Você está na página 1de 77

CENTRO PRÉ-UNIVERSITÁRIO CATÓLICO/ CPUC

APONTAMENTOS DE SOCIOLOGIA

12ª Classe/Ciências Humanas

Professor. Adriano Carlos Catiavala

CAPÍTULO I: O QUE É A SOCIOLOGIA

Introdução

A Sociologia é, muito simplesmente, um modo de estudar os seres humanos. Ela se propõe


em descobrir porque estes comportam-se em uma certa maneira, reúnem-se em grupos, fazem
guerras, rezam, casam-se, votam, etc. Por outras palavras, tudo isto acontece quando os indivíduos
interagem. Por isso, a Sociologia é, em síntese, o estudo científico da sociedade, das suas
instituições e das relações sociais.

1. O que é a Sociologia?

O nosso é um mundo marcado por várias mudanças e assinalado por profundos conflitos,
tensões e divisões sociais, da tecnologia moderna que agride e destrui o meio ambiente. Todavia,
temos a oportunidade de controlar o nosso destino e melhorar as nossas vidas, coisa que era
impensável para as gerações que nos precederam. Como emergiu este mundo? Porquê é que as
nossas condições são diversas daquelas dos nossos antepassados? Em que direcção vai a mudança?
Estas interrogações são cruciais para a Sociologia, disciplina que, por este motivo, há um papel
fundamental na cultura moderna.
A Sociologia estuda as diversas formas de vida humana associada. Trata-se de uma empresa
fascinante e de grande responsabilidade, pois que tem como objecto o nosso comportamento de
seres sociais. O âmbito de interesse da Sociologia é estreitamente vasto: dos encontros casuais pela
estrada aos processos sociais globais. A maior parte de nós compreende o mundo em função das
características que nos resultam familiares. A Sociologia demonstra a necessidade de desenvolver
uma visão muito ampla dos motivos pelos quais somos, como somos e agimos e como agimos. O
seu ensino fundamental consiste em sugerir que quando consideramos natural, inevitável, bom e
verdadeiro pode também não ser tal, e que as características dadas da nossa existência são
fortemente influenciadas pelos factores históricos e sociais. Compreender os modos subtis, mas
complexos e profundos nas quais as nossas vidas individuais reflectem os contextos da experiência
social é basilar para a perspectiva sociológica.

1
2. A Perspectiva Sociológica

Aprender a pensar sociologicamente – por outras palavras, olhar mais além – significa
cultivar a capacidade de imaginação. O estudo da Sociologia não pode ser um processo mecânico de
aquisição de conhecimentos. Um Sociólogo é aquele que é capaz de se libertar do seu quadro de
referências pessoais e de pensar as coisas num contexto mais abrangente. O trabalho sociológico
depende do que o autor americano Charles Wright Mills designou, numa frase famosa, como a
imaginação sociológica.
A imaginação sociológica implica, acima de tudo, abstrair-se das rotinas familiares da vida
quotidiana de maneira a poder olhá-las de forma diferente. Tenha-se em consideração, por exemplo,
o simples facto de beber uma chávena de café. O que há a dizer, do ponto de vista sociológico,
acerca de um comportamento aparentemente tão desinteressante? Imenso. A imaginação
sociológica, enfim, permite-nos ver que muitos acontecimentos que parecem dizer respeito apenas
ao indivíduo são, na verdade, um reflexo de questões mais amplas. O divórcio, por exemplo, pode
ser um processo muito complicado para quem passa por ele (problema pessoal). Mas o divórcio é
também uma questão pública significativa em muitas sociedades.
Tomemos como exemplo o café. Podemos começar que o café não é só uma bebida. Possui
um valor simbólico por ser parte das nossas actividades sociais quotidianas. O ritual associado ao
acto de tomar café é frequentemente muito mais importante do que o consumo da bebida
propriamente dita. O primeiro café da manhã é um elemento fulcral na rotina diária de muitos
ocidentais. É um passo essencial para começar o dia. Duas pessoas que combinam encontrar-se para
tomar café estarão provavelmente mais interessadas em estarem juntas e conversarem do que em
beber, de facto, café. Na realidade, em todas as sociedades, beber e comer proporcionam ocasiões
para a interacção social e o desenvolvimento dos rituais, os quais proporcionam temáticas ricas para
o estudo sociológico.
Em segundo lugar (diferenças culturais) o café é uma droga, pois contém a cafeina, que
exerce um efeito estimulante no cérebro. Muita gente bebe café por causa da energia extra que
propicia. Longos dias no escritório ou noitadas de estudo tornam mais toleráveis se houver
intervalos regulares para tomar café. Esta substância cria dependência, mas, de uma forma geral, os
adictos em café não são vistos pela maioria das pessoas como consumidores de droga. Tal como o
álcool, o café é uma droga socialmente aceite, enquanto a marijuana, por exemplo, não o é.
Em terceiro lugar (as relações socio-económicas) o café é um produto que liga as pessoas de
algumas partes mais ricas às partes mais pobres do planeta: é consumido, em grande quantidade nos
países ricos, mas cultivado fundamentalmente nos países pobres. O café é a mercadoria mais valiosa

2
do comércio internacional depois do petróleo, representando a mais importante exportação de
muitos países.
Em quarto lugar (desenvolvimento histórico-social), o acto de beber uma chávena de café
pressupõe um longo processo de desenvolvimento social e económico. O café se tornou um produto
de consumo generalizado nos finais do século XIX, embora antes disso fosse já popular entre as
elites. Não obstante ser uma bebida originária do Médio Oriente, o seu consumo maciço remonta ao
período da expansão colonial ocidental, acerca de dois séculos. Praticamente todo o café que se
bebe nos países ocidentais, provém de áreas colonizadas pelos europeus, como a América do Sul e a
África.
Em quinto lugar (estilos de vida), o café é um produto que está no centro do debate actual em
torno da globalização, do comércio justo mundial (comércio équo e solidário), dos direitos humanos
e da destruição ambiental. À medida que foi ganhando popularidade, o café foi-se tornando um
assunto politizado: as decisões dos consumidores acerca do tipo de café que bebem e onde o
compram tornaram-se opções de estilo de vida. As pessoas podem escolher entre beber apenas café
orgânico, café descafeinado ou café transacionado a preços justos, através de esquemas que pagam
o preço total do mercado a pequenos produtores de café em países em via de desenvolvimento.
Enfim, a imaginação sociológica permite-nos de ver o modo pelo qual muitos eventos que
parecem interessar simplesmente aos indivíduos singulares, na realidade reflectem questões mais
amplas. O divorcio, por exemplo, pode ser uma experiencia muito difícil para quem o enfrenta. Mas
nas sociedades ocidentais contemporâneas, nas quais uma quota significativa de matrimónios
acabam pela separação dos cônjuges, o divórcio é também uma questão social. O desemprego, para
dar outro exemplo, pode ser uma tragédia pessoal, mas é um problema que vai para além da
dimensão privada quando milhões de pessoas se encontram nesta situação.
Um outro conceito importante em Sociologia é aquele de estrutura social. Este refere-se ao
facto que as actividades humanas não são casuais, mas estruturadas socialmente, e que existem
regularidades nos nossos comportamentos e nas relações que entretemos. A estrutura social, porém,
não equivale a uma estrutura física como um edifício, que existe independentemente das acções
humanas; as sociedades humanas vêm continuamente reconstruídas dos tijolos que as compõem: os
seres humanos. A estrutura é um processo biunívoco. Por quanto todos sejam influenciados dos
contextos sociais em que se colocam, nenhum é simplesmente determinado nos seus
comportamentos. As nossas actividades estruturam o mundo social em torno a nós e ao mesmo
tempo são estruturadas deste.

3
3. Principais Implicações da Sociologia

A Sociologia tem numerosas implicações para a nossa vida, como sublinhou Mills quando
desenvolveu a sua ideia de imaginação sociológica.

Vejamos as principais implicações:

A consciência das diferenças culturais: em primeiro lugar, a Sociologia nos permite de ver
o mundo social em perspectivas diversas. Se compreendemos correctamente como vivem os outros,
compreenderemos melhor os seus problemas. As políticas que não são fundadas sobre uma clara
consciência ou conhecimento dos modos de vida de viver das pessoas têm pouca possibilidade de
sucesso. Um operador social que trabalha numa comunidade de imigrantes, por exemplo, não obterá
confiança dos seus membros se será insensível a diversidade das suas experiências sociais.
Avaliação dos efeitos das políticas: em segundo lugar, a investigação sociológica fornece
uma ajuda prática para avaliar os diferentes efeitos das políticas. Um programa de reforma (no
nosso caso a Reforma Educativa) pode simplesmente fracassar com relação aos seus objcetivos, ou
então levar consigo uma série de desagradáveis e inesperadas consequências.
Auto-compreensão: em terceiro (talvez seja o aspecto mais importante), a Sociologia pode
aumentar a auto-compreensão. Mais sabemos sobre o porquê e sobre como as nossas acções, mas
também sobre o funcionamento global da nossa sociedade, mais seremos em grau de influenciar
sobre o nosso futuro (Previsão Humana e Social, exemplo MacDonald). O papel completo da
Sociologia não termina no contributo dado aos políticos para que possam tomar decisões baseadas
sobre as informações adequadas. Quem detém o poder não sempre tem presente os interesses dos
mais débeis ou dos menos privilegiados. Grupos de auto-ajuda (como os alcoolistas anónimos) e
movimentos sociais (como aqueles de ambientalistas) são exemplo de sujeitos sociais que se
debatem em primeira pessoa para reformas concretas, geralmente com grande sucesso.

4. O Desenvolvimento do Pensamento Sociológico

Quando começam a estudar Sociologia, muitos alunos ficam perplexos com a diversidade de
abordagens existente. A Sociologia nunca foi uma daquelas disciplinas com um corpo de ideias
unanimemente tomado como válido, embora algumas teorias tenham por vezes sido mais aceites do
que outras. Os sociólogos debatem frequentemente entre si os modos de estudar o comportamento
humano e a interpretação das pesquisas. A Sociologia debruça-se sobre as nossas vidas e o nosso
comportamento, e estudar-nos a nós próprios é tarefa mais difícil e complexa a que nos podemos
dedicar.
Por outro lado, os seres humanos nutriram sempre curiosidades pelas causas do próprio
comportamento, mais por milhares de anos as tentativas de compreendê-lo basearam-se em modos
4
de pensar transmitidas de geração a geração, geralmente formulados em termos de convicções
religiosas, mitos, superstições ou crenças tradicionais. O estudo sistemático do comportamento
humano e da sociedade constitui um desenvolvimento relativamente recente, que começa no final
do Século XVIII. Isto, todavia, não significa que o homem nunca se questionou sobre o social, aliás,
desde as mais remotas idades que o homem questionou o social. O pensamento sociológico não é,
de facto, o mesmo que o pensamento do social. Aquele, constitui uma maneira nova e distinta de
delimitar e questionar o social que já tinha sido interrogado por outras disciplinas. Um passo
decisivo foi o recurso à Ciência, em da religião, para compreender o mundo revelou-se um facto
crucial: a afirmação do método científico provocou uma mudança radical a nível mental e
conceptual. Progressivamente as explicações tradicionais e aquelas baseadas sobre a religião foram
suplantadas pelos esforços de atingir uma consciência critica e racional. Trata-se de um olhar
“específico”, “particular”, de uma maneira diferente de problematizar o social. Daí a importância de
distinguir previamente os conceitos de social e do sociológico.
Assim, enquanto o social reporta à esfera do real, o sociológico reporta à esfera do
conceptual. Com o social estamos ao nível do homem e da vida, com o sociológico estamos ao nível
de pensar, perspectivar, questionar, discutir e conceptualizar esses fenómenos reais da vida humana.
Do ponto de vista epistemológico o social faz parte do objecto enquanto o sociológico faz parte da
imagem e do sujeito.
Por conseguinte, como a Física, a Química, a Biologia e outras disciplinas, a Sociologia
nasceu num contexto deste importante processo intelectual. O nascimento da Sociologia aconteceu
sob o pano de fundo das mudanças irresistíveis, empolgantes das duas grandes Revoluções
europeias do Século XVIII. Ou até a Sociologia nasceu neste contexto revolucionário e, mais como
reacção de temor pelas consequências da mudança do que pelo fervor revolucionário. Estas
transformaram irreversivelmente um modo de viver transmitido há milhares de anos.
A Revolução Francesa (1879) assinalou o triunfo dos valores da liberdade e igualdade sobre a
ordem social tradicional. Desta resultou uma força irresistível que terminou por conquistar o planeta
inteiro e se tornou um elemento cardeal (principal) do mundo moderno.
A segunda grande Revolução iniciou na Gran Bretagna nos finais do século XVIII e difundiu-
se na América e depois na Europa Ocidental. Foi a Revolução Industrial, um amplo complexo de
transformações socio-económicas que acompanharam o desenvolvimento de inovações tecnológicas
como a introdução das máquinas e do vapor como fonte de energia. O crescimento da indústria
determinou um processo maciço de migração de camponeses dos campos para as fábricas,
provocando uma rápida expansão das áreas urbanas e inaugurando relações sociais de novo tipo. O
mundo social foi profundamente transformado e com este, muitos hábitos quotidianos.

5
O esmagamento ou a transformação dos estilos de vida tradicionais constringiu a elaborar
uma nova concepção do mundo social e natural. Os pioneiros do pensamento sociológico foram,
directamente, envolvidos dos desenvolvimentos que acompanharam estas duas revoluções e
procuraram de compreender a génese e as potencias consequências. As interrogações sobre as quais
estes pensadores procuraram dar uma resposta (em que coisa consiste a natureza humana? Porque a
sociedade é estruturada em modo diferente? Como e porque se transformam as sociedades?) são as
mesmas que os sociólogos enfrentam hoje.

4.1. Os Pioneiros da Sociologia e as Primeiras Teorias

Tentar compreender algo tão complexo como o impacto da industrialização nas sociedades,
por exemplo, revela a importância da teoria para a Sociologia. A pesquisa factual mostra como as
coisas ocorrem. A Sociologia, no entanto, não consiste apenas em recolher factos, por maiores que
sejam a sua importância e o seu interesse. Mas em Sociologia queremos também saber porque é que
as coisas ocorrem e, para isso, temos de aprender a construir teorias explicativas. Sabemos, por
exemplo, que a industrialização teve influência decisiva na emergência das sociedades modernas,
mas quais são as condições prévias e as origens da industrialização? Temos de desenvolver a
reflexão teórica, para podermos responder a questões deste teor.
As teorias implicam a construção de interpretações abstractas que podem ser usadas para
explicar uma gama ampla de situações empíricas ou factuais. Ou até a Teoria, segundo o Dicionário
da Língua Portuguesa, “é uma concepção do espírito mais ou menos larga e mais ou menos
sistematizada; conhecimento sistematizado; especulação” (p. 1583).
Assim, como sucede noutras disciplinas, os sociólogos, diz Guiddens (2013) precisam de
conceber interpretações abstractas – teorias – para explicar os diversos factos e provas recolhidas
nas suas investigações. Contudo, a teorização sociológica não se desenvolve num vazio fora da
sociedade; tal sobressai claramente das questões colocadas pelos fundadores da Sociologia, as quais
estavam estreitamente relacionadas com algumas das principais questões da sua época.

4.2. Augusto Comte (1798-1855)

Naturalmente, a fundação de uma disciplina nunca é obra de um indivíduo singular. Muitos


contribuíram ao desenvolvimento inicial do pensamento sociológico, mas o lugar de honra é
atribuído ao pensador francês Augusto Comte (1798-1855) porque cunhou ou inventou o termo
Sociologia. Para referir-se ao novo campo de estudos, em primeiro momento Comte utilizou a
expressão Física Social, mas alguns dos seus rivais intelectuais na altura já a usavam. Mas ele, para
distinguir-se deles, criou o termo sociologia para descrever a disciplina que pretendia estabelecer. O
seu pensamento reflectia os acontecimentos turbulentos do seu tempo. A Revolução Francesa de

6
1879 havia mudado significativamente a sociedade francesa e o crescimento da industrialização
estava a alterar os modos de vida tradicionais da população. Comte procurou criar uma ciência da
sociedade que pudesse explicar as leis do mundo social tal como a ciência natural explicava como
funcionava o mundo físico. Acreditava que a sociedade está submetida a leis invariáveis, como
acontece no mundo físico.
A visão Comtiana de Sociologia era aquela de uma ciência positiva. Acreditava que a
disciplina devia aplicar ao estudo da sociedade os mesmos métodos científicos rigorosos que os
físicos e os químicos usam para estudar o mundo físico. O positivismo defende que a ciência deve
preocupar-se apenas com factos observáveis que ressaltam directamente da experiência: sobre de
observações rigorosas, podem-se deduzir as relações causais entre acontecimentos que consentem
de prever a repetição futura. Adoptar uma abordagem positivista em Sociologia significa acreditar
na produção de conhecimento social baseada sobre a evidência empírica obtida da observação, da
comparação e da experimentação.
As leis dos três estádios de Comte postula que as tentativas humanas para compreender o
mundo passam pelos estádios teológico, metafísico e positivo. No estádio teológico o pensamento
era guiado pelas ideias religiosas e pela crença de que a sociedade era uma expressão da vontade de
Deus. No estádio metafísico, que se afirmou pela época do Renascimento, a sociedade começou a
ser vista em termos naturais, e não sobrenaturais. O estádio positivo, desencadeado pelas
descobertas e os efeitos de Copérnico, Galileu e Newton, encorajou a aplicação das técnicas ao
mundo social. De acordo com esta perspectiva Comte considerava a Sociologia como a última das
ciências a desenvolver-se, depois da física, química e biologia. Enfim, e já na fase derradeira da sua
vida apelou à instituição de uma religião da humanidade, que deveria abandonar a fé, o dogma em
favor de um fundamento científico.

4.3. Émile Durkheim (1858-1917)

A obra de Émile Durkheim teve um impacto mais duradouro na Sociologia Moderna. Embora
se apoiasse em determinados aspectos da obra de Comte, Durkheim pensava que muitas das ideias
do seu predecessor eram demasiado especulativas e vagas, e que ele não realizara com sucesso o
seu programa – dar à Sociologia um carácter científico. Via a Sociologia como uma nova ciência
que podia ser usada para elucidar questões filosóficas, tradicionais de modo empírico. O seu famoso
princípio básico da sociologia era estudar os factos sociais como coisas. Queria dizer com esta
afirmação que a vida social podia ser analisada com o mesmo rigor com que se analisam objectos
ou fenómenos da natureza. De acordo com ele os factos sociais são formas de agir, pensar ou sentir
externas aos indivíduos que possuem uma realidade exterior à vida e às percepções das pessoas
individualmente consideradas. Daí que a primeira característica dos factos sociais é a exterioridade
7
e a segunda característica dos factos sociais é que exercem sobre os indivíduos um poder coercivo.
No entanto, para Durkheim, a natureza constrangedora dos factos sociais raramente é conhecida
pelas pessoas como algo coercivo, pois de uma forma geral elas actuam de livre vontade de acordo
com os seus ditames, acreditando que estão a agir segundo as suas opções. Na verdade as pessoas
geralmente seguem simplesmente padrões que são comuns na sociedade onde se inserem. Os factos
sociais podem condicionar a acção humana (no caso de um crime, por exemplo) à rejeição social
(no caso do comportamento inaceitável) ou a um simples mal-entendido (no caso do uso incorrecto
da linguagem).
Ainda para ele, os factos sociais podem ser materiais ou factos sociais materializados no
mundo social externo ao indivíduo (como a estrutura de uma sala de aulas) e imateriais (como as
normas e os valores).
Enfim, Durkheim estava preocupado com as mudanças que transformam a sociedade do seu
tempo. Estava, particularmente, interessado na solidariedade social e moral, isto é, aquilo que
mantém a sociedade unida e impede para cair no caos. Para ele a solidariedade é mantida quando os
indivíduos se integram com sucesso em grupos sociais e se regem por um conjunto de valores e
costumes partilhados. Na sua obra, que a Primeira, Divisão do Trabalho (1893) onde expôs uma
análise social, defendendo que o advento da era da industrialização representava a emergência de
um novo tipo de solidariedade. Ao desenvolver este argumento contrastou dois tipos de
solidariedade – mecânica e orgânica -, relacionando-os com a divisão do trabalho e o aumento de
distinções entre ocupações diferentes. A solidariedade mecânica baseia-se no consenso e na
similaridade da crença e a especialização de tarefas e a diferenciação social crescente nas
sociedades desenvolvidas haveria de conduzir a uma nova ordem caracterizada pela solidariedade
orgânica.
Finalmente, Durkheim dedicou-se ao estudo do suicídio pois que, para ele, existem forças
sociais externas ao indivíduo que influenciam as taxas de suicídio. Relaciona a ideia de
solidariedade social e de dois tipos de laços na sociedade (mecânica e orgânica) a integração social
e a regulação social. Defendeu que as pessoas que estavam solidamente integradas em grupos
sociais, e cujos desejos e aspirações se regiam pelas normas sociais, tinham uma menor
probabilidade de se suicidar. Identificou quatro tipos de suicídio:
Egoísta fraca integração na sociedade e ocorre quando o indivíduo está sozinho. As baixas
taxas de suicídio entre os católicos, por exemplo, podiam ser explicadas pela forte noção de
comunidade social, enquanto a liberdade moral e pessoal dos protestantes significa que estão
sozinhos perante Deus. O mesmo acontece com o casamento que funciona como uma protecção em
relação ao suicídio, ao integrar o indivíduo num relacionamento estável, ao contrário das pessoas
solteiras, que permanecem mais isoladas no seio da sociedade.
8
Anómico é causado por uma ausência de regulação social, isto é, na situação em que as
pessoas se vêem sem normas em contextos de mudança súbita ou de instabilidade ou até as normas
existentes não servem de ponto de referências para as pessoas (convulsões económicas, crises
pessoais e/ou divórcio)
Altruísta tem lugar quando o indivíduo se encontra excessivamente integrado – os vínculos
sociais são demasiado fortes – valoriza mais a sociedade do que a si próprio. Neste caso, o suicídio
transforma-se numa espécie de sacrifício por um bem maior. Os pilotos Kamikaze japoneses ou
bombistas suicidas.
Fatalista verifica-se, segundo Durkheim, quando um indivíduo é excessivamente regulado
pela sociedade. A opressão do indivíduo traduz-se num sentimento de impotência perante o destino
ou a sociedade.

4.4. Karl Marx (1818-1883)

A maior parte dos seus escritos centra-se em questões económicas, mas, como sempre teve
como preocupação relacionar os problemas económicos com as instituições sociais, a sua obra era, e
é, rica em reflexões sociológicas e teve um papel relevante no desenvolvimento da Sociologia. Para
ele as mudanças mais importantes estavam ligadas ao desenvolvimento do capitalismo (capitalismo
e luta de classes), isto é, um sistema de produção que contrasta de forma radical com todos os
sistemas económicos anteriores, implicando a produção de bens e serviços para serem vendidos a
uma grande massa de consumidores. Identificou dois elementos cruciais nas empresas capitalistas.
O primeiro é o capital (dinheiro, máquinas ou mesmo fábricas utilizados para produzir bens e
meios); o segundo é o trabalho assalariado que se refere ao conjunto de trabalhadores que não têm
meios próprios para viver de modo autónomo, mas que tem de procurar emprego fornecido pelos
que detêm o capital.
Marx considerava que as sociedades capitalistas fossem caracterizadas pela presença de duas
classes sociais: a burguesia (que constitui a classe dominante) possuidora de meios de produção e o
proletariado uma classe operária industrial urbana como consequência da expansão de um grande
número de camponeses que anteriormente vivia do trabalho agrícola, mudando-se mais tarde para as
cidades para formar esta nova classe. Assim, para Marx o capitalismo é inerentemente um sistema
de classes, sendo as relações entre as classes caracterizadas pelo conflito: os capitalistas necessitam
de mão-de-obra e os trabalhadores de salários.

9
Enfim, um outro aspecto de Marx rem a ver com a sua concepção materialista da história
como factor de mudança social. De acordo com esta perspectiva, as principais fontes de mudança
social não se encontram nas ideias ou nos valores dos seres humanos. Pelo contrário, a mudança
social é promovida acima de tudo por factores económicos. Os conflitos entre classes fornecem a
motivação para o desenvolvimento histórico – são o motor da história (como se lê no Manifesto do
Partido Comunista que escreveu com Engels 1848: até aqui a história humana é uma história de luta
de classes). Tal como os capitalistas se haviam unido para derrubar a ordem feudal (Idade Média),
também os capitalistas seriam suplantados e uma nova ordem viria a ser instalada: o comunismo.

