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RELAÇÃO ENTRE VÍNCULOS ESCOLARES E DESEMPENHO NA APRENDIZAGEM: UM ESTUDO COM ALUNOS DE

5ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL

RELAÇÃO ENTRE VÍNCULOS ESCOLARES


E DESEMPENHO NA APRENDIZAGEM: UM
ESTUDO COM ALUNOS DE 5ª SÉRIE
DO ENSINO FUNDAMENTAL
Relationship between School bonds and Performance in Learning: a Study with
Fifth-graders

LIRA, E. S.
ENRICONE, J. R. B.

Recebimento: 16/11/2010 – Aceite: 18/10/2011

RESUMO: O presente trabalho, de cunho qualitativo, investigou os vínculos


entre aluno, professor, conhecimento e a imagem de bom e mau professor
construídos por alunos de quintas-séries, relacionando-os aos desempenhos
escolares. Para a análise dos vínculos escolares foram utilizados a prova do
Par Educativo; a escrita das histórias de aprendizagem escolar e entrevistas
semiestruturadas. Para a análise do desempenho escolar foi utilizada pesquisa
documental. Participaram da pesquisa 18 alunos de quinta série, na faixa etária
de 11 a 16 anos, cujos responsáveis autorizaram sua participação. Observou-se
que os tipos de vínculos encontrados no contexto desta pesquisa (positivos,
regulares, negativos e confusos) não interferiram significativamente no de-
sempenho escolar dos alunos. A imagem de bom/mau professor, também,
não influenciou os resultados de aprendizagem desses alunos. Os critérios
utilizados para identificar os melhores professores relacionaram-se à permissi-
vidade, atenção e simpatia, e os critérios para caracterizar os maus professores
foram a exigência, a cobrança e não tolerância com seus comportamentos.
Os alunos, também não conseguiram avaliar adequadamente seu próprio de-
sempenho escolar e sua relação com o saber limitou-se ao conhecimento que
deve ser depositado nos trabalhos e provas, evidenciando a metacognição e
a relação que os alunos estabelecem com o saber como aspectos importantes
para a aprendizagem.
Palavras-chaves: Vínculos escolares. Aprendizagem. Ensino Fundamental.

ABSTRACT: This research paper is a qualitative research in which the links


between students, teachers and the knowledge and the image of a good and

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a bad teacher built by fifth-graders relating them to the school performances


were investigated. For the analysis of the school bounds the Pair Education
Test, writing of the story of school learning and semi-structured interviews
were used. For the analysis of school performance, a documental research
was used. Eighteen students from the fifth grade participated in this research,
ages between 11-16 years old, whose parents have consented on their parti-
cipation. The types of bonds found (positive, regular, negative and mixed)
did not influence on the performance of the students in the classroom. The
image of a good / bad teacher did not influence the learning outcomes of the
students. The criteria used to identify the best teachers were related to the
permissiveness, attention and affection, and the criteria for characterizing
the bad teachers were demanding, charging the intolerance when it comes to
their behavior. The students also failed to evaluate their own school perfor-
mance and their relationship with knowledge was limited to the knowledge
that must be deposited in research papers and tests. Thus evidence shows that
metacognition and the relationship they establish with the students are very
important aspects of learning.
Keywords: School bounds. Learning. Elementary School.

nas séries finais, o conhecimento organizado


Introdução por disciplinas, muitas vezes, de maneira
fragmentada e centralizada na especialidade
A prática educativa, em todos os níveis de do professor, não permite este saber sobre
ensino, é complexa, tecida por relações e di- sentimentos e relações construídas com a
ferentes modos de conceber a vida, o ser hu- aprendizagem e o professor.
mano e o conhecimento, revela motivações, Diante dessas questões, as relações de
ideais e concepções docentes e discentes. As ensino e aprendizagem são uma preocupação
relações na escola exercem “influência no constante entre os profissionais da educação
desenvolvimento do indivíduo como pessoa que trabalham com alunos recém egressos da
e como sujeito cognitivo, favorecendo um unidocência, alunos de quintas séries. Estes
intercâmbio tanto no nível interpessoal como professores expressam seus anseios de dife-
na relação indireta com o outro através da rentes formas: como sei se meu aluno gosta
cultura.” (RANGEL, 2001, p.5). de mim, se temos um bom vínculo? Temos
O aluno ingresso no ambiente escolar se boas condições na escola e não conseguimos
adapta e readapta constantemente, modifican- ter a atenção dos alunos, onde está a falha?
do suas concepções de mundo, suas relações Por que os alunos não escutam e as práticas
com a aprendizagem, com a comunidade não dão certo? Porque o aluno não gosta da
escolar, com o meio social e familiar. aula ou da escola? Será que não gosta do
Segundo Rangel (2001), nas séries professor? Se ele gostar do professor, se o
iniciais, a prática unidocente facilita uma professor for amigo dos alunos, será que estes
relação dialógica entre professor e aluno e melhoram suas notas?
flexibilidade metodológica. As relações que Estes questionamentos sobre a prática
se constroem entre professor e aluno são mais pedagógica e o trabalho diário envolvendo
consistentes evidenciando proximidade. Já as relações construídas entre professor, aluno

