Você está na página 1de 4

Ciências Sociais e Ciências da Natureza

Assim como a eletricidade é um fenômeno estudado pela ciência chamada Física, como os organismos
que possuem células são estudados pela Biologia e os elementos oxigênio e carbono são objetos de
estudo da Química, a Sociologia estuda os fenômenos sociais. Ou seja, as relações que os indivíduos
estabelecem entre eles próprios, gerando normas de comportamento, atitudes, formação de grupos
e elaboração de ideias sobre os mesmos grupos. Sinteticamente, estes são os objetos de estudo da
Sociologia. Émile Durkheim, considerado “pai” da Sociologia acadêmica, afirmou que os fenômenos
sociais são sui generis, isto é, o seu entendimento requer uma ciência específica para seu estudo. Sui
generis é um termo do latim, que significa, literalmente, “de seu próprio gênero”, ou seja, “único em
seu gênero”.

Vejamos um exemplo: Recentes estudos já comprovaram que o cigarro faz mal à saúde. Todos sabem
disso, mas um professor de Química pode nos explicar que os elementos químicos encontrados no
cigarro (alcatrão e nicotina) causam uma determinada reação no organismo, o que, ao final de alguns
anos, pode provocar câncer de pulmão. Por sua vez, a Biologia vai explicar como esses elementos
químicos deterioram os pulmões, cuja função é vital para o corpo humano. Tudo bem! Mas por que
as pessoas que sabem disso continuam fumando? Bom, para responder a esta pergunta podemos
procurar a Psicologia. Talvez afirmando que os fumantes são facilmente influenciados por outros e
por alguma publicidade. Esta seria uma forma de explicação sobre o comportamento das pessoas que
fumam. Mas será somente essa a explicação? E por que se produzem maços e maços de cigarro, já
que as indústrias sabem que é prejudicial à saúde? Por que o governo, por um lado, apesar das novas
regras de propaganda, permite a venda de cigarros e, por outro, proíbe, por exemplo, a venda de
maconha? Certamente a Química não pode dar uma resposta, nem mesmo a Biologia. Aqui, então,
entra em cena a Sociologia, que vai explicar os interesses econômicos das grandes multinacionais, cujo
objetivo é o lucro – legitimado pela maioria dos governos do mundo e principal fator da existência do
capitalismo. O capitalismo é um sistema econômico, social e político que é objeto de estudo da
Sociologia. Enfim, os efeitos químicos do cigarro são objetos sui generis da Química e as consequências
orgânicas para os pulmões são objetos sui generis da Biologia. Entretanto, o motivo que leva pessoas,
proprietários das fábricas de cigarro, a produzir o cigarro é objeto sui generis de estudo da Sociologia.

Portanto, nesse exemplo, podemos compreender que para se entender o uso do cigarro na sociedade
é necessário entendê-lo sob o ponto de vista da Química, da Biologia e da Psicologia – assim como da
Sociologia. Este é somente um exemplo que a Sociologia nos mostra para podermos entender uma
questão básica: nossa vida cotidiana é social, ou seja, não estamos sós no mundo. Estabelecemos
relações com outros indivíduos e criamos regras de convivência. Algumas já existiam quando
nascemos e, provavelmente, existirão depois de nosso falecimento. Concluímos, então, que o
indivíduo é um produto social, isto é, o que as pessoas fazem é condicionado, muitas vezes, pela
convivência com outros indivíduos e grupos de indivíduos. Neste sentido, a preocupação central da
Sociologia é com o ser humano e suas relações sociais, pois entende-se que os indivíduos não são
isolados. Ao contrário, relacionam-se uns com os outros e formam grupos sociais, com regras de
comportamento e atitudes diversas na família, na escola, no trabalho, no lazer e em outros espaços
de convivência cotidiana.

Mas estas regras de comportamento não são estáticas; pelo contrário, são bastante dinâmicas. Ou
seja, na História da humanidade, homens e mulheres modificam seus comportamentos, atitudes e
formas de lidar com a realidade. Exemplo disto é a existência do divórcio, recurso de que nossos avós
e bisavós não podiam se utilizar quando a união matrimonial não mais satisfazia o casal. Além disso,
existem sociedades que são bem distintas da nossa e que estabelecem regras diferentes de
comportamento neste mesmo período histórico em que vivemos atualmente. É o caso se
compararmos formas de matrimônio encontradas nas sociedades que seguem os preceitos das
religiões muçulmanas (baseadas na poligamia) com aquelas encontradas, por exemplo, no Brasil
(baseadas na monogamia). A Sociologia, além de estudar as relações sociais e os comportamentos dos
indivíduos e dos grupos sociais, questiona o porquê da existência de conflitos entre estes grupos, as
razões de indivíduos e grupos quando tentam quebrar as regras de funcionamento das sociedades, ou
quando criam movimentos para questionar ou legitimar essas mesmas regras. Neste caso, é quando
se formam os chamados movimentos sociais como, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra – MST, o Movimento dos Sem-Teto, o Movimento Estudantil etc.

