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eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, dos autores.
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Revisão textual e gramatical: Aparecida de Fátima Peres
Normalização textual e de referência: Adriana Curti Cantadori de Camargo
"Projeto gráflco/diagramação: Marcos Kazuyoshi Sassaba
-
Capa criação/arte final: Luciano Wjlian da Silva
Ficha catalográfica: Marinatva Aparecida Spol on Almeida (CRB 9-1094)
Fonte: Cambria
Sumário
Tiragem - versão impressa: 500 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


(Eduem - 11EM, Maringá - PR., Brasil)

M425 Materialismo histórico dialético como fundamento da psicologia histórico-cultural : método


e metodologia de pesquisa / Silvana Calvo Tuleski, Marta Chaves, Hílusca Alves Leite,

[organizadoras). Maringá : Eduem, 2015.

........
194 p.

ISBN 978-85-762B-624-0
1. Materialismo histérico. 2. Psicologia histórico-cultural. 3. Psicologia educacional. I.Tuleski,
Silva Calvo, org. II. Chaves, Marta, org. III. Leite, Hilusc Alves, org. IV. Título.
Prefácio.... . . . 7
_ CDD 21.ed. 370.15
Apresentação . 13

PARTE I- PENSANDO O MÉTODO QUE CONDUZ A ANÁLISE

Capítulo I- Do método ou de como pensar o pensamento


Lizia Helena Nagel . 19

FUNDAÇÃO Capítulo II - As aparências enganam: divergências entre


PARANÁ
GOVEFIKO DO ESTADO
Apolo
ARMARIA o materialismo histórico dialético e as abordagens
Seaetjrc da O-brã-i, Tetr«J j trd OwenvofirfmEJito Ctnf
e Eru r>r :lçwtI e TecnoJégVeci <fo PemMÍ
qualitativas de pesquisa
Tiragem parcial desta obra, financiada pela Fundação Araucária, 29
será distribuída gratuitamente.'
Lígia Márcia Martins

Editora filiada ã Capítulo III - Questões de método em Vigotski: busca da


verdade e caminhos da cognição
AaodiçS* BraalkíM
Editar» Unlrefjjtártàs Achilles Delar iJunior 43

(BIBI
x-cÿàSíimiiD PARTE II- CAMINHOS PARA AS APLICAÇÕES DO MÉTODO EM PESQUISA
Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá
Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá-Paraná - Fone: (0xx44) 3011-4103 - Fax: (0xx44) 3011-1392 Capítulo IV - A educação de jovens e adultos sob os
www.eduem.uem.br - eduem@uem.br fundamentos do método materialista histórico-dialético: a
MATE IIIA L:S MO HISTÓRICO DIAL ÉTICO CC-MO P UXDAK Z:< TO 3A ?S ICOL.OC-1 A H ISTDSICC-CU ITU RA I.

KOPNIM, Pave). A dialética como lógica e teoria do conhecimento. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1978.
Capítulo III
KOSJK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

1UCKÁCS, Gyõrgy. Introdução a uma estética Marxista. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1970.
Questões de método
LUDLE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São
Paulo: E.P.U., 1986.
em Vigotski: busca da
MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. O Processo de Produção do
verdade e caminhos da
Capital. São Paulo, Abril Cultura!, 1983. v. 1. Livro Primeiro. cognição
Achilles Delari Junio
MARX, Karl. Manuscritos económico filosóficos e outros textos escolhidos.
Lisboa: Edições 70, 1989.

MARX, Karl; ENGELS, F. A ideologia alemã. (Feuerback). São Paulo: Hucitec, 1993.

OLIVEIRA, Betti. A dialética do singular-particular-universal. In: ABRANTES, .Angelo;


SILVA, Nilma Renildes; MARTINS, Sueli Terezinha Ferreira [Org.). Método histórico
social na psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 25-51.

RICHARDSON, Roberto Jarry [Org.). Pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1985.
Considerações iniciais
SEVE, Lucien. Quais contradições? In: CLOT, Y. (Org.). Avec Vigotski. Paris: La
dispute, 2002. O subtítulo deste capítulo abrevia seus dois principais momentos
distintos e relacionados: o primeiro diz respeito à questão dos 'fins' almejados:
'a busca da verdade' como pertinente à potencialização de uma prática
transformadora; o segundo diz respeito à questão dos 'meios' para atingir tais
fins: 'os caminhos da cognição'. Na proposta metodológica histórico-cultural,
da qual trataremos, o nexo entre os meios do conhecimento científico e os
seus fins tem valor substancial, sendo postulada de modo indissociável.
Para explicitar os termos de tal relação, vale destacar que: (a) 'os fins
não justificam os meios', ou seja, não se pode admitir que, em nome de um
fim tido como significativo, relevante ou 'elevado', qualquer recurso seja válido
para atingi-lo; mas também (b) 'não há fins sem meios', ou seja, qualquer
finalidade que nos coloquemos como legítima, edificante, ou mesmo 'nobre',
esvazia-se de propósito caso não sejam criadas formas concretas para realizá-
la, ainda que não tão perfeitas quanto desejamos.
A 5»
MAI Em A LIS MO !1 !£ T S S. ICO OIALHTICO COMO IIN D.'i M I- MIO DA PSICOLOGIA III5TÓHI CO-Cl'l.TCRA L :: i: i 7 i. o 1 1 o u k s r fr h s :> i mítodo e v. v ; c r s k i

Essa é uma relação que exige grande compromisso ético, político humana de caminhar, aqui tomada como metonímia para a
própria ação
e epistemológico, que se constitui como intensa contradição no interior tia 'criação de caminhos', sempre se dá segundo determinados modos de fazê-
experiência humana. Por um lado, porque, como disse Thorndike e Vigotski são historicamente produzidos, em relação recíproca
lo os quais também
também assumiu: toda a consciência tende à ação, "[...] ao impulso motor"
com as propriedades, por vezes instáveis, do 'terreno' por percorrer. A que
[VIGOTSKI, 2003, p. 21S). Logo, criar finalidades ideais que não possam cada geração produzir novamente todo
se prestaria a experiência social de
existir senão em nossa imaginação, em nossas consciências, pode gerar o caminho historicamente já criado para dominar o fogo, inventar a roda ou
fantasmagorias, tornar nossos pensamentos diletantes ou neurotizados. distribuir eletricidade? É insuficiente estarmos em 'permanente movimento',
Defender algo inatingível, que não encontra meios para se realizar, pode ser cabe ainda questionar 'em que direção' e 'de que maneira' nos movemos -
irresponsável com quem está tomado pelo desejo de concretizá-lo e tende a questões centrais na discussão metodológica legada a nós por pesquisadores
dirigir sua ação para tal. Torna-se mais consequente concebermos finalidades como Vigotski.
exequíveis, mesmo que de modo parcial, gradativo e 'imperfeito' frente à meta Portanto os dois principais momentos deste capítulo podem ser
maior
sintetizados nas palavras emblemáticas desse psicólogo bielorrusso1.
Poroutrolado,há talexigência também porqueoestreitamentohistórico Referente à 'parte T, recordamos sua afirmação, em carta ao colega A. R. Luria,
das possibilidades de ação transformadora pode fixar um conformismo de só de que "[...] a questão primária é a questão do método; esta é para mim
fazermos o que no capitalismo já se faz, mas apenas em 'maior quantidade . a questão da verdade" (VYGOTSKY, 2007, p. 18, grifo nosso]. E, referente
limitando-nos a atender 'interesses individuais' de 'mais' pessoas - o que à parte II, destacamos uma formulação teórica que amplia e aprofunda a
alimentaria outras fantasmagorias: o deslumbramento de que 'a história primeira: "O método, isto é, o caminho seguido, se contempla como um meio de
chegou ao fim a que poderia chegar'; e o pensamento persecutório de que 'não cognição: mas o método vem determinado em todos os pontas pelo objetivo
haverá ciência crítica, pois estará sempre cooptada, fadada a reproduzir o que a que conduz. Por isso, a prática reestrutura toda a metodologia da ciência"
critica'. Essas noções podem reduzir nosso grau de exigência quanto aos fins (VYGOTSK1, 1927/1991, p. 357, grifo nosso).
almejados para que prontamente tenhamos em mãos os meios suficientes para Como veremos adiante, em uma orientação histórico-cultural, a
atingi-los. Torna-se mais consequente assumir que precisamos de finalidades verdade sobre a realidade humana só é objeto de busca da investigação
para além da simples manutenção da realidade atual - reconhecidamente científica na medida em que é vista como questão 'prática', como pertinente
njusta no campo político-econômico e hegemonicamente acrítica na arena à transformação daquela mesma realidade - e não uma verdade metafísica,
ipistêmico-metodológica. imutável, a-histórica como nos antigos pensadores idealistas como Parmênides
Assim, a própria produção de meios mais eficazes para dar conta de ou seu discípulo Platão. Pode-se dizer, assim, que os caminhos da cognição,
íos aproximarmos de tais finalidades, passa a ser, paradoxalmente, também ou o próprio método, colocam-se para a investigação científica como meios
ira 'fim' importante. Seguiremos a orientação de que a 'busca de conhecimento necessários para atingir um conhecimento crítico, um conhecimento mais
nais verdadeiro' sobre a realidade humana e sua transformação, como fim, verdadeiro sobre a realidade humana, que será justo aquele que permite
•olicita 'escolha' e 'produção' das melhores maneiras possíveis para alcançá- efetivamente transformá-la, não em qualquer direção, mas em uma que
o. Ao mesmo tempo, ela também necessita viabilizar condições efetivas para promova maior emancipação humana.
[ue tal conhecimento se atinja e não se apresente para cada um de nós apenas Os modos de conhecer não são vistos como 'fim em si', pelo deleite
orno uma distante 'forma ideal' de ciência. Forma 'idealizada' que aos erros de de 'saber' sobre 'este ou aquele tema', por pura erudição, ou pelo poder
odas as outras se oponha, mas que, ao tentar viabilizar seu próprio caminho, retórico que porventura a alguém venham conferir, independentemente
iada mais apresente que a já desgastada memória dos versos: 'caminhante,
ão há caminho, caminho se faz ao caminhar. 1 A referência a essas duas passagens, de textos diferentes, em uma mesma linhaargumentativa
não é aleatória, nem original. Ambas encontram -se conio epígrafe do primeiro capítulo de
E certo que podemos abrir trilhas por lugares por onde ninguém obra de Nikolai Veresov [1999). Contudo aqui se situam em uma organização um cauto
inda andou, no próprio ato de avançamos e os desbravarmos. Porém a distinta, de minlia inteira responsabilidade.
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MATERIALISMO HISTÓRICO DIALBTJCO COMO FUNDAMENTO DA PSICOLOGIA H ISTO MCOCIILTUR AL CAPÍTULO 111 - QUESTÕES DE MÉTODO EM VIC0TSK1

de se reconhecer qual modo de conceber tais temas está mais próximo Além dos dois extremos, haverá ainda modos intermediários, cujas
de suas contradições reais. Além disso, um conhecimento 'crítico' restrito
à 'descrição' das coisas 'tais como são', ou 'tais como para nós hoje se
nuances qualitativas e quantitativas não nos cabe mapear aqui. Assim,
tomei*105 a tipificação que se segue como dispositivo heurístico provisório
apresentam' por fiel ou detalhada que seja, também não se constitui como
'fim em si'. Cabe inquirir se sua potência de transformação do real se efetiva
para o reconhecimento de modos de pensar efetivamente presentes em nosso
cotidiano, cujos efeitos podemos reconhecer em nossa própria experiência
como ampliação da possibilidade humana de compormos junto aos nossos
semelhantes uma sociedade distinta desta que hoje nos faz inimigos e social. Apresentaremos no Quadro 1um esquema comparativo que contém
algozes de nós mesmos. a estrutura lógica fundamental do antagonismo entre 'verdade absoluta' e
'verdade relativa', a qual será comentada mais detalhadamente em seguida.