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e conhecimento demonstram a necessidade “tentativa de descobrir entre outras coisas,


e pertinência de investigar que vínculos são certo tipo de interações que entorpecem o
construídos neste ambiente escolar e de que pleno desenvolvimento humano” (PICHON,
maneira influenciam no rendimento escolar 1998, p. 19), para que as relações sejam
do aluno, permitindo uma melhor compreen- melhoradas. Isso por meio de observação e
são destes fenômenos. investigação de como acontecem as ações
Os questionamentos ampliam-se quando no grupo, as decisões, a dinamização, o
se percebe que certos alunos adolescentes têm pensamento do grupo e as ideologias que
“desejos de aprender, enquanto outros não orientam a ação.
manifestam esse mesmo desejo. Uns parecem
estar dispostos a aprender algo novo, são
apaixonados por este ou aquele tipo de saber Método
[...] mostram uma certa disponibilidade para
aprender. Outros parecem pouco motivados Participantes
[...] às vezes recusam-se explicitamente a
Os participantes da pesquisa foram 18
fazê-lo.” (CHARLOT, 2000, p.15). Frente
alunos (pré-adolescentes e adolescentes de 11
às realidades educacionais é importante ob-
a 16 anos de idade), de duas quintas-séries, de
servar como acontecem essas relações dos
uma Escola Municipal de Ensino Fundamen-
educandos com a aprendizagem, a escola e o tal, localizada em um município do norte do
professor, de que forma estão compreenden- Rio Grande do Sul. Os 18 alunos aceitaram
do seu ingresso na escola e como aproveitam ser voluntários e os pais ou responsáveis au-
esta etapa de suas vidas. torizaram a utilização dos dados coletados e
A escola, espaço tão importante e necessá- sua comparação com o desempenho escolar
rio às aprendizagens de várias habilidades, é mediante análise documental.
um local em que os alunos precisam reconhe-
cer-se sujeitos de sua história e, portanto, de
Delineamento, instrumentos e
seu conhecimento. Os vínculos estabelecidos
procedimentos
neste ambiente com o conhecimento e o pro-
fessor são importantes, mesmo que não sejam A pesquisa constituiu-se como qualitativa-
os únicos responsáveis pelo sucesso escolar. descritiva-interpretativa, em uma abordagem
De acordo com Bion (1975, p.3) é neces- de estudo de caso, objetivando compreender a
sário “desenvolver num grupo forças que relação do vínculo estabelecido entre alunos,
conduzam a uma atividade cooperativa de professores conhecimento e o desempenho
funcionamento livre”, para que cada um pos- na aprendizagem; os fatores que definem um
sa trabalhar, ir e vir, auxiliar-se mutuamente, bom/mau professor na ótica dos alunos e a
sentir, aprender, ou seja, crescer com suas relação destas características com o desem-
qualidades, dificuldades e individualidades, penho dos mesmos na disciplina.
percebendo-se como grupo, como ser único As informações para o referido estudo fo-
e respeitado em sua diversidade e parte de ram coletadas a partir de: uma prova projetiva
um todo. aplicada aos alunos, o teste Par Educativo; a
Neste sentido, as relações e o vínculo escrita das histórias de vida escolar; entre-
entre educadores e educandos e estes com vistas semiestruturadas gravadas e análise
o objeto do conhecimento são fenômenos documental da média de desempenho escolar
importantes e sua investigação significa uma dos alunos.

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A análise da prova projetiva “Par Edu- Percebe-se um desenho bem organizado


cativo” foi realizada segundo Visca (1995), e coerente. A presença do aprendente e en-
que define os procedimentos de análise do sinante frente a frente, em tamanho, idade
material e as considerações em relação às ex- e localização adequadas, sugere que ambos
pressões do desenho, da escrita e seus signi- têm seu espaço como quem ensina e aprende
ficados. A história de vida escolar e os dados e que o vínculo com o professor e o conhe-
das entrevistas foram analisados por meio cimento são importantes para o aluno. A
da Análise Textual Discursiva (MORAIS, escrita é coerente com o desenho reforçando
2007), visando a melhor compreensão dos re- a importância da aprendizagem escolar e a
sultados, a essência dos dados coletados, das vontade de aprender.
vivências e experiências dos participantes. O vínculo foi caracterizado como regular
quando o aluno apresentou em seus depoi-
Resultados mentos e projeções sentimentos ambivalen-
tes, por exemplo, quando o aluno diz gostar
da escola, dos professores, mas apresenta
Tipos de vínculos construídos pelos
um desenho no par educativo inadequado
participantes para a idade em uma posição que o coloca
Analisando os dados do par educativo distante do professor e do conhecimento,
e das histórias de vida escolar foi possível sem interação.
identificar diferentes tipos de vínculos esco- No desenho de A 14, por exemplo, apare-
lares: positivo, regular, confuso e negativo. cem as figuras de um aluno muito pequeno,
A palavra vínculo é entendida neste trabalho e de um professor inacabado, ambos sem
como os sentimentos dos alunos em relação relação aparente, sugerindo superficialidade
ao ambiente escolar, aos professores e a es- e desvalorização desta relação de aprendiza-
cola como espaço de aprendizagem. gem, mas na escrita do teste, apresenta um
O vínculo foi considerado positivo quan- professor que elogia e um aluno feliz que
do o participante da pesquisa demonstrou passa de ano.
gostar do ambiente escolar, ter um bom Essas características sugerem que a re-
relacionamento com a figura do professor, lação com o docente e o conhecimento não
valorizando a aprendizagem escolar. Como, é satisfatória, mas, no texto escrito sobre o
por exemplo, no teste Par Educativo do aluno
desenho, o mesmo aluno diz que este se pas-
A17:
sa na escola e apresenta palavras de afeto e
relação, demonstrando um desejo de que as
coisas sejam diferentes.
O vínculo confuso foi caracterizado quan-
do, no par educativo, não há como perceber
uma diferenciação entre a figura do professor
e do aluno, sem permitir compreender algum
tipo de relação. Como no desenho de A8.

Figura 1: Desenho do teste Par Educativo


Fonte: Par Educativo do aluno A17

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atenção e vai mal e a menina que está à direita


vai bem e tira notas boas.
Na história de aprendizagem afirma: “tudo
o que eu quero eu consigo, não incomodan-
do” e que sua nota é boa. Percebe-se que a
figura do professor não tem tanta importância
em relação aos conteúdos e aprendizagem.

