Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Coordenador
MARTINS, Carlos Alberto Ferreira
professor titular; IAU USP São Carlos
cmartins@sc.usp.br
Aproximações historiográficas sobre a arquitetura paraguaia
LOPES, Eduardo Verri
doutorando; FAU USP
eduardo.verri@usp.br
A exposição Brazil Builds e o livro homônimo promovidos pela MoMA de Nova Iorque em 1943
foram um marco de divulgação da “arquitetura brasileira”. Estes eventos podem ser tomados
como um primeiro momento de interesse internacional pela arquitetura produzida na América
Latina, apesar de, tal entendimento, ter ficado por muito tempo relegado aos estudos que
enfatizavam um quadro nacional singular (LIERNUR, 2010). A partir do “fenômeno” da
arquitetura brasileira, as interpretações mais difundidas desde então ressaltariam o contraste e
a incongruência entre a expressividade e qualidade da arquitetura na região diante das
condições sociais e econômicas que a suportariam: precariedade das condições técnico-
construtivas, industrialização incipiente, desordenado crescimento urbano, etc. (MARTINS,
2010).
É importante pontuar que, principalmente a partir do segundo pós-guerra, uma agenda própria
da historiografia na região formulou propostas e discutiu os problemas advindos do processo de
modernização na América Latina, ora pensadas como atualização às discussões dos países
centrais, ora como possibilidade de um pensamento próprio. Essa agenda gerou novas e
importantes formulações e alavancou a compreensão de um campo de forças regional traduzida
em muitas e dissonantes vozes. Uma série de teóricos e pesquisadores em diversos campos do
conhecimento buscariam discutir as ciências sociais, a história e a cultura da América Latina a
partir de seus próprios termos e/ou condições históricas. Frente à dinâmica social e política da
região e de suas cidades, que punha em xeque a autoridade modernista e o positivismo
desenvolvimentista, um amplo processo de debate e de experimentação proporia uma inversão
dos atores e dos cenários pressupostos para o desenvolvimento social. Assim, é possível
considerar que a América Latina constitui um marco teórico, uma vez que forçaria a revisão de
fundamentos e parâmetros até então vigentes, gerando novas hipóteses e paradigmas, não
apenas no âmbito local, mas também internacionalmente. É exatamente esse processo que
teria, entre outros fatores, intensificado o intercâmbio e o mútuo interesse entre os países da
região colocando em movimento uma rede de profissionais e instituições que se organizaram a
partir de então. Estiveram envolvidos nesse projeto: sociólogos, antropólogos, historiadores,
planificadores e economistas, e ainda, uma infinidade de agentes de todos os campos do
conhecimento, como os próprios arquitetos, engenheiros, médicos, intelectuais, educadores,
músicos, artistas, críticos e historiadores (GORELIK, 2002, 2005).
A estranha arquitetura da América Latina: três casas de Solano Benítez, Angelo Bucci e Smiljan
Radić procura debater os resultados preliminares de um esforço que busca expandir a chave
interpretativa, desenvolvida na dissertação de mestrado da autora para analisar a produção do
escritório paraguaio Gabinete de Arquitectura, para outros exemplares arquitetônicos de
arquitetos da América Latina da mesma geração. O trabalho pretende ainda discutir a
continuidade dessa prática arquitetônica mais recente em relação a projetos desenvolvidos
entre os anos 1930 a 1960, da qual seria tributária.
REFERÊNCIAS
GOODWIN, Philip L. Brazil Builds: Architecture New and Old 1652–1942. New York: Museum of Modern
Art, 1943.
GORELIK, Adrián. A produção da “cidade latino-americana”. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP,
São Paulo, v. 17, n. 1, 2005. p.111-133.
_____. La “ciudad latinoamericana” como idea. Punto de Vista, Buenos Aires, n. 73, ago. 2002b, p. 41-48.
MARTINS, Carlos Alberto Ferreira. Arquitetura e Estado no Brasil. Elementos para uma investigação sobre
a constituição do discurso moderno no Brasil, a obra de Lúcio Costa 1924-1952. Dissertação (Mestrado)
FFLCHUSP, São Paulo, 1987.
