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Programa de Estudos, Pesquisas & Formação Em Políticas & Gestão de Segurança Pública -
PROGESP
Resumo:
Abstract:
This paper analyzes, in light of the concept of organizational culture, the limits and
possibilities of systemic integration between Civil and Military Police of Bahia with the
scenario analysis of the Central Única Telecommunications. Taking as a premise the
existence of organizational cultures "strong" and the existence of "conflict" inter-
institutional historical and everyday, we propose a problem considering the
resistance to the corporate processes of change that characterize police
organizations
1
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Administração da
Universidade Federal da Bahia (UFBA/RENAESP/PROGESP) como requisito parcial à obtenção do grau de
Especialista em Gestão e Políticas de Segurança Pública. Salvador/Bahia, 2009.
* Pós-graduandos do Curso de Especialização em Gestão e Políticas de Segurança Pública da Universidade
Federal da Bahia. Programa de Estudos, Pesquisas & Formação Em Políticas & Gestão de Segurança Pública
(PROGESP). Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (RENAESP/SENASP/MJ).
misabia@yahoo.com.br, amorimdemarcelo@hotmail.com e capitaorodrigo96@gmail.com
1. Introdução
2
Misael de Sousa Santos é sargento da Polícia Militar e trabalhou na Central de Operações do Corpo de
Bombeiros da Polícia Militar do Estado da Bahia (COBOM) de 1999 até 2003. Neste ano, com a criação da
CENTEL, passou a fazer parte do efetivo do Corpo de Bombeiros que trabalhava na CENTEL até 2004.
Atualmente trabalha no 3º Grupamento de Bombeiro Militar (3º GBM/Iguatemi). Márcio Amorim de Marcelo é
oficial – capitão – da Polícia Militar do Estado da Bahia e atualmente é Diretor da Penitenciária Lemos de
Brito. Fábio Rodrigo de Melo Oliveira também é capitão da PMBA; atualmente exerce a função de Assistente
Militar Adjunto do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, estando lotado no Batalhão de Guardas.
3
MONET, J. C. Monet. Polícia e sociedades na Europa. São Paulo: EDUSP, 2001.
4
Basta que pensemos no sentimento que causa a simples referência à palavra unificação nos meios policiais: um
misto de revolta e repúdio.
nas organizações policiais (Polícias Civil, Militar e Departamento de Polícia Técnica).
Membros destas instituições, marcadas por rivalidades históricas e disputas de
poder, passam a compartilhar informações e a conviver sob o mesmo modelo de
gestão administrativa a despeito de possuírem culturas organizacionais bastante
distintas.5
O conceito/categoria de integração sistêmica da Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP) é o elemento legitimador, norteador e o substrato
deste processo de implantação da CENTEL. O presente artigo insere-se neste
campo temático: busca analisar, à luz do conceito de cultura organizacional, os
limites e possibilidades da integração sistêmica entre as Polícias Civil e Militar, tendo
como pano de fundo a CENTEL. Tomando como premissa a existência de culturas
organizacionais “fortes”, bem como a existência de “conflitos” inter-institucionais
históricos e cotidianos, propomos uma problematização dos limites e possibilidades
desta integração sistêmica considerando as resistências corporativas aos processos
de mudança que caracterizam as organizações policiais. Para tanto, nossa pesquisa
foi construída em dois momentos e recorremos do ponto de vista teórico-
metodológico: i) à análise das práticas discursivas (FOUCAULT, 1972)6 de
segmentos profissionais ocupantes de posições estratégicas (delegados e oficiais) e
operacionais (praças e agentes) que desempenham suas funções na CENTEL e/ou
atuaram nas centrais independentes de comunicação existentes anteriormente; ii) à
análise do documentos (relatórios, propostas, planos etc) produzidos pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública (SENASP), bem como pela Secretaria de Segurança
Pública da Bahia (SSP/BA), que se referem ao conceito/processo de integração
sistêmica entre organizações policiais;
5
Além da crítica ao modelo dicotômico de nossas polícias (Civil e Militar), há, na literatura que analisa as
organizações policiais ou as relações entre elas, uma espécie de consenso sobre o “engessamento” produzido
pelas culturas organizacionais das corporações que compõem o sistema de segurança pública, dificultando ou
até mesmo inviabilizando a implantação de mudanças. “Outro sério problema reside na divisão da atividade de
polícia em duas corporações – Civil e Militar [...] As instituições duplicam esforços, atividades e recursos
(banco de dados, sistemas de comunicação etc.); freqüentemente disputam espaço e concorrem entre si pela
exibição de resultados. Suas culturas organizacionais são muito distintas e suas relações são em geral
marcadas pela desconfiança, quando não pela franca hostilidade. Em alguns estados, a recente criação de
academias integradas para as duas polícias tem sido um tentativa de superar as ‘esquizofrenia’ institucional,
mas a verdadeira integração esbarra no artigo 144 da Constituição, cuja mudança até hoje foi postergada sob
pressão de interesses corporativos de ambas as instituições” (p. 36), grifo nosso – LEMGRUBER, Julita;
MUSUMECI, Leonarda; CANO, Ignácio. Quem vigia os vigias? – Um estudo sobre o controle externo da
polícia no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2003.