4.5. Max Weber (1864-1920)


Tal como Marx, Weber não pode ser simplesmente rotulado como um sociólogo, pois os seus
interesses e preocupações abrangem muitas áreas.
Na sua perspectiva, os factores económicos eram importantes, mas as ideias e os valores
tinham o mesmo impacto na mudança social. Em Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo
(1904-1905), Weber defende que a ideia de que os valores religiosos – em particular os associados
ao puritanismo – tiveram uma importância fundamental na criação de uma visão capitalista.
Defendia que a Sociologia devia centrar-se na acção social, e não nas estruturas. Um outro elemento
importante da perspectiva sociológica de Weber era a ideia de tipos ideais – modelos conceptuais e
analíticos que podem ser usados para compreender o mundo.

5. Abordagens Sociológicas Recentes/Modernas


Os primeiros sociólogos, como podemos ver, partilharam o desejo de entender a sociedade em
mudança na qual viviam. Todavia, queriam fazer algo mais do que limitar-se a descrever e
interpretar os eventos significativos do seu tempo Todos procuraram desenvolver formas de estudar
o mundo social que pudessem explicar o funcionamento das sociedades e as causas da mudança
social. Recorreram a cinco diversas perspectivas conceptuais para observar e explicar diversos tipos
de factos:
A primeira é a perspectiva demográfica. A palavra demografia vem do grego demos, que
significa povo. A demografia é o estudo das populações, em particular dos nascimentos, das mortes,
das migrações e de outros fenómenos que interessam as populações.
A segunda é a perspectiva psicossocial que procura explicar os comportamentos em base ao
significado que têm para as pessoas, ou seja em termos de motivações, crenças, atitudes, sentido de
identidade.
A terceira é a perspectiva das estruturas colectivas, que vem aplicada ao estudo dos
grupos, organizações, comunidade, etc. Nesta perspectiva, por exemplo, os sociólogos estudam a

10
competição entre políticos, o conflito étnico, o antagonismo entre grupos de interesse, a pertença a
uma classe, os comportamentos colectivos e movimentos sociais.
A quarta é a perspectiva das relações, que emerge quando as relações entre as pessoas são
consideradas sobre a base dos respectivos papéis. Um papel é constituído por um conjunto de
expectativas acerca do comportamento de uma pessoa que ocupa uma posição dentro de um grupo.
A quinta é a perspectiva cultural (Cap 2), que analisa os comportamentos em base a traços
culturais como os valores (que nascem da preocupação de tipo religioso, político e social) e as
normas (formais e informais). Os valores indicam os objectivos considerados socialmente
desejáveis e constituem um aspecto fundamental da cultura. Sobre os valores se fundam as normas
sociais. Uma sociedade que atribui um valor a vida humana, por exemplo, terá normas ferrenhas
contra a violência aos danos das pessoas.
Estas perspectivas mostram a vastidão do campo de investigação da Sociologia. Mas a grande
diferença e, particularmente importante, é a distinção entre os dois níveis aos quais se afronta o
estudo da sociedade: o nível Microssociológico e o nível Macrossociológico.
A Microssociologia se ocupa das interacções quotidianas entre os indivíduos, pois que os
fenómenos sociais podem ser compreendidos só em termos de significados que as pessoas atribuem
às suas próprias interacções. O acento é colocado sobre os sujeitos singulares, os comportamentos
individuais, as motivações e os significados que dão forma às interacções sociais.
Dela fazem parte as seguintes teorias/abordagens:
A teoria de permutação/troca de George Homans segundo a qual a interacção seria fundada
sobre consideração da relação custo-benefícios. As pessoas tendem a evitar comportamentos que no
passado foram, em qualquer modo, punidos, e a repetir os modelos de comportamento que
receberam uma qualquer forma de recompensa (elogios, admiração, amor, honra, dinheiro, etc).
A etnometodologia de Harold Garfinkel que estuda o conhecimento do senso comum e que
sobre a base deste conhecimento têm lugar as interacções quotidianas entre as pessoas.
Erving Goffman, no seu modelo dramatúrgico, usa o teatro como metáfora para
descrever a interacção: as pessoas se comportam como actores sobre um palco constituído de uma
ribalta (série de luzes à frente do palco, entre o pano de boca e a orquestra) e de um bastidor: a
ribalta é um espaço no qual os actores agem segundo papéis formalizados; o bastidor é um espaço
no qual os actores se preparam em modo informal a interacção formalizada que deverá chegar até a
ribalta. Segundo este modelo, através da gestão das impressões os actores operam para influenciar a
opinião que os outros têm deles.
Uma outra importante teoria deste nível é o Interaccionismo Simbólico que é obra do
filósofo social americano George Herbert Mead (1863-1931) que exerceu uma grande influência
no pensamento sociológico. Esta perspectiva nasce de uma preocupação com a linguagem e o
11
sentido. Mead defende que a linguagem permite que nos tornemos seres autoconscientes – cientes
da nossa própria individualidade e capazes de nos vermos do exterior, como os outros nos vêem.
Neste processo, o elemento chave reside no símbolo. Um símbolo é algo que representa algo
diferente. Por exemplo, a palavra colher é o símbolo que usamos para descrever o utensílio a que
recorremos para comer a sopa. Os gestos não-verbais ou outras formas de comunicação são também
exemplo de símbolos. Acenar a alguém ou fazer um gesto grosseiro possui um valor simbólico.
A Macrossociologia é a análise dos sistemas em grande escala, como o sistema político ou a
ordem económica, as instituições familiares, aparatos educativos, organizações religiosas, etc. O
principal interesse dos sociólogos que optam para abordagem macro é constituído do estudo das
relações entre as diversas estruturas sociais e dos seus processos de mudança. Dela fazem parte duas
teorias: o funcionalismo e a teoria de conflito.
O Funcionalismo defende que a sociedade é um sistema complexo cujas partes se conjugam
para produzir estabilidade e solidariedade. Segundo esta teoria, a sociologia deve investigar o
relacionamento das partes da sociedade entre si e para com a sociedade como um todo. Todavia, a
primeira versão do funcionalismo foi elaborada no século XIX por Herbert Spencer, que comparava
a sociedade a um organismo vivente como o corpo humano, em que cada parte – coração, cérebro,
estômago – desenvolve uma função específica na manutenção da vida. Se uma parte deixa de
funcionar ou é atingida por uma doença, o corpo, por sua vez, não pode funcionar em modo
perfeito, ou até cessa de viver. Os funcionalistas, Comte e Durkheim consideram a sociedade como
um organismo composto de muitas partes: a esfera económica, política, religiosa e assim em diante.
Cada uma destas partes tem uma função, isto é, conjugam-se em benefício da sociedade como um
todo. Por isso analisar a função de um item social significa mostrar o papel que ele desempenha na
perpetuação e na saúde da sociedade.
O funcionalismo coloca o acento na importância do consenso moral para a manutenção da
ordem e da estabilidade na sociedade. O consenso ocorre quando a maioria das pessoas numa
sociedade partilham os mesmos valores.
Todavia, esta teoria foi mais tarde desenvolvida pelo Funcionalismo Estrutural do Século XX,
nos anos 40, 50 e 60. Dois sociólogos americanos, em particular, notabilizaram-se neste período:
Robert Merton e o seu mentor, Talcott Parsons este último que passou a concentrar a sua atenção no
funcionamento do próprio sistema social e que este sistema social era composto de substistemas e
das suas respectivas funções. Assim, por exemplo do subsistema económico cabe a função de
adaptação; do subsistema político a função de atingir os objectivos; do subsistema de
socialização/educação a função latente (pelo facto da educação tornar o educando consciente de si
próprio); o subsistema comunitário a função de integração (o caso dos grupos sociais, em primeiro
lugar a família).
12
A Teoria do Conflito que deriva, em grande parte do pensamento de Karl Marx, para a qual o
conflito entre classes sociais é a base da sociedade. Os teóricos do conflito rejeitam, no entanto, a
ênfase que os funcionalistas dão ao consenso preferido, pelo contrário, sublinhar a importância das
divisões na sociedade. Ao fazê-lo, centram a análise em questões de poder, desigualdade e luta.
Tendem ver a sociedade como algo composto por diferentes grupos que lutam pelos interesses
próprios. A existência desta diferença de interesses significa que o potencial para o conflito está
sempre presente e que determinados grupos irão beneficiar disso mais do que os outros. Os teóricos
do conflito analisam as tensões existentes entre grupos dominantes e desfavorecidos da sociedade,
procurando compreender como se estabelecem e perpetuam relações de controlo.

CAPÍTULO II: CULTURA E SOCIEDADE

1. Premissa
Quando se usa o termo cultura na normal conversa quotidiana, pensa-se em geral as
manifestações mais altas da criatividade humana: a arte, a literatura, a música, a pintura, etc. No uso
sociológico o conceito compreende tais actividades, mas também muito mais. Este se refere aos
modos de vida dos membros de uma sociedade, ou grupos dentro de uma sociedade, e inclui, por
exemplo, o vestuário ou vestimenta, os costumes e/ou práticas matrimoniais, a vida familiar, as
formas de produção, as convicções religiosas, o uso do tempo livre.
A cultura pode-se distinguir da sociedade, mas entre as duas noções existem relações muito
estreitas. Uma sociedade é um sistema de relações entre indivíduos. Neste sentido fala-se de
sociedade angolana, moçambicana, americana, portuguesa. Essas compreendem milhões de pessoas.
Outras, como as sociedades primitivas de caçadores e recolectores, podia contra também só trinta
ou quarenta indivíduos. Mas todas as sociedades são acomunadas (postas em comunidades) do facto
que os seus membros são ligados de relações estruturadas sobre a base de uma cultura comum. Sem
cultura seria impossível definirmo-nos seres humanos no sentido em que habitualmente entendemos
este termo. Não teríamos uma linguagem com a qual nos exprimiríamos, seriamos privados de auto
consciência, e a nossa capacidade de pensar e comunicar resultaria muito limitada.

2. O Conceito de Cultura
Quando falamos de cultura, os sociólogos referem-se a caracteres apreendidos mais do que
hereditários. Estas características culturais, partilhadas pelos membros de uma sociedade, estão na
base da cooperação e da comunicação, e constituem o contexto comum no qual os indivíduos vivem
a própria vida. Uma cultura compreende seja aspectos materiais (fala-se, de facto, da cultura

13
material para indicar o conjunto dos aspectos artificiais, isto é, inaturais produzidos pela sociedade),
seja aspectos imateriais como a linguagem e, em particular, valores e normas.

2.1. Valores e Normas

O elemento fundamental de uma cultura são as ideias que definem aquilo que é considerado
importante, digno e desejável. Estas ideias ou valores guiam os seres humanos nas suas interacções
com o ambiente social. Um exemplo de valor importante para a maior parte das sociedades é a
monogamia ou a fidelidade a um só partner sexual. As normas são as regras de comportamento que
reflectem ou incarnam os valores de uma cultura. Valores e normas, juntos, contribuem para
determinar o modo no qual os pertencentes a uma cultura se comportam no seu próprio ambiente.
Por exemplo, nas culturas em que a educação/instrução tem um valor elevado, as normas culturas
encorajam os estudantes a investir muitas energias no estudo e os pais a fazerem sacrifícios para a
educação dos seus filhos. Na cultura em que a hospitalidade é um valor importante, as normas
culturais estabelecem expectativas que têm a ver com o intercâmbio de dons e o comportamento
recíproco de hóspedes e patrões ou donos de casa.
Todavia, valores e normas variam enormemente de uma cultura a outra. Algumas culturas são
eminentemente individualistas, outras colocam maior acento sobre as necessidades comuns. Um
exemplo para esclarecer este ponto. A maior parte dos estudantes britânicos reagiria com
indignidade diante de um companheiro que copia num exame, porque este comportamento infringe
valores essenciais na sociedade britânica como o empenho individual, iguais oportunidades, o duro
trabalho e o respeito das regras. Os estudantes russos, ao contrário, permaneceriam maravilhados
diante de tal indignidade: dar-se uma mão durante um exame é coerente com o valor que os russos
atribuem a igualdade e solução colectiva dos problemas ao conspecto da autoridade.
Mas também valores e normas culturais modificam-se geralmente no tempo e com o tempo
(mudança de valores e normas). Muitas coisas que hoje damos por descontar – como por exemplo
as relações sexuais pré-matriomoniais ou a conivência de casais não esposadas – há anos
contrariavam valores socialmente partilhados. Valores e normas que guiam as nossas relações mais
íntimas se são evoluídas gradualmente e espontaneamente no arco de muitos anos, mas pode
acontecer que, espécie vai ao encontro entre culturas diversas, se tenta de modifica-las em maneira
deliberada.

2.2. A diferença cultural


Ao lado de valores e normas culturais, também comportamentos e práticas variam
notoriamente de uma cultura a outra. Os hebreus não comem carne de porco; os indianos, pelo
contrário sim, mas rejeitam a carne bovina. Os ocidentais consideram o beijo como um normal
14
aspecto do comportamento sexual, mas em muitas outras culturas esta prática é desconhecida (não
obstante a globalização dos meios de comunicação) ou até julgada desgostosa. Estas diversas
formas de comportamento são aspectos da grande variedade cultural entre uma sociedade e a outra.
As pequenas sociedades, como aquelas primitivas, tendem a ser culturalmente homogéneas ou
sociedades mono-culturais. Também algumas sociedades modernas, como algumas asiáticas (por
exemplo japonesas), são ainda em boa medida mono-culturais e caracterizadas de altos níveis de
homogeneidade cultural. A maior parte das sociedades industrializadas atravessa, pelo contrário, um
processo de diversificação cultural que as torna sociedades multiculturais. Fenómenos como a
escravatura, o colonialismo, as guerras, as migrações e a globalização provocaram deslocações da
população através fronteiras. Isto comportou a formação de sociedades culturalmente compostas, no
sentido que a sua população é constituída pelos grupos de diversa origem cultural. Nas grandes
cidades modernas e não só, por exemplo, existem numerosas comunidades subculturais que vivem
lado a lado no contexto de uma cultura prevalente. Por subcultura não entendemos só grupos
étnicos, mas qualquer segmento de população pertencente a uma sociedade mais ampla e
distinguível sobre a base de parâmetros culturais. As subculturas são muito variadas: naturistas
(aqueles que adoram a natureza) hacker, hippy, reggae, hip-hop, adeptos de uma equipa de futebol.
Existem pessoas que se identificam fortemente com uma particular subcultura, outras que passam
facilmente de uma a outra.
A cultura desempenha um papel importante na perpetuação dos valores e das normas sociais,
mas oferece também amplos espaços de criatividade e mudança. Como as subculturas, também as
contra-culturas repelem valores e normas prevalentes em uma dada cultura – podem elaborar e
difundir valores alternativos aqueles da cultura dominante.

2.3. O Etnocentrismo
Cada cultura possui modelos específicos de comportamento que resultam estranhos aos outros
indivíduos provenientes de outras culturas. Quem alguma vez viajou ao exterior conhece,
provavelmente, as sensações que advêm no contacto com uma cultura diversa. Existem aspectos da
vida quotidiana, inconscientemente dados por descontados, que podem ser assaz diferentes, ou de
tudo ausentes, em outros países do mundo. Esta tendência de julgar as outras culturas em termos da
própria, considerada superiora é tida de etnocentrismo cultural: um preconceito evidente, por
exemplo, na obra dos missionários que procuravam converter os pagãos a própria religião. Um
fenómeno análogo ao etnocentrismo é a xenofobia, ou seja o medo ou o ódio nos confrontos de
pessoas e costumes estranhos a uma particular sociedade. Não é por acaso que se fala, a este
propósito, de choque cultural. Geralmente se vê desorientado quando se entra em uma cultura

15
diversa: isto acontece porque se perdem os pontos de referência familiares que nos consentem de
compreender o mundo circundante e não são ainda aprendidos aqueles da nova cultura.
Pode ser extremamente difícil compreender uma cultura do exterior. É impossível
compreender práticas e crenças separadamente do contexto cultural do qual somos e fazemos parte.
Uma pressuposta chave da sociologia é que a cultura deve ser estudada sobre a base de significados
e valores que lhe são próprios. Este conceito é também chamado de relativismo cultural. Os
sociólogos esforçam-se de evitar o mais possível o etnocentrismo, que consiste no julgar as outras
culturas confrontando-as com a própria, geralmente considerada superiora.
A aplicação do relativismo cultural suspende as nossas crenças culturais mais profundas e
leva considerar uma situação segundo os padrões de uma outra cultura – é um processo não isento
de incertezas e insídias. Não só pode ser difícil ver as coisas de um ponto de vista completamente
diverso, mas as vezes surgem interrogações inquietantes. Relativismo cultural significa que todos os
costumes e comportamentos são igualmente legítimos? Existem, pelo contrário, padrões universais
com os quais todos os seres humanos deveriam conformar-se?
De um lado é importante esforçar-se de não aplicar os próprios padrões culturais a pessoas
que vivem em contextos muito diferentes; mas é também problemático aceitar situações que
infringem valores e normas considerados irrenunciáveis. O papel do sociólogo é aquele de evitar
responder «automáticas» e examinar as questões complexas com a devida cautela, são todos os
ângulos possíveis.

2.4. A Socialização
Como já se sublinhou, a cultura compreende aqueles aspectos sociais que são aprendidos e
não hereditários. O processo através o qual a criança, ou qualquer novo membro, aprende e
apreende (assimilação) valores, normas e estilos de vida da sociedade na qual entra a fazer parte é
chamado de socialização. Essa é o canal primário de transmissão da cultura entre as gerações.
Os animais que ocupam os níveis inferiores da escala evolutiva são em grau de prover a si
mesmos já pouco depois do nascimento, quase sem ajuda da parte dos adultos. Mas os animais
superiores têm necessidade de aprender os comportamentos para a sobrevivência. Entre todos os
animais, o mais indefeso é recém-nascido da espécie humana. Uma criança não pode sobreviver
sem ajuda, pelo menos para os quatro ou cinco primeiros anos. A socialização é o processo
mediante o qual a criança inerme (indefeso) se torna gradualmente uma pessoa consciente de si
mesma, em grau de utilizar eficazmente as capacidades específicas da cultura na qual nasceu. A
socialização, todavia, não é uma espécie, de «programação cultural» graças a qual a criança absorve
passivamente as influências com as quais entra em contacto. Enfim, um recém-nascido manifesta
16
necessidades e pedidos que condicionam o comportamento de quantos cuidam dele: a criança é
desde o início um sujeito activo.
A socialização liga uma à outra as diversas gerações. O nascimento de uma criança modifica a
vida de quantos são responsáveis da sua educação, que vão também estes ao encontro de novas
experiências de aprendizagem. Maternidade e paternidade vinculam de norma aos filhos as
actividades dos adultos para o resto da vida. Os anciãos permanecem, obviamente, pais mesmo
quando se tornam avós e assim se estende uma série de relações que conectam entre as gerações. A
socialização, portanto, não devia ser considerada uma experiência limitada no tempo, mas um
processo longo, quanto a mesma vida, no qual o comportamento humano é continuamente
modificado das interacções sociais. Esse permite aos indivíduos de desenvolver indefinidamente o
próprio potencial de aprendizagem e adaptação.
Os sociólogos, geralmente, dividem a socialização em duas amplas fases que envolvem
diferentes agentes de socialização, isto é, grupos ou contextos sociais em cujo seio têm lugar
processos significativos de socialização. A socialização primária acontece ou ocorre durante a
infância e é o período mais intenso de aprendizagem cultural. É nesta fase em que a criança aprende
a língua e os modelos fundamentais de comportamento ou padrões de comportamento que
constituem as bases da aprendizagem sucessiva. A família é o principal agente de socialização desta
fase. A socialização secundária surge numa etapa mais tardia da infância, prologando-se até à
maturidade. Nesta fase surgem outros agentes que assumem a responsabilidade alguma
responsabilidade que até então pertencia à família. As escolas, os grupos de pares, os meios de
comunicação social e, eventualmente, o local de trabalho tornam-se forças de socialização para o
indivíduo. Nestes contextos, as interacções sociais ajudam as pessoas a aprender os valores, normas
e crenças que constituem os padrões da sua cultura.
Realçamos, nestes agentes secundários, os grupos de pares que, geralmente são constituídos
por crianças de idade semelhante. Nalgumas culturas, especialmente nas pequenas sociedades
tradicionais, os grupos de pares são formalizados como classes de idade (geralmente confinadas a
rapazes. Realizam-se frequentemente cerimonias ou ritos específicos para marcar a transição dos
homens de uma idade para outra. Aqueles que se inserem numa mesma classe de idade estabelecem
geralmente ligações próximas que perseveram para o resto da vida. Os homens não se movem entre
estas classes de forma individual, mas enquanto grupo.

2.5. Status e Papéis Sociais


Mediante o processo de socialização os indivíduos aprendem a conhecer os papéis sociais.
Um papel social é o conjunto dos comportamentos socialmente definidos que se esperam de quem
tem um status ou posição social. O papel social do médico, por exemplo, compreende uma série de
17
comportamentos nos quais devia apegar-se cada médico, prescindindo de opiniões e orientações
pessoais. Pois que, todos os médicos são acumulados deste papel, é possível fazer referência aos
seus comportamentos de papéis prescindindo das pessoas específicas.
Os sociólogos distinguem entre status adscrito estatus adquirido. Um status adscrito é
atribuído sobre a base de factores biológicos como a raça, o sexo, a idade: por exemplo, branco,
mulher, adolescente. Um status adquirido é obtido através uma prestação: por exemplo, licenciado,
atleta, dirigente. Em cada sociedade existem status que têm maior prioridade e determinam a
posição social global de uma pessoa.
2.6. A Identidade
O contexto cultural no qual os indivíduos nascem e atingem a maturidade influencia o seu
comportamento, mas isto não significa que esses sejam espoliados da individualidade e do livre
arbítrio. Se pudesse pensar que os seres humanos são introduzidos em uma impressora pré-formadas
que a sociedade preparou para eles, e alguns sociólogos tendem efectivamente e descrever a
socialização nestes termos. O facto de que desde o nascimento até a morte sejamos implicados em
interacções com outras pessoas condiciona certamente a nossa personalidade, os valores nos quais
cremos e o comportamento que adoptamos. Todavia a socialização está também na origem da nossa
individualidade e da nossa liberdade. No processo de socialização cada um de nós desenvolve um
sentido de identidade e a capacidade de pensar e agir em maneira autónoma.
Em sentido lato, a identidade consiste na noção que as pessoas têm de si mesmas e daquilo
que para eles é significativo. Algumas das principais fontes de identidade são o género, as
preferências sexuais, a nacionalidade ou a etnia, a classe social. Em sociologia se fala de dois tipos
de identidade, a identidade social e a identidade individual ou pessoal, analiticamente distintas, mas
estreitamente interligadas entre elas.
A identidade social refere-se as características atribuídas a um indivíduo dos outros. Estas
características podem ser concebidas com «marcadores» que indicam quem é aquela pessoa pondo-
a em relação com outras que possuem os mesmos atributos. Por exemplo, o estudante, a mãe, o
advogado, o católico, o evangélico, asiático, etc. A identidade social é múltipla e acumulativa: uma
mulher pode ser simultaneamente mãe, engenheira, muçulmana, administradora municipal. Esta
pluralidade pode ser uma potencial fonte de conflito, mas a maior parte dos indivíduos organiza o
significado e a experiência da própria vida em torno a uma identidade primária que se mantém
constante no tempo e no espaço. Enfim, há uma valência colectiva, no sentido que implica
características partilhadas pela multiplicidade de indivíduos.
A identidade individual faz referência ao processo de desenvolvimento pessoal mediante o
qual elaboramos o sentido da nossa unicidade.

18
3. Tipos de Sociedades
O nível de cultura material de uma dada sociedade influencia, mas não determinando,
completamente, outros aspectos do desenvolvimento cultural. É fácil dar-se conta se pense, por
exemplo, o modo como a energia eléctrica, a água corrente, automóveis, telefones, computer
condicionaram o desenvolvimento recente da nossa sociedade. Qualquer coisa de semelhança se
pode dizer para as fases precedentes do desenvolvimento social.