_____. “Há algo de irracional...”. Notas sobre a historiografia da arquitetura brasileira (1999). In: GUERRA,
Abílio (org.). Textos fundamentais sobre história da arquitetura moderna brasileira, Coleção Romano
Guerra bolso, volume 2/2, p. 131-168. São Paulo: Romano Guerra, 2010.
WAISSMANN, Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para uso dos latino‐
americanos. São Paulo: Perspectiva, 2013.
1
2
7
6
5
8
9
Figura 1: Modelos das residências analisadas: 1. Casa Fanego (Sergio Fanego, Solano Benítez, Alberto Marinoni, 2003-2005);
2. Casa Abu y Font (Solano Benítez, 2004-2006); 3. Casa Osypyte (Javier Corvalán, 2005-2005); 4. Casa Mburicao (Luis Alberto
Elgue, Cynthia Solis Patri, 2007-2012); 5. Casa TC (Francisco Tomboly, Sonia Carisimo, 2009-2011); 6. Casa en el Aire (Miguel
Duarte, Larissa Rojas, Sergio Fanego, 2008-2010); 7. Casa Hamaca (Javier Corvalán, 2009-2010); 8. Casa Octavia (Violeta Pérez,
2005-2006); 9. Casa 6 Vigas (José Cubilla, Sergio Ruggeri, ?-2012). Fonte: LOPES, 2016.
A década de 1950 representou uma mudança nessa conjuntura, devido a dois acontecimentos
significativos. O primeiro foi a aproximação da política externa brasileira com os vizinhos latino-
americanos, ocorrida durante os dois governos de Getúlio Vargas. Já na década de 1940 foram
realizadas ações significativas com esse objetivo, como a fundação por um grupo de brasileiros
da Escola de Humanidades em Assunção, que em 1948 se tornou a Faculdade de Filosofia da
UNA.
No entanto, é a partir de 1952 que a embaixada brasileira no país abrigou a Missão Cultural
Brasileira, iniciativa fundamental para a mudança da imagem dos paraguaios com relação ao
Brasil e aos brasileiros. Além da presença de intelectuais, artistas e arquitetos brasileiros, dentre
os quais Lívio Abramo e Fernando Geraldo Saturnino de Brito, uma das principais ações da
Missão foi a construção e implantação do Colégio Experimental Paraguai-Brasil, de autoria de
Affonso Eduardo Reidy, que até hoje também abriga a Faculdade de Filosofia.
O outro fator foi a ascensão ao poder do general Alfredo Stroessner (1954-1989), ditador com
um discurso nacionalista, que evocava o passado glorioso do país anterior à guerra, mas que ao
mesmo tempo se aproveitava da disputa entre Brasil e Argentina, utilizando-se do apoio
estrangeiro. Assim, a aproximação com a ditadura brasileira permitiu a construção das conexões
rodoviárias entre os países e o escoamento da produção paraguaia através de Paranaguá,
eliminando a dependência ao porto de Buenos Aires. É desse período também a construção da
da Usina Hidrelétrica de Itaipu, iniciada em 1974, ano do fim das atividades da Missão Cultural,
e finalizada em 1982. A proximidade com Brasil não reduzia o contato com a Argentina: no
mesmo ano da conclusão de Itaipu, Stroessner construía com a Argentina a Usina de Yacyretá,
inaugurada somente em 2011. Essa costura política lançou as bases para a assinatura do Tratado
de Assunção, em 1991, que formalizou a criação do Mercosul.
O potencial hidrelétrico das usinas representou também a expansão econômica 1 e política para
o Paraguai, até então dominado pelos interesses da oligarquia rural, possibilitando o surgimento
de uma nova elite enriquecida nesse processo. O surgimento dessa nova classe aqueceu o
mercado da construção civil, estimulado também pelo desenvolvimento técnico das
construções das barragens. Paralelamente, após 35 anos de ditadura do general Stroessner,
aconteceram no país, na década de 1990, as primeiras eleições diretas desde a independência,
em 1811.
