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“QUANTO VALE O SAL DAS NOSSAS LÁGRIMAS?


UMA ESCULTURA EM HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS DO CRIME
AMBIENTAL DA BRASKEM EM MACEIÓ/AL.

BARROS, Paulo

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU/UFAL, Curso de Design,


pauloacciolyk@gmail.com

RESUMO
Este artigo tem como objetivo contextualizar e explicar o desenvolvimento de um protótipo
de objeto escultórico em homenagem às vítimas do crime ambiental provocado pela
Braskem no bairro do Pinheiro, dentro outros de Maceió, atividade das matérias linguagem e
expressão plástica e percepção da forma, do primeiro semestre do curso de design da
Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design - FAUD/UFAL.
Palavras-chave: Escultura, Pinheiro, Braskem, Crime ambiental

1 INTRODUÇÃO
Maceió, capital de Alagoas, é conhecida nacionalmente por suas belezas naturais.
Segundo Leite (2022), a cidade foi o segundo destino mais procurado do país nas
férias de verão de 2022. Acontece que a natureza da capital não chamou atenção
apenas dos turistas por suas paisagens, mas também da mineração, que explora
seu subsolo e não é de hoje.

O complexo minero-industrial existe desde 1970; antes


como Salgema Indústrias Químicas S.A., até 1995,
quando muda a administração que rebatizou a empresa
como Trikem; e, depois, a partir de 2002, quando passa a
se chamar Braskem, ap.s a fusão da Trikem com outras
empresas do setor. (Mansur, 2023)

A BRASKEM, desde 1970, explora a sal-gema, matéria prima do PVC, do subsolo dos
bairros Mutange, Bom Parto, Bebedouro, Pinheiro e parte do Farol, como é possível
ver no mapa da Figura 1. As sucções deste material sem devido preenchimento dos
volumes explorados “produziram cavernas sinistras e desestabilizaram o subsolo
desses bairros.” (Levino, 2023). Como resultado, e segundo a própria Braskem
(2023a), mais de 14500 propriedades foram identificadas como alocadas em áreas
afetadas, obrigando a saída de mais de 60 mil pessoas de suas casas. O projeto em
questão visa desenvolver uma escultura urbana em homenagem às vítimas deste
crime ambiental, colocando metaforicamente essas pessoas de volta ao lugar de
onde nunca deveriam ter saído. O Artigo explora as referências, processos e
discussões no desenvolvimento do protótipo da obra.

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Figura 1: Mapa das áreas de resguardo, desocupação e monitoramento

Fonte: Braskem (2023b)

2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Manifestações artísticas nos bairros atingidos
Existem, desde o início das desapropriações, diversos movimentos artísticos coletivos
e individuais para denunciar “o maior crime socioambiental urbano em curso no
planeta” (Mansur, 2023). Entendendo o artivismo como projeto onde “o âmbito de
ação parte do individual, passa pelo coletivo [...] Esta prática desloca o cenário da
arte e da política para o espaço público.” (Chaia, 2007), fica evidente que a
escultura, assim como os projetos que serão citados, não só são fontes de
inspiração, mas se conectam . Destacam-se três projetos que obtiveram sucesso em
alcançar públicos para além de Maceió. O primeiro se chama “Histórias do
subsolo”, um documentário da produtora audiovisual alagoana Caranto, sob o
comando de Octávio Lemos.
Esse documentário interativo oferece um ambiente
virtual onde se encontram organizados conteúdos
multimídia (textos, vídeos, áudios, imagens, documentos
e links externos) compilando a história e os documentos
relativos ao Caso Pinheiro/Braskem até o ano de 2022.
(Lemos, 2023)
Como é possível ver na figura 2, o projeto permite que o usuário explore da forma
que bem entender a história, os documentos e entrevistas.
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Figura 2 - Página “O coração da cidade” do projeto Histórias do Subsolo

Fonte: Autor (2023)

O segundo projeto se chama “A gente foi feliz aqui” de Paulo Accioly. Uma série de
intervenções urbanas no formato lambe-lambe, onde moradores foram
fotografados e colados em tamanho real no muro das suas casas, já abandonadas.
A figura 3 é uma das fotos do projeto, de um menino que brinca na sua bicicleta,
colado nos escombros de seu antigo lar. Além da intervenção, o projeto coletou
depoimento das vítimas e publicou tudo isso nas redes sociais.

