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População e Cidades

subsídios para o planejamento e para as políticas sociais


Universidade Estadual de Campinas – Unicamp

Reitor
Fernando Ferreira Costa

Vice-Reitor
Edgar Salvadori de Decca

Pró-Reitor de Desenvolvimento Universitário


Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva

Pró-Reitor de Pesquisa
Ronaldo Aloise Pilli

Pró-Reitor de Graduação
Marcelo Knobel

Pró-Reitora de Pós-Graduação
Euclides de Mesquita Neto

Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários


Mohamed Ezz El Din Mostafa Habib

Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (COCEN)


Ítala Maria Loffredo D’Ottaviano

Coordenadoria do Núcleo de Estudos de População (NEPO)


Regina Maria Barbosa
População e Cidades
subsídios para o planejamento e para as políticas sociais

Rosana Baeninger
organizadora

Campinas, setembro de 2010


Núcleo de Estudos de População (NEPO) - Unicamp
Av. Albert Einstein, 1.300 – CEP: 13081-970 – Campinas, SP – Brasil
Fone (19) 3521 5890 – Fax: (19) 3521 5900
www.nepo.unicamp.br

Apoio
Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA)
Harold Robinson - Representante Brasil e Diretor Argentina e Paraguai
Taís Freitas Santos - Representante Auxiliar

Organização e Revisão Geral Rosana Baeninger


Comitê de Publicação Taís Freitas Santos (UNFPA)
Rosana Baeninger (IFCH-NEPO/UNICAMP)
Fabíola Rodrigues (CEM-CEBRAP)
Colaboração Maria Ivonete Z. Teixeira
Capa, Produção Editorial e Diagramação Fabiana Grassano
Traço Publicações e Design Leandra Cardoso
Flávia Fábio
Foto da capa Flávio Sampaio
Padronização Bibliográfica e Ficha Catalográfica Adriana Fernandes

FICHA CATALOGRÁFICA

População e Cidades: subsídios para o planejamento e para as políticas sociais / Rosana


Baeninger (Org.). - Campinas: Núcleo de Estudos de População-Nepo/Unicamp; Brasília:
UNFPA, 2010.
304p.

ISBN 978-85-88258-23-5

1.População. 2.Cidades. 3.Políticas Sociais. I.Baeninger, Rosana (Org.). II.Título.


Sumário

Apresentação
Taís Freitas Santos ...................................................................................................................... 7

Introdução .................................................................................................................................. 9

A transição urbana brasileira: trajetória, dificuldades e lições aprendidas


George Martine e Gordon McGranahan ...................................................................................... 11

Dinâmica da população e políticas sociais


Fabíola Rodrigues e Rosana Baeninger .................................................................................... 25

Redes sociais, pobreza e espaço em duas metrópoles brasileiras


Eduardo Marques, Renata Bichir, Graziela Castello e Maria Encarnación Moya ............................ 35

Planejamento municipal e segregação socioespacial: por que importa?


José Marcos Pinto da Cunha ..................................................................................................... 65

Cidadania, qualidade de vida e produção do espaço urbano: desafios para a gestão urbana e
para o enfrentamento da questão social
Claudete de Castro Silva Vitte .................................................................................................... 79

Geotecnologias e gestão de políticas públicas: uso de dados demográficos


Álvaro de Oliveira D’Antona, Ricardo Sampaio Dagnino e Maria do Carmo Dias Bueno ............... 99

Cidades e Plano Diretor: considerações sobre a função social da cidade e da propriedade


Fabíola Rodrigues ................................................................................................................... 117

Cidades e políticas de habitação


Sonia Nahas de Carvalho ......................................................................................................... 137
Gestão e planejamento de cidades e políticas sociais: gestão metropolitana –
possibilidades e desafios
Roberta Guimarães Peres e Gustavo Zimmermann ................................................................ 153

Indicadores no planejamento público


Paulo de Martino Jannuzzi ..................................................................................................... 163

Cidades médias em contexto metropolitano: hierarquias e mobilidades nas formas urbanas


Eduardo Marandola Jr. ........................................................................................................... 187

Crescimento das cidades: metrópole e interior do Brasil


Rosana Baeninger ................................................................................................................. 209

O sentido de “melhorar de vida” na cidade


Lidiane M. Maciel .................................................................................................................. 223

Unidade de conservação e agricultura de subsistência: o caso da Floresta


Nacional de Caxiuanã
Rosa de Nazaré Paes da Silva e Maria das Graças Ferraz Bezerra ........................................... 239