1
Atualmente, 24,9% das exportações paraguaias se referem à eletricidade, correspondendo ao excedente energético
vendido ao Brasil e à Argentina.
A continuidade das reflexões a respeito leva a questionar se seria possível falar em uma
“identidade nacional” paraguaia, discussão essa que impulsionou Movimento Moderno em
diversos países da América Latina há quase um século.
REFERÊNCIAS
BOH, Luis Alberto. Entrevista. [jul. 2015]. Entrevistador: LOPES, Eduardo Verri. Assunção, 2015. 1 arquivo
.mpeg-4 (79 min.).
CHEDID, Daniele Reiter. Aproximação Brasil-Paraguai: a missão. 2010. 97f. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2010.
______. Reconstrucción de Proyecto: Affonso Eduardo Reidy, Colegio Experimental Paraguay-Brasil 1952-
65. San Lorenzo: FADA/UNA, 2009.
______. Guerra e regeneração: três estudos sobre o Paraguai. Diálogos, Maringá, v. 9, n. 2, DHI/PPH/UEM,
2005, p. 79-87.
______. El nacionalismo lopizta paraguayo. América sin nombre, Alicante, n. 4, Universidad de Alicante,
dez. 2002, p. 18-22.
DUARTE, Evaristo Emigdio Colmán. Paraguai, nacionalismo e ditaduras. Diálogos, Maringá, v. 11, n. 1/n.
2, DHI/PPH/UEM, 2007, p. 81-86.
GUTIÉRREZ, Ramón. Arquitectura latinoamericana: haciendo camino al andar. In: ______. Arquitectura
latinoamericana en el siglo XX. Barcelona, Buenos Aires: Lunwerg, Cedodal, 1998, p.39.
LOPES, Gustavo Tonon. Itaipu e a Bacia do Prata: dos conflitos à integração – Argentina, Brasil e Paraguai.
2013. Dissertação (Mestrado em Integração da América Latina) – Programa de Pós-Graduação em
Integração da América Latina da USP, São Paulo, 2013.
MAIS, José Rivarola. Un repaso de la arquitectura en 200 años de historia. Paraguay.com, maio 2011.
Disponível em: <http://www.paraguay.com/especiales/un-repaso-de-la-arquitectura-en-200-anos-de-
historia-70847>. Acesso em: maio 2014.
______. Paraguai: a consolidação da ditadura de Stroessner (1954-1963). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.
MORRA, César Augusto. Hotel Guaraní: la marca del lugar. Drops, São Paulo, ano 10, n. 033.05, Vitruvius,
jun. 2010. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/10.033/3464>. Acesso em:
maio 2015.
NEPOMUCENO, Maria Margarida Cintra. Lívio Abramo no Paraguai: Entretecendo culturas. 2010.
Dissertação (Mestrado em Integração da América Latina) – Programa de Pós-Graduação em Integração
da América Latina da USP, São Paulo, 2010.
REIS, José de Souza. Evidência dos Monumentos Históricos. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Rio de Janeiro, n. 16, Ministério da Educação e Cultura, 1968, p. 305-315.
RIVERO, Irina; DELPINO, Rossana. Colegio Experimental Paraguay-Brasil: obra de Affonso Eduardo Reidy.
Asunción: Arte Nuevo, 2009.
RODRÍGUEZ ALCALÁ, Javier. Entrevista. [jun. 2015]. Entrevistador: LOPES, Eduardo Verri. Assunção, 2015.
1 arquivo .mpeg-4 (71min.).
______. Reidy em Cachinga: da política do café com leite à geopolítica do concreto armado. Arquitextos,
São Paulo, ano 09, n. 097.01, Vitruvius, jun. 2008. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/
revistas/read/arquitextos/09.097/132>. Acesso em: maio 2014.
______. Pragmatismo pendular. ABC Color, Assunção, 11 maio 2003a. Disponível em:
<http://www.abc.com.py/edicion-impresa/suplementos/cultural/pragmatismo-pendular-698789.html>.
