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Vol.29,n.1,pp.

56-60 (Dez 2019 – Fev 2020) Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research - BJSCR

SÍNDROME HEMOFAGOCÍTICA COMO DIAGNÓSTICO


DIFERENCIAL NAS UNIDADES DE INTERNAÇÃO
PEDIÁTRICA: UM RELATO DE CASO
HAEMOPHAGOCYTIC LYMPHOHISTIOCYTOSIS AS DIFERENCIAL DIAGNOSIS IN
PEDIATRICS INTERNATION UNITIES: A CASE REPORT

ANA BEATRIZ MUNIZ COSTA¹, MARIA LAURA FONTOURA CHAGAS ROCHA1, REBECCA RENATA
LAPENDA DO MONTE1*, RENATA CARNEIRO MELO1, THAYANE RÊGO DANTAS1, EDLENE MELO
REIS NASCIMENTO2
1. Acadêmicas do curso de graduação do curso de Medicina da Universidade Potiguar; 2. Professora da disciplina de Hematologia Pediátrica do curso
de Medicina da Universidade Potiguar
* Rua do Granito, 111, lagoa nova, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. CEP: 59076610. rebeccalapenda3@gmail.com

Recebido em 02/10/2019. Aceito para publicação em 29/10/2019

RESUMO highlighting the importance of early intervention.

A síndrome hemofagocítica se caracteriza pela ativação KEYWORDS: Lymphohistiocytosis, Hemophagocytic


imune patológica do organismo, devido a produção e Pediatrics; Neoplasms.
modulação descontrolada de citocinas. O quadro clínico
da doença costuma estar associado a causas infecciosas,
neoplásicas, tóxicas ou autoimunes e acomete,
predominantemente, pacientes adultos. A suspeita da 1. INTRODUÇÃO
doença é feita através de critérios clínicos presentes no A síndrome hemofagocítica (SHF) é uma patologia
consenso HLH-2004, porém os sinais e sintomas descritos
caracterizada por hiperativação do sistema imune,
podem tanto se estabelecer simultaneamente quanto
surgir durante o curso da doença. Dessa forma, é marcada por sinais e sintomas decorrentes de intensa
imperativo iniciar de imediato o tratamento de suporte e inflamação sistêmica. Essa síndrome está associada a
o tratamento do fator desencadeante desde o momento da predisposição à imunodeficiência, bem como a
suspeita diagnóstica, a fim de melhorar a sobrevida dos presença de ativação imune exacerbada e a resposta
pacientes que apresentam múltiplos fatores orgânicos imune patológica1.
para essa causa. Apresentaremos o caso de uma paciente A presença na medula óssea de hemofagócitos,
do sexo feminino, de 4 meses, admitida em hospital macrófagos ativados que fagocitam outras células
infantil para investigação diagnóstica de síndrome hematopoiéticas, dá o nome à síndrome. A SHF pode
hemofagocítica associada à infecção. Por se tratar de um
ser primária, também conhecida como linfohistiocitose
caso pediátrico, o relato apresenta relevância clínica, além
de prevenir subdiagnósticos em pacientes nessa faixa hemafagocítica familiar, um grupo de doenças
etária e ressaltar a importância da intervenção precoce. genéticas raras causadas por alterações da
citotoxicidade, ou pode ser secundária à infeções,
PALAVRAS-CHAVE: Linfo-Histiocitose, neoplasias ou doenças reumatológicas1.
Hematofagocítica; Pediatria; Neoplasia. Em sua forma primária, essa síndrome costuma ser
predominantemente pediátrica, porém o diagnóstico da
ABSTRACT forma secundária pode ser dado em todas as faixas
Haemophagocytic syndrome is characterized by pathological etárias, sendo mais comum até os 70 anos de idade,
immune activation of the organism due to uncontrolled apresentando ligeiro predomínio no sexo masculino1.
cytokine production and modulation. The clinical picture of A SHF é um distúrbio incomum, fato
the disease is usually associated with infectious, neoplastic, provavelmente relacionado ao subdiagnóstico da
toxic or autoimmune causes and predominantly affects adult doença, embora tenha ocorrido um aumento da
patients. The suspicion of the disease is made through clinical incidência nos últimos anos, devido ao maior
criteria present in the HLH-2004 consensus, but the signs and
conhecimento sobre a clínica e o diagnóstico da
symptoms described can be established simultaneously as
they arise during the course of the disease. Thus, it is síndrome. As doenças mais comuns associadas a SHF
imperative to immediately start supportive treatment and são infecções (41 a 49%), neoplasias (27 a 39%),
treatment of the triggering factor from the moment of doenças autoimunes (7 a 10%) e imunodeficiências
diagnostic suspicion, in order to improve the survival of (6%). Foram relatados fatores desencadeantes virais,
patients with multiple organic factors for this cause. We incluindo citomegalovírus, vírus Epstein-Barr (EBV),
present the case of a 4-month-old female patient admitted to a parvovírus B19 e o vírus influenza1.
children's hospital for diagnostic investigation of infection- Há relatos de também a partir de bactérias
associated hemophagocytic syndrome. Because this is a (Mycobacterium tuberculosis, micobactérias não
pediatric case, the report is clinically relevant, as well as
preventing underdiagnosis in patients in this age group and
tuberculosas, Pseudomonas aeruginosa,