Figura 2: Desenho do teste Par Educativo


Fonte: Par Educativo do aluno A14

Figura 4: Desenho do teste Par Educativo


Fonte: Par Educativo do aluno A5

O vínculo negativo é caracterizado como


não vinculação do ambiente escolar como
local de aprendizagem, o fato de ignorar a
figura docente, além de referências negativas
Figura 3: Desenho do teste Par Educativo ao ambiente escolar e história de vida esco-
Fonte: Par Educativo do aluno A8
lar. Verifica-se isso no desenho de A5 que
apresenta duas situações de aprendizagem
Neste desenho, podemos observar que extraescolares, uma de confiança e outra de
A8 valorizou o ambiente escolar, pois a cena violência entre amigos e intitula “duas coisas
desenhada se passa em sala de aula. Ela apre- boas e ruins”.
senta a figura do professor e do aluno, mas Na primeira situação, ele relata que dese-
ambos não se diferenciam, a não ser pelo nhou dois amigos aprendendo juntos na pra-
critério da idade cronológica. Na escrita do ça, um ajuda o outro e “quando um precisar
par educativo diz que a professora é legal, pode contar com o amigo, pois são amigos
afirma que a menina à esquerda não presta desde que nasceram”. Na segunda cena es-

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creve que um amigo está batendo no outro, sores e sentir-se bem no ambiente escolar
no gramado, para ensinar a lutar e que isso não garantiu, para a população pesquisada, a
não deveria acontecer, pois é errado, e que melhora em seu desempenho escolar. O tipo
ele vai “apanhar” da sua mãe e que “se sua de vínculo estabelecido (positivos, negativos,
mãe não der educação seu pai dá”. Na história regulares ou confusos) parece não interferir
de aprendizagem refere, ainda, não gostar do significativamente na aprendizagem destes
ambiente escolar, sendo que frequenta a aula alunos.
porque os familiares obrigam. Não aparece o
O rendimento dos alunos se mostra abaixo
vínculo com a escola e o professor em relação
do esperado em diferentes disciplinas, porém
à aprendizagem. Neste caso, aprendizagem
percebe-se uma pequena diferença nas mé-
é o que aprendemos na vida com os amigos
e não na escola. dias das disciplinas que, conforme os alunos,
exigem mais estudo, esforço próprio, leitura
Observando os resultados, 12 alunos
e atenção para aprender como as disciplinas
apresentaram um vínculo positivo com a
de ciências, geografia, história, matemática
escola, com os professores e o conhecimento,
e português, e as disciplinas que exigem
4 alunos apresentaram um vínculo regular, 1
respostas mais pessoais, que envolvem a
aluno apresentou vínculo negativo e 1 aluno
expressão corporal, a expressão plástica,
apresentou vínculo confuso. Esses resultados
reflexões e linguagem, como as disciplinas
demonstram que a maioria dos alunos, parti-
de artes, educação física, ensino religioso e
cipantes da pesquisa, tem um bom vínculo,
espanhol. As disciplinas que para os alunos
gosta do ambiente escolar, dos professores e
exigem mais esforço são aquelas em que
de aprender.
eles apresentam médias de desempenho mais
Em relação ao desempenho escolar baixas, mesmo que os professores que minis-
dos educandos foi possível observar que tram essas disciplinas sejam considerados os
as médias dos alunos são homogêneas e o melhores professores. E as disciplinas ditas
rendimento como um todo é baixo, seja em menos exigentes em relação a conteúdos são
relação aos que construíram um bom vínculo aquelas que os alunos apresentam melhores
escolar ou não. médias e que os professores não são citados
Onze participantes que apresentam um nas entrevistas.
bom vínculo escolar possuem médias es-
colares de 3,6 a 7,9, rendimento abaixo do
esperado. Dois alunos que apresentam um O bom/mau professor na
vínculo regular apresentam médias entre 4,5 percepção do aluno e a
e 6,7, sem grande diferenciação com relação influência na aprendizagem
aos colegas e ainda com médias muito baixas.
O aluno que apresenta vínculo negativo tem Na tentativa de aprofundar o tema,
como seu desempenho final a média 4,2, ren- buscou-se definir com os alunos quais as ca-
dimento baixo, porém não muito diferente de racterísticas que, em sua percepção, definiam
alguns alunos categorizados como tendo um um bom professor ou um mau professor. Os
bom vínculo. O aluno com vínculo confuso alunos caracterizaram os professores de sua
apresenta um resultado final de média 5,8, preferência, ou seja, “os melhores profes-
resultado que não se diferencia dos outros sores” e “os professores que não gostam” e
participantes. Portanto, percebe-se que ter foram convidados a refletir sobre seu desem-
sentimentos positivos para com os profes- penho escolar com estes professores.

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Os alunos, em sua maioria, definiram durante a explicação. As características des-


