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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO - IAU

Fichamento do Capítulo:
GORELIK, Adrian. “Nostalgia e Plano. O Estado como Vanguarda”
In GORELIK, Adrian. “Das Vanguardas a Brasília. Cultura Urbana e Arquitetura na
América Latina.” 2005, p.15-56

Docentes:
Carlos Alberto F. Martins
Eulalia Portela Negrelos
Discentes:
Maria Lina Aricó Bovo - nºUSP: 11894367

SÃO CARLOS
2023
INTRODUÇÃO

“Nostalgia e Plano: toda indagação sobre as vanguardas latino-americanas deve encarar o problema de
uma cultura arquitetônica cuja configuração moderna reconhece essa origem cruzada, porque ela afeta
a própria noção de vanguarda”
(Gorelik, 2005, p.15)

Em “Nostalgia e Plano. O Estado como Vanguarda”, capítulo um do livro “Das Vanguardas a


Brasília. Cultura Urbana e Arquitetura na América Latina.”, Adrian Gorelik enfoca a
emergência da cultura arquitetônica de vanguarda na América Latina durante a década de
1930 e como essa cultura é moldada por dois impulsos aparentemente contraditórios: a
nostalgia para trazer ordem ao caos presente e o plano para mitigar o medo do futuro. Esses
dois elementos se entrelaçam na configuração da vanguarda arquitetônica latino-americana
e, portanto, são fundamentais para compreender essa corrente.

A vanguarda arquitetônica não apenas contribui com seus planos e ideias para o movimento
vanguardista em geral, mas também desempenha um papel crucial na renovação cultural e
política da América Latina. O Estado torna-se um ator central nesse processo, sendo o
promotor privilegiado desses impulsos contraditórios. A década de 1930 marca um ponto de
encontro crítico entre a arquitetura e o Estado, onde os princípios vanguardistas elaborados
na década anterior são testados e reformulados.

Essa vanguarda se autodenomina como construtora de uma tradição, e seu trabalho prepara
o terreno para a intervenção do Estado nacionalista, que surge após a reorganização
capitalista pós-crise, bem como para o Estado desenvolvimentista dos anos cinquenta. A
arquitetura e o Estado convergem na necessidade de construir não apenas uma cultura
arquitetônica, mas também uma sociedade e uma economia nacionais.

Um aspecto notável é que essa vanguarda questiona muitos dos postulados clássicos
associados à vanguarda, como a negatividade, o caráter destrutivo, o combate às
instituições, a destruição da tradição e o internacionalismo. A experiência da arquitetura
moderna, de maneira única, lança luz sobre a experiência vanguardista como um todo na
América Latina, oferecendo uma perspectiva retrospectiva valiosa sobre a construção da
cultura e da identidade na região.

UMA VANGUARDA ADJETIVADA

Adrián Gorelik realiza uma análise abrangente sobre a complexidade da noção de


vanguarda na América Latina, com foco especial nas artes e na arquitetura. Ele enfatiza a
necessidade de uma abordagem mais específica em vez de simplesmente rotular essas
correntes culturais como "vanguardas". Essa perspectiva realça a heterogeneidade presente
nas vanguardas latino-americanas, compostas por diversos movimentos e abordagens que
desafiam a ideia de que são meras imitações de modelos europeus ou norte-americanos.

A importância do debate crítico na definição e evolução das vanguardas na América Latina


se faz presente, de modo que os críticos militantes desempenharam um papel significativo
na determinação do que é considerado vanguarda, e essa batalha pelo poder de definição
persistiu ao longo de décadas, evidenciando como a definição das vanguardas é um
processo dinâmico e em constante transformação. A definição de vanguarda também é
questionada, especialmente quando se trata de arquitetura, a contradição entre a ideia
tradicional de vanguarda como algo destrutivo e a natureza construtiva da arquitetura se faz
presente, de modo que ilustra como a aplicação do conceito de vanguarda pode ser
complexa e variar dependendo do contexto.

