteriana, proporção que tem sido reduzida
marcadamente com a introdução da vacinação específica. Entretanto, relembram que cepas não-
tipáveis, para as quais ainda não se dispõe deste recurso profilático, continuam figurando entre as
três principais causas de pneumonia bacteriana, precedidas pelo pneumococo e pelo hemófilo tipo
b.
www.pneumoatual.com.br
ISSN 1519-521X
5 - Há relação entre etiologia e a idade do paciente?
Sim. Com o pequeno número de estudos etioepidemiológicos realizados neste país, panorama que
se espera seja modificado no futuro, o clínico deve lançar mão da clássica associação entre
etiologia e idade. Regra geral, os vírus predominam nos primeiros anos e vão deixando lugar para
bactérias e Mycoplasma pneumoniae a partir do final do período pré-escolar.
Assim, a prática clínica tem indicado as seguintes associações:
• lactentes com mais de três meses de idade
por ordem de freqüência, os agentes seriam os vírus, sobretudo o respiratório sincicial, o
pneumococo e os hemófilos, sobretudo o tipo b e as cepas não-tipáveis. O S. aureus, a Chlamydia
sp e o Mycoplasma pneumoniae têm relevância ainda desconhecida neste grupo etário, mas
devem integrar o perfil etiológico e devem ser considerados no diagnóstico diferencial.
• pré-escolares
ainda predomina a etiologia viral. A participação do S. aureus reduz-se e, inversamente, o
envolvimento do M. pneumoniae eleva-se paulatinamente a partir de quatro e cinco anos. Os
agentes bacterianos principais seguem sendo o S. pneumoniae e o H. influenzae, mas com
progressivo destaque para os primeiros.
• escolares e adolescentes
o pneumococo é o principal causador dos quadros bacterianos e o tratamento deve ser a ele
dirigido nos pacientes cujos exames subsidiários sugiram processo bacteriano. Na ausência destas
anormalidades e/ou de resposta terapêutica, o clínico deve considerar a participação do M.
pneumoniae, microorganismo de prevalência crescente nesta faixa etária. Chlamydia pneumoniae,
hemófilos e vírus, nesta ordem, são os demais agentes causais.
Em virtude das suas implicações para a prática clínica, caberia ainda salientar a possibilidade de
ocorrência de etiologia mista, que alcançou 25% no estudo de Heiskanen-Kosma et al, enquanto
que a associação do S. pneumoniae com o H. influenzae ou com bastonete Gram-negativo, foi
observada, respectivamente, em 3,9% e 2,0% na casuística de Ejzenberg e colaboradores.
www.pneumoatual.com.br
ISSN 1519-521X
10 - Qual a contribuição da radiologia para o diagnóstico genérico de pneumonias
comunitárias?
A radiografia simples de tórax em duas incidências (PA e perfil) é indispensável para o diagnóstico
presuntivo entre quadros virais e bacterianos e, por conseguinte, para orientar o tratamento.
Correta e minuciosa deve ser também sua interpretação, a começar pela análise da qualidade da
técnica radiológica pois, filmes tecnicamente deficientes levam a diagnósticos equivocados.
www.pneumoatual.com.br
ISSN 1519-521X
Cabe observar que o escore não contempla, entre outros itens, a pneumonia por Mycoplasma
pneumoniae, nem a ocorrência de hiperinsuflação. Esta anormalidade relativamente comum nos
processos virais também deve ser necessariamente investigada e considerada no diagnóstico
presuntivo. Excetuando-se os quadros pneumônicos em cuja etiologia estejam envolvidas
associações de vírus com bactéria, a hiperinsuflação (cuja avaliação deve ser feita no filme obtido
na incidência lateral) poderia figurar como ponto negativo neste escore, sendo imprescindível
pesquisá-la.
15 - Existem outros métodos para se estabelecer o diagnóstico de certeza? Que lugar ocupa
a realização rotineira do teste de aglutinação de partículas de látex no diagnóstico etiológico
das pneumonias e derrames pleurais?