Figura 3 - Foto do projeto “A gente foi feliz aqui”

Fonte: A gente foi feliz aqui (2020)


Por fim, o terceiro projeto a ser citado é o “Ruptura”. Formado por um coletivo de
artistas, desenvolvem exposições fotográficas e uma página no instagram
(@projetoruptura_, como é possível ver na figura 4) sobre as consequências do
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crime ambiental: ruas abandonadas, quarteirões isolados com tapumes, escombros


de antigos lares, frases escritas nas paredes pelos próprios moradores.

Figura 4 - Página no instagram do projeto “Ruptura”

Fonte: Autor (2023)

2.2 Intervenções gigantes do artista JR


JR é o pseudônimo do artista visual francês cujo nome é desconhecido. Se auto
intitula artista até encontrar um emprego de verdade e desenvolve projetos de
lambe lambe em grande formato por todo o planeta. Seu trabalho possui
características que inspiram o objeto escultórico: é artivista, como explicado acima
no texto e utiliza da impressão de fotos em grande formato utilizando a técnica da
retícula - transformação de imagens em círculos pretos e brancos que dão a
impressão de luz e sombra vistos de uma certa distância. Um de seus projetos fala
sobre as crianças em países em situação de guerra, como visto na figura 5, onde
fotos gigantes de crianças são impressas e “desfilam”, a fim de chamar a atenção
das pessoas, por diversos países do mundo.
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Figura 5 - Obra do artista JR sobre crianças na guerra da Ucrânia.

Fonte: JR (2022)

As referências supracitadas possuem características que foram importantes na


concepção da obra escultórica. O Artivismo é o primeiro ponto chave, já que a
escultura pretende aportar mais força numa luta coletiva que já existe. Além disso, a
técnica de uso de imagens vista nos projetos “A gente foi feliz aqui” e na obra do JR
- reticulagem e gigantização - são base para uma obra nas proporções propostas.

3 MÉTODO
3.1 Planejamento da obra
O planejamento inicia com as decisões sobre tamanho e escala da obra. Pensando
na visualidade de uma escultura a ser colocada na cidade, decidiu-se que ela teria
3 metros de altura e o protótipo seria construído numa escala de 1/20. Além disso,
decidiu-se que ela seria - hipoteticamente - construída e alocada na Praça Arnon
de Mello, no bairro do Pinheiro, um dos mais atingidos pelo crime ambiental. Este
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era um espaço público que fazia jus ao nome: foi lugar de encontro e ensaio de
grupos populares, foi cenário de encontros amorosos de apaixonados que
moravam por perto, foi parquinho pra criança brincar, foi passeio pros idosos e seus
animais de estimação Com essas informações, desenhou-se então os primeiros
rascunhos como mostrado na figura 6.

Figuras 6 - Primeiros rascunhos

Fonte: Autor (2023)

É a partir desses rascunhos que começa a se imaginar quais seriam os materiais


usados numa eventual escultura em tamanho real e, principalmente, começou-se a
calcular os tamanhos dos elementos do protótipo e, com essa informação, a se
pensar nos materiais utilizados nele. O objeto real seria um grande cilindro de vidro,
material frágil, completamente rachado - não por fissuras - por lágrimas de sal que
saem dos grandes olhos dos moradores que estão presentes através da técnica do
lambe lambe e percorrem o cilindro. Toda essa estrutura é cercada por uma
parede de tijolos inspirada “numa casa qualquer” do bairro. As lágrimas que caem
são salgadas e depositam esse sal, que se acumula até o ponto de afogar.
“Quanto vale o sal das nossas lágrimas” interroga qual o valor da dor dessas pessoas
que foram expulsas de seus lares. Com certeza esse sal vale menos que o da
sal-gema.
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3.2 Materiais utilizados


Os materiais utilizados para confecção do protótipo foram escolhidos muito em
função da escala desejada. A atividade obrigava o uso de papel paraná ou
papelão, o primeiro foi usado na base da escultura (fazendo a vez da parede de
tijolos da obra real) e também para a base das colagens dos olhos (dessa vez
representando estruturas de compensado naval). Para o que seria o cilindro de
vidro foi usado um copo de acrílico transparente com exatos 15 cm de altura - que
representam os 3m desejados na escala escolhida - com cola quente “suja” de
areia para representar as lágrimas (figura 7).

Figura 7 - Base de papel paraná e copo de acrílico com cola quente

Fonte: Autor (2023)

Os olhos foram impressos em papel offset 75g, usando a técnica de reticulagem


clássica das intervenções do artista JR e do projeto “A gente foi feliz aqui”. Para a
pintura foram usados produtos alternativos: cola branca, páprica, massa corrida e
violeta genciano. (figura 8)
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Figura 8 - Impressão em retícula e tintas alternativas aplicadas

Fonte: Autor (2023)

3.3 Etapas da construção


Com a definição dos tamanhos e materiais, o protótipo se desenvolveu,
inicialmente construindo os elementos individuais: base, olhos, copo, tintas, seguido
da junção deles. Foram utilizadas cola quente e cola super bonder para a fixação
segura de todas as peças. Por fim, foi utilizado sal de cozinha como arremate da
proposta/conceito.