Parte I: 'Busca da verdade' Quadro -


Diagrama abreviado de pontos distintos e comuns entre
1
'dogmatismo' 'relativismo'.
e

A primeira parte do presente trabalho subdivide-se nos três seguintes o A tirania da verdade absoluta o A tirania da verdade relativa
=
tópicos: [1.1) Contrapondo dois conceitos subjetivistas de 'verdade'; (1.2) Em giy ÿ

[dogmatismo) (relativismo)
busca de um conceito crítico de verdade; (1.3) Dois princípios articulados
para a busca de criticidade. Uma forma antiga de não aceitarmos
Uma 'nova forma' de não precisarmos mudar
mudar de posição {um velho de posição [um 'novo' comodismo}
comodismo)
1.1. Contrapondo dois conceitos subjetivistas de 'verdade'
Verdadeiro é qualquer pensamento [ou
Verdadeiro é o que manda a tradição nenhum) - pertencente a alguém (ou a
Ao falarmos de 'busca da verdade', é preciso definir o que é buscado, - pertencente a mim. ninguém).
pois a palavra 'verdade' pode causar desconforto, por estar associada à
sua acepção eclesiástica (um problema de 'fé') ou moral (um problema de
Ambas têm um ponto em comum:
'virtude'). É ao problema epistemológico que nos voltamos ('verdadeiro'
tomam por verdadeiro algo estritamente subjetivo
oposto ao 'equivocado') e não ao moral ('verdadeiro' oposto ao 'mentiroso')
nerti ao religioso ('verdadeiro' oposto ao 'herético'). Há dois termos bastante
A verdade absoluta é algo que diz A verdade relativa é algo que diz respeito à
enfatizados nesse campo semântico, seja na academia, no 'senso comum' ou e respeito à mente do iluminado ou iniciado. mente de cada um (ou de ninguém).
em meios de comunicação de massa: (a) a noção conservadora, muito criticada,
de 'verdade absoluta'; (b) seu contraponto aparentemente 'progressista': a - Problema do obscurantismo reverso - Problema do obscurantismo assumido
(despótico) = não precisas saber, eu sei (agnóstico) = nunca saberemos, cada um já
concepção de 'verdade relativa'. por nós todos: obedeça-me. sabe por si. Logo imponha-se ou deixe estar
Os dois extremos podem conduzir a diferentes formas de pensamento [...].
intransigente: a 'tirania da verdade absoluta', ou 'dogmatismo', e a 'tirania
da verdade relativa', ou. 'relativismo'. É certo que, em situações efetivas de São duas formas de subjetivismo:
comunicação verbal, mediando diferentes relações sociais, tais formas de 0 Nos dois casos o discurso dito verdadeiro não necessita prestar contas ao real.
discurso não estarão claramente diferenciadas. Até por serem recursos 0 Nos dois casos o critério da objetividade é afastado.
retóricos que, como será explicado, pautados em princípios gnosiológicos o Nos dois casos o critério do poder prevalece = se duas posições forem radicalmente
opostas, só a força fará uma delas predominar
similares, poderão entrelaçar-se no curso de certos jogos de convencimento,
nos quais constantemente participamos ou estamos enredados. Fonte: Elaborado pelo Autor
46
MATERIALISMO HISTÓRICO BIA3.I5TÍCO COMO FU N DAM li NTO BA RSICOLOCU IIISTÔRI CO
COI.TU RA I. CAPITULO III - QL-SSTÓÉS DL MÉTODO 2 M VICOTSKC

Explicando o que está sintetizado no Quadro 1, notamos que a f A Verdade absoluta'


concepção de um caráter 'absoluto' da verdade sobre as coisas, sobre a
f que as dos demais sejam levadas em consideração.
jl dirá respeito à mente do iluminado ou iniciado. A atitude
será algo que
vida e sobre nós mesmos realiza sua 'tirania' ao apresentar-se como consequência política e pedagógica uma
uma antiga forma de não aceitarmos mudar de posição - o que podemos
jj do dogmático poderá ter como
chamar de um 'velho comodismo', ou seja, 'verdadeiro é o que manda a
I espécie de 'obscurantismo reverso', de caráter despótico: 'uma vez que
| sou portador da luz, a ti cabe apenas recebê-la de segunda mão'; 'tu
tradição'. No interior dessa mesma concepção, não se questiona que tal
tradição, sobretudo, 'pertence a mim' como indivíduo, que me vejo de
f precisas saber, pois eu sei por nós todos', então apenas 'siga-me',
não
| Jobedeça-me.
posse dela como algo que me é íntimo - e assim, 'sempre estou correto,
não preciso rever-me', 'nada que me seja dito por outrem abalará
f Por sua vez, a Verdade relativa' será algo que dirá respeito à mente
meu \ almeje, por princípio,
entendimento'. Trata-se de algo proclamado como 'absoluto', mas não o ; de todos e de cada um (ou de ninguém], sem que se
suficiente para que todos a isso tenham um acesso direto, sem mediação
í
qualquer entendimento comum, partilhado. E a atitude do relativista
da autoridade daquele que primeiro detém a 'verdade absoluta'. A alguns
; poderá ter como consequência política e pedagógica uma espécie de
poucos iluminados, ou iniciados, cabe deter individualmente o poder
de "obscurantismo assumido", de caráter agnóstico, 'uma vez que cada
tudo compreender claramente e assim transmitir o dogma, ou um conjunto qual ilumina seu próprio mundo, com luzes de cores distintas, nenhum
deles como 'doutrina'. mundo comum se pode enxergar, continuará obscuro para todos'; 'nunca
Ao mesmo tempo, a concepção do caráter 'relativo' (no sentido de saberemos coletivamente' ou 'cada um já sabe por si, donde podem
restar como alternativas para a relação entre os distintos pontos de
vista
'indefinido' ou 'inexistente'] da verdade sobre as coisas, sobre a vida e
sobre nós mesmos realiza sua 'tirania' ao apresentar-se como uma 'nova' imperativos como: 'imponha-se' ou apenas 'deixe estar', por exemplo.
forma de não aceitarmos mudar de posição - o que podemos chamar Em nenhum dos dois casos extremos, 'ser questionado' é uma prática
de 'novo comodismo'. Ou seja, 'verdadeiro é qualquer pensamento incentivada, sequer viável.
(ou
nenhum]'. Esse, par sua vez, será sempre também algo que se passa no Nessas atitudes extremas, aparentemente opostas, nota-se algo
interior de cada indivíduo, pertencendo a alguém, de acordo com seu essencial em comum: ambas são formas de 'subjetivismo', seja quando um
modo particular de ver as coisas; disso decorre que, mesmo que
muitos sujeito sozinho entende poder atingir a verdade sobre tudo, que deve ser
venham a me contrariar, 'eu sempre estarei correto, não precisarei rever- aceita por todos os demais seja quando um sujeito sozinho sabe tudo o que
me', jamais terei a suspeita de que aqueles que me contestam poderão é preciso saber para si, mesmo que ninguém mais pense como ele. Nos dois
ter
uma- visão mais correta que a minha, mas apenas 'a verdade deles'. Cria- casos, o discurso dito 'verdadeiro' não necessita 'prestar contas ao real'. Isto é,
se outro dispositivo dogmático, talvez apenas um tanto mais sofisticado, o critério da objetividade é afastado ou omitido. Não importa se o que se diz é
dissimulado,
condizente ou não com o movimento da realidade da qual fazemos parte, mas
Dessa maneira, as concepções 'dogmática' e 'relativista' acabam sim se você 'acredita' ou não em sua própria 'verdade'; se deseja ou não 'impô-
:endo algo bastante importante em comum: tomam por verdadeiro
sempre la' ou 'vendê-la' a outra pessoa; se tem recursos retóricos e/ou capacidade de
ím entendimento estritamente subjetivo, algo que persuasão para fazer isso ou não.
se passa única ou
irioritariamente 'na mente' de alguém, no seu modo de formular suas 'ideias'.
Conclui-se que, nos dois casos, só o critério do poder tem como
'ara ambas, 'verdadeiro' é um conhecimento estritamente
individual em sua prevalecer: se duas posições forem radicalmente opostas, apenas a força — seja
preensão e/ou em seu poder explicativo.
física, seja simbólica/moral - poderá fazer uma delas predominar, sobretudo
lima distinção reside em que para o dogmático cabe fazer que caso elas se voltem à decisão sobre como algo deve ou não deve ser 'feito', e/
odos e cada um individualmente aceitem o mesmo dogma ou ou sobre como alguém deve ou não deve 'agir'. Cabe, portanto, buscarmos uma
pereçam,
nquanto para o relativista cabe dizer que
todos e cada um devem ter postura diversa dessas duas, pautadas, no subjetivismo. É do que trataremos
uas próprias interpretações, sem qualquer
compromisso em garantir i na próxima seção.
MATES IALI S.V10 FÍISTÕRICO DlAZ-KTiCll SOMO KIJ M DA M h MTO 7>A PS ISOZ.d fr| II OUESTCIiS 1> X M Ê f D I) II R M y IC- O T S K I
A ISTÕ3 ISC'-Cll I.TIJ IIA I. CAPÍTULO III • •

1.2 Em busca de um conceito crítico de 'verdade'


- ]
j
q ,progressivo', mas constituído de avanços, de retrocessos, de saltos
momentâneas, ainda que aparentes.
Dando continuidade à seção anterior, é necessário negar e superar qualitativos e mesmo de paradas
conceitos acríticos de 'verdade'. Como contraponto ao subjetivismo, próprio
os ! processo visto então como contraditório, em luta permanente, não como
conflito. Neste sentido, um
tanto ao extremo do 'dogmatismo' quanto ao extremo do 'relativismo',
! -progresso' ordenado, harmonioso, isento deserá aquele que retratar com
campo das bases filosóficas para a investigação científica,
no ; conhecimento mais verdadeiro e/ou crítico
interessa-nos - maior fidelidade as contradições do real, em sua estrutura, dinâmica e
pensar a busca de 'objetividade' do conhecimento como critério da crítica.
Não génese - ser e devir.
se trata de uma objetividade que isente o pesquisador de tomar posição,
mas Desse modo, em contraposição à noção de neutralidade do
justamente daquela que o convida a posicionar-se não em função
apenas de científico, compreende -se aqui que a relação do ser humano
suas crenças pessoais, 'absolutas' ou 'relativas', senão em confronto com as conhecimento
Em outras palavras,
características mais profundas e elevadas da realidade que visa a compreender, com o real está contida no próprio critério de objetividade.
a explicar e a transformar. o homem é real e faz parte da realidade que
busca compreender - logo o
' bje tivo- objetivo',
Neste sentido, entendemos que aquilo que constitui o pensamento 'momento subjetivo' se inclui nesta busca: na dialética su
do entendimento
crítico é apresentar a realidade não só como 'imaginamos que seja' ou como mas não na posição de princípio regente de toda a lógica
'desejaríamos que fosse', mas 'tal como é e pode ser'. humano {como no subjetivismo).
Já que, como disso
Galperin (apud VERESOV, 2009, p. 270): "As coisas como elas são, constituem- Os critérios são articulados à atitude epistemológica de enfatizar
se justamente num caso particular daquilo que podem ser". Objetividade. o caráter histórico e social da produção do conhecimento
crítico. Assim,
do
portanto, não se define aqui como aquilo 'que já é e não deixará
de ser' em o problema de obter-se conhecimento mais crítico, mais próximo
oposição ao que 'ainda não veio a ser' ou 'já deixou de ser', o que cairia na entendimento das coisas como realmente são e podem ser, não é função de
'reificação', ou coisificação, vulgar do objeto de conhecimento. uma 'construção individual', atribuída ao 'insight genial' de algum pesquisador
Ao contrário, o que é objetivo não se define como algo estático solitário, ou restrita às suas sucessivas hipóteses subjetivas, testadas por
ensaio e erro. Trata-se antes de uma produção coletiva, constituída
de
em oposição a algo dinâmico. Mas a nossa oposição é entre objetividade
e
idealização, o objetivo como oposto ao que 'para ser' bastaria que 'se aceitasse. avanços e de retrocessos históricos do trabalho social como um todo, e o de
ou se cresse, que fosse' - quer como 'dogma', quer como 'verdade investigação científica em particular, na criação daqueles que nos precederam,
relativa'. que nos acompanham e que nos sucederão - avanços e retrocessos pautados
Concordamos, portanto, com a orientação de Demerval Saviani (1991) de que
o critério essencial para a crítica seja o da 'objetividade' e não o no estado das condições materiais das forças produtivas de cada sociedade e
da pura e
simples contestação/negação. nas lutas que constituem a sua formação.
Um bom 'crítico' de arte, por exemplo, não será aquele que tão A obtenção coletiva de um conhecimento mais crítico realiza-se,
somente 'vai contra' o que a obra diz à sociedade, contestando a portanto, em um devir histórico-social, no qual nossa coletividade não parte
todo custo
a sua linguagem, mas sim aquele que apresenta suas qualidades 'do zero' a cada nova tentativa, mas pode recorrer ao acúmulo de incontáveis
e limites
:ais como nela se encontram e como para além dela se projetam em gerações, em suas lutas, conquistas e derrotas, alianças e rupturas.
busca
le interlocução. Um pensamento preconceituoso, por exemplo, pode
negar ou
:ontestar direitos civis de determinados grupos sociais, ou etnias,
mas não 1.3 Dois princípios articulados para a busca de criticidade
>or isso tal preconceito se faz 'crítico' Ademais, a criticidade,
tal como aqui
:oncebida, demanda que atentemos para a 'dinâmica contraditória
romo critério de 'objetividade'.
do real', Tendo em vista as considerações anteriores, uma vez que nos pautemos
no princípio de que o discurso mais verdadeiro, na tradição epistemológica
Trata-se de lidar com uma realidade objetiva em movimento, da psicologia histórico-cultural, é definido como aquele mais próximo da
ião estática nem imutável. Movimento não linear, tal
nem necessariamente realidade 'tal como ela é e vem a ser', ainda cabe perguntar: Como fazer
50 e -i
. ....
.....
u., iu U/l t-MLOLOGIA HÍ5TÕRÍ CO-CULTURAL jí-l CAPITULO 111 - QUESTÕES DE MÉTODO EM ViGOTSKI

