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Título Original

Didática no cárcere II : entender a natureza para entender o ser humano e o seu mundo

D555 Didática no cárcere: entender a natureza


para entender o ser humano e seu mundo / organizado por
Roberto da Silva. - São Paulo :
Giostri Editora, 2017.
120 p. ; 16cm x 23cm.

Inclui índice.
ISBN: 978-85-516-0200-3

1. Instituições penais. 2. Instituições penitenciárias. 3. Prisão. 4.


Cárcere. 5. Educação. 6. Didática. I. Silva, Roberto da. II. Título.

2017-806 CDD 365


CDU 343.81

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Vagner Rodolfo CRB-8/9410

Editor Responsável Alex Giostri


Auxiliar Editorial André Ximene
Arte de Capa Angela Leão
Diagramação André Ximene
Revisão final de texto Giostri Editora Ltda.

Roberto da Silva (Org).

Didática no cárcere II - entender a natureza para entender o ser humano e seu mundo

1ª Ed. São Paulo: GIOSTRI, 2018

1. Instituições penais.
2. Instituições penitenciárias.
3. Prisão.
4. Cárcere. I. Silva, Roberto da. II. Título.

1ª Edição

Giostri Editora LTDA.

Giostri Editora giostrieditora.com.br


Rua Professor Sud Menucci, 71 - Casa 1 /giostrieditora
Vila Mariana - SP
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Tel.: (11) 2537-2764
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DIDÁTICA NO CÁRCERE II

SUMÁRIO
PARTE I

I. PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA DOCÊNCIA EM REGIMES DE


PRIVAÇÃO DA LIBERDADE..............................................................11

II. CONTEXTO AOS QUAIS SE APLICA ESTA PROPOSTA PEDA-


GÓGICA.............................................................................................................14

III. PERFIL DE ESCOLARIDADE DE ADOLESCENTES EM


MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE INTERNAÇÃO NO ESTADO
DE SÃO PAULO.................................................................................................19

IV. PERFIL DE ESCOLARIDADE NO SISTEMA PRISIONAL DO


ESTADO DE SÃO PAULO.............................................................................22

V. A HISTÓRIA DA EDUÇÃO EM PRISÕES.....................................24

VI. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL DA PROPOSTA PEDAGÓ


GICA....................................................................................................................32

PARTE II

VII. MARCOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PROPOSTA


PEDAGÓGICA.................................................................................................39

1. O método científico na Didática do Cárcere 40


2. O Universo como Matriz de Aprendizagem 43
3. A Natureza como Matriz de Aprendizagem 45
4. O corpo humano como Matriz de Aprendizagem 48
5. Epistemologia: o processo humano de construção do conhecimento 54
6. O trabalho didático pedagógico com Matrizes de Aprendizagem 56
7. Fundamentos ontológicos e biológicos da aprendizagem humana 61

VIII. COMPONENTES TEÓRICOS DA DIDÁTICA NO CÁRCERE


..............................................................................................................................65
1. Matrizes de Aprendizagem 65
2. Alfabetização Científica 66
3. Inteligência 67
4. Memória 67
5. História 68
6. Linguagem 68

7
DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

7. Comunicação 69 XIV. RELATOS DE EXPERIÊNCIAS......................................................101


8. Capitalismo Científico 69
1. Relato de prática de Alfabetização Científica em Ciências Sociais e Humanas
IX. COMPONENTES OPERACIONAIS DA DIDÁTICA NO CÁRCERE 105
........................................................................................................................................................................71 2. Relato de prática da área de Ciências Humanas e Sociais 108
1. Habilidades e competências sociais 71 3. Relato de prática de Alfabetização Científica na área de Linguagens 110
2. Avaliação de saberes constituídos no Mundo da Vida 71 4. Relato de prática de Alfabetização Científica em Ciências da Natureza 111
3. Avaliação de saberes constituídos no Mundo do Trabalho 72 5. Relato de Fabiana do Amaral Godioso e Jaqueline Sadala Mendonça 115
4. Genograma 72 6. Relato de Gabriel Garcia Carvalho, Julia Marques, Mariana Caló, Pillar
5. Linha de Tempo 73 Bellardi Costa, Tainá Mazzarello Gonçalves e Vitória Esperança Escribano
6. História de Vida 73 Pereira 116
7. Recursos cognitivos 73 7. Relato de Barbara Aline Silva dos Santos, Fernanda Reis, Helena Guimarães,
Sara Viena Moreira e Yago Odilon Silva 116
X. AVALIAÇÃO DE HABILIDADES E COMPETÊNCIAS SOCIAIS...75 8. Relato de Eduarda Mayumi de Moura Yamanaka, Natalia Gimenes Soares
e Verônica Rodrigues Alves 117
1. Linguagens e suas tecnologias 77 9. Relato de Ione Messias e Ana Beatriz Prudente 117
2. Matemática e suas tecnologias 78 10. Relato de Julhiana Marques Bandechi, Millena Miranda Franco, Paula
3. Ciências Humanas e Sociais e suas tecnologias 79 Rabatone Oliveira, Stephanie Oliveira Silva e Thayane Miliano Silva 119
4. Ciências da Natureza e suas tecnologias 81 11. Relato de Amanda Daher de Moura, Paulo Alexandre Goncalves da
Silva, Sueli Teixeira da Silva e Susana Caetano de Souza 121
XI. AVALIAÇÃO DE SABERES CONSTITUÍDOS NO MUNDO DA
VIDA....................................................................................................................83 REFERÊNCIAS 123

XII. AVALIAÇÃO DE SABERES CONSTITUÍDOS NO MUNDO DO ANEXO I - Relação de participantes 125


TRABALHO........................................................................................................88 ANEXO II - Convocações para formação 126
ANEXO III - Autorização Secretaria da Administração Penitenciária 128
PARTE III

XIII. O PROCESSO DE CRIAÇÃO COLETIVA DESTA PROPOSTA....93

1. Equipe FEUSP 81
2. Equipe de Pós-Graduandos FEUSP 81
3. Equipe de Monitores USP 82
4. Equipe Diretoria Regional de Ensino Centro-Oeste 82
5. Consultoria Editorial 82

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II

I. PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA


DOCÊNCIA EM REGIMES DE
PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
Durante os debates que antecederam a aprovação das Diretrizes Nacionais
para a Educação em Prisões, em 2010 se fortaleceu a convicção de que
a mera transposição da Educação de Jovens e Adultos do sistema regular
para o Sistema Prisional não atenderia às especificidades e necessidades de
pessoas privadas da liberdade. Entretanto, a ausência de propostas meto-
dológicas, de material didático específico e de formação especializada para
professores não nos permitia desenvolver a proposta de uma EJA Prisional
como a chamávamos então.
Nenhuma teoria pedagógica e nenhum autor individualmente parecia
fornecer os subsídios necessários para enfrentar os desafios acima, ou seja:
desenvolver propostas metodológicas, produzir material didático específico

PARTE I e proporcionar formação especializada para professores.


Foi preciso constituir um coletivo no âmbito do Curso de Aperfeiçoamento
Docência em Regimes de Privação da Liberdade, convocar gestores da
Educação e do Sistema Prisional, técnicos da Diretoria Regional de Ensino,
especialistas de ONGs e outros docentes da Faculdade de Educação da
USP para reunir subsídios que, levados à discussão coletiva, começaram
por apontar alguns caminhos possíveis.
O marco teórico que emoldura esta proposta fundamenta-se na Pedagogia
Social e na práxis da Educação Social. A Pedagogia Social é a disciplina acadê-
mica que concebe a educação como parte do processo de desenvolvimento
social e não como investimento individual na pessoa. Aborda as questões
sociais do ponto de vista pedagógico e não o inverso. Educação Social, por
sua vez, aborda a educabilidade social do sujeito e visa sua preparação para
a vida em sociedade. Estas abordagens se mostram pertinentes ao contexto
da privação da liberdade dado o entendimento que escolarização não é o
único nem a principal deficiência que as pessoas apresentam e nem é a
alfabetização e a elevação da escolaridade que vai levá-las a superar tantas
deficiências apresentadas no entendimento das regras de convivência social,

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

no exercício da responsabilidade social, na apropriação de códigos, símbolos Nossa expectativa é a de que, se apercebendo da lógica que fundamenta
e valores ou na postura ética diante da vida, dos outros e do mundo. a beleza, o equilíbrio, a harmonia e a perfeição da vida, o aluno preso
Sendo assim, a escolarização em regimes de privação da liberdade cons- encontre motivações para pautar sua postura diante da vida, de si mesmo e
titui um meio, um pretexto – e talvez o único - para o desenvolvimento de da sociedade de forma ética e responsável. O aprendizado assim construído
habilidades e competências sociais e socioemocionais que não teria outro deve, inevitavelmente, se traduzir em ganhos de letramento, de leitura de
espaço e momento para serem trabalhadas. O perfil da população privada mundo e de elevação da escolaridade em consonância com os objetivos
da liberdade no Brasil mostra que são majoritariamente jovens, afrodescen- consignados na legislação de ensino.
dentes, de baixa escolaridade, de baixa qualificação profissional e para quem Estruturalmente Didática no Cárcere se organiza em dois componentes:
falharam todas as instâncias anteriores de socialização como a família, a uma parte teórica e conceitual e uma parte operacional, de caráter instru-
religião, a comunidade, a escola e as políticas públicas. O desenvolvimento mental, que corresponde à aplicação propriamente dita.
integral da pessoa humana, sob esta perspectiva não dá para ser enfrentado Como se verá ao final desta obra os componentes teóricos e os compo-
de forma curricular, com disciplinas específicas e professores especialistas. nentes operacionais constituem uma práxis, pois um ilumina, ilustra e subsidia
Optamos, portanto, por uma abordagem que, de início, se traduza em o outro, sendo a prática indissociável de sua formulação teórica.
múltiplas alfabetizações e possibilite ao sujeito compreender a organização O livro está organizado em três partes. A primeira apresenta a proposta
e a dinâmica da vida em suas variadas manifestações – inorgânica, orgânica, propriamente dita, seu amparo legal de acordo com a legislação de ensino
vegetal, animal e humana – sob a inspiração de que, ao compreendê-las vigente no Brasil e os marcos teóricos que a fundamentam. A segunda parte
possa também compreender o sentido da vida e a singularidade da vida apresenta os componentes teóricos e operacionais da didática no Cárcere,
humana e do mundo em que vive. com maior detalhamento de sua aplicação por parte dos grupos que a
De cada uma destas dimensões da vida convencionamos explorar o experimentaram em condições reais de ensino e aprendizagem.
elo inicial que a desencadeia, as leis naturais que as regem, suas formas A terceira parte dedica-se a apresentar relatos de alunos e professores
particulares de organização, a comunicação específica de que se utilizam e que durante o 1º semestre de 2018 envolveram-se profundamente com a
a complexificação que assumem em sua forma final dando origem então à proposta em seus espaços de estudos, de trabalho e de formação.
vida, às plantas, aos animais e à sociedade humana.
Em outra circunstância sustentamos que não é tarefa da Educação
converter o criminoso em não criminoso ou erradicar os péssimos indica-
dores penitenciários como taxa de reincidência, mortes, rebeliões e fugas.1
Na ocasião estávamos nos referindo à educação escolar oferecida na prisão.
A Educação Social, por se propor a oferecer respostas pedagógicas para
os problemas sociais pode enfrentar tais desafios com mais propriedade,
pois ela trata exatamente da educabilidade social do sujeito para a vida em
sociedade.

1. Entrevista à ONG Geledés, disponível em https://www.geledes.org.br/livre-docente-


da-usp-e-ex-preso-nao-e-papel-da-educacao-mudar-o-criminoso/

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

II. CONTEXTO AOS QUAIS Os diferentes espaços de experimentação pedagógica que criamos para
testar e discutir esta proposta nos convenceram de que ela não substitui o
SE APLICA ESTA PROPOSTA currículo oficial adotado pelos estados para assegurar a oferta da Educação
PEDAGÓGICA nos espaços de privação da liberdade.
No sistema socioeducativo Didática no Cárcere se presta muito bem ao
Esta é uma obra de Pedagogia e por tratar de Epistemologia, de Didática e atendimento durante a internação provisória determinada no Artigo 183 do
de Metodologia, pode, a rigor, ser adequada para qualquer contexto humano. Estatuto da Criança e do Adolescente, de, no máximo, 45 dias, disposição
A Pedagogia é, dentre todas as ciências a que mais precisa conhecer o ser esta ratificada pela Resolução CNE/CEB Nº 3, de 13 de maio de 2016
humano e é compreensível a legislação educacional brasileira atribuir à que Define Diretrizes Nacionais para o atendimento escolar de adolescentes
Pedagogia não apenas a Educação Infantil, de creche e pré-escola, mas e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas.
também as séries iniciais do Ensino Fundamental como classes unido-
Art. 8º - Deve ser garantido atendimento escolar nas unidades
centes e, inclusive, a coordenação, a supervisão e a direção do processo de de internação provisória, com elaboração e implementação de
ensino-aprendizagem. proposta pedagógica específica à natureza desta medida, voltado
A pessoa privada da liberdade é, do ponto de vista de sua natureza à continuidade do processo de escolarização de adolescentes e
ontológica, de sua constituição orgânica e do aparato epistemológico, um jovens já matriculados ou que subsidie a reconstrução da trajetória
ser humano como outro qualquer, portanto, dotados dos mesmos atributos escolar daqueles que se encontram fora da escola.
por meio do qual se dá a apreensão, armazenamento e processamento da
informação para transformá-la em conhecimento cognitivo. O sentido desta normatização é que Estado deve assegurar que a internação
Por esta razão, muito da reflexão aqui desenvolvida se refere ao ser humano provisória decorrente da prática de ato infracional não interrompa a trajetória
em geral e dentro desta generalidade é que vamos buscar a especificidade da de escolarização do adolescente, mas dada a provisoriedade da internação não
condição de privação da liberdade. Poderíamos fazer este exercício para tratar é o caso ainda de se proceder à inclusão dele em classes regulares.
de qualquer outra especificidade e teríamos assumido as mesmas tarefas de No sistema prisional a proposta atende à determinação à disposição da
identificar como a pessoa em determinado contexto produz Cultura e faz Resolução CNE/CEB Nº 2, de 19 de maio de 2010 que dispõe sobre as
a comunicação do seu conhecimento, quais as didáticas e as metodologias Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em
implícitas nestas práticas e os imperativos que o meio cria para difusão de situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais.
determinados conjuntos de códigos, símbolos e valores.
Art. 2º As ações de educação em contexto de privação de
Dada a área de pesquisa em que atua o GEPÊPrivação, os pesquisa-
liberdade devem estar calcadas na legislação educacional vigente
dores, professores e técnicos que se envolveram neste processo coletivo de no país, na Lei de Execução Penal, nos tratados internacionais
construção de conhecimentos, esta proposta, de caráter experimental, foi firmados pelo Brasil no âmbito das políticas de direitos humanos
concebida para ser desenvolvida por profissionais da Educação que lecionam e privação de liberdade, devendo atender às especificidades dos
em classes de escolas vinculadoras que atendem unidades de internação diferentes níveis e modalidades de educação e ensino e são exten-
da Fundação CASA e unidades prisionais da Secretaria da Administração sivas aos presos provisórios, condenados, egressos do sistema
Penitenciária, tanto em regime fechado quando em regime semiaberto, prisional e àqueles que cumprem medidas de segurança.
inclusive em Centros de Detenção Provisória.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

No Brasil tanto o Código Penal quanto o Código de Processo Penal c) não mudar do território da comarca do Juízo da execução,
sem prévia autorização deste.
reconhecem a legalidade da prisão provisória em pelo menos 11 modalidades
§ 2° Poderão ainda ser impostas ao liberado condicional, entre
distintas. A Lei de Execução Penal, que normatiza o cumprimento da pena, outras obrigações, as seguintes:
entretanto, reconhece ao preso provisório os mesmos direitos atribuídos ao
a) não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à auto-
preso condenado, inclusive o direito à Educação e à remição da pena por ridade incumbida da observação cautelar e de proteção;
meio do trabalho e dos estudos, conforme determinação da Lei 12.433, de b) recolher-se à habitação em hora fixada;
29 de junho de 2011 que regulamentou o instituto da remição.
c) não frequentar determinados lugares.
Com uma população prisional superior a 726 mil presos em que cerca de
40% são presos provisórios, ainda sem sentença de condenação, a oferta de
Educação para eles constitui um desafio sobretudo por causa da transito- A oferta de Educação para presos em cumprimento de medida de segu-
riedade desta condição e das instalações onde estão recolhidos, diferentes rança ainda é um tabu, pois estas unidades ainda guardam o ranço de hospitais
das instalações destinadas a presos condenados. de custódia e tratamento psiquiátrico. No Estado de São Paulo, que tem a
No Brasil não existe delimitação de prazo para a prisão provisória de adultos, maior população prisional em cumprimento de medida de segurança são
prevalecendo uma regra, bastante contestada, de 81 dias para conclusão da 640 presos nas três unidades existentes, antigos manicômios judiciários.
instrução criminal. A Regra é derivada da Lei n.º 9.303/96 (Lei do Crime O Brasil conta com cerca de 1.500 unidades prisionais, sendo que cerca
Organizado), da qual emana a jurisprudência adotada em alguns tribunais de 75% delas não possui infraestrutura adequada para oferta da educação, o
e rejeitada por outros. que resulta que apenas cerca de 12% do total de presos tenham acesso a ela.
A oferta da Educação para presos em regimes aberto e semiaberto Portanto, esta proposta pedagógica deve possibilitar aos profissionais
constitui outro desafio para a política pública, devido à própria deficiência da Educação lidar com os vários fatores que condicionam ou interferem
da legislação neste aspecto. Ainda que a legislação subsequente preveja até na nobre tarefa de fazer a Educação em Regimes de Privação da Liberdade
o direito à remição da pena pelos estudos para o livramento condicional, a no Brasil.
matricula e a frequência escolar não integram os requisitos para obtenção • Deficiências de infraestrutura (sala, carteiras, lousas, equi-
do benefício, conforme mostra o texto da LEP. pamentos etc.);
• falta de material didático específico e restrições ao uso de
Art. 131. O livramento condicional poderá ser concedido pelo
Juiz da execução, presentes os requisitos do artigo 83, incisos e
materiais convencionais de uso comum
parágrafo único, do Código Penal, ouvidos o Ministério Público • salas com pessoas de diferentes idades
e Conselho Penitenciário. • grande defasagem na relação idade/séria
Art. 132. Deferido o pedido, o Juiz especificará as condições • classes multisseriadas
a que fica subordinado o livramento. • excessiva rotatividade dos alunos
§ 1º Serão sempre impostas ao liberado condicional as obri- • rígidos sistemas disciplinares que impedem livre movimen
gações seguintes: tação dos alunos
a) obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto • dificuldade de acesso a recursos de TIC (Tecnologias da
para o trabalho;
Informação e da comunicação)
b) comunicar periodicamente ao Juiz sua ocupação;

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

• precariedade de estímulos sensoriais (visual, auditivo, tátil, III. PERFIL DE ESCOLARIDADE


gustativo e olfativo)
DE ADOLESCENTES EM
Didática no Cárcere, portanto, se não substitui o currículo oficial dos MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE
estados, se mostra adequada para desenvolver a Educação nas seguintes
situações: INTERNAÇÃO NO ESTADO
• classes multisseriadas, seja no sistema socioeducativo ou DE SÃO PAULO
no sistema prisional
• classes de nivelamento
• classes de aceleração O atendimento escolar de adolescentes em cumprimento de medidas
• regime de internação provisória socioeducativas é realizado por meio de 141 classes nos 41 Centros de
• regime de prisão provisória Internação Provisória (CIP) em 27 Diretorias de Ensino do Estado, 35
• avaliação de saberes constituídos no Mundo da Vida escolas vinculadoras, cerca de 1.880 alunos por mês e 130 professores.
• avaliação de saberes constituídos no Mundo do Trabalho
Adolescentes por Faixa Etária I Adolescentes por Faixa Etária I
Didática no Cárcere se mostrou apropriada como estratégia para prepa-
ração de alunos e de professores para ingressarem no currículo escolar, não 12 a 14 anos 559 12 e 15 anos 1.607
havendo nenhum impedimento para que possa ser trabalhada concomitan- 15 a 17 anhos 6.538 16 e 17 anos 5.490
temente ao currículo oficial. 18 ou mais 2.135 18 anos e mais 2.135
Total 9.232 Total 9.232

Adolescentes por gênero


Masculino Feminino
96,08% 3,92
Fonte: Sistema de Cadastro de Alunos – GDAE. Junho de 2017

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Adolescentes em Programas de Atendimento Adolescentes por escolaridade (última matrícula)


Total 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 1º 2º 3º
Atendimento Preferencial 16 Ciclo I ano ano ano ano ano ano ano ano EM EM EM

Internação Provisória 1.392 334 23 36 89 186 4.319 780 1.051 1.176 1.312 1.780 1.162 462 156

Internação 7.213 Defa-


23 36 88 186 780 1.051 1.162 1.247 1.032 362 73
sagem
Internação Sanção 45
Idade
0 0 0 0 0 0 14 65 130 100 83 392
Internação Sanção nas UIPs 111 correta

Protetiva 1 Fonte: Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo 2014


Semiliberdade 454
Total de Adolescentes nos Programas 9.232 Quadro Profissional (para 145 unidades)
Fonte: Sistema de Cadastro de Alunos – GDAE. 10 de Outubro de 2017 Cargo Nº de Profissionais
Diretor 141
Adolescentes por Região de Moradia e de Cumprimento Encarregado Área Técnica 119
Adolescentes Outros Médico 35
por Macro Capital RMSP Interior Litoral Sem Local
Estados
Região de Dentista 74
Moradia 23,70% 17,50% 51,60% 5,30% 0,60% 1,30% Assistente Social 546
Psicólogo 531
Adolescentes por Macro Capital RMSP Interior Litoral
Região de Cumprimento Enfermeiro 115
34,30% 14,50% 45,20% 6,00% Auxiliar de enfermagem 518

Fonte: Sistema de Cadastro de Alunos – GDAE. Junho de 2017 Agente Educacional 874
Agente de Apoio Socioeducativo 6.446
Total de Matrículas nas Unidades de Internação Profissionais de Educação física 257
Profissionais de Arte e Cultura 421
Por modalidade Por Classes
Pedagogo 280
Ensino Fundamental I 258 Multisseriadas 593
Coordenador Pedagógico 140
Ensino Fundamental II 4.217 EF I - seriadas 6
Total 10.497
Ensino Médio 2.444 EF II - seriadas 27 Fonte: Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo, 2014
EM - seriadas 10
Totais 6.919 636
Total de professores 1.376
Fonte: Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo 2014

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

IV. PERFIL DE ESCOLARIDADE População geral e população prisional, por Cor

NO SISTEMA PRISIONAL Branca


Negra/Preta/
Parda
Amarela Indígena Outras

DO ESTADO DE SÃO PAULO Brasil Prisão Brasil Prisão Brasil Prisão Brasil Prisão Brasil

45,48 37,32 53,63 61,67 0,65 0,49 0,40 0,13 0,32

No Estado de São Paulo


A oferta de escolaridade no sistema prisional paulista é realizada na 61,23 45,26 37,25 54,46 1,30 0,18 0,22 0,01 0,09
modalidade Educação de Jovens e Adultos, com matrícula semestral em cerca
de 850 classes distribuídas em 138 das 165 unidades prisionais do Estado Fonte: Infopen, dez./2014.
que são atendidas por 95 escolas vinculadoras em 53 Diretorias de Ensino.
A Educação de Jovens e Adultos oferece vagas para os anos iniciais e
finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. População geral, população e paulista , por Faixa Etária

18 a 24 anos 25 a 29 anos 30 a 34 anos 35 ou mais

Brasil Prisão Brasil Prisão Brasil Prisão Brasil Prisão


Privados de liberdade no sistema prisional, delegacias e carceragens
11,16 30,12 7,74 24,96 8,17 18,93 46,09 26,00
Total população prisional +
Carceragens e Delegacias Sistema Prisional
carceragens e delegacias No Estado de São Paulo

Homem Mulher Total Homem Mulher Total Homem Mulher Total 29,03 25,03 19,53 26,41

Fonte: Infopen, dez./2014.


2.256 948 3,204 204.797 12.029 216.826 207.053 12.977 220.030

Fonte: Infopen, dez./2014.