Tendências recentes das migrações cearenses: o caso da migração de retorno


Silvana Nunes de Queiroz e Rosana Baeninger ....................................................................... 253

Cidade e imigração – Origens e territórios da imigração boliviana e coreana


para a cidade de São Paulo
Patrícia Tavares de Freitas e Rosana Baeninger ...................................................................... 277

Sobre os autores .................................................................................................................. 299


A transição urbana brasileira:
trajetória, dificuldades e lições aprendidas1
George Martine
Gordon McGranahan

O Brasil experimentou, na segunda metade do século 20, uma das


mais aceleradas transições urbanas da história mundial. Esta transformou
rapidamente um país rural e agrícola em um país urbano e metropolitano,
no qual grande parte da população passou a morar em cidades grandes.
Hoje, quase dois quintos da população total residem em uma cidade de pelo
menos um milhão de habitantes. Julgado em termos do número e tamanho
de cidades, do peso das cidades na geração do PIB e do desenvolvimento
da rede urbana, pode-se dizer que a urbanização brasileira já atingiu um grau
elevado de maturidade.
Apesar da precocidade dessa transição urbana, as cidades brasileiras ainda
enfrentam desafios sociais, econômicos e ambientais pesados. Essa mutação
abrupta não se processou de forma harmoniosa, tendo sido particularmente
difícil para os contingentes mais pobres que, apesar de representar a parcela
majoritária do crescimento urbano e um motor essencial do desenvolvimento
nacional, raramente tiveram seu lugar contemplado na expansão urbana.
Esse descaso com as necessidades do maior grupo social está na raiz dos

1
Este artigo é baseado em trechos selecionados da publicação de Martine e McGranahan
(2010), no qual pode ser encontrada uma discussão mais extensa destes e outros tópicos
relacionados, assim como a bibliografia detalhada.

11
grandes problemas sociais e ambientais que afligem as cidades brasileiras
no século 21.
Este artigo argumenta que as dificuldades urbanas atuais refletem
a confluência de dois fatores principais interligados: a desigualdade
profundamente arraigada na sociedade brasileira e a incapacidade de prever,
aceitar e planejar de forma antecipada o crescimento urbano maciço e
inevitável. Pode-se dizer que a forte desigualdade que caracteriza até hoje
a sociedade brasileira veio nos navios portugueses, os quais trouxeram a
estratificação social característica do país colonizador, e foi logo fortalecida
pelas sesmarias e pela adoção do sistema da escravatura. Através dos séculos,
a desigualdade tem sido reproduzida e aprofundada pelas estruturas sociais
e culturais que predominaram nos ciclos coloniais, imperiais, republicanos,
militares e democráticos, chegando a mostrar sinais de arrefecimento apenas
nos últimos anos.
Profundamente arraigada na cultura e nas instituições, essa desigualdade
tem contribuído para imunizar a sociedade contra o reconhecimento do direito
à cidade da população de baixa renda e tem deprimido sua capacidade para
apreciar a dimensão dos problemas enfrentados pelas massas populacionais
que dinamizaram o crescimento urbano brasileiro. Essa aceitação implícita e,
de certa forma, inconsciente da desigualdade e da pobreza também explica
a lentidão dos políticos e planejadores para apreender e reagir à magnitude,
velocidade e importância do crescimento urbano. Essa lentidão, por sua vez,
impediu a adoção de atitudes proativas em relação à urbanização, facilitando
assim a propagação da pobreza habitacional, da inadequação fiscal e da
degradação ambiental que hoje marca tantas cidades brasileiras. Esses
problemas têm dificultado o aproveitamento da urbanização precoce do país
e a exploração do seu potencial para o desenvolvimento social e econômico
do país.
O atual trabalho visa analisar o crescimento urbano brasileiro no contexto
do desenvolvimento nacional e extrair daí algumas lições práticas que possam
servir para orientar as transições urbanas que estão se iniciando, com volumes
populacionais muito maiores, nos países em desenvolvimento da Ásia e da
África. Muito se poderia aprender da experiência brasileira para ajudar esses
países a fazer uma transição urbana mais equitativa e menos comprometida
pelos problemas que marcam a trajetória da urbanização brasileira.