'aproximação'? Como saber se não estamos avaliando o mundo, os outros


maior objetividade. Como indivíduos isolados, só podemos ver realidade
e a
a nós mesmos apenas com base em 'idiossincrasias', 'crenças', 'preconceitos',
'verdades relativas' ou 'dogmas'? Dois modos de responder serão Hfe modo parcial, já que é dinâmica e multifacetada. Mas, para o dogmatismo,
abordados fe,pessoa sozinha já poderá ver o todo', e, para o relativismo, 'basta que
aqui. O segundo é superior ao primeiro, mas o primeiro é fundamental para
realização do segundo: (a) o princípio dialógico - para cujo
pilada pessoa, individualmente, veja apenas a parte que lhe apetece1; nenhuma
entendimento
recorreremos a Bakhtin; (b) o princípio da prática - para cujo entendimento ÉRvisão do conjunto é aspirada como necessária.
fWV Por sua vez, para o dialogismo, a parcialidade do conhecimento
recorreremos a Marx.
como desafio à produção coletiva e histórica de um
Iÿindividual se apresentará Só coletivamente se
1.3.10 'princípio dialógico', pautado em Bakhtin feriiielhor entendimento possível no tocante à ototalidade.
conjunto do processo arespeito
Ç p0(Je buscar e atingir uma noção melhorsobre
A nossa primeira proposição para a formulação de um ó qual se busca um conhecimento crítico. Porém, mesmo que necessário, o
conceito
crítico de verdade reside no 'princípio dialógico'. Em sua obra Problemas
•ÿ
confronto dialógico não é suficiente para haver objetividade, cabendo também
da 'intervenção' prática sobre ela,
poética de Dostoiévski, Mikhail Bakhtin (1963/1997, p. 69) faz notar que o confronto com ú realidade material mediante a
contribuições
o relativismo e o dogmatismo excluem igualmente qualquer discussão, no interior dela, como componente dela. Isso nos conduzirá às
todo de Marx, sobre o que denominamos 'princípio da prática'.
diálogo autêntico, tornando-o desnecessário (o relativismo) ou impossível
(o dogmatismo)". Supõe-se que, para se produzir um melhor entendimento
sobre as coisas, é necessário o confronto entre pontos de vista distintos, 1.3.2 O princípio da prática, pautado em Marx
das
hipóteses em que se pautam, das teses que defendem.
Complementando a visão de Bakhtin e indo mais adiante dela,
Precisamos da divergência, do debate, isto é, do diálogo. 0 dogmatismo consideramos de vital importância a perspectiva de Marx (1845/1978, p. 51,
não proporciona tais condições. Digamos que eu parta do princípio de grifo do autor):
que 'só
eu sei', ou de que 'já sei tudo o que seria necessário saberi, logo se
conclui
que não haverá espaço para debate. O que poderá haver? Comumente, apenas A questão se cabe ao pensamento humano uma verdade
objetiva não é teórica, mas prática. É na praxis que o homem
resta a possibilidade de 'aceitação incondicional' (por 'devoção'),
ou de deve demonstrar a verdade, a saber, a efetividade e o poder, a
'aceitação resignada' (por 'medo'). Enfim: obediência à autoridade de quem citerioridade do pensamento. A disputa sobre a efetividade ou
'diz' saber e não cogita haver algo que ainda desconhece ou que conhece de não-efetividade do pensamento isolado da práxis - é uma questão
modo imperfeito. meramente escolástica.

Tampouco o relativismo proporciona tais condições (confronto,


Desse modo, ao nos perguntarmos sobre ser o diálogo /debate algo
divergência, insatisfação com a finítude de seus próprios recursos...). Se 'só
que potencializa uma aproximação crítica à realidade, podemos compreender
cada um sabe' ou 'ninguém sabe', logo não há novamente necessidade de
que sim, desde que ele permita articular pontos de vista parciais em uma
debate. O que poderá haver? Comumente, apenas teremos 'monólogo coletivo': visão objetiva de conjunto. Mas será ainda necessário assumir que não basta
cada qual diz o que pensa sem necessidade de ouvir o outro; ou
'anulação uma maioria (ou todos) chegar(em) a um acordo pelo diálogo, para que o
mútua': o que o outro diz não me fará rever- me, pois é apenas 'a
verdade dele' entendimento comum seja crítico, objetivo e/ou verdadeiro - um exemplo
e em nada perturbará minhas próprias convicções. Estas
são algumas dentre concreto de grandes massas equivocadas em consenso foi a emergência do
as possibilidades de relação comunicativa relativista.
Outras delas, também nazi-fascismo na Europa na primeira metade do século XX.
próprias ao dogmatismo, podem ser: o 'jogo de sedução'; a
'artimanha retórica'; Para haver conhecimento crítico, não basta o entendimento
o 'constrangimento; o 'cinismo'; o 'sarcasmo';
a 'coisificação do outro,..
comum entre grande número de pessoas, e cabe ainda o critério da prática
Se o relativismo e o dogmatismo negam o diálogo
e caem em transformadora e não apenas o da conservadora. A prática transformadora
subjetivismo, o confronto dialógico é imprescindível é fonte e destino do conhecimento crítico. Quanto a isso, podemos adicionar
para haver uma busca
52 53
__
_____
_______
_____
U..._U uiHLt j i(.u LUMU FUNDAMENTO UA PSICOLOGIA HrSTÓBlCOCU LTURAL CAPÍTULO Cl] - QUESTÕES DI MÉTODO EM V[G0T5KJ

ainda dois pontos: [a] não estamos falando de práticas apenas estudo de questões teóricas e metateóricas gerais que subjazem a
mas de práticas coletivas; (b) dentre as práticas coletivas, não individuais? uma" investigação dos fenómenos psicológicos (WERTSCH, 1985a,
mencionamos
apenas os 'costumes', de 'convenções', de modos de agir repetidos p. 61, grifo do autor).

pela 'força do hábito', graças à comodidade que isso gera, mas sim de somentéi
de transformação da realidade em uma direção de maior
práticas! E é o que podemos perceber lendo o próprio
Vygotski (1927/1991),
emancipação do ser a 'psicologia geral' e desta
humano como género. jJwkío fote da 'metodologia da psicologia' comoconsiderações, é importante
Partindo dessas
gágn)o a 'dialética da psicologia'. psicologia de Vigotski
ÿHistacar que a questão do método tem duplo aspecto na

j|p|íeus colaboradores: é sempre algo pertencente tanto ao campo teórico-


Parte II: 'Os caminhos da cognição' quanto ao da prática de investigação científica. 0 que se demonstra
rjksófico
ÿllpfrnrio unidos os dois seguintes aspectos da questão:
Uma vez expostas na 'Parte I* os principais equívocos na definição
do _ (a) por um lado, a metodologia [como 'problematização
sobre o
conceito de verdade e os critérios fundamentais para a superação deles, situam-senomais alto grau
do campo marxista, agora nos cabe dedicarmo-nos mais especificamente
dentro Jjtinétodo'] e o método [como 'caminho de cognição'] sobre as próprias
meios de cognição que estabelecerão possibilidades para a
aos ll$íe abstração. Isso porque a 'metodologia' reflete criticamente dê, e porque
constituição de «'condições de possibilidade' para que o conhecimento teórico se
uma compreensão crítica da realidade em psicologia cognição', significa o modo
histórico-cultural. Tal é se entende que 'método, como caminho e meio de
o conteúdo da 'parte II', que se organiza em dois grandes
eixos: (2.1) Partindo Ipíje organizar e de efetivar as possibilidades sociais (subjetivas e objetivas)
do geral; (2.2) Em direção ao particular. transformá-la;
í para se conhecer a realidade humana, teorizar sobre ela e
As subdivisões do primeiro eixo são: (2.1,1) 0 sentido de
'metodologia' (b) por outro lado, justo por conta do verbo 'transformar', método
para a psicologia russa/soviética; (2.1.2) Quatro categorias o
está intimamente próximo da prática social. Se método é o 'caminho para
I* Ã

metodológicas
gerais em Vigotski. As subdivisões do segundo eixo são:
(2.2.1) 1916-1927: • conhecimento' (meio de cognição),
o melhor modo de conhecer a realidade
rumo à teoria histórico-cultural; (2.2.2) 1928-1931: teoria transformação. E o melhor
histórico-cultural; c é confrontando-nos com ela em seu processo de
(2.2.3) 1932-1934: desde a teoria histórico-cultural. Cada uma
dessas três ÿ
modo de saber sobre como se dá um processo de transformação é 'produzi-lo'
partes também apresentará contribuições de Vigotski quanto
ao método em coletivamente. Pode-se também afirmar, unindo as formulações 'a' e 'b', que
algumas de suas diferentes obras.
'Método é mediação2 entre teoria e prática'.

2.1. Partindo do geral 2.1.2 Quatro categorias metodológicas gerais em Vigotski


na
2.1.1 O sentido de 'metodologia' para a psicologia Tendo em vista o sentido definido acima para a 'metodologia'
russo-soviética anos da
psicologia russo-soviética, cabe destacar que, ao longo de vários
momento,
Em primeiro lugar, cabe explicitar o que significa metodologia na produção de Vigotski, pelas obras a que tivemos acesso até o
proposta que estamos apresentando, para que se saiba sobre
que tratamento
teórico se dá a produção dos caminhos de cognição que permitam neJaçõ es entre
realizar a 2 'Mediação' aqui é entendida como 'princípio de articulação e organização das
de um 'passo' intermediário entre realidades
busca da verdade. Segundo o estudioso da obra de Vigotski, os termos'. Não se trata apenas de um 'elo' ou
James V. Wertsch, 'a' e 'b', mas de algo necessário para que tais realidades se inter-relacionem de uma
conhecedor da língua, da ciência e da cultura russas, nesta tradição, por uma conexão,
maneira qualitativamente impossível por via imediata (i.e., irrealizável
conceito de 'relação'
ou associação, 'não mediada'). Para sermos mais precisos, o próprio
[...] a aplicação dos termos metodologia e metodólogo não mediação entre os termos não pode haver relação,
solicita ode mediação, quando não há pautada em
é restrita aos problemas de delinear e conduzir
pesquisas mas apenas 'reação' ou 'interação' fortuita (ação conjunta, não necessariamente
relação).
empíricas. Ao invés disso, esses term os são usados
referindo-se ao uma forma de organização que constitua ambos os termos da
54 55
MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÊTICO COMO FUNDAM ENTO DA PSTCOLOCiA H ISTÓ fttCO-CULTURAL í
j
MRfct CAríTULOIII • QUESTÕES DE MÉTODO EM VIGOTSKI