Escolaridade da população prisional paulista

EM Completo

Pós Completo
EF Completo

ES Completo
Alfabetizado
Total de Matrículas nas Unidades Prisionais

Incompleto

Incompleto

Incompleto
Analfabeto

sem curso
regular

EM
EF

ES
Por modalidade Por Classes
Ensino Fundamental I 2.694 Multisseriadas 859
No Brasil
Ensino Fundamental II 7.448 EF I - seriadas
7 3,99 6,73 49,58 14,78 13,96 9,54 0,95 0,46 0,02
Ensino Médio 6.061 EF II - seriadas
No Estado de São Paulo
Totais 16.203 877
2,71 3,77 43,36 18,99 17,40 12,25 1,02 0,49 0,01
Total de professores 991
Fonte: Infopen, dez./2014.
Fonte: Infopen, dez./2014.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

V. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO condenados no país, o Brasil difundia internacionalmente sua preocupação


com a Educação de presos com o objetivo de mostrar, segundo Eliane
EM PRISÕES Leal Vasquez, “uma face mais civilizada da nação brasileira por meio da
divulgação do estado das prisões.
Em tese, a Educação de pessoas jovens e adultas submetidas por medidas
legais a regimes de privação da liberdade constitui objeto de pesquisa próprio O estabelecimento possui uma escola de primeiras letras
das Ciências da Educação, considerando-se os seus enfoques filosóficos, e uma biblioteca para uso dos presos, uma lavanderia, uma
padaria, uma pedreira sob o comando do administrador e
históricos, sociológicos, culturais e psicológicos. Entretanto, se entendermos
também um laboratório fotográfico para as necessidades tanto
a Pedagogia como a ciência da Educação por excelência, a esta cabe identi-
do estabelecimento quanto do departamento de polícia. [...]
ficar a forma particular de construção e de mediação do conhecimento em Depois da Casa de Correção da capital do Império, a que é
situações de confinamento humano, bem como identificar os métodos por a mais adaptada aos seus projetos é a da cidade de São Paulo
meio dos quais se faz esta mediação do conhecimento e, consequentemente, não só por ser situada em um bairro mais pitoresco e em um
a didática implícita nesta mediação. amplo edifício com algumas importantes oficinas, pomar e
Por direito e por obrigação constitucional, a Educação dentro das insti- jardins, mas também pela ordem, limpeza e moralidade que
preside seus vários departamentos. (BRASIL, 1876, p. 357
tuições que executam regimes de privação da liberdade deve ser de respon-
APUD VASQUEZ, 2013, p. 66).
sabilidade do poder público. Estes dois argumentos são suficientes para
justificar a criação, na Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo, de um grupo de estudos e de pesquisa que se ocupe da Educação Depois destes registros, que Eliane Vasquez pontua como nascedouro
em Regimes de Privação da Liberdade. da ciência penitenciária no Brasil, o histórico dos debates sobre tratamento
Na prática, pouco ou quase nada as Ciências da Educação têm se ocupado e educação de presos só assume alguma relevância no âmbito do quadro
desta temática, exceto pelos esforços de alguns raros abnegados que insistem teórico e metodológico propiciado pelas teorias lombrosianas, dominante no
em colocar o tema nas agendas acadêmicas e políticas. período entre 1900 e 1920 em que se deu a construção da Penitenciária do
O Brasil administra um dos dez maiores sistemas penitenciários do mundo, Estado, em São Paulo (Salla, 1999).
com mais de 720.000 pessoas encarceradas ao final de 2017, distribuídos Depois do verdadeiro furor que foi a inauguração da Penitenciária do
em mais de 1.500 unidades prisionais, cerca de 200.000 mandados de prisão Estado, projetada por Ramos de Azevedo e apresentada ao mundo como
não cumpridos e uma taxa de reincidência imprecisa, mas historicamente um presídio modelo, combinação de sofisticação arquitetônica com as mais
acima de 70%. O Estado de São Paulo, em que a situação é mais grave e modernas (SIC) teorias criminológicas, o debate acadêmico só foi retomado
mais violenta, possui atualmente 170 unidades prisionais que contêm pouco no final da década de 60 e início da década de 70 em virtude da situação
mais de 40% desta população. criada pelo Regime Militar no Rio de Janeiro, de misturar, no Presídio da
Este universo é composto por cerca de 95% de homens e 5% mulheres Ilha Grande, presos comuns com presos políticos, caldo de cultura de onde
adultos, ao qual se soma cerca de 36.000 adolescentes em cumprimento de emergiram os grupos organizados que hoje dominam as prisões cariocas.
medidas socioeducativas diversas. Manoel Rodrigues Português, historiando as transformações da Educação
Nas Exposições Universais de Paris (1867), Viena (1873) e Filadélfia no sistema penitenciário paulista, esclarece qual era o clima para debates
(1876), sob o reinado de D. Pedro II, quando se registrava apenas 173 presos sobre a questão no período imediatamente subsequente:

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Até o final da década de 1970, as escolas no interior das Esta foi a experiência que, pela primeira vez, foi colocada em debate
unidades prisionais regulavam-se observando a organização público, deles participando os educadores diretamente envolvidos e técnicos
da rede regular de ensino estadual. O calendário escolar, o
de planejamento da própria Funap, com uma curiosa participação de Paulo
material didático, os processos de avaliação e promoção de
Freire e Moacir Gadotti.3
séries eram análogos aos do ensino destinado às crianças. [...]
Em 1979 cessaram as atribuições da Secretaria de Estado da Em consequência da Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010, por meio da
Educação de manutenção da escola nas prisões. Tal interrupção qual o Conselho Nacional de Educação (CNE) instituiu as Diretrizes Nacionais
ocasionou uma lacuna na realização dessas atividades, culmi- para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos
nando na mobilização e aglutinação de instituições estranhas estabelecimentos penais, no estado de São Paulo foi aprovada a Resolução Conjunta
à educação escolar propriamente, que condensaram uma série SE/SAP 1, de 17/01/2013, que devolveu à Secretaria de Estado da Educação
de ações para viabilizá-las. (2001, p. 54). a responsabilidade pela Educação nas unidades prisionais do Estado.
Esta providência coincidiu com o prazo dado pelo DECRETO Nº
A mais importante destas instituições foi a Funap. Criada em 1976, 7.626, de 24 de novembro de 2011, que instituiu o Plano Estratégico de
inicialmente com o nome de Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso, hoje Educação no âmbito do Sistema Prisional e obrigou todos os estados da
Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel, a Funap, como é conhecida, recebeu federação e o Distrito Federal à elaborarem os respectivos Planos Estaduais
do Governo do Estado a incumbência de cuidar da Educação nos presídios de Educação em Prisões.
paulistas e para isto, a partir de 1979, tomou a iniciativa de celebrar convê- Internamente, na Universidade de São Paulo, a questão penitenciária é
nios com duas instituições que então despontavam com propostas para introduzida no campus com a criação do Núcleo de Estudos da Violência
a educação de jovens e adultos: a Fundação Mobral - Movimento Brasileiro de da USP, em outubro de 1987, sob a coordenação de Paulo Sérgio Pinheiro,
Alfabetização - e a Fundação Roberto Marinho, que iniciava o programa Telecurso. Sérgio Adorno e Nancy Cardia, que produziu uma série de pesquisas de
Sendo então a única fundação do gênero no conjunto dos estados brasileiros, cunho acadêmico, focalizando, principalmente, a reincidência.
a Funap construiu sua própria experiência de educação de jovens e adultos. Mais tardiamente, na Faculdade de Educação, o tema torna-se objeto
Inicialmente, a organização do ensino nas prisões seguiu as diretrizes de estudo a partir de minha dissertação de mestrado (SILVA, 1998), cujos
programáticas da Fundação Mobral, posteriormente Fundação Educar, no estudos foram aprofundados na tese de doutoramento (SILVA, 2004), sob
que respeita ao ensino de 1ª à 4ª série. Denominado Programa de Educação a tríplice co-orientação de Roseli Fischmann, Angelina Peralva e Sérgio
Básica (PEB), foi subdividido em três etapas, PEB I, PEB II e PEB III, Adorno, depois secundada pela dissertação de mestrado de Manoel Rodrigues
caracterizando, no sistema penal, o Nível I. Para o ensino de 5ª à 8ª série Português (2001), sob orientação de Afrânio Mendes Catani.
- o Nível II - conforme diretrizes da Fundação Roberto Marinho, que pressu- Hoje temos muito mais pesquisas em andamento sobre o mesmo tema
põem a organização de grupo de alunos por disciplinas: Língua Portuguesa, (algumas delas sob minha orientação), a questão penitenciária aparece em
Matemática, História, Geografia e Ciências, e o exercício da pluridocência. simpósios de iniciação científica, em Semanas da Educação e em diversos
Para a conclusão do Nível II do ensino fundamental, a avaliação passou a eventos acadêmicos a partir de 2005.
ser realizada pelo Centro de Exames Supletivos (Cesu), órgão da Secretaria de
série de pesquisas de cunho acadêmico no sistema penitenciário paulista, focalizando, principalmente, a
Estado da Educação, responsável pela realização dos Exames Oficiais de Suplência reincidência.
3 Estas participações estão relatadas nas seguintes obras dos dois autores: FREIRE,
em todo o Estado de São Paulo.2 Paulo. Política e educação. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1995. GADOTTI, Moacir. Educação como processo de
2 Registre-se em outubro de 1987 a criação do Núcleo de Estudos da Violência da reabilitação. In: MAIDA J.D. (org.). Presídios e educação. São Paulo: Funap, 1993.
USP, sob a coordenação de Paulo Sérgio Pinheiro, Sérgio Adorno e Nancy Cardia, que produziu uma

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

No plano externo, o debate sobre Educação de presos já assume dimen- propostos ou vendidos por indivíduos, grupos e entidades, que nem sempre
sões de política externa, de plano nacional e de rede, em virtude do interesse se coadunam com a legislação específica ou com uma filosofia de trabalho.
demonstrado pela União Europeia em parceria com a Organização dos Este desaparelhamento conceitual e metodológico do trabalho nas institui-
Estados Ibero Americanos e interveniência do MEC brasileiro, que criou a ções totais é apontado pelos estudos e pesquisas como o principal respon-
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), e também sável pelos vícios e distorções que historicamente marcam o trabalho
envolveu a sua Secretaria de Relações Internacionais para articular este debate no das instituições fechadas, traduzindo-se, na prática, em baixíssima capacidade
âmbito do Mercosul e da América Latina, propondo, inclusive, a criação de de resolução de problemas, em agravamento de distúrbios perfeitamente
uma Rede Latino Americana de Educação em Prisões (RedLece). identificáveis, em reincidência institucional, abuso, corrupção e desmandos
As questões cruciais em relação à Educação de presos foram suficiente- de todas as ordens, mais conhecidos sob os rótulos de depósitos de presos, de
mente identificadas e estão registradas nos Anais do I Encontro de Monitores de escolas do crime e de universidade do crime. Ou seja, as instituições e seus agentes
Alfabetização de Adultos Presos do Estado de São Paulo (Funap, 1993) e podem trabalham orientados pela lógica de administração do problema e não de resolução
ser sintetizadas em uma única frase: incompatibilidade entre os objetivos e do problema, perpetuando o ciclo de pobreza, de miséria e de violências que
metas da Educação e os objetivos e metas da pena e da prisão. marcam as trajetórias de vida das pessoas necessitadas da proteção social
Ainda que se possa afirmar que a condição de confinamento prolon- do Estado, fazendo de um ou outro caso bem sucedido de inclusão social
gado, a necessidade de rápida adaptação a um ambiente hostil marcado exceções que fogem à regra, quando deveriam trabalhar para que a inserção
pela cultura da violência e a perda de referenciais de valores sejam capazes social bem sucedida fosse a regra e não a exceção.
de suscitar outras formas de saberes e de produção de conhecimentos, a Em consonância com os tratados e convenções internacionais promul-
questão fundamental é a qualidade da formação de quem faz a mediação gados pela ONU, o Brasil editou leis e constituiu instâncias, órgãos e insti-
entre os objetivos da Educação e os objetivos da pena e da prisão e é esta tuições específicas para a custódia de adolescentes a quem se atribui a
a tarefa que se quer que seja assumida pela Pedagogia Social. autoria de ato infracional distintas das leis, instâncias, órgãos e instituições
Uma característica marcante no trabalho das instituições totais tem sido, destinadas à custódia de homens e mulheres adultos. Sobretudo, preza-se
por exemplo, a ênfase em segurança e disciplina em detrimento das abor- muito a distinção entre o caráter retributivo da pena aplicada a adultos e o
dagens voltadas para a reabilitação, o desenvolvimento pessoal e a inserção caráter socioeducativo das medidas aplicadas a adolescentes.
social do preso. Outra característica importante de ser assinalada é a função Tanto a socioeducação de adolescentes quanto a educação de presos
secundária da Educação, do Serviço Social e da Psicologia dentro das insti- adultos hoje possuem regulamentação próprias e específicas. A socioeducação,
tuições totais, onde atuam como sucedâneos das Ciências Jurídicas, instru- desde a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente em 13 de Julho
mentalizando juízes, promotores e instâncias de avaliação para a tomada de 1990 já passa dos 28 anos de existência e ainda está por se descobrir o
de decisões, sem intervenções diretas no ser humano alvo de seus atendi- que é e como se faz. A Educação prisional, com regulamentação própria a
mentos. A terceira característica destas instituições é a orientação estritamente partir de 19 de Maio de 2010 ainda tateia os caminhos para sua consolidação
burocrática do trabalho dos técnicos e profissionais, inexistindo métodos e como parte integrante da política pública de Educação, sendo esta Didática
técnicas que configurem uma metodologia institucional para o trabalho de no Cárcere um de seus ensaios mais promissores.
reabilitação, de desenvolvimento pessoal e de inserção social. Esta ausência
de cientificidade no trabalho penal tem dado margem ao espontaneísmo,
ao empirismo e à experimentação de uma variedade de projetos pontuais,

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

ÁREAS Física,
PROPRIEDADE DIMENSÕES O QUE OPERA O QUE CRIA DAS Da Átomos, Células, Memórias atômica, Genética,
CIÊNCIAS Natureza Moléculas celular e molecular Biologia
Peso, distância, Molecular
Força, Trabalho,
Da Natureza velocidade, Física Arqueologia,
Movimento
densidade
Na Seres orgânicos e Antropologia,
Visão, Audição, Física, Carbono 14
Ondas mecânicas e Memória Natureza inorgânicos Museologia,
Comunicação Na Natureza tato, olfato, Biologia, Geologia
eletromagnéticas
palato Fisiologia
Pensamento, Pedagogia,
Linguagens, Memórias
Humana linguagem, Linguística Psicologia,
Códigos e Símbolos visual, auditiva,
gêneros literários Humana Cérebro Neurologia,
cinestésica, olfativa
Fisiologia,
e gustativa
História

Geometrias
Da Formas geométricas,
Geometria Fractal Plana, Espacial e
Natureza retas, ângulos, curvas
Analítica
Bioma, Domínio, Biologia, Arqueologia,
Na Da Seres orgânicos
Vento, água, tempo Sistemas, Geografia, Carbono 14 Antropologia,
Artes Natureza Natureza e inorgânicos
Ecossistema Botânica Museologia
Beleza, sensações, Estética, Artes,
Simetria, proporção, Geografia
Humana emoções, gêneros Literatura,
harmonia, equilíbrio Física,
artísticos Comunicação
Idade, Geografia
Na Tempo, espaço,
cronologia, Humana,
História Natureza território, corpo
datação Topografia,
Cartografia,
Da Átomos, Células, Repetição de Física, Química, Climatologia
Natureza Moléculas padrões Biologia
História
Civilização
Mecânica, Universal,
Combinação Termodinâmica, Fatos e Humana,
Humana nacional,
Na Reações físico de substâncias Ótica, acontecimentos processo
regional, local,
Natureza químicas simples e Eletricidade, civilizatório
Matemática de Vida
compostas Movimentos
Ondulatórios

Número, conjuntos, Matemática,


Controle,
fórmulas, peso, Cálculo,
Humana manuseio e
medidas, distância, Aritmética,
transformação
volume Álgebra

30 31
DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

VI. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL A proposta considera pertinente a orientação curricular em torno do


desenvolvimento de habilidades e competências, mas em respeito à especifi-
DA PROPOSTA PEDAGÓGICA cidade do público que se tem em vista indaga-se habilidades e competências
escolares, de caráter lógico filosófico e lógico matemáticas são suficientes para
A proposta pedagógica ora em construção tem em vista a atuação de superar o quadro geral de déficits historicamente acumulados por pessoas em
docentes regularmente lotados no quadro do magistério estadual que traba- regimes de privação da liberdade. Aqui nos sentimos compelidos a ampliar
lham com alunos – ainda que privados da liberdade, mas regularmente o conceito de habilidades e competências para considerar, de um lado, os
matriculados no sistema de ensino estadual. Tem em vista também que fatores que levaram estas pessoas à quebra das regras de convivência social
os objetivos a serem alcançados estão previamente delineados na Lei de e à infração das leis estabelecidas e, de outro, a necessidade que elas têm de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), quais sejam: retornar ao convívio social como pessoas úteis, responsáveis e produtivas.
Por esta razão recorremos ao conceito de habilidades e competências sociais
“tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu tal como é empregado na área de Pedagogia Social
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
A metodologia de programas de intervenções em habili-
A proposta acata tanto as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a dades sociais é um excelente complemento para as propostas
de atuação da Educação Social. Digo isto amparando-me, por
Educação Básica, aprovada pela Resolução CNE/CEB nº 4, de 13 de julho de
exemplo, nas atribuições propostas pela ASEDES (Associação
2010 quanto as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens Espanhola de Educadores Sociais), que mencionam que “os
e Adultos, instituídas pela Resolução CNE/CEB nº 1, de 5 de julho de 2000. educadores sociais precisam ter a capacidade para potencia-
Por ser concebida para atendimento de públicos específicos, a proposta se lizar as relações interpessoais e de grupos sociais, bem como
orienta, no caso de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativa conhecimentos teóricos e metodológicos sobre mediação em
de internação, pela Resolução CNE/CEB nº 3, de 13 de maio de 2016, que suas diferentes ações” (CARRERAS, 2009, p. 14-15).
aprovou as Diretrizes Nacionais para o atendimento escolar de adolescentes e jovens em Tal premissa encontra perfeita relação com as principais
diretrizes da dimensão ético-moral do movimento das habili-
cumprimento de medidas socioeducativas e, no caso de adultos presos pela Resolução
dades sociais, as quais referem-se às consequências positivas de
CNE/CEB nº 2, de 19 de maio de 2010, que instituiu as Diretrizes Nacionais médio e longo prazo das relações interpessoais, que contem-
para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos plam também o outro ou o grupo e não apenas ao indivíduo,
estabelecimentos penais. caracterizando relações do tipo “ganha-ganha”, pautadas pelo
O caráter experimental da proposta encontra amparo no Artigo 81 da respeito aos direitos humanos interpessoais. As habilidades
LDB, que explicitamente determina: “É permitida a organização de cursos sociais são comportamentos positivos, aprendidos e social-
ou instituições de ensino experimentais, desde que obedecidas as disposi- mente aceitáveis, os quais possibilitam ao indivíduo uma inte-
ração mais efetiva com os demais. No propósito de contribuir
ções desta Lei.”
para um adequado desenvolvimento social de seus educandos,
Em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a melhorando a qualidade do repertório comportamental das
proposta é organizada por áreas de conhecimentos, seus códigos e tecnologias crianças, o educador social pode fazer uso de algumas técnicas
e incorpora o conceito direitos de aprendizagem e desenvolvimento, adaptando-o interessantes e comprovadamente eficazes. (DEL PRETTE &
ao público específico que tem em vista, adolescentes, jovens e adultos DEL PRETTE, 2011).
privados da liberdade.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Encontramos também amparo legal para esta proposta nas resoluções dologias disciplinares e a aprendizagem requerida dos alunos
do Conselho Nacional de Educação e no Currículo Oficial do Estado de são aspectos indissociáveis, que compõem um sistema ou rede
cujas partes têm características e funções específicas que se
São Paulo:
complementam para formar um todo, sempre maior do que
Art. 5º Os Estados, o Distrito Federal e a União, levando
em consideração as especificidades da educação em espaços elas. (SÃO PAULO, 2011, p. 14).
de privação de liberdade, deverão incentivar a promoção de
novas estratégias pedagógicas, produção de materiais didáticos Ainda no mesmo Currículo Oficial do Estado de São Paulo se diz textu-
e a implementação de novas metodologias e tecnologias educa- almente que:
cionais, assim como de programas educativos na modalidade Quando, no projeto pedagógico da escola, a cidadania
Educação à Distância (EAD), a serem empregados no âmbito cultural é uma de suas prioridades, o currículo é a referência
das escolas do sistema prisional. (Resolução CNE/CEB nº 2, para ampliar, localizar e contextualizar os conhecimentos
de 19 de maio de 2010). acumulados pela humanidade ao longo do tempo. Então, o
fato de uma informação ou de um conhecimento emergir de
Art. 4º O atendimento escolar de adolescentes e jovens um ou mais contextos distintos na grande rede de informação
em cumprimento de medidas socioeducativas tem por princí- não será obstáculo à prática cultural resultante da mobilização
pios: I - a prevalência da dimensão educativa sobre o regime desses “saberes” nas ciências, nas artes e nas humanidades.
disciplinar; II - a escolarização como estratégia de reinserção (SÃO PAULO, 2011, p. 14.)
social plena, articulada à reconstrução de projetos de vida e à
garantia de direitos; III - a progressão com qualidade, mediante
o necessário investimento na ampliação de possibilidades educa-
Na Educação Social a compreensão do processo é mais importante do que o
cionais; IV - o investimento em experiências de aprendizagem aprendizado de detalhes operacionais, ou seja, na área de Linguagens a habili-
social e culturalmente relevantes, bem como do desenvolvi- dade de se se comunicar, por exemplo, é mais importante do que saber regras
mento progressivo de habilidades, saberes e competências; gramaticais. Estas, entretanto, podem se tornar competências se o objetivo for
V - o desenvolvimento de estratégias pedagógicas adequadas a elevação da escolaridade, a qualificação profissional ou a profissionalização.
às necessidades de aprendizagem de adolescentes e jovens, Ter habilidade no trato com as figuras de autoridade ou demonstrar empatia
em sintonia com o tipo de medida aplicada; VI - a prioridade
pelas pessoas são habilidades mais importantes do que saber empregar corre-
de adolescentes e jovens em atendimento socioeducativo nas
políticas educacionais; VII - o reconhecimento da singulari-
tamente os pronomes de tratamento ou pronomes gentílicos.
dade e a valorização das identidades de adolescentes e jovens; Ter habilidade para cozinhar e fazer uma comida gostosa é mais relevante
VIII - o reconhecimento das diferenças e o enfrentamento a e útil do que saber os nomes e as fórmulas que elucidam as propriedades
toda forma de discriminação e violência, com especial atenção do gás, o ponto de ebulição da água ou as reações físico químicas decor-
às dimensões sociais, geracionais, raciais, étnicas e de gênero. rentes da mistura do sal no alimento. Esta habilidade pode ser elevada à
(Resolução CNE/CEB nº 3, de 13 de maio de 2016 ) uma competência nas áreas de Física, Química e Biologia se o objetivo do
ensino for a sistematização de conhecimentos não formais com vistas à
Um currículo que promove competências tem o compro-
elevação de escolaridade e à profissionalização.
misso de articular as disciplinas e as atividades escolares com
aquilo que se espera que os alunos aprendam ao longo dos
Por estas razões, abrimos mão do complexo sistema de notação para iden-
anos. Logo, a atuação do professor, os conteúdos, as meto- tificação de competências sugeridas na BNCC e as definimos descritivamente
apenas como habilidades sociais. Estas, exatamente porque determinam o grau

34 35
DIDÁTICA NO CÁRCERE II

de inserção e de desempenho social do indivíduo tem mais a ver com o domínio


de códigos, símbolos e valores de grupos, comunidades e universos aos quais o Voltando à BNCC, esta proposta mantém à nomenclatura unidades temá-
indivíduo tem acesso ou queira ter acesso e faz parte de sua identidade social. As ticas como conjunto de conteúdos, conceitos e processos e reconceitua
habilidades sociais independem de nível de alfabetização e do grau de escolari- objetos de conhecimento denominando-os matrizes de aprendizagem – que tem o
dade, portanto, não são passíveis de avaliação nos termos das lógicas filosóficas mesmo sentido – mas conferem mais precisão ao emprego de palavras-
e matemáticas, que são de caráter predominantemente escolares. chaves oriundas da Física, Química e Biologia que são adotadas como guias
Competência sim, requer múltiplas alfabetizações e escolaridade compa- epistemológicos nesta proposta.
tível com as aspirações do indivíduo, pressupõe a sistematização de conhe-
cimentos adquiridos de maneira não formal, ainda que não precise ser
avaliada pelas mesmas lógicas filosófica e matemática.
Na Matemática Terezinha Carraher et alli (1982) e Ubiratan D’Ambrósio
na Etnomatemática já demonstraram à exaustão que habilidades e compe-
tências podem se somar quando a aplicação do conhecimento integra os
imperativos de sobrevivência do sujeito, seja na resolução de problemas do
cotidiano seja em atividades mercantis ou profissionais.
Ressalte-se que a própria BNCC teve o cuidado de não impor obrigato-
riedade no trato de habilidades e competências, o que é bastante pertinente
para uma proposta de caráter experimental.

Também é preciso enfatizar que os critérios de organização


das habilidades descritos na BNCC (com a explicitação dos
objetos de conhecimento aos quais se relacionam e do agru-
pamento desses objetos em unidades temáticas) expressam um
arranjo possível (dentre outros). Portanto, os agrupamentos
propostos não devem ser tomados como modelo obrigatório
para o desenho dos currículos. A forma de apresentação adotada
na BNCC tem por objetivo assegurar a clareza, a precisão e a
explicitação do que se espera que todos os alunos aprendam na
Educação Básica, fornecendo orientações para a elaboração de
currículos em todo o país, adequados aos diferentes contextos.
(BNCC, p. 29).

