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Eu nunca fui um leitor muito fervoroso, eu nasci dentro de uma comunidade em que
nós não tínhamos acesso aos livros ou à literatura. Claro que eu me acostumei a viver muito
fantasiosamente, criando as minhas histórias na minha cabeça, procurando encontrar espaço
na minha cabeça para produzir essas histórias. Quando eu tive acesso aos livros, quando fui
para a escola, portanto, eu também não gostava de ler, porque a leitura da escola é uma leitura
muito chata, muito enfadonha, muito obrigatória. Isso acaba gerando um desconforto no
leitor, então, eu não era um grande leitor, nunca fui e talvez nem seja até hoje o grande eleitor
que eu gostaria de ser, mas, por força da minha formação, eu tive que ter esse contato com a
Literatura. Por força da minha escolha profissional de ser um professor, eu tive que
entrar em contato com as crianças e os jovens, por conta disso eu me vi obrigado a ler
mais, a estudar mais e, posteriormente, descobri que, além de usar os livros para
educar, eu também poderia usar os livros para contar histórias para as pessoas. Então,
eu comecei a ser um contador de histórias, eu quis levar um pouco do conhecimento do meu
povo através da contação de história e, posteriormente, eu descobri que essas histórias
poderiam ser escritas, então, aí, nasceu basicamente o escritor, basicamente a pessoa que eu
sou hoje, assim na produção literária.
Eu sempre leio para me tornar uma pessoa melhor, eu busco nas minhas leituras, o
meu critério de escolher as leituras que eu faço, é um pouco esse de algum livro, que aquele
objeto ali, ele vai me ajudar a me tornar um ser humano melhor. E, portanto, quase sempre,
são leituras que tem a ver com formação intelectual, tem a ver com a formação sentimental,
do espírito da gente e, quando eu escrevo, eu busco a mesma coisa para as pessoas. Eu gosto
e quero procurar cantos na cabeça das pessoas, no coração das pessoas para que a mensagem
que eu transmito ali, de paz, de encontro, de compartilhamento, de pertencimento, que isso
possa caber no coração e na mente das pessoas e elas criem uma consciência melhor de
pertencimento a esse planeta, ao planeta que a gente vive, nossa casa comum, a nossa canoa.
Sei lá, como quiserem chamar, mas o fato é que a gente está nele, nesse lugar, nós não
estamos em outro e é nesse lugar que a gente tem que procurar ser feliz.
Eu sou um dos primeiros escritores indígenas que tem no Brasil que escreveu para
além do seu povo, alguém que escreveu pra cidade, para as crianças urbanas. Portanto,
quando a gente é pioneiro, a gente, às vezes, se sente sozinho. Obviamente que eu não sou o
primeiro escritor indígena, mas os que escreveram antes de mim tinham muito uma produção
externa, pra dentro da comunidade, internamente. Eram textos bonitos e tudo muito bem
feito, mas tinham uma pegada pra dentro, interna. Eu como educador, criado dentro da
urbanidade, da cidade, eu pensei em fazer algo para as crianças da cidade, por isso eu fiz esse
caminho. Nesse sentido, mais do que pertencer a uma geração, eu fui criador de geração, uma
geração de jovens escritores indígenas, hoje nós somos mais de 30 autores e muitos deles
nasceram a partir desse trabalho de formação mesmo, porque a escrita, para nós, é muito
nova, se pensar que nós temos escolas indígenas só há 30 anos, efetivamente, e só desse
tempo para cá é que começaram escritores pensando na sociedade brasileira como um todo.
Quando eu quis atuar na sociedade, eu escolhi ser professor por entender que o professor é
aquele que professa uma crença no ser humano e eu, na minha atuação humana, na minha
atuação profissional, tenho procurado alertar as pessoas para isso. Eu acredito, eu acredito na
possibilidade da gente ser humano, de fato, de verdade, não apenas no discurso, mas na
atitude. É isso que eu busco. Amém.
Segundo Munduruku, o quê lhe traz legitimidade para falar sobre liberdade?
Durante a fala do escritor é possível perceber uma completa mudança em relação a sua
experiência com a leitura. Explique como esse fenômeno acontece na vida de Munduruku.