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30/08/2021 A catequese numa cultura poliédrica - CNBB

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A CATEQUESE NUMA CULTURA POLIÉDRICA


DOM VICENTE FERREIRA 18/08/2021 ARTIGO

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Dom Vicente Ferreira


Bispo Auxiliar de Belo Horizonte (MG)

Papa Francisco, na Fratelli Tutti, escolheu a figura do poliedro para nomear a nossa cultura global. Imagem
formada por faces diferentes que se complementam. “O poliedro representa uma sociedade onde as
diferenças convivem, integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso
envolva discussões e desconfianças” (FT, n. 215). Vivemos numa globalização plural, com suas belezas e
contradições. Se a pandemia da covid-19 mostrou muitos desses valores, como a solidariedade, ela
também trouxe à tona chagas socioambientais. Desse modo, afirma o Diretório para a Catequese: “a face
multiforme da realidade, marcada por elementos ambivalentes de pluralismo religioso e cultural é, em
última análise, visível em cada pessoa, cuja fisionomia interior é hoje particularmente dinâmica, complexa
e poliédrica” (DC, n. 325).

E qual a missão da Igreja diante dessa polissemia cultural? Anunciar o Reino de Deus, seguindo Jesus
Cristo. Portanto, tudo o que se passa com a sociedade e com o meio ambiente diz respeito à nossa missão
cristã. Assim “a catequese participa do desafio eclesial de se opor a processos centrados na injustiça, na
exclusão dos pobres, na primazia do dinheiro, de modo a, antes, tornar-se sinal profético de promoção de
vida plena para todos” (DC, n. 319). A iniciação cristã deve contribuir para a superação de um desafio muito
perigoso que é a esquizofrenia entre fé e vida, entre culto e compromisso socioambiental. O problema não
está na diversidade, mas na indiferença ou da conivência cristã com as violações à vida humana e ao meio
ambiente.

Essa polissemia de sentidos torna-se, cada vez mais explicitada, no contexto de nossas cidades. São
realidades sociais e ambientais diversas que se cruzam em cenários complexos, com belezas e problemas.
Assim, todo cristão é chamado “a reconhecer a cidade a partir de um olhar contemplativo, isto é, um olhar
de fé que descubra Deus, que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças” (DC, n. 71). Sendo,
sobretudo, uma voz profética diante de suas contradições, em favor das realidades mais vulneráveis. Para
isso, a Paróquia, sendo uma rede de comunidades, deve auxiliar as pessoas, através da catequese, a viver
uma proximidade fraterna que as conduzirão na busca de um sentido para a vida, através da fé cristã.
Apesar da predominância urbana, o contexto rural é ainda muito presente. Ambiente propício para
trabalhar a simplicidade de vida, os ciclos da natureza e o cuidado para com toda a criação. “Essa é a
mensagem de fé que a catequese ajuda a descobrir, mostrando sua realização no ritmo cíclico do ano
litúrgico e nos elementos naturais assumidos pela liturgia” (DC, n. 330).

Em muitos casos, a cultura global agride as culturas locais e tradicionais em nome dos princípios
capitalistas neoliberais. A Evangelização, atenta aos valores de cada povo, deve promover a dignidade das
tradições, de cada comunidade. É necessário reconhecer as sementes do Verbo, os sinais do Reino,

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lembrando que nenhuma configuração cultural esgota a plenitude do Evangelho de Jesus. Em muitos
locais, há presença das comunidades quilombolas e indígenas, por exemplo. “Ser catequista para os povos
indígenas requer um humilde esvaziamento de atitudes de orgulho e desprezo para com aqueles que
pertencem a uma cultura diferente” (DC, n. 334). A mesma postura deve acontecer em relação à piedade
popular, para que haja uma verdadeira evangelização. As peregrinações aos santuários revelam como a
devoção de nosso povo deve ser acompanhada com toda atenção.

Em relação às diferentes denominações cristãs e outras religiões, a catequese é chamada a reforçar uma
atitude dialogal e fraterna. Fratelli Tutti reconhece, explicitamente, que um dos pontos fundamentais para
a construção da paz mundial é “a liberdade religiosa para os crentes de todas as religiões” (FT, n. 279). De
modo particular, deve-se combater a violência que se expressa em inúmeros preconceitos. “Como crentes,
somos desafiados a retornar às nossas fontes para nos concentrarmos no essencial: a adoração de Deus e o
amor ao próximo, para que alguns aspetos da nossa doutrina, fora do seu contexto, não acabem por
alimentar formas de desprezo, ódio, xenofobia, negação do outro” (FT, n. 282).

A mútua colaboração entre fé e ciência é elemento importante no aprofundamento das questões mais
complexas do ser humano e da natureza. O distanciamento ou a disputa entre ambas pode causar danos
para o progresso da família humana e para o meio ambiente. Sabemos da relevância da tecnologia em
nossos tempos. Seria impensável desconsiderar os ganhos, as evoluções, que a ciência e a técnica
trouxeram para a humanidade. No entanto, reconhecemos também que muitos desses ganhos está a
serviço de uma minoria. E não a serviço de tantas classes de pessoas vulneráveis e do meio ambiente. E
que muitas feridas socioambientais são causadas, justamente, pelo uso impróprio da técnica e da ciência
como instrumentos que favorecem quem pauta a vida pelo dinheiro.