A avaliação de “conhecimentos e habilidades adquiridos por meios infor-


mais” já encontram amparo no parágrafo 2º do Artigo 38 da LDB em vigor
e nesta proposta será tratada em seção específica, especialmente quando
o objetivo for a classificação e reclassificação (Artigo 23, § 1º da LDB) ou a
certificação (Artigo 41 da LDB).

36
DIDÁTICA NO CÁRCERE II

VII. MARCOS TEÓRICOS E


METODOLÓGICOS DA PROPOSTA
PEDAGÓGICA

As opções teóricas e metodológicas que fundamentam esta proposta peda-


gógica são orientadas pelos princípios de Pedagogia Social (SOUZA NETO
e SILVA, 2009) que, por sua vez, fundamentam as práticas de Educação
Social, de Educação Popular e de Educação Comunitária (SILVA, 2011).
Se estivéssemos tratando apenas de Educação Escolar, do Currículo
Oficial do Estado de São Paulo ou da BNCC estaríamos nos orientando
pelos princípios e fundamentos da Pedagogia Escolar. Como entendemos
que as deficiências apresentadas pela população em privação da liberdade
não são apenas de ordem escolar e não serão superadas apenas com os
esforços da escolarização – ainda que ela seja necessária e desejável – esta
proposta pedagógica incide sobre a alfabetização (de todas as áreas de
PARTE II conhecimento), sobre o letramento (codificação e decodificação da vida,
do corpo, do saber humano e de seu mundo), sobre ciência e tecnologia
(transformação da informação em conhecimento), sobre a transformação
da natureza (capacidade estritamente humana) e sobre as construções
humanas (suas instituições, suas ideias e suas culturas).
A Pedagogia Social aplica soluções pedagógicas a problemas sociais e a
Educação Social se ocupa da educabilidade social do sujeito para que ele
aprenda a viver em sociedade.
De história recente no Brasil, a Pedagogia Social admite que Educação
se faz ao longo da vida, em todos os espaços e todos os tempos e que todos
nós somos potenciais educadores, devendo as relações tanto humanas quanto
sociais, mas também com o meio ambiente, serem predominantemente
pedagógicas e não predatórias.
Educação Social se faz desde o início da história do Brasil com a cristiani-
zação, a miscigenação e o sincretismo religioso e esta Educação Social incor-
pora os elementos da Cultura Popular para fazer Educação Popular quando
se trata de organizar uma proposta pedagógica com vistas ao atendimento
de segmentos sociais marcados por estigmas, estereótipos e preconceitos.

39
DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

1. O método científico na Didática do Cárcere Assentados tais pressupostos vamos tentar entender como a observação,
a descrição, a comparação, a análise e a síntese foram aleatoriamente empre-
gadas para produção de conhecimentos a respeito do Universo, da vida, da
A produção dos conhecimentos que hoje denominamos senso comum
Natureza e do Corpo Humano, nossas Matrizes de Aprendizagens.
resultou de inumeráveis, persistentes e sistemáticas observações, descrições,
O emprego do raciocínio indutivo nos ajudará a entender o processo
comparações, análises e sínteses ao longo dos tempos.
de construção do conhecimento a partir das coisas mais elementares como
Ainda que seja comum se falar em pai da ciência para se referir a certos
átomo, células e moléculas, que estão na base da organização e do funcio-
domínios do conhecimento a acumulação e avanço do conhecimento humano
namento de todas as coisas que existem. Isso significa desvelar o conheci-
não pode ignorar a contribuição da Mesopotâmia (assírios, caldeus, babi-
mento de baixo para cima, do mais simples para o mais complexo, como
lônicos, sumérios e acádios), da África antiga, do Oriente Médio, do Egito,
uma espiral que tem um ponto inicial e vai crescendo e se abrindo para
da Índia, da China, do mundo islâmico e dos povos pré-colombianos, prin-
muitas outras possibilidades de conhecimento.
cipalmente olmecas, maias, incas e astecas.
O Universo aprendeu, a Natureza aprendeu, o Corpo Humano aprendeu e
Na Didática no Cárcere partimos de alguns pressupostos para mostrar
a própria Vida aprendeu ao longo de milhares de anos de ensaios, tentativas
que o conhecimento é acessível a todas as pessoas, que o conhecimento é
e erros. O estudo de Matrizes de Aprendizagem visa, como estratégia de
um patrimônio comum de todos os seres humanos e que não se justifica a
Alfabetização Científica, desvelar como estes domínios aprenderam, como
apropriação privada do conhecimento por meio de recursos e estratagemas
constituíram memórias e histórias destas aprendizagens, como estão regis-
como direitos autorais, royalties e patentes.
tradas e como podemos fazer a leitura delas.
Do percurso de aproximadamente 2,4 milhões de anos desde o surgi-
• Todos os seres humanos são dotados dos mesmos
atributos para captação, armazenamento e processamento da mento do Homo Habilis até a consolidação do Homo Sapiens, as perguntas,
informação, os cinco sentido físicos dúvidas e curiosidades humanas não tem mais do que 200 mil anos. Bom,
• Todos os seres humanos possuem os mesmos atri- o Universo teria algo como 13,8 bilhões de anos e a Vida no planeta Terra
butos para processamento destas informações e transformação entre 3,5 e 3,8 milhões de anos.
delas em conhecimento, o cérebro. A Ciência, tal qual a denominamos hoje, tem seus registros mais antigos
• Todos os seres humanos vivem sob o mesmo sistema
por volta de 3.500 a.C, isto é, somados aos 2 mil anos da Era Cristã, a
solar, portanto estão sujeitos sob mesmos fenômenos e leis
naturais. produção, acumulação e difusão do conhecimento humano sobre o Universo,
• Todos os seres humanos vivem no mesmo planeta, a Vida, a Natureza e o próprio Homem tem menos de 6 mil anos de história.
portanto, são igualmente solidários, responsáveis e beneficiários Em todos estes domínios o conhecimento humano construído ao longo
dos mesmos recursos naturais. de gerações e por número incalculável de pessoas aconteceu de diversas
• Todos os seres humanos possuem a mesma origem formas, mas pode-se destacar o emprego de algumas posturas e atitudes
biológica e o mesmo destino após a morte, portanto, estão que hoje denominamos procedimentos científicos, ou seja, observação, descrição,
subordinados aos mesmos ciclos de vida.
comparação, análise e síntese.
• O corpo de todos os seres humanos possuem os
mesmos atributos, desenvolvem os mesmos processos e são
sensíveis às mesmas reações, portanto, tudo o que se refere ao
corpo humano é patrimônio comum de toda a humanidade.

40 41
DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Note-se que empregar observação, descrição, comparação, análise e síntese para Não é preciso ter formação acadêmica nem ser versado em ciências
entender aqueles diferentes domínios requereu o desenvolvimento de instru- para se utilizar destes procedimentos científicos; todos nós os utilizamos,
mentais, técnicas e recursos diferentes. Observa-se substâncias, objetos, mesmo que intuitivamente, em nossos afazeres rotineiros.
fenômenos naturais e fatos sociais. No simples atos de chegar à sua casa e não em outro endereço, de
Observar sistematicamente o micro e o macro, o visível e o invisível, esperar um certo ônibus e não outro, de reconhecer uma pessoa no meio
o perto e o distante, o frio e o calor, o líquido, o gasoso e o sólido etc., de uma multidão, estamos aplicando os cinco procedimentos científicos e
exigiram do ser humano a invenção de aparatos técnicos científicos ainda nem nos damos conta disso.
hoje usados nas diferentes áreas de conhecimento.
A descrição significa a capacidade de se fazer a representação mental do 2. O Universo como Matriz de Aprendizagem
objeto, fato ou fenômeno observado de maneira a mais fidedigna possível.
Mesmo quando a observação se serve de instrumentos para auxílio da visão, A clássica pergunta da Filosofia: o que somos, de onde viemos e para onde vamos
a descrição sempre será uma representação gráfica do observado, seja de não pode ser respondida porque não pode ser reduzida aos procedimentos
forma escrita, desenhada, pintada ou gravada em algum suporte e assim é na da observação, descrição, comparação, análise e síntese.
Astronomia, na Biologia, Genética, Geografia, Medicina, Direito, Pedagogia,
Psicologia, Economia ou qualquer outra ciência. No Universo os elementos passíveis de observação, descrição, comparação,
O procedimento de comparação requer algo prévio que sirva de termo de análise e síntese são galáxias, asteróides, planetas, sol, lua, estrelas, o espaço
comparação, seja uma norma, um padrão ou algo que se possa dizer normal. e o tempo, a matéria, as forças e as energias que regulam sua existência.
Nas Ciências Humanas e Sociais a comparação é predominantemente um Convencionamos denominar isso de Cosmos e para explicá-lo diferentes
processo mental, realizado quase que intuitivamente e disso decorre sua povos, observando as mesmas coisas em diferentes tempos, condições,
discricionariedade e a margem de subjetividade que elas comportam. latitudes e longitudes, os descreveram de acordo com certo estágio de
Nas demais ciências a precisão e a suposta objetividade decorre tanto vivência em que estavam e assim elaboraram cosmovisões nas quais esta-
da assunção de padrões e normas previamente existentes quanto do uso beleceram relações de cada elemento com aspectos e/ou atributos da vida
de aparatos mecânicos, técnicos e tecnológicos. que já conheciam.
A análise significa separar o todo em tantas partes quantas possíveis, Estas cosmovisões, que buscam principalmente explicar a origem do
logo, a análise de substâncias, objetos e fenômenos naturais pode ser feita Universo e da Vida, estão na base de todas as religiões, sejam elas polite-
com a objetividade e precisão porque são tangíveis, mensuráveis e passíveis ístas ou monoteístas. Apenas algumas destas cosmovisões sobreviveram
de reprodução em situações controladas. Fatos humanos e sociais não são e chegaram à atualidade e são nossas conhecidas pelos registros de suas
tangíveis, mensuráveis nem passíveis de reprodução sob controle, portanto, observações, descrições, comparações, análises e sínteses que fizeram e que
podem ser analisados e até mesmo probabilisticamente previsíveis, mas não compõem os seus livros sagrados, como a Bíblia para os cristãos, a Torá
pelos mesmos meios, instrumentos e métricas com que se analisa objetos, para os judeus, o Alcorão para os islâmicos, o Tao Te Ching para os taoistas e
substâncias e fenômenos naturais. o Tipitaka para os budistas.
Finalmente, síntese, significa reagrupar as partes para recomposição do
Algumas das cosmovisões antigas se tornaram tão populares que se
todo. Pode ser sinônimo de resultado, laudo, conclusão.
transformaram em mitologias, principalmente pelo recurso à antropomorfia,

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

que é a prática de atribuir características humanas aos astros e às forças da 3. A Natureza como Matriz de Aprendizagem
Natureza. São particularmente conhecidas as mitologias africanas, indígenas
e gregas. No Brasil tem particular interesse as mitologias derivadas das reli-
Entender a natureza como matriz de aprendizagem implica em estudar as
giões de matrizes africanas – candomblé e umbanda – cujos personagens se
leis que a rege, a matéria da qual é composta, os seres a que dá vida e os
confundem com entidades do cristianismo devido ao sincretismo religioso
processos que nela acontecem.
a que recorreram os escravos para não serem punidos pelos cultos às suas
As leis da Natureza estão majoritariamente no domínio do campo que depois
tradições religiosas.
vamos conhecer como Física e suas áreas de Mecânica, Termodinâmica,
Universalmente é mais conhecida a mitologia grega, na qual astros e Ondulatória, Óptica, Eletromagnetismo etc. Para os propósitos da Didática
forças da Natureza foram submetidos aos processos de antropomorfização, no Cárcere são importantes os conceitos energia, força, trabalho, movimento
virando deuses e semideuses que experimentam e vivem todas as emoções e massa, necessários para trabalharmos conceitos como inteligência, comu-
tipicamente humanas como amor, ódio, paixão, vingança, disputas e rixas nicação, memória, história, linguagem e sistema quando estes se referem a
de todas os tipos. átomos, células, moléculas, tecidos e órgãos.
A antropomorfização não significou apenas o esforço humano de A matéria prima da Natureza e suas substâncias simples e compostas estão
observar, descrever, comparar e analisar os fenômenos no Universo e na no domínio de conhecimentos que conhecemos como Química e suas
Natureza, mas também o desejo de controlá-los e de colocá-los a serviço sub-áreas. Para os propósitos da Didática no Cárcere são importantes os
de seus interesses e de suas necessidades. conceitos energia, corpo, objeto, substâncias, sistemas e fenômenos, também
necessários para trabalharmos conceitos como inteligência, comunicação,
A nomeação dos fenômenos naturais e a geração de ritos e rituais para memória, história, linguagem e sistema no âmbito da matéria e das coisas
controlar tanto as forças malfazejas quanto as benfazejas deram origens a orgânicas e inorgânicas compostas por átomos, células, moléculas, tecidos
um conjunto de práticas que hoje são objetos de estudos da Cultura e do e órgãos.
Folclore, especialmente as oferendas, os sacrifícios, as danças rituais, os Os estudo dos seres vivos da Natureza estão majoritariamente no domínio
batuques e as danças. Isso pode ser entendido como um primeiro esboço
de conhecimento a que denominamos Biologia e suas subdivisões, biologia
de Cultura Popular que serve aos propósitos de Educação Popular.
vegetal e biologia animal. Em Biologia Vegetal voltamos a abordar conceitos
Como se observa, é possível cumprir o Artigo 10º , Inciso VI da Lei de de célula, moléculas, tecidos órgãos, aparelhos e sistemas agora para entender
Execução Penal proporcionando aos presos assistência e educação religiosa a organização, estrutura e funcionamento das plantas, às quais também asso-
orientando-se pelo ensino da Cultura e da diversidade sem apelar para o ciamos os conceitos inteligência, memória, história, linguagem e comunicação.
dogmatismo, o proselitismo ou a doutrinação. Em Biologia animal também precisamos trabalhar os conceitos inteli-
gência, memória, história, linguagem e comunicação para entendermos
como o corpo capta informações do ambiente, o seu armazenamento e
processamento para transformar a informação em conhecimento. Assim
poderemos entender como o cérebro aprende, como o corpo aprende
enquanto organismo vivo para estabelecer relações e interagir com o meio
e com outros corpos.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

O estudo dos processos que ocorrem na Natureza estão tanto na Física, A Arte, se origina da própria Matemática segundo nosso entendimento.4
na Química quanto na Biologia, que são os domínios onde se operam as Sendo assim, para os propósitos da Didática no Cárcere também abordamos
leis da Natureza, onde ocorrem as reações físico-químicas responsáveis a Arte em três dimensões:
pela existência, pela ação e pela reprodução da matéria.
No estudo da Biologia Vegetal e da Biologia Animal encontramos os
elementos para melhor entendermos a organização humana e o mundo que a) Arte da Natureza, que é basicamente os arranjos
ele criou enquanto entidade que não existia antes. de substâncias simples e compostas que dão origens
É difícil sustentar a afirmação que da observação, descrição, comparação, aos fractais, suas diferentes formas geométricas e
análise e síntese do mundo natural o ser humano simplesmente copiou as também às retas, linhas, curvas, ângulos e raios;
formas de organização da Natureza. Entretanto, podemos usar um modelo b) Arte na Natureza que é basicamente as ações
de análise inferido da Botânica – modelo que na verdade não existe – mas do tempo, da água e do vento que modulam a topo-
que considera uma categoria ampla como ecossistema, que pode ser uma logia terrestre dando formas ao relevo e à paisagem
colônia ou uma sociedade, dentro do qual vivem indivíduos que estabelecem com seus vales, montanhas, rios, oceanos, pântanos,
múltiplas relações ecológicas de gregarismo, mutualismo, comensalismo, desertos e a todos os sistemas e ecossistemas que
inquilinismo ou parasitismo em que a luta pela sobrevivência caracteriza- conhecemos e, por fim;
se como uma disputa por poder – terra, água e luz – tal qual ocorre nos
c) Arte Humana. Diferentemente do que
agrupamentos humanos.
ocorre nos domínios da Física, Química, Biologia
É no estudo dos processos da Natureza que situamos a Matemática e a
e Matemática, o esforço humano de observação,
Arte. A Matemática é abordada em três dimensões:
descrição, comparação, análise e síntese não teve o
propósito de colocar a Natureza sob controle nem
a) a Matemática da Natureza, que é a operaciona- de direcionar suas propriedades para a satisfação de
lização das suas leis por meio da Física, da Química interesses e necessidades próprias. A própria história
e da Biologia; da arte e das correntes artísticas – realismo, clas-
sicismo, romantismo, impressionismo, cubismo –
b) a Matemática na Natureza, que é como ela que moldaram os rumos da literatura, da pintura,
se expressa em formas geométrica, linhas, ângulos da música, do teatro, do cinema etc., ressaltam os
e raios e;
aspectos hedonista, contemplativo e estético da arte
c) a Matemática Humana, que é o esforço de como fator de elevação da espiritualidade humana.
observação, descrição, comparação, análise e síntese
que o ser humano fez em relação a estes processos,
não somente para entendê-los, mas sobretudo para
dominá-los e dominando-os, colocá-los a serviço de
seus interesses e necessidades. 4 A TV Escola produziu uma série que avaliza este entendimento. Veja em https://
tvescola.org.br/tve/videoteca/serie/arte-e-matematica.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Desta conjunção entre Matemática e Arte emergem nossas noções sobre


estética, beleza, harmonia, equilíbrio, simetria, proporcionalidade e até mesmo
de perfeição, qualidade que se não é encontrável na estirpe humana, não se
pode negar ao Universo, à Natureza e à Vida, incluindo-se aí a obra prima
da natureza, o corpo humano, foco de nossa próxima explicação. Tipo de
informação Tipo de Tecnologias
Órgão sensorial Tipo de indústria
que Memória derivadas
apreende

4. O corpo humano como Matriz de Aprendizagem Óculos, lentes


VISÃO
de todos
os tipos,
Vem de longa tradição o interesse por dissecar e decompor o corpo humano binóculos,
microscópio,
para entender não apenas a sua anatomia, mas também sua estrutura e suas Ondas eletro- telescópio,
Ótica, fotográfica,
Visual cinema, televisão,
funções. Andreas Vesalius (1543 – 1564), contemporâneo de Leonardo da Vinci magnéticas satélites,
vídeo
máquina
é o autor de De Humani Corporis Fabrica Libri Septem ou simplesmente De Humani fotográfica,
Corporis Fabrica (Da Organização do Corpo Humano), um livro de anatomia humana, filmadora,
Raio X,
considerado um dos mais influentes livros científicos de todos os tempos. De tomografia
Humanis Corporis Fabrica é conhecido sobretudo por suas ilustrações, algumas
das mais perfeitas xilogravuras jamais realizadas.5 AUDIÇÃO
Gilbert Simondon (1924 – 1989) foi um filósofo e tecnólogo francês que Radar, sonar,
Militar, espacial,
satélites,
se ocupou de estudar o design do corpo humano e das máquinas buscando Ondas sonoras Auditiva estetoscópio,
sensoriamento
remoto,
simetrias e assimetrias entre ambos. O acoplamento do homem à máquina telefone, fone
geoprocessamento
de ouvido,
começa a existir a partir do momento em que pode ser descoberta uma codifi-
cação comum às duas memórias para que se possa realizar uma convertibilidade
parcial de uma na outra, para que uma sinergia seja possível (SIMONDON,
Todos os
1969, pg. 123), dizia ele. TATO
aparelhos e
ferramentas
O corpo humano tem sido a principal fonte de inspiração do homem para que imitam
criar ferramentas, técnicas, tecnologias e processos que ora potencializam extensões
dos dedos, Ferramentas,
suas funções e alcance, ora as reproduzem ora apenas as exploram em novas Ondas
Cinestésica das mãos, metalurgia, energia,
cinestésicas
aplicações destinadas a fomentar a indústria da produção, da transformação dos braços, motores
das pernas e
e do consumo. a capacidade
Vamos ver como isso acontece! física do corpo
de mover
coisas

5 Vale a penas ver estas ilustrações em: https://www.nlm.nih.gov/exhibition historicalanatomies/


vesalius_home.html

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

podemos afirmar que este é um conhecimento de natureza ontológica porque é


PALATO
próprio e inato aos seres vivos. É importante esta diferenciação para, mais
adiante, entendermos o conhecimento socialmente produzido, este sim entendido
Alimentícia,
Química Gustativa farmacêutica, como resultado da cultura humana e que tem nas instâncias cognitivas o
química, perfumaria seu locus de processamento, constituindo o que a própria Biologia denomina
animal racional.
O corpo biológico é dotado de receptores altamente especializados,
OLFATO capazes de captar estímulos diversos e nos mais variados formatos em que
eles se apresentam na natureza. Tais receptores, chamados receptores sensoriais,
são formados por células nervosas capazes de captar ondas eletromagnéticas
Química Olfativa (visão), ondas sonoras (audição), informações químicas (palato e olfato) e
termostáticas (tato) e traduzi-las ou convertê-las em impulsos elétricos ou
nervosos que serão processados e analisados em centros específicos do
sistema nervoso central (SNC), onde será produzida uma resposta (volun-
tária ou involuntária).
Rememorando nossas origens ancestrais podemos afirmar, sem margem A estrutura e o modo de funcionamento destes receptores nervosos
para erros, que o único patrimônio ainda comum a todos os seres humanos especializados são diversos e serão explicitados mais adiante para melhor
e que ainda nos dá algum sentido de identidade e de unidade são os nossos entendimento do que podemos denominar bases científicas da aprendizagem.
sentidos sensoriais, comumente chamados de cinco sentidos. Em geral, os receptores sensitivos podem ser simples, como uma ramifi-
Os sentidos fundamentais do corpo humano - visão, audição, tato, palato cação nervosa, mais complexos, quando formados por elementos nervosos
e olfato - são essenciais à sobrevivência de qualquer organismo biológico, interconectados ou órgãos complexos, providos de sofisticados sistemas
sobretudo dos seres vivos mais complexos como os vertebrados e consti- funcionais.
tuem os meios primários e mais eficientes para o nosso relacionamento com Sendo assim:
o ambiente e determinantes para nossa sobrevivência enquanto espécie.
a) pela visão, usando-se os olhos, o corpo apreende as
Por meio dos cinco sentidos apreendemos os diversos tipos de informações ondas eletromagnéticas (raios luminosos) que incidem sobre as
que organizam a vida à nossa volta e estas informações são essenciais para o coisas, possibilitando ao cérebro identificar os seus elementos
funcionamento biológico do corpo, para a interação com o meio ambiente e constituintes e forjando para o ser humano a ideia4 de cor,
para a nossa sobrevivência. Neste estágio primário da constituição biológica forma, volume e intensidade das coisas e constituindo assim
do ser humano, as informações apreendidas do meio ambiente, do ponto de um acervo que vamos chamar de memória visual;
vista estritamente epistemológico, são conhecimentos, porque o corpo precisa b) pela audição, usando-se dos ouvidos, o corpo
apreende as ondas sonoras emitidas pelo ambiente próximo,
apreender, armazenar e processar esta informação para seu próprio uso.
forjando para o ser humano a ideia de som e constituindo assim
Este conhecimento ontológico é processado no interior do cérebro, mas ainda um acervo que vamos chamar de memória auditiva;
não se diferencia do que fazem os demais animais no estado natural, então

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c) pelo tato, que envolve as extremidades dos membros Na Natureza estes atributos são mais evidentes e mais compreensíveis
superiores e inferiores e toda a derme e a epiderme, o corpo ao senso comum. Não há mais dúvidas que a célula - base da constituição
apreende as ondas térmicas e a pressão atmosférica existentes
de todos os organismos vivos – possui inteligência, memória, história,
no meio circundante e que depois o cérebro irá identificar
linguagem e que se comunicam. O exame de Carbono 14, por exemplo, é
como frio ou calor, forjando para o ser humano a ideia de
conforto e constituindo assim um acervo que vamos chamar capaz de localizar a memória e de reconstituir a história da terra, da árvore,
de memória cinestésica; das pedras, dos objetos e das coisas e a dissecação de cadáveres, como no
d) pelo palato, que se serve da língua, o corpo identi- caso das múmias egípcias, é capaz de revelar parte significativa da história
fica a composição química de tudo o que é colocado na boca, do ser enquanto vivia.
forjando para o ser humano a ideia de sabor de cada elemento O pressuposto da Didática no Cárcere é que entender a Natureza é funda-
químico, simples ou composto e constituindo assim um acervo
mental para entender o ser humano e o seu mundo, portanto, são estes três
que vamos chamar de memória gustativa;
domínios – Universo, Natureza e Corpo Humano – que constituem nossas
e) pelo olfato, que se utiliza das fossas nasais, o corpo
identifica a composição química de tudo o que é aspirado pelas Matrizes de Aprendizagem e nelas localizamos as propriedades gerais que
narinas, forjando para o ser humano a ideia de odor ou de cheiro precisam ser aprendidas em uma concepção de /Alfabetização Científica:
de cada elemento químico, simples ou composto e constituindo a inteligência, a memória, a história, a linguagem e a comunicação.
assim outro acervo que vamos chamar de memória olfativa.