os bons professores como aqueles que são critas referem-se a um perfil de professor
“queridos”, ajudam nas lições, não brigam, mais rígido, que cobra mais e tolera menos os
não “xingam”, não “arrumam confusão”, não comportamentos dos alunos. Na fala de A12
mandam para a direção, desculpam quando “não gosto da P2, ela xinga só a gente, sabe,
o aluno não faz a tarefa, conversam e são eu e o J. ela dá as coisas difíceis pra gente
amigos, ou seja, características de maior fazer, não ajuda, quer que a gente faz sozinho,
tolerância e permissividade em relação aos aí demora, aí xinga a gente”, demonstra um
seus comportamento, e menor exigência com professor que cobra o trabalho em aula e
relação as atividades de aprendizagem. Como exige que os alunos façam seus temas.
podemos ver na fala de A13 “Gosto de P1 Percebe-se que os alunos não se sentem
porque é querida, quando a gente não faz o confortáveis com o desafio da aprendizagem,
tema ela desculpa, daí a gente faz e ela tira o demonstrando uma relação de dependência e
nome do caderno, ajuda a fazer os temas, a insatisfação diante de situações consideradas
gente pede pra dar filme, ela dá”. mais complexas. Sua motivação não está em
Bom professor é aquele que não exige o conseguir resultados de forma autônoma,
esforço necessário para que os alunos apren- pelo prazer de aprender. Mas também apare-
dam e se dediquem a avaliar suas capacidades cem questões metodológicas sentidas como
em disciplinas mais complexas. Gostar do desagradáveis em sala de aula “dita demais,
professor, desta forma, envolve condutas dá prova direto, não explica direito” (A8).
menos exigentes destes com relação ao saber Ao caracterizar um bom e mau professor,
escolar. os alunos valorizam mais seu conforto pes-
Poucos alunos descreveram um bom soal e a tolerância destes profissionais em
professor como aquele que “explica bem, é relação aos seus comportamentos, desconsi-
legal e eu vou bem” (A8). “É querida, ajuda derando o conhecimento do professor e seu
a gente e a gente aprende” (A14), vinculando desempenho profissional ao trabalhar com
a descrição ao bom desempenho do professor a turma. Os alunos parecem não reconhecer
e à aprendizagem do aluno na disciplina. Para que a aprendizagem implica também traba-
a grande maioria, os professores são bons lho, esforço e disciplina.
quando “não arruma briga, é companheira e De acordo com as colocações dos alunos,
amiga” (A15), quando não manda pra dire- o vínculo bom com o professor está relacio-
ção, quando o professor tolera mais que os nado com a capacidade deste em tolerar com-
outros os comportamentos indisciplinados portamentos e ser amigo. O vínculo negativo
dos alunos. Há pouca relação com o conhe- estaria relacionado a uma maior cobrança
cimento, o aprender, o saber do professor, a do professor com relação a comportamentos
capacidade de organizar a turma, construir disciplinares e as tarefas educativas.
regras e ser respeitado. Esses fatores não Foram analisadas também a percepção
aparecem como positivos para os alunos. dos alunos acerca do seu desempenho com
Com relação à caracterização de um mau estes professores caracterizados como bons
professor, os alunos definiram como um ou maus. Comparou-se o desempenho que
professor que “xinga”, é “chato”, fala ligei- o aluno diz ter em determinada disciplina, os
ro, explica pouco, faz muito ditado, é bravo, vínculos com o professor e seu real desem-
manda para a direção, não deixa levantar penho escolar. Conforme Quadro 1:

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Bom Desempenho Desempenho Mau Desempenho, Desempenho


Aluno
professor segundo o aluno real professor segundo o aluno real
A1 P1 Bom,vou passar. 2,0 reprovou P2 Não vou bem. 5,13 aprovou
A2 Todas Vou bem. 5,3 média - - -
A3 P1 Vou bem. 2,0 reprovou P2 Vou bem. 5,0
P2 Não vou bem, não 5,13
A4 P1 Vou bem, tirei 8. 6,45
P3 gosto.
A5 P1 Vou bem. 2,0 - - -
A6 P3, P4, P5 Vou bem. 6,0, 6,5, 7,0 - - -
A7 P1 Vou melhor. 8,0 P2 Dá para passar. 6,18
Bem, gosto da Vou bem, porque
A8 P1 6,25 P2 6,35
matéria. gosto da matéria.
P1 8,55 Vou bem porque 8,45
A9 Vou bem. P2
P4 7,65 gosto da matéria.
A10 P4 Vou melhor. 5,23 - - -

Não gosto da Vou bem melhor,


A11 P1 matéria, vou 5,4 P2 5,0
gosto da matéria.
mais ou menos.
Gosto da
A12 P1 disciplina e vou 2,2 P2 Não vou bem. 1,5
bem.
Gosto de
A13 Vou bem. 5,6 média - - -
todas
A14 P1 Eu vou bem. 6,5 - - -
A15 P4 Vou bem. 5,5 P2 Não vou bem. 5,38
A16 P1 Vou bem. 6,13 - - -
Vou mais ou
A17 P1 Não vou mal. 5,5 P2 5,7
menos.
A18 P1 Vou bem. 5,0 P4 Eu vou bem. 5,18

Quadro 1: Concepção de bom/mau professor na percepção dos alunos e desempenho na aprendizagem


Fonte: O autor (2010)

Percebe-se que grande parte dos alunos sair-se bem na disciplina do professor P1,
não tem consciência sobre o próprio desem- pois este professor seria um bom professor,
penho nas disciplinas escolares. Afirmam mas obteve média 2,0 em desempenho real; o
que “vão bem” na disciplina de um professor aluno afirma ter condições de passar de ano,
que gostam e consideram bom professor, e mas foi reprovado com um resultado muito
sua média de desempenho escolar real não abaixo da média. Afirmou também “ir mal”
corresponde a esta afirmação. Este desen- na disciplina do professor P2, do qual refere
contro entre o desempenho real e a percepção não gostar, e sua média de desempenho foi
dos alunos também aparece em relação ao de um e meio, muito semelhante à média na
mau professor. A1, por exemplo, afirmou disciplina do professor que refere gostar.