3.1. As Sociedades Pré-Modernas: o mundo que desaparece


As sociedades de caçadores e recolectores. Por quase todo tempo da própria existência sobre
este planeta, a partir de cerca de 50.000 mil anos, os seres humanos viviam em sociedades de
caçadores e recolectores. Estes grupos procuravam o sustento com a caça, a pesca e a recolha de
frutos silvestres e plantas comestíveis. Sociedades deste tipo continuam a existir, hoje, nalgumas
partes do mundo e nelas existe um baixo grau de desigualdades, um escasso interesse pela riqueza
material, para além de quanto é necessário para a satisfação das necessidades essenciais,
privilegiando mais os valores religiosos e as actividades rituais. Os bens matérias dos quais
necessitam se limitam a armas para caçar, aos instrumentos para cavar e construir, às armadilhas e
aos utensílios de cozinha. Existem poucas diferenças relativamente à quantidade e o tipo de
propriedades materiais e não existem fosso entre ricos e pobres. Uma outra característica tem a ver
com as diferenças de classes limitadas a idade e ao sexo: os homens são caçadores e as mulheres
recolhem as plantas selváticas, preparam os alimentos e alimentam ou nutrem as crianças. Esta
divisão entre homens e mulheres é muito importante: os homens tendem a dominar nas ocasiões
públicas e nas cerimónias.
As sociedades pastoris e agrícolas. Há 20.000 mil anos, alguns caçadores e recolectores, para
prover ao próprio sustento, começaram a criar animais domésticos e a cultivar parcelas fixas de
terras. As sociedades pastoris são aquelas que entregam-se principalmente à criação de animais,
enquanto as sociedades agrícolas são aquelas que se dedicam, frequentemente, às cultivações
estacionais.
As sociedades tradicionais. A partir de 6000 a.C encontram-se traços de sociedades mais
amplas e por certos aspectos radicalmente diversos daquelas precedentes. Essas eram caracterizadas
– pela primeira vez na história – do desenvolvimento urbano, eram governadas por rei ou
imperador. Pois que foram acompanhadas do uso da escritura e de florescimento de ciências e artes,
são, geralmente chamadas civilizações.
3.2. O Mundo moderno: as sociedades industrializadas
O que é que destruiu as formas de sociedades que tinham dominado a história há dois
séculos? A resposta, em uma palavra, é a industrialização, isto é, o acontecimento da produção
19
mecanizada e alimentada da riqueza energética inanimada, como o vapor e a electricidade. Um
aspecto distintivo das sociedades industrializadas consiste no facto de que a grande maioria da
população activa desenvolve um trabalho extra-agrícola. Por outro, a seguir ao processo de
urbanização, mais de 90% da população vive em grandes e pequenas cidades, onde se encontra
maior oferta de trabalho e se criam continuamente novas possibilidades de ocupação. A vida social
se torna cada vez mais impessoal e anónima que no passado, pois que muitos contactos quotidianos
advêm entre estrangeiros do que entre sujeitos ligados pelas relações de conhecimento pessoal. As
grandes organizações, como as empresas produtivas e as instituições estatais chegam, praticamente,
a influenciar a vida de todos.
Uma outra característica tem a ver com o sistema político, que resulta muito mais
desenvolvido e complexo das formas de governo adoptadas das sociedades tradicionais, onde as
autoridades políticas (o rei e o imperador) tinham pouca influência directa sobre os costumes e
hábitos da maior parte dos indivíduos, que viviam nas aldeias isoladas relativamente autónomas.
Com a industrialização os transportes e as comunicações são cada vez mais rápidos, tornando
possível uma comunidade «nacional» mais integrada. As sociedades industrializadas foram os
primeiros estados nacionais da história. Os estados nacionais são comunidades políticas separadas
pelos confins claramente definidos, mas do que de confusas zonas de fronteiras, como acontecia
entre estados tradicionais. Nas sociedades nacionais os governos dispõem de vastos poderes sobre
muitos aspectos da vida dos cidadãos, pois que emanam leis vinculadas para todos que vivem
dentro dos confins nacionais.
3.3. O desenvolvimento global
Aqui interessa sublinhar a grande diferença entre os países do Primeiro Mundo, Segundo e
Terceiro Mundo, em via de desenvolvimento e países de nova industrialização, pois que é frequente
ouvir falar destas terminologias. Esta expressão foi originariamente concebida para designar o
contraste entre os três tipos principais de sociedades fundadas no século XX. As sociedades do
Primeiro Mundo eram e são aquelas industrializadas da Europa, da América Setentrional, a
Austrália e a Nova Zelândia, o Japão. Os do primeiro mundo têm economias de mercado e sistemas
políticos multipartidários. Os do Segundo Mundo eram aqueles comunistas da União Soviética e da
Europa Oriental, que tinham economias centralmente planificadas e concediam um papel muito
limitado à propriedade privada e à empresa económica competitiva. Eram, por outro, sistemas
políticos de partido único: o partido comunista controlava seja o estado como a economia.
Os países em via de desenvolvimento encontram-se em regiões que sofreram o domínio
colonial: Ásia, África, América do Sul. Os países em via de desenvolvimento são diferentes das
precedentes formas de sociedade tradicional. Os seus sistemas políticos são modelados sobre
aqueles nascidos nas sociedades ocidentais, isto é, são Estados-nação. Embora a maior parte da
20
população vive ainda nas áreas rurais, muitas destas sociedades experimentam um rápido processo
de urbanização ou até se quisermos utilizar a expressão de Mela (2007) “rururbanizaçao”. Por
quanto, a agricultura permanece a principal actividade económica, os produtos agrícolas são ora
destinados aos mercados mundiais, mais que ao consumo local.
Finalmente existem países de nova industrialização. O Terceiro Mundo não é uma realidade
unitária. Enquanto a maioria dos países que fazem partem permanece atrasada com relação àqueles
ocidentais e da Europa Oriental, alguns atingiram um processo de industrialização que lhes levou a
um crescimento económico sensacional nos últimos anos. São definidos países da nova
industrialização: entre eles o México e Brasil na América Centro-Meridional, Hong Kong, Coreia
do Sul, Singapura e Taiwan na Ásia Oriental, a China, a Índia, a Indonésia e a África do Sul. As
taxas de crescimento económico são sensivelmente superiores àquelas das economias ocidentais. Os
níveis de pobreza e as taxas de mortalidade infantil baixaram e a esperança de vida aumentou.
4. Mudanças Sociais
Em termos gerais a mudança social pode ser definida como a transformação dos modelos de
organização social. Hoje, mas do que nunca, esta transformação é muito rápida. É fenómeno
universal, mesmo se pode proceder a velocidades diversas. De facto, são bem poucas, as sociedades
que não estão a ser atingidas da influência tecnológica, económica ou política da industrialização,
que constituem as causas da mudança social.
4.1. Factores de Mudanças
Factores ambientais: as calamidades naturais – inundações, erupções, vulcões, terramotos o
terramotos, secas ou estiagens – podem modificar radicalmente as estruturas sociais, em caso
extremos, podem levar ao desaparecimento das sociedades.
Factores Políticos. Um outro factor que influencia, em medida considerável a mudança
social, é o tipo de organização política. A existência de instituições políticas autónomas – chefes,
senhores, monarquias, governos – tem um grande impacto sobre o processo de desenvolvimento
social.
Progresso tecnológico. Uma invenção pode criar profundas mudanças sociais. O automóvel
teve nas sociedades industriais um impacto enorme: mudou o rosto das cidades e transformou
inteiros sectores produtivos, como aqueles de aço, da borracha e do petróleo; a indústria automóvel
consumiu quantidades não credíveis de riquezas naturais. Mudanças radicais surgiram, sobretudo,
com a introdução de novas tecnologias agrícolas (como aradura= terra arada por uma junta de bois,
num dia mecânica), máquinas (como o tear mecânico), fontes de energia (como o vapor ou
electricidade), fármacos (como os antibióticos), instrumentos de comunicação (como a imprensa, a
televisão e a internet).

21
Inovação cultural. Também o desenvolvimento de novos conhecimentos, ideias, valores e
outras expressões culturais pode modificar a sociedade. O desenvolvimento dos conhecimentos
científicos está na base das novas tecnologias, que, por sua volta, podem exercitar uma influência
profunda sobre a organização social. Os progressos feitos no campo da Física no início do Séc.
XIX, por exemplo, tornaram possível a sucessiva invenção do telégrafo e do telefone, assim como –
mais recentemente – o desenvolvimento da electrónica levou a extraordinária difusão do
computador, que tanto profundamente mudou a vida social.
A mudança social pode ser também produto da introdução de novas ideias, como no caso do
Iluminismo, ou novos valores, como mostrou Max Weber evidenciando a influência da Ética
Protestante sobre as origens do capitalismo.
Movimentos Socias. Também os movimentos sociais podem ser uma grande força de
mudança: basta pensar a influência profunda que exercitaram sobre a inteira sociedade o
movimento operário e aqueles para abolição da escravatura, o sufrágio universal, os direitos civis, a
emancipação da mulher, a primavera árabe.

4.2. A Mudança na Época Moderna


Nas décadas sucessivas à Segunda Grande Guerra Mundial a maioria dos sociólogos que
estudaram a mudança social concentrou a própria atenção sobre o processo de modernização. Este
termo descreve um conjunto complexo de transformações que se verificam em uma sociedade
tradicional quando inicia o processo de industrialização. A modernização comporta uma
mudança profunda da economia, da política, da educação, das tradições, da religião; alguns destes
sub-sistemas mudam antes dos outros, mas todos – num modo ou noutro – são investidos deste
processo. Uma das forças principais que em muitos países acelerou o processo de modernização foi
a queda dos impérios coloniais do XVIII e XIX, que permitiu as colonias tornarem-se politicamente
independentes.
Os estudiosos da modernização identificaram algumas transformações presentes na maior
parte dos processos de modernização:
A cultivação da terra passa da agricultura de subsistência sobre pequenas parcelas à
agricultura de mercado sobre escala mais ampla, ao qual é associado o recurso ao trabalho do
assalariado rural.
A manufactura passa do uso de riquezas energéticas humanas a produção mecanizada.
A organização das sociedades não gira mais à volta a comunidade rural centrada sobre quinta
e aldeias, mas – através um processo de crescente urbanização – encontra o seu novo centro de
gravitação na cidade.

22
As religiões tradicionais tendem a perder influência, insidiadas de potentes ideologias laicas
como o nacionalismo.
Também a instituição familiar muda em muitos modos: a família extensa vem substituída pela
família nuclear; a família deixa de ser unidade de produção económica para se transformar em
unidade de consumo; o matrimónio não se baseia sobre a imposição familiar, mas sim sobre escolha
pessoal do partner.
No sector educativo a educação privada de elite vem substituída sempre mais largamente
pelas instituições educativas formais e públicas.
A circulação tradicional das informações, confiada a canais de comunicação pessoais e locais,
torna-se em meios de comunicação de massa.

23
CAPÍTULO III: INTERACÇÃO E VIDA QUOTIDIANA
1. Premissa
Cada um de nós já teve um ou várias ocasiões de falar com uma pessoa proveniente de um
outro País; já esteve conectado a um Site Web para além do Oceano; já esteve em outra parte do
mundo. Estas experiências reflectem os efeitos da globalização sobre a Interacção Social. Chama-
se, neste caso, processo de acção e reacção na relação com os outros sujeitos sociais. Se é verdade
que existiram interacções entre indivíduos de diversas nações, a globalização mudou seja a
frequência que a natureza de tais contactos. Com a globalização uma parte significativa daquelas
interacções que há um tempo aconteciam ao nível quase exclusivamente local termina por envolver,
directa ou indirectamente, pessoas de outros países ou culturas.

2. O Estudo da Vida Quotidiana


Hoje fazemos uma série inumerável de coisas sem pensar. Tomemos o exemplo muito
simples de uma interacção que se verifica milhões de voltas ao dia nas grandes e pequenas cidades
de todo o mundo. Quando duas pessoas se cruzam, se olham rapidamente e depois desviam o olhar
estão a dar um exemplo daquilo a que Erving Goffman chamou de desatenção social ou
indiferença cortês, um comportamento que exigimos uns dos outros em muitas situações. A
indiferença cortês não é, de modo algum, o mesmo que ignorar a outra pessoa. Cada pessoa assinala
ao outro o reconhecimento da sua presença, mas evita qualquer gesto que possa ser entendido como
intromissão. A indiferença cortês em relação aos outros é algo que nos envolvemos de forma mais
ou menos inconsciente, mas que é de extrema importância para a existência da vida social. Deve
decorrer de forma eficaz e, mesmo quando ocorre entre gente completamente estranha, sem medo.
Quando a indiferença cortês tem lugar entre desconhecidos que se cruzam ao passar, um indivíduo
parte do princípio de que não tem razões para suspeitar das intenções do outro, para hostilizar ou
para de qualquer modo o evitar, seja de que maneira for.
Porquê estudar a vida quotidiana?
Por que razão devemos perder tempo com estes aspectos tão triviais do comportamento
social? Passar alguém na rua ou trocar algumas palavras com um amigo parece uma coisa menor e
desinteressante, algo que fazemos inúmeras vezes durante o dia sem termos consciência disso. De
facto, o estudo destas formas de interacção social, aparentemente insignificantes, é de extrema
importância para a Sociologia.
24
Existem três razões:
A primeira tem a ver com as rotinas do dia-a-dia, com as suas interacções constantes com
outras pessoas, dão forma e estrutura ao que fazemos; a segunda, o estudo da vida quotidiana é
revelador da forma como os seres humanos podem agir criativamente de modo a moldar a
realidade; a terceira, o estudo da vida quotidiana ou da interacção social ilumina a interpretação de
sistemas e instituições sociais mais amplos.

3. A Comunicação Não-verbal
A interacção social requer numerosas formas de comunicação não-verbal – a troca de
informação e sentido através da expressão facial, de gestos ou movimentos corporais. Chama-se,
por vezes a comunicação não-verbal linguagem corporal, mas esta expressão é enganadora, na
medida em que usamos tradicionalmente tais sinais não-verbais para eliminar ou expandir o que é
dito por palavras.
Um dos aspectos mais importantes da comunicação não-verbal reside na expressão facial da
emoção.
Quando comparada com a de outras espécies, a face humana dá a impressão de ser
extraordinariamente mais flexível e manipulável. Segundo o Sociólogo alemão Norbert Elias, o
estudo da face mostra a forma como os seres humanos, à semelhança de todas as outras espécies,
evoluíram ao longo dos tempos, mas também como se vieram sobrepor à base biológica, traços
culturais decorrentes do processo de desenvolvimento social.

4. As Normas Sociais da Interacção


Embora, usemos rotineiramente muitos sinais não-verbais no nosso comportamento, e
recorremos a eles para entender os outros, muita da nossa interacção é levada a cabo através da fala
– tricas ou futilidades verbais casuais – em conversas informais com os outros. Os sociólogos
sempre reconheceram que a linguagem é fundamental para a vida social. Contudo, foi recentemente
desenvolvida uma abordagem preocupada especificamente com a forma como as pessoas usam a
linguagem nos contextos normais da vida quotidiana.
A etnomedologia é o estudo dos etnométodos – os métodos populares ou não eruditos –
usados pelas pessoas para entender o que os outros fazem e, especialmente, aquilo que dizem.
Harold Garfinkel foi o primeiro a usar este termo.

4.1. A Compreensão Partilhada e Subentendidos


As formas mais inconscientes de conversa diária pressupõem um conhecimento complexo e
partilhado trazido a lume pelas partes envolvidas. De facto, as conversas de ocasião são de tal modo
25
complexas que até ao momento tem-se revelado ser impossível programar os computadores mais
sofisticados para conversarem com os seres humanos de modo convincente durante algum tempo.
As palavras que usamos em conversas banais nem sempre têm um sentido preciso e ajustamos o que
queremos dizer através de pressupostos implícitos e não-verbais que ajudam a conferir sentido.

5. Face, Corpo, Palavra na Interacção Social


A face, o corpo e a palavra são usados em combinação para comunicar certos significados e
esconder outros. Sem darmo-nos conta, cada um de nós tem contínua e rigidamente sob seu
controlo a expressão da face, a postura, e o intercâmbio verbal no curso das interacções quotidianas.
Em vista aos seus escopos nós organizamos também as nossas actividades nos contextos da vida
social.

5.1. Os Encontros
Em muitas situações sociais nos encontramos com outros, aquilo que Goffman chama de
interacção não focalizada. Essa, regulada da desatenção civil, verifica-se cada que vez que, em um
contexto, os indivíduos se limitam a mostrar recíproco conhecimento da presença de outrem. Isto
acontece por norma nas circunstâncias em que grande quantidade de pessoas se encontram juntas,
como numa estrada afolada, num teatro ou numa festa. Quando um indivíduo se encontra na
presença dos outros, entretém com eles, também sem falar, uma contínua comunicação não-verbal
através a mímica facial, os gestos e a postura.
A interacção focalizada, pelo contrário, verifica-se quando um indivíduo presta directamente
atenção aquilo que os outros dizem e fazem. Goffaman chama unidade de interacção focalizada
com o termo encontro e grande parte da nossa vida quotidiana é constituída de contínuos encontros
com outros indivíduos – familiares, amigos, colegas de trabalho – que geralmente têm um lugar
sobre o fundo de interacção não focalizada com outros sujeitos presentes sobra mesma cena.
Os encontros tomam necessariamente o princípio de uma abertura que assinala a
ultrapassagem da desatenção civil. Quando os estrangeiros se encontram e começam a falar, por
exemplo numa festa, o momento de renunciar a desatenção social é sempre arriscado, enquanto
podem facilmente verificar-se más intenções sobre a natureza do encontro que tem lugar.

5.2. Os Sinalizadores
No curso de uma jornada normal, cada um de nós se encontra e fala com muitos outros
sujeitos. Tomemos, por exemplo, uma mulher que se levanta, faz o pequeno-almoço com os
familiares e talvez acompanha as crianças a Escola, pára brevemente a trocar qualquer palavra
cordial com uma amiga à porta do edifício. Depois entra no carro para o trabalho, provavelmente
26
escutando a rádio. No curso da jornada laboral entra pois em relação com colegas e visitantes,
passando da conversa ocasional aos contactos formais. É provável que cada um destes encontros
seja colocado entre os sinalizadores, aqueles que Goffaman chama parênteses, capazes de
distinguir cada episódio de interacção focalizada daquela precedente e da interacção não focalizada
que se desenvolve sobre um fundo.

6. A Interacção no Tempo e no Espaço


Todas as interacções são situadas, desenvolvem-se, isto é, num lugar particular e têm uma
específica duração temporal. As nossas acções no curso de uma jornada tendem a ser retalhadas no
tempo como no espaço. Assim, por exemplo, aqueles que vão trabalhar passam um retalho –
digamos das 7 horas da manhã às 5 horas da tarde do próprio tempo quotidiano no local de trabalho.
Também o seu tempo semanal resulta retalhado: é provável que trabalhem nos dias de feriados e
passam em casa no final de semana, adoptando para o sábado e o domingo um diverso modelo de
actividade. A mudança no espaço é frequentemente associada aquele no tempo: uma pessoa que vai
ao trabalho emprega um certo tempo para andar de uma zona a outra da cidade ou da periferia ao
centro. Isto faz que as mudanças no espaço e no tempo podem ser medidas uma nos termos da
outra: as distâncias, por exemplo, se encurtam se diminui o tempo necessário para percorre-las
graças a uma maior velocidade dos transportes. De facto, quando analisamos as interacções sociais
é útil ter em conta esta convergência espaço-temporal.
É possível compreender como as actividades sociais são organizadas no tempo e no espaço
garças ao conceito de regionalização, que se refere ao modo em que a vida social se coloca no
espaço-tempo. Façamos o exemplo da vida doméstica numa habitação privada. Uma casa moderna
é subdividida em quartos, corredores, etc. Estes diversos compartimentos ou espaços da casa são
separados não só no espaço, mas também no tempo: a sala de estar e cozinha são usadas
frequentemente durante a jornada, os dormitórios durante a noite. As interacções que se
desenvolvem nestas diversas regiões são delimitadas pelos confins sejam espaciais quanto
temporais.
Daí que é necessário que se faça a gestão do espaço e do tempo. A internet, por exemplo, é
um outro exemplo de como as formas da vida social sejam, estreitamente, ligadas a gestão do
espaço e do tempo. Esta mudança tecnológica, como outras, provocou uma reestruturação do espaço
fazendo que, sem abandonar a nossa poltrona, podemos interagir com pessoas que se encontram em
cada ângulo do mundo; mas também modificou a nossa percepção do tempo, expandindo e
facilitando grandemente as possibilidades de comunicação no tempo real. Há anos, quase cada tipo
de comunicação a distância exigia um certo tempo. Se se enviava uma carta ao exterior, passava
muito tempo porque era transportada via mar, via terra, via aérea até chegar ao destinatário.
27
Hoje se escrevem cartas, mas a comunicação instantânea se tornou fundamental para o nosso
mundo social. Sem esta as nossas vidas seriam quase inimagináveis. Somos habituados a ligar o
televisor para ouvir notícias, a telefonar ou a enviar uma mensagem electrónica a um amigo que
está longe, que seria difícil imaginar uma vida diversa.

CAPÍTULO IV: Género e Sexualidade


1. Premissa
O que é que significa ser homem e ser mulher? Podia-se pensar que ser homem ou mulher
dependa, em última instância, do sexo do corpo físico com o qual nascemos. Como muitas questões
interessam aos sociólogos, também aquelas de masculinidade e feminilidade não são facilmente
classificáveis. Alguns, por exemplo, sentem-se ser nascidos no corpo errado e procuram «repor no
lugar as coisas», mudando o sexo no curso da vida.
Para a maior parte de nós é impensável que um “ele” se transforme uma “ela”, já que as
diferenças sexuais têm uma grande influência sobre a nossa vida. Geralmente, não nos damos conta
nem menos, tão intimamente nos acompanham. Temo-las radicadas em nós desde os primeiros dias.
A nossa identidade de género, como as atitudes e as inclinações sexuais à esta, identidade, ligadas,
28
formam-se, assim, precocemente na vida que de adultos a consideramos descontada. Mas o género
não é simplesmente qualquer coisa que existe: todos nós, segundo alguns sociólogos, construímos o
género nas interacções sociais com os outros. Do tom de voz aos gestos, das posturas às normas de
comportamento, todos os aspectos da nossa existência são condicionados pelo género. Em mil
pequenas acções que cumprimos ou fazemos, em cada dia, reproduzimos socialmente – isto é,
construímos e reconstruímos – o género.
Não existe acordo entre os estudiosos sobre o grau em que as características biológicas inatas
têm um efeito durável sobre a identidade de género e sobre as actividades sexuais.

2. As diferenças de género

Interrogamo-nos, antes de tudo, sobre a origem das diferenças entre homens e mulheres. Para
explicar a formação das identidades de género e dos papéis sociais que sobre àquelas identidades se
fundam, foram adoptadas posições contrastantes. O debate se situa sobre a importância da
aprendizagem: alguns estudiosos põem o acento sobre as influências sociais na análise das
diferenças de género.
Antes de ilustrar estas posições contrastantes, ocorre fazer uma importante distinção entre o
sexo e o género. Em geral os sociólogos usam o termo sexo para se referir às diferenças anatómicas
e fisiológicas que caracterizam os corpos masculinos e femininos. O género, pelo contrário, diz
respeito às diferenças psicológicas, culturais e sociais entre homens e mulheres. O género é ligado
às noções socialmente construídas de masculinidade e feminilidade; não é necessariamente um
produto directo do sexo biológico. A distinção entre sexo e género é fundamental, pois que muitas
diferenças entre homens e mulheres não são de origem biológica.
As interpretações sociológicas das diferenças e das desigualdades de género alagaram-se
sobre a questão da relação entre sexo e género.
Seguidamente examinaremos três filões interpretativos.

2.1. A diferença natural: género e biologia

A ideia chave desta posição centra-se no facto de que a diferença natural entre homens e
mulheres funda-se sobre uma base biológica.
Assim, em que medida as diferenças de comportamento entre mulheres e homens devem-se
ao sexo mais do que ao género? Por outras palavras, em que medida estas são resultados de factores
biológicos? Alguns autores consideram que determinados aspectos da biologia humana –
cromossomas e outros factores genéticos, hormonas, dimensão do cérebro – comportam diferenças
inatas de comportamento entre homens e mulheres. Tais diferenças podem ser individualizadas
numa forma ou noutra em todas as culturas. Nota-se, com frequência, por exemplo, que quase em

29
todas as culturas, a participação à caça e à guerra é reservada ao homens do que às mulheres. Isto
demonstra seguramente, segundo estes estudiosos, que os homens possuem tendências agressivas
biologicamente fundadas, das quais as mulheres são privadas.
Outros não consideram esta argumentação convincente. O grau de agressividade dos homens
varia amplamente de cultura para cultura; paralelamente, em algumas culturas espera-se das
mulheres uma passividade ou uma gentileza maior que em outras. As teorias da diferença natural
baseiam-se sobre o comportamento animal, sustentam os críticos, mais que sobre evidências
antropológicas e históricas concernente são comportamento humano, que é variável no tempo e no
espaço. Por outro, o facto que certas características sejam universais não significa que devam ser de
origem biológica. Podem ser factores culturais de tipo muito geral a produzir tais características.
Enfim, a hipótese que sejam os factores biológicos a determinar os modelos de
comportamento masculinos e femininos não possa ser facilmente liquidada. As teorias segundo às
quais o ser humano conformar-se-iam a um conjunto de predisposição inata transcuram o papel
decisivo da interacção social na definição do comportamento humano.