Se é então verdade que todos os seres humanos são dotados dos instru-
mentos necessários à produção de conhecimentos, caracterizar os saberes
construídos pela via dos sentidos como saberes não formais ou como conhe-
cimento de senso comum é uma forma de classificação que visa rotulá-los
como não científicos, logo, fora do interesse da escola, da academia e não
passível de controle por parte do indivíduo, da sociedade e do Estado. 6
O que vimos nos itens anteriores é que no Universo, na Natureza e
no Corpo Humano, entendidos como Matrizes de Aprendizagem, estão
presentes atributos comuns e simétricos apenas de composição diferente
– inteligência, memória, história, linguagem e comunicação.
Seja qual for o nome que queiramos dar, não dá para negar que no
Universo haja um princípio inteligente que organiza as coisas, que há uma
memória registrada em algum lugar, quer haja uma linguagem e uma comu-
nicação entre os seus diferentes elementos e que, reconheçamos, o Universo
tem sua própria história.

6 Para mais informações veja. Paradoxos da propriedade intelectual, de Laymert


Garcia dos Santos, disponível em https://cteme.files.wordpress.com/2012/02/laymert_6.pdf

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

5. Epistemologia: o processo humano Portanto, além de identificar a Cultura produzida pelo sujeito, dadas as
de construção do conhecimento suas condições materiais de existência é preciso também identificar os meios
de que ele dispõe para fazer a comunicação de sua Cultura.
Simplesmente desaparecer sem deixar registros, tornar-se cultura periférica
O entendimento do processo de aquisição e de construção do conheci-
ou marginal ou tornar-se cultura hegemônica depende, fundamentalmente,
mento tem como ponto de partida a Epistemologia, nos termos formulados
dos meios que o grupo possui ou se apropria para fazer a comunicação do
por James Frederick Ferrier (1808 – 1864) que afirmava ser “o princípio do
seu conjunto de códigos, símbolos e valores.
conhecimento de todas as coisas um certo conhecimento prévio que todo
Quem gravou seus códigos, símbolos e valores nas pedras, nas cavernas,
ser inteligente tem de si mesmo” (FERRIER, 1854). Enquanto Teoria do
em papiros, na argila, no ferro ou no ouro, como fizeram alguns povos
Conhecimento, a Epistemologia é o próprio ato de saber e não a especulação
antigos, deixaram apenas rastros de suas civilizações. Quem utilizou as rotas
sobre o conhecimento ou seus significados.
de comércio, a Religião, a estrutura de poder do Estado, a imprensa escrita
Até agora abordamos o Universo, a Natureza e o Corpo Humano como
difundiu mais amplamente seus códigos, símbolos e valores. Quem se utilizou
Matrizes de Aprendizagem e identificamos que o corpo aprende enquanto
de guerras de conquistas, de ocupações, de alianças políticas e de dominações
organismo vivo. O indivíduo assim constituído - como ser humano –
militares, políticas, econômicas e culturais levou sua cultura mais longe ainda.
produz certos conjuntos de códigos, símbolos e valores. Este conjunto só
E quando estas estratégias resultaram em fusões e incorporações de outras
faz sentido enquanto Cultura produzida pelo sujeito se puder ser comparti-
culturas como fez o Cristianismo e o Ocidente, absorvendo o melhor das
lhada com outros da mesma espécie, seja para a formação de alianças, para
culturas antigas helênica grega, egípcia, judaica e romana, a cultura branca,
domínio territorial, para disputa por água e alimento ou para a reprodução,
cristã e ocidental se tornou hegemônica, fazendo as outras desaparecerem e
a Comunicação deste conjunto de códigos, símbolos e valores é marcada
dando a impressão de que é única cultura existente e possível. É esta cultura
pela intencionalidade de modificar o pensamento, o comportamento e a
hegemônica que domina os meios tradicionais de comunicação e é esta que
ação do outro. Esta intencionalidade é o próprio ato de educar.
se beneficia do principal meio de difusão e de inculcação dos seus códigos,
símbolos e valores na atualidade, que é a escola pública estatal e todos os
CULTURA
insumos agregados a ela como o currículo, a formação de professores, a
Todo ser humano é produtor de cultura, que é um conjunto de códigos,
símbolos e valores. É preciso saber como o sujeito produz o seu organização escolar e a avaliação.
conhecimento É preciso saber que existem outras epistemologias, outras formas de
COMUNICAÇÃO produção e de mediação do conhecimento, assim como outras didáticas e
Para ser compartilhado este conjunto precisa ser comunicado a outrem. metodologias. Saber como cada grupo produz sua cultura, quais são seus
É preciso saber dos meios pelos quais o sujeito faz esta comunicação. códigos, símbolos e valores, de quais meios dispõem para a comunicação
EDUCAÇÃO de sua cultura e a didática e a metodologia que melhor corresponde à sua
A intencionalidade em modificar o pensamento, o comportamento intencionalidade é a finalidade da epistemologia, da Pedagogia e da própria
e as ações do outro é a própria Educação. Na intencionalidade estão Educação.
presentes uma didática e uma metodologia. A situação de encarceramento, sobretudo quando ela é precoce e prolon-
gada no tempo, é capaz de suscitar uma epistemologia própria, isto é, um
conhecimento destinado à sobrevivência no cárcere e que só serve para o

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

cárcere e para quem dentro dele vive, seja na condição de encarcerado, de Algumas perguntas básicas podem nos ajudar a começar a entender a
agente prisional, de dirigente de técnico ou de professor. vida, o ser humano e o seu mundo.
Fazer a transição entre este conjunto de códigos, símbolos e valores para
um conjunto de códigos, símbolos e valores que seja aceitável e valorizado • Podemos deduzir que no átomo/célula/molécula
socialmente é o objetivo desta Didática no Cárcere. haja um princípio ativo equivalente a uma inteligência?

• Como e por que o átomo/célula/molécula se orga-


6. O trabalho didático pedagógico com
niza ad infinitun sempre formando as mesmas substâncias?
Matrizes de Aprendizagem Pode-se deduzir que o átomo/célula/molécula possua uma
espécie de memória?

De um ponto de vista estritamente epistemológico, Matriz de • Do processo de interação no interior do átomo/


Aprendizagem, nesta proposta, se refere ao elo inicial a partir do qual se célula/molécula pode-se deduzir uma forma própria e espe-
constrói o conhecimento sobre o Universo, a Natureza, a Vida, o Ser Humano cífica de linguagem ?
e o mundo que ele criou. Matrizes de Aprendizagem são intencionalmente
empregadas nesta proposta primeiro, como forma de aprender e só depois • Esta linguagem, ao assumir uma codificação especí-
como forma de ensinar. fica pode indicar uma estratégia de comunicação do átomo/
As palavras-chaves desencadeadoras do processo de ensino e aprendi- célula/molécula?
zagem são oriundas do universo das Ciências da Natureza. Adotaremos a
• Se átomo/célula/molécula possui memória, pode-se
classificação proposta por Lineu no século XVIII e ainda hoje aceita, de
deduzir que dentro desta memória haja uma história, a
entender as coisas da Natureza organizadas em Reinos – mineral, animal
história do átomo/célula/molécula?
(Animalia) e vegetal (Plantae), classificação esta sucessivamente aprimorada
por Haeck (1866), Chatto (1925), Copeland (1938), Whittake (1969), Woese • A constância, simetria, equilíbrio e harmonia
(1990), Cavalier Smith (1993) e Cavalier Smith (1998). presentes na estrutura e nos processos do átomo/célula/
De cada reino extraímos o seu elemento primário, estruturante de toda molécula são os responsáveis pela perfeição que se observa
a cadeia de vida que se segue: átomo, célula, molécula, zigoto, semente e na Natureza e nas diversas formas de vida que ela cria?
embrião.
O átomo e a célula são as partículas básicas para organização das moléculas
Entendemos que estas perguntas, se devidamente respondidas, permitirão
que, por combinações diversas, dão origem às substâncias que compõem
os minerais, a vida vegetal, a vida animal e a vida humana. Na estrutura e conhecer melhor o átomo, a célula, a molécula, a semente e o embrião e,
por analogias, o ser humano e suas criações.
dinâmica do átomo e da célula, portanto, estão implícitas não apenas as leis
Esta é a concepção de Matriz de Aprendizagem que adotaremos nesta
básicas e universais da natureza, mas também delas se deduzem processos
proposta pedagógica e por isso as palavras-chaves são oriundas da Física,
que posteriormente vão aparecer na molécula, na célula vegetal, na célula
da Química e da Biologia.
animal, na semente e nos embriões dos animais e dos seres humanos.

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Inicialmente é necessário mostrar aos alunos a existência de propriedades


gerais e comuns no Universo, na Natureza e no Corpo Humano. No nível Equivalência de propriedades gerais
de Alfabetização e de Ensino Fundamental I o entendimento da analogia, Átomo Célula Molécula Zigoto Ser Humano
principalmente por meio de exemplos, é suficiente para estabelecer uma base Inteligência Inteligência Inteligência Inteligência Inteligência
de conhecimento e despertar a curiosidade. Levar os alunos a compreenderem Memória Memória Memória Memória Memória
que as propriedades básicas – inteligência, memória, história, linguagem
História História História História História
e comunicação – cumprem exatamente a mesma função no Universo, na
Linguagem Linguagem Linguagem Linguagem Linguagem
Natureza e no Corpo Humano, apenas estão presentes de forma diferentes,
possuem registros diferentes e são pesquisadas por meio também diferentes Comunicação Comunicação Comunicação Comunicação Comunicação
marca o início do processo de Alfabetização Científica.
No Ensino Fundamental II, já recorrendo aos conteúdos curriculares da Em cada Matriz de Aprendizagem, além das propriedades gerais, cada
área específica, é possível trabalhar os nomes técnicos e explicar como tais elemento possui propriedades específicas que podem ser tematizados com
processos acontecem no Átomo, na Célula, na Molécula e no Zigoto para vistas à Alfabetização Científica.
que termos como DNA, RNA, cromossomos, receptores, ácidos rinobu- Denominamos propriedades específicas porque são diferentes para a cons-
cléico e desoxirrinobucléico, divisão celular, e tantos outros possam resultar tituição da matéria e dos seres vivos quando começa a diferenciação entre
em aprendizagens significativas e os alunos realmente entenderem o que orgânicos e inorgânicos. Aqui começa a operar, digamos assim, a Matemática
estão estudando. da Natureza, especialmente por meio da Mecânica, que coloca diferentes tipos
Os currículos oficiais estudados e as práticas docentes relatadas durante de energia para criar trabalho, força e movimento que movem as massas até
nossos encontros deixaram claro que professores geralmente omitem esta que elas se organizem em substâncias simples ou complexas.
parte do conhecimento e começam explicar o átomo, a célula, a molécula A compreensão deste processo, que pode ser obtido por meio de analogias
como se fossem entidades prontas e acabadas tais como tijolos que se juntam e exemplos, é básico para compreensão da existência das coisas, sua diferen-
para construir algo. A mesma coisa fazem em relação à Física, Química, ciação e sua multiplicação. Na espiral de construção do conhecimento, de
Biologia e Matemática que são apresentadas como ciências e não como apropriar-se da epistemologia do Universo e da Natureza, estas noções devi-
resultantes de processos contínuos de observação, descrição, comparação, damente organizadas e sistematizadas darão origem à Física enquanto ciência.
análise e síntese ao longo de muito tempo e por inúmeros povos. A busca pela compreensão do movimento, da eletricidade, do calor, da
No Ensino Médio talvez seja mais apropriado explorar esta epistemologia matéria, da luz, das ondas eletromagnéticas e dos demais elementos envolvidos
presente no Universo, na Natureza e no Corpo Humano para explicitar o neste processo inicial dará origem às especialidades da Física como Mecânica,
nascimento da própria ciência, suas áreas de conhecimento e suas especia- Termodinâmica, Óptica, Ondulatória etc.
lidades do que levar alunos em Feiras de Ciências ou Feiras das Profissões Isso nos parece relevante de ser bem compreendido, pois os conhecimentos
para despertar neles uma curiosidade que deveria estar no início do processo desta área – a Física – constituem pressupostos para entendimento da Química
de aprendizagem. e os pressupostos destas fundamentais para o entendimento da Biologia.
No Ensino Técnico e Profissional, com os recursos que os laboratórios De forma semelhante, não há como entender a epistemologia humana,
didáticos oferecem a experimentação e a realização de testes servem como isto é, o processo de construção do conhecimento no ser humano, sem
momentos de testagem de hipóteses, de consolidação de aprendizagens e antes conhecer o papel e a função que exercem os órgãos sensoriais, como
não apenas de demonstrações.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

são armazenadas as informações que estes captam e como, posteriormente, A compreensão da estrutura, organização e funcionamento do átomo
é feito o processamento destas informações para transformá-las no que deve levar à compreensão da dinâmica e da mecânica de organização e
possamos chamar conhecimento. funcionamento da Natureza, especialmente a existência das substâncias, o
Nesta espiral ascendente do conhecimento é preciso chegar à compre- movimento, a força e o trabalho, termos que migraram e foram apropriados
ensão da constituição do organismo no estágio anterior ao humano, isto é, pelas Ciências Humanas e Sociais.
o ser vivo enquanto obra resultante de diversos processos que aconteceram A analogia entre Semente, Célula e Família devem levar à compreensão
no Universo e na Natureza pois, em última análise, ele é fruto da Terra e de como a vida se organiza nos grupos vegetal, animal e humano dada a
à terra voltará. estrutura e dinâmicas semelhantes que as impulsionam na sua existência,
Não é exagero afirmar que uma vez constituído o corpo enquanto orga- na sua ação e na sua reprodução.
nismo autônomo, o cérebro transformou este organismo em ser humano, De cada palavra-chave deve-se entender:
mas para isso o cérebro teve que aprender como organizar, controlar e fazer
funcionar este organismo. • definição do conceito
Se o Universo e a Natureza são dotados daquelas propriedades gerais de • seu papel
que tratamos acima – inteligência, memória, história, linguagem e comu- • sua função
nicação – não é nenhuma destas que nos distingue das demais formas de • sua estrutura
vida como humanos ou como superiores a elas. • sua linguagem
O que nos distingue como humanos, mas não necessariamente superiores, • sua forma de comunicação
é a capacidade que nenhuma outra forma de vida tem, de compreender a
realidade, de apreendê-la por meio dos órgãos sensoriais e de transformá-la. Entender a natureza para entender a vida, o ser humano e o seu mundo significa
então utilizar os conhecimentos das Ciências da Natureza e suas tecnologias
Química Física Biologia Sociologia para entender as Ciências Humanas e Sociais e suas tecnologias, assim como
CORPO SOCIEDADE
entender a Matemática e suas tecnologias e as Linguagens, seus códigos e
ÁTOMO MECÂNICA VEGETAL ANIMAL
HUMANO HUMANA suas tecnologias. É por isso que se justifica também falarmos em múltiplas
Órgãos
SEMENTE ZIGOTO
sensoriais
Família alfabetizações e assegurarmos que esta proposta está em plena sintonia
Tecidos com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica e a Base
Núcleo Trabalho Células Visão Clã
Vegetais
Nacional Comum Curricular (BNCC).
Sistemas
Próton Força Tecidos Audição Fratria
Vegetais

Elétrons Movimento
Planta/
Órgãos Tato Tribo 7. Fundamentos ontológicos e biológicos
Árvore
da aprendizagem humana
Nêutrons Massa Ecossistemas Aparelhos Palato Nação

Colônia/
Eletrosfera Ondas Comunidade/ Sistemas Olfato Estado Do ponto de vista estritamente ontológico, importa primeiramente
Sociedade
conhecer a estrutura, organização e funcionamento do ser humano e como
Comunidade de
Molécula Sistema Inquilinismo Corpo Cérebro
Nações
ele interage com os imperativos do meio que o circunda.

60 61
DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

O processo de construção do conhecimento humano a partir de sua Estas informações brutas vão ficar armazenadas no cérebro, constituindo
relação com o meio pode ser esquematicamente assim representado: memórias (visual, auditiva, cinestésica, olfativa e gustativa). Nesta condição
são imperativos para a sobrevivência, para a organização do ser e para sua
interação com os elementos da natureza. Ainda não é possível denominar esta
Apreensão da informação informação sensorial como conhecimento simplesmente porque não passaram
Armazenamento da Processamento da
por meio dos órgãos ainda pela via da cognição. No máximo, poderíamos denominar isso uma
informação no cérebro informação pelo cérebro
sensoriais espécie de inteligência orgânica, tal como a das plantas, ou, inteligência
instintiva, tal qual dos animais.
Dendritos, neurônios,
Informação são ondas O armazenamento axônios e sinapses
Entender como ocorre o processo de associação entre os conteúdos
eletromagnéticas e constitui as memórias proporcionam associações destas memórias implica em entender o papel e a função que cumprem os
mecânicas sensoriais dos conteúdos das dendritos, os axônios e os neurônios, bem como o papel e a função das
memórias sinapses. Esta compreensão pode nos levar a entender a organização e o
funcionamento da rede neural que conforma o cérebro humano, mas que,
Ondas eletromagnéticas Memória visual Imagens nesta fase de estudos, nos ajudaria a compreender, basicamente, a captação,
Ondas sonoras Memória auditiva Sons armazenamento e processamento da informação físico-química e química
Ondas cinestésicas Memória cinestésica Sensações corporais
oriunda da natureza.
Ondas químicas Memória gustativa Gostos e preferências
A organização destes estudos em campos de conhecimento nos conduz
Ondas químicas Memória olfativa Gostos e preferências
à elaboração do conceito de Fisiologia Cerebral e não o inverso. Se a este
A informação regula No processamento
conjunto de saberes acrescermos as perguntas “como o cérebro aprende”,
Memórias são relacionais “de que metodologia se utiliza” e “como ele usa o saber aprendido” estaremos
o Ritmo Cicladiano esta Informação é
e não cumulativas.
(Relógio Biológico) de transformada em dando origem a um novo campo de estudos denominado Pedagogia, do qual
Guardam aprendizagens e
todos os seres vivos. conhecimento emerge uma Epistemologia (Teoria do Conhecimento), uma Metodologia
não conteúdos
(como aprende a aprender) e uma Didática (como ensinar o que se sabe).
Nesta fase do processo de construção do conhecimento podemos afirmar
que é o cérebro que aprende e não o ser humano enquanto pessoa. Nesta
Sob este ponto de vista assumem preponderância a compreensão dos fase estão implícitas:
órgãos sensoriais, o que denominamos cinco sentidos, pois eles constituem
o aparato com que a vida nos dotou para captar as informações sensoriais a) uma epistemologia, que nos desvela a captação
oriundas do meio à nossa volta.  da informação, seu armazenamento no cérebro, a cons-
Ondas eletromagnéticas (visão e tato), ondas sonoras (audição), infor- tituição das memórias sensoriais e, finalmente, a trans-
mações químicas (palato e olfato), da forma bruta como são emitidas pela formação da informação em conhecimento;
natureza e captadas pelos órgãos sensoriais não podem ainda serem clas- b) uma metodologia, que nos desvela a interação
sificadas como conhecimento.  dos órgãos sensoriais com o meio ambiente, a seletividade
na constituição das memórias;

62 63
DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

c) uma didática, que é o processo de intercâmbio VIII. COMPONENTES TEÓRICOS


entre os conteúdos das diferentes memórias, a partir do
qual a informação se transforma em conhecimento porque DA DIDÁTICA NO CÁRCERE
o processo associativo desencadeado pelos axônios,
neurônios e dendritos passam a atribuir sentido às coisas. Esta parte corresponde às explicações dos conceitos que fundamentam
a proposta pedagógica, uma espécie de depuração conceitual para melhor
Somente a partir das sinapses pode-se dizer que o corpo começa a entendimento dos conceitos utilizados.
aprender e este aprendizado ainda é de natureza ontológica, ou seja, desti- Entendemos necessário detalhar esta parte devido às dificuldades rela-
nado à sua manutenção, sobrevivência e relação com o meio. Por meio das tadas por muitos professores, de fazer analogias de conceitos oriundos das
sinapses, as células, músculos, tecidos, órgãos, aparelhos e sistemas aprendem Ciências da Natureza para a área de Ciências Humanas e Sociais.
suas funções, que tem a ver com a transformação das energias em proteínas, É nesta parte, entretanto, que estão os elementos caracterizadores de uma
funcionamento do sistema nervoso e todo o metabolismo corporal. alfabetização científica, de ampliação do conhecimento, de sistematização
Neste processo estão implícitas: de saberes e de consolidação de aprendizagens.

f) uma estratégia de comunicação formada basica- 1. Matrizes de Aprendizagem


mente por substâncias químicas produzidas pelos neurônios e O termo é utilizado por Ana Pampliega de Quiroga no livro Matrices de aprendi-
que levam informações para todas as células que compõem o zaje: constitución del sujeto en el proceso de conocimiento (2003), um estudo de Psicologia
organismo vivo; Social. O termo é atribuído a Enrique Pichon-Rivière e La relación que las matrices
g) uma linguagem, que é a forma particular do neuro- de aprendizaje cumplen en la configuración del sujeto en el proceso de conocimiento está dada,  al
transmissor se comunicar com cada célula específica; decir de Ana de P. de Quiroga, desde el momento en que hemos ido construyendo modelos internos
h) uma memória, espécie de memória celular, que sinte- o matrices de encuentro con lo real, en esas primeras gratificaciones frente a las necesidades de
tiza o resultado da aprendizagem e que caracteriza o nível de la persona recién nacida. Esos modelos internos son personales y sociales, están en movimiento
especialização de cada célula do organismo vivo. y son susceptibles de modificación, salvo casos extremos de patologías.