O teste de aglutinação de partículas de látex é um recurso muito adequado a países como o Brasil.
Baseia-se numa reação de aglutinação simples entre os anticorpos que compõem o kit e os
antígenos capsulares. Os produtos comerciais disponíveis contêm antisoros anti-pneumococo (tipo
omniserum), anti-hemófilo tipo b e anti-S. aureus. Além de não necessitar de pessoal
especializado, proporciona resultados em 30 minutos e tem a grande vantagem de não sofrer
www.pneumoatual.com.br
ISSN 1519-521X
influência do uso de antibióticos se estes tiverem sido utilizados em até cinco a sete dias antes da
realização do exame. O autor deste questionário tem constatado a utilidade clínica do método
desde a sua introdução, no início dos anos 90, no Laboratório Central da Fundação Ezequiel Dias
em Belo Horizonte. Os resultados obtidos até 1997 em 102 amostras de líquido pleural revelaram a
presença de antígenos capsulares de pneumococos em 24 espécimes e de H. influenzae tipo b em
14 ocasiões. Em meados do ano de 2000, o número de amostras examinadas elevou-se para 295
e entre estas, o S. pneumoniae foi identificado 57 vezes e o H. influenzae tipo b 19 vezes, o que
significou o dobro do rendimento proporcionado pela cultura (Benfica MGA, comunicação pessoal).
Por outro lado é indispensável enfatizar que o S. aureus não foi isolado em nenhuma das
semeaduras.
A realização quase rotineira deste exame nos casos de derrame pleural parapneumônico e
empiema internados no Serviço de Pediatria do Hospital das Clínicas da UFMG tem revelado a
preponderância do S. pneumoniae sobre o S. aureus e o H. influenzae tipo b, mesmo em quadros
clínico-radiológicos que se supunha tradicionalmente como de etiologia estafilocócica. Entre esses,
figuraram derrames extensos e imagens de rarefações parenquimatosas.
Ademais, nos casos de acometimento parenquimatoso exclusivo, a realização deste procedimento
em amostras de urina concentrada pode alcançar sensibilidade e especificidade de 76,6% e
90,1%, respectivamente.
21 - Considerando que, entre outros fatores já mencionados, a faixa etária constitui-se numa
das balizas para o tratamento, qual seria a conduta terapêutica nos primeiros três meses de
vida?
O tratamento deve ser similar ao da sepse neonatal. A antibioticoterapia inicial deve incluir
penicilina (ou ampicilina) e um aminoglicosídeo (amicacina ou gentamicina) ou cefalosporina de
terceira geração. Nas pneumonias que ocorrem após o terceiro dia de vida, a penicilina deve ser
substituida pela oxacilina. A terapia inicial deve ser reavaliada de acordo com os resultados da
hemocultura. A duração do tratamento depende do agente causal. Pneumonia por germe Gram-
negativo ou estreptococos do grupo B deve ser tratada por dez a 14 dias, se for causada por S.
aureus requer três a seis semanas de tratamento. Nos casos que sugerem germe atípico (início
após 15 dias de vida, estado geral preservado, ausência de febre, padrão radiológico intersticial),
deve-se utilizar eritromicina, também por dez dias.
www.pneumoatual.com.br
ISSN 1519-521X
22 - E a conduta para lactentes maiores e pré-escolares?
Diante de uma criança com quadro clínico e radiológico sugestivos de pneumonia bacteriana não
complicada, ou seja, sem comprometimento pleural, pneumatoceles, a escolha inicial do antibiótico
deve ser a penicilina, uma vez que o pneumococo é o patógeno mais freqüente em todas as faixas
etárias, exceto no recém-nascido. A opção deverá ser feita pela penicilina procaína, ou cristalina,
de acordo com a gravidade. Se for feita a opção pela via oral, a amoxicilina proporciona boa
cobertura para o S. pneumoniae e para o H. influenzae sensível.
Espera-se uma rápida melhora da criança, com o desaparecimento da febre até o terceiro dia.