encontramos em algumas delas, ao menos quatro conceitos metodológicos' Bjag;'. Em primeiro lugar está a própria 'consciência', tão reivindicada como
('meta-teóricos') fundamentais para a teorização em psicologia. Conceitos que, IPIIibjet0 da psicologia pelas correntes idealistas e metafísicas que o próprio
tomados como objeto de problematização, podemos enumerar aqui na forma ipljgotóki combatia. Ocorre que ele a coloca como objeto de estudo sob algumas
de interrogações. São perguntas que, se não forem respondidas com devido I Ipf condições, por exemplo: (1) não se pode abrir mão da consciência, como
rigor, podem comprometer todo o processo de investigação científica em| glIlNaziam os coinportamentalistas, pois ela é o psiquismo propriamente humano,
psicologia histórico-cultural, tanto quanto para qualquer abordagem teórica j Ipli-je o estudo do que é propriamente humano não se pode deduzir do estudo de
consciente de suas necessidades metodológicas de base. São as seguintes: [a]
í Ste animais em laboratório; mas também é preciso (2) não tomar a consciência
Qual o 'objeto de análise' da psicologia? (b) Qual o 'princípio explicativo' para ; Pt?! como realidade que explica a si mesma, como faziam os mentalistas, pois
o objeto de análise da psicologia? (c) Qual a 'unidade de análise' que articula j depende ela própria de outra3 realidade material da qual ela é função, para
concretamente 'a' e 'b'? (d) Qual o 'modo de proceder à análise' que perpassa p/ que seja explicada (i.e. seu 'princípio explicativo' como veremos em seguida).
'a', 'b' e 'c ? 'Ç& i*:5
Além da 'consciência', poderemos encontrar como objeto da psicologia,
r
A seguir, delinearemos algumas possíveis respostas para tais questões, : £K)em Vigotski, as chamadas 'funções psíquicas superiores', as quais são por
na perspectiva da psicologia histórico-cultural de Vigotski. definição: conscientes e não inconscientes; sociais e não biológicas; mediadas
|hv e não imediatas; voluntárias e não involuntárias (WERTSCH, 1985b). Contudo,
a] Qual o 'objeto de análise' da psicologia? p? >; já que a consciência só pode ser compreendida como totalidade, não se pode
5///- dizer exatamente que ela seja apenas a soma das funções psíquicas como suas
A questão 'a', formulada com o termo 'objeto de análise', que é £;ÿ
partes. As relações estruturais e dinâmicas entre consciência (como processo
apresentado pelo próprio Vigotski no livro em coautoria com Luria, 0
/ / geral) e as funções psíquicas superiores (como processos particulares)
são
Instrumento e o Signo (VYGOTSKY; LURIA, 1930/1999, p. 15), também pode U complexas e demandam discussão mais detalhada que não podemos fazer
\
ser referida, em palavras mais habituais para nós, como 'objeto de estudo'. aqui. Mas basta lembrar que o próprio Vigotski assume que funções como
Pese-se, contudo, que, para Vigotski, a tarefa da 'análise' é fundamental, como consciência, mas seus
>v-/ o 'pensamento' ou a 'atenção' não são unidades da
veremos logo em seguida - sobretudo como 'análise dinâmica' ou 'dinâmico- ÿ|v: elementos (VYGOTSKI, 1994). Ser 'elemento', como veremos, significa ser uma
causal', mas não excluindo a 'análise estrutural', subordinada à primeira. p parte que não contém todas as contradições essenciais do conjunto.
Portanto essa pergunta diz respeito à definição metodológica sobre 'o que
Outro tema muito importante que pode aparecer como objeto da
a psicologia estuda?'. Definição sem a qual qualquer estudo científico
nesse psicologia, em Vigotski, é a 'personalidade'; não se pode dizer que ela seja o
campo torna-se inviável. Apesar de sua importância, esta não era uma tarefa
mesmo que consciência, posto que, na personalidade humana, há modos de ser,
fácil nos tempos de Vigotski, e permanece difícil ainda nos nossos.
socialmente constituídos, dos quais temos consciência e outros dos quais não
Pela tradição cartesiana que está na base do surgimento da psicologia, temos consciência, em dado momento de nosso desenvolvimento histórico. A
oscila-se entre o mentalismo metafísico e o naturalismo mecanicista. Ora se personalidade também pode ser considerada uma forma de síntese superior
define que o objeto de estudo da psicologia são processos mentais abstratos, de funções superiores (VYGOTSKI, 1931/2000). Por fim, pode-se ainda colocar
uma "psique" incorpórea, definida de modo metafísico; ora se define que o próprio 'homem', o 'ser humano', a 'pessoa'4, como objeto da psicologia.
só podemos estudar o comportamento observável do homem tal como os
movimentos de uma máquina, passíveis de quantificação e de mensuração, Digo 'outra' realidade material porque, evidentemente, na concepção materialista dialética
sob a inspiração das ciências naturais, desde o modelo da física moderna. É de Vigotski, a própria consciência também é matéria, ainda que um modo da matéria
qualitativamente distinto daquele que se subordina unicamente às leis físicas elementares.
possível, com base em estudos anteriores (DELARI JÚNIOR, 2000, 2011), Fundamental, neste sentido, é o princípio da "[...] unidade psicoftsica" (RUBÍNSHTEIN,
listar
diferentes opções de Vigotski (e/ou deduzíveis), a partir de seus trabalhos, 1946/1967, p. 34], O qual também se pode encontrar, em outras palavras, em Vygotski
quanto a qual poderia ser o objeto da psicologia. Opções (1926/1991, p 150]: "j.„] a psique não aparece isolada do mundo ou dos processos do
diferentes quanto ao organismo nem por um milésimo de segundo".
seu grau de abrangência, mas não necessariamente excludentes. Do russo 'uenoBett' (tchelovek), que pode ser traduzido desses três modos em português.
56 S7
MATERIALISMO HISTÓRICO DlALÉTICO COMO FUKDAMEKTO DA PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL CAPITU LD 111 - QUESTÕES DE MÉTODO ÍM VIGOTSKI

Ao falarmos de 'consciência' e de 'personalidade' dentro da IPT de modo mais abreviado. Pois não temos encontrado, na
tradição 5
metodológica marxista da psicologia histórico-cultural, é preciso enfatizar PPpode ser formulada
histórico-cultural, mais do que um 'princípio explicativo'geral para
esses termos não indicam 'entes' ou 'seres' com vida própria sua
que "psicologia assim, não temos concebido que haja mais
- existência | 0bjeto de análise da psicologia. E,
só se realiza com uma ação do próprio ser humano com relação ao material da qual o objeto da psicologia
exemplo: o que é a 'consciência'? Não, não é algo 'ontologizado'; a
mundo. Por ÿ

que uma modalidade geral de realidade


1991).
é o próprio 'ser humano consciente'. Essa atitude de não
consciência é função [VIGOTSKI,
de análise se desdobra para os domínios mais gerais da vida
ontologizar o objeto - Por tudo que temos lido de Vigotski (1991, 2000, 1994), está claro que
humana, pois
o princípio explicativo
para a consciência, as funções psíquicas superiores e
também podemos perguntar: o que é a personalidade? Ela
também não é não pode ser outro que não o das 'relações
um 'ser' em si, existindo 'no ar1, ela é o próprio 'ser a própria personalidade humana
de nós mesmos
seja, posicionando-se diante de seus semelhantes,
humano em pessoa', ou sociais', Nas palavras desse autor, "[...] temos consciência
relacionando-se com eles e mecanismo, porque somos com
consigo mediante os demais, como um 'ser social'. porque a temos dos demais e pelo mesmo (VIGOTSKI, 1991,
relação a nós o mesmo que os demais são com relação a nós"
Além disso, para finalizar este subitem 'a', ainda podemos p. 12).
falar da
psicologia histórico-cultural como um projeto de ciência do 'novo ser
homem', algo As relações do ser humano em atividade partilhada com outro
pretendido por Vigotskí já em seu livro 0 sentido histórico da longo de milénios pelo
crise da psicologia humano, mediante os recursos da cultura criados ao
(VYGOTSKI, 1927/1991). Contudo o 'novo homem' 'habitat' ou
não é o mesmo que 'um trabalho e a comunicação social, não são em Vigotski um simples
novo ser humano individual', mas sim toda uma nova da criança e
forma de organização da apenas um 'meio externo'. A diferença "[...] essencial entre o meio
própria humanidade em seu conjunto - 'nova humanidade'. Esta, é uma parte do
por sua vez, o do animal radica em que o primeiro é social, no qual a criança
só poderá surgir com a criação de uma sociedade
completamente distinta da entorno vivo, que esse meio não é nunca externo para ela"
(VYGOTSKI, 1933-
que temos hoje. Dessa maneira, esse é um objeto que a
psicologia histórico- 34/2006, p. 382).
cultural não pode, desde já, estudar, pois inexiste efetivamente.
As relações sociais não são tampouco somente uma 'influência' externa
a um
A psicologia poderia, porém, ajudar a criá-lo, enquanto ela
própria vai com a qual o ser humano apenas 'interage'. Nem, portanto, restringem-se
meio físico',
deixando de ser o que é, ou seja, apenas um 'animal ladrador', nas palavras
do 'fator' ambiental de desenvolvimento, junto à 'experiência com o
o, como
próprio Vygotski (1927/1991, p. 406) enquanto deixa de ser o
que é, ao mesmo aos quais se oporiam os 'fatores biológicos', maturação e equilibra çã
tempo em que se envolve na criação de uma sociedade justa e para Jean Piaget (1972/1978), já em seus trabalhos mais avançados. Muito
igualitária, sem
classes sociais, nem expropriação do homem pelo homem.
Sociedade cuja menos são um simples 'contexto' ou 'pano de fundo', pois são compreendidas
rearlização ainda não foi possível na história da humanidade, em
qualquer lugar como "[...] a fonte do desenvolvimento e não o seu cenário" (VYGOTSKY,
do mundo, até o presente momento, sequer na União 1935/1994, p. 349).
Soviética de Vigotski e
seus colaboradores.
As relações sociais, em suma, são fonte, a força motriz e o 'princípio
Tendo feito essas considerações sobre os possíveis objetos
de análise explicativo' da génese das funções psíquicas propriamente humanas. 0
da psicologia, passaremos, no próximo subitem, à
discussão sobre qual seria o surgimento de diferentes momentos do desenvolvimento ontogenético, as
princípio explicativo desse objeto. 'novas formações etárias', por exemplo, explicam-se, seja em nível 'efetivo'
seja em nível 'potencial', por diferentes modos de relação social que vêm a
b) Qual o 'princípio explicativo' para o objeto de análise da se fazer prioritários para a existência humana em cada 'idade psicológica'.
psicologia?
As relações do bebé com a mãe, os jogos dramatizados do pré-escolar, a
Para Vigotski, não basta eleger uni objeto de análise, é preciso instrução para a criança escolar, ou a formulação de projetos para o futuro do
também
estabelecer uma relação causal desse objeto com aquilo que é adolescente junto aos seus são exemplos simples que podem ser dados,
mas
capaz de
explicar sua origem histórica. No nosso do
entendimento, a questão 'b', quanto que indicam situações sociais marcantes e de impacto duradouro ao longo
io princípio explicativo para
o objeto de estudo (ou 'de análise') da psicologia, desenvolvimento de cada ser humano na sociedade contemporânea.
58
MATERIALISMO HJSTÚRICO DtALÉTICO COMO FUHOAMEMTO OA PSICOLOCIA H ISTO RICO
CULTURAL CAPÍTULO [M - QUESTÕES DE MÉTODO EM VICOT.SK]

Situações específicas mais breves, no interior de cada período, obra de Marx, quando toma a
quais alguns comentaristas contemporâneos de Vigotski
as ggpÍ938, p. 71) [vínculo mais evidente), até a mesmo como
denominaram Kffÿercadoria e, portanto, a natureza do valor unidade para sua
'microgenéticas', são também de importância vital na medida em que [vínculo mais nuançado). Contudo é possível
cada um de nós necessita comprometer-se com as consequências de
nelas pç lítica da economia política
nossas PÍr exemplificar os dois principais conceitos que assumem o lugar de tal
decisões e de nossos atos diante do outro, com o outro, ou mesmo contra da 'unidade de análise'.
ele. V* categoria meta-teórica em Vigotski, ou seja, o lugar
como 'unidade pensamento-
Passaremos, no próximo subitem, à noção de unidade de análise como I São. dês o 'significado' [ou generalização)