6
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber: Lisboa, 1972.
Na primeira parte do artigo contextualizamos a criação da CENTEL a partir
do conceito de integração sistêmica entre organizações policiais proposto pela
SENASP. Na segunda parte, problematizamos, à luz do conceito de cultura
organizacional, a resistência corporativa das organizações policiais (militar e civil)
aos processos de mudança, especificamente a criação da CENTEL. Na terceira
parte apresentamos uma discussão da metodologia utilizada na pesquisa.
7
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I -
polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias
militares e corpos de bombeiros militares.”. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 20 out. 2008.
segurança implica em articulação sistêmica das instituições” e 2ª – “Sem
gestão integrada não há política de segurança pública” 8.
A partir da análise destas duas premissas e de alguns documentos (projetos,
propostas, diagnósticos etc) produzidos pela SENASP, percebemos que o conceito
de integração (à semelhança do valor atribuído ao conceito de participação, onde
este “[...] não é uma palavra vazia, um slogan demagógico, uma retórica populista,
nem uma fórmula mágica”9) configura-se numa das condições necessárias para a
construção de um “gerenciamento racional” (SOARES, 2000, p.47)10 da segurança
pública em todo o país. Integração torna-se um dos pilares da política de segurança
pública no bojo do Sistema Único de Segurança Pública.
8
Plano Nacional de Segurança Pública, p. 05. Disponível em:< www. mj.gov.br/SENASP/pnsp_.htm>.
Acesso em: 25 out. 2008
9
Ibid, p. 18.
10
SOARES, Luis Eduardo. Meu casaco de general: 500 dias no front da segurança pública no Rio de
Janeiro: São Paulo, Companhia das Letras, 2000.
ultrapassam seus efeitos imediatos, gerando irracionalidade da
aplicação dos recursos, [...] fragmentação das ações e
incapacidade de pró-ação frente aos desafios colocados
diariamente. 11
[...] Quando “inventaram” a CENTEL disseram pra gente que era pra
melhorar o serviço. Não vi mudar quase nada! Computador por
computador no COPOM também tinha. [...] A única coisa que mudou
é que agora tem muito cacique de outras tribos mandando em pouco
índio.[...] Preferia “meu” COPOM!
14
É interessante notar que apesar da criação da CENTEL - numa tentativa de integrar os sistemas de
comunicação das organizações policiais - até hoje tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil utilizam códigos
fonéticos operacionais completamente diferentes. Uma verdadeira “babel” será instaurada caso um PM e um PC
necessitem estabelecer, via rádio, uma comunicação baseada em seus códigos operacionais.
15
Até aquele ano, a forma de acionamento dos órgãos policiais pela população era realizada através dos
telefones 190 (Polícia Militar), 193 (Corpo de Bombeiros) e 197 (Polícia Civil).