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Staphylococcus aureus, Escherichia coli), protozoários 3. DISCUSSÃO


(Leishmania spp., Toxoplasma gondii, Plasmod-ium
spp.) e fungos (Pneumocystis jiroveci, HistPSaps). A síndrome hemofagocítica (SHF) ou
Quando associada a infecções é geralmente uma linfohistiocitose hemofagocítica é um distúrbio
condição grave que pode ser fatal sem a devida imunológico caracterizado pela atividade descontrolada
terapêutica1,2. do sistema histiócito, expressa por inflamação
O prognóstico é variável, dependendo do momento sistêmica, que pode resultar na falência múltipla e
diagnóstico e da instituição de tratamento precoce progressiva de órgãos4.
contra o agente desencadeante, tais como: Entre as formas de SHF existem as primárias ou
glicocorticoides e etoposideo1. Dado o risco de genéticas e as secundárias ou adquiridas. A
morbidade e mortalidade significativa, o linfohistiocitose eritrofagocítica familiar representa a
reconhecimento da SHF e dos seus primeiros sinais e forma primária da doença, afetando principalmente
sintomas são habilidades importantes para todos os crianças, sobretudo menores de dois anos (80%),
médicos3. podendo chegar a ser 65% dos casos menores de 6
Apesar da raridade dessa apresentação clínica, meses, embora existam relatos de início na vida adulta.
acredita-se que, dado o crescente número de casos de Para que a doença seja classificada dessa forma, é
SHF na última década, a taxa de incidência local seja necessário que haja história familiar positiva ou
superior ao esperado. Assim, o objetivo desse estudo é consanguinidade, uma vez que se caracteriza por uma
relatar nossa experiência, compará-la com os casos alteração autossômica recessiva, com frequente
publicados na literatura e discutir sobre seus aspectos envolvimento de mutações no gene da perforina -
clínicos, fisiopatológicos e terapêuticos1. PRF1 (40%), ocorrendo redução de sua expressão5.
Além da forma familiar, também são classificadas
2. CASO CLÍNICO como formas primárias de SHF síndrome de Griscelli
tipo 2, síndrome Chédiak-Higashi, síndrome
Lactente, 4 meses, sexo feminino, foi internada para
Hermansky-Pudlak tipo 2 e síndromes
investigação de quadro de febre diária há 3 dias
linfoproliferativas ligadas ao X tipos 1 e 25,6.
(máxima de 38,5 ºC), sem melhora ao uso de
Já a forma secundária ou reativa é mais
paracetamol, e associada a dispneia, tosse seca e
frequentemente observada em adultos, porém
vômitos. Genitora relata que a criança apresentou
raramente relatada. Evidencia-se pela desregulação
linfonodomegalia após vacina BCG, fazendo uso de
imunológica causada por imunossupressão, linfoma,
Isoniazida por 30 dias. Ao exame físico de admissão,
neoplasia sólida, doença autoimune ou por algum
apresentava-se em bom estado geral, ativa, reativa,
processo infeccioso4.