Acesso em: jun. 2014.
______. Ciudad de imaginarios desde la obra pública. ABC Color, Assunção, 04 maio 2003b. Disponível
em: <http://www.abc.com.py/ edicion-impresa/suplementos/cultural/ ciudad-de-imaginarios-desde-la-
obra-publica-697700.html>. Acesso em: jun. 2014.
______. Arquitectura y modernidad en Paraguay: apuntes preliminares (I). ABC Color, Assunção, 27 abr.
2003c. Disponível em: <http://www.abc.com.py/edicion-impresa/suplementos/cultural/ arquitectura-y-
modernidad-en-paraguayapuntes-preliminares-i-696520.html>. Acesso em: jun. 2014.
ROLON, José Aparecido. Paraguai: transição democrática e política externa. 2010. Tese (Doutorado) –
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo, 2010.
RUGGERI, Sergio. Entrevista. [fev. 2015]. Entrevistador: LOPES, Eduardo Verri. Assunção, 2015. 1 arquivo
.mpeg-4 (61 min.).
SOSA RABITO, Carlos Humberto. Entrevista. [fev. 2015]. Entrevistador: LOPES, Eduardo Verri. San Lorenzo,
2015. 1 arquivo .mpeg-4 (82 min.).
O trabalhos de investigação que deram seguimento à dita dissertação, por sua vez, tem como
objetivo expandir a análise acerca da desfamilizarização na obra de Benítez e Cabral com fins de
abranger a produção de outros arquitetos latino-americanos de sua geração, partindo da
hipótese de que o estranhamento continua sendo uma estratégia de projeto na prática
arquitetônica da América Latina pós década de 1990. Para tal, toma-se como base de estudo a
produção de três arquitetos latino-americanos, graduados no final da década de 1980, e de
reconhecida relevância no cenário arquitetônico internacional contemporâneo: Angelo Bucci
(São Paulo, Brasil, 1963), Smiljan Radić (Santiago do Chile, Chile, 1965), além do já mencionado
Solano Benítez. Para compor o escopo de análise deste trabalho, que se propõe ser apenas um
recorte de uma pesquisa mais ampla, elenca-se uma residência de cada arquiteto, a saber: Casa
Abu & Font (2004-06), em Assunção, Paraguai, de Solano Benítez, Alberto Marinoni e Glória
Cabral (Figura 1); Casa de Fim de Semana (2010-14), em São Paulo, Brasil, de Angelo Bucci (Figura
2); e Casa para o poema do ângulo reto (2010-12), em Vilches, Chile, de Smiljan Radić (Figura 3).
Não são exemplares de início de carreira, tampouco edifícios que representem um salto escalar
ou programático na trajetória profissional desses arquitetos, mas sim obras que sintetizam as
recorrências projetuais de cada um e das quais é possível extrair material capaz de alimentar
satisfatoriamente as análises que se propõe fazer aqui. Do vasto leque de possíveis resultados
que a investigação abre, o presente trabalho dará prioridade aos que alimentem a reflexão
acerca da persistência da tradição disciplinar moderna na arquitetura da América Latina a partir
da década de 1990. Ademais de discutir uma possível e provável continuidade entre a os projetos
e edifícios modernos dos anos 1930 a 1960 e a prática arquitetônica atual, este trabalho dará
ênfase à hipótese de que essa geração de arquitetos, além de filiar-se às posturas e linhagens
das primeiras gerações de arquitetos modernos, como afirmaram Cavalcanti e Corrêa do Lago
(2005), ainda expandem o repertório de elementos e procedimentos compositivos de seus
antecessores.
Figura 1: Casa Abu & Font (2004-06), Solano Benítez, Alberto Marinoni e Gloria Cabral, Assunção, Paraguai.
Fotografia: Enrico Cano.
Figura 3: Casa para o poema do ângulo reto (2010-12), Smiljan Radić, Vilches, Chile.
Fotografia: Cristobal Palma.