16
Algum tempo depois (março de 2004), a SSP/BA cria a Superintendência de Telecomunicações
(STELECOM). “Órgão com a missão de suprir todas as necessidades de Radiocomunicação, Telefonia e
Circuito Fechado de Câmeras da Secretaria de Segurança Pública e de todas as Corporações a ela
pertencentes, atuando em todo o estado da Bahia. Agrega a CENTEL, onde funciona o Centro de Operações
das Polícias e Bombeiros, com o atendimento ao cidadão através do 190, que utiliza a integração entre
tecnologias de rádio-comunicação e sistemas de informação.” Disponível em:
http://www.stelecom.ba.gov.br/stelecom/p_co.aspx. Acessada em 30 set. 2008.
Diante disso, somos instados a questionar: já que o modelo de centrais
independentes gozava de certa legitimidade nos meios policiais e atendia às
necessidades operacionais e estratégicas de cada uma das organizações policiais,
por que a SSP “decidiu” criar a CENTEL? Em busca desta resposta, analisemos o
“discurso institucional” da SSP/BA para compreendermos melhor o contexto sócio-
político no qual a CENTEL foi criada.
Por conta disso, podemos afirmar que a criação da CENTEL não decorreu
da constatação - mediante estudos/pesquisas ou eventuais críticas institucionais - da
ineficácia ou do desgaste do modelo de centrais de comunicação independentes,
vigente até 2003. Até mesmo porque este modelo refletia uma matriz de
pensamento, amplamente “legitimada” no campo da segurança pública, no qual as
organizações policiais eram concebidas como independentes e não precisavam
17
Sítio institucional da Superintendência de Telecomunicações (STELECOM). Disponível em:
<http://www.stelecom.ba.gov.br/stelecom/p_co.aspx> Acesso em: 25 out. 2008
18
Sistema Único de Segurança Pública. Pág. 10. Disponível em: HTTP://www.
mj.gov.br/SENASP/home_susp.htm> Acesso em: 25 out. 2008
dialogar entre si para cumprirem suas responsabilidades legais: seriam auto-
suficientes.
Por que, então, a CENTEL foi criada? Para responder esta questão é
preciso entender a relação entre os Estados e a União no contexto do PNSP,
implantando em 2003. Segundo Soares (2007, p. 89)19, o PNSP poderia ser definido
como “ [...] um conjunto de propostas articuladas por tessitura sistêmica, visando à reforma
das polícias, do sistema penitenciário e a implantação integrada de políticas preventivas,
intersetoriais.”
Como instância indutora das políticas públicas na área de segurança
pública no âmbito da União, a SENASP – lastreada no PNSP – desenvolveu uma
série de mecanismos intergovernamentais com o objetivo de condicionar a
transferência de recursos federais apenas aos estados que estruturassem propostas
de segurança pública com base em seus programas e diretrizes. Um dos eixos
estruturantes desses programas e diretrizes é o conceito/categoria de
INTEGRAÇÃO SISTÊMICA DOS ORGANISMOS POLICIAIS. Assim, a criação da
CENTEL inseriu-se num conjunto de ações20 adotadas pela SSP/BA visando atender
às exigências – e não “determinação” – colocadas pela SENASP para aqueles
entes federados que pretendessem captar recursos provenientes do Fundo Nacional
de Segurança Pública (FNSP)21.
19
SOARES, Luis Eduardo. A Política Nacional de Segurança Pública: histórico, dilemas e perspectivas. Revista
Estudos Avançados, n. 21 (61), p. 77-97, 2007.
20
A criação, em seguida, do Gabinete de Gestão Integrada de Segurança Pública da Bahia insere-se nessa
mesma lógica pragmática de alinhamento às diretrizes da SENASP.
21
O Fundo Nacional de Segurança Pública foi instituído pela Lei nº 10.201/2003. Seu objetivo principal à época
em que foi criado (art. 1º) era “[...] apoiar projetos na área de segurança pública e de prevenção à violência,
enquadrados nas diretrizes do Plano de Segurança Pública do Governo Federal”. A Lei nº 10.743/2003, que
alterou partes da Lei nº 10.201/2003, estabelece no Art. 4º, § 2º: “Na avaliação dos projetos [submetidos pelos
Estados] o Conselho Gestor [do Fundo Nacional de Segurança Pública] priorizará o ente federado que se
comprometer com os seguintes resultados: [...] II – desenvolvimento de ações integradas dos diversos órgãos de
segurança pública”
integração sistêmica ocupa, no conjunto de diretrizes da SENASP, é estratégica.