O sociólogo norte-americano Charles Wright Mills escreveu um livro, muito interessante, chamado A
imaginação sociológica, publicado pela primeira vez em 1959. Nesse livro, com o objetivo de explicar
a importância da Sociologia, Wright Mills diz que essa ciência representa uma qualidade do espírito
humano que nos ajuda a perceber o que está ocorrendo no mundo e como nos situamos neste mundo.
Mas como? Bom, ele dá o exemplo simples do desemprego. Ou seja, quando, em uma cidade de
milhares de habitantes, somente um indivíduo está desempregado, isto é um problema pessoal desse
indivíduo. E para entender este problema, talvez tenhamos que observar o caráter dessa pessoa, suas
habilidades e suas oportunidades. Porém, quando temos 15 milhões de desempregados num país de
50 milhões de trabalhadores (ou seja, pessoas em idade produtiva, que podem exercer uma ou outra
profissão), isto já não é um problema de caráter ou de habilidades, mas um problema público, que
tem a ver com uma estrutura e com um certo funcionamento da sociedade. Outro exemplo que ele
dá é o caso do divórcio. Num casamento, o homem e a mulher podem ter perturbações pessoais,
levando-os ao divórcio. Mas, quando o número de divórcios cresce numa cidade e, de cada 1.000
casais nos primeiros quatro anos de casamento, 250 se separam, isto pode ter alguma relação com a
instituição do casamento naquela determinada sociedade. Wright Mills vai dizer que a recorrência de
muitos divórcios pode estar relacionada à estrutura da família enquanto instituição. Enfim, Wright
Mills está nos apresentando uma questão simples e que serve para pensar nossas vidas, ou seja, aquilo
que experimentamos na vida em vários e específicos ambientes cotidianos, como desemprego,
separações etc., muitas vezes é influenciado pelas modificações culturais, econômicas ou outras de
caráter mais geral que ocorrem nas sociedades. Por isso é que ele diz que precisamos ter consciência
da ideia e da existência de uma estrutura da sociedade, das relações sociais e utilizá-las com
sensibilidade, para sermos capazes de identificar as ligações entre as nossas diversas experiências da
vida cotidiana. Ter essa consciência e essa capacidade é ter uma imaginação sociológica.

A socialização dos indivíduos

É o pensamento e a ação dos indivíduos que influenciam a sociedade como um todo ou se é o


contrário, ou seja, se é a sociedade que influencia e determina o pensamento e o comportamento de
cada indivíduo. Este é um grande dilema e um dos grandes temas da Sociologia a respeito do
comportamento humano. É a reflexão sobre a socialização dos indivíduos. Então, vamos com calma...
Primeiro, vamos refletir sobre esse conceito de socialização e depois entender como alguns dos
principais pensadores trataram as relações entre indivíduo e sociedade.

Quando falamos em socialização dos indivíduos, estamos sugerindo que aquilo que nós somos é o
resultado de um processo que aprendemos na convivência com outros seres humanos, com base em
valores, ideias, atitudes e fazeres comuns. Ou seja, seus sentimentos sobre uma criança, sua ideia
sobre um assunto, seu tratamento de respeito aos idosos ou seu modo de vestir, são aprendidos
através do seu contato com as gerações anteriores. Você é consciente do que faz, sente e pensa na
sua relação com outras pessoas. Então imaginemos uma situação. Quando nasce uma criança, a vida
dos adultos/pais muda completamente. Suas preocupações cotidianas passam a ser compartilhadas
com a existência dos filhos. Entretanto, dependendo de como a criança é fisicamente, podemos
intuitivamente imaginar como ela poderá ser tratada pela família, pelos vizinhos ou pelos conhecidos
e qual a expectativa desses sobre os comportamentos e atitudes que devem tomar. Se a criança for
do sexo feminino, teremos, com o passar dos anos, vários rituais específicos, roupas bem
características e comportamentos e atitudes que serão esperadas – inclusive em relação ao seu
desempenho profissional. Dependendo dos valores que receber dos adultos, pode ter um
comportamento submisso ou, então, um comportamento de disputa ou de igualdade perante os
homens. Se a criança for do sexo masculino, teremos outros rituais, roupas, comportamentos e
atitudes também “característicos”. Se a criança vive numa sociedade em que existem pessoas de cores
de pele ou etnias distintas, dependendo de como a maioria dessa sociedade pensa, a criança, sendo
negra ou branca, poderá ser tratada de uma forma diferente, com privilégios ou não. Os olhares para
a cor, para os cabelos, para o nariz ou para outros aspectos físicos poderão representar uma
determinada visão de mundo, com as suas possíveis definições a respeito do caráter, da origem e da
expectativa de um futuro de sucesso ou não. Se a criança sob os nossos cuidados vive em uma
sociedade dividida em classes sociais, ou seja, em que há pessoas que não compartilham a mesma
condição econômica de acesso às riquezas produzidas pela sociedade e, o mais importante, em que a
possibilidade de ascensão social é muito restrita, essa criança, para ter certo sucesso, dependerá em
muito da condição econômica e possibilidade de acesso a esses bens.