BUCCI, Angelo. São Paulo. Razões de arquitetura. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2009.
CAMERIN, Suelen. O tijolo em Solano Benítez. (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio
Grande do Sul - Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura. Porto Alegre, 2016.
______. Além do tijolo em Solano Benítez. In: V Docomomo Sul O moderno no contemporâneo: herança
e prática. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2016.
______.O estranho tijolo de Solano Benítez. In: IV ENANPARQ. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, 2016.
CAVALCANTI, Lauro; LAGO, André Corrêa do. Ainda Moderno? Arquitetura brasileira contemporânea. Rio
de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2005.
CHKLOVSKI, Victor. A Arte como Procedimento. In: [TOLEDO, Dionísio de Oliveira (Org.)]. Teoria da
literatura: formalistas russos. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, pp. 39-56.
______. Art as Technique. In: [RICHTER, David H. (Org.)]. The Critical Tradition. Classic Texts and
Contemporary Trend. 3. Ed. Nova Iorque: Bedford/St. Martin’s, 2006, pp. 775-785.
COMAS, Carlos Eduardo. De arquitectura, de arquitectos y alguna cosa que sé a su respecto. Summa +,
Buenos Aires, v. 01, 1993. p. 50-55.
FREITAS, Anderson; HEREÑÚ, Pablo. Solano Benítez. São Paulo: Hedra – Editora da Cidade, 2012.
FREUD, Sigmund. O inquietante (1919). In: [SOUZA, Paulo Cesar de (trad.)]. História de uma neurose
infantil (“O homem dos lobos”): além do princípio do prazer e outros textos (1917-1920). São Paulo:
Companhia das Letras, 2010, pp. 328-376.
HOIDN, Barbara (Ed.). The O’Neil Ford Duograph Series, Volume 5 – Paraguay, Abu & Font House, Surubi
House. Berlim: Wasmuth, 2013.
JENTSCH, Ernst. On the Psychology of the Uncanny (1906). Angelaki, Journal of the Theoretical
Humanities, Oxford, n. 2.1, p. 7-16, 1995. Disponível em:
<http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09697259708571910>.
JORGE, Luís Antônio. Uma casa para o fim-de-semana na cidade. Rassegna di Architettura e Urbanistica.
Roma: Sapienza Università di Roma, v. 142/143, p. 183-188.
VIDLER, Anthony. The Architectural Uncanny: Essays in the Modern Unhomely. Cambridge: The MIT
Press, 1994.
A pesquisa foi realizada a partir da análise das duas exposições promovidas pelo Museu de Arte
Moderna de Nova York [MoMA] sobre a produção arquitetônica no subcontinente promovidas
em dois momentos precisos. Latin American Architecture since 1945 e Latin America in
Construction: Architecture 1955-1980, objetos do trabalho, foram promovidas em 1955 e 2015,
respectivamente, e marcam dois momentos de grande interesse internacional pela arquitetura
e pelo urbanismo produzidos na América Latina. A questão central do trabalho foi: por que
nesses dois momentos a categoria América Latina foi mobilizada dentro e fora do âmbito da
arquitetura e qual o papel que tal noção assume no contexto político-econômico em cada uma
dessas ocasiões que marcam ainda dois períodos nos quais o termo ganha proeminência no
cenário político. De fato, com um intervalo de sessenta anos entre um e outro, a noção de
“América Latina” que sustenta as escolhas expositivas de ambas as mostras é fundamental,
apesar de evidentemente não ser unívoca. Tais objetos foram produzidos em contextos
históricos e institucionais muito distintos, e estiveram ainda submetidos a condições bastante
assimétricas e particulares, inclusive almejando objetivos diversos. Assim, a pesquisa não
pretendeu esgotar as possíveis leituras e debates que essas mostras podem suscitar, uma vez
que elas podem subsidiar ainda muitos outros estudos e pesquisas. Procurou-se questionar os
significados e as possibilidades que um olhar compreensivo para a América Latina, estudada em
perspectiva histórica, poderia trazer como subsídios para a sociedade (diante da crise capitalista
mundial e, se pensarmos, sobretudo, na atual situação política da própria América Latina) e, em
especial, para a disciplina de arquitetura e urbanismo na elaboração de uma agenda própria da
historiografia da região (WAISSMANN, 2013).