Ele aponta para a necessidade de aproximação entre instituições que, apesar de
terem dinâmicas distintas (práticas, rotinas, e culturas corporativas etc.), têm um
objetivo comum (a manutenção da ordem pública) e, por isso, precisam trabalhar
conjuntamente para atender melhor à sociedade, mediante a otimização de seus
recursos.
Nesse contexto, a integração sistêmica das organizações policiais torna-se
um truísmo. Integrar é preciso, necessário. Mas como integrar instituições tão
refratárias às mudanças e que “impede[m] a transparência das informações”? Como
essa integração se processa diante do “temor da unificação”22 vivido pela Polícia
Civil e pela Polícia Militar?
Como forma de reconhecer, ainda que implicitamente, a força que o
“fantasma da unificação” exerce sobre o imaginário coletivo das Polícias Civis e
Polícias Militares, a SENASP, ao mencionar o conceito de integração cerca-se de
todo um cuidado a aponto de alertar: “[...] não se trata de unificação, mas de
integração prática”.
Mesmo reconhecendo a integração como um instrumento estratégico para a
aproximação das polícias ou até mesmo como caminho para a reforma policial, a
SENASP admite a existência de uma resistência corporativa nas organizações
policiais que deve ser considerada no momento de realização de ações/iniciativas
conjuntas. Além desta advertência sobre a resistência corporativa, a SENASP
aponta outro problema crucial presente nas relações entre instituições policiais em
todo o país: a disputa de poder.
22
Esse “temor” é real, justificável e atualíssimo. A criação de uma ou várias polícias estaduais únicas é uma
das propostas do PNSP: “[...] As mudanças mais profundas na segurança pública, que demarcarão o fim do
modelo de polícia criado nos períodos autoritários, exigem o estabelecimento de uma novo marco legal para o
setor de segurança pública. O Sistema Único de Segurança Pública deve ter como objetivo a criação paulatina
de uma ou várias polícias de ciclo completo” – pág. 52. Para uma análise do “modelo compartimentalizado” de
Polícia Civil e Polícia Militar, seu contexto histórico e das propostas encaminhadas ao Congresso Nacional
propondo a extinção das Polícias Militares e Civis e a criação de uma polícia única de caráter civil no âmbito dos
Estados, ver BICUDO, Hélio. A unificação das polícias no Brasil. Revista Estudos Avançados, n. 14 (40), p.
91-106. São Paulo: EDUSP, 2000.
estratégica e taticamente), com receio de perder seu suposto espaço
de poder.23
23
Sistema Único de Segurança Pública, p. 23. Disponível em: <www. mj.gov.br/SENASP/home_susp.htm >
Acesso em: 22 out. 2008.
24
MONET, J. C. Monet. Polícia e sociedades na Europa. São Paulo: EDUSP, 2001.
25
ROLIM, Marcos. A síndrome da Rainha Vermelha: policiamento e segurança no Século XXI: Rio de
Janeiro, Jorge Zahar. 2006, p. 19.
A despeito da existência desta “cultura policial” transversalizante e comum,
as organizações policiais são portadoras de um conjunto de práticas-saberes-
valores que confere sentido e legitimidade tanto às suas existências, quanto às de
seus membros, ou seja, possuem uma cultura organizacional própria, específica.
Neste sentido, o policial militar é policial, porém militar; o policial civil é policial,
contudo civil. Iguais, porem diferentes.
Essa cultura policial constrói subjetividades e dá sentido às vidas daqueles
que dela fazem parte. Assim, “ser policial é, sobretudo, uma razão de ser” (MUNIZ,
1999, pág. 02)26. O olhar desta autora - sobre aspectos diferenciadores da
identidade profissional do policial militar em contraste com outros servidores públicos
civis - ajuda-nos a entender mais apropriadamente essa questão.
O que vem a ser este conceito de cultural organizacional e como ele pode
contribuir para que entendamos o papel da resistência corporativa das instituições
policiais diante da proposta de integração sistêmica da SENASP? Segundo FLEURY
(1987, p. 01)28, cultura organizacional
26
MUNIZ, Jaqueline. Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser. Cultura e Cotidiano na Polícia Militar
do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado em Ciência Política. 1999. 286f. Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro (IUPERJ) – Rio de Janeiro.