personalidade-meio' (VYG0TSK1 1933-


vinculação material entre o objeto de análise e sua determinação por
seu fe: fala' e a 'vivência' como 'unidade
princípio explicativo. |34/2006).
Dizer 'significado' como 'unidade' pode parecer muito abstrato,
c) Qual a 'unidade de análise' que articula concretamente 'a' e 'b'? fo embora seja o próprio Vigotski quem o faz na referência supracitada. Noutra
obra, vários termos vão aparecer nomeando essa mesma unidade:
'significado
Na metodologia da psicologia histórico-cultura), a relação do objeto
jC da palavra'; 'palavra significativa'; ou tão somente 'palavra',
já que, para ser
de análise com o seu princípio explicativo não é direta, mas mediada por
uma apenas um 'som
unidade de análise que se constitui como realidade material dinâmica. Vigotski, palavra, supõe-se que tenha significado, sem o que seria
I; vazio'. Entende-se que quando Vigotski diz somente 'significado'
tenha ele em
mais para o fim de sua vida, por volta de 1933, 1934, passou a priorizar escrita ou
conta também que sem significado não há palavra (pronunciada,
a
análise do objeto mediante 'unidades' (MINICK, 1988). Ele diferenciava a
e, por isso conclui-se ser o significado mais essencial do que o
gesticulada)
análise em 'elementos', os quais perderiam as caraterísticas essenciais da
totalidade que se pretende estudar, da análise por 'unidades', que seriam 'V, •
. som, do que a forma gráfica ou do que o gesto.
sonora,
partes do todo capazes de preservar as contradições essenciais Mas vale dizer que, sem a existência 'material' do signo (seja ela
dele. Desse
modo, sendo impossível esgotar a totalidade da consciência humana, visual, tátil ou de outra natureza), na relação social, também não há significado.
tanto
quanto a totalidade das relações sociais das quais seu Assim, estudando o desenvolvimento do significado das palavras, o psicólogo
desenvolvimento é
função, caberia áo investigador eleger unidades de análise que permitissem § histórico-cultural será capaz de estudar o desenvolvimento da consciência tal
estudar tal complexidade em caráter concentrado, adensado. / como determinado pelas relações sociais, seu princípio explicativo. Fora dessa
% articulação, a ênfase exagerada sobre a linguagem, ao interpretar a obra de
Um exemplo da química usado por Vigotski é o da molécula da água
que, como parte com sua integridade mantida, contém todas as
Vigotski, causa distorções epistemológicas sérias.
propriedades
essenciais da água. Mas essa molécula perderia as propriedades da água se Seguindo adiante, complementando o que foi dito anteriormente,
fosse decomposta em seus elementos hidrogénio e oxigénio. Isso porque outra unidade é tomada para discussão metodológica no final da vida de
ambos separadospodem participar do processo de combustão, contribuir ÿ
Vigotski, a qual aparece na mesma conferência citada anteriormente. Dessa
para
a produção do fogo, enquanto a água como unidade não é vez trata-se da 'vivência' como 'unidade personalidade e meio'. Nas palavras
comburente e pode
ser usada para apagar o fogo. Faz também analogia da célula como unidades do próprio autor:
para o ser vivem, pois ela realiza as funções básicas que o organismo
como um A teoria moderna introduz a vivência como unidade da
todo também realiza. Isso entre outras alegorias, por vezes consciência, isto é, como unidade na qual as possibilidades
demasiadamente
abstratas, como 'o átomo como unidade para o universo'. básicas da consciência figuram como tais, enquanto na atenção,
no pensamento, não se dá tal relação. A atenção não é uma
A discussão sobre as várias influências teóricas que estão implicadas unidade da consciência, senão um elemento da consciência,
na noção de 'análise por unidades' em Vigotski e outros como
Mikhail carente de outros elementos, com a particularidade de que (neste
A
Basov é ampla e não há espaço para desenvolvê-la aqui. Podemos apenas momento] a integridade da consciência como tal desaparece.
verdadeira unidade dinâmica da consciência, unidade plena que
exemplificar que tais influências vêm desde os psicólogos da Gestalt,
para os constitui toda a base da consciência é a vivência [VYGOTSKi,
quais "[...] o todo é mais que a justaposição das partes [...]" (WERTHEIMER, 1933-34/2006, p. 383).
60
Mgt
MATERIALISMO HISTÓRICO CM ALÉTICO COMO FUNDAMENTO DA PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL HS|y- CAPÍTULO 111 - QUESTÕES DE MÉTODO EM VIGOTSKI
A discussão sobre a 'vivência' (uma das traduções para a palavra
russa
perejivánie] teve impacto no Brasil com várias traduções instrumentais feitas
BjlJela deixar de existir. Trata-se, neste caso, da 'história' como dialética tal como
do texto em inglês The Problem ofthe Environment (VYGOTSKI, 1935/1994).
pv iia Dialética da natureza, de Engels.
Ali Assim, o 'modo de analisar', em Vigotski, é o de buscar saber as causas
perejivánie se traduziu como emotional experience ('experiência
emocional'), Por isso, às vezes, encontramos
Mas sabendo, por exemplo, que há em Vigotski o termo
emotsionaTnoe
| dos processos estudados em sua dinâmica.
perejivánie {perejivánie emocional], não se pode manter a tradução 'experiência si o termo
• 'dinâmico -causal' para designar a análise. Mas, em diferentes obras
também termos
emocional'. 'Vivência' se torna melhor para a língua portuguesa, até porque, ou em edições distintas de uma mesma obra, encontraremos
no entendimento, a
radical da palavra russa, está o verbo arcaico jivat, que significa 'viver'. |i: : como 'método genético' ou 'genético-causal'. No nosso
Essa a 'estrutural', também abordada
unidade é muito complexa e de difícil definição; uma vivência seria como
uma ÍF análise 'genética', dinâmico-causal, não exclui
1931/1997). Nem
forma particular de experiência pela qual passamos, uma experiência I; positivamente pelo autor (VYGOTSKI, 1931/2000;
vivida exemplo, na diferenciação
muito intensamente, mas isso pode ser tanto de modo alegre ?ÿ; tampouco exclui a 'análise funcional', utilizada, por
quanto triste, ir; - - - social, por definição,
entre a fala social desdobrada e a fala interior também
-
dependendo do contexto.
A análise
£ mas funcionalmente distinta da primeira (VIGOTSKI, 1934/2001).
Podemos ter essa experiência intensa com relação aos mais variados
objetos, desde a vivência de um amor à de uma descoberta t genética não exclui as demais, mas as incorpora, subordina e norteia.
científica. No ou
capítulo de introdução de seu livro Pensamento e Linguagem (VIGOTSKI, Essa análise pode envolver, em diferentes propostas de pesquisa
1934/2001), o autor chega a dizer que só podemos ter acesso às Ir-:", articulados em uma mesma,vários 'domínios' relacionados: (I) a 'filogênese',ou
vivências origem da espécie humana; (U) a 'sociogênese', ou origem social de diferentes
de outras pessoas mediante sua fala, o que nos devolve à primeira
unidade de (III) a
análise discutida anteriormente. grupos étnicos e/ou formações sociopolíticas propriamente humanas;
'ontogênese', que é o estudo do desenvolvimento do ser humano nos diferentes
Sabendo que esta é uma discussão muito rica e em aberto, passaremos
períodos de sua vida como indivíduo em relação com seus semelhantes; (IV)
a
à meta-categoria seguinte.
chamada 'microgênese', que diz respeito à origem e ao desenvolvimento social
de processos psicológicos particulares em um curto período de tempo, os
d) Qual o 'modo de proceder à análise' que unifica
% 'b' e V? quais poderiam ser observados em uma situação de sala de aula, ou mediante
Falamos sobre três grandes metacategorias, mas podemos dizer o método experimental, por exemplo. Não cabe aqui discutirmos as vantagens
que todas elas só fazem sentido dentro do método e as desvantagens de se focar mais em um ou em outro domínio genético na
científico como um
.todo. Assim, no nosso entendimento, o 'modo de proceder à pesquisa em psicologia histórico-cultural.
análise' é
transversal ao que foi especificado anteriormente. Mas qual o
'modo de Por princípio e em tese, todos sempre deveriam ser contemplados,
proceder' à análise que permeia os três primeiros
termos? Ficará claro, Contudo, na efetivação dos projetos específicos de pesquisa, a ênfase a ser
por tudo que será exposto, que a categoria central na
análise que Vigotski dada torna-se questão por ser aprofundada, em função das necessidades de
faz das relações entre o objeto da psicologia e seu
princípio explicativo, cada grupo de pesquisa e das realidades sociais com as quais necessitam
mediante determinada unidade de análise, é a 'génese histórica'
desse trabalhar. Essas foram as considerações mais gerais que poderíamos ter feito
objeto. sobre a estrutura de base da metodologia em Vigotski. Passaremos em seguida,
'Génese' entendida, em um sentido mais específico, como processo pelo a tópicos mais particulares.
qual uma realidade material se transforma engendrando
outras, e não como
ato imediato pelo qual algo é 'criado' como que do nada
- sentido religioso. E 2.2 Em direção ao particular
'histórica' tanto no sentido específico como 'história das lutas da humanidade',
quanto no sentido amplo de 'processo dialético mais
pelo qual as realidades se
V Como é indicado por Vigotski, na tradição do marxismo, é
produzem no universo', mesmo antes do surgimento
da humanidade ou após '/ w indicado seguir do geral para o particular. Desse modo, passaremos a tópicos
62
MATERIALISMO HISTÓRICO D IALÉTI CO COMO FUNDAMENTO DA PSICOLOGIA CAPÍTULO III - QUESTÕES DE MÉTODO EM VIGOTSKI
HISTÓRICO-CULTURA L

metodológicos específicos que, ao longo da história do trabalho criativo não 'de qualquer modo', mas de tal modo que algo que está presente
Vigotski, foram destacando-se, nem sempre articulados explicitamente,
de iteitores
seja passível de ser vislumbrado.
e, pjjela
às vezes, sucedendo-se em aprimoramento de contribuições anteriores. Se,
porém, na proposta de Vigotski e no marxismo em geral, é necessário proceder ? ;i
1925 - 'Método objetivo- analítico' como aporte metodológico
do geral para o particular e do mais avançado para o mais elementar, isso
não Aquele gérmen de busca por objetividade destacado no subitem
significa que o detalhamento das particularidades do método em Vigotski
seja
anterior, anos mais tarde, na tese de doutorado de Vigotski para
o Instituto
menos trabalhoso ou necessário.
já mais maduro em termos
Também elas tiveram desenvolvimento histórico, o qual só podemos de Psicologia de Moscou, irá aparecer de modo
metodológicos. Na Psicologia da Arte (VIGOTSKI, 1925/1999), abordam-se
resgatar brevemente aqui, em pelo menos três grandes momentos, para
três géneros literários: (a) a fábula - 11títulos de
Krilov; (b) o conto Hálito -
fins de exposição: [2.2.1] 1916-1927: Rumo à teoria histórico-cultural; A análise aqui é mais
(2.2.2) 1928-1931: Teoria histórico-cultural; (2.2.3) Desde a Leve de Bunin; (3) a tragédia - Hamlet de Shakespeare.
monografia
teoria
histórico-cultural, não adotamos a visão de que as mudanças qualitativas próxima à objetividade da linguagem artística do que anterior
na

no pensamento de Vigotski - e/ou os reajustes conceituais em


focada exclusivamente na tragédia Hamlet.
sua 0 método, agora denominado 'objetivo -analítico', centra-se nas
concepção teórica geral mais ao final de sua vida - signifiquem abandono
de sua teoria histórico-cultural. Contudo mudanças existiram e algumas relações contraditórias 'conteúdo e forma', materializadas na linguagem
da própria obra, as quais levam a determinadas 'reações estéticas' e/ou
a
serão apresentadas.
criticamente, que
'processos catárticos' e a não outros..Deve-se considerar,
2.2.1 1916-1927: Rumo à teoria histórico-cultural Vigotski ainda está sob influência da reflexologia, mas, ao mesmo tempo, já
entende que a arte é uma "[...] técnica social dos sentimentos" (VIGOTSKI,
1925/1999, p. 3) e assim também é definida como o social em nós"
1916 - 'Crítica de leitor' como aporte metodológico (VIGOTSKI, 1925/1999, p. 315). Os mesmos termos são retomados em
Tentando resgatar a histórica das maneiras particulares pelas quais 1931, quando o autor diz que "[...] a personalidade é o social em nós"
Vigotski se ateve ao método, poderemos notar que essa foi uma (VYGOTSKI, 1931/2000, p. 337).
preocupação
importante para ele desde suas obras iniciais, Para analisar Hamlet,
por 1927 - '0 sentido [smís/5] histórico da crise da psicologia'
exemplo, Vigotski (1916/1999) distingue o 'crítico-criador' e o
'crítico-leitor'.
O' primeiro, frente ao caráter 'inefável' (isto é, impossível de definir
com Consideradapor Veres ov (1999) como obra de transição entre o período
palavras) da vivência de alguém diante de uma obra de arte, é capaz de superar reflexológico de Vigotski e a sistematização mais nítida de sua teoria histórico-
essa barreira através da simbolização e da alegoria. Por sua vez, o
segundo não cultural, o livro sobre A crise da psicologia tem grande força metodológica, pois
supera a inefabilidade da obra, mas pode 'arrancar' suas 'entonações internas', o autor discute as bases da ciência psicológica e seus impasses, aprofundando
apresentando-as ao leitor em geral, como mediação para o
encontro com o seu marxismo - embora em Psicologia da Arte e Psicologia Pedagógica (ambas
que ela tem de mais profundo e transcendente. de 1924), citasse marxistas como Plekhánov e Trotski.
Demonstra-se, assim, que a tarefa do crítico-leitor envolve lidar Desse trabalho decisivo de Vigotski rumo à formulação de sua teoria
com algo objetivamente presente na obra que se deve buscar histórico-cultural, destacaremos apenas três pontos essenciais:
apresentar à
sociedade, algo que faz dela aquilo que é em distinção de outras obras,
embora
a 'sensação comovida' que ela nos causa seja inefável.
Nosso destaque, nesse 5 A palavra russa smisi, que consta no título desse importante trabalho de Vigotski, pode ser
traduzida tanto corno 'sentido' quanto como 'significado', na linguagem cotidiana.
Contudo
momento, é para o feto de que, mesmo não sendo ainda a
monografia de é importante lembrar que, quando Vigotski diferencia teoricamente, mais tarde, 'sentido' de
Vigotski sobre Hamlet uma obra marxista, já está presente em gérmen znatchenie, portanto
uma 'significado' os termos russos utilizados são, respectivamente, smisl e
busca por 'objetividade', o crítico-leitor deve apresentar a obra aos demais ficamos com 'sentido'.
64
materialismo histórico dialítico como fundamento da psicologia HISTORJCO-CUI.TURAL CAPÍTULO |[] QUESTÕES DE MÉTODO EM VIGOTSKI