Os dois eventos e as suas publicações foram analisados como objetos próprios do campo
disciplinar da arquitetura. Assim, o caminho de leitura que a pesquisa propôs partiu das chaves
de interpretação oferecidas por Roger Chartier (2002) e Pierre Bourdieu (1989). Em outras
palavras, como produção material em si e como instrumentos (exposições e publicações) de
construção e difusão de narrativas historiográficas e, ainda, de consagração de obras e
Portanto, é dentro desse universo de questões que o termo e seus possíveis significados foram
explorados buscando explicitar dois pontos: primeiro, a disputa (em várias camadas e ao longo
do tempo) em torno do conceito “América Latina” e segundo, como o próprio termo é forjado
a partir de processos simultâneos e entrelaçados de caráter endógeno e exógeno que, de
maneira dialética, vão se constituindo de dentro para fora e de fora para dentro. E ainda, como
essa construção vai sendo produzida por numerosos atores sociais e diversas práticas culturais.
Procurou-se discutir os limites e insuficiências da análise da materialidade da produção cultural
arquitetônica apenas como objeto ou, ainda, da ideia de “América Latina” apenas como
identidade, suprimindo-se as inter-relações que se estabelecem com outros campos
disciplinares ou mesmo com as estruturas sociais em que se inserem. Nesse sentido, se é a ideia
de América Latina, foco de atenção do trabalho, que costura e conforma os dois objetos da
pesquisa, procurou-se mostrar que essa produção arquitetônica só pode ser compreendida em
sua totalidade quando relacionada à sua dimensão urbana que assume duas formas. A primeira
se refere ao projeto (ou intenção) de construção de uma nova sociabilidade urbana encarnada
pelo ideal da “cidade moderna” ou pela planificação modernizadora. A segunda é aquela que
diz respeito às estruturas materiais a que essa produção está condicionada sendo que, ao
mesmo tempo, no seu enfrentamento com tais estruturas (seja em oposição, seja partindo
dessa condição) é que foram produzidos novos paradigmas no campo disciplinar, não apenas
local, mas internacionalmente.
REFERÊNCIAS
BERGDOLL, Barry; COMAS, Carlos; LIERNUR, Jorge Francisco; DEL REAL, Patricio. Latin American in
construction: Architecture 1955-1980. The Museum of Modern Art, New York, 2015.
CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 2002.
GORELIK, Adrián. A produção da “cidade latino-americana”. Tempo Social. São Paulo: Revista de
Sociologia da USP, v. 17, n. 1, 2005. p.111-133.
_____. La “ciudad latinoamericana” como idea. Punto de Vista, Buenos Aires, n. 73, ago. 2002b, p. 41-48.
HITCHCOCK, Henry-Russell. Latin American architecture since 1945. The Museum of Modern Art, New
York, 1955.
LIERNUR, Jorge Francisco. The South American way. O milagre brasileiro, os Estados Unidos e a segunda
guerra mundial. (1999) In: GUERRA, Abílio (org.). Textos fundamentais sobre história da arquitetura
moderna brasileira, Coleção Romano Guerra bolso, volume 2/2, p. 169-217. São Paulo: Romano Guerra,
2010.
MARTINS, Carlos Alberto Ferreira. Arquitetura e Estado no Brasil. Elementos para uma investigação sobre
a constituição do discurso moderno no Brasil, a obra de Lúcio Costa 1924-1952. Dissertação (Mestrado)
FFLCHUSP, São Paulo, 1987.
ROMERO, José Luis. América Latina: as cidades e as ideias (Trad. Bella Joseph). Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2009a.