afebril (35ºC), hipocorada, eupneica, anictérica e
Os agentes mais comumente relacionados a forma
acianótica. Ausculta cardiovascular e pulmonar sem
secundária são o Epstein-Barr vírus (EBV) - 74%,
anormalidades. O exame do abdômen apresentava
citomegalovírus (CMV), herpes simples vírus
espaço de Traube ocupado, com baço palpável a 3 cm
(reconhecido como gatilho para a doença em pacientes
do rebordo costal esquerdo, e fígado palpável a 2 cm
neonatos) e varicela-zoster vírus, herpes vírus tipo 6 e
do rebordo costal direito. O exame físico
8, parvovírus B19, adenovírus, vírus das hepatites,
dermatológico era normal sem equimoses ou petéquias
micobactérias, bactérias piogênicas e parasitoses4,7.
e a criança mantinha-se bem perfundida. O
No âmbito das doenças reumáticas, a SHF é mais
hemograma feito na admissão revelava pancitopenia
frequentemente associada a artrite idiopática juvenil e
(hemoglobina = 8,3; leucócitos = 3390 - neutrófilos =
ao lúpus eritematoso sistêmico3,4. Quando relacionada
28,9%; linfócitos = 65,5% - plaquetas = 63.000) e PCR
a doenças autoimunes, apresenta características mais
positiva. Após avaliação inicial, a criança recebeu
específicas, tais como: hiperferritinemia, citopenia leve
concentrado de hemácias e fez uso de sintomáticos
e coagulopatia inicial pronunciada2,3.
enquanto se fazia novas investigações. Foram
Entre as causas neoplásicas de ativação da SHF na
solicitados sorologias para Toxoplasmose,
população pediátrica está o linfoma hepatoesplênico de
Citomegalovírus, Epstein-Barr, além de HIV 1 e 2,
células B, que cursa com glomerulonefrite colapsante
apresentando todos os resultados não reagentes. Foi
de prognóstico desfavorável e alta mortalidade. Os
realizado mielograma para complementar a avaliação
pacientes costumam apresentar hepatoesplenomegalia,
diagnóstica, o qual evidenciou a presença de
trombocitopenia, anemia e insuficiência renal aguda
histiócitos. Além disso, a paciente apresentou cultura
com comprometimento variável do parênquima renal,
de urina positiva para Pseudomonas Aeruginosa, sendo
uma vez que as citocinas inflamatórias induzem
tratada com Amicacina. A criança evoluiu durante o
modificações podocitárias. O prognóstico nesses casos
internamento com melhora da febre e das queixas
é mais grave pelo fato de o tratamento ser geralmente
respiratórias e recebeu alta da internação hospitalar
refratário ao uso de corticosteróides, e o uso de
após a melhora relativa do quadro com diagnóstico de
imunossupressores mais fortes não garantirem a
síndrome hemofagocítica secundária a infecção
remissão completa da doença7.
bacteriana. Durante seguimento ambulatorial foi
Além do linfoma hepatoesplênico de células B, o
evidenciado, através de novos exames laboratoriais, a
vírus HIV, síndromes linfoproliferativas, causas
presença de hipertrigliceridemia.
genéticas e idiopáticas também podem cursar com