(a) a relação da ciência com a mediação da linguagem pela qual ela método é baseado no método funcional da dupla estimulação"
realiza suas abstrações e orienta seu olhar: "A palavra é o gérmen da ciência; e
Jeste
neste sentido cabe dizer que no começo da ciência estava a palavra" (VYGOTSKI,
T(VYGOTSKY, 1928/1994, p. 69, grifo nosso). Podemos expor a noção de
1927/1991, p. 281);
f-M'dupIa estimulação' pelo fato de que os estudos de Vigotski, nessa linha,
ffc recorriam sempre a duas séries de estímulos: os 'estímulos-objeto', que
[b) a centralidade da prática social como movimento pelo qual se áp/são aqueles que provocam reações imediatas no sujeito, e os 'estímulos-
demanda a reconstrução das abstrações científicas e que produz as condições rneio' ou 'signos', que são utilizados ativamente pelo sujeito na resolução
para tal. £ÿ mediada da tarefa proposta pelo pesquisador (Diagrama 1).
Conhece-se para realizar uma prática transformadora, e só realizando Ih:
uma prática transformadora é que se conhece: "O princípio da prática e sua
filosofia se impõe uma vez mais: a pedra que rejeitaram os construtores esta
veio a ser a pedra angular" (VYGOTSKI, 1927/1991, p. 357); feri Diagrama 1 Distinção entre o método da psicologia tradicional e ó método
-
(c) a centralidade da dialética como categoria geral integradora do y- da dupla estimulação.
discurso científico, em psicologia geral. "Esta psicologia não será outra coisa, w:
senão a dialética da psicologia" (VYGOTSKI, 1927/1991, p. 388). Vigotski lança
assim um projeto até hoje não totalmente posto em prática, embora nos anos Na psicologia tradicional: -> R
posteriores de sua vida tenha realizado importantes tentativas, algumas das
quais serão discutidas na sequência.
S meio [signo]
2.2.2 1928-1931: Teoria histórico -cultural

I
'
1928 - Introdução ao 'método instrumental' e ao 'método da dupla
estimulação'
No método da dupla estimulação: S objeto
Diferentemente do que possa parecer, o termo Teoria histórico-
cultural' não se refere a tudo que Vigotski produziu, mas a um determinado
_momento histórico de seu trabalho criador. Assim como qualquer realidade Fonte: Elaborado pelo autor.
social, a produção do conhecimento científico é um processo histórico e,
assim sendo, está sujeita a passar por diferentes momentos no decorrer
da trajetória de vida e atividade científica do pesquisador. Nesse sentido, o Yygotski (1928/1994, p. 70) reconhece que seu método "[...] é baseado
artigo 'O problema do desenvolvimento cultural da criança' é considerado "[...) no método dos reflexos condicionais [...]" de Pavlov. Vemos nisso também
manifesto da teoria histórico-cultural" (PUZIREI, 1989, p. 42), o qual, como uma busca de ênfase na objetividade em suas investigações. Mas podemos
não poderia deixar de ser, também focará questões de método. Na estrutura dizer que a formulação vigotskiana supera o paradigma pavloviano, pois
bem desenhada do texto, publicado ainda quando o autor estava vivo, temos: exige que entremos no âmbito da cultura (mediação do signo, impossível no
1) '0 problema'; 2) 'A análise'; 3) A estrutura'; 4) A génese'; 5) '0 método'. reino animal) e da história (o processo se modifica ao longo de determinado
Indo direto ao ponto de interesse que tem norteado todo nosso curso de desenvolvimento, em diferentes períodos, com evolução, involução
capítulo, "Este método pode ser convencionalmente chamado instrumental e revolução - processo que implica saltos de qualidade decisivos). Portanto
já que é baseado na função instrumental dos signos culturais no assim podemos compreender por que o autor considera que "[...) este método
comportamento e em seu desenvolvimento" (VYGOTSKY,
1928/1994, em sua verdadeira essência é um método histórico-genético" (VYGOTSKY,
p. 69, grifo nosso). Além disso, "no plano da investigação
experimental, 1928/1994, p 70). Nessa direção, ele retoma a célebre afirmação de Blonski
66
Ppjjs£\5".:'.. MATERIALISMO HISTÓRICO DJALÊTICO COMO FUNDAMENTO DA PSICOLOGIA KiSTÓRICO-CULTURAl : CAPÍTULO III - QUESTÕES DE MÉTODO EM VIGOTSKI

(apud VYGOTSKY, 1928/1994, p. 70): "O compqrtamento apenas pode ser


entendido como história do comportamento .
ÿPIfóhiProin'ssaÿ0 com a transformação da realidade que pretende compreender
MlPPéxplicai" quanto o psicólogo como profissional permanentemente envolvido
investigação da realidade com a qual se põe a trabalhar.
-
1929 'Método construtivo' e a 'futura psicologia'
Notamos gradativa aproximação, por parte de Vigotski, a
uma 1930 - Desdobramentos do 'Método instrumental'
formulação mais segura de um método de investigação científica
objetividade dinâmica e contraditória do desenvolvimento do
focado na Como vimos, o método instrumental é formulado já em 1928; em
psiquismo Bpti 1929, a noção arrojada de 'método construtivo' é formulada, mas não vai a
humano. Porém a produção do autor nem sempre é seguida de sua publicação,
Nem todas as formulações metodológicas vigotskianas foram amplamente ÿfe*? público. Mas as ideias de 1928 continuaram des envolvendo-se. Data de 1930
conhecidas enquanto o autor viveu. Algumas só vieram a público nos Rj; conferência de Vigotski, proferida na Academia Krupskaia de Educação
(ima
anos
1980, como O sentido histórico da criseda psicologia, de 1926-27, Comunista, intitulada O método instrumental em psicologia (VYG0TSK1,
publicado só
em 1982 e parcialmente. Jp-Í1930/I991], Ali as principais teses apresentadas em 1928 são reiteradas e
ÿfe' aperfeiçoarias. No campo geral, podemos destacar três breves considerações
Mesmo assim, podemos dizer que um elo entre as formulações
'publicadas' em 1928 e obras depois tidas como pilares da teoria finque podem nos ser úteis para as formulações metodológicas em nossos
histórico- Mais relevante
cultural encontra-se nas anotações de 1929, publicadas em 1986 fet:trabalhos ainda hoje. Vigotski afirma, por exemplo, que: (1)
Psicologia Concreta do Homem (VIGOTSKf, 2000). Várias indicações
como f; ; do que o 'instrumento cultural' (psicológico ou técnico) é o 'ato instrumental'.
"

teóricas desviarmos para o estudo de


feitas nessas anotações são retomadas em obras posteriores, mas,
no campo
l'\ 0 que é importante no sentido de não nos de utilização de instrumentos
da metodologia, cabe destacar a noção de 'método construtivo'6, £1/ estruturas de signos ou de modos práticos
que, para
Vigotski (1929/2000, p. 23), "[...] tem dois sentidos: 1) estuda não técnicos como tais, mas sempre estarmos atentos para como eles cumprem
as estruturas
naturais, mas as construções; 2) não analisa, mas constrói processos ff
i| função na atividade viva de um ser humano concreto, no seio de suas relações
(contra
método de pegar-de surpresa [.,.]). Mas a construção cognitiva no experimento pK- sociais, que são aquelas em que um ato instrumental pode se dar.
corresponde à construção real do próprio processo. Este é o princípio
básico". . Outraafirmaçãoimportanteéade que (2) a 'função psíquica elementar'
do
%ÿ f (natural) combina-se, é transformada, mas não eliminada pela 'estrutura
KtT""
Na visão do estudioso russo Andrei Puzirei, esse tipo novo
de
investigação | ato instrumental' (artificial) (VYGOTSKI, 1930/1991, p. 70 - §22) {função

|V; natural «-* função artificial (técnica/psicológica)}, havendo assim uma relação
[...] deveria realizar-se por si mesmo nos limites da organização |Ví de mútua constituição e de alternância nas relações de predominância entre
de uma ou outra atuação psicotécnica [...), aparecendo na
qualidade de seu órgão essencial, que garante o projeto,
&U' funções elementares e superiores, e não uma relação de mútua exclusão, o que
reconstrução e desenvolvimento planejado desta prática. Este &" é reiterado no livro sobre A história do desenvolvimento das funções psíquicas

projeto de reconstrução radical da psicologia ern toda a


história / superiores. Nessa obra, Vigotski fala da lei dialética de 'superação' das formas
da psicologia posterior permaneceu em essência não
(PUZIREI, 1986/2000,p. 43-44).
realizado p; inferiores pelas superiores (VYGOTSKf, 1931/2000). Trata-se, portanto, de
uma superação por negação e por incorporação do negado, ou superado, e não
por exclusão.
Seria essa, em tese, uma forma de investigação a ser
desenvolvida para
a edificação da 'futura psicologia'; teríamos tanto o
pesquisador como alguém /ÿ Porfim,apenascomomaisumconviteaoleitoraqueseapropriedetodo
o texto, devo destacar a questão de que, (3) se o método trata de 'princípios',
6 O termo 'construtivo' (KOHcrpyKTHBHbiH - konstruktivinii)
ele permite diferentes procedimentos: "[...] observação, experimentação, etc."
não tem débito com o chamado
'construtivismo', no sentido vulgar do termo como 'espontaneísmo'. Trata-se, (VYGOTSKI, 1930/1991, p. 70). O ue atesta que Vigotski preconiza relativa
ao contrário,
de 'construção' como ato Intencional no qual o ser humano intervém,
visando à consecução t •
flexibilidade nos meios de pesquisa, embora o seu 'etc.' sempre nos deixe sem
de determinados fins sociais, éticos e políticos, ou seja, como
um trabalho.
I- y saber até onde ela se estende. Em todo o caso, a orientação metodológica deve
68 í fe
MATERIALISMO HISTÓRICO D1ALÍTJCO COMO PORDAMEKTO DA
PSICOLOGIA H ISTORICO -CULTURAL
Bjj? ' CAPÍTULO IH * QUESTÕES DE MÉTODO EM VI GOT S KJ

ser resguardada: são os princípios gerais que devem subordinar os


meios, ç iflblenia da própria análise antes de abordar a análise dos problemas". E
não os meios serem tomados por princípios imutáveis, insubstituíveis, '
feim ele procede, pois as questões empíricas só são apresentadas após longa
metodológica.
Jáem um campo mais específico, que complementaas três contribuições Éfscussão
anteriores, podemos lembrar, de passagem, que os pí:-'
Entretanto isso se complementa com uma
segunda consideração:
'instrumentos psicológicos' ph:.
ou 'signos' são exemplificados aqui de modo um tanto é ao mesmo tempo premissa e produto, ferramenta
mais generoso do que JY0 método, neste caso, p, 47). De modo que,
em outros textos, permitindo ver a grande abrangência do
conceito de signo ÿ-resultado da investigação" (VYGOTSKI, 1931/2000,
para Vigotski nesse momento. Segundo ele,
o problema da análise deve ser
debatido antes de apresentar a análise
se
como tais, é igualmente verdadeiro que
i
frflas funções psíquicas superiores um acréscimo no
[...] como exemplos de instrumentos psicológicos e de
seus: fio ato de expor a investigação realizada também reporta
complexos sistemas podem servira linguagem [fala], as diferentes,
formas de numeração e cômputo, os dispositivos jjÿTês envolvimento do próprio método,
mnemotécnicos, ) histórico e ao
o simbolismo algébrico, as obras dearte, a escritura,
os diagramas, ' De qualquer maneira, construindo-se no processo
os mapas, os desenhos, todo género de signos convencionais,
etc, ] tempo apropriando-se do que nele já foi
produzido pelas gerações
(VYGOTSKI, 1930/1991, p. 65). itíhesmo
\
íanteriores, Vygotski (1931/2000, p. 101) sistematiza pelo menos três
• requisitos para seu método, que nesse momento
qualifica como "[...] genético-
0 que torna bastante amplo o âmbito dos processos
de 'dupla :
• experimental". O que se deve ao
feto de que ele provoca e cria de modo
estimulação' a serem criados para a realização do estudo da
génese das psíquico" (VYGOTSKI,
funções psíquicas, embora nem todos tenham recebido
tratamento explícito 1
-artificial o processo genético do desenvolvimento
continuidade com
nos trabalhos do autor aos quais tivemos acesso. É uma questão
metodológica 1
j 1931/2000, p. 101). Nisso encontramos uma linha delançadas pela noção
ainda por ser explorada por pesquisas atuais. fc;o método da dupla estimulação e com as perspectivas
í dè 'método construtivo'.
O pesquisador intervém conscientemente, criando
processo a ser estudado.
í condições de possibilidade para a emergência do
ÿI