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Outro exemplo é o caso do aluno A15 que resultados. Percebe-se, ainda, que as notas
refere ter bom desempenho na disciplina do mais baixas estão relacionadas à disciplina
professor P1, o qual mais gosta, obtendo uma ministrada pelo melhor professor na per-
média de 5,5. Refere também desempenho cepção dos alunos, inexistindo uma relação
ruim na disciplina do professor P2, que não entre esta percepção e um bom desempenho.
considera um bom professor, mas sua média Conforme já visto, os critérios utilizados para
é 5,3, não se diferenciando muito da primeira definir um bom professor são comportamen-
disciplina citada. Evidencia-se que os alunos tais e baseados na ideia de um menor nível
não têm consciência do seu real desempenho de exigência, portanto, pode-se compreender
nas disciplinas. Nestes casos, a avaliação que esta relação, que envolve um vínculo
sobre estar melhor ou pior nas disciplinas avaliado a partir da necessidade de não ser
parece estar relacionada ao sentir-se melhor exigido ou frustrado, não contribui para o
ou pior com o professor em sala de aula e não sucesso na aprendizagem e para a melhoria
aos resultados obtidos ao longo do ano. do desempenho escolar.
Entre os participantes da pesquisa, desta- A análise dos dados demonstra que os vín-
co dois alunos que conseguiram refletir mais culos escolares, investigados nesta realidade,
adequadamente sobre seus resultados e estão sejam eles positivos, negativos, regulares ou
cientes de seus desempenhos. O aluno A7 que confusos não estão interferindo significativa-
afirmou ter um melhor resultado na matéria mente na aprendizagem. É importante lem-
do professor P1, o qual considera um bom brar que os vínculos são importantes, porém
professor e, ter um desempenho médio, “dá nesta pesquisa não foi possível perceber uma
pra passar”, na disciplina do professor P2. relação direta com o desempenho escolar,
Sua avaliação corresponde ao desempenho demonstrando a complexidade dos processos
observado, pois, com o professor P1 sua de aprendizagem. Deste modo, o desempenho
média é 8,00 e na disciplina do professor P2 escolar, no contexto desta pesquisa, não está
sua média é 6,18. Pode-se inferir que este relacionado significativamente ao tipo de vín-
aluno possui a capacidade de avaliar seu de- culo estabelecido com o professor e a escola,
sempenho escolar de forma mais adequada. evidenciando que o vínculo com o saber e a
E o aluno A9, também, descreveu seu desem- aprendizagem não se estabelece apenas pelo
penho corretamente, referindo que na matéria vínculo com o professor.
dos professores P1 e P4 se sai bem, e gosta
dos professores, apresentando médias 8,55
e 7,65; e com o professor P2 que não gosta, Discussão
refere sair-se bem por gostar da disciplina na
qual obteve média 8,45. Desta forma, o aluno O atual contexto social apresenta uma
demonstra saber analisar seu desempenho cultura de incertezas e indeterminação. Exige
adequadamente. a formação de sujeitos críticos e reflexivos,
A partir dos dados pode-se afirmar que 16 construtores de sua aprendizagem e capazes
alunos demonstram dificuldades em avaliar de avaliar seu desempenho e suas possibi-
seus desempenhos de maneira adequada e lidades.
ainda não desenvolveram a capacidade de Neste tempo em que os jovens precisam
estimar como está seu desempenho escolar, ser reflexivos diante do acesso fácil à infor-
a noção clara de como estão em relação à mação, pesquisadores e dispostos a aprender,
aprendizagem, suas capacidades e limita- valorizando a participação do outro, “se
ções, aceitando médias baixas, como bons espalha entre eles que o bem que vale é o

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seu próprio bem individual.” (GOMES e como relação com o mundo, com outros e
CASAGRANDE, 2002, p.4). consigo mesmos, o significado que atribuem
A análise dos depoimentos da pesquisa à escola, e como se constituem como sujeitos
mostra exatamente isso, os alunos avaliam em constante crescimento e aprendizagem.
positivamente as características do ambiente Não podemos como educadores acompanhá-
escolar que dizem respeito à permissividade, los se não compreender-mos seus processos
às tarefas mais fáceis, a ajuda do professor de construção pessoal e avaliação do próprio
e à aceitação das suas ideias. Não citam saber.
conteúdos, desejo de saber ou interesse pela
aprendizagem como algo positivo que acon-
tece na escola. Gostam do que lhes dá prazer As relações com o saber
imediato e não de esforço ou exigência.
O motivo para permanecer na escola e Educar-se, desenvolver-se, tornar-se cada
aceitar aprender, talvez seja a facilidade em vez melhor, mais sábio, mais inserido na so-
relação aos conhecimentos e às aulas, o que ciedade, é próprio do ser humano como ser
inibe aprendizagens significativas. A baixa inacabado que precisa constantemente apren-
tolerância e necessidade em poupar esforços der, desenvolver-se e constituir-se humano.
dificulta que os jovens possam desenvolver E este desenvolvimento é possível por meio
a capacidade de controlar sua aprendizagem de relações que este estabelece com o meio
e reconhecer seu real desempenho. onde está inserido.
Gomes e Casagrande (2002) afirmam, É necessário entender que para mobilizar-
em seus estudos, que no contexto social em se a aprender algo é preciso que o sujeito
que vivemos, o jovem, muitas vezes, vive invista nesta aprendizagem. O ser humano in-
sem projetos, sem ideais, a não ser cultuar veste em algo quando lhe tem sentido, quando
sua autoimagem e buscar satisfação aqui mexe com seus desejos. Conforme Charlot
e agora. Os valores antigos, as verdades e (2000, p.54), “ninguém poderá educar-me se
certezas já não servem mais para a resolução eu não consentir, de alguma maneira, se eu
dos problemas e os novos valores ainda não não colaborar, uma educação é impossível,
estão firmes o suficiente. se o sujeito a ser educado não investe pesso-
almente no processo que o educa”.
No contexto da pesquisa percebe-se que
o jovem precisa de auxílio para construir seu Como já visto, o fato de declarar que
conhecimento, sua aprendizagem, sua histó- sente-se bem no ambiente escolar, gosta dos
ria, ainda não consegue sentir-se desejoso por professores e dos colegas não é suficiente
aprender, ainda não avalia adequadamente para que o sujeito possa aprender, despertar
seus desempenhos e precisa de motivações o desejo de saber e ampliar suas capacidades.
externas ou auxílio do professor para com- Os alunos participantes da pesquisa demons-
preender se realmente aprendeu. tram gostar do ambiente escolar, porém se
Diante destes novos valores, Azevedo relacionam com o mesmo de forma superfi-
(1993 apud GOMES e CASAGRANDE, cial, estando mais satisfeitos quanto menor
p.5) afirma que “educar será capacitar pes- for o nível de exigência. Qualquer forma de
soas para situar-se responsavelmente no repreensão de seus comportamentos é visto
mundo: será viver a partir da história, será como algo negativo, o que representa baixa
criar história”. tolerância, preferindo que o ambiente escolar
adapte-se a suas necessidades. Demonstram
Desta forma, auxiliá-los é, primeiramente,
investigar seu relacionamento com o saber desejos de aceitação de suas dificuldades,