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comprometimento renal e evoluir para insuficiência os quais estão expostos na tabela abaixo4:
renal crônica avançada se não for feito tratamento Tabela 1. Critérios diagnósticos da síndrome hemofagocítica. Fonte:
precocemente. Vale salientar que a terapia HLH – 2004 11
imunossupressora utilizada para a realização de Critérios diagnósticos da síndrome hemofagocítica:
transplantes renais também pode servir como gatilho Defeito genético conhecido de SHF familiar ou apresentar
para o estabelecimento da SHF8. 5 dos 8 critérios seguintes:
Na população pediátrica o lúpus eritematoso 1. Febre > 38,5 ºC
sistêmico e a artrite idiopática juvenil são importantes 2. Esplenomegalia
causas reumatológicas que desencadeiam a SHF. 3. Citopenia que afeta duas séries ou mais (Hb < 9
Suspeita-se desses acometimentos quando há relato de g/dL, plaquetas < 100.000 /L, neutrófilos < 1000
febre prolongada não associada a processos /L)
4. Hipertrigliceridemia > 265 mg/dL e/ou
infecciosos, além de hepatoesplenomegalia, citopenias
hipofibrinogenemia < 150 mg/Dl
e distúrbios da coagulação. Como esses sintomas
5. Hemofagocitose em medula óssea, baço, fígado ou
costumam coexistir nas doenças citadas, a dosagem da gânglios, sem evidência de malignidade
ferritina no sangue consegue discriminar a existência 6. Atividade de célula citotóxica de células NK baixa
de SHF associada ao quadro de base ou não. Apesar do ou ausente
tratamento não estar totalmente esclarecido, 7. Hiperferritinemia (> 500 ng/mL)
inicialmente é feito uso de corticosteroides e/ou 8. sCD25 elevado (sIL-2R > 2.400 U/mL)
imunoglobulinas e em casos refratários a essa
terapêutica é associado ciclosporina ou Tais critérios diagnósticos, apesar de desenvolvidos
ciclofosfamida8. tanto para SHF primária como secundária, na prática
Em ambas as síndromes, tanto na primária quanto têm baixa performance para alguns subtipos de SHF
na secundária, existe uma deficiência na proteína secundária. Diante disso, foram propostos outros
perforina que gera excesso de células apresentadoras de escores para estimar o risco de SHF secundária.
antígenos e provoca estimulação nas células T CD4, HScore é um score numérico que avalia 9 variáveis
que consequentemente levam a ativação e proliferação dentre clínica, laboratório e histologia, classificando de
anormal de macrófagos. Essas células provocam uma 0 a 337, sendo 169 o corte que identifica 90% dos
reação inflamatória, que é caracterizada pela secreção pacientes com SHF secundária. Ademais, há ainda
de citocinas (INF, TNF-alfa, IL-1, 6, 10, 12, 18), e sugestão de critérios específicos para diagnóstico de
infiltram múltiplos órgãos, especialmente os do sistema SHF secundária a artrite idiopática juvenil, lúpus
retículo-endotelial, ocasionando alto grau eritematoso sistêmico ou malignidades6,11.
hemofagocitose. Esse mecanismo atesta a natureza Dessa forma, podemos afirmar que a paciente do
sistêmica do processo evolutivo da doença e dá origem caso em questão foi classificada como portadora de
as características clínicas e laboratoriais dessa SHF secundária, divergindo epidemiologicamente do
síndrome2,5. que acontece na maioria dos casos. Esse diagnóstico foi
Diante disso, pode-se concluir que o quadro clínico guiado por achados como a reação vacinal ao
típico da doença inclui febre alta de início súbito, Micobaterium tuberculosis, pelo quadro clínico da
hepatoesplenomegalia e citopenias, sinais e sintomas paciente e pela presença de cinco critérios da SHF.
evidenciados no caso da nossa paciente. São comuns A paciente apresentou durante a investigação
ainda em crianças, manifestações mucocutâneas, com diagnóstica febre diária (máxima de 38,5°C), citopenia
rash cutâneo inespecífico em 65% dos pacientes afetando duas séries hematopoiéticas,
pediátricos, e sintomas neurológicos (encontrados em hepatoesplenomegalia, hemofagocitose verificada em
até 30% das apresentações), incluindo paralisia de par mielograma, hiperferritinemia no valor de 1120 ng/ml e
craniano, convulsões, ataxia, encefalopatia, trigliceridemia no valor de 285 mg/dl4.
irritabilidade, cefaleia, neuropatia periférica e No tocante às estratégias de tratamento, a
alterações de consciência. No período neonatal a Histiocyte Society, em 2004, fez uma atualização de
apresentação clínica pode está associada a seu protocolo, baseando-o em agentes quimioterápicos
manifestações isoladas do sistema nervoso central ou combinados com drogas imunossupressoras, fazendo
falência hepática fulminante. Não foi relatado na uso de dexametasona, etoposide e ciclosporina A.
história da nossa paciente alterações hepáticas3,9,10. Cuidados adicionais podem ser necessários para
É importante ressaltar que a hiperferritinemia é um citopenias severas, desordens hemorrágicas e
marcador que corrobora para o diagnóstico da SHF envolvimento importante do sistema nervoso
aguda, embora possa se elevar em outros processos central6,11.
inflamatórios. Dessa forma, ferritina maior do que O tratamento para pacientes com diagnóstico de
10.000 mcg/L em crianças com quadro clínico SHF secundária, forma a qual foi classificada a
sugestivo, apresenta 90% de sensibilidade e 96% de paciente do caso apresentado, tem como objetivo
especificidade para o diagnóstico3. interromper o processo inflamatório, utilizando
De acordo com a Histiocyte Society (2004) é corticosteroides, responsáveis pela remissão do quadro
necessária a avaliação de critérios clínicos e de 71% dos doentes. Vale ressaltar que em crianças dá-
laboratoriais para o correto diagnóstico dessa síndrome, se preferência pela metilprednisolona e dexametasona,