2.2. A Socialização do género


Uma outra via que se pode percorrer para compreender as diferenças de género é aquela que
põe o acento sobre a socialização de género, ou até sobre a aprendizagem dos papéis de género
através agentes sociais como a família, a escola e os media. Esta posição ou visão distingue entre
sexo biológico e género social: uma criança nasce com o primeiro e desenvolve o segundo. Através
o contacto com diversos agentes de socialização, primários e secundários, as crianças interiorizam
gradualmente as normas e as expectativas sociais correspondentes ao próprio sexo. As diferenças de
género não são biologicamente determinadas, mas são produto cultural. Nesta perspectiva, as
desigualdades de género derivam do facto que homens e mulheres são socializados segundo papéis
diferenciados.
As teorias da socialização de género são vistas num ângulo funcionalista, para o qual crianças
aprendem os papéis sexuais e as identidades de género – masculinidade e feminilidade – que as
acompanha. Neste processo são guiadas de sanções positivas e negativas, que agem para
recompensar ou reprimir determinados comportamentos. O comportamento de uma criança do sexo
masculino, por exemplo, pode ser sancionado positivamente (que criança ou que menino corajoso)
ou então negativamente (o homem não chora ou não pode brincar com as meninas). Estes reforços
positivos e negativos ajudam as crianças de ambos os sexos a aprender e a conformar-se aos papéis
sexuais esperados. Se um indivíduo não desenvolve comportamentos de género que não
correspondem ao seu sexo biológico – quer dizer comportamentos desviantes – procura-se a
explicação numa socialização inadequada ou anómala.

30
Todavia, a socialização de género não é um processo intrinsecamente harmonioso. Na
realidade, os diversos agentes envolvidos – como a família, a escola e os coetâneos ou grupos de
pares – podem estar em contradição um com o outro. Por outro, as teorias da socialização ignoram a
capacidade dos indivíduos de repelir ou modificar as expectativas sociais ligadas aos papéis sexuais.
É importante também recordar que os seres humanos não são objectos passivos assumem sem
discussões a programação do género. Esses são agentes activos que criam e modificam os próprios
papéis e que as identidades de género são, efectivamente, o resultado de influências sociais. São
muitos canais através os quais a sociedade influencia sobre a identidade de género; também pais
empenhados a educar os filhos segundo modalidade «não sexista» podem encontrar difíceis para
combater os modelos de aprendizagem funcional de género. Estudos sobre interacções entre pais e
filhos, por exemplo, demonstraram peculiares diferenças no tratamento dos meninos e meninas
mesmo quando os pais crêem as próprias reacções sejam idênticas. Os jogos, os livros e os
programs televisivos com os quais as crianças entram em contacto tendem a enfatizar as diferenças
entre caracteres masculinos e femininos.

2.3. A construção social do género e do sexo


Nos últimos anos as teorias da socialização de género foram criticadas por um número
crescente de sociólogos. Mais do que conceber o sexo como qualquer coisa de biologicamente
determinado e o género como produto da aprendizagem cultural, esses, sociólogos, sustentam que
devemos considerar seja o sexo como o género construído socialmente. Não só o género, mais o
corpo humano é sujeito às forças sociais que o plasmam e o modificam em vários modos. Aos
nossos corpos podemos conferir significados que saem daqueles solidamente considerados naturais.
Os indivíduos podem escolher de construir e reconstruir o próprio corpo como melhor crêem:
pensamos ao exercício físico, as dietas, piercing, cirurgia plástica e operações de mudanças de sexo.
A tecnologia está a tornar indistintos os contornos do corpo físico. O corpo humano e a biologia não
são dados, mas submetidos ao agir humano e à escolha pessoal dentro de contextos sociais diversos.
Como vimos, na visão da socialização de género, a distinção biológica entre os sexos assume
uma elaboração cultural dentro da sociedade. Opondo-se à esta visão, a construção social do género
e do sexo estimula a ideia de qualquer fundamento biológico das identidades de género. Se as
diferenças sexuais condicionam as identidades de género é verdade, mas também pode ser o
contrário: as identidades de género contribuem a modelar as diferenças sexuais. Uma certa
concepção social de masculinidade, por exemplo, encorajaria os homens a cultivar uma específica
constituição física. Identidade de género e diferenças sexuais são inextrincavelmente (qualquer
coisa que não se pode desemaranhar) entrelaçadas dentro dos corpos humanos singulares.

31
3. Identidade de Género: duas teorias

Duas teorias que explicam, mais ou menos a formação da identidade do género, partem das
relações emotivas que intercorrem entre as crianças e aqueles que as tomam conta. Segundo estas
teorias, as diferenças de género formam-se «inconscientemente» durante os primeiros anos de vida,
mais do que resultarem de uma predisposição biológica.

3.1. A Teoria de Sigmund Freud

A teoria mais influente – e controversa – sobre o desenvolvimento da identidade de género é


talvez aquele de Freud. Segundo esta teoria, a aprendizagem das diferenças de género por parte das
crianças é concentrada sobre a presença ou ausência do órgão genital. «Eu tenho o órgão genital
masculino» equivale a dizer «eu sou um homem». Freud preocupa-se especificar que não se trata só
de diferenças anatómicas: a presença do órgão genital exprime simbolicamente a masculinidade e a
feminilidade.
A formação de identidade de género começou naquilo que Freud chama fase edípica, por
volta dos quatro anos ou cinco anos. Nesta fase são fundamentais para as crianças as relações com
os pais. A criança se sente ameaçada do facto de que o pai começa a exigir dele disciplina e
autonomia, subtraindo-o dos cuidados afectivos da mãe. Em parte conscientemente, mas por mais
inconscientemente, a criança vê o pai como rival na luta pelas atenções da mãe, até a desenvolver o
medo da castração da parte do pai. Isto leva a criança a aceitar a superioridade do pai, reprimindo a
alteração erótica infantil para a mãe; quando a criança consegue a identificar-se com o pai, assume
as atitudes agressivas típicas da identidade masculina. As raparigas, do seu lado, sofreriam pela
inveja do órgão genital masculino, enquanto privadas de um órgão visível que distingue os rapazes.
Isto leva a rapariga a desvalorizar a mãe, também ela privada de um órgão genital masculino e
incapaz de procurar um; quando a criança consegue identificar-se com a mãe, assume as atitudes
submissas ou condescendentes típicas da identidade feminina.
Com a conclusão da fase edípica, a criança aprendeu a reprimir as próprias pulsões eróticas. A
fase que vai dos cincos anos à puberdade, segundo Freud é um período de latência: a actividade
tende a ser suspensa até que as transformações biológicas da puberdade reativam em modo directo
as necessidades eróticas. Se na fase edípica eram fundamentais, para as crianças, as relações com os
pais, no período de latência, que cobre a fase inicial e central do período escolar, são muito
importante as relações internas ao grupo de pares homogéneo por sexo.
O ponto de vista de Freud levantou notáveis objecções, sobretudo por parte das estudiosas
feministas.

32
Em primeiro lugar, Freud tende a identificar muito estreitamente a identidade de género com
o problema dos órgãos genitais, quando pelo contrário, estão seguramente em jogo outros e mais
subtis factores.

Em segundo lugar, a teoria de Freud parece depender da ideia que o órgão genital masculino
seja superior ao órgão genital feminino, pensado simplesmente como ausência do órgão masculino.
Porquê não considerar os órgãos genitais femininos superiores àqueles masculinos?
Em terceiro lugar, Freud considera o pai como a principal fonte de autoridade, enquanto em
muitas culturas é a mãe que desenvolve o papel mais importante na imposição da disciplina.
Em quarto lugar, Freud considera que a aprendizagem das diferenças de género seja
concentrada aproximadamente à idade de quatro ou cinco anos. A maior parte dos autores
sucessivos, entre os quais alguns fortemente influenciados pelo mesmo Freud, sublinhou a
importância de uma aprendizagem muito precoce que começa na primeiríssima infância.
3.2. A teoria de Nancy Chodorow
Muitos autores serviram-se das ideias de Freud para estudar o desenvolvimento do género,
mas modificaram alguns aspectos fundamentais. Um exemplo de grande respeito neste sentido é
dado pelo trabalho de Nancy Chodorw (1978).
Deixando Freud, ela concorda com outros estudiosos da psicanálise sobre o facto que a
formação da identidade de género é uma experiência muito precoce; por outro, com relação a Freud,
ela atribui muito mais importância à mãe que ao pai. As crianças tendem a instaurar uma relação de
envolvimento emotivo com a mãe, que representa seguramente a influência dominante nas fases
iniciais da vida.
A percepção de ser masculino ou feminino deriva, logo, para Chodorow, do apego da criança
à mãe. Para poder adquirir um sentido de si, a um certo ponto tal apego deve ser rompido.
Chodorow sustenta que esta rotura acontece em modo diverso nos rapazes e nas raparigas. À
diferença dos primeiros, as segundas permanecem mais vizinhas à mãe e podem, por exemplo,
continuar a abraça-la, beijá-la e imitá-la naquilo que faz. Não sendo uma separação pura da mãe, a
criança, e mais tarde mulher adulta, tem um sentido de si menos separado dos outros. A sua
identidade tem maiores probabilidades de permanecer fundida com, ou dependente da, aquela de
um outro: antes a mãe, pois um homem. Na perspectiva de Chodorow isto tende a produzir nas
mulheres sensibilidade e participação emotiva.
As crianças do sexo masculino adquirem o sentido de si em seguida a uma rejeição radical da
originária vizinhança à mãe, redescobrindo a própria compreensão da masculinidade daquilo que
não é feminino. Essas devem aprender a não ser efeminados ou «olhos de mamã». Resulta que as
crianças do sexo masculino são muito capazes de entreter relações de intimidade com os outros e
33
desenvolvem uma visão mais analítica do mundo. A sua abordagem à vida é mais activa e
concentrada sobre prestação; retomaram a capacidade de compreender os próprios sentimentos e
aqueles de outros.
Aqui Chodorow inverte numa certa medida a elaboração de Freud. É a masculinidade, mais
do que a feminilidade, a ser definida como perda, isto é, como privação do apego íntimo à mãe. A
identidade é o fruto da separação, assim que os homens, mais tarde no curso da vida, sentem-se em
perigo e permanecem envolvidos numa relação íntima com os outros. As mulheres, pelo contrário,
têm sentimentos opostos: a ausência de uma relação estreita com a outra pessoa faz perder a sua
estima de si. Estes modelos transmitem-se de geração a geração, em virtude do papel primário
desenvolvido pela mulher na socialização precoce da criança. As mulheres exprimem e definem-se
em si mesmas principalmente em termos de relações. Os homens exprimem estas necessidades e
assumem uma atitude mais instrumental nos confrontos do mundo.
O trabalho de Chodorow suscitou várias críticas. Sustentou-se, por exemplo, que essa não
explica a luta das mulheres – particularmente nos tempos recentes – para conquistar a própria
autonomia e independência; que as mulheres (e os homens) têm uma constituição psicológica muito
mais híbrida e contraditória daquela que resulta da teoria de Chodorow; que a feminilidade pode
esconder sentimentos de agressividade e auto-afirmação em grau de manifestar-se só indirectamente
ou em determinados contextos.
Não obstante, a estas críticas, o seu contributo permanece importante. Explica, assim, a
natureza feminina e ajuda a compreender as origens daquilo que os psicólogos têm chamado de
inexpressividade masculina, isto é, a dificuldade dos homens a manifestar os seus próprios
sentimentos.
4. Interpretações da desigualdade de género
As desigualdades de género são raramente neutrais e em quase todas as sociedades
comportam significativas desigualdades sociais. O género é um factor crucial no determinar as
chances da vida que se oferecem a indivíduos e grupos, e influencia, em maneira substancial os
papéis que esses desenvolvem dentro das instituições sociais, da família ao estado. Mesmo se os
papéis de homens e mulheres sejam variáveis de cultura para cultura, não existe sociedade alguma
conhecida na qual as mulheres tenham maior poder que os homens. Os papéis masculinos são, em
geral, mais importantes, reputados e premiados em relação aos papéis femininos: em quase todas as
culturas às mulheres confiam-se os trabalhos domésticos e o cuidado dos filhos, porquanto os
homens têm a responsabilidade de prover o mantimento da família. Esta divisão sexual do trabalho
tem feito que homens e mulheres atinjam posições desiguais em termos de poderes, prestigio e
riqueza.

34
Os autores que defendem o pensamento da «diferença natural» tendem a afirmar que a divisão
sexual do trabalho é baseada sobre factores biológicos: homens e mulheres desenvolvem as tarefas
para as quais são biologicamente melhores preparados. O antropólogo Georg Murdock, por
exemplo, considerava positivo e oportuno que as mulheres se dedicassem aos trabalhos domésticos
e às responsabilidades familiares, enquanto os homens desenvolvessem as actividades extra-
domésticas.
Hoje estas posições têm tomado uma determinada aceitação aos processos de emancipação
feminina em todo mundo. As diferenças de género, todavia, permanecem uma fonte de
desigualdades sociais.
4.1. Teoria Funcionalista
A teoria funcionalista considera a sociedade como um sistema de partes reciprocamente
coligadas que, em condições de equilíbrio, cooperam harmonicamente para produzir coesão social.
A aplicação da perspectiva funcionalista, ou de derivação funcionalista, ao estudo do género se
traduz na tentativa de demonstrar que as diferenças de género contribuem à estabilidade e à
integração social. Estas ideias gozaram a um tempo de vastos consensos, mas em seguida foram
fortemente criticadas porque desvalorizam as tensões sociais a toda vantagem do consenso e porque
propagavam uma visão conservadora do mundo.
Parsons, exponente notável da escola funcionalista, dedicou-se sobre o papel da família na
sociedade industrial. O seu objecto principal de interesse era a socialização das crianças, cujo
sucesso dependia, na sua visão, do suporte de uma família estável. Segundo ele, a família é um
agente de socialização eficiente se existe uma clara divisão sexual do trabalho para o qual as
mulheres desenvolvem os papéis expressivos, garantindo segurança aos filhos e oferecendo a eles
sustento emotivo, enquanto os homens desenvolvem os papéis instrumentais, isto é, provendo o
sustentamento da família.
John Bowlby (1969) põe em evidência como a criança seja biologicamente predisposta a
interagir com o ambiente social. A sua tendência ao apego representaria uma forma de defesa que
permite ao neo-nato de sobreviver, procurando e mantendo a vizinhança física de um adulto. Em
relação a tudo isto, segundo uma óptica socioconstrucionista, mãe e filho desde o início são
empenhados na construção de um discurso comum, no qual cada um interpela o outro atendendo à
uma sua resposta. Neste modo, desde o nascimento, a criança é socialmente activa e competente a
suscitar uma resposta às suas próprias necessidades e a mãe (figura principal de apego) é dotada,
por sua vez, da natureza da capacidade de entrar em sintonia com a criança, oferecendo respostas e
estímulos adequados às suas necessidades. Para ele a mãe desenvolve um papel crucial na
socialização primária dos filhos. Se a mãe está ausente ou se um filho vem separado precocemente
da mãe, cria-se uma situação de privação materna para a qual a socialização do filho arrisca
35
seriamente de ser inadequada; isto pode produzir sérias dificuldades sociais e psicológicas no curso
da vida não excluindo tendências anti-sociais e psicopáticas.
Observações críticas: o conceito de expressividade feminina elaborado por Parsons foi
criticado pelas feministas e sociólogos, que o consideram uma justificação da posição subordinada
reservada às mulheres dentro da família. Nada considera que a presença da figura expressiva
feminina seja indispensável para o funcionamento da família: trata-se mais de um papel que, em
grande medida, vem promovido em função da conveniência masculina.
4.2. Visão Feminista
O movimento feminista produziu uma série de contributos teóricos que tentam explicar as
desigualdades de género e de formular programas para a sua superação. As teorias feministas sobre
o género são diversas e em forte contradição entre elas. As várias escolas feministas procuram
explicar as desigualdades de género fazendo apelo à uma multiplicidade de fenómenos sociais como
o sexismo, o patriarcado, o capitalismo e o racismo. Consideremos, em seguida alguns filões de
pensamento feminista:
O feminismo liberal: à diferença das feministas radicais, aquelas liberais não consideram a
subordinação feminina como um produto de um sistema complexo. Essas dão atenção sobre
factores singulares que contribuem às desigualdades entre homens e mulheres, por exemplo, o
sexismo ou a discriminação contra às mulheres no trabalho, na escola e nos meios de comunicação
social. Esta teoria concentra-se sobre a defesa e promoção de oportunidades iguais através dos
instrumentos legislativos ou democráticos, como igual salário e as normas anti-descriminais.
O feminismo radical: a ideia desta teoria é que os homens são responsáveis pela exploração
das mulheres e delas tiram benefícios. A análise do poder patriarcal – a dominação sistemática das
mulheres por parte dos homens é considerado um fenómeno universal, presente em todas épocas e
em todas as culturas. As feministas, geralmente, concentram-se, nas suas discussões, sobre a família
como uma das principais fontes da opressão das mulheres na sociedade, sustentando que os homens
exploram as mulheres aproveitando do seu trabalho doméstico gratuito. Como grupo, os homens
negam às mulheres a possibilidade de ascende às posições sociais de poder e de influência.
Shulamith Firestone, uma das pioneiras do pensamento feminista, afirma que os homens
controlam papéis das mulheres na reprodução e na criação dos filhos. Dado que as mulheres serem
biologicamente capazes de dar à luz, tornando-se materialmente dependentes dos homens para fins
de protecção e subsistência.
Outras feministas radicais salientam a importância da violência masculina sobre as mulheres
como um aspecto crucial na supremacia masculina. Nesta perspectiva, a violência doméstica, a
violação e o assédio sexual são parte de uma opressão sistemática das mulheres, e não casos
isolados com as suas consequências próprias causas psicológicas ou criminais. Até as interacções
36
quotidianas – como a comunicação não-verbal, os padrões de interrupção e atenção dada ao
discurso, e o bem-estar das mulheres em público – contribuem para a desigualdade de género. Alem
disso, os homens impõem às mulheres conceitos correntes de beleza e de sexualidade, de forma a
criar um determinado tipo de feminilidade. As normas sociais e culturais que realçam um corpo
delgado/esbelto e uma atitude carinhosa para com os homens, por exemplo, ajudam a perpetuar a
subordinação das mulheres.
O feminismo negro: será que as versões do feminismo descritas anteriormente se aplicam da
mesma forma às experiências das mulheres brancas e não brancas? Muitas feministas negras, e
feministas de países em desenvolvimento, garantem que não. Afirmam que as principais correntes
de pensamento feministas não tornam em consideração as distinções étnicas entre as mulheres,
estando orientadas para os dilemas das mulheres brancas que pertencem predominantemente à
classe média nas sociedades industrializadas. Na sua opinião, não é válido generalizar teorias da
subordinação de todas as mulheres a partir da experiência de um grupo específico de mulheres.
Além disso, a ideia de uma forma unificada da opressão de género vivida de igual forma por todas
as mulheres é problemática.
Enfim, as feministas negras tendem a dar ênfase à vertente histórica, isto é, os aspectos do
passado estão na base dos problemas actuais enfrentados pelas mulheres negras. Por outro, qualquer
teoria sobre a igualdade de género que não tome em consideração o racismo não poderá explicar a
opressão das mulheres negras de forma adequada.
O feminismo pós-moderno: coloca em causa a ideia da existência de uma base unitária de
identidade e de experiência partilhada por todas as mulheres. Esta corrente inspira-se nas artes, na
arquitectura, na filosofia e na economia. Destacam-se feministas pós-modernas europeias como
Derrida, Lacan e de Beauvoir. Rejeitam o argumento de que existe uma grande teoria que possa
explicar a posição das mulheres na sociedade, ou uma essência ou categoria única e universal da
mulher e, por conseguinte, as explicações da desigualdade de género – como o patriarcado, a raça
ou a classe social – como essencialistas. Incentiva a aceitar que muitos pontos de vista diferentes
podem ter a mesma validade. Em vez de existir um núcleo central da feminilidade, verifica-se que
há muitos indivíduos e grupos todos com experiências diferentes (heterossexuais, lésbicas, mulheres
negras, mulheres proletárias).
5. A Homossexualidade
A homossexualidade quer dizer a orientação do interesse sexual ou afectivo para indivíduos
do mesmo sexo, existe em todas as culturas. Existem culturas não ocidentais nas quais a
homossexualidade vem tolerada e por isso encorajada, mesmo que seja só dentro de alguns grupos
sociais. Entre os habitantes de East Bay, uma aldeia de Melanésia (uma das três grandes divisões da
Oceânia, de que fazem parte as ilhas da Nova Guiné) a homossexualidade é tolerada, mas só aquela
37
masculina. Antes do matrimónio, no período em que no alojamento dos homens, os jovens praticam
a masturbação recíproca anal. Relações homossexuais acontecem, porém, antes e depois da idade
habitual. Todos os tipos de relações homossexuais são plenamente aceites e discutidos abertamente.
Muitos homens casados são bissexuais e mantêm relações com rapazes e levando uma vida sexual
activa com as suas mulheres. A homossexualidade sem interesse para as relações heterossexuais
parece geralmente desconhecida nesta cultura. Em muitas sociedades, pelo contrário, a
homossexualidade não é aceite em modo assim aberto. No mundo ocidental a ideia prevalente de
homossexual é aquela de um indivíduo completamente diferente, por causa dos seus gostos sexuais,
da maioria da população.
Nos seus estudos sobre a sexualidade, Michel Foucault demonstrou que antes do século
XVIII o conceito de homossexualidade era praticamente inexistente. A Sodoma era condenada
pelas autoridades eclesiásticas e pela lei; em diversos países da Europa era punida com a pena de
morte. Todavia não era considerada um ilícito especificamente homossexual: referia-se, mas do que
relações entre homens, também aquelas entre homens e mulheres como entre homens e animais. O
termo homossexual foi cunhado nos anos 60 do século XVIII e a partir dali os homossexuais foram
considerados uma categoria distinta de pessoas com uma particular aberração sexual. A
homossexualidade vem medicada: era concebida em termos clínicos como distúrbio psiquiátrico, e
até como “pecado” no sentido religioso. Os homossexuais assim como outros desviantes eram
considerados afectados por uma patologia biológica perigosa para a saúde da sociedade na sua
globalidade.
A homossexualidade como estilo de vida tem a ver com aqueles indivíduos que saíram ao
descoberto e fizeram da relação colectiva com outros que partilham os mesmos gostos sexuais, um
aspecto fundamental da própria existência. Estes indivíduos pertencem, em geral, às subculturas
gay, nas quais as actividades homossexuais entram num específico estilo de vida. Tais comunidades
oferecem a possibilidade de empreender a estrada da acção política para sustentar os seus direitos e
os interesses dos homossexuais. A quota da população que teve uma experiência homossexual, ou
que provou fortes inclinações para a homossexualidade é muito mais ampla daquela que conduz ou
leva um estilo de vida abertamente gay (alegre).
O lesbianismo: a homossexualidade masculina tende a suscitar mais atenção que o
lesbianismo, a relação homossexual – sentimental ou físico – entre mulheres. Os grupos lésbicos
têm solidamente uma organização menos estruturada das subculturas gay e são caracterizadas de
uma menor propensão para as relações casuais. Nas campanhas para os direitos dos homossexuais,
os grupos activistas lésbicos são tratados como se tivessem os mesmos interesses das organizações
masculinas. É verdade que, geralmente existe uma estreita colaboração entre homossexuais
masculinos e lésbicas, mas existem também diferenças, em particular se as lésbicas são activamente
38
empenhadas no feminismo. Segundo as lésbicas, o movimento de libertação gay persegue interesses
masculinos, enquanto as feministas progressistas e radicais tomam conta exclusivamente das
mulheres heterossexuais das classes médias. Afirmou-se, portanto, uma corrente do feminismo
lésbico que promove a difusão dos valores femininos. Muitas mulheres gays olham no lesbianismo
não tanto uma orientação sexual, mas sim um empenho de solidariedade – pessoal, social e política
– para com as mulheres.
As atitudes para a homossexualidade. No passado as atitudes de intolerância para a
homossexualidade eram assim fortes que só nos anos recentes foram quase eliminados alguns mitos
que sustentavam o argumento. A homossexualidade não é uma doença e não é associada a mesma
forma de distúrbio psíquico. Os homossexuais masculinos não pertencem a nenhuma categoria
profissional particular como os cabeleireiros ou os artistas. A intolerância para a diversidade sexual
pode assumir várias formas e graduações: o termo heterossexismo designa o fenómeno para o qual
os indivíduos não heterossexuais (gay, lésbicas, bissexuais) são classificados e discriminados sobre
a base da sua orientação sexual; a homofobia é uma atitude de medo e desprezo nos confrontos com
os homossexuais. Nos últimos anos a atitude para a homossexualidade mudou profundamente nos
países da Europa Ocidental. Em qualquer lugar a tolerância nas relações daqueles que se declaram
gays ou lésbicas cresceu.
A luta pelos direitos e o reconhecimento jurídico: a homossexualidade, para todos os
efeitos foi normalizada em muitos países e se tornou um elemento aceite da vida social quotidiana.
Diversos países promulgaram leis de protecção dos direitos homossexuais. Aprovando em 1996 a
nova constituição, a África do Sul se tornou um dos poucos países a garantir constitucionalmente
tais direitos. As conivências entre homossexuais juridicamente reconhecidas assumem a forma de
uniões civis ou pactos civis de solidariedade que se diferenciam dos matrimónios verdadeiros e
próprios porque reguladas de normas específicas que têm a ver com as uniões de facto (formados
não só de homossexuais, mas também de heterossexuais que não querem recorrer ao instituto do
matrimónio).