Ribeiro personificou em sua trajetória o intelectual que pensa o país e seu povo, sua história
mas se lança como agente de atuação política, consubstanciando pensamento e ação. Seu
engajamento na questão educacional, do desenvolvimento nacional endógeno, fortemente
influenciado pelo ciclo ideológico do desenvolvimentismo expande suas análises e projetos para
além do próprio país, ensejando a América Latina. O golpe civil-militar de 1964 leva-o ao exílio,
quando circula por diversos países latino-americanos (Uruguai, Chile, Peru, Venezuela e
México), atuando como professor, mas, principalmente, como consultor para projetos de
reformas universitárias nesses países. É no exílio que ele escreve e organiza parte de sua obra O
Povo Brasileiro e ainda escreve sobre a própria América Latina, analisando seus sentidos,
elaborando análises de suas tipologias políticas e, sobretudo, das possibilidades de
transformação da “pátria grande”, pelas especificidades de sua conformação e de
desenvolvimento frente ao atraso da condição de colônias expropriadas de suas riquezas e do
trabalho de seus povos.
Esse trabalho busca lançar luz sobre o período do exílio de Darcy Ribeiro, sua atuação política e
sua circulação na América Latina, procurando relações entre seu trabalho intelectual no período,
principalmente nos projetos educacionais citados desenvolvidos naqueles países (e ainda em
países africanos, como no projeto da Universidade de Argel) e a retomada do projeto
educacional integral que viria a desenvolver no período da redemocratização. Destaca-se,
naquele momento, o investimento de esforços políticos para a viabilização de um programa
educacional público calcado em um projeto de relevância nacional: o caso dos Centros
Integrados de Educação Pública (CIEPs), no Rio de Janeiro, nas gestões de Leonel Brizola (1922-
2004) à frente do Governo do Estado. Esse projeto, desenvolvido por Darcy Ribeiro e Oscar
Niemeyer, parece ser coerente com algumas das questões caras à Ribeiro e elaboradas por ele
naquele período do exílio. Também é pertinente ao possibilitar estabelecer relações entre o
campo disciplinar da arquitetura e do urbanismo e as ideias desenvolvimentistas que
consideravam a possibilidade de uma transformação integral da sociedade brasileira por meio
da educação e da construção de autonomia tecnológica.
REFERÊNCIAS
BOTAS, Nilce Aravecchia-Botas. Estado, Arquitetura e Desenvolvimento: a ação habitacional do IAPI. São
Paulo: Unifesp, 2016.
CHAHIN, Samira Bueno. Cidade nova, escolas novas? Anísio Teixeira, arquitetura e educação em Brasília.
São Paulo: FAU USP (tese de doutorado), 2018.
COELHO, Haydée; ROCCA, Pablo (orgs.). Diálogos latino-americanos: correspondência entre Ángel Rama,
Berta e Darcy Ribeiro. São Paulo: Global, 2015.
COSTA, Adriane Vidal; MAÍZ, Claudio (orgs.). Nas tramas da “cidade letrada”: sociabilidade dos
intelectuais latino-americanos e as redes transnacionais. Belo Horizonte: Fino Traço, 2018.
PEREIRA, Eva Waisros; COUTINHO, Laura Maria; RODRIGUES, Maria Alexandra; HENRIQUES, Cinira Maria
Nóbrega; SOUZA, Francisco Heitor de Magalhães; ROCHA, Lúcia Maria da Franca (orgs.). Nas asas de
Brasília: memórias de uma utopia educativa (1956-1964). Brasília: UnB, 2011.
Apesar do carater abrangente desses projetos, seu conteúdo careceu de dois elementos: um
argumento transversal claro que desse sentido às contribuições e aos materiais ali reunidos e
um panorama mais detalhado das conexões latino-americanas que se construíram a partir da
escola. Os temas centrados na relação entre a Bauhaus e a América Latina focaram em casos
particulares e mais conhecidos no México, na Argentina e no Chile. Este trabalho elabora uma
revisão dessas aproximações, nas quais a Bauhaus aparece como categoria historiográfica para
o estudo da arquitetura e o design regionais. Por fim, apresenta-se a proposta que estrutura e
orienta o projeto Bauhaus Reverberada, em andamento por uma equipe interdisciplinar da
Faculdade de Arquitetura e Design da Universidad de los Andes – Colômbia.