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limitando-se em aprender apenas para passar ter uma boa profissão mais tarde, para agra-
de ano. dar o professor que considere simpático [...]
Cabe pensarmos que, talvez, o vínculo nesse caso, a apropriação do saber é frágil,
com o saber, que pode ser determinante do pois esse saber pouco apoio recebe do tipo
significado que o aprender tem na vida dos de relação com o mundo que lhe dá um sen-
alunos, pode ser mais importante que o vín- tido”. Portanto, para ocorrer a apropriação do
culo com a escola e os professores. Como saber, não basta ter um professor “querido”
parece que estes alunos não têm consciência ou “simpático”, é preciso que o saber tenha
e nem autonomia sobre seu próprio processo significado na vida dos alunos, estimulando
de aprendizagem, podem estabelecer uma a autonomia e desejo de aprender, aspectos
relação superficial com a mesma. Esta relação que apareceram de forma muito superficial
de “superficialidade” com o saber faz com no grupo estudado.
que signifiquem o vínculo com a escola e com Percebe-se, portanto, que existem as-
o professor como “quanto menos exigente pectos que são relativos ao sujeito que vão
melhor”, usando apenas critérios de manejos determinar o crescimento e o melhor apren-
comportamentais para avaliá-los. Para os dizado e rendimento escolar. Muitas vezes,
alunos, o bom desempenho está ligado ao para os alunos, o aprender é para conseguir
professor e o resultado final oferecido por ele, algo externo, ainda não despertaram para
ainda não compreenderam que sua vontade e motivos internos de satisfação e melhora de
sua colaboração são importantes no processo si mesmos.
de aprendizagem. Segundo Charlot (2000) só há saber se
Os resultados dos alunos não melhoram o sujeito estiver engajado em uma certa re-
quando estudam com o melhor professor e lação com o saber. Este é construído numa
não pioram quando estudam com o professor relação com outros, no confronto de ideias,
que dizem não gostar. Muitas vezes, as notas na comunicação. “A ideia de saber implica
são mais altas na disciplina que os alunos a de sujeito, de atividade do sujeito, de re-
afirmam que o professor é “chato”, “xinga”, lação do sujeito com ele mesmo, de relação
“não quer que converse na explicação”. É desse sujeito com outros” (CHARLOT, 2000,
possível dizer que a relação dos alunos com p.61), para construírem juntos e partilharem
o saber está alicerçada na facilidade, ou seja, esse saber.
gosto do que não me pede muito, do que não Se o saber é uma relação, é necessário
preciso me mover para aprender. que os alunos aprendam a relacionar o co-
Saber é uma conquista e como toda con- nhecimento, as informações que aprendem
quista é necessário desejar algo para chegar na escola, com as tarefas que devem resolver,
ao objetivo. Os participantes demonstraram precisam aprender a trocar ideias, partilhar e
preocupação de passar de ano, ter um futuro transformar essas relações em saberes. Para
melhor, poder trabalhar, mas desejos de cres- Charlot (2000), o saber é construído em uma
cimento pessoal e vontade de aprender por história coletiva que é a da mente humana e
prazer não apareceram. das atividades do homem e está submetido
Na ausência de uma adequada relação a processos coletivos de validação, capitali-
com o saber, a aprendizagem fica prejudi- zação e transmissão.
cada, pois, conforme Charlot (2000, p.64), Para os alunos participantes da pesquisa
em não se estabelecendo uma relação com o ainda, ao que parece, o saber não tem um
saber “o aluno aprenderá para evitar uma nota sentido, a importância maior é o conheci-
baixa ou uma surra, para passar de ano, para mento frágil que precisam depositar nas

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provas e trabalhos. Eles ainda não adotaram A reflexão sobre os próprios processos de
uma relação de saber com o mundo, com os memória, atenção ou aprendizagem, assim
outros e consigo mesmos, uma relação de com os produtos de nosso processamento, nos
construção do saber que proporciona prazer proporciona metaconhecimento, um saber
e desejo de aprender. sobre o que sabemos, que pode nos ajudar a
Charlot (2000) nos faz pensar sobre o tomar consciência de nosso funcionamento
tipo de relação com o mundo e com o saber cognitivo [...] proporcionando melhores ins-
que a criança deve construir, para ter acesso trumentos cognitivos para intervir nesses pro-
ao pleno uso das suas potencialidades. Para cessos e modificá-los. (POZO, 2002, p.159).
o autor, o ser humano precisa compreender Diante dos resultados da pesquisa,
suas capacidades, sua identidade, sua repre- percebeu-se que os alunos participantes não
sentação para os demais e compreender seus estão conscientes de seu desempenho, pois
limites e habilidades, ou seja, ser capaz de não conseguem avaliar adequadamente seus
autoavaliar-se, em uma relação de aprendi- resultados. Muitas vezes, acreditam que
zado constante. conseguiram alcançar os objetivos, porém
Ter consciência dos próprios processos de apresentam médias baixas e até reprovação.
aprendizagem pode nos ajudar a tomar cons- Por vezes expressam a percepção de um de-
ciência de nosso funcionamento cognitivo e sempenho ruim em determinada disciplina,
nos proporciona instrumentos para intervir o que também não correspondeu a realidade
nesses processos, ou seja, o ser humano capaz observada. Estas distorções podem também
de gerenciar sua aprendizagem e relacionar- ser resultado de uma noção de que se não há
se com o mundo na busca de saber. E esta “cobrança” na sala de aula, eu estou indo bem
autonomia traz consigo o desejo de saber, e se, ao contrário, há exigência, eu vou mal. A
cujos efeitos sobre os resultados obtidos pa- “cobrança” ou exigência pode estar relacio-
recem ser mais sólidos e consistentes do que nada ao processo avaliativo. Em um processo
quando a aprendizagem se move por motivos avaliativo que não diagnostica onde estão as
externos. (POZO, 2002). dificuldades e/ou aprendizagens construídas,
os alunos têm mais dificuldade de perceber
seu próprio desempenho. Como vimos, a
Metacognição e aprendizagem maioria dos alunos relacionam desempenho
ruim com professor “chato” e “exigente” e
Tomar consciência do próprio desempe- bom desempenho com professores “legais”,
nho nas tarefas de aprendizagem é algo ne- que “desculpam quando não fazem os temas”
cessário para que o aprendiz possa melhorar e exigem menos disciplina. Os alunos parti-
suas capacidades, organizar estratégias de es- cipantes medem suas capacidades de apren-
tudo e conseguir alcançar as metas desejadas. dizagem pela tolerância do professor e não
Isso se conseguir estabelecer metas e desejar pelo seu desempenho. Pode-se afirmar que
aprender. Essa capacidade de tomar-se nas estes alunos não possuem a capacidade de
mãos e acompanhar o próprio desempenho metacognição, por não conseguir gerenciar
é algo que se conquista, a aprendizagem sua aprendizagem e depender dos resultados
precisa estar alicerçada na interação, no que os professores lhes fornecem como nota
professor incentivando o aluno a criar formas final. Se o aluno não sabe quais as suas poten-
de aprender, na criação de estratégias para cialidades e dificuldades no que diz respeito
resolver suas tarefas e na consciência do ao processo de aprendizagem, de que forma
aluno sobre suas dificuldades e por isso na espera-se que ele avance neste processo de
vontade de superá-las. forma mais autônoma? Sendo assim, fica