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pois ambas atravessam facilmente a barreira atualmente7.


hematoencefálica11. As complicações associadas ao TCTH tendem a ser
É importante que o tratamento seja dirigido desde o consideráveis e devem ser levadas em consideração no
momento da suspeita clínica à condição desencadeante, momento da decisão terapêutica. A evolução do
caso esta tenha sido identificada. Nossa paciente procedimento com a presença de infecções aumentam
realizou corticoterapia em dose imunossupressora com as altas taxas de mortalidade e morbidade nos doentes
boa resposta clínica. Em casos que a resposta esperada e, portanto, recomenda-se que esse método seja
não é alcançada outros agentes imunossupressores realizado em centros com experiência na técnica
podem ser utilizados, tais como a ciclosporina A2,11. empregada e utilize regimes de condicionamento de
Ainda, deve-se individualizar o tratamento de cada intensidade reduzida7.
paciente, baseando-se na gravidade e no curso da
doença. Nos casos em que há forte suspeita clínica e 4. CONCLUSÃO
que aparentemente apresentam prognóstico mais A partir desse caso, pode-se observar que o
reservado, é recomendado que o início do tratamento conhecimento dos critérios clínicos para a suspeita de
seja instituído mesmo que não estejam presentes todos síndrome hemofagocítica são de suma importância para
os critérios diagnósticos na história clínica, devido a o diagnóstico precoce da doença. Diante disso, quanto
gravidade da síndrome7. mais rapidamente o quadro for reconhecido, melhor
Casos como o da nossa paciente, por exemplo, será o prognóstico dos pacientes, já que a eficácia na
apresentam resposta mais eficaz quando feito a escolha das medidas e estratégias terapêuticas
associação de corticosteroides e imunoglobulina, influenciam diretamente na sobrevida dessa população.
entretanto em quadros mais graves é necessário a Vale ressaltar que cada caso deve ser tratado de forma
combinação de drogas imunossupressoras e citotóxicas. particular, levando em consideração o fator
Imunoglobulinas são indicadas em casos de suspeita de desencadeante da síndrome, que se apresenta de forma
infecção viral e em casos graves sem resposta adequada rara no nosso meio, com características variáveis e alta
aos glicocorticoides2,7. mortalidade.
Medidas como gastroproteção, antifúngicos orais e
o uso de anti-retrovirais devem ser avaliados e 5. FINACIAMENTO
considerados durante o tratamento imunossupressor,
levando em consideração a causa que deu origem a Essa publicação não foi financiada por nenhuma
síndrome9. instituição.
Baseando-se nessa premissa, é interessante salientar
que, anteriormente a introdução das drogas REFERÊNCIAS
imunossupressoras, o prognóstico da SHF costumava
ser sombrio, especialmente nos quadros associados a [1] Figueiredo GO, Iglesias FM, Río GA, Ulibarrena RC,
alterações genéticas. A introdução do etoposídeo, na Casas GML. Síndrome hemofagocítico asociado a virus
década de 1990, foi um avanço significativo no de Epstein-Barr. Descripción de un caso y tratamiento en
tratamento. Além disso, destacamos que os resultados la Unidad de Reanimación. Revista Española de
obtidos através do protocolo do estudo colaborativo Anestesiología y Reanimación. 2014; 61(10):571–574.