1931- Requisitos para o 'método genético-experimental'


da produção
iEstuda-se o objeto em transformação, participando ativamente
Avançando um pouco mais no tempo, um ano após a
pública sobre '0 método instrumental', podemos
conferência •í; dessa transformação.
análise dinâmica"
primeiros capítulos do livro História do
visualizar que os cinco Nesse método, "[...] radica a tarefa fundamental da
desenvolvimento dasfunções psíquicas :V (VYGOTSKI, 1931/2000, p. 101). Essa análise, por
buscar os elos 'dinâmico-
superiores (VYGOTSKI, 1931/2000) são de cunho
metodológico e repetem, funções psíquicas, por vezes pode
no início de seus títulos, embora em ordem um pouco Y causais' que estão na raiz da génese das
distinta, as mesmas í ser também denominada 'análise dinâmico-causal'
ou ainda 'genético-causal'.
palavras já usadas em 1928, no 'manifesto' da
teoria histórico-cultural: Vygotski (1931/2000, p. 105-106) diz haver
'problema' (cap. 1); 'método' (cap. 2); 'análise' (cap.
3); 'estrutura' (cap. 4);
'génese' (cap. 5). No nosso entendimento, são capítulos
que formam um todo [...] três momentos decisivos que subjazem a esta análise:
coeso, entrelaçado, em que cada parte fora do conjunto análise do processo e não do objeto7, que faça manifestar
o
corre o risco de perder relação ao invés de indícios
força. Ao mesmo tempo, a linguagem utilizada, ao menos na nexo dinâmico-causal efetivo e sua
tradução do russo
ao espanhol, à qual tivemos acesso, traz algumas
vezes diferentes termos para marcar que não é
nomear realidades semelhantes, senão idênticas, como Vigotski faz essa distinção categórica entre 'objeto' e 'processo', para
veremos em seguida. de objetos estáticos que se trata, mas o termo 'objeto de estudo' não é obrigatoriamente
De início, cabe destacar duas considerações estudoj ou aJgo do género. Quanto a isso, também vale lembrar a
metodológicas que trocado por 'processo de
se complementam e que são essenciais para contribuição de Lenin, apontada por Luria:"V.[.Lenin ressaltou
queoobjetode conhecimento
toda a pesquisa apresentada a relação
pelo autor nos primeiros capítulos e nos outros e, em consequência, objeto da ciência, não as coisas em mas principalmente
si,
dez que compõem a obra física, se o objeto da análise são
entre elas. Um mesmo copo pode ser objeto de estudo da
em questão. A primeira é a de que, para Vigotski da economia, se se trata de
(1931/2000, p. 97), "[...] a as propriedades do material de que foi feito: objeto de estudo coisas,
situação existente na psicologia atua! nos impõe a estéticas do copo. As
necessidade de propor o seu preço, ou objeto da estética, trata ndo-se das qualidades
n1
7n
MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO COMO FUNDAMENTO DA DE KÍTODO EM VIGOTSKI
- QUESTÕES
PSICOLDGIA
HISTÓRICO-CULTURAL 3 CAPÍTULO lit

externos que desagregam o processo; por conseguinte,


análise explicativa e não descritiva8; e, finalmente,
genética que volte ao seu ponto de partida e
de ujl
a análji Hfis 1932-1934: Desde a teoria histórico-cultural
restabeleça todosi
processos do desenvolvimento de uma forma que
atua! é um fóssil psicológico.
em seu estaJ §fjfl|V- 1933-1934 - 0 'problema da consciência' e a 'análise sêmica'
'*| de uma teoria, assim como o
Como dissemos, o desenvolvimento
de um ser humano como ser social, só se dá mediante um
São três princípios que se podem abreviar por quatro
pares em qq§ jllipenvolvimento processo histórico é um movimento dialético, repleto
o primeiro termo predomina sobre o segundo, mas
não necessariamente J ramÉbesso histórico. Todo e revoluções, com momentos de
exclui: (a) deve-se estudar 'processos' não 'objetos' [i.e., imóveis,
estanques]! ÿPÿcòntradições, com evoluções, involuçõesradical e com saltos de qualidade.
(b) deve-se buscar 'explicar' (saber as 'causas') esses processos e
não apenas* •Wpèfãtiva calma e outros de transformação no momento final .da vida
'descrevê-los' (apontar seus 'efeitos' superficiais); (c) em PBjfjsi aspectos da produção científica que se deram
decorrência de
devem-se investigar os processos em busca de sua 'essência' e não
apenas dé>
'bJJ Vigotski que nem sempre são lembrados, mas, no
nosso entendimento,
deles.
sua 'aparência' (embora haja uma dialética entre o aparente Kdeixam uma herança muito fecunda. Por isso agora trataremos
e o essencial);| sêmica' (ou semântica).
(d) devem-se resgatar os 'movimentos vitais' que geraram
os processos; O primeiro é relativo ao problema da 'análise
seu grupo no Instituto de Psicologia
aparentemente "sem vida' (petrificados, fossilizados), antes
de ele se tornar! llÊtri conferências internas de Vigotski com notamos uma reformulação
automatizado, aparentemente imediato. Os fósseis psicológicos, Moscou,anotadas por Leontieve por Zaporójets,
também? Nas elaborações
tratados como funções psíquicas rudimentares, têm como
seus exemplos! ©Baíra o conceito de 'signo' {antes 'instrumento psicológico'].
atividades aparentemente simples, como; usar um nó para ajudar a IgBtéóricas do primeiro:
lembrar;
jogar a sorte para ajudar a decidir; usar os dedos para é próprio
contar. Pode-se avaliar,
||r%! .. Nos primeiros trabalhos ignorávamos que o significado
contudo, que assim como há esses fósseis referentes a longos do significado,
períodos de do signo. [...] Partíamos do princípio da constância
[.-.] nas primeiras investigações o problema do significado
estava
tempo passando por incontáveis gerações, também podem sí0i\'
haver processos implícito. Se antes nossa tarefa era mostrar o comum entre o nó e
psíquicos que- se 'fossilizam' no período de vida de uma
só pessoa, como
Spaí;.- •

agora consiste em mostrar a diferença entre


jpíi a memória lógica,
formas automatizadas de pensar e de realizar suas próprias eles (VYGOTSKi, 1933-34/1991, p. 121.grifo
nosso).
atividades. BRT
Essas são as considerações metodológicas principais que
podemos de nossos trabalhos se desprende que
fazer sobre o período da chamada 'teoria jgr Ao que ele acrescenta que
histórico-cultural' vigotskiana. (VYGOTSKI, 1933-34/1991,
.Passaremos, na sequência, a algumas contribuições do final
da carreira desse pf õ signo modifica as relações interfuncionais" superiores não
autor que nos foram deixadas de herança para seu
desenvolvimento nos dias §!;• P- 121, grifo do autor). As funções psíquicas elementares e
interfuncionais - as
atuais ou no futuro. ff; se desenvolvem de modo isolado, mas em relações
de signos são vistas agora
r(v transformações nos modos de operação dos sistemas
tal formulação
então, não são captadas somente de forma imediata, t como decisivas no desenvolvimento geral do homem. Não que
e relações" (LURIA, 1979/1987, p. 11).
mas sim pelos reflexos de seus enlaces
não estivesse já explicita nos trabalhos anteriores, mas o modo de
apresentá-
noção importante
8 No nosso entendimento, isso não implica que toda a descrição
deva ser descartada, desde que la mostra-se mais elaborado, Sobretudo, a ênfase recai na
conexão
de que o que devemos estudar são as conexões entre os processos: 'A
o pesquisador possa procedê-la de diferentes ângulos,
visando à totalidade. Evidentemente,
Vigotski se refere à descrição fenomenológica que, além de importância
entre as atividades da consciência não é permanente. E isso
tender a apresentar um objeto tem
estático, não trabalha com a dialética entre a descrição
no
com relação a cada uma das atividades. Essa conexão há que ser convertida
do aparente e a explicação do
essencial, nem busca tal explicação na génese histórica
dos processos. Vigotski cita Marx na
linha de que 'se as aparências coincidissem com a essência não
seria necessário ciência'. Mas problema da investigação" (VYGOTSKI, 2001, p. 120).
isso não exclui a necessidade de confronto com o aparente,
o conceito de
Já que desde quando era concebido como 'estímulo-meio'
acessível aos nossos sentidos,
para darmos conta de abstrair o essencial, do
contrário também haveria o risco de cair em aperfeiçoamento
idealismo, ou formalismo essencialista. O que garante o passo
do aparente para o essencial signo era fundamental para os problemas metodológicos, o
adequação
no modo de concebê-lo indica também a necessidade de uma
é a própria prática de transformação do objeto.

72 73
DE MÉTODO EM VIGOTSKI
CAPÍTULO III - QUESTÕES
MATERIALISMO HISTÓRICO DiAl.ÉTICO COMO FUNDAMENTO DA PSICOLOGIA EUSTÓRICO-COLTU RA l ÍV;
lí;.-
li"
disso, também se pode traduzir
smisiovoi por 'semântica' ou,
metodológica, a qual não se pode dizer que chegou a ser totalmente postal Além com mais
íf
por 'relativa ao sentido'. Aqui o leitor nota
em prática durante a vida de Vigotski. Sua proposta seria a de que "A análise! f-ajs precisamente,
o problema de se traduzir
semitcheskii por 'semântica', pois
a
sêmica [.semitcheskii] é o único método de estudo adequado da construção! fareza e também 'semântica',
mas a palavra
[stroenie] sistémica e semântica [smisiovoi] da consciência"9 (VIGOTSKI, 1933-J fònstrução da consciência é sistémica semântica' o adjetivo
é smisiovoi. Enquanto no termo 'análise
34/1982, p 166). .„tjtilizada palavra pouco familiar 'sêmica'. Smisiovoi
traz

Os termos russos entre colchetes não são por mera curiosidade, pois*! pi0-semitcheskii - smisl, que se traduz mais propriamente por 'sentido', na
levando à

há algumas considerações necessárias relativas às opções de tradução. Pode-: teem si o radicai


Vigotski. Nesse caso, surge um ponto de
discussão, pois
teorização de ser idêntico ao
se traduzir semitcheskii por 'sêmica' ou por 'semântica', Também se traduziu i como 'relativo ao significado' não pode
em espanhol como 'semiótica', contudo entendemos que 'semiótica' seja um l-o 'semântico'como 'baseado no sentido' (sense-based, como se. diz em
j||]'semântico' tipo de
termo muito amplo, pois envolve aspectos da constituição dos sistemas de lacunar ainda como seria a efetivação desse
lji>inglês). Fica bastante compreensão
signos não apenas relativos ao seu significado, mas também à estrutura de como tão importante, nesse momento, para a
y análise, posta seria formada
construída
seu significante, aos aspectos dinâmicos do objeto e às diversas relações entre arquitetura socialmente
da 'consciência' - cuja lembramos,
eles, implicando a construção de várias tipologias, entre outros detalhes. Nesse produção de sentido para o que falamos, pensamos, conexões
íf:jfela sistémica das
momento, 'sêmico' eJ 'semântico' marcam a ênfase na produção/entendimento
percebemos, decidimos.., A própria organização sentido', o qual,
I superiores seria 'baseada no
do 'significado', algo que, em 1934, terá estatuto de 'unidade de análise' para § .entre as funções psíquicas se dá
a consciência, mostrando-se uma reiteração condizente com o curso histórico surgir das relações sociais no interior das quais
pòr sua vez, só pode
,
>
geral da produção do autor. A palavra 'sema' também existe em português. a nossa existência como humanos. propriamente
Segundo o dicionário Houaiss (2009), "Sema - substantivo masculino, Rubrica: :.
[em esp. 'semiótica']
Vigotski, ao falar da 'análise sêmica
j\
j

amplo
linguística estrutural. Cada unidade mínima de significação, que, combinada ela trata do significado e que esse não é tão
//.dita', busca mostrar que psicológicas
com outras, define o significado de morfemas e palavras; traço semântico, 0 sentido tem aver com todas as consequências
| quanto o sentido. é algo mais
componente semântico". do significado da palavra, mas o significado
u do entendimento
"[...] caminho do pensamento à palavra [...]" (VIGOTSKI,
Pode-se traduzir 'stroenie' por 'construção' ou por 'estruturação' - preciso. Ele é o próprio exata
do pensamento à escolha
esta palavra na tradução brasileira, feita da espanhola (VYGOTSKI, 1933- 1933-34/1982, p. 160), entenda-se: caminho Pois está claro que só

dizer o que se está pensando.
34/1991), está como 'estrutura', mas autores russos, como Veresov, têm l do signo verbal opara início, com significado. Aqui se está dizendo
'palavra' em
preferido 'construção'. De fato, é uma tradução possível, visto que seu palavra, desde de sinais.
de sons, ou de letras, ou
radical também está presente em palavras como construtor [stroítel'] uma acepção mais coloquial, a sequência dando-
significado proporciona a transição do pensamento à palavra, isso, o
Assim o
etc. Além do que, no russo, também há a palavra struktura. Esta ultima,
Ihe vida, e da palavra ao pensamento,
dando-lhe materialidade. Por não só
evidentemente, é conhecida por Vigotski, sendo utilizada por ele em palavras,
abstrato, ele se realiza em
diversos textos, inclusive alguns citados no presente trabalho (VYGOTSKY, próprio pensamento já não é algo
1928/1994; 1931/2000). Deduzimos que, se nesse momento preferiu-se se expressa nelas.
o significado,que é o
objeto da análise
falar em stroenie da consciência e não em struktura da consciência, isso 0 fato mais importante aqui é que realização de
'semântica', é uma atividade humana, um modo de
pode indicar uma necessidade conceituai, pois a primeira designação semica ou refere,
O significado não é o 'objeto' a que o signo se
insinua mais um caráter dinâmico, em formação, e a segunda um caráter Um processo de transição. primeira. Nas palavras
nem é o próprio 'signo' em sua materialidade sensível éa
um tanto mais rígido, estabelecido.
p. 160), "[...] significado é algo mais definido:
de Vigotski (1933-34/1982, nos alongar,
] da operação do signò". Não podemos
estrutura [struktura interna tipificadas
9 No original: "CeMniecKHíi aiiaJína ecTb e/j hhctb&hh hh aÿeKBarHMtí moto,q »3yHemm
dentre os estudos em que Vigotski
trabalha com estruturas
CKCTeMHoro h cMbicnoBoro crpoeHra co3HaHHíV (VIGOTSKI, 1933-34/1982, p. 166}",
74
ÿBS/r .