Resumindo, meio ambiente e corpo humano eram duas entidades distintas. Diferentemente da autora, que caracteriza Matrizes de Aprendizagem na
Aprenderam a interagir por meio dos órgãos sensoriais humanos. Os órgãos história de constituição do próprio sujeito, preferimos situá-la nos domí-
sensoriais constituíram memórias. Houve associação entre os conteúdos nios organizadores da existência e da vida para decifrar uma epistemologia
destas memórias por meio de sinapses. Os neurotransmissores levaram implícita no Universo, na Natureza, na estrutura das coisas e, por fim, na
estes saberes a cada uma das células do corpo que, por sua vez, aprendeu a constituição ontológica e biológica dos seres vivos e não apenas do ser
se organizar, se manter e se reproduzir. Pronto, temos agora o ser humano humano.
constituído como indivíduo.
Neste sentido, Matriz de Aprendizagem se refere ao primeiro elo da
Entendido como o corpo humano se torna uma matriz de aprendizagem,
cadeia de construção do conhecimento e estariam situados nos elementos
no tópico seguinte vamos entender como o ser humano constrói e atribui
constituintes da própria estrutura das coisas, como o átomo, a célula, a
significados àquilo que ele próprio constrói: o seu mundo.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

molécula e o zigoto. É nestes elementos que buscamos identificar um prin- Alfabetização Científica, portanto, significa primeiro compreender os
cípio inteligente, uma memória, uma história, uma forma de linguagem e processos tais como ocorrem na Natureza, regidos pelas leis da própria
uma estratégia de comunicação. Natureza, independentemente de qualquer ação humana sobre elas.
Por esta razão as Matrizes de Aprendizagem estão situadas no campo de Será preciso explicitar aos procedimentos universais de pesquisas para levar
conhecimento que corresponde às Ciências da Natureza e por esta mesma o aluno a entender como o ser humano descobriu, entendeu e compreendeu
razão utilizamos o tema “entender a Natureza para entender o ser humano a estrutura, organização e funcionamento destas Matrizes de Aprendizagem.
e seu mundo”. Por meio da observação, da descrição, da comparação, análise e síntese, o ser
Entendemos que a civilização humana e a vida social, abstrações que são humano organizou e sistematizou tudo o que aprendeu sobre o Universo, a
essencialmente humanas, reproduzem padrões existentes no Universo e na Vida, a Natureza, o Corpo e o mundo em áreas de conhecimento às quais
Natureza que o esforço humano de observação, descrição, comparação, denominou Ciências.
análise e síntese se deu primeiro no sentido de compreender os mecanismos Ao longo do tempo, o resultado da observação, descrição, comparação,
de funcionamento e depois de dominá-los e de colocá-los sob controle para análise e síntese é que o ser humano, entendendo a organização, estrutura
satisfação dos interesses e necessidades humanas. e funcionamento das coisas, pode controlá-las e transformá-las de acordo
com seus desejos e suas necessidades.
2. Alfabetização Científica O objetivo da Alfabetização Científica é Entender a Natureza para entender o
Todas as Matrizes de Aprendizagem que estamos considerando nesta ser humano e o seu mundo, portanto, as Ciências tal como abordada no Currículo
proposta pedagógica têm propriedades gerais e específicas, ou seja, todas Oficial, é ponto de chegada e não ponto de partida.
elas possuem algo equivalente à inteligência, uma linguagem que pressupõe
uma estratégia de Comunicação, Memória e, dentro desta, História. Estas são 3. Inteligência
propriedades gerais que estão presentes no Átomo, na Célula e na Molécula, O conceito empregado aqui não tem referência na literatura, não se refere
e, por extensão, em todas às substâncias a que dão origem, sejam elas simples nem de longe à ideia de inteligência cerebral, cognitiva e muito menos a
ou compostas. Da mesma forma, Átomos, Células e Moléculas se organizam instintos, capacidades inatas ou inteligência artificial. Como nos referimos
estruturalmente segundo padrões regulares que são infinitamente repetidos. a um atributo existente nas matrizes de aprendizagem, isto é, no átomo, na
Destes padrões emergem as formas geométricas (Geometria Fractal) e sua célula, na molécula e no zigoto, o conceito se aproxima mais da ideia de um
multiplicação (Matemática). princípio inteligente existente nas coisas. Podemos falar de princípios inte-
Usar as Matrizes de Aprendizagem para fazer Alfabetização Científica ligentes como a energia que induz o átomo, a célula, a molécula e o zigoto
implica em usá-las como fonte primeira do conhecimento, como ponto de a fazerem o que fazem de maneira regular, sequencial, constante e precisa,
partida para entender a organização do conhecimento sobre o Universo, que são alguns dos fatores necessários à existência, à ação e à reprodução.
a Vida, a Natureza, o Ser Humano e seu Mundo. A partir de Átomos,
Células e Moléculas deriva uma espiral crescente de saberes que, em algum
momento, e pela ação estritamente humana, foram organizados em áreas 4. Memória
de conhecimento a que denominamos Ciências. A conjectura quanto à existência de inteligência das coisas nos leva a
deduzir, igualmente, pela existência do registro das aprendizagens reali-
zadas. Se os seres vivos vegetais e animais possuem uma origem comum

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

existem tanto um elo comum como um elo diferencial entre elas e é perfei- como reações físico químicas que induzem o átomo, a célula, a molécula e
tamente compreensível mesmo para o leigo falarmos em memória celular, o zigoto a fazerem o que fazem de maneira regular, sequencial, constante
em memória molecular. e precisa, que são alguns dos fatores necessários à existência, à ação e à
A compreensão deste conceito fica mais fácil se entendermos a aplicação reprodução.
do Carbono 14 na determinação da idade das coisas. A partir da morte do
ser vivo, a quantidade de C-14 existente em um tecido orgânico se dividirá 7. Comunicação
pela metade a cada 5730 anos. Cerca de 50 mil anos depois, esta quantidade Da inteligência, da memória, da história e da linguagem é possível deduzir
começa a ser pequena demais para uma datação precisa. Como essa desin- que a transmissão da codificação e a posterior decodificação da linguagem
tegração ocorre num período de meia-vida de 5730 anos é possível fazer por parte do átomo, da célula, da molécula e do zigoto signifique uma certa
a datação radiométrica de objetos ou materiais arqueológicos com idades estratégia de emissão e recepção da informação: a isto denominamos comu-
dentro desta ordem de grandeza. O método, por isso, não é adequado à nicação. Podemos falar de comunicação como reações físico químicas que
datação de fósseis que têm idades na casa dos milhões de anos e que são induzem o átomo, a célula, a molécula e o zigoto a fazerem o que fazem de
datados por métodos estratigráficos e por decaimento de outros elementos maneira regular, sequencial, constante e precisa, que são alguns dos fatores
radioativos. necessários à existência, à ação e à reprodução.
No corpo humano as memórias correspondem aos cinco sentidos senso-
riais – memórias visual, auditiva, cinestésica, gustativa e olfativa – o que nos 8. Capitalismo Científico
permite deduzir que seus conteúdos possam ser externados de diferentes Como resultado da observação, descrição, comparação, análise e síntese,
maneiras, denotando diferentes inteligências, não exatamente no sentido de o ser humano decodificou praticamente todas as estruturas existentes no
que trata Howard Gardner (1995) em sua teorias das inteligências múltiplas. Universo, na Natureza e, principalmente, no Corpo Humano. Seguindo a
lógica sempre presente de buscar a compreensão da organização, da estru-
5. História tura e do funcionamento das coisas, o ser humano também aprendeu a
Da inteligência e da memória se deduz a historicidade das coisas, isto dominá-las e a colocar as forças e os elementos da Natureza a serviço de
é, o registro. Se a história do Universo pode estar encerrada em um único seus interesses e de suas necessidades.
átomo, a história da Vida também pode estar encerrada em uma única A instrumentalização do conhecimento ocorre em relação ao Universo
célula ou molécula. Sabemos que a transformação de substância simples – que se expressa hoje na disputa pelo domínio do espaço –, em relação
em substâncias compostas não subtrai das primeiras duas propriedades à Natureza – praticamente esgotada pela colonização e pela exploração
originais e a divisão celular ou a diferenciação celular, no sentido de sua desenfreada dos recursos naturais – com poucas frentes que ainda apre-
especialização para se transformar em diferentes tecidos e órgãos mantêm sente potencialidades em termos econômicos. O domínio e apropriação
em cada célula suas propriedades originais. dos conhecimentos relativos ao planeta, à Terra e à Natureza e aos seus
recursos naturais não significou uma distribuição equitativa dos benefícios
6. Linguagem para todos os seres humanos, muito pelo contrário, a apropriação e a má
Da inteligência, da memória e da história é possível deduzir formas distribuição destes recursos são os responsáveis pelas desigualdades sociais,
particulares de codificação e decodificação no átomo, na célula, na molécula pela pobreza e pela miséria que afeta parte significativa da população humana.
e no zigoto: a isto denominamos linguagem. Podemos falar de linguagem

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

É no domínio dos conhecimentos relativos ao corpo humano, sua estru- IX. COMPONENTES
tura, organização e funcionamento, que emerge a face mais perversa da
expressão conhecimento é poder. Isso acontece porque é no corpo humano que OPERACIONAIS DA DIDÁTICA
estão os mecanismos de produção do conhecimento – os cinco sentidos NO CÁRCERE
físicos – atributos de todos os seres humanos, mas os conhecimentos
deles derivados também não são igualmente socializados e distribuídos e Os componentes operacionais do Didática no Cárcere são aqueles que
os benefícios resultantes, protegidos por direitos autorais, royalties e patentes, recomendamos aos professores a aplicação e testagem em sala de aula e que
são apropriados por poucos que transformam a todos nós – demais seres se referem à Didática propriamente dita. Nos espaços de experimentação
humanos – em meros consumidores de serviços e de tecnologias. A isso pedagógica estes componentes foram os mais exercitados, razão pela qual
denominamos apropriação privada do conhecimento, a base do que deno- os relatos de práticas estão mais relacionados a estes e não aos compo-
minamos Capitalismo Científico. nentes teóricos. Também dedicaremos uma sessão para detalhar mais os
procedimentos de avaliação para esta proposta.

1. Habilidades e competências sociais


Expressa nossos entendimentos de que as pessoas em situação de privação
da liberdade infringiram as leis devido à deficiência no desenvolvimento de
competências e habilidades sociais, isto é, não aprenderam a viver harmo-
nicamente em sociedade e seu retorno o convívio social depende, funda-
mentalmente, do desenvolvimento destas habilidades e competências, mas
do que habilidades e competências escolares.

2. Avaliação de saberes constituídos no Mundo da Vida


Em se tratando de Educação de Jovens e Adultos que acumulam experiên-
cias, vivências e saberes constituídos fora da escola, mas que são importantes
para sua organização funcional na sociedade, a recuperação e valorização
desses saberes é importante tanto do ponto de vista de elevação de sua
autoestima quanto de usar tais saberes para alavancar a aprendizagem. A
avaliação leva em consideração os níveis de desenvolvimento do sujeito tal
qual ensina Vigotsky (1984) que, ao dimensionar o conhecimento real cons-
truído pela pessoa pode também estimar o potencial de desenvolvimento
que ela tem para aprender. Recomendamos a aplicação desta avaliação nos
casos de Alfabetização Científica, de elevação de escolaridade e de siste-
matização de saberes, as três etapas que consideramos preparatórias para
ingressar no currículo formal.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

3. Avaliação de saberes constituídos no Mundo do Trabalho 5. Linha de Tempo


Em se tratando de Educação de Jovens e Adultos consideramos que, na A linha de tempo permite organizar em sequência cronológica a história
maioria das vezes, essas pessoas acumulam experiências, vivências e saberes do indivíduo, ajudando-o a recuperar nas memórias visual, auditiva, cinesté-
relacionadas ao exercício de algum ofício ou profissão. Por vezes dominam sica, gustativa e olfativa fatos e eventos que dão sentido à sua vida. Quando
a dimensão empírica do seu fazer profissional, mas ignoram os rudimentos correlacionada com a história regional, a história nacional ou a história
de ciências e de noções científicas implícitas no próprio fazer profissional. universal, a Linha de Tempo abre possibilidades de interlocução com a
A avaliação leva em consideração os níveis de desenvolvimento do sujeito própria História, Geografia, Sociologia, Filosofia, Artes, Literatura, Ciência
tal qual ensina Vigotsky (1984) que, ao dimensionar o conhecimento real Política etc., o que possibilita contextualizar o currículo sob a perspectiva
construído pela pessoa pode também estimar o potencial de desenvolvimento do sujeito tornando a aprendizagem significativa.
que ela tem para aprender. Recomendamos a aplicação desta avaliação nos
casos de Alfabetização Científica, de elevação de escolaridade e de quali-
ficação profissional, as três etapas que consideramos preparatórias para 6. História de Vida
ingressar no currículo formal no caso de cursos técnicos. No Didática no Cárcere a história de vida do indivíduo, além de seu
conteúdo biográfico e afetivo, tem servido como pretexto para desenvolver
a consciência étnica, a consciência histórica e a consciência política, sem as
4. Genograma quais não é possível levar o indivíduo a ações efetivamente transformadoras.
O Genograma tem se revelado como um instrumento de síntese para Especialmente quando ancorada no Genograma e na Linha de Tempo, a
um grande volume de informações e tem substituído com vantagens alguns História de Vida tem sido o principal recurso para adentrar à individualidade
instrumentos correntemente usados na área como o PIA – Plano Individual do sujeito de uma forma não invasiva e intencionalmente pedagógica, na
de Atendimento, aplicável ao adolescente a quem se atribui autoria de ato qual os fatos negativos são apresentados como meros acidentes biográficos,
infracional, os estudos biopsicossociais ou estudos de caso. Ao representar insuficientes para determinar o futuro e a história do sujeito.
graficamente a árvore genealógica de uma pessoa, nela identificamos uma
certa lógica ao longo das gerações, padrões que se repetem e se modificam,
acidentes biográficos que eventualmente afetam um ou mais indivíduos do 7. Recursos cognitivos
grupo sociofamiliar e ainda a natureza e a qualidade das relações que se Na Didática no Cárcere todo e qualquer recurso didático pedagógico
estabelecem entre os seus integrantes. À estrutura do grupo sociofamiliar ou tema a ser explorado não tem uma finalidade em si mesmo. Eles são
pode-se sobrepor quantas camadas de informações se fizerem necessá- meros pretextos para se despertar no aluno certos estados de ânimo que
rias – saúde, natalidade, mortalidade, escolaridade, rupturas, prisões etc. o predisponha a exercitar atributos, qualidades e potencialidades que estão
- servindo a árvore genealógica para reconstituir tanto a memória quanto dentro dele mesmo. Sabidamente a literatura pode levar o preso à percepção
a história do grupo sociofamiliar, o que constitui importante instrumento de que o seu corpo está preso, mas o seu espírito (ou a mente) não pode
para diagnóstico, orientação e aconselhamento. ser aprisionada. Esta é uma descoberta fascinante só possível de ser expe-
rimentada na prisão, mas o que fazer desta descoberta? O teatro, o socio-
drama e os recursos dramatúrgicos são úteis para desenvolver no sujeito
empatia, mas como trabalhar esta nova força descoberta para melhorar a

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

sociabilidade do sujeito? Certos gêneros musicais ou artísticos são bastante X. AVALIAÇÃO DE HABILIDADES
apropriados para despertar, ora a indignação, ora a revolta ou a reflexão no
preso aluno, mas estas energias deixadas por conta própria podem resultar E COMPETÊNCIAS SOCIAIS
tanto em benefícios quanto em danos.
A competência social pode ser definida como a habilidade na condução
Temos recomendado aos professores que tenham bastante clareza quanto
das relações pessoais, interpessoais e sociais e é um importante indicador
ao que querem transmitir, provocar ou despertar em seus alunos, pois assim
de desempenho social do indivíduo.
podem ter em vistas usar intencionalmente recursos pedagógicos que sejam
Para além dos modismos e dos discursos prontos sobre competência,
adequados para determinados fins cognitivos.
geralmente pensada em termos de empregabilidade, liderança, desempenho
escolar etc., a competência social pressupõe o domínio de códigos, símbolos
e valores de diferentes estratos sociais e de universos culturais por onde a
pessoa transita ou queira transitar.
O domínio de conjuntos de códigos, símbolos e valores está direta-
mente relacionado a outros conceitos como pertencimento, reconhecimento,
empatia, solidariedade, equidade e alteridade, pois entendê-los é o pressu-
posto básico para entender o outro, saber colocar-se no lugar do outro e
pensar como o outro pensa.
Para esta proposta pedagógica, dirigida a um público que já foi penalizado
por não atender as expectativas que a sociedade tem em relação a ele e que
tem pouca ou quase nenhuma tolerância com quem aceita deliberadamente
quebrar as regras de convivência social e infringir as leis, competências
sociais podem ser definidas como habilidades:

1. para avaliar situações de risco potencial e fazer esco-


lhas que não signifiquem comprometer a liberdade, a vida
e a honra sua ou de outrem;
2. para reconhecer os sentimentos, interesses e neces-
sidades suas e dos outros;
3. para evitar tomar decisões que causem angústias,
dores e sofrimentos a si mesmo e aos outros;
4. para selecionar comportamentos sociais mais apro-
priadas para cada contexto;

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

5. qualificar-se teórica e conceitualmente para cumprir subordinadas às ciências jurídicas ou a julgamento de caráter moral como
solidariamente as atribuições e responsabilidades de quem arrependimento e remorso, para se ater à operacionalidade da aprendizagem,
vive em sociedade; isto é, o quanto teorias, conceitos, constructos e ideias foram apropriadas
6. ser capaz de suprir suas necessidades básicas de pelo indivíduo tendo em vista a melhoria de suas relações humanas e sociais,
forma autônoma e independente de modo lícito. melhor leitura, análise e interpretação da realidade social e, fundamentalmente,
melhor entendimento quanto ao sentido de sua existência, o potencial que
É importante notar, no entanto, que o contexto de privação da liber- tem e o lugar que pode ocupar no mundo.
dade possui seus próprios códigos, símbolos e valores, que quanto menor Não há planilha, questionário, teste padronizado ou sistema de pontuação
a idade e maior o tempo de exposição a ele, mais a pessoa sofre os efeitos que dê conta de tal tipo de avaliação. A matéria prima da Educação Social
da institucionalização/prisionização e que livrar-se destes nem sempre é é exatamente a qualidade das relações humanas e sociais e estas não são
uma opção do sujeito que, provavelmente, em liberdade voltará ao mesmo passíveis de serem submetidas a um currículo para ser ensinado, elas têm
meio do qual se originou. que ser vivenciadas.
É recomendável, entretanto, saber que voltar a estudar, retomar a vida Sendo assim, em cada área de conhecimentos se tem apenas alguns parâ-
em família, conquistar um emprego, participar da vida comunitária requer metros muito básicos para mensuração do que denominamos ensinagem
a apropriação de códigos, símbolos e valores distintos, cada um com sua e aprendizagem sociais, que não são absolutos nem infalíveis, mas dão a
finalidade própria. medida da satisfação do Educador Social para ele avaliar se foram ou não
Por se tratar de uma proposta destinada à Educação de Jovens e Adultos, atingidos os objetivos.
que parte dos conhecimentos do próprio sujeito e que recorre, preferen-
cialmente, aos saberes constituídos nos mundos da vida e do trabalho e 1. Linguagens e suas tecnologias
não de saberes escolares, a avaliação de conhecimentos não formais, de O consenso que construímos ao longo de nossas formações e vivências
competências e habilidades precisa estar sintonizada tanto com os obje- é de que no contexto de privação da liberdade valoriza-se mais a capaci-
tivos da proposta quanto com os métodos e técnicas empregados pelos dade comunicacional do sujeito do que o domínio de regras gramaticais.
professores e ainda considerar os recursos cognitivos mobilizados pelos Algumas das práticas relatadas na Parte III, especialmente o Projeto Bilhete,
alunos na sua operacionalização. enfatizará isso.
Se o que temos em vista é o desenvolvimento de habilidades e compe- 7. Na alfabetização e séries iniciais do Ensino Fundamental
tências sociais para a educabilidade social do indivíduo e seu retorno à vida avalia-se a capacidade comunicacional na forma oral para o
em liberdade e os indicadores para esta finalidade são predominantemente aluno entender e fazer-se entender em situações coloquiais.
de natureza qualitativa e não quantitativa, a avaliação precisa primar pela 8. Séries finais do Ensino Fundamental – avalia-se a
verificação quanto à operacionalidade do conhecimento construído, isto é, capacidade comunicacional de forma oral aplicada a universos
o quanto a pessoa consegue traduzir em ações, atitudes e comportamentos que usam diferentes códigos, símbolos e valores.
os conteúdos aprendidos. 9. Ensino Médio – avalia-se a capacidade comunicacional
A avaliação, nestas circunstâncias, não pode sequer se remeter à noção de forma oral, relacional e escrita aplicada a universos que
de cessação de periculosidade, adotada por algumas áreas das Ciências usam diferentes códigos, símbolos e valores, com ênfase no
Humanas e Sociais como Psiquiatria, Psicologia e Serviço Social quando

76 77
DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

domínio dos conhecimentos básicos de ciências relacionados 3. Ciências Humanas e Sociais e suas tecnologias
ao mundo do trabalho. Entender a Natureza para entender o ser humano e seu mundo - o lema desta
10. Ensino Técnico e Profissional – avalia-se, além obra - não precisa se socorrer do velho nem do novo Jusnaturalismo e muito
das anteriores, a capacidade de ler, escrever e interpretar menos do darwinismo social e nem de qualquer teoria sociológica, pois a
códigos predominantemente técnicos e digitais expressos em Pedagogia Social nos parece suficiente para desvelar padrões, regularidades,
diagramas, circuitos eletrônicos, mapas e desenhos técnicos. simetrias e assimetrias entre o Natural, o Humano e o Social. E nossa ênfase
está em descobrir os mecanismos de ensinagem e de aprendizagem nos
2. Matemática e suas tecnologias domínios nos quais localizamos as Matrizes de Aprendizagem, ou seja, o
Como entendemos Matemática e Arte originárias do mesmo campo Universo, a Natureza e o Corpo Humano.
epistemológico e a Geometria como o ponto tanto de intersecção quanto Mesmo quando identificamos evidências de inteligência, memória, história,
de convergência de ambas, a identificação de padrões e de regularidades e linguagem e comunicação no Universo, na Natureza e no Corpo Humano
de simetrias e assimetrias e tão relevante quanto a codificação e a decodi- e que o ser humano usa estas propriedades gerais para construir o seu
ficação de símbolos da Matemática humana. mundo, não vemos nisso um plágio, determinismo ou condicionamento.
Diferentemente do Universo e da Natureza que se submetem a leis
• Na alfabetização e séries iniciais do Ensino Fundamental – avalia-se permanentes e imexíveis, o corpo humano foi organicamente modulado
a capacidade de uso do raciocínio lógico matemático na forma oral tanto segundo as disposições do meio onde ele se desenvolveu, mas a sociedade
para identificação de formas geométricas, de padrões e regularidades, de que ele criou não segue regras, normas ou padrões previamente definidos,
simetrias e assimetrias presentes no cotidiano quanto para aplicação de senão as que o próprio ser humano cria.
cálculos mentais na resolução de questões do cotidiano, do fazer profis- Sociedade humana, portanto, subordinada que é à vontade humana,
sional e das relações humanas e sociais. não aprende como o Universo aprendeu, não aprende como a Natureza
• Séries finais do Ensino Fundamental – avalia-se a capacidade de aprendeu e não aprende como o corpo aprendeu. O que fazemos aqui é
uso do raciocínio lógico matemático na forma oral e escrita tanto para extrair destes domínios Matrizes de Aprendizagem que nos revelam formas
a aplicação prática da Geometria quanto para entendimento e aplicação de produção de conhecimento, didáticas de como ensinar, e métodos de
de cálculos mentais na resolução de questões do cotidiano, do fazer como aprender, porque isto está registrado de forma indelével nas memórias
profissional e das relações humanas e sociais. a que nos referimos acima.
• Ensino Médio – avalia-se as anteriores mais a capacidade de uso É isso que nos possibilita afirmar, no âmbito da Pedagogia Social,
do raciocínio lógico matemático na forma escrita para entendimento que a ensinagem e aprendizagem sociais não são curricularizáveis e não
e aplicação do sistema de notação próprio da área para representação porque não possamos atribuir às sociedades humanas aquelas propriedades
de medidas de grandezas aplicáveis a situações do cotidiano, do fazer gerais que identificamos nas matrizes de aprendizagem, mas porque não
profissional e das relações humanas e sociais. se subordinam a leis e regras permanentes, não seguem normas e padrões
• Ensino Técnico e Profissional – avalia-se todas as anteriores mais imutáveis e nem perseguem simetrias e assimetrias. Enfim, as sociedades
a capacidade de aplicação dos sistemas próprios de notação da Matemática, humanamente criadas não são previsíveis. Adaptar-se à conjuntura, acatar
da Geometria e da Arte no planejamento, na organização e na produção os discursos dominantes ou submeter-se às regras de quem ora exerce o
de produtos, serviços e processos de interesse tanto para a vida cotidiana poder não significa, do ponto de vista da Pedagogia Social e das práticas
quanto para o fazer profissional e as relações humanas e sociais.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

de Educação Social, desenvolver a educabilidade social do sujeito: isso tem • Ensino Técnico e Profissional – avalia-se as ante-
mais a ver com obediência, submissão e conformismo e o que a Pedagogia riores e também a percepção e a capacidade de apropriação
Social procura fomentar é a autonomia, a emancipação e a libertação do e de manuseio de métodos, técnicas e processos que tenham
sujeito de tudo o que seja capaz de obstruir sua vocação de ser mais, como a ver com os fatores de inibição do desenvolvimento pessoal
diz Paulo Freire (1996). e social. Veja o relato sobre o Projeto Aquaponia, realizado
Por estas razões a avaliação dos aspectos conceituais, comportamentais no CDP III de Pinheiros.
e atitudinais em relação à Vida, à Natureza, ao ser humano, a si mesmo,
ao outro e aos processos sociais que nos envolvem sejam mais pertinentes
do que ter decorado nomes, datas, lugares e acontecimentos. No mesmo
4. Ciências da Natureza e suas tecnologias
sentido que concebemos uma espiral de conhecimentos que vai do micro
Adotamos as Ciências da Natureza como ponto de partida para enten-
ao macro, nesta área de conhecimento a origem, a identidade e a história
dermos as Ciências Humanas e Sociais, portanto, a aquisição de noções
do sujeito constituem pontos de partida e elas nos levam às dimensões
básicas quanto à estrutura, organização e funcionamento das coisas e dos
regionais, nacionais e universais e não o inverso.
seres vivos é um componente básico da Alfabetização Científica. Nesta
área não bastou ao ser humano observar, descrever, comparar, analisar e
• Na alfabetização e séries iniciais do Ensino
tirar conclusões: ele quis também exercer o controle e dominar as forças
Fundamental – avalia-se, na modalidade oral, a capacidade
na Natureza para colocá-las a serviço de seus interesses e necessidades.
de compreensão da própria identidade, do outro e das normas Aqui a progressividade na construção do conhecimento é a meta: a
básicas de convivência social, além da capacidade de manejar alfabetização, a sistematização de saberes para elevação da escolaridade e a
códigos, símbolos e valores dos universos e segmentos nos ampliação dos conhecimentos como qualificação para o trabalho.
quais está inserido ou pretenda se inserir.
• Séries finais do Ensino Fundamental – avalia-se, na • Na alfabetização e séries iniciais do Ensino Fundamental
modalidade oral, a capacidade de compreensão da própria – avalia-se a capacidade de leitura de mundo na forma oral, que
identidade, do outro e das normas básicas de convivência
aqui se refere tanto ao mundo natural quanto ao mundo social,
social, bem como a relação direitos/deveres da cidadania e
para efeito de analogias, generalizações e abstrações. O que se
noções básicas sobre legislação social e proteção aos direitos pretende é estimular a capacidade de produzir imagens mentais
humanos. Avalia-se também a capacidade de manejar códigos, a partir das memórias da pessoa. É o exercício de imaginar,
símbolos e valores dos universos e segmentos nos quais está fantasiar, criar imagens e estabelecer relações entre elas.
inserido ou pretenda se inserir.
• Ensino Médio – avalia-se, a capacidade de manejar
• Séries finais do Ensino Fundamental – avalia-se a
códigos, símbolos e valores dos universos e segmentos nos
capacidade de uso do raciocínio lógico na forma oral e escrita
quais está inserido ou pretenda se inserir, assim como conhe- para entendimento e aplicação de imagens mentais na reso-
cimentos sobre organização e dinâmica da estrutura social e lução de questões do cotidiano, do fazer profissional e das
noções básicas sobre organização político administrativa do relações humanas e sociais. O que se pretende é estimular
Estado, suas instituições e as normas que os regem.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

a capacidade de utilização das imagens mentais para repre- XI. AVALIAÇÃO DE SABERES
sentar graficamente figuras geométricas, unidades de medida,
simetrias, proporcionalidades e esquemas, que favorecem as CONSTITUÍDOS NO
noções de organização e planejamento. MUNDO DA VIDA
• Ensino Médio – avalia-se as anteriores e capacidade Mundo da Vida é um conceito criado por Husserl (2012) como parte de
de uso do raciocínio lógico na forma escrita para entendi- seu argumento sobre o afastamento das ciências modernas em relação ao
mento e aplicação do sistema de notação próprio da área para horizonte de experiência e de sentido dos indivíduos comuns, depois utilizado
representação de unidades de medidas aplicáveis a situações por Habermas, Heidegger, Sartre, Gadamer e Schultz. A expressão mais em
do cotidiano, do fazer profissional e das relações humanas voga no Brasil se deve a Habermas pelo livro Teoria da Ação Comunicativa, de
e sociais. O que se pretende aqui é estimular a percepção de 1981 e depois mais difundida por Paulo Freire na Pedagogia do Oprimido.
causa e efeito, de interdependência e de complementaridade No processo de alfabetização científica os conhecimentos prévios do
entre objetos, fatos, fenômenos e processos que resultam sujeito constituem o ponto de partida.
em transformações na Natureza, nos processos industriais Saberes populares, todos eles, possuem rudimentos de saberes cientí-
e na sociedade humana. Exemplos são a ocupação desorde- ficos, ou seja, mesmo os denominados saberes de senso comum admitem
nada do solo, a transformação da terra para a agricultura, a em alguma medida, a incorporação de noções científicas, às vezes perdidas
poluição atmosférica, a contaminação das águas, as migrações no tempo, eclipsada pelos hábitos e costumes e mesmo ignoradas por
populacionais etc. muitos. É preciso entender que muitos destes saberes são resultantes de
aplicação do método científico - observação, descrição, comparação, análise
• Ensino Técnico e Profissional – avalia-se as anteriores e síntese – e são adotados na sociedade por convenções que são válidas
e também a capacidade de observar, descrever, comparar, para determinados povos em determinadas épocas e determinados lugares.
analisar e extrair conclusões provisórias – hipóteses – que Assim, as categorias de conhecimentos que podem ser submetidas à
possam ser testadas e verificadas com emprego de métodos avaliação não são conhecimentos derivados dos conteúdos curriculares,
científicos apropriados. cuja avaliação redundaria em classificação ou reclassificação de alunos em
séries e anos escolares, mas sim aqueles predominantes no mundo ocidental
e que constituem uma espécie de organizadores do nosso modo de ver e
de pensar o Universo, a vida, a Natureza e o Ser Humano. Outros povos,
outras culturas e outros tempos atribuem aos mesmos saberes significados
diferentes, portanto, têm outras formas de ver e de pensar o universo, a
Vida, a Natureza e o Ser Humano.
Por serem saberes e conhecimentos de senso comum, de uso popular e
corriqueiro, na maioria das vezes usado acriticamente em conversas colo-
quiais, a avaliação que se aplica é a que Paulo Freire explica como passagem
da consciência ingênua para a consciência crítica, ou seja:

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

A consciência ingênua já percebe a contradição social, mas Na Didática no Cárcere a avaliação de saberes constituídos no mundo
ainda se move nos limites do conformismo, adotando explicações da vida e do trabalho corresponde à Avaliação Diagnóstica prevista no
fabulosas para os fenômenos. […] A consciência crítica carac-
Currículo Oficial do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 20012, p. 158),
teriza-se pela profundidade com que interpreta os problemas
contempla todas as prerrogativas elencadas no Artigo 24 da LDB, mas não
e o pensar autônomo e adota princípios e relações causais para
se limita à classificação e reclassificação de alunos. Antes, serve à equalização
interpretar a realidade (Dicionário Paulo Freire, 2008, p. 98).
de saberes necessários ao processo de escolarização regular, de nivelamento
de conhecimentos em classes multisseriadas e de ponto de partida para
Recuperar os pressupostos científicos presentes nos saberes populares
sistematização de saberes com vistas à elevação da escolaridade ou à quali-
e nos conhecimentos de senso comum responde, portanto, a pelo menos
ficação profissional.
três propósitos: 1. valorizar o conhecimento do sujeito, mostrando que ele
Contempla também as prerrogativas elencadas no Artigo 41 da mesma
sabe; 2. ajudá-lo a organizar e sistematizar saberes e conhecimentos que já
LDB: “o conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no
possui e; 3. proporcionar a elevação do conhecimento e, consequentemente,
trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para
da escolaridade.
prosseguimento ou conclusão de estudos”.
Nos pareceu adequado fazer distinção entre saberes constituídos no
Vamos tratar dos dois separadamente.
Mundo da Vida e saberes constituídos no Mundo do Trabalho. Os primeiros
Os termos, constructos e conceitos abaixo listados não esgotam o reper-
correspondem a conhecimentos de senso comum e são mais facilmente
tório de saberes populares do Mundo da Vida que têm em si embutidos
identificáveis. Os rudimentos de ciências neles implícitos podem apenas
conhecimentos científicos, mas para todos eles se requer, na perspectiva
serem deduzidos e inferidos, mas não provados, devido à naturalização com
da Alfabetização Científica, a capacidade de Saber entender, saber explicar e
que foram incorporados ao nosso cotidiano e às diferentes conotações que
saber usar, sintetizando o que Paulo Freire denomina o “saber de experiência
assumem em outros tempos, povos e culturas.
feito”. (Dicionário Paulo Freire, 2008, p. 377).
Já os saberes constituídos no Mundo do Trabalho incorporam rudimentos
de conhecimentos científicos que são menos suscetíveis a ambiguidades e
interpretações porque são operacionais do ponto de vista de seu manuseio
especialmente quando aplicados à exploração, transformação e produção.
Dia é dia, noite é noite, o ano tem 365 dias, a hora 60 minutos, aceitamos
isso e não questionamos suas bases científicas até mesmo porque não nos
cabe manusear tais conceitos, apenas usá-los.
Os conhecimentos implícitos no exercício de ofícios e de profissões,
que são necessários à exploração, à transformação e à produção, entretanto,
significam, na maioria das vezes, a aplicação prática de conceitos científicos,
a provocação de reações físico químicas, a transformação de substâncias
simples em substâncias compostas e arranjos celulares e moleculares dos
quais dependem o sucesso ou o fracasso do empreendimento.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

COMO Saber usar


COMO AVALIAR Escala, tipos, para cálculos,
Mapas Saber usar Saber representar
SABER/ COMO AVALIAR NA AVALIAR NO NO ENSINO cartografia organização e
O QUE AVALIAR
CONHECIMENTO ALFABETIZAÇÃO FUNDAMENTAL MÉDIO E planejamento
I E II CURSOS Objeto (sentido Coisa, características, Saber distinguir as
Saber explicar Saber classificar
TÉCNICOS material) matéria diferentes categorias
Dar aplicações Entender a
Algarismos Romanos Grafia correta Saber usar Saber ler e escrever Visão, audição, tato,
práticas Órgãos sensoriais Saber explicar Saber como funciona epistemologia do
palato, olfato
Situar as corpo humano
Saber das
4 Elementos Terra, água, fogo, ar Saber explicar propriedades na Saber aplicar em
propriedades básicas
Tabela Periódica situações práticas
Regularidade, modelo,
Produtores, Padrão Saber explicar Saber identificar para medição,
Saber compor um Saber balancear parâmetro
Cadeia Alimentar consumidores e Saber entender avaliação e
cardápio os nutrientes
decompositores controle
Saber aplicar Saber aplicar
Forma de organização
em resolução Processo Saber entender Saber identificar em situações
Milênio, Século, Ano, de tarefas
Calendário Juliano Saber usar Saber usar de problemas, concretas
Mês, Semana, Dia
organização e Aberto, fechado, Saber como
Sistema Saber entender Saber identificar
planejamento biológico operar
Azul, vermelha, Saber das Dar aplicações Saber das
Cores primárias Saber explicar
amarela propriedades práticas Termômetro, frio, diversas
Temperatura Saber explicar Saber identificar
Células, tecidos, Entender a quente, graus aplicações
Corpo humano órgãos, aparelhos e Saber explicar Saber como funciona epistemologia do práticas
sistemas corpo humano Energéticos, Saber das
Saber das Tipos de Alimentos construtores, Saber explicar Saber classificar aplicações
Unidade, dezena,
Escala numérica Saber usar Saber construir aplicações reguladores práticas
centena, milhar
práticas Saber usar na
Área, metro
Saber das Unidades de Medidas organização,
Sólido, líquido, quadrado, perímetro, Saber usar Saber calcular
Estados da Matéria Saber explicar Saber converter propriedades e (área) planejamento e
gasoso, plasma acre, hectare,
aplicações produção
Saber usar na
Gestação, nascimento, Km, metros,
Unidades de Medidas organização,
desenvolvimento, centímetros, Saber usar Saber calcular
Fases da Vida Saber explicar Saber explicar Saber explicar (distância) planejamento e
envelhecimento, milímetros
produção
morte
Saber usar na
Fases do Infância, adolescência, Unidades de Medidas Tonelada, arroba, kilo, organização,
Saber usar Saber calcular
Desenvolvimento juventude, adulto, Saber explicar Saber identificar Saber orientar (peso) grama, miligrama planejamento e
Humano velhice produção
Social, político, Saber decompor Saber usar na
Saber distinguir as
Fato jurídico, econômico, Saber entender em categorias e Unidades de Medidas Hora, minutos, organização,
diferentes categorias Saber usar Saber calcular
esportivo variáveis (tempo) segundos planejamento e
Saber definir as produção
Saber distinguir as
Fenômeno Na Natureza Saber entender relações de causa Saber usar na
diferentes categorias
e efeito Unidades de Medida organização,
Metro cúbico, litro Saber usar Saber calcular
Hemisférios, Saber usar (volume) planejamento e
coordenadas, pontos para cálculos, produção
Globo terrestre Saber usar Saber representar
cardeais, latitude, organização e
longitude planejamento

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

XII. AVALIAÇÃO DE SABERES Classificação Classificação Base Tecnológica


Matriz de
Aprendizagem/
CONSTITUÍDOS NO MUNDO DO CBO BNCC CNCT
Componentes
TRABALHO Inteligência
Biblioteca, artificial, linguagens,
Famílias Área de
Especialmente quando excluímos o “J” da EJA (FEITOSA, 2012, p. 72) Informática, Redes, comunicação,
Ocupacionais Linguagem
que diz respeito à juvenilização da Educação de Jovens e Adultos, incluindo, Computadores códigos, símbolos e
por exemplo, adolescentes que já nasceram sob a égide da condenação do valores
trabalho infantil e, portanto, chegam à EJA sem uma experiência concreta
Matemática na
de trabalho, o público constituído de adultos leva para a escola saberes,
Laboratórios de Natureza
conhecimentos, habilidades e competências que, mesmo sem a formalização Famílias Área de
Física, Química, Matemática da
por meio de cursos, certificados e diplomas, para eles correspondem a um Ocupacionais Matemática
Matemática Natureza
ofício ou uma profissão. Matemática Humana
Trabalhadores informais diriam alguns. Não é esta ou qualquer outra
Laboratórios de
classificação isolada que interessa à Didática no Cárcere. Quando conside- Famílias Área de Ciências Átomos, células,
Física, Biologia,
ramos as prioridades da Educação em Prisões - alfabetização, elevação de Ocupacionais da Natureza moléculas
Química
escolaridade e profissionalização – podemos recorrer ora à Classificação
Brasileira do Ocupações (CBO) que define e descreve ocupações que as Fundações,
pessoas da EJA costumeiramente identificam como profissões, ora ao institutos,
Universo, Natureza,
Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (MEC, 2016) que define as bases Famílias Área de Ciências associações,
Corpo Humano e
tecnológicas para a formação de profissionais de nível médio ao prescrever Ocupacionais Humanas organizações
órgãos sensoriais
a infraestrutura necessária para cada curso. populares, sociais e
comunitárias
A conciliação destas duas classificações com as áreas de conhecimentos
consagradas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) nos possibi-
lita identificar as matrizes de aprendizagem que utilizamos na Didática no Células, Moléculas,
Famílias Área de Laboratórios de
Corpo humano e
Cárcere e que se mostram adequadas aos seus propósitos. Ocupacionais Biológicas e Saúde Biologia e Química
órgãos sensoriais
O Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) teve impor-
tante participação na elaboração do conceito de família ocupacional, nas suas
definições e descrição adotada na CBO e o conceito se mostra pertinente Usaremos o exemplo da cozinha, espaço de trabalho muito comum para
para trabalhar as necessidades de alfabetização, de elevação de escolaridade homens e mulheres hoje aprisionados.
e de qualificação profissional de jovens e adultos em regimes de privação A CBO de 2002 e ainda em vigor assim descreve esta ocupação que não
da liberdade. requer nenhum grau de escolaridade

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Auxiliar nos serviços de alimentação Proporcionar a esse trabalhador Alfabetização Científica a partir dos
saberes constituídos no Mundo do Trabalho, tendo a cozinha como o espaço
Ajudante de churrasqueiro, Ajudante de confeiteiro, Ajudante de cozinha, Ajudante onde exerce o seu ofício, significa recuperar a historicidade dos insumos
de padeiro, Ajudante de pizzaiolo, Ajudante de sushiman, Auxiliar de churrasqueiro,
que usa, ajudá-lo a entender as reações físico químicas que produzem o
Auxiliar de confeiteiro, Auxiliar de cozinha, Auxiliar de padeiro, Auxiliar de pizzaiolo,
Auxiliar de sushiman, Forneiro (pizzaria), Lavador de pratos, Saladeiro, Salgadeiro... aroma e o sabor dos alimentos, mostrar-lhe os fundamentos biológicos da
  produção destes alimentos na Natureza e até mesmo a entender a química
dos produtos quando tratados de uma ou de outra forma.
Já o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, de 2016, assim descreve o A estas abordagens temos denominado sistematização de saberes, pois signi-
mesmo profissional, apenas com a diferença de que este precisa ter formação fica elevar o conhecimento que a pessoa já tem a um patamar mais elevado,
de Ensino Médio e certificação de curso técnico. o que atende tanto às necessidades de cultura geral (alfabetização científica),
elevação da escolaridade e melhor qualificação para o mundo do trabalho.
A título de curiosidade os técnicos da Diretoria Centro Oeste, o Prof.
Técnico em Cozinha
Descrição Sumária Roberto da Silva e alguns monitores foram visitar no 2º semestre de 2017 o
Museu Penitenciário em São Paulo. Queríamos que os professores do curso
Os trabalhadores auxiliares nos serviços de alimentação auxiliam outros tivessem noções de como presos aplicam rudimentos de conhecimentos
profissionais da área no pré-preparo, preparo e processamento de alimentos, na
montagem de pratos. Verificam a qualidade dos gêneros alimentícios, minimizando científicos para construir armas e utensílios para os afazeres do dia a dia
riscos de contaminação. Trabalham em conformidade a normas e procedimentos e produtos para aliviar a ausência de coisas e produtos que são associados
técnicos e de qualidade, segurança, higiene e saúde. com bem estar e qualidade de vida como um acendedor de fogo, armas,
maquinas para tatuagens, e fogão para cozinhar, conforme ilustrações abaixo.

E quando trata do perfil profissional de conclusão deste profissional,
mesmo considerando a possibilidade de especialização e de acesso ao curso
superior na mesma área, observe que a formação é exclusivamente técnica
e operacional, com ênfase no saber fazer...

Possibilidades de certificação intermediária em cursos de


qualificação profissional no itinerário formativo. Infraestrutura
mínima requerida. Possibilidades de formação continuada
em cursos de especialização técnica no itinerário formativo.
Possibilidades de verticalização para cursos de graduação no Esta visita nos fez entender que além dos saberes relacionados ao exer-
itinerário formativo. Organiza a cozinha. Seleciona e prepara cício de ofícios e profissões, pessoas em situação de privação da liberdade
matérias-primas. Elabora e organiza pratos do cardápio.
também se utilizam de rudimentos de conhecimentos científicos para inventar
Manipula alimentos, executa cortes e métodos de cozimento.
Opera e mantém equipamentos e maquinários de cozinha. coisas, do qual deduzimos que há uma epistemologia própria do cárcere, uma
Armazena diferentes tipos de gêneros alimentícios, controla forma particular de produzir e fazer a mediação do conhecimento na prisão.
estoques, consumos e custos. (CNCT, 2016, p. 247).

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II

XIII. O PROCESSO DE CRIAÇÃO


COLETIVA DESTA PROPOSTA
A educação de adolescentes, mulheres e homens presos é o objeto de
estudos do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação em Regimes
de Privação da Liberdade (GEPÊPrivação), sediado na Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo desde sua fundação, em 2005.
Além de acompanhar na arena político institucional toda a discussão e
a regulamentação da Educação em prisões o GEPÊPrivação desenvolve
suas próprias ações de ensino, pesquisa e extensão universitária, eventos,
seminários e assessorias a diversos estados da federação para elaboração
do Plano Estadual de Educação em Prisões, exigência colocada em lei.
Desde que ficou consignado nas Diretrizes Nacionais para a oferta de educação
para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais
(Resolução CNE/CEB nº 2, de 19 de Maio de 2010 que as atividades na prisão

PARTE III podem e devem integrar um projeto político pedagógico o GEPÊPrivação


tem feito do PPP das Prisões sua principal prioridade.
Assim define o artigo 10º das Diretrizes “As atividades laborais e artístico-
culturais deverão ser reconhecidas e valorizadas como elementos formativos
integrados à oferta de educação, podendo ser contempladas no projeto
político-pedagógico como atividades curriculares, desde que devidamente
fundamentadas.”
Esta priorização foi formalmente comunicada ao Departamento
Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, em 25.10.2016, em
Brasília, quando foi convocada uma reunião para se discutir, pela primeira
vez, possibilidades e alternativas para um projeto político pedagógico para
a educação nas prisões brasileiras, conforme registro fotográfico abaixo.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

A partir deste estudo entendemos que a USP deveria dar o exemplo e


em se tratando de Educação, a Faculdade de Educação seria a unidade mais
naturalmente vocacionada para enfrentar o desafio da implementação da
Educação em prisões na região oeste da cidade de São Paulo.
Motivados por desenvolver uma resposta institucional a este contexto
o GEPÊPrivação apresentou ao programa Aprender com Cultura e Extensão,
por meio de edital público no segundo semestre de 2014 a proposta intitu-
lada O Projeto Político Pedagógico da Educação em Prisões que previa os primeiros
ensaios no sentido de recorrer à expertise da própria área da Educação para
pensar formas de organização das múltiplas atividades realizadas durante o
cumprimento da sentença judicial e que pudesse resultar convergentes com
os objetivos da Educação Escolar, especialmente na alfabetização, na quali-
Reunião de consultores no Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN/MJ), ficação profissional e na elevação da escolaridade.7
em Brasília para primeira discussão do PPP das Prisões - 25.10.2016

O envolvimento da Universidade de São Paulo com o tema decorre, funda-


mentalmente, da centralidade que tem a USP em um universo que congrega
cerca de 10 mil pessoas privadas da liberdade no seu entorno, dentre adoles-
centes internados em unidades da Fundação CASA e mulheres e homens
adultos em unidades prisionais da Secretaria da Administração Penitenciária.

Neste período estava em fase de finalização a tese de doutoramento de


Carolina Bessa Ferreira de Oliveira, então assessora técnica do Núcleo de Inclusão
Educacional (NINC) vinculada à Coordenadoria de Gestão da Educação Básica
(CGEB), da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que tem a responsa-
bilidade, dentre outras, de articular questões pedagógicas da oferta da Educação Beatriz Clair, Roberto da Silva, Hélio Braunstein, Fábio Moreira e Carol Bessa,
escolar em Centros da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao alguns dos integrantes do GEPÊPRIVAÇÃO
Adolescente (CASA) e unidades prisionais do Sistema Prisional paulista.
Em sua tese, intitulada A Educação nas prisões brasileiras: a responsabilidade da
universidade pública (2017) esboçamos um mapa que permitiu a localização e o
cruzamento de todas as universidades públicas sediadas no território paulista
7 Um ensaio sobre esta perspectiva teórica foi esboçado no artigo Objetivos educacionais
e as unidades de internação e unidades prisionais em ´sua área de abrangência. e objetivos da reabilitação penal: o diálogo possível. Revista Sociologia Jurídica – ISSN: 1809-2721.
Número 03 – Julho/Dezembro 2006.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Para este projeto a USP, por meio do programa Aprender com Cultura No mesmo ano o GEPÊPRIVAÇÃO realizou alguns eventos e rodas de
e Extensão, designou dois bolsistas (Tailane Machado Santos e Ramayane conversa na USP para debater o tema da redução da maioridade penal do
Aparecida Ferreira), que procederam às primeiras coletas de dados nas adolescente e iniciou um projeto experimental de Pré-Iniciação Científica
unidades prisionais. para adolescentes em regime de internação na Fundação CASA, que consistiu
A hipótese – ainda válida – é de que todas as atividades de atendimento em 12 deles frequentarem um semestre de aulas dividindo o mesmo espaço
profissional – saúde, jurídica, social e psicológica – assim como as atividades e a mesma disciplina com alunos dos cursos de licenciatura da USP. Esta
artísticas, esportivas e culturais adotassem os parâmetros de organização experiência revelou que constituir espaços de experimentação pedagógica
da própria atividade escolar, ou seja, definição de objetivos, indicação de constitui um meio extremamente eficaz para levar as pessoas a vivenciarem
carga horária, explicitação de métodos e técnicas, organização de conteúdos, estereótipos, estigmas e preconceitos que não podem ser desconstruídos
referenciais teóricos, avaliação e certificação como estratégia para tirar destas apenas por meio do discurso.9
atividades o caráter de improvisação, de espontaneísmo e de voluntarismo No segundo semestre de 2016, organizamos o Curso Preparatório ENEM
que as caracterizam, mais como uma estratégia de ocupar o tempo ocioso 2016 para mulheres presas no Centro de Progressão Penitenciária Feminino
do que de qualificar o sujeito para a vida em liberdade. do Butantã (CPPFB), com o envolvimento de 22 alunos e alunas do Curso
O PPP das Prisões parte da premissa de que a população prisional no de Pedagogia. Esta experiência, em particular, revelou que estudantes das
Brasil é predominantemente jovem, de baixa escolaridade, pouca qualificação licenciaturas têm sim, além da curiosidade, muito interesse em lecionar nestes
profissional, afrodescendente e oriunda de periferias urbanas, que acumula espaços por entenderem, nas palavras deles mesmos, que lá a Educação faz
déficits em quase todas as áreas e para quem falharam as instâncias tradi- sentido e que lá alguns deles se descobriram professores.
cionais de socialização, como a família, a religião, a escola, a comunidade, O trabalho na Penitenciária Feminina do Butantã, além dos apelos dos
o mercado de trabalho e as políticas públicas. alunos, que queriam continuar explorando o tema, suscitou uma série de
No Brasil o tempo médio de permanência na prisão é de oito anos, o que possibilidades e dentre tantas optamos por um curso experimental para
nos parece um tempo demasiadamente longo, mas suficiente para pensar um capacitação de professores da rede pública que atuam ou queiram atuar em
processo de escolarização e de profissionalização desta população. Com cerca regimes de privação da liberdade.10
de 1.800 unidades prisionais no Brasil e mais de 700 mil presos é necessário Foram feitas todas as tratativas preliminares com a Diretoria Regional
pensar a gestão da pena e da prisão, do ponto de vista pedagógico, a partir de Ensino Centro Oeste (DECTO), responsável pelas escolas vinculadoras
de um projeto pedagógico que considere as necessidades educacionais do nas quais são matriculados os alunos privados da liberdade e alocados os
ser humano preso, a qualidade do seu retorno à sociedade e a resposta que professores para atribuição de aulas. Assim foi celebrado entre a DECTO
a sociedade e o Estado dão a estas pessoas, que não pode ser somente de e a FEUSP um convênio específico para este propósito, com prioridade
naturezas repressivas e punitivas.8 para professores lotados nesta DE ou que futuramente nela venham a
No 2º semestre de 2014 o GEPÊPRIVAÇÃO organizou o Curso de atuar. O curso foi concebido como um projeto piloto, presencial, com
Atualização Teoria e Prática do ECA: ênfase nas medidas socioeducativas, no qual carga horária de 186 h/a, todos os sábados de manhã, de 5 de Agosto a 18
participaram operadores do Sistema de Garantia de Direitos de 32 dos 39 de Dezembro de 2017.
municípios da Região Metropolitana de São Paulo. 9 Esta experiência e seus desdobramentos estão relatadas no livro Ciência da Delinquência: o
olhar da USP sobre o ato infracional, o infrator, as medidas socioeducativas e suas práticas (Expressão &
Arte, 2014).
8 Um primeiro ensaio sobre esta questão foi esboçado no artigo Ciência, trabalho e Educação no 10 Esta experiência está relatada no artigo A Educação em prisões e o papel da universidade pública.
Sistema Penitenciário Brasileiro. Cad. Cedes, Campinas, v. 36, n. 98, p. 9-24, jan.-abr., 2016. Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo, v. 17, p. 65-80, mai. 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9060
v17isupl.p65-80