6. A Prostituição
A prostituição pode ser definida como a concessão de prestações sexuais em troca de uma
recompensa económica. O termo prostituta entrou no uso comum no século XVII. Antes disto as
prestações sexuais trocadas com recompensas materiais de vário tipo eram confiadas para as damas
da Corte, concubinas ou no mundo antigas escravas. As damas da Corte e as concubinas ocupam
uma posição elevada nas sociedades tradicionais.

39
O aspecto mais característico da prostituição moderna reside no anonimato, isto é, no facto de
que por norma a mulher e o seu cliente não se conhecem. Se bem que os homens podem se tornar
em clientes habituais, inicialmente a relação não se estabelece sobre a base de um conhecimento
pessoal. A prostituição moderna é directamente ligada ao desmoronamento das pequenas
comunidades, ao desenvolvimento das grandes áreas urbanas e à comercialização das relações
sociais.
6.1. A prostituição hoje
O empenho ocupacional é dado pela frequência com uma mulher que se prostitui: muitas a
fazem só temporariamente, antes de abandonar a prostituição por longo tempo ou para sempre; as
prostitutas ocasionais, pelo contrário, fazem-na geralmente, mas irregularmente, para integrar o
rendimento obtido de outras fontes; existem, enfim, aquelas que praticam a prostituição no modo
continuativo, enquanto representa a sua principal fonte de ganho pão.
O contexto ocupacional indica o tipo de ambiente laboral e de processo interactivo que
caracteriza a actividade de uma prostituta: a prostituta apanha os clientes pela estrada; a call-girl
serve-se do telefone para entrar em contacto com homens que depois chega à casa deles ou recebe
na sua própria casa; a prostituta de casa é aquela que trabalha numa night club ou num bordel (casa
de prostituição); a massagista fornece as próprias prestações sexuais num ambiente que
teoricamente oferece normais massagens e outras curas.
Muitas mulheres praticam também uma forma de prostituição baseada sobre permutação
sexual, isto é, sobre pagamentos em meios ou outros serviços mais do que em dinheiro.
Nos países ocidentais e norte-americanos podemos distinguir quatro diversos tipos de
políticas no tocante à prostituição:
A regulação permite o exercício da prostituição, mas confinando-a nos bordéis (casa de
prostituição) ou nas casas fechadas, mas condena moralmente a prostituição;
Abolicionismo (no sentido contrário) permite o exercício da prostituição e não a condena
moralmente;
O proibicionismo que proíbe a prostituição e condena-a moralmente;
A criminalização do cliente (aplicada até então na Suíça a partir de 1999) proíbe a
prostituição, mas age punindo o cliente mais do que a prostituta.

6.2. A prostituição de menores e a “indústria do sexo global”


A prostituição envolve frequentemente também menores de idade. Geralmente são meninas
que se escaparam das suas casas, que não havendo alguma fonte de rendimento, prostituem-se para
ganhar a vida. Em tal caso a prostituição é, em grande parte, a consequência não intencional das leis
40
contra o trabalho de menores, mas nem todas as raparigas que se prostituem entram neste perfil. É
possível distingui-las em três grandes categorias:
As fugitivas que se escapam de casa e não são mais encontradas pelos pais ou que fogem
novamente quando são encontradas e levadas para casa;
As pendulares (que vivem na periferia da cidade, mas que a fazem na cidade), que vivem
predominantemente em casa mas transcorrem fora períodos de tempo mais ou menos longos, por
exemplo, ficando na rua por algumas noites de quanto em quanto;
Os abandonados, que são tratados com indiferença ou até expulsos pelos pais.
Todas as três categorias compreendem, seja os rapazes como as raparigas.
6.3. Explicações da Prostituição
Porque é que existe a prostituição? Trata-se certamente de um fenómeno persistente, não
obstante as tentativas de erradicar entre muitos governos. Trata-se por outro, quase sempre de
mulheres que vendem prestações sexuais aos homens, embora existem casos de prazer que
oferecem às mulheres prestações sexuais masculinas. Existem pois, obviamente, homens e rapazes
que se prostituem com outros homens.
Não existe um factor único em grau de explicar a prostituição. Alguns consideram que as
necessidades sexuais masculinas sejam mais fortes ou mais persistentes daquelas femininas e
tenham, por isso necessidade de satisfação fornecida pelas prostitutas. Mas não é uma explicação
plausível. Muitas mulheres parecem ser capazes de desenvolver a própria sexualidade em modo
mais intenso com relação aos coetâneos masculinos. Se a prostituição existisse simplesmente para
satisfazer as necessidades sexuais, haveria, seguramente muitos homens prontos a prostituir-se com
as mulheres.
A conclusão geral mais convincente é aquela segundo a qual a prostituição exprime, e numa
certa medida contribui a perpetuar a tendência masculina a tratar as mulheres como objectos a
escopo sexual; é um aspecto do sistema de relações patriarcais, que reproduz num particular
contexto as desigualdades de poder entre homens e mulheres. Obviamente estão em jogo também
muitos outros elementos. A prostituição oferece a possibilidade de satisfazer as necessidades
sexuais às pessoas que, por problemas físicos ou pela existência de códigos morais restritos não são
em grau de encontrar um partner sexual. As prostitutas dirigem-se aos homens que são distantes de
casa, que desejam encontros sexuais sem empenho ou que têm gostos sexuais inabituais, rejeitados
pelas mulheres. Todos estes factores influenciam em modo relevante sobre a difusão do fenómeno,
não sobre a sua natureza.

41
CAPÍTULO V- AS FAMÍLIAS
Nos últimos anos as sociedades ocidentais assistiram a uma mudança ou transformação dos
modelos familiares inimagináveis para as gerações precedentes. Um aspecto quotidiano da nossa
época é, enfim, a grande variedade de tipos de famílias. A propensão ao matrimónio é inferior em
relação ao passado e as pessoas que se casam têm uma idade mais avançada. Aumenta cada vez
mais a taxa de divórcio e separações fazendo surgir o aumento, por outro, das famílias
monoparentais. As famílias reconstituídas formam-se depois de um novo matrimónio ou através de
uma nova relação que envolve filhos de uniões precedentes. Difunde-se a escolha da convivência
antes do matrimónio. Enfim, o universo da família parece muito diverso daquele de há 50 anos.
A mudança não tocou simplesmente a composição familiar. Entretanto, importantes são as
mudadas expectativas por aquilo que tem ver com as relações com os outros. O termo relação
aplicado à vida pessoal entra no uso comum no século XX junto à ideia da necessidade de
intimidade e empenho na vida pessoal.
Estas transformações não têm a ver simplesmente com os países industrializados, mas têm
lugar, mesmo se em maneira silenciosa, nas sociedades de todo o mundo. A erosão das formas
tradicionais da vida familiar – no Ocidente e no resto do mundo – é o reflexo do factor
globalização.
1. Conceitos Fundamentais
É necessário, acima de tudo, definir alguns conceitos de base, em particular aqueles de
família, parentela e casamento. Uma família é um grupo de pessoas directamente ligadas por
laços de parentesco, dentro dos quais os membros adultos têm a responsabilidade de sustentar as
crianças. Os laços de parentesco são relações fundadas sobre a descendência entre consanguíneos
(avôs, pais e filhos) ou sobre o casamento. O casamento pode ser definido como a união sexual
socialmente aceite e aprovada entre duas pessoas adultas. Quando duas pessoas se casam,
estabelecem entre elas um laço de parentesco; o vínculo matrimonial, por outro, envolve também
um grupo mais amplo de indivíduos. Mediante o casamento, os pais, os irmãos e todos os
consanguíneos de cada um dos dois cônjuges se torna parente do outro.
Em todas as sociedades podemos encontrar aquilo que os sociólogos e os antropólogos
chamam familiar nuclear: dois adultos que vivem juntos sob um mesmo teto com os próprios
filhos naturais ou adoptivos. Quando ao lado do casal e aos seus filhos vivem também sob o mesmo
teto outros parentes próximos, numa relação estreita e contínua, fala-se de família extensa. Essa
pode compreender avôs, irmãos com respectivas mulheres, irmãs com respectivos maridos, tios,
netos e sobrinhos.
Temos como formas de casamentos a monogamia, a poligamia (um homem com mais de
uma mulher). Existem dois tipos de poligamia: poliginia (que permite ao homem casar-se com mais
42
de uma mulher simultaneamente) e a poliandria (muito menos comum, que permite à mulher de ter
contemporaneamente dois ou mais maridos.
2. Interpretações Teóricas da Família
O estudo da família e da vida familiar foi abordado em maneira diversa pelos sociólogos de
diversas escolas. Muitas, destas perspectivas, adoptadas também há poucos anos parecem menos
convincentes à luz das investigações recentes e das importantes mudanças verificadas nas
sociedades.
Não obstante, é útil recordar ou percorrer de novo a evolução do pensamento sociológico,
antes de abordarmos as perspectivas contemporâneas do estudo sobre a família.
2.1. O Funcionalismo
O funcionalismo concebe a sociedade como um conjunto de instituições sociais que
desempenham funções especificamente orientadas a garantir a continuidade e o consenso. Segundo
esta visão, a família desenvolve tarefas importantes que contribuem à satisfação das necessidades
fundamentais da sociedade e preservação da ordem social. Os sociólogos que se colocam na
tradição funcionalista consideram que a família nuclear desenvolve determinados papéis
especializados nas sociedades modernas: com o advento da industrialização, a família perdeu
importância como unidade económica e se concentrou sobre a reprodução, a educação e
socialização da prole.
Segundo o sociólogo americano Talcott Parsons, as duas principais funções da família são a
socialização primária e a estabilidade da personalidade.
A socialização primária é o processo mediante o qual as crianças aprendem as normas
culturais da sociedade em que nasceram. Tudo o que acontece na primeira infância, a família
aparece como o âmbito mais importante para o desenvolvimento da personalidade humana.
A estabilidade da personalidade se refere ao papel desenvolvido pela família no
fornecimento do suporto emotivo aos seus membros. Nas sociedades industriais o papel da
estabilidade da personalidade adulta é determinante, pois que a família nuclear separou-se do resto
dos parentes e não pode apoiar-se mais aos laços de parentela sobre os quais contavam as famílias
antes da industrialização.
Segundo Parsons a família nuclear é a estrutura melhor equipada para enfrentar as solicitações
da sociedade industrial. Neste tipo de família um adulto pode trabalhar fora de casa enquanto outro
se ocupa da casa e dos filhos. Esta especialização de papéis dentro da família nuclear comportava
no passado que o marido assumisse o pape instrumental (quem deve levar o dinheiro à casa e
sustenta a mulher), enquanto à mulher se atribuía o papel afectivo no contexto doméstico.
Hoje a concepção da família proposta por Parsons é evidentemente inadequada e antiquada.
As teorias funcionalistas da família foram alvo de muitas críticas porque justificam como qualquer
43
coisa de natural e indiscutível/incontestável/irrefutável a divisão de trabalho entre homem e mulher.
Todavia, tais teorias se tornam, de qualquer modo mais compreensíveis se são colocadas no seu
contexto histórico: depois da guerra, quando as mulheres retornavam aos seus tradicionais
papéisdomésticos e os homens recomeçavam a prover,sozinhos, o sustentamento da família depois
de parêntesis bélica. As críticas às concepções funcionalistas da família podem ser movidas também
sobre outras fontes. Enfatizando a importância da família no desenvolvimento de determinadas
funções, os teóricos funcionalistas desvalorizam o papel desenvolvido, na socialização das crianças,
por outras instituições sociais, como meios de comunicação social, a escola e até a creche.
2.2. Perspectiva/Visão Feminista
Para muitos a família é uma fonte vital de conforto e consolação, amore companhia. Todavia,
também pode ser lugar de exploração, solidão e profunda desigualdade. O feminismo teve um
impacto notável sobre a sociologia, contestando a visão da família como reino de harmonia e de
igualdade. Em 1965 uma das primeiras vozes discordantes foi aquela da feminista americana Betty
Friedan, que escreveu do “Problema sem Nome”: o isolamento e o aborrecimento que afligiam
muitas donas de casa dos condomínios americanos, relegadas num ciclo interminável de cuidar dos
filhos e trabalho doméstico. Outros exploram o fenómeno da «mulher prisioneira» e os efeitos
danosos da atmosfera familiar sufocante sobre relações interpessoais.
O trabalho das feministas aprofundou uma ampla variedade de argumentos, mas três
aparecem de particular importância:
Em primeiro lugar, a divisão doméstica do trabalho, ou até o modo no qual uma série de
tarefas vem distribuída entre os componentes da família.
A abordagem feminista estudou como as tarefas familiares, isto é, cuidar os filhos e os
trabalhos domésticos, são repartidos entre homens e mulheres. Neste sentido se aprofundou a
validade das teses como aquela da família simétrica, segundo a qual com o passar do tempo as
famílias se transformaria ou se tornaria mais igualitárias na distribuição dos papéis e
responsabilidade. Se é, todavia, certo que sobre as mulheres continua a pesar a maior parte dos
trabalhos domésticos e que essas gozam de menor tempo livre em relação aos homens, mesmo se o
número de mulheres com um trabalho extra-doméstico remunerado seja hoje mais e nunca
registado. Outros sociólogos estudaram o contributo do trabalho doméstico feminino, não
remunerado, à economia; outros ainda analisaram a distribuição das riquezas entre componentes da
família e os modelos de controlo das finanças familiares.
Em segundo lugar, as feministas chamaram atenção à desigualdade das relações de poder nas
famílias. Um argumento que chamou que suscitou maior interesse é aquele da violência doméstica.
A atenção para os maltratos e os estupros conjugais, o incesto e os abusos sexuais aos danos das
crianças acentuou-se graças à denúncia feminista dos fenómenos há tempos ignorados no âmbito
44
académico e judiciário. A investigação sociológica de impronta feminista procurou compreender em
que modo a família favoreceu a opressão do género e também os maltratos físicos.
Em terceiro lugar, as feministas forneceram um importante contributo ao estudo da actividade
de cura/cuidados/atenção. Neste âmbito se colocam muitas situações diversas, da assistência a um
familiar doente ao cuidado de um parente ancião por longos períodos de tempo. Às vezes assistir
uma pessoa significa simplesmente interessar-se ao seu bem-estar psicológico: diversas estudiosas
feministas ocuparam-se do «trabalho emotivo» nas relações interpessoais. As mulheres tendem não
só a ocuparem-se das tarefas concretas como os trabalhos domésticos e o cuidado dos filhos, mas
investem muitas energias emotivas nas relações pessoais. Se de um lado, as actividades de cuidar
têm a sua raiz no amor e outras emoções profundas, essas são também uma forma de trabalho que
requer capacidades de escutar, perceber, negociar e agir criativamente.
2.3. Novas Perspectivas em Sociologia da Família
Apareceram, recentemente, muitos estudos sociológicos importantes sobre a família que
atingem a perspectiva feminista sem, no entanto, serem estreitamente ligadas a essas. O interesse
concentrou-se sobre o aumento dos divórcios e das famílias monoparentais, sobre a difusão das
famílias reconstituídas e homossexuais e sobre o aumento das convivências. As transformações
devem ser consideradas unidas às mudanças globais deste último escorço da idade moderna.
Um dos contributos mais importantes, neste sentido, é aquele que nos vem de dois estudiosos
que são também marido e mulher, Ulrich Beck e Elisabeth Beck. No seu livro “O Normal caos do
amor”, estes examinam a natureza tumultuosa das relações pessoais, dos casamentos e dos modelos
familiares no contexto do mundo em rápida mudança. Afirmam que as tradições, as regras e os
modelos que governavam, no passado, as relações pessoais não têm mais relevância e, que os
indivíduos são constringidos a uma série infinita de escolhas relativas à construção, a adequação, o
crescimento e a dissolução das relações com outros indivíduos. O facto de que as pessoas se casam
por escolha autónoma, mas do que por finalidades económicas ou pressões familiares, é fonte seja
da liberdade que de tensões, e requerem uma grande dimensão de trabalho e de esforços.
Para estes autores, a nossa época é caracterizada por uma contínua colisão de interesses entre
a família, o trabalho, o amor e a liberdade de alcançar objectivos individuais. Esta colisão acontece
com acutilância no âmbito das relações pessoais, em particular quando se deve medir duas
“biografias laborais” mais do que com uma só, a partir do momento que um número elevado de
mulheres dedica a própria vida à carreira profissional. No passado era muito mais comum para as
mulheres trabalhar fora de casa a tempo parcial, ou então suspender durante um tempo a profissão
para dedicarem-se à educação dos filhos. Hoje estes modelos são mais mutáveis pois que tanto os
homens quanto as mulheres colocam o acento sobre as suas próprias exigências profissionais e
pessoais. No nosso tempo, as relações vão, por assim dizer, bem para além das mesmas relações:
45
não têm mais a ver simplesmente com amor, o sexo, os filhos, o casamento, as incumbências
domésticas, mas também ao trabalho, à política, à economia, à desigualdade, etc. Os casais
modernos devem enfrentar uma ampla gama de problemas, daqueles práticos aos mais profundos.
2.3.1. As Famílias Monoparentais
As famílias monoparentais tornaram-se comuns. A grande maioria é constituída por mulheres
(a chamada monoparentalidade feminina). Muitos pais sós sofrem, ainda, de uma desaprovação
social, ao lado de uma insegurança económica, embora as expressões avalistas como «mulher
abandonada» ou «famílias desfeitas» estão fora do uso ou são consideradas ex-tempori.
A situação do pai só tende a ser um status inconstante e feita de confins incertos, na qual se
entra e se sai numa multiplicidade de modos. No caso das viúvas, a linha de confins é, obviamente,
muito clara, mesmo se pode acontecer que um dos progenitores tenha vivido praticamente sozinho,
no caso em que outro tenha estado hospitalizado por longo tempo antes de morrer. Mas a maior
parte das famílias monoparentais resulta da separação e/ou divórcio.
2.3.2. As Segundas Núpcias
O fenómeno das “segundas núpcias”, expressão com a qual se designam todos os casamentos
sucessivos aos primeiros, pode apresentar-se em diversas formas. Às vezes os partner,
especialmente se são muito jovens, casam-se sem, ainda, terem filhos. Mas quem se casa de novo e
numa idade avançada pode levar consigo um ou mais filhos nascidos do casamento precedente. Às
vezes estes filhos são adultos e não viverão nunca na família apenas formada. E naturalmente é
possível que nasçam filhos do novo casamento. Qualquer membro do novo casal podia ter sido
solteiro ou casado, divorciado, separado ou viúvo. Qualquer generalização sobre este argumento
requer muita atenção e cautela, mesmo se vale apenas fazer algumas observações gerais.
Quem já se tinha casado e divorciado tem maior probabilidade de aceder ao casamento com
relação a quem, nos mesmos grupos de idade, deve, ainda, casar-se pela primeira vez.
Em todas as faixas etárias os homens divorciados ou separados têm maior probabilidade de se
casar de novo em relação às mulheres.
Do ponto de vista estatístico as segundas núpcias têm menos sucessos que as primeiras.
2.3.3. As Famílias Reconstituídas
Quando falamos de famílias reconstituídas referimo-nos àquelas famílias, em cujo seio, pelo
menos um dos adultos tem filhos do casamento precedente ou da relação anterior. Uma família
reconstituída enfrenta algumas dificuldades típicas:
Em primeiro lugar, existe sempre um progenitor natural cuja influência sobre o filho ou os
filhos permanece, provavelmente, forte;
Em segundo lugar, as relações de colaboração entre divorciados e/ou separados entram,
geralmente, em tensões quando um dos dois ou ambos voltam a casar-se de novo. Tomemos, como
46
exemplo, uma mulher com dois filhos que casa um homem também com dois filhos, todos vivem
sob o mesmo teto. Se os pais «externos» insistem para que os filhos possam encontrá-los nos
períodos preestabelecidos, as graves dificuldades já existentes no contexto de uma família como
esta, formada recentemente, tornam-se ainda mais graves. Podia, por exemplo, resultar impossível
ter junta toda a família durante o final de semana.
Em terceiro lugar, nas famílias reconstituídas confluem crianças provenientes de ambientes
diversos, que podem ter expetactivas divergentes sobre o comportamento a ter em conta no âmbito
familiar.
São poucas as normas consolidadas que regulam as relações entre pais e enteados. Estes
últimos devem chamar os primeiros pelo nome ou são mais apropriados aos apelidos de papá e
mamã. Um pai adquirido deve ou não deve punir o enteado, como tê-lo-ia feito aquele natural? E
como vem tratado o novo cônjuge do próprio ex-partner quando vai buscar ou visitar as crianças?
2.3.4. O Pai Ausente
O período compreendido entre o final dos anos 30 e os anos 60 do século passado vem às
vezes chamado «época do pai ausente». Durante a segunda Guerra Mundial, muitos pais assistiram
os filhos esporadicamente por causa do serviço militar. No período sucessivo, em muitíssimas
famílias, a maior parte das mulheres não tinha um trabalho remunerado e se dedicava à casa e ao
cuidado dos filhos. O pai era aquele que mantinha a família, e por conseguinte estava fora de casa
todo o dia e via os filhos só à noite ou nos finais de semana.
Recentemente, com o aumento das taxas de divórcio e o aumento número de famílias
monoparentais, a fórmula do «pai ausente» assumiu um significado diverso: designa aqueles pais
que, em consequência de uma separação ou um divórcio, têm ligações esporádicas com os próprios
filhos ou perdem o contacto com eles.
Sociólogos e comentaristas indicaram na crescente quota de famílias caracterizadas da
ausência do pai a origem de numerosos problemas sociais, o aumento das taxas de criminalidade, a
explosão dos custos para o sustento da infância. Alguns afirmaram que que as crianças não expostas
em maneira constante a exemplos de negociação, cooperação e compromisso entre adultos
tornaram-se membros efectivos de um grupo social. Segundo estas interpretações, os rapazes que
crescem sem pai deverá lutar para se tornar, à sua volta, bons pais.
Um argumento diverso à crise da figura paterna é aquele de Francis Fukuyama que
individualiza as raízes da «grande crise» familiar nos níveis crescentes de ocupação feminina. Com
isto não entende dizer que as mulheres trabalhadoras transcuram o cuidado dos filhos, mas que os
homens percebem as mulheres como independentes, capazes de ocupar-se dos filhos em modo
auto--suficiente. Se os jovens do sexo masculino, há um tempo se sentiam obrigados a assumir as

47
próprias responsabilidades, a emancipação das mulheres estimulou-os, paradoxalmente, a
comportarem-se mais livremente que no passado.

2.3.5. A Conivência como Alternativa ao Casamento


A conivência é definida como a relação entre duas pessoas ligadas sexualmente que vivem
juntas sem casamento (do ponto de vista jurídico). A conivência tornou-se muito difusa nas
sociedades modernas. O casamento não pode ser mais considerado, como no passado, o fundamento
da união entre duas pessoas. Um número elevado de casais com relações consolidadas escolhe de
não casar-se, mas coabitando e sustentando conjuntamente os filhos. Aquela que até então era
considerada uma situação escandalosa, é enfim uma situação aceite, especialmente entre os jovens.
Não obstante o aumento de número de casais que escolhem a conivência como alternativa ao
casamento, ela, a conivência, parece constituir uma fase de experiência antes do casamento. Em
geral, os jovens chegam a conivência em modo casual, sem uma planificação calculada. Acontece
que duas pessoas já sexualmente ligadas passam mais tempo juntas, até que uma delas deixa a
própria casa para transferir-se naquela de outra. Os jovens que vivem juntos preveem quase sempre
de se casar no futuro, mas não necessariamente com o partner actual.
3. Violência e Abuso na vida familiar
As relações familiares – entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs, entre
parentes – podem oferecer calor e satisfação. Mas podem também ser canais de fortíssimas tensões,
que levam o indivíduo a dispersão ou suscitam nele um profundo sentido de ansia e de culpa. Este
aspecto da família desmente ou desmascara a imagem decorativa de harmonia com que somos
constantemente bombardeado da publicidade televisiva e de outros mass media. A violência sexual
e os maltratos das crianças são dois aspectos mais dramáticos deste problema.
3.1. A violência doméstica
Também a violência dentro da família é uma prática predominantemente masculina. Pode-se
definir a violência doméstica com o maltrato físico exercido por um membro da família contra um
outro ou outros membros. Os estudos demonstram que as vítimas principais dos maltratos são,
ainda, à sua volta, as crianças, especialmente aquelas de menor idade. Segue na ordem a violência
dos maridos contra as mulheres. Também as mulheres, porém, podem ser entre aqueles que no
âmbito familiar recorrem à violência, directa neste caso contra as crianças pequenas e o marido. De
facto, o lugar mais perigoso da sociedade moderna é a casa.
O tema da violência doméstica atraiu muita atenção pública e dos estudiosos a seguir ao
trabalho dos grupos feministas que organizavam centros-refúgios para as mulheres violentadas.
Antes esta forma de violência vinha discretamente passada sob o silêncio.