27
Op. cit. p. 95.
28
FLEURY, Maria Tereza Leme. O desvendar a cultura de uma organização – uma discussão metodológica.
Cultura e poder nas organizações. p. 15-27, São Paulo: Atlas, 1996
das abordagens meramente estruturais (distribuição de funções, metas, objetivos,
organogramas etc.) tão comuns quando se analisam organizações. Neste sentido,
[...] abre caminho para uma discussão mais profunda, que é o peso
da dimensão simbólica nas organizações e nas diferentes formas de
gestão. Mais ainda, ajuda a desmistificar a idéia prevalecente de que
o mundo dos negócios e da administração é movido, exclusivamente,
por uma lógica pragmática. 29
4 – Notas metodológicas
32
MAMEDE, Antonio Augusto do Canto. A influência da Cultura Organizacional nos Processos de
Mudança.. Disponível em: < www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/bds.nsf/pdf>. Acesso em: 20 out. 2008
particular. Ao se observar somente este nível não se consegue
entender claramente uma cultura. – grifo nosso.
33
Segundo TAMAYO (1996, p. 181), valores organizacionais são “crenças organizadas hierarquicamente,
relativas a metas organizacionais desejáveis que orientam a vida da empresa e estão ao serviço de interesses
individuais, coletivos ou mistos”.
34
GASKELL, George. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, Martin e GASKELL, George (orgs.),
Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Um manual prático (pp. 64-89); tradução de Pedrinho
Guareschi. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
implantação no Brasil.35 Desta forma, os documentos36 aqui analisados (relatórios,
diagnósticos, termo de referência, etc.) são aqueles produzidos pela SENASP que,
textualmente ou através de inferências, aludam ao termo/conceito/categoria de
integração dos órgãos ou instituições policiais.
O nosso olhar sobre os documentos investigados, inicialmente, procurou
responder às seguintes questões: 1º) De que maneira o conceito/categoria de
integração sistêmica entre os organismos ou instituições policiais é apresentado?;
2º) Qual o grau de importância conferido ao conceito de integração sistêmica no
novo modelo de segurança pública proposto pela SENASP?
Diante da dificuldade de acesso às versões impressas dos documentos que
analisamos37, trabalhamos, inicialmente, com os seguintes documentos
disponibilizados no sítio38 institucional da SENASP na internet:
35
Como corolário dessa centralidade ocupada pelo conceito de integração no novo modelo de segurança pública
no Brasil, vejamos o que diz o Decreto de criação do Sistema Único de Segurança Pública, 2007, art. 5º: “A
segurança pública deverá ser prestada com observância das seguintes diretrizes: [...] III – Integração dos
órgãos e instituições de segurança pública.”
36
Segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), documento é: “Qualquer suporte que
contenha informação registrada, formando uma unidade, que possa servir para consulta, estudo ou prova.
Inclui impressos, manuscritos, registros audiovisuais e sonoros, imagens, sem modificações, independentemente
do período decorrido desde a primeira publicação.” (ABNT, NBR 6023, 2000)
37
Esta dificuldade de acesso às versões impressas dos diversos documentos produzidos pela SENASP é
paradoxal na medida em que contrasta com um dos objetivos principais desta secretaria: a formação e a
valorização profissional dos trabalhadores em segurança pública. Vejamos o que diz o Relatório Final sobre o
Mapeamento dos Programas de Atenção à Saúde das Instituições Estaduais de Segurança Pública (2009): “[...] A
capacitação não constitui um fim em si mesmo, mas possibilita aos profissionais analisar criticamente as
propostas de serviços de Segurança Pública e de desenvolvimento de recursos humanos face às reais
necessidades da população, à criação de novas tecnologias e à participação dos treinados na construção de
modelos alternativos.”. Como é possível analisar criticamente e participar quando o acesso àquilo que é alvo da
análise é dificultado? Até onde sabemos a distribuição das versões impressas destes documentos são destinadas
às equipes dirigentes das organizações policiais e não são divulgadas/distribuídas aos demais trabalhadores da
área de segurança pública.