Neste caso o antibiótico deve ser mantido por sete dias, ou, segundo alguns autores, por mais três
dias após o desaparecimento da febre. Caso a criança não melhore após o tratamento inicial, ela
deve ser submetida à reavaliação clínica, radiológica e hematológica. Quando a criança mantiver o
estado geral preservado e não houver piora radiológica importante, deve-se pensar em germe não
sensível à penicilina, como o H.influenzae produtor de beta-lactamase, e o antibiótico deve ser
substituído pela associação amoxicilina-ácido clavulânico ou pela cefuroxima. Se houver piora do
estado geral, a criança deverá ser internada. Na presença de cavitações e/ou derrame pleural,
caso não seja possível definir a etiologia, é conveniente a associação oxacilina e cloranfenicol ou
oxacilina e ceftriaxona. Nesses casos, a antibioticoterapia venosa (oxacilina) deverá ser mantida
por pelo menos cinco dias após a normalização da temperatura e ser complementada com
antibiótico oral (cefalosporina de primeira geração) até completar um mínimo de 21 dias. O
cloranfenicol deverá ser mantido por dez dias. Se a opção tiver sido pela associação com
ceftriaxona, deve-se mantê-la por dez a 14 dias.
A vancomicina não deve ser usada empiricamente para o tratamento de pneumonia bacteriana, a
menos que haja forte suspeita de que o agente etiológico seja o pneumococo com resistência
plena à penicilina e que seja um paciente de alto risco, como por exemplo, nos casos de anemia
falciforme evoluindo com derrame pleural e choque. Contudo, se a criança não estiver melhorando
com o tratamento usual e outras causas de pneumonia tiverem sido descartadas (tuberculose e
fungos), pode estar indicada a adição deste antimicrobiano.
www.pneumoatual.com.br
ISSN 1519-521X
25 - Quando estaria indicado o controle radiológico?
Na avaliação da evolução clínica e para o controle de cura, o exame físico é suficiente na imensa
maioria dos casos. Radiografias de tórax serão solicitadas apenas em casos selecionados, tais
como, na suspeita de diagnóstico presuntivo equivocado, nos casos arrastados, nas imagens
sugestivas de malformações congênitas e nas pneumonias recorrentes, especialmente quando
ocorrem sempre numa mesma região pulmonar. A resolução das alterações radiológicas pode ser
lenta, sobretudo nas pneumonias estafilocócicas, às vezes no decurso de meses até a completa
normalização.
Os controles radiológicos são praticamente desnecessários mas estão indicados quando houver
piora do quadro clínico, para avaliar a possibilidade de complicações, tais como, derrame pleural e
cavitação. Nas pneumonias não complicadas, pode-se fazer uma radiografia de controle no final de
um mês, a partir do início do tratamento. Nos casos que ocorreram complicações, podem ser
necessárias radiografias mais tardias, após dois a três meses.
www.pneumoatual.com.br
ISSN 1519-521X
essencialmente clínico, com antibioticoterapia prolongada (três a seis semanas), visando
sobretudo o S. aureus. Se houver suspeita de germe anaeróbio, deve ser instituída a penicilina, ou
clindamicina ou cloranfenicol. A melhora clínica ocorre em torno do décimo dia de tratamento e a
resolução radiológica pode levar até seis meses.
31 - Leitura recomendada
Adler-Shohet F, Lieberman JM. Bacterial pneumonia in children. Sem. Pediat. Infect. Dis.
1998;9:191-8.
Andrade CR, Camargos PAM. Videotoracoscopia na abordagem dos derrames parapneumônicos e
empiemas em pediatria. Ver. Med. Minas Gerais 2002;12:30-34.
Brandileone MCC, Vieira VSD, Casagrande ST et al. Prevalence of serotypes and antimicrobial
resistance of Streptococcus pneumoniae strains isolated from brazilian children with invasive
infections. Microbial. Drug Resistance 1997;3:141-6.