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RELAÇÃO ENTRE VÍNCULOS ESCOLARES E DESEMPENHO NA APRENDIZAGEM: UM ESTUDO COM ALUNOS DE
5ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL

difícil que consigam compreender que a brincar. Hoje tudo é mais fácil, os brinquedos
aprendizagem é um processo que exige metas são comprados, é só ligar a televisão e se di-
e atenção aos próprios limites e capacidades. vertir com cenas que apenas olhamos. Então,
Para Pozo (2002), a aprendizagem não porque temos que estudar tanto, sofrer tanto
pode ser concebida como um simples ato para aprender algo, não poderia ser mais fácil
mecânico, de um simples exercício rotineiro, estudar? Isso faz com que os alunos entrem na
passou a ser cada vez mais um verdadeiro cultura da velocidade, da superficialidade, da
problema, diante do qual é preciso tomar facilidade e deixem de valorizar o esforço e a
decisões e elaborar estratégias. Além de ser busca pelo saber. Por isso conhecer as novas
necessário que os aprendizes disponham não demandas da educação para nos situarmos
apenas de recursos alternativos como também e criar formas de trabalho escolar pode nos
da capacidade de estratégia de saber quando dizer como ajudar a despertar no aluno o
e como devem utilizá-los. Para aprender é desejo de saber e o gosto pelo aprender de
preciso ter consciência das dificuldades e forma mais autônoma.
organizar estratégias para melhorar e superar Para Pozo (2002), se além de processos
estas dificuldades. eficazes, os alunos adquirem um conheci-
Aprender implica mudar e a maior parte mento estratégico para manejar e controlar
das mudanças em nossa memória precisa de sua atividade de aprendizagem terão mais
uma certa quantidade de prática, aprender, condições de aprender e compreender as si-
principalmente de modo explícito ou deli- tuações apresentadas em que precisam aplicar
berado, supõe um esforço que requer altas seus conhecimentos.
doses de motivação, no sentido mais literal Para isso, os aprendizes devem aprender a
de mover-se para a aprendizagem. (POZO, controlar e regular seus processos cognitivos,
2002, p.138). assim como a se habituar a pensar sobre seu
Isso sugere prática reflexiva e auto- próprio conhecimento, quer dizer, a exercitar
avaliação. Porém o tipo de prática realizado o metaconhecimento. Esse controle e esse
nas escolas ainda valoriza a quantidade de metaconhecimento serão aplicados, natural-
exercícios em pouco tempo e não a distri- mente, à “gestão” de técnicas e recursos de
buição destes no tempo com metodologias aprendizagem específicos, mas também a
diferenciadas. As práticas diversificadas outros resultados de aprendizagem implícitos
permitem que se avalie se realmente as ou explícitos. (POZO, 2002, p.79).
aprendizagens são consistentes e duradouras. Segundo o autor, quando os alunos
A prática pedagógica precisa estar organizada simplesmente entregam exercícios com o
de forma que possibilite as aprendizagens e objetivo de um resultado final, sem que
permita ao aluno criar estratégias de apren- tenham significado, não conseguem com-
dizagem frente aos conteúdos apresentados. preender suas dificuldades, como na fala de
Conforme o resultado que o professor deseja, A1 que afirma “vou bem, vou passar” e foi
precisa ativar determinados processos em reprovado. Por isso, a autoavaliação é muito
seus alunos, pois se queremos que os alunos importante para a capacidade de autocontrole
consigam avaliar suas capacidades e dificul- nas tarefas de aprendizagem. Ter consciência
dades adequadamente, precisamos dispor de dos conhecimentos e das metas que se quer
meios para isso. atingir é o primeiro passo para a mudança.
No passado, as crianças construíam seus O aluno precisa ter autonomia para perce-
brinquedos, criavam suas brincadeiras, ti- ber como poderia melhorar seus resultados,
nham que trabalhar e se esforçar para poder ter consciência antes disso de como está seu