[2] Dubuc CE, Cáceres VA, Ecenarro MU, Aguirre NE,
HLH-94 (Histiocyte Society) foi baseado em uma Rubio HI et al. Secondary Macrophage Activation
combinação de dexametasona, etoposídeo e Syndrome Due to Autoimmune,Hematologic, Infectious
ciclosporina A, seguida de transplante de células tronco and Oncologic Diseases. Thirteen Case Series and
hematopoiéticas (TCTH) em pacientes com formas Review of the Literature. Reumatologia Clinica. 2014;
familiares, recorrentes ou graves e persistentes7. 698:5
Esse protocolo conseguiu melhorar a sobrevida [3] Sen ES, Steward CG, Ramanan AV. Diagnosing
geral dos pacientes acometidos em 5 anos em 54%, haemophagocytic syndrome. Arch Dis Child. 2017; 0:1–
embora 29% dos pacientes tenham morrido antes de 6.
serem submetidos ao TCTH. Os resultados favoráveis [4] Rodríguez VFF, Calvo CA, Sánchez SM, Nogales MN,
Vera TA, Muñoz SA. Haemophagocytic syndrome
foram mantidos a longo prazo, apesar de 22% dos associated with infections: Not so uncommon. Revista
pacientes terem desenvolvido sequelas neurológicas7. Clínica Española (English Edition). 2019.
Em seguida, foram realizados outros estudos que [5] Reis PC, Reis SA, Behrens E. Uma Nova Era no
apresentaram resultados favoráveis ao uso de globulina Diagnostico e Tratamento da Síndrome Hemofagocítica.
antitimocítica (ATG), alemtuzumabe (anticorpo anti- Portuguese Journal Of Pediatrics; 2016; 47:333-44.
CD52) ou rituximabe (anticorpo anti-CD20). Ensaios [6] Brisse E, Matthys P, Wouters CH. Understanding the
clínicos de anticorpos monoclonais gama anti- spectrum of haemophagocytic lymphohistiocytosis:
interferon e imunoterapia híbrida (ATG, dexametasona, update on diagnostic challenges and therapeutic options.
e etoposídeo) estão em andamento e a publicação dos British Journal of Haematology. 2016. 174; (2):175-187.
[7] Astigarraga I, Gonzalez-Granado LI, Allende LM, Alsina
resultados ainda está pendente. Diante do exposto, L. Haemophagocytic syndromes: the importance of early
recomenda-se o uso do protocolo HLH-94 associado diagnosis and treatment. Anales de Pediatría (English
aos critérios de diagnóstico HLH-2004 como referência Edition). 2018: 89(2);124.e1–124.e8.
para o tratamento dos pacientes acometidos [8] Martín-Gómez MA, Caba-Molina M, Viciana-Martínez-

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Costa et al. / Braz. J. Surg. Clin. Res. V.29 n.1,pp.56-60 (Dez 2019 - Fev 2020)

Lage MJ, Ortega-Salas R, Sánchez-Crespo A, Soriano-


Pérez MJ et al. Glomerulonefritis colapsante con
marcadores podocitarios en síndrome hemofagocítico
secundario a linfoma hepatoesplénico de células T.
Biomédica. 2018; 38(4).
[9] Egües DCA, Uriarte EM, Meneses VC, Aldasoro CV,
Hernando RI,Belzunegui OJ. Síndrome hemofagocítico
como manifestación clínica inicial del lupus eritematoso
sistémico. Reumatología Clínica. 2014; 10(5):321–324
[10] Chauffaile L. Diagnosticos em Hematologia. São Paulo:
Feury, 2016.
[11] Henter JI, Horne A, Aricó M, Egeler RM, Filipovich
AH, Imashuku S et al. HLH-2004: Diagnostic and
therapeutic guidelines for hemophagocytic
lymphohistiocytosis. Pediatric Blood & Cancer. 2007;
48(2):124–131.

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