MATERIALISMO HISTÔJUCO DIALÈT1CO COMO FUNDAM EHTP DA


PSICOLOGIA mSTÔâlCD-CUtTffRA L Kpj; CAPÍTULO 111 - QUESTÕES DE MÉTODO EM VIGOTSKI
RKgj 1

de generalização e com o desenvolvimento dq significado >


Mas, em que qualquer caso, está muito claro que a
sua investigação do processo de formação de
das palavras, estÿ
conceitos, além de sua
fSfanálisengoe 'microcosmo',
é mais importante do que a totalidade - os vestígios
da luz do
de experimentos sobre os conceitos científicos e série ffiÿidade podem se igualar à grandeza da
1934/2001].
cotidianos (VIGOTSKlj te refletidos em uma gota d'água jamais
' dessa estrela.
Passaremos, em seguida, ao nosso último destaque
flfíninosidadecabe não confundir 'unidade de análise', em Vigotski,
com 'objeto
quanto a esse:, $0} Logo
momento final da vida do psicólogo os quais se colocam em
bielo-russo. estudo', muito menos com 'princípio explicativo', de importância
Kÿnià dimensão muito mais ampla, tanto quanto em um grau
1933-1934 - A 'análise por unidades' a consciência não pode ser unidade de
análise
r
maior. Por isso, por exemplo, ser. Se uma dessas categorias
p3ík psicologia, nem as relações sociais podemo objeto de estudo? Qual seria
Nosso último destaque já foi apresentado na seção o
'partindo do geral'
- trata-se do tema das 'unidades', que [edinitsa], qual seria
continua sendo bastante instigante; llfòsse apenas a 'unidade' no
ainda nos nossos dias. De fato, por um lado, gíq princípio explicativo? Autores como Minick (1988) sugerem retroceder
pretendemos uma visão de í como
totalidade, mas, por outro, a totalidade não se dá a ver também o 'ato instrumental' e os 'sistemas psicológicos'
entender de modo l/tempo e
'onisciente'. É preciso também saber sobre as partes para podermos imediato, £ unidades em Vigotski. Contudo, nesse período, ele próprio não teria utilizado
acessar o ;
conjunto como algo que vai além da soma
das partes, como uma forma única i píléssa terminologia, até onde temos conhecimento.
de organização e de estruturação dinâmica de análise' é
delas. Uma pequena dificuldade de Estudar o 'objeto de estudo' por meio de uma 'unidade
tradução surge por a língua russa ter duas palavras que se encontram
que podem ser traduzidas 3 (ÿencontrar nela contradições e processos de desenvolvimento
nos textos de Vigotski por 'unidade', que são Vigotski em
edinstvo (como no inglês unity] | ?•., no objeto como tal. Trata-se de um caminho inovador aberto por
e edinitsa (como no inglês un/í). Não se próprios esforços.
termos metodológicos, faz diferença falar de
trata apenas de curiosidade, pois, em
] fc? ..seu tempo e cabe a nós desenvolvê-lo com nossos
uma unidade geral, mais próxima -]
Essas são as considerações particulares que
tínhamos para fazer neste
ao que em português podemos nomear
como 'unicidade', com o caráter ' quais elas não têm valor
único e integrado de uma 'totalidade', e de uma capítulo, retornando, portanto, às gerais, sem as
'unidade' específica, que é : científico.
representante de um conjunto mais amplo,
componente de uma totalidade.
Como foi citado anteriormente, Vigotski via a re¬
unidade [edinitsa] de análise para a consciência
'vivência' como uma
tal como não via a atenção, í
ou o próprio pensamento, por exemplo.
Também a palavra, significativa por 1 considerações finais
definição, ganha esse estatuto de unidade
[edinitsa], donde sua proximidade '
com a noção de 'microcosmo da consciência', o finais, não para encerrar o
que é colocado em termos ] Passaremos agora às nossas considerações
metafóricos, bastante emblemáticos, no final do livro
Pensamento e Linguagem: \ diálogo, mas para incentivar sua continuidade.
verdade', opomo-nos
A consciência se reflete na palavra como Como discutimos na primeira parte 'Em busca da
o sol em uma gota | relativa', à moda
d'água. A palavra está para a consciência como o aqui tanto à noção de 'verdade absoluta' quanto à de 'verdade
pequeno mundo | que a verdade e
[microcosmo] está para o grande mundo fmacrocosmo],
como a \ subjetivista. Buscamos apoiar-nos em uma concepção de
célula viva está para o organismo, como o há verdade
Ela é o pequeno mundo (microcosmo] da
átomo para o cosmo. histórica. Não no sentido criticado pelos historiadores de que 'não sempre,
quase
significativa é o microcosmo da consciência
consciência. A palavra |
histórica'. De fato, a 'verdade sobre a história', muitas vezes,
humana (VIGOTSKI, ] lutas humanas em
1934/2001, p. 486). mostra ser contada pelos vencedores das guerras e das
j geral, o que mostra sua parcialidade e seu caráter
ideológico. Entretanto,
Aqui fica claro o verdadeiro lugar metodológico quando digo 'a verdade é histórica', refiro-me justamente a
que ela é 'produzida
de uma 'unidade de j
análise', muito embora alguns autores vejam e o ofício do
diferença entre unidade [edinitsa] j historicamente'. Não estou falando da história como a tarefa
.....
.............u ainuaita OIALE7ÍCO COMO fUHD/iMEMTO DA PSICOLOGIA H1STÓS ICO-CUITURAJ.
i
1 capítulo ih - QUSSTÕSS Di KÍTDDD IN VIGOTSKI

historiador, mas como do próprio movimento de trabalho e j


comunicação do |
ser humano ao longo de incontáveis gerações em suas lutas livro Ética, desse mesmo pensador,
concretas. jçg2/1991, p. 423}11. E, na epígrafe ao
mais, entre todas as coisas que não estão em
Nesse sentido, um processo 'histórico' é movimento
contraditório j nodemos ler: "Nada estimo
uma aliança de amizade com homens que amem
e é produção objetiva coletiva, na dialética sujeito-objeto,
mas não um ] jj,eU poder, do que contrair
(ESPINOSA, 1677/1979, p. 75). A busca sincera de
qualificativo que confira ao conhecimento humano a
isenção de errar. sinceramente a verdade"alianças foi o que nos motivou à escrita do presente
Pesquisadores geniais como Vigotski sempre tiveram a
honradez de ) estabelecimento de tais
corrigirem seus próprios trabalhos anteriores e de fazer capítulo,como um convite a continuarmos em diálogo.
autocríticas. Dessa >
maneira, devemos abertamente assumir que nosso próprio
conhecimento, j
exposto resumidamente aqui, também está sujeito a erros,
em seu processo de
produção nas nossas relações de aprendizagem com os
toda a sociedade. Por essa razão, nossos possíveis erros
demais colegas e com 1 Referências
são postos à prova
diante do leitor deste capítulo e da sociedade como um todo.
Os erros advêm ed. revista. Rio de
não de uma desobediência a dogmas da tradição de BAKHTIN, Mikhail Problemas da poética de Dostoiévski. 2.
uma escola teórica, posto
que escolas teóricas não são doutrinas eclesiásticas.
Eles advêm do fato de Janeiro: Forense, 1963/1997.
conhecermos parcialmente, como indivíduos, e de necessitarmos da Vigotski: aproximações
com o coletivo para conhecer a totalidade. Entretanto,
relação DELARi JÚNIOR, Aquiles. Consciência e linguagem em
ao contrário do que 226f. Dissertação (Mestrado em Educação)-
ao debate sobre a subj'etividade. 2000.
pensam os relativistas, os erros 'existem', não são
uma forma alternativa de Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.
verdade. Por existirem, desafiam-nos a superá-los com a mediação
do outro. superiores? Umuarama,
Será justamente na tensão do debate, mediante a DELARI JÚNÍOR, Aquiles. Quais são as funções psíquicas
crítica do leitor
ao presente texto, repleto de lacunas10, que poderemos 2011. (Anotações para estudos posteriores. Mimeo)
rumar para uma
melhor compreensão do conjunto dos princípios metafísicos. Tratado
metodológicos da psicologia ESPINOSA, Baruch. Ética. In; ESPINOSA, Baruch. Pensamentos
histórico-cultural. Como bem lembra Leontiev, referindo-se a Vigotski, de correção do intelecto; Ética; Tratado político; Correspondência.
2. ed. São Paulo:
"Espinosa [...] foi durante toda a sua vida seu pensador preferido"
(LEONTIEV, Abril Cultura], 1677/1979. p. 71-301. (Os Pensadores).
Rio de
10 De aigumas lacunas tenho já consciência, por H0UA1SS, Antonio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa.
exemplo, a importância grande dada por
Vigotski ao estudo do desenvolvimento de pessoas com
deficiências para a compreensão do
Janeiro: Objetiva, 2009. 1CD-ROM.
dêsenvolvimento humano de um modo geral, no que ele se aproxima da ideia
L. S. Vygotski.
de que as deficiências são" um 'experimento da de Lazurski
natureza'. Questão fundamental da qual não LEONTIEV, Alexei. Artículo de introducción sobre la labor creadora de
ndizaje y
tratamos. Outro ponto, de certo modo já abordado aqui,
embora In: VYGOTSKI, Lev Semenovitch. Obras escogidas. Madrid: Visor Apre
é o dos chamados 'experimentos de ensino', mediante os quais não nomeado como tal, Ministério de Educación y Ciência, 1982/1991. Tomo I. p. 417-449.
aigo é ensinado a ser feito
para se estudar o modo pelo qual aiguém o aprende.
Isso pode ser notado nas noções que
mencionamos de 'método da dupla estimulação', 'método Luria.
experiinental'. Tem sido apontado, por exemplo, o
construtivo", 'método genético- LURIA, Alexander. Pensamento e linguagem. As últimas conferências de
fato de que no desenvolvimento da Porto Alegre: Artes Médicas, 1979/1987.
pesquisa com 'experimentos de ensino' conduzida por
Vigotski, o papel ativo do sujeito da
pesquisa vai tornando-se gradualmente mais proeminente,
tendo ele mais possibilidades
de escolha, na génese do domínio da tarefa proposta
pelo pesquisador (VALS1NER, 1988).
MARX, Karl. Teses contra Feuerbach. In: MARX, Karl. Manuscritos econômico-
Cultural, 1845/1978.
Tendo a concordar com tal observação, se levarmos em
conta que, desde os experimentos filosóficos e outros textos escolhidos. 2. ed. São Paulo: Abril
com Yeações eletivas' descritos em 1931 aos trabalhos p. 49-53. (Os Pensadores).
de Vigotski com Josefina Shif em
1933-34 sobre conceitos científicos e cotidianos (VIGOTSKI,
1934/2001), o setting da
experimentação vai realmente tornando-se mais complexo. Mas
um estudo mais detalhado,
com os exemplos práticos de diferentes experimentos em russo. Não temos a
para uma próxima
feitos por Vigotski e seu grupo, fica 11 Leontiev morreu em 1979, o ano é apenas o da primeira publicação
oportunidade.
informação sobre o ano original de escrita desse texto.
78
... . ...... un lit UA
HISTftRiCO-CULTDRAL I
PSICOLOGIA CAPITULO 111 - questões de método em vigotski

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Genera] Psychology. New York:
L. S. Vygotsky. Problems of |
Plenum Press, 1988. v. 1. p. 17-34. §§25/1999.
f;
1p •

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In: PIAGET, Jean. A epistemologia
s3
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Pensadores}. | ÿVIGOTSKI, Lev Semenovitch. Problema e da linguagem. São Paulo: Martins
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(1929/2000} Manuscrito de 1929 j ipontes, 1934/2001. p. 1-18.
[Psicologia concreta do homem]. Educação & Sociedade, -1
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