Além disso, a busca por valores originais desempenhou um papel central no


desenvolvimento do modernismo em todo o mundo, incluindo nas vanguardas
latino-americanas, de modo que a influência não deve ser descartada, mas sim vista como
um aspecto que coexiste com a busca pela originalidade. Gorelik destaca a complexidade
das vanguardas, esses movimentos culturais envolvem uma variedade de elementos, como
produções artísticas, manifestos, posições políticas, valorações críticas e filosofia. Deste
modo, esses elementos frequentemente se entrelaçam de maneira intrincada, tornando a
definição das vanguardas um desafio.

A DIALÉTICA DAS VANGUARDAS

Gorelik aborda uma variedade de tópicos relacionados à vanguarda, arquitetura e


experiência latino-americana. Explorando de forma aprofundada a relação entre vanguarda
e arquitetura, especialmente no contexto das vanguardas culturais e artísticas do século XX.
Uma questão discutida é a rejeição da ideia de que a arquitetura poderia ser considerada
vanguarda devido à sua natureza construtiva, essa rejeição foi argumentada pela corrente
de "crítica à ideologia" que surgiu nos anos 60 e 70. No entanto, é importante destacar que
essa crítica não eliminou o problema, mas o reconfigurou, enfatizando a relação da
arquitetura com o poder econômico e político.

A dialética presente nas vanguardas culturais, se faz presente especialmente na transição


da vanguarda para a metrópole, a passagem do destrutivo ao construtivo afeta a
compreensão tanto da arquitetura quanto da vanguarda em si, ela é vista como uma unidade
que submete à prova os postulados mais destrutivos das vanguardas, permitindo uma
compreensão mais ampla desses movimentos culturais.

O autor diz que a experiência latino-americana é conectada à discussão sobre vanguarda e


arquitetura, uma vez que a América Latina desempenhou um papel crucial na dialética da
vanguarda, especialmente no que diz respeito à construtividade. As vanguardas
latino-americanas buscaram criar uma identidade cultural nacional por meio de suas
expressões artísticas e arquitetônicas e essa busca pela ordem e identidade nacional foi um
elemento central nessas vanguardas, que buscaram combinar elementos do atraso com
elementos do moderno para criar uma cultura nacional específica e única.

DIRIGISMO ESTATAL E ARQUITETURA NA AMÉRICA LATINA

A relação entre o dirigismo estatal e a arquitetura moderna na América Latina, com um


enfoque especial nos países como México, Brasil e Argentina, é analisada pelo autor, ao
longo dos anos 1930, uma parcela significativa das obras de arquitetura moderna na região
foi financiada, auspiciada ou mesmo diretamente empreendida pelo Estado, sendo que essa
colaboração íntima entre o Estado e os arquitetos modernistas culminou em projetos
arquitetônicos de grande envergadura, cuja realização seria inatingível em outros contextos.
O Estado latino-americano assumiu um papel central na modernização da região, adotando
o modernismo como uma linguagem arquitetônica que simbolizava a transformação e a
modernidade, posicionando como o construtor de uma nova sociedade e utilizando a
arquitetura modernista como um veículo para expressar essa visão inovadora. No entanto,
essa estreita relação entre o Estado e os arquitetos modernistas também refletiu a
ambiguidade inerente ao próprio Estado latino-americano, que buscava modernizar a
sociedade ao mesmo tempo em que se apegava a valores tradicionais, essa ambiguidade
se faz notar na própria arquitetura modernista, que, simultaneamente, projetava-se para o
futuro e resgatava elementos do passado.

O modernismo arquitetônico emergiu como um instrumento de representação da


modernidade nacional, atendendo à demanda do Estado por uma linguagem arquitetônica
que pudesse organizar o imaginário nacionalista, fornecendo uma resposta eficiente às
aspirações de modernização. No entanto, essa relação entre o Estado e a arquitetura
moderna não se desenrolou de forma linear ou simplista. Pelo contrário, ela foi permeada
por conflitos e desafios ao longo do percurso, enquanto a ambiguidade estatal se
manifestava também na própria arquitetura modernista. A colaboração profícua entre o
Estado e os arquitetos modernistas resultou em projetos arquitetônicos de grande
envergadura, representando a ambição de construir uma nova sociedade, porém, essa
relação não se deu sem conflitos, refletindo as tensões e complexidades envolvidas no
processo de modernização na América Latina.