48
Nos últimos anos, vozes da parte conservadora afirmaram que a violência doméstica não tem
a ver com o poder patriarcal masculino, como sustentam as feministas, mas sim com as «famílias
disfuncionais». Nesta perspectiva a violência contra as mulheres deveu-se à crise crescente da
família e à erosão dos valores morais. A raridade da violência contra os maridos vem posta em
discussão sustentando, por exemplo, que os homens recorrem menos à denúncia quando
sofrem violência por parte das mulheres.
Semelhante asserções foram duramente criticadas das feministas e de outros estudiosos, os
quais sustentam que a violência feminina é mais contida (conter) e episódica daquela masculina.
Não suficiente considerar o simples número de actos violentos nas famílias. É, pelo contrário,
avaliar o significado, o contexto e as consequências. Na realidade, a regular brutalização física da
mulher por parte do marido não tem equivalentes simétricos. Os homens que maltratam as crianças
são inclinados também a maltratar mulheres a ponto de fazê-la em modo contínuo, provocando
lesões duradouras.
Porque é que a violência doméstica é assim comum? É uma interrogação que chama em causa
vários factores. Um deles é a combinação de intensidade emotiva e intimidade pessoal característica
da vida familiar. Os vínculos familiares são por norma cheios de uma forte emotividade, nos quais
se misturam amor e ódio. As disputas que rebentam no ambiente doméstico podem desencadear
antagonismos que não que seriam vividos no mesmo modo em outros contextos sociais. Aquilo que
parece é simplesmente um pequeno incidente que pode precipitar numa guerra sem exclusão de
culpas entre os cônjuges ou entre pais e filhos.
Uma segunda ordem de factores é dado do facto que dentro da família uma notável dose de
violência vem de facto tolerada e absolutamente aprovada. São poucas as crianças que não tenham
recebido nunca uma bofetada ou não tenham sido batidas, mesmo se de modo leve ou ligeiro de um
dos genitores. Estes gestos encontram muita aprovação dos outros e provavelmente não são
considerados «violência». Porquanto, em termos menos claros, mesmo a violência entre cônjuges é
ou era socialmente aprovada.
No ambiente laboral e nos outros contextos públicos se observa a norma geral que proíbe de
bater a qualquer, não importa quanto o seu comportamento seja sido reprovável ou irritante. Isto
não vale dentro da família. Muitas investigações demonstraram que uma percentagem de casais
considera que em algumas circunstâncias maltratar fisicamente o próprio cônjuge seja legítimo.

49
CAPÍTULO VI: DESVIO E CRIMINALIDADE
Sabemos perfeitamente que a nossa vida, enquanto seres sociais, é regulada por normas.
Geralmente, somos obrigados a respeitar tais normas em virtude do processo de socialização. Todas
as normas sociais são reforçadas por sanções ou, melhor, todas as normas preveem sanções, que
podem ser positivas, se recompensamos quem respeita as normas, ou negativas, se punimos quem
não as respeita. As sanções podem ser também formais, se são aplicadas por uma específica
instituição para tal propostas (polícia, tribunais, cadeias, etc.), ou informais, isto é, reações mais
espontâneas e menos organizadas, como as manifestações de desaprovação. Quem não respeita
uma norma de qualquer tipo vem definido desviante.
Todos sabemos quem são os desviantes, ou tendemos a crê-lo: criminoso quem não se adequa
aquilo que a maior parte dos membros de uma sociedade considera “standard” ou “padrão” de
comportamentos aceitáveis. Mas as coisas não são assim como pareçam; assim, ensinam-nos os
sociólogos, encorajando-nos a olhar para além daquilo que vemos. Desta feita, e como veremos, a
noção desvio não é fácil de definir, e a relação entre desvio e criminalidade não é muito linear.
Assim, o estudo da criminalidade e do comportamento desviante é uma das tarefas mais
fascinantes ao lado de outros mais complexos da sociologia. A sociologia ensina-nos que ninguém
de nós é assim “normal” como gostaríamos que fosse, e que pessoas cujo comportamento pode
parecer incompreensível ou extravagante aparecerão racionais se compreendermos as motivações de
tais comportamentos.
1. A Sociologia do Desvio
O desvio pode ser definido como a não conformidade com a norma ou a generalidade de
normas aceites por um número significativo de indivíduos dentro de uma sociedade. Nenhuma
sociedade pode ser facilmente subdividida entre aqueles que se apegam às normas e aqueles que
não as respeitam. A maior parte de nós, em certas ocasiões, transgride normas de comportamento
geralmente aceites. A muitos aconteceu, às vezes, de cometer pequenos furtos, como levar de uma
loja qualquer objecto sem pagar ou até da nossa dispensa sem o consentimento da mãe, ou ainda
apoderar-se, no local de trabalho, de pequenos objectos para o uso privado, por exemplo, uma folha
de papel. Certamente poderá haver um esforço de superar os limites da velocidade destas acções (ou
até alguém já teria usado estupefaciente).

50
O desvio não tem a ver simplesmente com os indivíduos, mais também com os grupos sociais.
Um exemplo pode ser de uma seita religiosa cujas crenças e os modos de vida são, assaz, diversas e
diversos daquelas e daqueles partilhados pela maioria da população numa determinada sociedade.
Quando o desvio tem a ver com um grupo social, fala-se de subcultura de desvio. Uma outra
situação diferente desta é aquela de uma subcultura desviante como: os sem-abrigo, pessoas
delirantes que percorrem jornada inteira sobre a estrada, dormem abertamente ou encontram refúgio
nos dormitórios públicos. Muitos sem abrigo ostentem uma existência miserável às margens da
sociedade.
Desvio e criminalidade não são sinónimos, mesmo se em alguns casos possam coincidir.
Com relação ao conceito de criminalidade é aplicado especificamente a um comportamento que
viola a lei; o conceito de desvio é mais amplo. No estudo da criminalidade e do desvio são
implicadas duas disciplinas correlacionais, mas distintas. A Criminologia se interessa aos
comportamentos sancionados dos códigos penais, os delitos. Concretamente os criminólogos se
ocupam das técnicas para a qualificação dos delitos, do andamento das taxas de criminalidade e das
políticas anti criminais. A Sociologia do desvio investiga as manifestações da não conformidade
que podem estar fora do âmbito do código penal. Praticamente os sociólogos do desvio procuram
compreender porque certas manifestações são consideradas desviantes e como o conceito de desvio
vem aplicado em maneira diferencial aos membros da sociedade.
O estudo do desvio, portanto, tem muito a ver com o poder social, a influência de classe,
as divisões entre ricos e pobres. Quando consideramos o desvio das normas sociais, devemos
sempre ter em mente a seguinte pergunta: as normas são de quem ou quem as promulga? As
normas sociais são influenciadas fortemente das diferenças de poder, de classe e de riqueza.
2. Explicações da Criminalidade e do Desvio
À diferença de outros âmbitos sociológicos, nos quais se afirmou no tempo uma particular
tradição teórica, no estudo do desvio continuam a permanecer diversos filões interpretativos.
2.1. Filão Biológico
As primeiras tentativas de explicar a criminalidade e o desvio foram de carácter
essencialmente biológico e se concentraram sobre as características inatas dos indivíduos,
entendidas como causas do comportamento desviante e criminal. O criminólogo italiano Cesare
Lombroso (1836-1909) considerava que os tipos criminais poderiam ser definidos a partir de certas
características anatómicas, por exemplo, a forma do crânio e da face, a dimensão do maxilar e
largura do braço. Ele considerava que a aprendizagem social podia influenciar o desenvolvimento
do comportamento criminal, mas julgava a maior parte dos criminosos como indivíduos
biologicamente degradados ou diminuídos que, não sendo plenamente desenvolvidos enquanto
seres humanos, tendiam a agir em modo que não se harmonizavam com a sociedade. Mais tarde
51
estas teses entraram em descrédito, mas teses iguais foram repetidas vezes sustentadas de várias
formas. Uma outra teoria de carácter biológico distinguiu três principais tipos de estrutura física,
considerando que um desses fosse associado à delinquência. Segundo esta teoria, os tipos
musculosos e activos são mais agressivos e logo têm maior probabilidade de se tornarem criminosos
com relação aos sujeitos macérrimos ou gordos. Também esta teoria foi criticada. Alguns
indivíduos podem ter uma certa inclinação à irritação e à agressividade, e isto pode traduzir-se em
violência física para com os outros. Mas não existe nenhuma prova decisiva que estes traços
(irritação e agressividade) da personalidade sejam hereditários e, se mesmo fossem, a sua relação
com a criminalidade seria muito indirecta.
2.2. Filão Psicológico: os estados mentais anormais.
Como o filão biológico, também o filão psicológico da criminalidade procura as explicações
do desvio no indivíduo e não na sociedade, mas lá onde os sustentadores biológicos metem o acento
nas características físicas, os sustentadores psicológicos concentram-se sobre os traços da
personalidade.
No passado boa parte da investigação criminológica era feita nas prisões e em outras
instituições reclusas como os manicómios, nos quais prevaleciam os conceitos de derivação
psiquiátrica orientadas a evidenciar alguns traços distintivos dos criminosos, quais a debilidade de
carácter e ou a degradação moral. O psicólogo Hans Eysenck (1964) sugeriu que os estados
mentais são hereditários e que predispõem um indivíduo a delinquir ou até complicam o seu
processo de socialização.
Alguns aventaram a hipótese que uma minoria de indivíduos desenvolve uma personalidade
psicopática. Os psicopatas são pessoas fechadas e incapazes de emoção, que agem por impulso e
raramente têm o sentimento de culpa; às vezes têm o prazer de praticar a violência consigo mesmos.
Os indivíduos que apresentam traços psicopáticos cometem às vezes delitos violentos, mas o
conceito de psicopático é muito problemático e não é claro se comporta sempre tendências
criminais. Quase todos os estudos sobre presumíveis portadores de características psicopáticas
tiveram em análise dos detidos condenados, e as características em questão tendem inevitavelmente
a serem apresentados em modo negativo. Se se descrevem positivamente, o tipo de personalidade
que daí resulta aparece de tudo diferente e não parece haver alguma particular razão para que estes
indivíduos devam ser necessariamente criminosos. As teorias psicológicas são em grau de explicar
no melhor dos casos simplesmente alguns aspectos da criminalidade. Às vezes os criminosos podem
apresentar traços de diversas personalidades daquelas do resto da população, mas é muito
improvável que isto aconteça sempre. Existem muitos tipos de crimes e não é plausível supor que a
cometê-los sejam sempre pessoas com específicas características psicológicas.

52
Seja o filão biológico que psicológico do comportamento criminal, presumem que o desvio
seja um indício de qualquer coisa que «não funciona» no indivíduo mais do que na sociedade.
Segundo estas teorias os crimes seriam provocados de factores que se escapam do controlo do
indivíduo, porque são ínsitos no corpo e na mente. Se a Criminologia cientifica tivesse êxitos para
identificá-los com sucesso, seria possível intervir neles. Sob este aspecto, as teorias biológicas e
psicológicas do comportamento criminal são essencialmente positivistas. No caso da criminologia
positivista, teve a ideia que a investigação empírica seria capaz de individuar as causas do crime no
corpo e na mente dos indivíduos, e logo indicar os instrumentos para a erradicação.

3. Teorias Sociológicas do Desvio e da Criminalidade


A Criminologia positivista foi alvo de fortes críticas por parte de sucessivas gerações de
estudiosos, segundo os quais uma explicação satisfatória da criminalidade deve ser de tipo
sociológico, pois que a definição mesma de criminalidade depende das instituições sociais. Com o
tempo a atenção se transferiu das explicações individuais do comportamento criminal ou criminoso
às teorias que sublinham o contexto socio-cultural no qual o desvio tem lugar.
3.1. Teorias Funcionalistas
Estas teorias consideram o desvio e a criminalidade como o resultado de tensões estruturais e
da carência de regulação moral dentro da sociedade. Se as aspirações dos indivíduos e grupos não
coincidem com as recompensas disponíveis numa sociedade, esta disparidade entre desejos e
satisfação ou saciedade alimentará as motivações desviantes de alguns dos seus membros.
Anomia e desvio: Durkheim e Merton. O conceito de anomia foi introduzido por
Durkheim, sugerindo que nas sociedades modernas valores e normas tradicionais desaparecem ou
são menos considerados sem serem substituídos pelos novos pontos de referência. Ao conceito de
anomia se associa à teoria do desvio elaborada por Durkheim.
Para Durkheim o desvio é um facto social inevitável, pois que nenhuma sociedade pode
conseguir um consenso total sobre os valores e sobre as normas que devem a governar. Por outro, o
mundo moderno oferece mais espaço à escolha individual em relação ao conformismo das
sociedades tradicionais.
Mas segundo Durkheim o desvio é também necessário para a sociedade, enquanto desenvolve
duas importantes funções: em primeiro lugar uma função adaptável porque introduz novas ideias e
desafios na sociedade, agindo como força inovadora; em segundo lugar, encoraja a definição dos
confins entre comportamentos sociais «bons» e «maus», no sentido que pode provocar uma resposta
colectiva capaz de reforçar a solidariedade dos grupos e explicitar as normas sociais.
As ideias de Durkheim sobre o desvio tiveram um importante efeito de deslocar a atenção
das explicações individuais àquelas sociais. O conceito de anomia foi retomado pelo sociólogo
53
americano Robert K. Merton, pai de uma influente teoria do desvio que individualiza a fonte do
comportamento criminal na estrutura da mesma sociedade americana.
Na sua teoria de tensão Merton modificou o conceito de anomia referindo a atenção à qual é
submetido o comportamento individual quando as normas e a realidade social entram em conflito.
Isto acontece quando as metas culturais, isto é, os valores geralmente aceites pelo sucesso material
entram em conflito com os meios institucionais previstos pela realização, isto é, a autodisciplina e o
seu duro trabalho. Em teoria quem trabalha verdadeiramente forte devia ter sucesso
independentemente do seu ponto de partida na vida; na realidade não é assim, porque a maior parte
daqueles que partem em desvantagem tem a possibilidade de avançar com muitas limitações.
Aqueles que fracassam, porém, sentem-se condenados pela aparente incapacidade de obter sucessos
materiais. Nesta situação são fortes as pressões que impelem a desenrascar com qualquer meio
legítimo ou ilegítimo. Em tal perspectiva, logo, o desvio é um produto secundário das desigualdades
económicas e da falta de iguais oportunidades para todos.
Merton aponta cinco possíveis reacções à tensão entre metas culturais e meios institucionais:
A conformidade consiste em aceitar seja as metas culturais seja os meios institucionalizados,
independentemente da realização ou menos do sucesso (a maioria da população recai nesta
categoria);
A inovação consiste em aceitar as metas culturais, rejeitando os meios institucionalizados (os
criminosos que arriscam através de actividades ilegais são um exemplo);
O ritualismo consiste em aceitar os meios institucionalizados subtraindo-se das metas
culturais, para as quais as normas são seguidas por si mesmas, em maneira compulsiva (os
ritualistas são, por exemplo, aqueles que se dedicam ou se entregam a trabalhos enfadonhos e
repetitivos, avarentos de satisfação, sem perspectivas de carreira);
A renúncia consiste em rejeitar as metas culturais e os meios institucionalizados (pertencem a
esta categoria aqueles que se colocam fora da sociedade, como os mendigos, os sem teto e os
toxicodependentes);
A rebelião consiste em rejeitar as metas culturais os meios institucionalizados, que, porém,
vêm activamente substituídos pelas novas metas e novos meios numa perspectiva de reconstrução
do sistema social (fazem parte desta categoria, por exemplo, os membros dos grupos políticos.
É interessante observar que, salvo a conformidade, todos os outros quatro comportamentos
são considerados desviantes.
Os trabalhos de Merton enfrentaram um dos interrogativos mais importantes da criminologia:
porque, numa época ao aumentar o bem-estar da sociedade na sua globalidade, continuam a crescer
as taxas de criminalidade? Pondo em relevo o contraste entre aspirações crescentes e as