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desempenho e onde deveria melhorar, isso é mais adequadas para por em marcha esses
muito importante para não se limitar aos re- processos.” (POZO, 2002, p.89).
sultados oferecidos pelo professor. Para isso, Para Pozo (2002), existem outros aspectos
o aluno precisa aprender a ter consciência de que são auxiliares na aprendizagem: a moti-
seu processo, sendo que o professor precisa vação, motivo pelo qual se quer aprender, a
proporcionar meios para que o aluno possa atenção em relação o que realmente se quer
criar estratégias, planejar, corrigir os erros e aprender, a recuperação e a transferência
avaliar suas possibilidades. das representações existentes na memória,
O professor precisa considerar as tarefas e a consciência como controle dos próprios
de aprendizagem como problemas, incenti- mecanismos de aprendizagem. Os moti-
vando o aluno a planejar, avaliar e conduzir as vos podem ser externos, como o desejo de
próprias aprendizagens, variando as formas gratificação ou internos ao sujeito, como a
de ensino para que os alunos tenham que satisfação de aprender. Ao longo da pesquisa
mudar a forma de pensar e resolver as tarefas. foi possível perceber desejos de aprender
extrínsecos, quando os alunos expressaram
A fala de dois alunos participantes da
que precisam aprender para ser alguém e
pesquisa revela que conseguem observar
trabalhar, ou seja para futuramente ter uma
corretamente seus desempenhos “vou me-
profissão e sobreviver, mas motivos mais
lhor nesta disciplina” (A7) e “vou bem”
intrínsecos como o desejo de saber por sa-
(A9), ambos com médias acima de 7,00.
tisfação de aprender não apareceram. Criar
Percebe-se que estes alunos que conseguem
situações e estratégias para que a motivação
avaliar-se de maneira adequada estão com
intrínseca surja nos alunos é um dos grandes
melhores resultados, o que reforça a ideia
desafios da escola.
de que a capacidade de avaliar corretamente
a própria aprendizagem é importante para o
desempenho escolar. Considerações finais
Segundo Pozo (2002), a nova cultura da
aprendizagem propõe a passagem de um O objetivo do presente estudo configurou-
aprendiz passivo, “disposto a aprender de se por investigar os tipos de vínculos constru-
forma reprodutiva o que lhe é pedido, para ídos por alunos de quintas séries com o pro-
um aprendiz ativo e construtivo orientado fessor, o conhecimento e o ambiente escolar
para a busca do significado do que faz, diz e e sua influência na aprendizagem, analisando,
pensa, que se sustenta numa aprendizagem também, a imagem do bom/mau professor
cada vez mais metacognitiva e controlada.” na perspectiva dos alunos, comparando com
(Pozo, 2002, p.79). desempenho destes nas disciplinas.
A partir dos dados coletados com os par- A hipótese inicial era de que os vínculos
ticipantes da pesquisa é possível afirmar que positivos facilitariam a aprendizagem, pos-
para aprender apenas vínculos positivos com sibilitando um melhor resultado, enquanto
o professor e a escola não bastam, “o ideal é vínculos negativos poderiam prejudicar a
que o próprio aluno seja quem, de maneira aprendizagem e o rendimento dos alunos,
progressiva, acabe exercendo o controle de como também que um bom vínculo com
seus próprios processos, utilizando-os de determinado professor considerado o melhor
forma estratégica, mediante uma tomada professor, poderia ajudar o aluno a desejar
de consciência dos resultados que espera aprender e melhorar seus desempenhos.
da aprendizagem, dos processos mediante Analisando os dados foi possível observar
os quais pode alcançá-los e das condições quatro tipos de vínculos: positivos, negativos,

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RELAÇÃO ENTRE VÍNCULOS ESCOLARES E DESEMPENHO NA APRENDIZAGEM: UM ESTUDO COM ALUNOS DE
5ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL

regulares e confusos. Relacionando-os aos seu rendimento ou de que forma encontrar


desempenhos dos alunos percebeu-se que não recursos para tal.
há diferença significativa nos resultados em Percebeu-se ainda que estes alunos não
função do tipo de vínculo construído. E em conseguem relacionar-se com o meio em que
relação ao bom/mau professor foi possível estão inseridos de forma a aprender cons-
observar dois tipos de professores na ótica tantemente, a avaliar-se e tentar melhorar.
dos alunos: os mais permissivos e tolerantes O esforço e a troca de ideias como forma de
e os mais exigentes e bravos, porém não se apropriação do saber não são reconhecidos
observou diferença nos rendimentos dos pelos alunos, que preferem a tolerância dos
alunos das disciplinas ministradas por estes professores em relação a seus comportamen-
professores, o fato de gostar ou não do pro- tos, independentemente do fato de estes esta-
fessor não influenciou significativamente a rem sendo prejudiciais ao seu desempenho.
aprendizagem neste grupo. É importante frisar que os dados en-
Observou-se, também, que o vínculo contrados não são generalizáveis, uma vez
positivo desenvolve um sentimento de bem- que a caracterização de bom vínculo se deu
estar e alegria por estar na escola, por isso é em função da percepção dos alunos e que
importante, mas não suficiente para que os outras variáveis poderiam ser consideradas
alunos obtenham um melhor rendimento na em função da complexidade que envolve o
aprendizagem escolar. processo de ensino e aprendizagem. Também
Outro aspecto relevante evidenciado é de é relevante enfatizar que de forma alguma
que os alunos não conseguem avaliar seus pretende-se afirmar que o vínculo com o
desempenhos de maneira adequada, ou seja, professor e a escola não tenha influência na
não têm consciência sobre seus resultados e aprendizagem, o que verificou-se no contex-
suas capacidades, dependendo do resultado to desta pesquisa é que o vínculo positivo
final que o professor lhes oferece. A pesquisa proporciona o sentimento de aceitação e
mostrou que 16 alunos ainda não desenvol- acolhida, porém constituir-se sujeito de sua
veram a capacidade de estimar como está seu história perpassa também pela relação com
desempenho escolar, saber o que precisam o saber e a capacidade de autoavaliação da
estudar mais, que estratégias podem funcio- aprendizagem.
nar melhor para a aprendizagem, quais os Portanto, não são somente a proximidade,
conhecimentos que ainda não dominam e o diálogo e os vínculos construídos os únicos
quais suas possibilidades e potencialidades responsáveis pelo desempenho dos alunos,
de crescimento. Essa incapacidade de avaliar mas existem outros aspectos que também são
seu desempenho pode estar dificultando a importantes, como a capacidade do aluno de
aprendizagem já que os alunos não sabem dialogar consigo mesmo e descobrir-se com
ao certo como se comportar para melhorar potencialidades e dificuldades.

AUTORES
Eliana Sandri Lira – Pedagoga, Especialista em Psicopedagogia pela URI- Campus de Erechim,
Professora de Educação Infantil da Escola Municipal de Ensino Fundamental Osório Duque
Estrada – Cruzaltense. E-mail: esandri23@yahoo.com.br
Jacqueline Raquel Bianchi Enricone – Psicóloga. Mestre em Educação (UFRGS). Professora
da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Erechim.
E-mail: jenricone@uri.com.br

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REFERÊNCIAS

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