PERSPECTIVAS LATINO-AMERICANAS

Gorelik discute a complexidade de analisar as arquiteturas modernas na América Latina,


destacando as diferenças e semelhanças entre os casos da Argentina, México e Brasil, e
ressaltando a importância de uma perspectiva abrangente para compreender as dinâmicas
regionais e nacionais.

A análise da arquitetura moderna na América Latina apresenta complexidade ressaltando


que deve-se inegavelmente levar em consideração as diferenças culturais, econômicas e
sociais entre os países da região, ressaltando que é desafiador generalizar ou impor uma
unidade sob o rótulo "latino-americano" devido à diversidade das experiências em cada
nação. No entanto, ele reconhece a importância de adotar uma perspectiva abrangente para
compreender as especificidades nacionais e as interações entre o Estado e a arquitetura
moderna.

Apesar das diferenças, existem pontos em comum nos casos da Argentina, México e Brasil,
especialmente em relação à centralidade da relação entre o Estado e a arquitetura moderna
e que há diferentes formas de interação entre o Estado e a arquitetura em cada país,
evidenciando como o Estado influenciou na promoção e legitimação da arquitetura moderna.

O autor sugere a possibilidade de traçar uma biografia do modernismo na América Latina,


observando semelhanças nas trajetórias de arquitetos como Lúcio Costa, Luis Barragán e
outros, uma vez que esses arquitetos passaram por diferentes fases, desde o
neocolonialismo até o modernismo radical internacionalista, em busca de uma identidade
nacional.
Gorelik também enfatiza a importância da relação entre o Estado e a arquitetura moderna,
destacando como o Estado definiu o que era considerado "moderno" em arquitetura,
envolvendo encomendar projetos arquitetônicos, financiar obras e legitimar a arquitetura
moderna como um símbolo de modernização e progresso. São observadas as abordagens
distintas adotadas por cada um dos três países, no México, por exemplo, o Estado teve uma
influência significativa na formação de uma cultura arquitetônica moderna desde os anos
1920, resultando em uma tradição de arquitetura pública altamente qualificada, no Brasil, a
relação entre o Estado e a arquitetura moderna envolveu concursos públicos e uma busca
por identificação entre política e representação. Já na Argentina, a relação entre Estado e
arquitetura foi mais complexa, com a existência de escritórios de gestão pública que
incentivaram a elaboração arquitetônica, mas sem profissionais renomados.

TRÊS CASOS

Neste trecho, Adrian Gorelik examina a evolução da arquitetura moderna em três países da
América Latina: Argentina, México e Brasil, destacando as transformações significativas
ocorridas nesses contextos, desde a transição da vanguarda urbana para reformulações
estatais até a busca por uma síntese entre tradição e modernidade na arquitetura.

Na Argentina, durante os anos 1930, houve uma tensão palpável entre tradição e
modernidade, especialmente em Buenos Aires. O texto ressalta a criação de um imaginário
patrício chamado de "criollismo urbano de vanguarda", representando uma abordagem
singular da modernidade arquitetônica. No entanto, ao longo dessa década, ocorreu uma
mudança nas políticas estatais, passando de uma expansão da modernização para uma
ênfase na "ruralização do país". Essa transformação evidencia a complexidade das políticas
estatais e sua influência na arquitetura.

No México, o texto aborda a transição da vanguarda urbana na primeira metade dos anos
1930 para um movimento mais regionalista na segunda metade. Destaca-se a presença de
Hannes Meyer e sua influência no país, bem como a interação de suas ideias com as
políticas estatais. Essa combinação resultou em uma síntese entre planejamento e
regionalismo, contribuindo para o desenvolvimento de uma arquitetura moderna única no
México.