54
desigualdades persistentes, Merton mostra qual importante factor de comportamento desviante no
sentido de privação relativa.
Explicações das Subculturas. Estudiosos sucessivos definiram o desvio em referência às
subculturas dos grupos que adoptam normas que encorajam ou premeiam comportamento
criminoso. Como Merton, também Albert Cohen vê a causa principal da criminalidade nas
contradições internas a uma dada sociedade. Mas lá onde Merton põe o acento sobre as respostas
desviantes individuais à tensão entre valores e meios, Cohen considera que tais respostas sejam
mediadas pelos grupos sociais. No seu livro Delinquent Boys (1955) afirma que os rapazes das
classes operárias mais pobres, frustrados na sua condição de vida, tendem a organizarem-se em
subculturas delinquentes. Estas subculturas rejeitam os valores dominantes substituindo-os com a
exaltação dos gestos de resistência e de desafios, da delinquência e outros comportamentos não
conformistas.
Cloward e Ohlin (1960) concordam com Cohen no afirmar que a maioria dos rapazes
delinquentes provém da classe operária mais pobre, mas consideram que os rapazes mais ao risco
sejam aqueles que, não obstante, interiorizaram os valores da classe média e foram encorajados, em
virtude das suas capacidades, a desejar um futuro burguês. Descobriram-se na impossibilidade de
realizar as próprias aspirações e as predispõem em maneira particular a cometer actos criminosos.
4. Teorias Interaccionistas.
Os sociólogos que adoptam uma perspectiva interaccionista concebem o desvio como
fenómeno socialmente construído. Mais, os interaccionistas interrogam-se sobre que modo os
comportamentos vêm definidos desviantes e porque certos grupos não outros são etiquetados como
desviantes.
O desvio aprendido: a associação diferencial. Um dos primeiros estudiosos a sugerir que o
desvio se aprende através da interacção foi Edwin Sutherland. Ele propôs um conceito que teria
influenciado boa parte das sucessivas investigações interaccionista, explicando a criminalidade em
termos de associação diferencial. Trata-se de uma ideia muito simples. Numa sociedade que
hospeda muitas subculturas diversas, alguns ambientes sociais tendem a encorajar a criminalidade,
enquanto outros não. Os indivíduos tornam-se criminosos associados aos outros que são portadores
de normas criminais. Edwin considera que o comportamento criminal venha a ser aprendido
sobretudo dentro dos grupos primários, em particular nos grupos de pares. Esta teoria se afasta
radicalmente da perspectiva segundo a qual distinguir os criminosos das outras pessoas são traços
de carácter psicológico. As actividades criminais, pelo contrário, são vistas como
predominantemente aprendidas, ao mesmo tempo daquelas conformes à lei, e orientadas pelas
mesmíssimas necessidades e valores. Os ladrões procuram de arriscar exactamente como se
tivessem a desenvolver um trabalho normal, mas para fazê-lo escolhem meios ilegais.
55
4.1. Teoria de Rotulagem (Etiqueta).
Um dos mais importantes argumentos ao estudo do desvio é considerado como a teoria de
rotulagem. Os sustentadores desta teoria interpretam o desvio não como um conjunto de
características relativas aos indivíduos ou aos grupos, mas como um processo de interacção entre
desviantes e não desviantes. Nesta perspectiva, para compreender a natureza do mesmo desvio é
necessário saber porque alguns indivíduos são rotulados como desviantes.
A rotulagem é devida principalmente aqueles que representam as forças da lei e da ordem ou
que são em altura de impor aos outros uma definição convencional de moralidade. As etiquetas que
definem as várias categorias de desvio exprimem a estrutura de poder da sociedade. Para fazermos
exemplos concretos, os critérios de definição do desvio e os contextos nos quais se aplicam vêm
estabelecidos, em boa medida, dos ricos para com os pobres, dos homens para com as mulheres, dos
mais velhos para com os mais novos, das maiorias étnicas para os grupos minoritários. Muitos
rapazes fazem muitas coisas como por exemplo pintar ou escrever sobre os muros romper janelas
ou faltar às aulas. É provável que num condomínio ou bairro, onde o bem-estar é presente, os pais,
os professores e a polícia consideram estes como aspectos relativamente inocentes do processo de
crescimento. Nos bairros mais pobres ou zonas mais pobres, pelo contrário, as mesmas
manifestações podem ser vistas como prova de uma propensão à delinquência juvenil. Uma vez que
um rapaz venha etiquetado como delinquente, é provavelmente que seja considerado indigno de
confiança dos professores e dos potenciais dadores do trabalho. Os actos são os mesmíssimos em
ambos os casos, mas os seus significados a eles atribuídos são diversos.
Howard Becker é um dos estudiosos ou sociólogos mais importantes da teoria de rotulagem.
A sua intenção é mostrar como as identidades desviantes são produzidas mediante o rótulo, mais
que através motivações ou comportamentos desviantes. Para ele o comportamento desviante é o
comportamento assim etiquetado. Ele critica asperamente as abordagens criminais que pressupõem
uma nítida divisão entre «normal» e «desviante». Para ele o comportamento desviante não é o factor
determinante na transformação de um indivíduo em «desviante». Existem processos não ligados ao
mesmo comportamento que exercem uma grande influência sobre a etiqueta de uma pessoa. A
roupa, o modo de falar, o país ou a zona de origem podem ser factor chave que determina a
aplicação de etiqueta desviante. (10.08.2015) O rótulo condiciona não só o modo em que se é visto
pelos outros, mas também a concepção do “sé”. Edwin Lamert (1972) propôs uma interpretação do
processo em base ao qual o desvio pode coexistir com a identidade ou tornar-se o elemento
fundante. Lamert sustenta que, pelo contrário, quanto podemos pensar, o desvio na realidade é um
facto mais comum e solidamente sem consequências para os indivíduos. Actos desviantes como as
violações do código de estrada, por exemplo, raramente são postas à ribalta, enquanto, outros, como
os pequenos furtos cometidos nos locais de trabalho, são geralmente ignorados. Lamert define o
56
acto inicial de transgressão como desvio primário. Na maioria dos casos o desvio primário
permanece «marginal» sobre o plano de identidade individual porque intervém um processo de
«normalização» do acto desviante. Noutros casos, porém, a normalização não se verifica e o
indivíduo vem etiquetado como desviante. O desvio secundário segundo Lamert acontece quando o
indivíduo chega a aceitar a etiqueta que lhe foi imposta, vendo-se a si mesmo como um desviante.
Neste caso, a etiqueta pode se tornar elemento central da identidade individual e conduzir a uma
reintegração ou intensificação do comportamento desviante.
Tomemos o exemplo de um rapaz que infringe a vitrina de um negócio no curso de uma noite
com os amigos. O gesto pode ser definido como o resultado de um comportamento demasiado
turbulento, uma característica desculpável dos jovens. Ao rapaz pode ser feita uma admoestação ou
aplicada uma pequena multa. Se pertence a um ambiente respeitável, o êxito provável será próprio
este. A ruptura da vitrina coloca-se a nível do desvio primário se o rapaz é considerado uma pessoa
de «bom carácter» que na ocasião excedeu. Se, de outra parte, a polícia, o tribunal adoptam uma
atitude mais punitiva, talvez confiando o rapaz a um assistente social, o incidente tornar-se-ia o
primeiro passo para o desvio secundário. Neste modo o processo de aprendizagem do desvio tende a
ser alimentado por estas instituições – polícia, tribunal, assistente social – que em teoria corrigirão o
comportamento desviante.
Quantos criticam a teoria de rotulagem tiveram, às vezes, objectado que existem na realidade
numerosas acções proibidas em quase todas as culturas, como o homicídio, o estupro e a rapina.
Este ponto de vista não é partilhado por todos. Enfim, matar uma pessoa não é sempre considerado
homicídio – na guerra a morte dos inimigos vem absolutamente aprovada.
10.08. 2015Pode-se criticar, em modo mais convincente a teoria da rotulagem sob duas bases.
Em primeiro lugar, a ênfase posta sobre o momento da rotulagem tende a transcurar o processo que
conduziu às acções definidas como desviantes. É claro que a rotulagem não é completamente
arbitrária: as diferenças de condição social, de socialização e de oportunidade incidem na medida
em que os indivíduos adoptam comportamentos susceptíveis de serem definidos desviantes. É mais
provável, por exemplo, que sejam os rapazes de origens sociais mais pobres a roubarem nas lojas,
ou nos lugares em se prática o comércio informal (vulgarmente chamadas “praças”). Não é tanto a
rotulagem que os induz a roubar, quanto mais o ambiente do qual provêm.
Em segundo lugar, não é ainda claro se a rotulagem tem, na verdade, um efeito de reforçar a
conduta desviante. É verdade que o comportamento delinquente tende a aumentar depois de uma
condenação, mas é próprio o resultado da rotulagem? É muito difícil responder, porque podem estar
em jogo factores diversos, como a acrescida interacção com os delinquentes ou a descoberta de
novas oportunidades criminais.
5. Teoria de Controlo.
57
As teorias do controlo postulam que o delito se verifique em consequência de um
desequilíbrio entre o impulso à actividade criminosa e o controlo social ou físico que é o dissuasiva.
Estas teorias se interessam relativamente pouco às motivações que levam os indivíduos a cometer
um crime ou delito; pressupõem que as pessoas agem racionalmente e que, havendo a oportunidade,
todos se comportariam em modo desviante. Muitos tipos de delitos ou crimes são o resultado de
«decisões situacionais»: uma oportunidade associada a uma motivação.
Um dos mais notáveis teóricos de controlo, Travis Hirschi, sustentou que os seres humanos
são essencialmente egoístas e tomam decisões calculadas a propósito dos actos criminosos,
avaliando os potenciais riscos e benefícios. No seu livro Causes of delinquency (1969) individualiza
quatro tipos de vínculos que ligam os indivíduos à sociedade e promovem o comportamento
respeitoso da lei:
A aderência, ou um vínculo de tipo afectivo (quanto mais uma pessoa é ligada a outras, tanto
mais será difícil que cumpra acções susceptíveis de serem destas desaprovadas);
O empenho, ou um vínculo de tipo material (quanto maior forem os esforços que uma pessoa
faz para afirmar-se socialmente, tanto mais será difícil que os riscos de perder tudo violando as
normas);
O envolvimento, ou um vínculo de tipo temporal (quanto maior é o tempo que uma pessoa
dedica às actividades socialmente aprovadas como o estudo, o trabalho, o voluntariado ou sport,
tanto menor será o tempo que lhe resta para cometer crimes);
As crenças, ou um vínculo de tipo moral (quanto mais uma pessoa interioriza o códice moral
convencional, tanto mais será difícil que o viole).
Se suficientemente fortes, estes vínculos contribuem à manutenção do controlo social e da
conformidade, contrastando a liberdade de infringir as normas. Na presença de vínculos débeis
podem emergir o desvio e a criminalidade. Hirschi sugere que os delinquentes são, geralmente,
indivíduos nos quais baixos níveis de autocontrolo são o resultado de uma inadequada socialização
familiar ou escolar.
Segundo alguns teóricos do controlo social o aumento dos crimes deriva do aumento das
ocasiões e dos possíveis alvos de actividades criminais na sociedade moderna. A difusão do bem-
estar e o advento do consumismo multiplicaram os potenciais alvos dos ladroes. As casas
permanecem mais vazias nas horas diurnas e sempre são numerosas as mulheres que trabalham fora
de casa.
Para contrastar estes desenvolvimentos muitas políticas de prevenção da criminalidade se
foram concentradas sobre a limitação das oportunidades de cometer delitos. Um elemento central de
tais políticas é a protecção do alvo, que tornaria mais difícil o crime intervindo directamente sobre
as potenciais «situações criminais». Um exemplo, em tal sentido, é dado das leis que impõem a
58
presença de um bloqueador em todos os automóveis da nova produção, para desencorajar os ladrões
de automóveis. Instalação de telecâmaras a circuito fechado nos centros citadinos e nos lugares
públicos é uma outra tentativa de desencorajar a actividade criminal. Os teóricos do controlo social
sustentam que, mais do que mudar os delinquentes, a melhor política consiste em tomar medidas
práticas para limitar a sua capacidade de delinquir.
Neste sentido se insere também a estratégia da chamada tolerância zero que insiste sobre a
necessidade de manter constante a ordem para prevenir crimes de maior gravidade. A tolerância
zero se aplica à pequena criminalidade e a comportamentos desviantes como o vandalismo, a
vagabundagem, a embriaguez, a mendicidade, etc.
Enfim, nos últimos anos as técnicas de protecção do alvo e a tolerância zero apresentaram-
se a favor dos políticos e apareceram eficazes, em alguns contextos, no limitar o número dos
crimes; não são, todavia, isentas de críticas, porque não afrontam as causas fundamentais do crime.
A crescente difusão dos serviços de vigilância privada, alarmes para carros e para habitações, cães
de guarda e condomínios protegidos induziu alguns a afirmar que estamos a viver numa « sociedade
blindada», em que alguns grupos sociais se sentem constringidos a defender-se de todos outros.
Esta tendência verifica-se não só em sociedades como aquela americana, onde o fosso entre os mais
ricos eos mais pobres se vá alargando, mas é particularmente marcada nos países como ex-União
Soviética, África do Sul e Brasil, onde os privilegiados sentem-se praticamente «sob assédio».
A protecção do alvo e a tolerância zero, além disso, podem ter um efeito colateral
preocupante: no momento em que os alvos preferidos dos delinquentes são blindados, a actividade
criminal pode simplesmente se mover para outros objectivos, transferindo-se das áreas melhor
protegidas àquelas mais vulneráveis. As zonas pobres ou socialmente degradadas riscam de assistir
a um aumento da criminalidade que aquelas ricas aumentam as próprias defesas.
6. Crimes e Estatísticas sobre a Criminalidade
Para averiguar a extensão da criminalidade e as suas formas mais comuns se pode começar
pelas estatísticas oficiais. A partir do momento que tais estatísticas são publicadasregularmente
parece não haver alguma dificuldade de averiguar a taxa de criminalidade, isto é, a relação entre o
número de crimes cometidos e a população, mas não é de facto assim. As estatísticas sobre a
criminalidade fornecem provavelmente os dados menos fiáveis entre todos aqueles publicados
oficialmente sobre temas de carácter social. Muitos criminólogos puseram em evidência como seja
possível considerar fidedignas as estatísticas oficiais sem avaliar o modo em que são produzidas.
O limite fundamental das estatísticas oficiais sobre a criminalidade é devido ao facto que têm
em conta só os crimes efectivamente registados pela polícia. Mas existe uma longa corrente de
decisões problemáticas entre o crime em si mesmo e a sua registração da parte da polícia. A maior
parte dos crimes, especialmente os pequenos furtos, não vem assinalado pela polícia. Mas também
59
muitos dos crimes detetados pela polícia escapam-se das estatísticas oficiais por uma série de
razões. A polícia, por exemplo, pode ser céptica acerca da validade das informações recebidas sobre
um presumível crime, ou a vítima pode renunciar a apresentar formal denúncia.
A parcialidade das denúncias e das registrações faz com que as estatísticas oficiais sobre os
crimes reflectem só uma parte daqueles efectivamente cometidos. Aqueles que escapam às
estatísticas oficiais constituem o submerso dos crimes.
6.1. Estratégias de redução da criminalidade
A prevenção situacional dos crimes – por exemplo através a protecção do alvo e os sistemas
de vigilância – representa um dos mais instrumentos utilizados para redução da criminalidade.
Trata-se de técnicas geralmente consideradas pelos políticos e administradores porque relativamente
fáceis de introduzir e porque asseguram os cidadãos dando impressão de uma luta cerrada contra a
criminalidade. Todavia, pois que não afrontam as suas possíveis causas sociais (desigualdades,
desocupação e pobreza), estas técnicas têm sucesso sobretudo no sentido que protegem da
criminalidade alguns extractos da população e mudam os actos criminosos para outros alvos.
Uma ilustração desta dinâmica é dada da exclusão física de certas categorias de pessoas
(mendigos, os sem abrigo jovens debandados, vendedores abusivos e os toxicodependentes) dos
espaços públicos na tentativa de reduzir o número de crimes e a percepção do risco. Praças,
parques, bibliotecas podem ser convertidos em área seguras graças às patrulhas de polícia,
vigilantes privados e sistemas de vigilância. Nos centros comerciais, por exemplo, as medidas de
segurança são sempre mais evidentemente parte de um «contrato» com os consumidores: para atrair
e conservar a clientela, ocorre garantir segurança.
Uma outra estratégia de redução da criminalidade aponta sobre a reconstrução do sentido de
comunidade. Por muito tempo a atenção dos criminólogos concentrou-se quase exclusivamente
sobre crimes mais graves, como homicídios, raptos, agressões. Mas os crimes menores e a
degradação pública tendem a ter efeitos cumulativos. Nas grandes cidades os residentes de zonas
em risco indicam entre os motivos do próprio sentido de insegurança as viaturas abandonadas, os
escritos nos muros, a prostituição, os bandos de jovens e fenómenos semelhantes. Segundo a teoria
da janela partida existe uma relação directa entre manifestações de degradação e o nascimento ou
o surgir da criminalidade. Se num bairro ou rua se deixa uma só janela partida e não vem reparada,
se indica a potenciais delinquentes que nem os habitantes, nem a polícia são empenhados na defesa
daquela comunidade.
7. Os Crimes de Colarinho Branco
Embora exista uma tendência para associai o crime aos jovens, e especialmente aos rapazes
oriundos de classes baixas, o envolvimento em actividades criminosas não está de nenhum modo
confinado a este segmento da população.
60
A expressão crime de colarinho branco foi introduzida pela primeira vez por Edwin
Sutherland em 1949. Refere-se aos crimes cometidos por aqueles que pertencem aos sectores mais
prósperos da sociedade, muitas vezes contra os interesses das empresas em que trabalham. A
designação abarca muitos tipos de actividade criminal, incluindo a fuga aos impostos, práticas
comerciais ilegais, fraudes com seguros e propriedades, desfalques, fabrico e comercialização de
produtos perigosos, poluição do meio ambiente, bem como roubo puro e simples. É habitualmente
chamado o crime empresarial que também violam as normas de segurança e de higiene e envolve
um número de pessoas muito maior da pequena criminalidade. Considerado o poder cada vez
crescente de que gozam as empresas e a sua dimensão sempre mais global das suas actividades, as
nossas vidas são, de qualquer modo, tocadas. As empresas têm uma influência enorme sobre o
ambiente natural e sobre os mercados financeiros, aspectos da vida que nos tocam indistintamente.
Os estudos sobre os crimes empresariais mostram que um grande número de empresas
transgride as leis. Os crimes empresariais não são circunscritos a algumas situações, mas se tornam
capilares e difusos. Existem seis tipos:
Administrativos (irregularidade ou a não conformidade de documentos);
Ambientais (poluição, ausência de autorização);
Financeiros (evasão fiscal, falsificação de facturas, pagamentos ilegais);
Ocupacionais (condições de trabalho ou procedimentos de empregos irregulares);
Produtivos (perigo do produtos, falsas etiquetas ou marcas);
Comerciais (práticas anti concorrenciais, publicidade enganadora);
Determinar as vítimas dos crimes empresariais não assim tão fácil. Às vezes existem vítimas
evidentes, como no caso de um desastre ambiental ou de um produto deteriorado. Todavia, as
vítimas dos crimes empresariais não são consideradas como tais. Enquanto nos crimes tradicionais
existe uma proximidade assaz maior entre a vítima e o culpado ou o cúmplice (é difícil não
compreender de ser agredido), nos crimes empresariais as distâncias temporais e espaciais podem
fazer com que os interessados não se dão conta de ser vitimizados de uma actividade criminosa, ou
não sabem como reclamar pela justiça.
Os efeitos dos crimes empresariais são desiguais dentro da sociedade. Quem os ressente em
maneira desproporcional é geralmente quem está em posição de desvantagem dos outros tipos de
desigualdade socio-económica. Os riscos de higiene e segurança no local de trabalho, por exemplo,
tendem a concentrar-se sobretudo nas ocupações que são más remuneradas.
Nos crimes empresariais os aspectos violentos são menos visíveis que nos crimes como o
homicídio ou a agressão, mas por outro reais e em qualquer caso mais graves. A falta de respeito
das normas relativas à produção de novos medicamentos, à segurança nos locais de trabalho e a

61
poluição ambiental, por exemplo, pode provocar danos a muitas pessoas e enfim causar-lhes a
morte.
7.1. O Crime Organizado
Quando se fala em crime organizado alude-se a práticas que têm muitas das características
dos negócios ortodoxos, mas que são ilegais. O crime organizado engloba, entre outras actividades,
o contrabando, o jogo ilegal, o tráfico de drogas, a prostituição, o roubo em grande escala e
esquemas de extorsão. Assenta frequentemente na violência ou na ameaça do uso da mesma.
Embora o crime organizado se tenha desenvolvido em cada país segundo determinadas particulares
culturais, o seu alcance tornou-se cada vez mais transnacional.
A acção do crime organizado faz-se sentir actualmente em todo o mundo, mas em termos
históricos tem sido particularmente forte em determinados países. Nos Estados Unidos da América,
o crime organizado é um negócio gigantesco, competindo com os maiores sectores económicos
ortodoxos, como a indústria automóvel. As organizações criminosas, nacionais e locais fornecem
produtos e serviços ilegais aos consumidores. Neste país, o jogo ilícito em torno das corridas de
cavalos, as lotarias e os eventos desportivos representam a maior fonte de lucro gerada pelo crime
organizado.
O crime organizado é hoje mais complexo do que era há 30 anos. Não existe uma organização
nacional que estabeleça ligações entre os diferentes grupos criminosos, mas, por outro, o crime
organizado tornou-se cada vez mais sofisticado. Algumas das maiores organizações criminosas, por
exemplo, levam dinheiros através de grandes bancos, investindo o seu dinheiro limpo em negócios
legítimos.
Um outro aspecto do crime organizado tem a ver com aquilo Castells (1998) argumenta que
as actividades dos grupos de criminosos organizados estão cada vez aumentar mais o seu alcance
internacional, sobretudo a coordenação das actividades criminosas através das fronteiras – com
ajuda das novas tecnologias de informação – tornou-se uma marca distintiva da nova economia
global. Envolvidos em actividades que vão do narcotráfico ao transporte ilegal de imigrantes
clandestinos e ao tráfico de órgãos humanos, esses grupos operam muito mais através de redes
flexíveis, e internacionais, do que nos limites dos seus próprios territórios.
Enfim, fala-se, hoje, do «cibercrime» pois que o crime organizado foi não só bastante
facilitado pelos avanços recentes nas tecnologias de informação, como também parece acertado
afirmar que a revolução nas telecomunicações e na informação está a mudar a face do crime em
aspectos fundamentais. Os avanços na tecnologia proporcionaram novas e excitantes oportunidades
e benefícios, mas também aumentaram a vulnerabilidade face ao crime. (para aprofundar
Giddens 2013: 1106 – 1111).
7.2. As Cadeias: uma resposta ao Crime?
62
O princípio inspirador do sistema carcerário é a recuperação do indivíduo de modo que possa
reinserir-se na sociedade uma vez posto à liberdade. As cadeias e as condenações por longos
períodos foram consideradas também um importante dissuasivo do crime. Tiveram, porém, o efeito
previsto de «reeducar» os criminosos condenados e impedir a reiteracção dos crimes? A questão é
complexa, mas a evidência dos factos parece sugerir uma resposta negativa.
Em geral, hoje, os condenados não são fisicamente maltratados, como acontecia no passado,
mas passam por muitas privações: não somente da liberdade, mas também de um rendimento
adequado, da companhia dos familiares e amigos, das relações heterossexuais, das próprias roupas e
objectos pessoais. Geralmente vivem em condições de abarrotamento e devem aceitar rigorosas
medidas disciplinares. Viver nestas condições tende a abrir uma fenda entre os condenados e a
sociedade, mas que favorecer a sua reinserção nesta. Os condenados devem lidar-se com um
ambiente de todo diverso daquele externo, enquanto os hábitos e as atitudes que aprendem na cadeia
são muito diametralmente opostos àqueles que em teoria aprenderiam. Podem desenvolver, por
exemplo, uma forma de ressentimento verso os cidadãos comuns, aprender a aceitar a violência
como facto normal, estabelecer com os malfeitores ou marginais contactos endurecidos que pois
mantêm uma vez postos em liberdade, adquirir capacidades criminais que antes não conheciam. Por
este motivo as cadeias são chamadas «universidades do crime». Não surpreende, portanto, que a
taxa de recidividade, isto é, a percentagem daqueles que tornam a cometer crimes quantos já foram
condenados anteriormente, seja tristemente alta.
Mesmo se as cadeias não parecem capazes de reabilitar os condenados, permanece fortíssima
a pressão a potenciar as instituições prisionais e de agravar as penas para muitos tipos de crime.
Alguns, todavia, consideram necessário a passagem de uma justiça punitiva à uma justiça
reparadora, que entende a aumentar nos condenados a tomarem consciência dos efeitos dos seus
crimes através de sentenças a descontar dentro da comunidade, por exemplo, atribuição a serviços
sociais ou encontros de reconciliação com as vítimas. Mais do que serem isolados da sociedade e,
logo, num certo sentido serem protegidos das consequências dos seus actos, os criminosos deviam
confrontar-se conscientemente consigo mesmos.
O debate sobre a eficácia das cadeias não encontra fáceis respostas. Mesmo se as cadeias
parecem capazes de reabilitar os condenados, é de qualquer modo possível que afastam de cometer
outros crimes. Encontramos diante de um problema quase impossível de resolver para aqueles que
entendem reformar o sistema penitenciário: tornar as cadeias lugares mais acolhedores facilitaria o
escopo reabilitativo da cadeia, mas riscaria de reduzir o efeito dissuasivo.
8. Criminalidade, Desvio e Ordem Social
Seria um erro grave considerar o desvio numa óptica toda negativa. Cada sociedade capaz de
reconhecer que os seres humanos têm valores e aspirações diferentes entre eles deve encontrar
63
espaço para os indivíduos e grupos cujas actividades não são conformes às normas observadas pela
maioria. Aqueles que desenvolvem novas ideias no campo da política, da ciência, da arte são vistos
com suspeita e hostilidade de quem adopta estilos de vida convencionais. O desvio das normas
sociais dominantes requer coragem e determinação, mas é frequentemente essencial para assegurar
processos de mudanças que mais tarde serão julgadas de interesse geral.
O preço pago por uma sociedade que deixa espaço às actividades não conformistas é
necessariamente o «desvio destrutivo»? Em troca das liberdades individuais, por exemplo, uma
sociedade deve, talvez, aceitar altas taxas de criminalidade violenta? Alguns consideram sim,
sustentando que os crimes violentos são inevitáveis numa sociedade na qual não vigora uma rígida
conformidade. Mas este ponto de vista não rege a um exame cuidadoso. Nalgumas sociedades que
conseguem uma ampla gama de liberdade individual e toleram as actividades criminais, as taxas de
criminalidade violenta são baixas. Em países onde, pelo contrário, o âmbito da liberdade individual
é restrito, podem registar altos níveis de violência.
Uma sociedade tolerante em relação ao comportamento desviante pode permanecer coesa.
Este resultado é possível só se as liberdades individuais são acompanhadas de justiça social, num
contexto em que as desigualdades não são demasiadas amplas e a inteira população tenha a
oportunidade de levar uma vida plena e satisfatória. Se a liberdade não é balanceada pela igualdade
e se muitos consideram irrealizável a própria vida, o comportamento desviante tem muitas
possibilidades de orientar-se para escopos socialmente destrutivos.

64
CAPÍTULO VII: ESTRATIFICAÇÃO, CLASSES E DESIGUALDADE
Para descrever as desigualdades entre os indivíduos e grupos nas sociedades humanas, os
sociólogos falam de estratificação social. Geralmente pensamos à estratificação social em relação
aos factores económicos, mas pode ser também determinada a partir de outros factores como o
género, a idade, a pertença religiosa, etc.
Indivíduos e grupos não têm as mesmas oportunidades ou até têm um acesso diferenciado às
riquezas em função da posição que ocupam na estratificação. A Estratificação pode ser definida,
simplesmente, como um sistema de desigualdades estruturantes entre grupos sociais. Ou até é o
resultado da transmissão das desigualdades de geração em geração, com a consequente formação de
verdadeiros e próprios estratos sociais. Pode ser útil imaginar a estratificação como a série de
estratos geológicos da qual é constituída a crosta terrestre. É possível conceber as sociedades como
constituintes ordenados hierarquicamente, onde os privilegiados estão no alto e os menos
privilegiados em baixo.
Outros conceitos, além de estratificação, que merecem uma certa definição são os de
desigualdade e classe social: a desigualdade é a condição na qual se encontram indivíduos que em
relação aos outros não gozam das mesmas possibilidades de acesso a recompensas sociais como
dinheiro, poder e prestígio. As desigualdades existem em todas as sociedades. A classe social é um
grupo cujo acesso à riqueza, ao poder e ao prestígio é diferente daquele de outros grupos; às vezes
em base a comum posição social, as classes se transformam em grupos políticos.

1. Os sistemas de Estratificação

65
Podemos distinguir, historicamente, quatro sistemas fundamentais de estratificação das
sociedades humanas, fundadas respectivamente sobre a escravatura, a casta, o Estado e a classe.
A escravatura é uma forma extrema de desigualdade, na qual os indivíduos são literalmente
possuídos pelos outros como sua propriedade. Enquanto instituição formal, a escravatura é ilegal
em todos os países do mundo.
Um sistema de castas é um sistema social no qual a posição de cada indivíduo é atribuída à
nascença para toda a vida. Nas sociedades de castas os indivíduos devem permanecer durante toda a
sua vida no mesmo nível social do seu nascimento. O estatuto de cada indivíduo baseia-se em
características pessoais – como a raça ou a etnicidade, ou a religião ou a casta dos pais. As castas
encontram-se tipicamente em sociedades agrícolas que ainda não desenvolveram economias
capitalistas industriais, como a Índia rural ou a África do Sul antes do fim do apartheid.
O sistema de Estadofazia parte do feudalismo europeu, mas também existiram em muitas
outras civilizações tradicionais. Os estados feudais consistiam em estratos, cada qual com diferentes
obrigações e direitos para com o outro, sendo algumas destas diferenças estabelecidas por lei.
As Classes diferem em muitos aspectos da escravatura, das castas ou dos estados. Podemos
definir uma classe como um grande grupo de pessoas que partilham recursos económicos comuns,
os quais influenciam fortemente o seu estilo de vida. A riqueza e a ocupação profissional
constituem as principais bases das diferenças entre as classes. As classes diferem das anteriores
formas de estratificação em quatro aspectos:
Os sistemas de classe são fluidos. Ao contrário dos outros tipos de estratificação, as classes
não são estabelecidas por disposições legais ou religiosas. As fronteiras entre as classes nunca são
estanques. Não existem restrições formais ao casamento entre pessoas de classes diferentes.
As posições de classe são em parte alcançadas. A posição de classe de um indivíduo não é
simplesmente dada à nascença, como é comum noutros tipos de estratificação. A mobilidade social
– movimento de ascensão ou descida na estrutura de classes – é muito mais comum do que noutros
tipos de estratificação.
A classe é determinada economicamente. As classes dependem de diferenças económicas
entre grupos de indivíduos – desigualdades na posse e no controlo de recursos materiais. Noutros
tipos de sistemas de estratificação, os factores não económicos (como a raça, no antigo sistema de
castas sul-africano) são geralmente mais importantes.
Os sistemas de classes são de grande escala impessoal. Nos outros tipos de sistema de
esterificação, as desigualdades são primordialmente expressas em relações pessoais de dever ou
obrigação – entre escravo e senhor, ou indivíduos de casta superior e inferior. O sistema de classe,
pelo contrário, opera principalmente através de conexões em larga escala de tipo impessoal. Uma