Podemos imaginar mais coisas como, por exemplo: e se a criança tiver alguma necessidade
educacional especial? E se suas referências de vida (valores, moralidade, ética, jeito de se comportar
etc.), influenciadas por nós, forem muito diferentes e até contrapostas aos futuros coleguinhas de
escola da mesma idade? E se a sua religião não for aquela da maioria das pessoas, mas outra, com
costumes e rituais entendidos como “estranhos” ou “repulsivos”? E se o seu jeito de falar (sotaque)
soa esquisito para seus amiguinhos? E se...? Enfim, o que podemos observar é que todos nós somos
socializados de acordo com nosso ambiente social. A primeira fase de socialização é chamada de
socialização primária, ou seja, aquela que acontece nas famílias. Cada vez mais, no entanto, na medida
em que o pai e a mãe trabalham fora, a socialização primária pode ocorrer também nas creches, onde
nós, quando crianças, passamos a maior parte do dia. Quando ingressamos nos anos iniciais do Ensino
Fundamental ou quando tomamos contato com outros ambientes fora de nossa família, através dos
colegas da rua, grupos de jovens da igreja, ou quando vemos TV, acontece a chamada socialização
secundária. Os dois tipos de socialização condicionam nossas relações com outros indivíduos e,
dependendo da forma, do ambiente social e da educação que recebemos nós adotamos ou
abandonamos uma série de papéis sociais. Um papel social é um comportamento esperado de um
indivíduo que ocupa uma determinada posição na sociedade. Mas quer dizer, então, que cada um de
nós não tem liberdade ou margem de manobra para adotar um certo papel social? A resposta a esta
questão foi e continua sendo um dos grandes debates dos teóricos da Sociologia até hoje.

A Sociologia como ciência da sociedade

A Sociologia é uma ciência nova, que tem pouco mais de um século de vida. Ela desenvolveu-se, como
disciplina acadêmica, em um momento de intensas transformações da sociedade europeia. Vejamos
o que aconteceu na Europa a partir do século XV até o século XIX. Você já deve ter estudado em
História que nesse período ocorreram grandes transformações econômicas: as trocas comerciais se
expandiram, os europeus entraram em contato com outros povos, da Ásia, da África e das Américas,
intitulado como “descobrimentos” e, por meio da organização de grandes empreendimentos
comerciais e agrícolas, como foi o caso da lavoura da cana-de-açúcar – mas também do tráfico de
africanos escravizados e da promoção de pilhagens e saques –, obtiveram como resultado um acúmulo
de riqueza inigualável até aquela época. A expansão marítima foi acompanhada por um grande
desenvolvimento das ciências e o florescimento e a expansão da cultura europeia que, a partir do
Renascimento, transformou o homem europeu no modelo universal de razão e humanidade. A partir
do século XVIII, com a primeira Revolução Industrial, a produção de mercadorias se expandiu, assim
como o crescimento das cidades. Um grupo social em ascensão – a burguesia – tornou-se dominante,
tomando o lugar da nobreza e do clero – que até então comandavam a sociedade feudal –, e na
qualidade de proprietário das fábricas, das terras e das matérias-primas, acumulou para si próprio o
resultado da produção das riquezas a partir das sociedades europeias.

Paralelamente a esse processo, ocorreram grandes transformações políticas. Com o poder econômico
da burguesia, os feudos medievais começaram a desaparecer e iniciou-se um processo de surgimento
dos Estados Nacionais. Em 1789, aconteceu a Revolução Francesa, que, inspirada pelo Iluminismo e
sob o lema da “Igualdade, Fraternidade e Liberdade”, declarou que os homens eram todos iguais
perante a Lei e tinham direitos universais, lançando as bases políticas do que ficamos entendendo,
mais tarde, como cidadania.

A Sociologia, portanto, surgiu neste contexto de mudanças, a partir da necessidade do homem


europeu em tentar explicar cientificamente o mundo, suas relações com outros homens e com outras
sociedades que passou a conhecer. Ora, como explicar que, na Europa, com toda a riqueza gerada
pela Revolução Industrial, houvesse, simultaneamente, o aumento da pobreza e da miséria dos
trabalhadores? Por que a Revolução Francesa clamava pela igualdade e pela fraternidade, mas o que
se via era o aumento da desigualdade social e econômica? Por outro lado, por que nas Américas, entre
os nativos, apesar das hierarquias existentes entre eles, não existiam pessoas passando fome antes
da chegada dos europeus? Da mesma forma, por que na África existiam sociedades inteiramente
diferentes, com costumes diferentes, deuses diferentes, tradições familiares diferentes? Na verdade,
o que estava ocorrendo também era a “libertação” dos homens europeus das explicações de origem
divina em direção ao predomínio da razão humana, ou seja, tudo passava a ser explicado pelos
próprios homens e não mais somente por Deus. E mais: com o desenvolvimento das técnicas e da
ciência, os homens europeus começavam a dominar mais a natureza e as próprias relações entre eles.
Enfim, fazia-se necessária uma explicação para todas essas mudanças, elaborando leis científicas,
conceitos e teorias. Portanto, a Sociologia surge diante das grandes mudanças que ocorreram nessa
época.

Você também pode gostar