38
Todos os documentos analisados estão disponíveis, integralmente, no endereço eletrônico: www.senasp.gov.br
4.2.1 - Integração policial: o olhar do Plano Nacional de Segurança
Pública.
39
Plano Nacional de Segurança Pública. Disponível em: <www.mj.gov.br/SENASP/pnsp.htm>. Acesso em 10
de maio de 2009.
forma paulatina e em médio prazo, criar-se uma ou mais
instituições de ciclo completo40 - p. 30.
40
Ibid, p. 30.
41
Luis Eduardo Soares é antropólogo e cientista político. Foi Subsecretário (janeiro de 1999 à março de 2000) de
Segurança Pública do Rio de Janeiro durante o governo de Garotinho. Secretário Nacional de Segurança Pública
(janeiro à outubro de 2003). Atualmente é Secretário Municipal de Valorização da Vida e Prevenção da Violência de
Nova Iguaçu (RJ) e professor licenciado da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Foi um dos idealizadores do
Plano Nacional de Segurança Pública.
42
SOARES, Luis Eduardo. A Política Nacional de Segurança Pública: histórico, dilemas e perspectivas. Revista
Estudos Avançados, n. 21 (61), p. 77-97, 2007.
43
Plano Nacional de Segurança Pública. Disponível em: <www.mj.gov.br/SENASP/pnsp.htm>. Acesso em 10
de maio de 2009
organizacionais um traço muito particular: uma valorização excessiva da dimensão
pragmática em detrimento de aspectos críticos e reflexivos. Vejamos o que diz
MONET (p. 111)44, acerca dessa valorização.
44
MONET, J. C. Monet. Polícia e sociedades na Europa. São Paulo: EDUSP, 2001.
45
Modernização da Polícia Civil Brasileira. Aspectos conceituais, perspectivas e desafios. Disponível em
<www.mj.gov.br/SENASP>. Acesso em 05 de maio de 2009.
Sendo órgãos do Executivo, as polícias Civil e Militar devem
trabalhar de maneira alinhada e complementar, isto é, integradas.
Integração significa o posicionamento racional de cada
organização em sua esfera de competência constitucional, mas
de uma maneira sincronizada do ponto de vista técnico. Uma
série de medidas pode ser apontada como referência de um
processo de articulação eficaz: • utilização da mesma infra-estrutura
das redes de telecomunicação; • compatibilização das áreas de
atuação; • planejamento comum descentralizado; • implantação de
Centros Integrados de Atendimento e Despacho, com aplicativos
georeferenciados dos atendimentos e registros de boletins de
ocorrência em sistema comum; • política de ensino e pesquisa sob
matrizes curriculares comuns - p. 23 (grifo nosso)
46
Perfil das Organizações de Segurança Pública – Perfil das Organizações Estaduais e Municipais de Segurança
Pública - Relatório Descritivo (2006). Disponível em <www.mj.gov.br/SENASP>. Acesso em 05 de maio de
2009.
de conhecimento que promova a integração das organizações de
segurança pública e o subsídio para a implantação da gestão como
principio de administração destas organizações – p. 04
47
Foram realizadas 04 (quatro) entrevistas semi-estruturadas. Sendo 02 (duas) com policiais militares e 02
(duas) com policiais civis. As entrevistas objetivavam compreender os sentidos atribuídos pelos entrevistados à
experiência da integração – ou não – entre a Polícia Civil e Polícia Militar vivenciada por eles no âmbito da
CENTEL. Pelo caráter flexível deste modelo de entrevista – onde o surgimento de novos questionamentos faz
parte da dinâmica e redireciona o interesse do pesquisador para aspectos importantes e, até então, não explorados
– optamos por construir as questões de forma genérica, não-direcionada, para permitir o livre fluxo da narrativa.