As etapas da urbanização brasileira

Conforme pode ser observado no Gráfico 1, em 1950 o Brasil já tinha


avançado para um nível de urbanização (i.e. - % da população total residindo
em áreas urbanas) que somente hoje é apresentado pelos continentes da Ásia

12 A transição urbana brasileira


e da África. Por que essa disparidade temporal na trajetória da urbanização?
Muitos países da África e da Ásia tinham cidades milenares enquanto o Brasil,
na época da colonização portuguesa, era praticamente tabula rasa em termos
de localidades urbanas. O território brasileiro nem sequer se beneficiava de
grandes cidades legadas pelas civilizações indígenas, como ocorria em outros
países da América Latina.
Por outro lado, os colonizadores portugueses também não tinham
interesse na criação de uma sociedade urbana: as poucas cidades que foram
construídas no litoral brasileiro, durante a época da colônia, serviam apenas
para a defesa contra a invasão de outros colonizadores e como entrepostos
para a exploração do interior nos diversos ciclos extrativos e agrícolas que
presenciou o país. Além disso, a classe dominante era eminentemente rural e
anti-urbana. Ou seja, durante todo o período da colônia e na maior parte do
império, as cidades não eram componentes de uma rede urbana, mas eram
pontos isolados no litoral, mais ligadas ao exterior do que a outras cidades,
cada uma servindo ao seu hinterland específico.

GRÁFICO 1 – Evolução do Nível de Urbanização, Brasil, África e Ásia, 1950-2050


100%

90%

80%
70%

60%

50% Brasil

40% África
30%
Ásia
20%

10%

0%
0

0
195

196

197

198

199

200

201

202

203

204

205

Fonte: United Nations (2010a).

Embora não existam informações confiáveis referentes ao crescimento


urbano brasileiro antes de 1940, estima-se que em 1872 – mais de três séculos
e meio depois da chegada dos primeiros colonos – o Brasil tinha apenas dez
localidades urbanas com uma população de pelo menos 20 mil habitantes.
Destas dez cidades, apenas São Paulo não era localizada no litoral. Esta
situação se modificou radicalmente a partir do início do ciclo econômico do café,
no último quarto do século 19, período de grandes mudanças econômicas e
sociais, tanto em nível nacional como internacional. Localizada principalmente

George Martine e Gordon McGranahan 13


no interior de São Paulo, a produção cafeeira teve que enfrentar a redução
do influxo de mão de obra escrava e, logo em seguida, o fim da escravatura.
Apoiado pelo governo, o estado recebeu um grande acervo de migrantes
europeus: estima-se que entraram 4 milhões de imigrantes entre 1880 e 1930,
70% dos quais se estabeleceram no estado de São Paulo.
Na região cafeeira, acompanhando o processo de modernização da
economia européia, introduziu-se a mecanização, o transporte ferroviário e
outros avanços importantes nos processos de produção e comercialização.
A melhoria das condições de vida, aliada às iniciativas de saneamento e de
saúde pública reduziram a mortalidade e começaram a aumentar as taxas
de crescimento vegetativo. A criação do trabalho assalariado atraiu migrantes
nacionais e internacionais, gerando mudanças significativas no perfil da mão
de obra. Por sua vez, a existência de uma massa de trabalhadores assalariados
deu origem a um mercado interno e à comercialização da produção de
alimentos.
Desta forma, observa-se que a economia brasileira, assim como a de
outros países da América Latina, passou por um período de forte crescimento
econômico e demográfico no final do século 19 e nas primeiras décadas
do século 20. Essa coincidência da expansão demográfica e econômica,
mostrada na Tabela 1, está na raiz da rápida urbanização experimentada pela
região latino-americana, explicando, pelo menos em parte, a precocidade do
processo urbano nesta região. Em comparação, a África e a Ásia somente
experimentaram esses surtos econômicos e demográficos coincidentes muito
mais tarde, durante o século 20.

TABELA 1 - Crescimento Anual da População e do PIB na Ásia (Menos o Japão), África, América
Latina e Brasil, em Perídos Selecionados entre 1500 e 1998

Período

Região/País 1500-1820 1820-1870 1870-1913 1913-1950 1950-1973 1973-1998

Crescimento Anual da População


Ásia (Excluido Japão) 0.29 0.15 0.55 0.92 2.19 1,86
África 0.15 0.40 0.75 1.65 2.33 2.73
América Latina 0.06 1.27 1.64 1.97 2.73 2.01
Brasil 0.47 1.65 2.18 2.62 1.81 1.04
Crescimento Anual do PIB
Ásia (Excluido Japão) 0.29 0.03 0.94 0.90 5.18 5.46
África 0.16 0.52 1.40 2.69 4.45 2.74
América Latina 0.21 1.37 3.48 3.43 5.33 3.02
Brasil 0.62 1.95 3.13 5.72 2.09 1.57
Fonte: Maddison (2001).
Notas: Tabelas 3-1a e 2.14, p.126 e 174.