66
das maiores bases das diferenças entre classes, por exemplo, reside nas desigualdades em termos de
remuneração e de condições de trabalho.
2. Teoria de Estratificação e da Estrutura de Classe
Os sociólogos concordam em reconhecer que a desigualdade é difusa em qualquer sociedade,
mas têm opiniões contrastantes ou diferenciados sobre a sua definição e as suas causas.
As teorias funcionalistas, por exemplo, representadas por Durkheim apresentam as
explicações da desigualdade social a partir de dois aspectos:
Em primeiro lugar, todas as sociedades consideram algumas finalidades mais importantes do
que as outras. Uma sociedade pode atribuir um alto valor à salvação religiosa, enquanto outra pode
privilegiar a riqueza material. Todas as funções sociais podem ser ordenadas segundo uma
hierarquia, em função do valor que a elas vem atribuído.
Em segundo lugar, todos os seres humanos têm capacidades individuais diversas: alguns têm
dotes naturais superiores a outros, enquanto a educação recebida leva, em muitos casos, a acentuar
estas diferenças. Para que uma sociedade prospere, sustentava Durkheim, é necessário que os
indivíduos mais dotados desenvolvam as funções mais importantes, e para que isto aconteça ocorre
oferecer a eles recompensas adequadas.
A religião, por exemplo, para os funcionalistas, desenvolve uma função chave pois que a
sociedade depende dela para a criação de princípios e valores comuns. Os líderes religiosos
interpretam o significado da vida e da morte e elaboram o código moral que os fiéis deve seguir
para obterem a salvação. Aqueles que desenvolvem funções religiosas tendem a receber
recompensas maiores em relação às pessoas comuns, não necessariamente sob forma de riqueza,
mas no sentido de respeito e consideração social.
A função do governo também importante.Quem governa exerce o poder, que constitui em si
mesmo uma recompensa, além de garantir, geralmente, a aquisição de riqueza e prestígio social.
Uma outra função social relevante é aquela desempenhada pela tecnologia. Os técnicos com
competências específicas em particulares campos – civil, militar, produtivo – revestem-se ou
ocupam posições que requerem um processo de aprendizagem longo, fatigoso, incentivado com
recompensas sociais maiores daquelas reservadas a outras posições.
Os teóricos do conflito não concordam com a tese segundo a qual a desigualdade é o modo
natural \com que a sociedade assegura a própria sobrevivência. Mas do que pôr em luz os limites
das teorias funcionalistas – como, por exemplo, quem comercializa o “cabrite” ou o dólar, no
mercado informal, ganhe mais daquele que ensina a ler as pessoas? – os teóricos do conflito
sustentam que o ponto de vista dos funcionalistas é apenas uma justificação do status quo (aquilo
que é). A desigualdade deve-se ao facto que quem controla as riquezas sociais mais importantes
(principalmente riqueza e poder) é conservar, geralmente, os seus próprios privilégios.
67
2.1. A Teoria de Karl Marx
As teses de conflito têm, em grande parte, origem na teoria de classes de Marx. Segundo
Marx, a história humana pode ser dividida em fases caracterizadas por diversos modos de produção.
No feudalismo, por exemplo, o modo de produção é fundado sobre a agricultura: os servos da gleba
(terreno feudal a que estavam ligados os servos) cultivam as terras possuídas por nobres recebendo,
em troca disto, só aquela parte dos produtos agrícolas que é indispensável ao próprio sustento. No
capitalismo, pelo contrário, o modo de produção é baseado sobre a indústria: os proprietários das
fábricas dão um salário que estes usam para adquirir os bens e os serviços necessários dos quais têm
necessidade.
Assim, continua Marx, em cada sociedade uma classe dominante controla os meios de
produção e, com esses meios as condições de vida de uma classe subordinada excluída de tais
meios: como nas sociedades feudais os nobres (proprietários da terra) tinham domínio sobre os
servos (excluídos da propriedade da terra), assim na sociedade capitalista a burguesia (proprietária
das fábricas) tem domínio sobre o proletariado (isto é, aqueles, «literalmente» possuem só a própria
prole).
Segundo Marx, a relação entre as duas classes (a classe dominante e a classe dominada) em
cada fase da história humana funda-se sobre o princípio de exploração, cuja forma é determinada
pelo modo de produção. O sistema capitalista é assim chamado porque nele os meios de produção
assumem a forma de capital (fábricas, máquinas riquezas financeiras, etc). Os detentores do capital
adquirem dos operários a força de trabalho que, aplicada às matérias-primas, as transformas em
mercadoria. Das mercadorias subtraí o lucro, vendendo-as a um preço superior ao seu custo de
produção: para Marx, este lucro resulta da “mais-valia” criado pelo trabalho dos operários (preço do
produto= custo das implantações produtivas e das matérias primas + salário dos trabalhadores +
lucro dos proprietários dos meios de produção mais-valia).
Segundo Marx, os trabalhadores/operários compreenderiam que nesta relação estavam a ser
explorados. Isto provocaria, inevitavelmente, um conflito profundo, destinado a se tornar sempre
mais áspero com a expansão do capitalismo acompanhada de uma degradação da condição da classe
operaria e de um enriquecimento da burguesia. A intensificação do conflito conduziria a uma
revolução na escala mundial que, destruído o capitalismo, conduziria ao advento do socialismo.
N.B: As previsões de Marx não se confirmaram. Em primeiro lugar, o proletário se
diversificou muito. O sector dos serviços teve uma fortíssima expansão e os trabalhadores deste
sector, por serem dependentes salariais, não se identificam necessariamente com a classe operária.
Em segundo lugar, os trabalhadores não manuais – os chamados colarinhos brancos, que na
concepção mais ampla da expressão incluem variadas figuras profissionais, das secretárias aos

68
engenheiros – têm interesse a formar uma aliança com os capitalistas, pois que recebem salários
superiores com relação àqueles de muitos trabalhadores manuais.
Por outro, a teoria de Marx fragilizou-se pelo facto que os governos e os mesmos capitalistas
tornaram-se mais sensíveis às exigências e às solicitações dos trabalhadores, em função das
pressões políticas e reivindicações sindicais. Resulta, logo, menos provável que se mobilizem ao
grito de Marx: «Trabalhadores de todo mundo uni-vos! Não tendes outra coisa perder que as vossas
correntes».
Muitos estudiosos, como Michels, aceitaram, em grande escala, o modelo elaborado por
Marx, mas criticaram a ideia que as relações económicas sejam a base do conflito entre classes. No
seu estudo sobre Sindicatos e Partidos Políticos entre fins do século XIX e princípio do século XX,
RobertMichels sustenta que quando uma organização supera uma certa dimensão, desenvolve-se,
dentro dela uma oligarquia (governos de poucos). Este princípio é definido lei férrea da oligarquia.
Tal tendência à concentracção do poder é em grande parte determinada da estrutura da organização:
é impossível que um grupo numeroso venha a discutir e a agir em primeira pessoa; os demais
delegam, por isso, esta responsabilidade a alguns chefes, os quais gozam de poder que destes vem.
2.2. A Teoria de Max Weber
Ao início do século XX, depois da publicação de obras de Marx, uma nova teoria de
estratificação elaborada por Max Weber amortecia o acento colocado sobre a dimensão
económica, individuando, ao lado desta, outras duas dimensões principais da desigualdade social
(dimensão social/status e dimensão política/poder). Weber considerava que as três dimensões
fossem ligadas entre elas, e todavia, independentes por diversos e importantes motivos.
Na dimensão económica o factor determinante é para Weber a situação de mercado, que não
coincide com a propriedade ou menos dos meios de produção, segundo Marx. Segundo Weber os
indivíduos possuem capacidades e crenças profissionais, gastáveis no mercado de trabalho, que
oferecem a eles o acesso a determinados rendimentos, condições ocupacionais e oportunidades de
carreira. As classes que se definem na esfera económica são formada, para Weber, de sujeitos que
partilham a mesma situação de mercado.
Weber considerava, porém, que as diversas oportunidades produzidas pela situação de
mercado não fossem suficientes, por si próprias, para justificar a estratificação social. Uma segunda
componente da desigualdade, a seu ver, vem do status fundado sobre as diferenças sociais relativas
à diversa distribuição de honra, estima ou prestígio. Sobre a base das diferenças de status se
constituem, segundo Weber, grupos sociais chamados de classes/estados. Os membros de uma
classe têm um estilo de vida característico: falam da mesma forma, escolhem o mesmo tipo de
vestuário, frequentam os mesmos ambientes, passam o tempo livre no mesmo modo, consomem o
mesmo tipo de produtos.
69
Para Weber o prestígioseria mais importante quanto à riqueza se fosse, pelo menos, em parte
independente. É verdade que a riqueza aumenta o prestígio de uma pessoa, mas existem outros
factores que desempenham um papel determinante. Um professor universitário, um sacerdote, um
funcionário estatal gozam, em geral, de maior prestígio do proprietário de um filme pornográfico,
mesmo se tenham um rendimento inferior. Um chefe de assaltantes, por exemplo, pode ser muito
rico, mas o seu prestígio social é inválido.
Uma terceira componente da estratificação social identificada por Weber é de natureza
política: com o termo poder Weber define a capacidade de um indivíduo ou de um grupo de fazer
valer a própria vontade mesmo ante à oposição de outros. Weber considera os partidos políticos e
os grupos a esses ligados, como os sindicatos e as associações de categoria, os elementos
portadores do sistema de poder numa sociedade. Riqueza e prestígio podem aumentar as
possibilidades que uma pessoa entre na esfera dos potentes, mas não dão, necessariamente, acesso
ao poder. Um exemplo de poder independente da riqueza é que nos vem das associações de
consumidores, que não são ricos mas gozam de muito poder, pois que um grande número de
pessoas apoia as suas iniciativas. A sua actividade política estimulou, em muitos casos, os governos
a tomarem iniciativas que de contrário não as teriam tomadas.
3. As Classes nas Sociedades Contemporâneas (19.10.2015)

Uma característica, que merece atenção quando se fala de classes nas sociedades
contemporâneas, é a expressão classe média. De facto, esta expressão se aplica à uma ampla gama
de indivíduos com muitas ocupações diversas: profissionais, dirigentes, funcionários, empregados,
técnicos, etc. Alguns preferem falar de classes médias, próprio para sublinhar a diversidade de tais
ocupações e das oportunidades a elas ligadas. Segundo muitos estudiosos sociais, como
Goldthorpe, a classe média compreende, hoje, a maioria da população em grande parte nos países
industrializados, pois que no curso do século XX a quota do trabalho não manual aumentou em
relação aquela do trabalho manual.
Em virtude dos títulos académicos e das competências técnicas, os membros da classe média
ocupam posições que lhes conferem vantagens materiais e culturais em relação aos trabalhadores
manuais. À diferença da classe operária, para ganhar a vida os membros da classe média podem
vender também a sua capacidade laboral mental. Esta precisão pode ser útil para distinguir
aproximadamente entre classe média e classe operária, mas a natureza dinâmica ocupacional e a
mobilidade social ascendente e descendente tornam difíceis definir com precisão os respectivos
limites.
Sob uma outra vertente resta ainda o problema aberto de situar adequadamente na classe
média algumas categorias profissionais independentes que não encontram colocação na classe

70
superior. Trata-se dos chamados «trabalhadores autónomos»: comerciantes e possuidores de
empresas para a gestão familiar (largamente presentes em muitas sociedades, como o caso de
Angola) e pequenos proprietários agrícolas (presentes nas sociedades menos desenvolvidas).
A classe média não possui coesão interna e é menos provável que possa tê-la, dada a
heterogeneidade e os interesses divergentes dos seus componentes. Esta heterogeneidade da classe
média não é um fenómeno novo, pelo contrário, é uma característica constante.
Neste pano de fundo, profissionais, dirigentes e funcionários são entre os segmentos da classe
média que mais aumentaram numericamente nos últimos decénios. Isto se deve a vários factores,
começando pela importância que as grandes organizações assumiram nas sociedades modernas.
Médicos e advogados, que há um tempo trabalhavam por conta própria, hoje são geralmente
ocupados num contexto organizativo. A criação do Welfare State (o estado social) produziu um
incremento notável de figuras profissionais nos sectores da assistência social, da educação e da
saúde. Enfim, o desenvolvimento económico e industrial criou uma procura crescente de espertos
em campos como o direito, a finança, a contabilidade, a tecnologia, a informática, etc.
Profissionais, dirigentes e funcionários ascendem à sua posição através a posse de
determinadas «credenciais»: láureas, diplomas e outras qualificações. No conjunto estas pessoas
têm carreiras relativamente seguras e remunerativas, e a sua separação de quem desenvolve um
trabalho não manual mais executivo alargou-se, provavelmente, nos últimos anos. Isto acentuou,
ulteriormente, a diferenciação interna da classe média entendida em sentido lato.

3.1. Classe e Estilo de Vida


Analisando a colocação de classe, os sociólogos tendem, por tradição consolidada, a basear-se
sobre factores como a relação com os meios de produção, a posição no mercado e o tipo de
ocupação. Muitos autores sustentaram que devemos avaliar a colocação de classe não só sobre
estes factores, mas também em relação a factores culturais, como estilo de vida e os modelos de
consumo.
Pierre Bourdieu, por exemplo, considera que na análise das classes sociais seja indispensável
ter em conta o capital cultural, isto é, um conjunto de competências, orientações e gostos culturais
que sempre mais substitui os factores económicos e ocupacionais no determinar a distinção social.
Este fenómeno é cimentado pela proliferação dos «mercados das necessidades», uma fileira sempre
mais numerosa de pessoas cujo trabalho consiste em oferecer bens e serviços reais e simbólicos,
destinados ao consumo. Publicitários, especialistas de marketing, estilistas, consultor ou perito de
imagens, decoradores, persnal trainers(pessoas que se dedicam à instrução) contribuem todos à
determinação dos gostos culturais e dos estilos de vida numa comunidade sempre mais ampla de
consumidores. Para muitos aspectos a sociedade consumista é uma «sociedade de massa», cujas

71
diferenças de classes tendem a anular-se, assim que pessoas provenientes de classes diversas podem
assistir os mesmos programas televisivos ou adquirir roupas nas mesmas lojas exclusivas. Mas as
diferenças de classe podem também acentuar-se através o estilo de vida e a diversidade de «gostos».
(ficamos por aqui)
Acolhendo os aspectos estimulantes desta abordagem, é, todavia, impossível ignorar o papel
determinante que os factores económicos continuam a desenvolver na reprodução das
desigualdades sociais. Em particular, aqueles que se encontram em condições de extrema
privação material e social não escolhem livremente o próprio estilo de vida. A sua situação é
certamente condicionada pelos factores que remetem à estrutura económica e ocupacional. (É
importante realçar a questão da pobreza absoluta e relativa).
É importante, neste sentido, analisar a importância que a pertença de classe tem sobre a
esperança de vida, sobre a vida familiar e sobre o uso do tempo livre por parte dos indivíduos.
Esperança de vida. Antes da revolução industrial não existia uma correlacção entre a
pertença de classe e a duração média da vida. A taxa de mortalidade era igual para todas as
classes: o senhor no seu castelo não era protegido dos riscos das doenças mais do camponês no seu
casebre. No início da revolução industrial, paralelamente ao desenvolvimento de novas classes
sociais, começaram a manifestar-se acentuadas diferenças nas taxas de mortalidade. As classes
inferiores haviam acesso ao alojamento, condições higiénicas e cuidados médicos muito mais
escassos em relação às classes superiores e, como consequência, apresentavam taxas de
mortalidades mais elevadas.
Hoje na maior parte dos países a diferença relativa à duração média de vida esta a diminuir,
pois que mesmo as classes menos ricas gozam de uma alimentação melhor e têm mais facilmente
acesso aos serviços sanitários. Tal diferença, todavia, é ainda longe de ser colmatada: para os
membros das classes inferiores uma alimentação caducada traduz-se numa menor resistência às
doenças, enquanto a falta de educação sanitária, a relutância de consultar um médico ou a
impossibilidade de pagá-lo tornam as classes menos ricas mais frequentemente vítimas de doenças e
invalidade.
Vida familiar. A pertença de classe parece influenciar sobre o modo em que nas famílias são
repartidas as tarefas domésticas quotidianas. É muito mais provável que se ocupe de limpeza, de
cozinha e de outros afazeres domésticos um marido de classe média que um da classe operária.
Uma outra diferença pode ser confrontada nos níveis de comunicação. Geralmente os casais das
classes inferiores crêem menos no aprofundamento da relação e na manifestação dos sentimentos
em relação àquelas das classes superiores. Esta relativa falta de comunicação pode aumentar o
conflito e até a violência conjugal.

72
Segundo a maior parte dos estudiosos, os pertencentes às classes menos ricas tendem a
organizar a própria vida em torno à família mais de quanto façam os pertencentes às classes
superioras. Os membros das classes mais elevadas são maiormente propensos a cultivar relações
com os amigos mais do que com os parentes, enquanto os membros das classes inferiores tendem a
ter um maior número de encontros familiares.
Enfim, mesmo as atitudes que têm a ver com o matrimónio e com o sexo parece
diferenciarem-se ao longo de linhas de classe. Os homens das classes inferiores parecem menos
sensíveis à ideia de fidelidade conjugal e mais levados a preferir relações extraconjugais para a
satisfação sexual com relação aos homens das classes superioras.
Tempo livre. As diferenças de classe são muito evidentes em matéria de tempo livre. Os
pertencentes às classes superioras assistem a manifestações artísticas mais do que façam os
membros das classes inferiores. As pessoas mais ricas vão geralmente à uma ópera artística, ao
teatro e ao concerto, a espetáculos de danças, visitam maior número de galerias de arte e museus,
lêem mais livros. Por outro, os pertencentes às classes superiores tendem a praticar os sport,
enquanto as classes inferiores têm propensão para o entretenimento passivo, especialmente aquele
mediado pela televisão.
Esta diversidade de comportamentos se funda sobre diversas razões. Uma é de tipo
económico: as pessoas com rendimentos elevados têm mais possibilidades de praticar sport
custosos, como a vela (desporto), e de frequentar formas de espetáculos mais dispendiosos, como
ópera artística ou o teatro. Uma outra explicação é dada pelo facto que as pessoas com uma
instrução de nível universitário tendem a cultivar interesses culturais mais desenvolvidas e
aprofundadas. Enfim, algumas diferenças de classe no uso do tempo livre podem ser determinadas
do tipo de amigos que indivíduo frequenta. As amizades laborais se desenvolvem geralmente ao
longo de linhas de classe – os dirigentes fraternizam com outros dirigentes, os operários com outros
operários – e estes grupos tendem a permanecer separados mesmo nas actividades recreativas.
3.2. Género e estratificação
Os estudos sobre a estratificação permaneceram, por muitos anos, fechados ao problema do
género, como as mulheres não existissem ou não tivessem importância na distribuição do poder, da
riqueza e do prestígio. O género, na realidade, representa um dos mais significativos exemplos de
estratificação. Não existe sociedade em que os homens não tenham, em alguns sectores da vida
social, mais poder e status com relação às mulheres. Historicamente as desigualdades de género
precedem de muito às divisões de classe: os homens tinham uma posição superior às mulheres
mesmo nas sociedades de caça e de recolecção de frutos, onde não existiam classes. Mas segundo
um ponto de vista sociológico «convencional», nas sociedades modernas as divisões de classe são
assim marcantes porque tendem substancialmente a prevalecer sobre as desigualdades de género,
73
para as quais a posição material das mulheres reflecte, na maior parte dos casos, aquela dos
respectivos pais ou maridos.

3.2.1. A Colocação de Classe das Mulheres


Este ponto de vista permaneceu substancialmente indiscutível até aos tempos recentes. Mas a
crítica feminista e as transformações inegáveis do papel económico da mulher verificado em muitas
sociedades ocidentais e não só fizeram deste tema um objecto de debate (neste caso podemos falar
do programa de desenvolvimento adoptado pelas Nações Unidas que integra a vertente do género
que até 2030 prevê que a representação feminina atingirá 50%).
Segundo a posição convencional na análise das classes, o trabalho remunerado das mulheres
é relativamente pouco relevante com relação aqueles dos homens e, logo, as mulheres podem ser
consideradas pertencentes à mesma classe dos respectivos maridos (Goldhtorpe 1983). Este autor
sublinha que não se trata de uma abordagem sexista. Ao contrário, ele reconhece que a maior parte
das mulheres se encontra em uma posição subordinada no mercado de trabalho. As mulheres
desenvolvem trabalhos a tempo parcial em relação aos homens e têm uma experiência mais
frequente de empregos temporários, sendo empenhadas, por longos períodos, na maternidade e no
cuidado dos filhos. Pois que a maioria das mulheres se encontra, tradicionalmente, numa posição de
dependência económica dos maridos, consequentemente que a sua posição de classe reflecte aquela
dos últimos.
A tese de Goldthorpe foi criticada de várias maneiras. Em primeiro lugar, por uma
consistente percentual de famílias cujo rendimento das mulheres resulta essencial para manter a
posição económica e o estilo de vida da família, logo que determina em via complementar a posição
de classe.Em segundo lugar, pode acontecer que a ocupação da mulher defina em via de principal a
posição de classe da família, por exemplo quando o marido é um operário e a mulher gere uma loja
ou um estabelecimento comercial. Em terceiro lugar, nas famílias caracterizadas por uma dupla
pertença, em que a ocupação do marido é diferente daquela da mulher, pode ser mais realístico
tratar um e outra como colocados em diferentes posições de classe. Em quarto lugar, a percentagem
de família, nas quais as mulheres são a única fonte de rendimento aumenta cada vez mais, como o
confirma o número crescente de mães sós e de mulheres sem filhos. Nestes casos a mulher
determina, por definição, a posição de classe da família, exceptuando os casos nos quais goza,
depois do divórcio e/ou separação, de sustento que a coloca ao mesmo nível económico do marido.
Goldthorpe defendeu a posição convencional, mas algumas importantes mudanças foram
introduzidas no seu modelo. Ao invés de fundar-se, tradicionalmente, sobre a posição de “chefe de
família”, a classificação das famílias é assim determinada de quem fornece ou dá o maior contributo
ao sustento familiar.

74
4. A Mobilidade Social
A noção de mobilidade social se refere aos movimentos de indivíduos e grupos entre diversas
posições socioeconómicas. Por mobilidade vertical se entende o movimento para o alto ou para
baixo na escala das posições socioeconómicas. A mobilidade ascendente acontece quando alguém
ganha mais em termos de riquezas, rendimento ou status; a mobilidade descendente, no caso de
quem se move na direcção oposta.Por mobilidade horizontal se entende o movimento geográfico
através condomínios, cidades, regiões e países. A mobilidade vertical e aquela horizontal são
geralmente combinadas: um indivíduo que trabalha numa empresa, de uma certa cidade, pode ser
promovido para cargos superiores num ramo de uma empresa que opera numa outra cidade, ou até,
num outro país.
Existem dois modos de estudar a mobilidade social: a mobilidade entre gerações(a
mobilidade interegerações) que acontece quando há mudança de posição socioeconómica de um
indivíduodentro do ciclo da vida, indicado, em geral, da sua carreira laboral ou profissional; a
mobilidade dentro das gerações(mobilidade intra-gerações) acontece a partir da mudança de
posição socioeconómica em relação à geração precedente e é indicada do afastamento da condição
ocupacional dos filhos em relação aquela do pai. Por exemplo, o filho de um camponês que se torna
Presidente de uma República.
Uma palavra sobre a mobilidade vertical e a mobilidade descendente. Os estudos sobre a
mobilidade vertical revela que esta, numa sociedade, representa o índice principal da sua abertura,
indica, isto é, até que ponto os indivíduos nascidos nos estratos inferiores podem ascender ao longo
da escala socioeconómica. Sob este aspecto, a mobilidade social é uma importante questão política,
em particular nos estados em prevalece a ideia liberal de igualdade de oportunidades para todos.
Quanto à mobilidade descendente podemos afirmar mesmo se é comum àquela ascendente,
ela, a mobilidade descendente, permanece um fenómeno difuso. Na dimensão dentro das gerações a
mobilidade descendente é ligada ao surgimento dos problemas e distúrbios que impedem de
conservar o standard precedente de vida. Uma outra fonte de mobilidade descendente é a
desocupação: os homens de meia-idade que perdem o emprego encontram muitas dificuldades em
encontrar outro emprego, ou então se o encontram a remuneração é muito inferior ao emprego
precedente. A mobilidade descendente é, por outro, muito presente entre as mulheres separadas e
divorciadas com filhos (famílias monoparentais). Mulheres que como casadas gozavam de uma
existência relativamente acomodada encontram-se em dificuldades depois do divórcio ou separação;
em muitos casos, as necessidades básicas não são suficientes para se manter.
4.1. Género e Mobilidade Social
Maior parte das investigações sobre a mobilidade social concentrou-se sobre os homens,
mas nos últimos anos começou-se a prestar atenção também aos modelos de mobilidade feminina.
75
Numa época em que as raparigas obtém, geralmente, êxitos escolares que superam aqueles dos
rapazes, tentou-se a concluir que as desigualdades tradicionais de género distanciam-se cada vez
mais. A estrutura ocupacional tornou-se aberta às mulheres e a sua mobilidade é, assim,
condicionada do ambiente interno familiar e social?
No geral as mulheres têm, hoje, oportunidades muito superiores aquelas das gerações
precedentes. As mais vantajosas foram as mulheres de classe média, que em relação aos homens
tiveram mais ou menos as mesmas possibilidades de acesso à universidade e às ocupações bem
remuneradas uma vez laureadas. Esta tendência a uma maior igualdade reflecte-se também num
sentido acentuado de confiança e auto-estima com relação às precedentes gerações femininas.
A possibilidade das mulheres de fazer uma boa carreira aumentam cada vez mais, mas
perduram, ainda, importantes obstáculos. Nas assunções os dirigentes e as entidades empregadoras
de trabalho masculino tendem a favorecer candidatos masculinos, em parte porque convincentes
que as mulheres não são realmente interessadas à carreira e que deixaram o trabalho quando
formarem uma familiar. O nascimento dos filhosé um acontecimento que efectivamente incide
muito sobre as possibilidades da carreira feminina, não tanto porque as mulheres sejam,
efectivamente, pouco interessadas à carreira, mas porque geralmente são obrigadas, de facto, a
escolher entre esta e a maternidade.
Portanto, raramente os homens partilham uma plena responsabilidade no trabalho
doméstico e no cuidado dos filhos. Por quanto sejam sempre mais numerosas as mulheres em altura
de organizar a própria vida doméstica em função da carreira, permanecem ainda muitos
impedimentos sobre o seu caminho.

76
77

Você também pode gostar