SINGULARIDADES CHILENAS
Os trabalhos de Adrián Gorelik (1993), Raquel Franklin (2013) e Georg Leidenberger (2014) sobre
Hannes Meyer, segundo diretor da Bauhaus, possuem um duplo propósito. Por um lado,
denunciam a hegemonia historiográfica da narrativa criada por Gropius e Hebert Bayern na
exposição Bauhaus 1919-1928 no MoMA, em qual não há nenhuma menção a Meyer. Por outro
lado, sobretudo os trabalhos de Franklin e de Leidenberger, propõem uma arqueologia da
atuação do arquiteto suíço e de sua esposa, a bauhäusler Léna Berger, como docentes e
urbanistas no México, normalmente pouco explorada devido à sua suposta filiação stalinista e
à rejeição por parte de influentes arquitetos locais da sua visão cooperativa de trabalho.
Pequisas em andamento como a de Viridiana Zavala (2016) recuperam a contribuição do casal
como gestores culturais e editores do Taller de Gráfica Popular.
Após uma primeira fase do projeto de pesquisa Bauhaus Reverberada, organizada a partir de
três linhas temáticas - redes de circulação, influência pedagógica em novos cursos de design
latino-americanos e construção de uma nova plástica - foi possível identificar três temas
transversais no contexto regional: a procura de uma nova visão para um mundo novo, a
mudança da imagem urbana e o desenvolvimento de um novo universo doméstico e de práticas
de consumo. Essa reverberação não acontece em um único tempo: há diferentes fases que
comportam diversas paisagens de hibridação. No caso particular dos contatos transatlânticos -
primeiro cenário de reverberação - esses temas aparecem nos movimentos dos mestres
migrados para as Américas, dos ex-alunos da Bauhaus exiliados no continente e dos primeiros
estudantes latino-americanos nas escolas nos Estados Unidos que contaram com a presença de
grandes nomes da escola alemã (Figura 1).
DE ANDA ALANIS, Enrique et. Al. Die Ganze Welt ein Bauhaus (catálogo da exposição). Muünchen: Hirmer,
2019.
FRANKLIN UNKIND, Raquel. Experiencias de urbanismo: los proyectos urbanos de Hannes Meyer en
México (1938-1949). Dearq, n. 12, p. 28–41, 2013. DOI: 10.18389/dearq12.2013.05.
GORELIK, Adrián et. al. La sombra de la vanguardia : Hannes Meyer en Mexico, 1938-1949. Buenos Aires:
Proyecto, 1993.
LEIDENBERGER, Georg. Todo aquí es “Vulkanisch”, El arquitecto Hannes Meyer en México, 1938 a 1849.
In: ROJAS, Laura; DEEDS, Susan; (orgs.). México a la luz de sus revoluciones. México D.F.: El Colegio de
México, 2014. v. 2p. 651 p.
MAULEN DE LOS REYES, David. Bauhaus Networks in Latin America. In: 100 jahre Bauhaus. Vielfalt,
konflikt und wirkung. Berlin: Metropol, 2019. p. 117–132.
MEDINA WARMBURG, Joaquín (ed.). Paul Linder 1987-1968. De Weimar a Lima, antologia de
arquitectura y crítica. Lima: PUCP/Lampreave, 2019.
MEDINA WARMBURG, Joaquín. Walter Gropius: proclamas de Modernidad. Madrid: Reverté, 2019.
TALESNIK, Daniel. The Third Migration. La troisième migration. In: Cahiers de la recherche architecturale,
urbaine et paysagère, n. 2, 2018. DOI: 10.4000/craup.844.
ZAVALA RIVERA, Viridiana; FARÍAS BARBA, María Montserrat; MONDRAGÓN, Marco Santiago. Léna
Bergner: de la Bauhaus a México. Bitácora arquitectura, [S. l.], n. 34, p. 4–15, 2016. DOI:
10.22201/fa.14058901p.2016.34.58083.