Camargos PAM, Guimarães MDC, Drumond EF. Mortalidade por pneumonia em crianças menores
de cinco anos de idade em localidade do Estado de Minas Gerais (Brasil), 1979-1985. Ver. Saúde
Públ., São Paulo, 1989;23:388-94.
Camargos PAM, Guimarães MDC, Ferreira CS. Benzathine penicillin for unilateral lobar or
segmental infiltrates presumptively caused by Streptococcus pneumoniae in children 2-12 years
old. J. Trop. Ped. 1997;43:353-360.
Camargos PAM, Ferreira CS. On round pneumonia in children. Pediatr Pulmonol 1995;20:194-5.
Camargos P, Nunes A, Campos M. Urine latex particle agglutination test for diagnosing
Streptococcus pneumoniae and Haemophilus influenzae type b pneumonia in children: preliminary
results. Eur Respir J 2002; 20(Suppl 38):191s.
Camargos PAM, Ferreira CS. On round pneumonia in children. Pediatr Pulmonol 1995;20: 194-5.
Correa AG. Diagnostic approach to pneumonia in children. Sem. Respir. Infect. 1996;11:131-138.
Correa AG, Starke JR. Bacterial pneumonias. In: Chernig and Boat Kendig’s. Disorders of the
Respiratory Tract in Children. W.B.Saunders Company,1998, pp. 485-502.
Costa MSN. Efetividade da vacina conjugada contra o Haemophilus influenzae b nas pneumonias.
Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-graduação em Pediatria, Universidade Federal de Minas
Gerais, 2002.
Ejzenberg B, Fernandes VO, Rodrigues Neto AJR et al. Pesquisa da etiologia bacteriana em 102
crianças internadas com o diagnóstico de pneumonia aguda. Pediatria 1986:8:99-106.
www.pneumoatual.com.br
ISSN 1519-521X
Fontes MJF, Camargos PAM, Ferreira CS. The sooner the treatment, the sooner the radiological
clearing: is that true? Int. Pediatr. 2001;16:222-226.
Grisi SJEF. Pneumonias bacterianas agudas. In: Rosov T. Doenças pulmonares em pediatria. São
Paulo:Atheneu, 1999, pp. 204-14.
Grisi SJEF. Pneumonias bacterianas agudas. In: ROSOV,T. Doenças pulmonares em pediatria.
São Paulo:Ed. Atheneu,1999, pp. 205-214.
Heffelfinger JD, Dowell SF, Jorgensen JH et al. Management of community-acquired pneumonia in
the era of pneumococcal resistance. Arch. Intern. Med. 2000;160:1399-408.
Heiskanen-Kosma T, Korppi M, Jokinen C et al. Etiology of childhood pneumonia: serologic results
of a prospective, population-based study. Pediatr. Infect. Dis. J. 1998;17:986-91.
Jadavi T, Law B, Lebel MH et al. A practical guide for the diagnosis and treatment of pediatric
pneumonia. CMAJ 1997;156(suppl):S703-11.
Khamapirad T, Glezen WP. Clinical and radiographic assessment of acute lower respiratory tract
disease in infants and children. Semin Respir Infect 1987;2:130-44.
Klein J, Barnett ED. Neonatal Pneumonia. Sem. Pediat. Infect. Dis. 1988;9:212-216.
Korppi M, Heiskanen-Kosma T, Leinonen M. White blood cells, C-reactive protein and erythrocyte
sedimentation rate in pneumococcal pneumonia in children. Eur Respir J 1997;10:1125-9.
McIntosh K. Community-acquired pneumonia in children. N. Engl. J. Med. 2002;346:429-437.
Shinefield HR, Black S. Efficacy of pneumococcal conjugate vaccine in large scale field trials.
Pediatr. Infect. Dis. J. 2000;19:394-7.
Straus WL, Qazi AS, Kundi Z et al. Antimicrobial resistance and clinical effectiveness of co-
trimoxazole versus amoxycillin for pneumonia among children in Pakistan: randomised controlled
trial. Lancet 1998;352:270-4.
www.pneumoatual.com.br
ISSN 1519-521X