Já no caso do Brasil, é mencionada a disputa histórica sobre a origem do modernismo


arquitetônico, com alguns defendendo o início paulista e outros o início carioca. No entanto,
independentemente dessa disputa, destaca-se o papel fundamental de Lucio Costa na
construção de uma identidade nacional por meio da arquitetura moderna. Sua visão e
influência foram cruciais para o desenvolvimento e consolidação do modernismo no Brasil.
Além disso, o triunfo do modernismo no país com a construção do Ministério da Educação,
que se tornou um marco emblemático da arquitetura moderna brasileira.

OS TEMPOS HETEROGÊNEOS DA VANGUARDA NA AMÉRICA LATINA

Por fim, o autor discute a evolução das vanguardas arquitetônicas na América Latina,
enfatizando diversos aspectos, primeiramente abordando a criação de uma origem mítica
para unir o presente e o futuro em um destino harmônico, essa construção do "Plano"
buscava harmonizar conflitos entre técnica e região, repetição e forma, utilizando o equilíbrio
como recurso simbólico para dotar a modernização de elementos nacionais.

A integração nacional é um ponto central, com ênfase na integração cultural, social e


territorial, embora diferentes países latino-americanos tenham desenvolvido abordagens
variadas para a arquitetura moderna e o Estado, todos compartilharam a vontade de
construir ex novo, criando uma nova realidade em contraste com o passado histórico ou
natural. A cidade é vista como o instrumento para alcançar uma sociedade moderna na
América Latina, a modernidade é encarada como um caminho para o desenvolvimento, não
sua consequência. A vanguarda arquitetônica na região assume a missão de materializar
essa vontade ideológica por meio de formas arquitetônicas simbólicas.

Se faz importante dar ênfase às temporalidades diferenciadas da vanguarda


latino-americana, que combinam passado imaginável e futuro disponível. Não havia um
passado clássico sólido para reciclar, então as vanguardas latino-americanas recorriam a
mitos de origem para criar um passado comum para suas nações em formação. Assim, o
Estado desempenha um papel crucial na vanguarda, financiando projetos e agindo como
ator histórico. Isso resulta na perda de autonomia da vanguarda, que se submete às
necessidades políticas do Estado.

CONCLUSÕES

O capítulo "Nostalgia e Plano: O Estado como Vanguarda" de Adrián Gorelik oferece uma
análise aprofundada e perspicaz das complexas interações entre o Estado e a arquitetura
moderna na América Latina, conduzindo-se por um intrincado labirinto de ideias, eventos e
personalidades que moldaram a evolução da arquitetura moderna em países como
Argentina, México e Brasil.

Evidencia-se a centralidade do Estado como agente influente na promoção e legitimação da


arquitetura moderna na América Latina. Os Estados desses países desempenharam um
papel significativo na definição do que era considerado "moderno" em arquitetura,
encomendando projetos arquitetônicos, financiando obras e, assim, moldando a identidade
arquitetônica de suas nações.

O autor também destaca a complexidade das vanguardas latino-americanas, ressaltando


como a busca por uma síntese entre tradição e modernidade foi uma constante, mesmo
diante das diferenças políticas e culturais entre os países da região. Figuras proeminentes,
como Hannes Meyer e Lucio Costa, desempenharam papéis cruciais na construção dessas
identidades arquitetônicas nacionais.

Além de que Gorelik nos convida a apreciar a riqueza e a diversidade da arquitetura


moderna na América Latina, bem como a compreender a influência do Estado nesta criação.
Ele lembra da complexidade das vanguardas e das interações entre a nostalgia pelo
passado e a necessidade de planejamento para o futuro. Essa análise cuidadosa serve
como um lembrete da importância de considerar o contexto histórico e político ao estudar a
arquitetura e a cultura em geral, ao mesmo tempo em que nos inspira a explorar ainda mais
as contribuições únicas da América Latina para o mundo da arquitetura moderna.

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