Figura 9 - Detalhe das peças unidas

Fonte: Autor (2023)


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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Seguindo as etapas de pesquisa, conceituação e desenvolvimento, foi possível
construir - com êxito - o protótipo imaginado. Com 10cm x 10cm x 15cm, o protótipo
representa, numa escala 1/20, o objeto escultórico (figura 10). É possível ver a
comparação da escultura com a figura humana na figura 11. O projeto se utiliza
das referências do artista JR e da força e abordagem dos projetos que tratam do
mesmo crime. Tudo isso é visível nos elementos utilizados: técnica de colagem,
fotografia, discurso.

Figura 10 - Obra finalizada

Fonte: Autor (2023)

Figura 11 - Comparação da obra com figura humana

Fonte: Autor (2023)


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Como dito, e por fim, a obra seria colocada na Praça Arnon de Mello, no bairro do
Pinheiro, e uma perspectiva dessa aplicação pode ser vista na figura 12.

Figura 12 - Simulação da escultura na Praça Arnon de Mello

Fonte: Autor (2023)

5 CONCLUSÕES
A obra, se instalada, traria de volta os olhos dos moradores que já não podem mais
estar em suas casas. Esses olhos assistiriam as consequências do crime, da ganância
e veriam em primeira mão em que o bairro se tornará. Aplicá-la na Praça Arnon de
Mello é proposital, um marco do que um dia foi um espaço de lazer, de encontro.
Sobre o processo, conseguir desenvolver uma pintura que simulasse o tijolo foi um
desafio superado de forma criativa com o uso da páprica e da cola branca. Um
outro, desta vez sem um resultado tão satisfatório, foi a cola quente para
representar as lágrimas. O efeito visual ficou aquém do desejado para o impacto
esperado.
Desenvolver esse objeto reacendeu a vontade de trabalhar o tema de forma real.
Não no sentido de retomar projetos passados, mas de entender a situação hoje e
intervir nessa realidade.
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REFERÊNCIAS
A gente foi feliz aqui. Pinheiro, 2020. Disponível em:
http://www.instagram.com/agentefoifelizaqui. Acessado em 19 set. 2023.

BRASKEM. Programa de Compensação Financeira e Apoio a


Realocação. 2023a. Disponível em: https://www.braskem.com/balancopcf. Acesso
em: 17 set. 2023.

BRASKEM. Mapa da área de desocupação. 2023b. Disponível em:


https://www.braskem.com.br/mapa-da-area-de-desocupacao. Acesso em: 19 set.
2023.

CHAIA, Miguel. Artivismo – Política e Arte Hoje. Revista Aurora,São Paulo, São Paulo,
primeira edição, p. 11, 2007. Disponível em
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&ua
ct=8&ved=2ahUKEwiI2sHGobKBAxWQIrkGHWi2DjcQFnoECBkQAQ&url=https%3A%2F%
2Frevistas.pucsp.br%2Findex.php%2Faurora%2Farticle%2FviewFile%2F6335%2F4643&us
g=AOvVaw2Eop266SvoMD1u-Cogr3yz&opi=89978449. Acesso em: 17 set. 2023.

LEITE, Cláudia. Maceió é o destino do Nordeste mais procurado para férias de verão
em 2023. Prefeitura de Maceió, Maceió, 12 de dezembro de 2022. SEMTUR.
Disponível em:
https://maceio.al.gov.br/noticias/semtur-2/maceio-e-o-destino-do-nordeste-mais-pr
ocurado-para-ferias-de-verao-em-2023. Acesso em: 17 set. 2023.

LEMOS, Octávio. Histórias do Subsolo. Maceió, 2023 Disponível em:


​https://historiasdosubsolo.org/sobre. Acessado em 19 set. 2023.

LEVINO, A; Fontana, M [Orgs.]. A cidade engolida. Desastre ocasionado pela


extração irregular de minas de sal-gema em Maceió-AL: uma discussão inicial. São
Carlos: Pedro & João Editores, p. 12, 2023.

MANSUR, M.; WANDERLEY, J. Colapso mineral em Maceió: O desastre da Braskem e


o apagamento das violações. Maceió, mai. de 2023

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