As perguntas feitas aos entrevistados foram as seguintes: “Trabalhar na CENTEL contribuiu na mudança de sua
visão sobre a PM/CIVIL? Em sua opinião a CENTEL representou um avanço ou um retrocesso no sistema de
segurança pública? Por que a CENTEL foi criada? Existem dificuldades de convivência na CENTEL entre
policiais civis e militares? Se existem a que você atribui isso? O modelo de centrais independentes, em sua
opinião, atendia às necessidades das organizações e era mais eficiente que o modelo de central única existente
na CENTEL? O convívio diário entre policiais diferentes – dividindo o mesmo espaço, os mesmos
equipamentos, as mesmas condições de trabalho – favorece ou dificulta a integração entre as instituições? A
CENTEL é uma experiência que deu certo? Em sua opinião quem deve dirigir/comandar a CENTEL?”
ordem que lhe é anterior e na qual ele está imerso.”48 Selecionamos para as
entrevistas aqueles sujeitos que trabalham na CENTEL e tiveram experiência
laboral ou contato anterior com o modelo de centrais independentes.
Ouçamos o que diz um oficial da Polícia Militar que exerce a função de
coordenador na CENTEL ao responder à seguinte questão: “Existem dificuldades de
convivência na CENTEL entre policiais civis e militares?”
É claro que o tratamento tem ser diferente. Não sou militar! Sou civil!
Quando chego atrasado é porque tenho razão pra chegar. Nunca
respondi por atraso quando trabalhava em delegacia. Vou responder
aqui na CENTEL? Não pedi pra vir pra cá. Se não me quiserem aqui
podem me mandar pra uma delegacia.
48
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a Educação. Belo Horizonte: 2007. p. 99.
Durante o período em que trabalhamos na CENTEL era comum os agentes
civis afirmarem que estavam lá não por vontade própria e sim por imposição. Que a
CENTEL era uma “geladeira”49 pra eles. O local “natural” de trabalho, na concepção
dos agentes, é a delegacia e não um local como a CENTEL. Por isso, eles afirmam:
Não fiz ACADEPOL50 pra ficar atendendo telefone e ficar falando com
a população. Meu serviço é prender bandido! Fazer investigação. [...]
O que é que eu produzo aqui? Nada! [...] São quase 20 anos de
polícia pra ficar aqui ouvindo desaforo de cidadão pelo telefone.
5. Considerações preliminares
52
MAMEDE, Antonio Augusto do Canto. A influência da Cultura Organizacional nos Processos de
Mudança.. Disponível em: < www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/bds.nsf/pdf>. Acesso em: 20 out. 2008
53
BARBOSA, Lívia Neves de Holanda. Cultura Admistrativa: uma nova perspectiva das relações entre
antropologia e administração. Revista de Administração de Empresas, v. 36, n. 4, p. 6-19, Out./Nov./Dez. São
Paulo, 1996.
54
PETTIGREW, Andrew M. A cultura das organizações é administrável? Cultura e poder nas organizações. p.
145-153, São Paulo: Atlas, 1996.
os diversos órgãos policiais dos entes federados é uma das condições necessárias
para a transferência de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, o
conceito de integração torna-se uma ferramenta poderosa de convencimento
ideológico num contexto social marcado pela politização da segurança pública.
Apesar desta importância atribuída à integração entre as instituições policiais, não
encontramos uma sistematização sobre este conceito/categoria nos documentos
que analisamos. O caráter conferido é extremamente generalizante.
O Relatório de Gestão da SENASP (2006)55, ao enfatizar as dificuldades
políticas enfrentadas na implantação das ações e programas no campo da
segurança pública em todo o país, é revelador.
O que vem a ser este “contexto político mais propício” para a implantação
das mudanças necessárias no campo da segurança pública em nosso país? O
Relatório da SENASP silencia sobre isso. Essa assertiva corrobora com a idéia
amplamente difundida na literatura que analisa a relação entre políticas públicas na
área de segurança pública: NO BRASIL SEGURANÇA PÚBLICA É UMA QUESTÃO
DE GOVERNO E NÃO DE ESTADO.
REFERÊNCIAS
55
Relatório de Gestão da SENASP – Exercício 2006. Disponível em <www.mj.gov.br/SENASP>. Acesso em 05
de maio de 2009.
BICUDO, Hélio. A unificação das polícias no Brasil. Revista Estudos Avançados,
n. 14 (40), p. 91-106. São Paulo: EDUSP, 2000.