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Para o curso foram disponibilizadas 100 vagas, que contou com a parti- que concluíram o Curso de Aperfeiçoamento tivessem aulas atribuídas
cipação de sete professores doutores da Faculdade de Educação da USP: naquelas unidades prisionais e em suas áreas de especialização.
Núria Hanglei Cacete, Dislaine Zerbinatti Moraes, Lúcia Roberto Sasseron, Encerrado o processo de atribuição de aulas elaboramos conjuntamente
Vinicio de Macedo, Mônica Teixeira do Amaral, Maria Clara Di Pierro e com a Diretoria de Ensino e os professores e professoras uma agenda de
Sandoval Nonato) para as aulas didáticas de laboratórios, cinco especialistas ATPC (Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo) para o 1º semestre de 2018,
externos (Carlos Teixeira, Marisa Fortunato, Denise Carreira, Mariângela que são os momentos de planejamento, organização e de formação para os
Graciano e Márcio Masella), orientandos de mestrado e doutorado (Carolina profissionais da Educação de uma determinada Diretoria de Ensino. Nesta
Bessa, Almiro Alves, Thais Barbosa Passos e Jefferson Santos) e quatro agenda foi possível rodiziar os encontros na própria Diretoria de Ensino, na
monitores concedidos pelo Programa Unificado de Bolsas da USP (Matheus USP e nas unidades prisionais, ora em reuniões gerais ora em reuniões por
de Oliveira Arouca, Ananda Ananias Felisberto, Samuel Feitosa Vanique áreas de conhecimento, sempre com a presença dos monitores designados
e Bruno Feitosa Barbosa). Posteriormente ingressaram no projeto Maria para acompanhar cada grupo de professores e professoras.
Paula Palhares e Fernanda Gabriela de Camargo Lopes. O registro de todas estas atividades mostra que cerca de 200 pessoas
A esta equipe somou-se, oportunamente, Alex Giostri, coordenador participaram deste processo coletivo de construção da proposta. Este mesmo
das atividades literárias da Penitenciária Industrial de Joinville-SC, ativi- coletivo foi continuamente informado do andamento das atividades e ao
dades essas premiadas nacionalmente pelo IPL - retratos da leitura 2017, e final convocado para uma última leitura crítica da produção, oportunidade
editor da Giostri Editora, que acompanhou toda a execução do curso e se também para a revisão final do texto e entrega para a Editora Giostri.
colocou à disposição para publicar na forma impressa o material didático
resultante do curso. Área de
Com o término do Curso de Aperfeiçoamento e sistematizadas as contri- Professor/a Monitor/a
Conhecimento
buições a Editora Giostri fez uma edição de tiragem limitada e sem fins
comerciais do que passamos a denominar Didática no Cárcere: entender a Marinilda Aparecida Sanches Gardiano Ananda Ananias
Alfabetização Giane Alves da Cruz Felisberto
Natureza para entender o ser humano e seu mundo, que foi gratuitamente
Leny Vicência Gregório Monique Losano
distribuída aos participantes que concluíram com aproveitamento o curso.
Naquela ocasião firmamos o compromisso com todos os envolvidos e com Karina de Cássia
Bruno Vinicius
Matemática Barbosa e Maria
a Diretoria de Ensino, que dedicaríamos todo o 1º semestre de 2018 para Geraldo Fernandes Pessoa
Paula Palhares
experimentar esta metodologia nas salas de aulas das prisões onde lecionam
Ciências Humanas Marinésia (Mary Gama), Camila, Thais Barbosa
os professores e professoras que frequentaram o curso de aperfeiçoamento.
e Sociais Maurício Passos
Convencionamos que constituiriam campos de experimentação pedagó-
gica a Penitenciária Feminina do Butantã e os centros de detenção provisória Rodrigo Vieira Ruivo
Linguagens e
II e III de Pinheiros, locais onde estão recolhidos homens e mulheres adultos. Marcelo Henrique da Silva Scaraboto Bruna Fávero
Artes
Em janeiro e fevereiro de 2018 a supervisora de ensino da DE na região Rose Mary Messias
- Neila Marques - abriu a possibilidade de que acompanhássemos o processo
de atribuição de aulas nestas unidades, com vistas a assegurar que docentes Ciências da Francine dos Santos Aguiar e Clemilson Matheus Arouca
Natureza Marques Pedrosa Fernanda Gabriela

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

1. Equipe FEUSP
XIV. RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
Prof. Dr. Roberto da Silva – coordenador do curso
Profª Drª Mônica Teixeira do Amaral – FEUSP – vice coordenadora
Ao final do Curso de Aperfeiçoamento que deu origem a esta proposta,
Profª Drª Lúcia Sasseron – FEUSP, Laboratório de Física
Profª Drª Núria Hanglei Cacete – FEUSP, Laboratório de Ciências Sociais em dezembro de 2017, de comum acordo com a Diretoria de Ensino Centro
Profª Drª Dislaine Zerbinatti – FEUSP – laboratório de Ciências Sociais Oeste e concordância dos professores participantes, combinamos que a
Prof. Dr. Vinicio de Macedo – FEUSP- Laboratório de Matemática versão preliminar do Didática no Cárcere deveria ser experimentada e testada
Prof. Dr. Sandoval Nonato – FEUSP- Laboratório de Linguagens durante o 1º semestre de 2018 em salas de aulas. Os professores lotados
Profª Drª Maria Clara Di Pierro – FEUSP, Educação de Jovens e Adultos na Diretoria Centro Oeste foram “autorizados” por sua supervisora para
que pudessem flexibilizar o Currículo Oficial do Estado que orienta suas
2. Equipe de Pós-Graduandos FEUSP atividades didáticas, liberando-os assim para procederem à experimentação
Prof. Drª Carolina Bessa Ferreira de Oliveira pedagógica da metodologia em construção.
Almiro Alves de Abreu (doutorando) No final de janeiro de 2018, durante o processo regular de atribuição
Jefferson Baptista dos Santos (mestrando) de aulas da Diretoria Centro Oeste identificamos os professores que reali-
Thaís Passos Barbosa (doutoranda) zaram o curso, as escolas vinculadoras para as quais foram designadas, as
áreas de conhecimento em que atuariam e as disciplinas que ministrariam,
3. Equipe de Monitores USP
assim como os dias e horários de aulas para que os monitores do projeto
Matheus de Oliveira Arouca – Licenciatura em Biologia
pudessem acompanhá-los. São as experiências desenvolvidas neste contexto
Ananda Ananias Felisberto – Licenciatura em Pedagogia
que serão relatadas aqui, por áreas de conhecimento.
Samuel Feitosa Vanique – Licenciatura em Química (saída em 02.12.2017)
Bruno Vinícius Barbosa – Licenciatura em Matemática Os encontros com este grupo foi mensal utilizando-se das ATPCs – Aulas
de Trabalho Pedagógico Coletivo – que é o tempo destinado à formação
4. Equipe Diretoria Regional de Ensino Centro-Oeste continuada dos professores em exercício na rede estadual de São Paulo e
Profª Marineila Aparecida Marques – Supervisora DERCTO/SEE de duas reuniões de OTs – Orientações Técnicas -, que são convocações
Profª Laís Barbosa Moura Modesto – PNCP DERCTO que a Diretoria Regional de Ensino faz aos seus professores para formação
Fernando Lopes – Analista Sociocultural continuada. Em cada reunião, da qual participavam o gestor penitenciário, a
equipe da Diretoria de Ensino, a equipe da Feusp e os professores lotados
5. Consultoria Editorial nas prisões, fazia-se a atualização das práticas por meio de relatos dos
Alex Giostri – Editora Giostri professores, socialização das experiências nos outros contextos e exercícios
de como incorporar os conteúdos da Didática no Cárcere nas práticas coti-
dianas de aulas na prisão. Ao final da produção do livro parte deste grupo
foi convidada para uma leitura crítica da obra, reunião que aconteceu no
dia 25.07.2018, das 18 às 21hs no Auditório da Faculdade de Educação.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Entrevista dos alunos da Pedagogia USP com Frei Carlos Josaphat, em 04.07.2018
como conclusão do trabalho História de Vida como Metodologia de Pesquisa.

Dois outros espaços de experimentação pedagógica foram organizados.


Cerimônia de encerramento do Curso, com o Juiz João Marcos Buch (CNJ), Diana Um no Curso de Especialização em Docência para a Educação Penitenciária,
Vidal (FEUSP), Marineila Marques (DERCTO) Roberto da Silva (GEPÊPrivação), sob coordenação da Profª Drª Eliane Leal Vasquez, na Universidade Federal
Eliane de Souza (CDP), Carlos Teixeira (SECADI/MEC) e Alex Giostri (Editor) do Amapá, em Macapá. A turma foi composta por 67 profissionais, parte
na mesa. dela por professores que atuam em prisões e as demais vagas destinadas a
profissionais com deficiência, profissionais lotados no Grupo Penitenciário
No Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação o Prof. Dr. Roberto e um profissional auto-declarado negro, ativista com comprovada atuação
da Silva assumiu a disciplina EDA 4800702 - Pesquisa Educacional: Questões na defesa de direitos humanos, membros da Pastoral Carcerária, Pastoral
Teórico-Metodológicas e Prática Pedagógica, com 60 alunos que foram da Juventude, Pastoral Afro, profissionais que atuam voluntariamente em
informados do projeto e da experiência em andamento. A turma de alunos projetos de práticas restaurativas com a população carcerária, membros de
concordou em também testar a metodologia durante 17 semanas, com aulas associações que trabalham em defesa dos direitos das pessoas presas ou
sempre às terças-feiras à noite. Para estas 17 aulas o Prof. Roberto sugeriu egressos do sistema penitenciário e demais profissionais interessados no
desenvolverem o tema História de Vida como Metodologia de Pesquisa, curso lato sensu.
para explorar os estudos de memória, o Genograma e a linha de tempo, Os encontros em Macapá ocorreram em 7 e 8 de janeiro e 7 e 8 de julho
itens importantes da Didática no Cárcere. Aqui será também relatada esta de 2018, com interações online nos intervalos destas datas. A este grupo,
experiência, com o testemunho dos alunos e a avaliação que eles fizeram. com características mais de educadores sociais do que de professores de
conteúdos, a Didática no Cárcere foi apresentada sob os fundamentos da
Pedagogia Social (SILVA E SOUZA NETO, 2009), como uma prática de
educação popular, social e comunitária.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Profª Eliane Vasquez e Prof. Almiro Alves com parte dos participantes do Curso
de Especialização Docência para a Educação Penitenciária, UNIFAP, 2018

O Curso de Aperfeiçoamento EJA Privados de Liberdade, oferecido na


Universidade Federal do Paraná sob coordenação da Profª Drª Gabriela
Reyes, reuniu 29 experientes professores da rede estadual, gestores de EJA,
diretores e agentes penitenciários, todos com mais de cinco anos de experi-
ência na Educação Prisional, alguns com 10, 12 ou 15 anos de experiência. Roberto da Silva, Gaby Reyes e as tutoras do Curso EJA Prisional na UFPR
Este grupo, dada a experiência acumulada, preferiu se identificar e reforçar
a identidade de professor de conteúdo, compromissados que são em desen-
volver na prisão o currículo oficial do Estado do Paraná. Os relatos de 1. Relato de prática de Alfabetização Científica
suas experiências, entretanto, de como trabalham os conteúdos e de como em Ciências Sociais e Humanas
conduzem suas aulas possibilitou ampla identificação com a Didática no
Cárcere que lhes foi apresentada pelo Prof. Roberto. A Profª Monique Losano, que leciona em classes de alfabetização no
Centro de Detenção Provisória III, de Pinheiros, em São Paulo, usando
o conceito de Alfabetização Científica, elaborou uma estratégia de ensino
que congrega conhecimentos das áreas de Português, História, Matemática,
Geografia, Artes e Ciências Sociais.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Partindo do pressuposto freiriano de que “a leitura de mundo precede


a leitura da palavra” a Profª Monique usou como ponto de partida uma
pergunta que todos os alunos certamente conseguiriam ao menos hipote-
ticamente responder, mesmo que não tivessem Certidão de Nascimento
ou Carteira de Identidade: quem sou eu?
A partir desta provocação inicial ele conduziu os alunos a recuperarem
informações que estavam apenas em suas memórias, mas que, devidamente
organizadas, possibilitariam montar o Genograma com a estrutura da família
de origem e a linha de tempo do sujeito e de sua família.
Na 2ª aula ela conduziu os alunos para explorarem os dados da própria
história recuperada na aula anterior, no âmbito da Geografia: onde nasceu,
onde fica, qual a localização no mapa, qual a história e a cultura do lugar
Profª Giane, Fernando Lopes (DRECO), Profª Leny, Prof. Roberto, Profª Monique, e os pontos cardeais.
Neila Marques (DRECO) e Profª Nilda, em reunião de área. Toda a 3ª aula foi dedicada à construção fictícia de uma Carteira de
Identidade, recuperando conteúdos de Artes e de Matemática com a exigência
Sob o pretexto de trabalhar em sala de aulas aspectos da documentação de que se escrevesse corretamente os nomes, decorasse o número do RG
civil do sujeito, ela elaborou a sequência didática denominada Identidade, e que o documento se assemelhasse ao verdadeiro.
para ser desenvolvida em seis aulas com a seguinte justificativa: A 4ª aula explorou os conteúdos das memórias dos alunos sob o tema
“Lembranças”, que extrai informações para a organização de uma linha
Quando o reeducando chega ao Centro de Detenção do tempo, pois recupera momentos desde a infância até os dias presentes.
Provisória “CDP”, na maioria das vezes chega sem seus docu- Uma recomendação importante foi que evitassem pontuar os crimes que
mentos de identificação, não sabe o número de seu RG, CPF, cometeram ou o que os levou à prisão. Na Didática do Cárcere temos
não se lembra quando votou pela última vez, quiçá quando tratado como “acidentes biográficos” as intercorrências negativas da vida,
foi o último contato com a documentação em geral. Em meio que podem ser meramente circunstanciais e passageiras e não determinantes
a sua história, perde sua identidade propriamente dita, sem
do que seja a identidade, a personalidade, o caráter e o futuro do sujeito.
noção de leitura e escrita, de quanto tempo faz que não estuda,
qual o nome de sua última escola. A partir do momento em
Se no Genograma identificamos padrões repetitivos que vem ao longo
que chega à escola e é matriculado, tem que ter o número de gerações como crimes, alcoolismo, suicídio, drogadição, mortes violentas
de RG, este providenciado pelo CDP, quando matriculado, a etc., é possível que o sujeito atual esteja em um processo inconsciente de
escola gera um número de matrícula, sabemos qual o nome reprodução da história na própria linhagem e as intercorrências possam ser
da última escola em que estudou, a série em que parou... E mais do que “acidentes biográficos” e esta constatação conduz a diálogos
quando levamos isso para a sala de aula, ele se sente alguém, que vão muito além dos conteúdos curriculares. Nestas circunstâncias é que
sente parte de sua dignidade recuperada. o professor ou a professora precisam exercitar sua veia de Educador Social.
A 5ª aula desta sequência didática, depois de trabalhar elementos da iden-
tidade, da memória e da história do sujeito, dos quais se deduz a descoberta

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

ou a afirmação de uma nova identidade devido aos novos conhecimentos não sofrerem alguma sanção leve ou mesmo de regredirem para o regime
que adquiriu, a professora usou bexigas nas quais os alunos escreveram fechado. Por isso, para que essas vozes pudessem ser ouvidas de maneira
palavras chaves que indicassem como se veem, como são vistos, ou estigmas, mais livre, o recurso didático da linha do tempo, na qual as alunas situaram
estereótipos e preconceitos que os marcam. Estourar a bexiga adquiriu o suas próprias existências e trajetórias, funcionou como uma âncora para que
sentido de livrar-se deles. Claro que foi preciso avisar previamente os agentes esses discursos pudessem ser produzidos com mais segurança; entendo que
penitenciários em serviço que aquilo ocorreria para não confundirem com os sujeitos são sujeitos históricos e, portanto, estão imersos em contextos
tiros o estouro das bexigas. histórico-políticos dados previamente.
A 6ª aula, para finalizar a sequência didática, foi o momento de expressar Para tanto, o espaço de sala de aula se configura como um espaço privi-
livremente, por meio da redação, o que querem, o que pensam, o que sentem legiado para o diálogo e a produção de outras formas de afectos que as
e o que sonham. A tarefa ficou mais fácil ao ser embalada por uma música fazem reconhecer seus lugares de fala e de sua legitimidade, muitas vezes
com letras adequadas para a reflexão, depois, é claro de muita discussão se descredenciada. A correlação entre o funcionamento da sociedade com o
tal letra era ou não pertinente para o propósito. funcionamento da vida no meio natural foi o eixo principal que norteou
as pesquisas envolvendo os Direitos Humanos, a partir do recurso da linha
do tempo.
2. Relato de prática da área de Ciências A ideia principal de usar a linha de tempo da história individual era fazer
Humanas e Sociais com que as alunas do CPPF e os alunos do CDP II e III se reconhecessem
enquanto seres históricos, entendessem os fatos históricos e também a
Durante a realização de aulas concomitante ao proposto para elaboração importância e impacto desses em suas vidas. Deveriam marcar nessa linha
da presente obra, Didática no Cárcere, algumas experimentações didáticas foram os acontecimentos pessoais que se sentissem a vontade para compartilhar
testadas no primeiro semestre do ano de 2018 com as alunas do Ensino com o coletivo e também apontar fatos marcantes da história que estivessem
Fundamental II – EJA e do Ensino Médio – EJA matriculadas do CPPF presentes na memória.
Butantã no CDP Pinheiros. Um desses conjuntos de aulas foi uma aula Ao longo das aulas esse se tornou nosso instrumento de trabalho,
contextualizando os Direitos Humanos, sondando qual o entendimento elas conforme os conteúdos eram vistos eles deveriam pontuar em suas linhas de
tinham a respeito de sua aplicabilidade no contexto prisional em que vivem. tempo, porém outras possibilidades de como utilizá-la surgiram ao decorrer
Motivadas para “Entender a Natureza para entender o ser humano e das aulas. Alguns tinham curiosidade em saber o que havia acontecido
seu mundo”, o tema Direitos Humanos foi explicado e entendido como numa determinada época que foi importante/marcante em sua vida e isso
extensão de regras, normas e leis naturais que organizam a Vida na Natureza possibilitou aprofundar bastante em alguns acontecimentos, como, por
nos aspectos da inteligência, da memória, da história, da linguagem e da exemplo, Estado Novo, Ditadura Militar, surgimento dos movimentos sociais,
comunicação, o que possibilitou às alunas compreenderem as relações entre desemprego e eleição de uma mulher para presidência do país. Conseguimos
as realidades que vivem com os dos demais seres vivos que habitam a terra. dessa forma, partindo da realidade do aluno, estudar conteúdos previstos
Ao comentarem sobre a possibilidade de expressarem as mazelas que no currículo e fazer um paralelo com os acontecimentos atuais do país, que
afligem a vida coletiva aos funcionários da corregedoria ou mesmo às poucas refletem diretamente na vida da população carcerária.
associações que adentram no espaço com esse objetivo, fica evidente o
receio de serem punidas posteriormente, mesmo quando há a garantia de

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

3. Relato de prática de Alfabetização provisórios, de alta rotatividade em sala de aula multisseriada e com poucos
Científica na área de Linguagens recursos didáticos pedagógicos. Levou-se em consideração também que
a escrita ainda é um recurso funcional para o preso, o seu principal meio
de comunicação com o mundo exterior, com a família, amigos, órgãos e
Na Didática do Cárcere temos insistido que a capacidade comunicacional
serviços de seu interesse como o sistema de Justiça e ouvidorias para o
é mais importante do que a competência gramatical. Parte significativa do
encaminhamento de queixas, denúncias e reclamações.
déficit de desenvolvimento que levou a pessoa à prisão se deve, fundamen-
O exercício com bilhetes direcionados a diferentes pessoas, contextos
talmente, à dificuldade de entendimento das regras de convivência social,
e situações pode evoluir para outras formas de comunicação escrita como
do conjunto de códigos, símbolos e valores que regem as relações humanas
cartas, currículo, relatos, poesias, contos etc.11
e sociais, à ausência de empatia para sentir o que o outro sente e à falta
de habilidade para resolver conflitos e superar dificuldades por meio do Ao final da experiência a Profª Marinilda relatou que:
raciocínio crítico, do diálogo e de forma pacífica.
Priorizar a capacidade comunicacional em detrimento da competência A construção do projeto Bilhete dentro do CDP II foi
gramatical significa entender que cada grupo, cada estratificação social possui vista como uma ótima estratégia de ensino, pois enfatizou
um conjunto de códigos, de símbolos e de valores que são suas referências diversos aspectos importantes não só para o ensino da língua
de organização, de pertencimento e de comunicação mesmo que seja não portuguesa, como também nas diversas áreas envolvidas, tais
quais: a emoção, a coordenação motora etc.. A mesma superou
verbal. O percurso que vai da favela para a rua, da rua para o abrigo, do
os objetivos almejados de professores e alunos, pois contribuiu
abrigo para a escola e desta para uma família adotiva, por exemplo, pres- para a apreensão dos conteúdos já mencionados, além de ajudar
supõe o domínio de pelo menos quatro conjuntos de códigos, símbolos na discussão da importância da comunicação. Outro aspecto
e valores cujo conhecimento e domínio são essenciais tanto para transitar bastante relevante observado no trabalho, foi o comprometi-
quanto para se sentir pertencente a estas esferas da vida. Neste percurso a mento por partes dos alunos, professor e CDP II.
pessoa vai passar por domínios sobre os quais ela não tem interesse porque
é percebida e tratada como mero objeto, logo, não há nem interesse nem 4. Relato de prática de Alfabetização
necessidade de se aprender e dominar o conjunto de códigos, símbolos e Científica em Ciências da Natureza
valores da burocracia que rege Conselho Tutelar, instituição de abrigos,
equipes técnicas, polícia ou Poder Judiciário. Mas se a pessoa for para uma
1. Os professores Clemilson, Rose Mary, Nilda, Geraldo e Elcio, que
unidade de internação da Fundação CASA aprender e dominar rapidamente
lecionam no CDP III Pinheiros (Centro de Detenção Provisória), que
os códigos, símbolos e valores que ali predominam, que regem as relações
tem como escola vinculadora a E. E. Romeu de Moraes, propuseram aos
e que determinam a posição no grupo social é questão de sobrevivência.
alunos de Ensino Médio a realização de uma atividade que denominaram
Isso nos leva a deduzir que a capacidade comunicacional deriva o grupo
Projeto Aquaponia. Com o auxílio dos monitores Rafael Tadeu Toledo e
social a que o indivíduo pertence ou de grupos nos quais ele queira se inserir
Allan Oliveira (reeducando), a equipe realizou estudos prévios da literatura
ou pertencer. A necessidade determina a aprendizagem.
Esse foi o que levou a Profª Marinilda a desenvolver o Projeto Bilhete 11. Neste momento estava ainda em fase inicial o projeto Cartas do Cárcere, que consiste
na análise de cerca de 15 mil cartas redigidas por presos e seus familiares à Ouvidoria do Departamento
para uma turma dos anos iniciais no CDP II de Pinheiros, local de presos Penitenciário Nacional, sob responsabilidade da equipe da Profª. Drª Thula Rafaela de Oliveira Pires, da
PUC/RJ.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

e da história juntamente com os alunos, para que compreendessem os


fenômenos que ocorrem na Aquaponia, bem como se dá a sua construção,
o que depois foi feito pela própria equipe.
2. O objetivo da proposta era levar os alunos à compreensão de alguns
fenômenos físicos, químicos e biológicos que são comuns em atividades
produtivas como piscicultura e hidroponia.
3. A partir desta ligação é possível formar dois produtos finais: peixes
e vegetais. Ela ocorre em processo sustentável, pois todos os recursos
utilizados são reaproveitados. Exemplo: garrafas pet são usadas para susten-
tação das plantas e exercem efeitos decorativos; restos de ração animal e
dejetos dos peixes são usados como fertilizantes; a água utilizada do tanque
dos peixes é a mesma utilizada para nutrir e regar as plantas. Até mesmo
a energia utilizada poderá ser ‘‘financiada’’ pela produção de pescados e
hortaliças. Isso tudo ocorre sem que haja nenhum impacto ao meio ambiente. Fernando, Prof. Clemilson, Dr. Ademar (CDP) e os reeducandos Allan e Rafael,
Segundo Vasconcellos (1997), a presença, em todas as práticas educativas, no Projeto Aquaponia, no CDP III de Pinheiros
da reflexão sobre as relações dos seres entre si, do ser humano com ele
mesmo e do ser humano com seus semelhantes é condição imprescindível MATERIAL E MÉTODOS: 
para que a Educação Ambiental ocorra. Dentre os resultados alcançados Os materiais utilizados na construção do sistema foram recuperados de
estão: a formação de cidadãos capazes de viver em equilíbrio com o Meio
descartes e reciclagens ou doados: caixa d’água de polietileno com capacidade
Ambiente, conscientes da importância da sustentabilidade; a maior apro-
para 500 litros, tubos de plástico utilizadas como canteiros e conexões: dois
ximação professor-aluno, aluno-escola, entre outros.
flanges de 3 polegada; um flange de 1 mm de diâmetro; canos com: 25, 50,
75 e 100 mm de diâmetro, argila expandida, bomba d’agua de vazão de no
máximo 1200L/hora aerador para tanques com capacidade superior a 400
litros, perlon para a filtragem mecânica, mudas de plantas, hortaliças, amen-
doim forrageiro para a ornamentação ao redor do lago, tilápias, ração para
peixes, mangueira, cola de silicone, medidor de pH, medidor de concentração
de amônia, alimentador automático para peixes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO: 
A Aquaponia se apresentou como uma inovadora metodologia no processo
de ensino - aprendizagem, pois com a construção do Sistema Aquapônico, os
alunos obtiveram melhor compreensão sobre os conteúdos de Física, Química
e Biologia que estão presentes em atividades produtivas como a importância