A cultura digital deve ser tratada também com particular atenção pela catequese, devido, sobretudo, às
transformações antropológicas que ela tem causado. Já convivemos com os chamados “nativos digitais”,
enquanto muitos ainda não têm acesso ao mundo virtual. Ela está, aceleradamente, trazendo mudanças
inimagináveis. Seus ganhos são indiscutíveis. Há maior interação entre os povos, mais acessos às
informações etc. Mas, o perigo é grande quando essas plataformas são manipuladas por pessoas e grupos
com interesses que ferem a dignidade humana e o planeta. Fratelli Tutti fala da ilusão da comunicação ao
mencionar problemas como a agressividade despudorada e informações sem sabedoria (Cfr. FT, n. 42-50).

Este aspecto digital de nossa Era pesa sobretudo sobre o futuro das novas gerações. Elas se constroem
tendo como referências conteúdos, relações, interações virtuais. Nesse ponto, a catequese deve exercer um
papel fundamental no acompanhamento das crianças, dos adolescentes e dos jovens em sua inserção na
comunidade dos discípulos e missionários de Jesus. De modo que, “essa jornada exige passar da solidão,
nutrida pelos likes, para a realização de projetos pessoais e sociais a serem realizados em comunidade” (DC,
n. 370).

Outro ponto complexo e que exige um saudável enfretamento por parte da catequese são os temas que
dizem respeito a bioética. O diálogo da fé com a ciência deve ser contínuo de modo especial quando se
trata de biotecnologia. A grande e rica tradição do magistério da Igreja, atenta a realidade, deve traduzir-se
em compromisso ético com a vida humana e com toda a criação. Para o anúncio da fé, importa
experimentar que “Deus é a referência inicial e final da vida, desde sua concepção até a morte natural; a
pessoa é sempre uma unidade de espírito e corpo; a ciência está a serviço da pessoa; a vida deve ser
acolhida em todas as condições, porque é redimida pelo mistério pascal de Jesus Cristo” (DC, n. 378).

Outro aspecto que mostra nossa cultura ainda mais poliédrica é a questão ecológica. Atravessamos uma
aguda crise socioambiental. E isso exige de nós uma conversão ecológica que significa superar a visão que
temos de que o ser humano está separado das outras criaturas. Tudo está interligado na Casa Comum. E
essa mentalidade não pode estar nos processos catequéticos apenas como um ponto secundário. Por isso,
a catequese ajudará “os fiéis a se conscientizarem de que o compromisso com a questão ecológica é parte
integrante da vida cristã” (DC, n. 384). É impossível escutar, hoje, o grito dos pobres sem ouvir os gemidos
da criação (Cfr. Rm 8, 22).

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Por fim, uma boa catequese leva o fiel a um encontro maduro com o mistério de Jesus Cristo que o torna
uma pessoa nova, inserida numa comunidade amorosa. Alguém que, em comunhão com o mestre, vive sua
vocação cristã de forma transformadora da realidade. É falho um caminho catequético que não conduz as
pessoas a um engajamento socioambiental, como nos pede a Doutrina Social da Igreja. Quanto mais
maduro um cristão, mais comprometido com o Reino de Deus, que é Reino dos irmãos e irmãs, que cuidam
da Casa Comum.

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1ª Leitura - 1Ts 4,13-18


Salmo - Sl 95,1.3. 4-5. 11-12. 13 (R. 13b)
Evangelho - Lc 4,16-30

Movimento Geração 68 Sempre


entrega Carta Aberta à CNBB na
qual expressa preocupações quanto
à Democracia no Brasil
Também receberam a carta, a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) e a Associação
Brasileira de Imprensa (ABI). De acordo o
movimento, trata-se de uma iniciativa que busca
estreitar o diálogo com três das organizações
mais comprometidas com as lutas democráticas
no Brasil

CNBB abre o Mês da Bíblia na


próxima quarta-feira com missa,
leitura orante e mesa redonda na
programação
Neste ano em que se celebra os 50 anos (1971-
2021) da dedicação de setembro como o Mês da
Bíblia na Igreja no Brasil, a CNBB propõe o
aprofundamento da Carta de São Paulo aos
Gálatas e o lema “Pois todos vós sois UM só em
Cristo Jesus”. A missa de abertura será
transmitida para todo o Brasil direto do
Santuário de Nossa Senhora da Piedade, em
Caeté (MG)

Pastoral Carcerária Nacional lança


relatório “Por um mundo sem
cárceres: A urgência do
desencarceramento”, nesta terça-
feira (31)
O documento traz nove artigos assinados por
organizações e intelectuais que abordam os
aspectos raciais, morais e políticos que envolvem
o encarceramento, e como a prisão é usada como
um instrumento de tortura e repressão pelo
Estado. O objetivo é trazer para o centro do
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debate social a abolição do cárcere e de toda
violência que ele produz e sustenta, para que
possamos fazer uma disputa de narrativa contra
a justiça vingativa e punitivista que domina os
meios de comunicação

Angelus do Papa: “É tempo de


purificar. Se olharmos dentro de
nós, encontraremos quase tudo
aquilo que detestamos fora.”
“Que Maria, então, purifique nosso coração,
superando o vício de culpar os outros e de
reclamar de tudo. Há um modo infalível para
vencer o mal: começar a derrotá-lo dentro de
nós.” Assim o Papa Francisco comenta o
Evangelho deste domingo, 22º do Tempo
Comum.

Seminário Nacional da Campanha da


Fraternidade 2022 será realizado de
1º a 3 de setembro de forma aberta
De acordo com o secretário-executivo de
Campanhas da CNBB, padre Patriky Samuel
Batista, o público-alvo desta formação são os
agentes que têm atribuições de dinamizar a CF
nas comunidades, dioceses e regionais da CNBB,
bem como todo o povo de Deus que se interessa
pela temática da educação e da campanha

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DESTAQUE ESPECIAL, Especial

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redonda na programação
Animação Bíblico-Catequética, DESTAQUE ESPECIAL

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