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

das bactérias para o meio orgânico, o ciclo do nitrogênio, pH, construção e A experiência mereceu diversas matérias e reportagens.
funcionamento do sifão etc. Além disso, ela propiciou uma maior integração
aluno-professor / aluno-escola; gerando um momento oportuno para discutir Vídeo no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=yumm7IxRyWQ
a importância da sustentabilidade. Contribuiu para ajudar na formação de Matéria no site da Secretaria Estadual de Educação:
http://www.educacao.sp.gov.br/fotos/3407/
cidadãos capazes de viver em equilíbrio com o Meio Ambiente.
Matéria no site da Secretaria da Administração Penitenciária:
http://www.sap.sp.gov.br/noticias/not816.html.
CONCLUSÕES: 
O professor Clemilson esclarece que o interesse dos alunos surgiu durante
aulas que abordavam o tema sustentabilidade, nas quais eles demonstravam
preocupações com a crise da água em São Paulo e a possibilidade de reuti-
5. Relato de Fabiana do Amaral Godioso e
lização da água. A proposta de construção do sistema aquapônico no CDP
Jaqueline Sadala Mendonça
III mostrou a todos que o exercício de responsabilidades sociais no enfren-
tamento e solução de problemas do cotidiano favorece o desenvolvimento
A disciplina foi bem diferente das outras que tivemos até agora. Foi
de habilidades e competências sociais importantes para o exercício da vida
importante no sentido de voltar nossa atenção para a questão do indivíduo e
em liberdade, além da Alfabetização científica e da sistematização de saberes
do educando, refletindo sobre a pedagogia e para quem se aplica, chegando,
com vistas à elevação de escolaridade e à qualificação para o trabalho.
dessa forma, às histórias de vida.
Foi uma disciplina na qual pudemos vivenciar coletivamente o trabalho
de pesquisa de uma história de vida e seus contextos históricos, assim como
experimentar o Genograma, a Linha de Tempo e outras ferramentas que
auxiliam o pedagogo em seu ofício. 
Os exemplos de Genograma que fizemos em aula auxiliaram a ter uma
visão da possibilidade de uso na pedagogia. De fato, conhecer o indivíduo
ajuda - e muito - o ensinar. A proposta feita pelo professor de estudar a
história de vida do Frei Carlos Josaphat, nos permitiu colocar em prática o
que vimos durante o curso. Produzimos uma linha do tempo individual da
vida do Frei que nos permitiu trabalhar com o campo das ciências humanas
envolvendo História, Filosofia, Sociologia e Geografia. Isso se deu na forma
de aprendizagem colaborativa, em que conseguimos trocar conhecimentos
e habilidades durante a produção.

Vista externa do Projeto Aquaponia no CDP III de Pinheiros

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

6. Relato de Gabriel Garcia Carvalho, Julia Marques, ficou responsável pela década de 1930, época em que o Frei entrou para o
Mariana Caló, Pillar Bellardi Costa, Tainá Mazzarello seminário com 12 anos de idade, e uma década com grandes acontecimentos
Gonçalves e Vitória Esperança Escribano Pereira políticos como a entrada de Getúlio Vargas no governo.

As aulas ministradas durante a disciplina foram essenciais para que nós 8. Relato de Eduarda Mayumi de Moura Yamanaka,
pudéssemos entender o funcionamento das pesquisas nacionais e também Natalia Gimenes Soares e Verônica Rodrigues Alves
para nos apresentar novos métodos de desenvolvê-las que fogem dos tradi-
cionais apresentados no âmbito acadêmico. Foi elucidante compreender a A disciplina de Pesquisa Educacional nos proporcionou grandes apren-
importância de histórias de vida como algo além do campo da socialização dizados. Ingressamos na matéria esperando que fôssemos estudar sobre
entre indivíduos, e ver como elas se mesclam e, além disso, fazem parte métodos de pesquisa científicos, estatística, normas ABNT e outras coisas
da história da humanidade. Acreditamos que sem as experiências vividas mais que estamos cansados de ver na graduação. Poder trabalhar com a
durante o curso não teríamos achado outro espaço na universidade que pesquisa de memória, a pesquisa a partir da pessoa, foi gostoso e inovador,
nos permitisse valorizar a vivência pessoal de cada indivíduo como parte visto que muitas vezes a experiência pessoal não é levada como fonte impor-
intrínseca e significativa da história. Em nosso ponto de vista, o conjunto tante. Ter a oportunidade de entrevistar o Frei Carlos Josaphat foi, com
pesquisa e aulas foi muito válido para a nossa experiência acadêmica, pois certeza, uma experiência única. Descobrir sobre a vida dele foi interessante,
nos proporcionou um contato próximo e prático na produção de pesquisa e perceber que uma pessoa viveu tantos momentos históricos importantes
de uma pessoa e sua história de vida. Entendemos que para podermos para o mundo e ainda está aqui para poder compartilhar sua visão conosco
investigar uma pessoa e sua obra, é necessário se aprofundar em diversos foi enriquecedor. A pesquisa de memória é, com certeza, algo que vamos
aspectos que contextualizam a vida desta pessoa, inclusive os acontecimentos levar para a nossa vida, e finalizamos o curso felizes com a oportunidade
do mundo e do país que ocorreram durante a vida do entrevistado. que tivemos de, junto à Universidade de São Paulo, podermos aprender
sobre um modo diferente de se fazer pesquisa.
7. Relato de Barbara Aline Silva dos Santos,
Fernanda Reis, Helena Guimarães, 9. Relato de Ione Messias e Ana Beatriz Prudente
Sara Viena Moreira e Yago Odilon Silva
Ao realizar as leituras e as pequenas atividades em sala de aula foi possível
Durante o semestre o professor Roberto Silva nos auxiliou na introdução esquematizar uma linha do tempo para o trabalho final. Por conta dessa
da pesquisa, nos indicando diversos tipos de metodologia e direcionando disciplina e do trabalho com o Genograma, pude dentro da escola onde
quais nichos são mais relevantes no levantamento de dados. A partir dessa atuo como professora de matemática, ampliar meus conhecimentos sobre
introdução o professor nos apresentou o projeto “Museu da Pessoa”, que o assunto através de uma proposta didática do Caderno do Aluno, volume
reúne diversas histórias pessoais de anônimos e famosos, e dessa forma nos 1 do 6° Ano do Ensino Fundamental.  Ainda dentro de sala aprendi a
permitiu iniciar uma pesquisa pessoal sobre Frei Carlos Josaphat. Para iniciar escrever e relacionar a história de vida do entrevistado, organizando-a por
a pesquisa, a sala foi dividida em grupos e cada grupo foi designado para décadas, além de mergulhar mais a fundo no trabalho realizado pelo Museu
abordar uma determinada época de sua vida privada e contexto histórico da Pessoa e estreitar laços com Lilian Contreira, profunda conhecedora da
do período a fim de estabelecer relações com a sua trajetória. Nosso grupo história de vida de Paulo Freire e do entrevistado.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

O trabalho em grupo consistiu em organizar e relacionar a história 10. Relato de Juliana Marques Bandechi, Millena
pessoal, a história nacional e a história universal dentro de uma década Miranda Franco, Paula Rabatone Oliveira,
escolhida. Nosso grupo optou em escolher a década de 60 a 70. Como não Stephanie Oliveira Silva e Thayane Miliano Silva
sou profunda conhecedora de fatos históricos, busquei apoio da internet e
de amigos historiadores para a organização cronológica do acontecimentos.
Esta disciplina foi de grande importância para a reconstrução de nossas
A entrevista com o Frei Carlos Josaphat foi um momento único, viver
concepções pedagógicas. Possibilitou enxergar a Pedagogia como uma ciência
de perto um bate papo que constrói uma história de vida. Por vezes durante
estritamente humana e, como nos ensinou o professor Roberto, essencial-
a entrevista lembrei de meus professores e principalmente de minha avó,
mente antropológica. Aprendemos que em termos de Pesquisa Educacional
(que se estivesse viva teria 98 anos) e também foi professora. Por vezes
os resultados da pesquisa devem, sobretudo, ter aplicação e funcionalidade
viajei na história dos livros através de Frei Carlos, por outros momentos,
efetiva na realidade educacional, que tenha serventia para a sociedade.
fui tomada pela emoção e a certeza de ter vivido um momento único na
Para que a pesquisa seja feita de forma qualitativa é preciso que nós
história do meu curso e da FEUSP.
professores (as) tenhamos uma análise crítica sobre os dados que buscamos.
Esta disciplina foi de fundamental importância na minha formação.
O ser humano se esquece das informações mas, o aprendizado nunca sai
Confesso que nunca na minha carreira como professora tive meu olhar
da memória e possibilita novas conexões para a apreensão de mais conhe-
voltado à história de vida das pessoas. Esse olhar pedagógico veio em um
cimentos, para isso aprendemos que a história humana deve ser valorizada,
momento de minha carreira no qual desenvolvo um trabalho em escolas da
como ferramenta fundamental que entenda desde sua gênese até a realidade
comunidade de Osasco. Impossível não voltar os olhos a este fato histórico
de cada indivíduo e da própria sociedade.
humano da vida do aluno. 
Para isso, entendemos que é importante na Metodologia Científica, o uso
Sobre Frei Carlos, ainda estou em êxtase. Foi uma entrevista histórica
dos cinco sentidos humanos. Ao aprimorar cada uma dessas especificidades
pedagógica e de alma. Algo para se levar para sempre. Pesquisar a biografia
na esfera micro, pode-se chegar ao macro. Da esfera micro, temos uma
do Frei me despertou interesse em conhecer seu trabalho na igreja e também
célula nos contando sobre a história da evolução das espécies (memória
de conhecer mais sobre a literatura vasta assinada por ele. 
celular) e da macro temos todo o complexo tecido social que está envolto
Eu entrei desmotivada na FEUSP vinda de um curso de exatas na qual os
por constantes inovações tecnológicas que potencializam ainda mais nossos
meus planos sobre educação eram de finalizar minha carreira o mais breve
cinco sentidos (visão, audição, tato, palato, olfato). Aprendemos a valorizar
possível. Confesso que por conta dessa vivência puder rever meus conceitos.
esses sentidos humanos enquanto ferramenta de pesquisa, que possibilita a
Obrigada por me proporcionar toda essa experiência de vida, experiência
união das informações e por meio dessa união o produto pedagógico mais
esta que dentro de uma classe de professores deve ser disseminada, visto
importante nasce, o aprendizado.
que pode ser algo motivador e esclarecedor, assim como foi para mim.
Depois que compreendemos a importância da Pesquisa Educacional,
vimos ferramentas imprescindíveis na coleta dos dados e os meios pelos
quais poderíamos esquematizar e conectar as informações para gerar conhe-
cimento. A partir dessa disciplina, pudemos ressignificar nossa relação com
os cinco sentidos em termos de pesquisa e do quanto fazem-se importantes
para o progresso humano. Para isso, recobramos a importância da linha do

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

tempo, do Genograma, do mapa conceitual que sistematizam os saberes, que representa a história viva. Com certeza uma experiência única e muito
são provenientes da alfabetização científica e dão acesso à história de vida. importante para nossa formação. Além de servir como conclusão desta
Por exemplo, a visão nos fornece informações eletromagnéticas e nos disciplina, de forma a causar-nos a reflexão sobre as aulas presenciadas e o
possibilita o processamento de dados que pendem para as artes pictóricas; conhecimento construído. Esse é realmente o sentido da Pedagogia: uma
a audição fornece informações sonoras que podem ir para a música; o tato pedagogia fractal, uma ciência que dispõe de tudo o que as potencialidades
capta informações cinestésicas, que têm a ver com a Inteligência corporal humanas têm a oferecer. Através das aulas desta disciplina, tais poten-
e se expressa por meio da dança, do atletismo e dos esportes; o palato e o cialidades foram aprimoradas e questionadas, de maneira a nos permitir
olfato captam informações químicas que constituem memórias gustativas comparar a complexidade da prática docente com o que se dá na natureza,
e olfativas importantes para as sensações de equilíbrio, harmonia e bem exemplificado na geometria dos fractais, na diversidade das tonalidades
estar, respectivamente. Estes sentidos são fundamentais, pois todos os seres (como os diferentes “verdes” em uma árvore), a proporção, a simetria,
humanos os possuem e é por meio deles que se faz observação, descrição, o equilíbrio, a harmonia, a beleza e a perfeição que podemos refletir no
comparação, análise e síntese em todas as áreas de conhecimento. desenvolvimento da educação.
Em sala de aula, nunca nos esqueceremos da frase que nos disse o
professor Roberto: “(...) a alfabetização científica parte do pressuposto de 11. Relato de Amanda Daher de Moura, Paulo
que para entender qualquer outra coisa é preciso entender os cinco sentidos Alexandre Goncalves da Silva, Sueli Teixeira da Silva
humanos”. Essa frase é impactante, pois os sentidos agem como portais e e Susana Caetano de Souza
portadores da história ao mudar nossa relação com o aprendizado, já que é
muito mais intenso o aprendizado que faça conexão de informações apreen- A proposta trazida pelo Professor Roberto da Silva - e que ganhou
didas por mais de um sentido do que aquilo que permanece a flutuar como forma ao longo do semestre na disciplina “Pesquisa Educacional” - pode
informação, fora da realidade. Também, tivemos acesso a importância da ser considerada inovadora no ambiente da FEUSP. Em geral, a pesquisa
história individual como um recorte da história da humanidade, sobretudo, acadêmica nos cursos de graduação costuma limitar-se à revisão biblio-
no conhecimento do Museu da Pessoa. Esse espaço, se ocupa do resgate da gráfica do tema escolhido, seguida de uma reflexão que tenta associar os
história individual, objetivando a recriação de um mundo de seres humanos conteúdos abordados em sala de aula a alguma questão de interesse do
únicos, com histórias individuais. Nós tivemos o privilégio de fazer o mesmo graduando, com pouca utilidade prática para o estudante, para a FEUSP
na prática, tentando reconstruir nossa árvore genealógica por meio do ou para a comunidade.
Genograma, esquematizando nosso aprendizado na disciplina em mapas Nesta edição da disciplina, contudo, além de trazer orientações para a
conceituais (aprendemos fazer uso dessa ferramenta) e construindo uma pesquisa acadêmica, o professor Roberto nos apresentou ferramentas de
linha do tempo sobre a vida do Frei Josapha, o que nos permitiu acesso à pesquisa que nos permitem (e/ou permitirão) trabalhar com pessoas e
sua história e nos guiou para uma entrevista qualitativa que valorizou sua suas interrelações (nos âmbitos pessoal, local, regional, nacional, mundial
história individual e que foi distinta de todas as outras que já lhes foram e universal). Utilizar o universo, a natureza e corpo humano (com seus
feitas, com perguntas diferentes. órgãos dos sentidos) como Matrizes de Aprendizagem é um grande desafio.
A entrevista com o Frei Josaphat foi um momento inesquecível. Todavia, em situações de limitação da liberdade ou de extrema pobreza,
Identificamo-nos com a história dele, fato que também contava muito sobre pode ser uma das poucas ferramentas à disposição do professor. Saber que a
algumas de nós. Com esse momento pudemos ter contato com uma pessoa obra “Didática no Cárcere” está sendo testada por professores em unidades

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prisionais vizinhas à Cidade Universitária e conhecer a metodologia durante REFERÊNCIAS


nossas aulas foi enriquecedor.
O Genograma pareceu-nos uma ferramenta muito adequada para tomar
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Resolução CNE/CEB Nº 3,
contato com a história de vida dos educandos e a partir daí traçar planos de
de 13 de maio de 2016. Define Diretrizes Nacionais para o atendimento escolar
aprendizagem mais significativos para quem ensina e para quem aprende.
de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas.
Conhecer o Museu da Pessoa para além das histórias de vida que se encon-
tram no portal foi uma oportunidade ímpar. Não imaginávamos que esta
FEITOSA, Sonia Couto. O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive
metodologia pudesse extrapolar o ambiente do museu ou da contação de
no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prossegui-
histórias para tornar-se uma matriz de aprendizagem.
mento ou conclusão de estudos. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da
A entrevista com o Frei Carlos Josaphat confirmou a eficácia do método
Universidade de São Paulo. São Paulo: FEUSP, 2012.
e superou nossas expectativas. Demonstrou que o processo humano de
construção do conhecimento se inicia com a apreensão da informação
FERRIER, James Frederick. Institutes of Metaphysic: the Theory of Knowing and
do meio pelos órgãos dos sentidos, seguida do armazenamento e proces-
Being. Toronto: Emonds & Remnants, 1854.
samento no cérebro (por meio das diversas memórias associadas àqueles
órgãos) e, a partir daí, diversas ligações entre as memórias são responsáveis
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa.
pelo processo de formação do conhecimento, sempre vivo e em evolução,
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
a cada evocação.
O trabalho colaborativo na pesquisa de datas e fatos da história nacional
GARDNER, Howard. Inteligencias - Múltiplas Perspectivas. 1995. Porto Alegre:
e mundial uniu o grupo em torno de um propósito comum. Fomos respon-
Artmed, 1995.
sáveis pela pesquisa da década de 1970 e pudemos revisitar memórias de
nosso próprio percurso de aprendizagem. Tentamos imaginar como seriam
HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa. Vol. II. Trad. de Manuel
as respostas do frei dominicano às questões formuladas por nós e pelos
Jimenez Redondo. Madrid: Taurus, 1987.
colegas responsáveis por outras décadas, mas as histórias de vida do quase
centenário estudioso da natureza humana superaram todas as expectativas.
HUSSERL. E. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental: uma
Saímos da entrevista embevecidos com tanta lucidez e sabedoria vindos de
introdução à filosofia fenomenológica. Tradução de Diogo Falcão Ferrer. Rio
uma pessoa tão culta e, ao mesmo tempo, tão simples no trato com o Outro.
de Janeiro: Forense Universitária, 2012. (Originalmente publicado em 1936).
Concluímos este relato com a certeza de que a experiência que vivemos
deve ser repetida em outras edições da disciplina Pesquisa Educacional,
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Catálogo Nacional de Cursos Técnicos.
quiçá com os resultados positivos das práticas pedagógicas dos professores
Ministério da Educação. Brasília, DF, 2016.
que estão colocando o método à prova nas unidades prisionais vizinhas
à Cidade Universitária. Parabenizamos o Professor Roberto da Silva pela
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO: Bases Nacionais Comuns Curriculares.
iniciativa pioneira
Ministério da Educação. Brasília, DF, 2018.

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Classificação Brasileira de ANEXO I


Ocupações. Ministério do Trabalho. Brasília, DF, 2002.
Relação de participantes
QUIROGA, Ana P. de. Matrices de aprendizaje: constitución del sujeto en el proceso Relação dos participantes do Curso Docência
de conocimiento. Buenos Aires: Ediciones Cinco, 2003. 95 p. Apuntes. ISBN em Regimes de Privação da Liberdade – 05.08 a
9789509693265. 18.12.2017/Faculdade de Educação da USP
SIMONDON, G. Du mode d’existence des objets techniques. Paris: Aubier- Alessandro Muniz - Alex Giostri - Ana Carolina Colnago Roco de
Montaigne, 1969. Azevedo - Ana Lucia Frezzatti - Ana Paula Barbim Taricio - Ananda Ananias
Felisberto - Anderson Soares de Souza - Andrea Silva de Souza - Arlete
STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (Orgs.).  Dicionário Paulo Pinna - Bruna Laila Ferreira Favero - Bruno César de Sá Fausto - Bruno
Freire. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. 439 p. Vinicius Barbosa - Camila aparecida Silva - Carolina Souza Lacerda - Celia
Maria Dias - Claudemir Euzébio de Oliveira - Claudia Menoita Ribeiro Velho
VESALIUS, Andreas. De humani corporis fabrica libri septem. Basileae [Basiléia]: - Claudineia Soares de Oliveira Nicolau - Clayton Lima da Silva - Clemilson
Joannis Oporini, 1543. Marques Pedrosa - Cristina Harrott - Davi Alves da Silva - Debora Cabrera
- Edson dos Santos Henrique - Elcio Elias Martins - Eliana Ferreira Costa
VYGOTSKY, Lev. S. A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Paixão - Elisangela Cristina Siqueira de Melo - Elisangela Cristina Vanicoli
Processos Psicológicos Superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1984. Rocha - Fátima Aparecida Vasconcelos Mariano - Fernanda Aparecida dos
Santos - Francine dos Santos Aguiar - Francisca Cardoso Araújo - Geraldo
Fernandes Pessoa - Giane Alves da Cruz - Gisela Colaço Geraldi - Hector
Rafael dos Santos - Jackson Lopes Magalhães - Jaíra Miranda do Monte -
Jane Oliveira Santos - Jean Carlos de Oliveira - Jéssica Madalena Cardoso
- Judival Costa de Sena - Juliana Ferreira - Karina de Cassia Rizzi - Leandro
Andretta Campos - Leny Vicencia Grigorio - Luiz Claudio Oliveira - Luiz
Takao Sato - Marcelo dos Santos Nery - Marcelo Henrique da Silva Scaraboto
- Maria Aparecida Maiolini Mizael - Maria Cleide dos Santos Oliveira - Maria
Luiza Gutierrez de Camargo - Maria Verônica Barros - Marinésia Gama da
Silva - Marinilda Aparecida Sanches Gardiano - Mateus Moisés Gonçalves
Pereira – Matheus de Oliveira Arouca - Mauricio Cavalcante Pinho - Mayra
Cruz Domingues - Mirian Cristina Lozano - Patrick Renan Mariano - Paula
Martins Chueri - Paula Rossi de Souza - Pillar Bellardi Costa - Regina Maria
de Oliveira Freitas - Ricardo da Silva Soares - Rita de Cassia dos Santos Sena
- Rivaldo dos Santos - Rodrigo Vieira Ruivo - Rose Mary Messias - Samuel
Feitosa Vanique - Selma Regina Olla Paes de Almeida - Suzanne Rose de

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DIDÁTICA NO CÁRCERE II DIDÁTICA NO CÁRCERE II

Biagi - Tânia Fetchir - Tatiana Pereira Lima - Thais Barbosa Passos - Thais De acordo,
Bartijoto de Oliveira - Therezinha de Jesus Moraes Limongelli - Tiago Oneida Toniol Fioriti
Alves Pereira - Valter Ferreira de Melo - Vania de Oliveira Gonzalez - Vilma Dirigente Regional de Ensino
Pereira Nunes de Araujo - Walter Soares de Souza - Wellington Henrique
Rodrigues - William Vinicius Pinto.

ANEXO II
Convocações para formação

E-mail nº 203/2018

Assunto: Convocação Orientação Técnica “Didática no cárcere – Entender


a natureza para entender o ser humano e seu mundo”.

São Paulo, 05 de junho de 2018.

Sr. Diretor,
Convocamos nos termos do inciso I, do artigo 7°, da Resolução SE
nº 61/2012, os professores coordenadores e professores do CDP II e III
(EE Romeu de Moraes) e do CPP Butantã (EE Lourival Gomes Machado)
pertencentes a Diretoria de Ensino Centro-Oeste.
Data: 15 de junho de 2018
Horário: 13h
Local: Diretoria de Ensino Centro-Oeste
Endereço: Avenida Rio Branco, 1260 - Campos Elíseos

Responsável pela informação:

Fernando Cruz Lopes


Analista Sociocultural
Núcleo Pedagógico

Marineila Marques
Supervisora de Ensino

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ANEXO III
Autorização Secretaria da
Administração Penitenciária

https://correio.usp.br/service/home/~/Autoriza%C3%A7%C3%A3o%20SAP.
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