14 A transição urbana brasileira


Este período de forte crescimento econômico e urbano no Brasil em torno
da produção cafeeira foi abruptamente interrompido pela quebra da bolsa de
valores norte-americana, em 1929, e pela consequente crise econômica global.
O baque súbito nos preços dos produtos agrícolas brasileiros e o tamanho da
dívida externa contraída durante a alta da economia cafeeira obrigaram o Brasil
a voltar-se para o mercado interno e a empreender uma nova organização
econômica, desta vez estruturada em torno à industrialização via a substituição
de importações. A necessidade de integrar os diversos mercados regionais
a essa nova realidade econômica incitou o governo a promover melhorias
nos sistemas de transporte e comunicação. A combinação dessas mudanças
provocou também dois tipos de migração que iriam persistir lado a lado
durante meio século a partir de 1930: a ocupação das fronteiras agrícolas
(Paraná, Centro-Oeste e Amazônia) e a migração de áreas rurais para áreas
urbanas. A continuação da queda da mortalidade e o aumento do crescimento
vegetativo contribuíram fortemente para alimentar esses dois fluxos durante
várias décadas. A evolução notável dessa base do crescimento vegetativo
pode ser observada na Tabela 2.

TABELA 2 - Taxas Brutas de Natalidade e Mortalidade (por mil), Brasil 1872 a 1960
Período Taxa Bruta de Natalidade Taxa Bruta de Mortalidade
1872-1890 46,5 30,2
1890-1900 46,0 27,8
1900-1920 45,0 26,4
1920-1940 44,0 25,3
1940-1950 43,5 19,7
1950-1960 44,0 15,0
Fonte: Fundação IBGE (2003).

Os movimentos rural-urbanos foram adicionalmente estimulados pela


intensificação da industrialização decorrente da Segunda Guerra Mundial.
Apoiado também no aumento do crescimento vegetativo, o número de cidades
e a proporção da população residente em localidades urbanas cresceram
rapidamente, conforme mostrado na Tabela 3.

TABELA 3 - Número de Cidades e Distribuição da População Urbana* Por Tamanho de Cidade,


Brasil 1940-2000
Tamanho Número de Cidades % da População Urbana
de cidade
(000s) 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
20-50 31 51 92 148 238 354 414 11.2 12.0 12.7 11.7 11.6 12.9 11.0
50-100 11 18 28 43 71 114 131 8.7 9.9 8.9 7.6 7.4 9.2 7.8
100-500 8 9 19 37 60 72 82 26.0 20.1 14.0 16.7 19.4 18.2 16.1
500+ 3 4 8 11 14 20 33 54.1 58.0 64.4 63.9 61.6 59.7 65.0
Total 53 82 147 239 383 580 660 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Fonte: Fundação IBGE (1940-2000).


Nota: *‘Urbano’ nessa tabela se refere a localidades de 20.000 ou + habitantes; ‘rural’ inclui o resto da população.

George Martine e Gordon McGranahan 15


O processo de industrialização via a substituição de importações foi
favorecido pelo governo federal ao longo de diversas administrações seguidas
e, com isso, cresceu o parque industrial e se fortaleceram os mecanismos
de integração nacional. Quando o governo militar, que tomou o poder em
1964, adotou um modelo de modernização agrícola conservador que visava
aumentar a produtividade sem alterar a estrutura social predominante,
utilizando para isso o crédito subsidiado, os pequenos produtores de todo tipo
foram expulsos do campo em grandes números, provocando uma aceleração
da migração rural-urbana, conforme mostrado na Tabela 4.

TABELA 4 - Estimativas da Migração Rural-Urbana Líquida (en milhões), Por Sexo, Brasil 1940-2000

Sexo 1940-1950* 1950-1960* 1960-1970# 1970-1980# 1980-1990º 1990-2000º


Homens Na Na 6.6 8.6 4.0 4.3
Mulheres Na Na 7.0 8.8 5.2 5.2
Total 3.0 7.0 13.6 17.4 9.2 9.5
Migrantes
Rural-Urbanos
como % da 10% 21% 35% 42% 24% 27%
População Rural
no Início da Década
Fonte: Calculado com base nos dados dos diversos Censos Demográficos da Fundação IBGE.
* Martine (1987, p.60-61).
# Carvalho e Garcia (2002), tabelas 92, 185 e 284.
º Rodriguez e Busso (2009, p.120).

Uma das características mais marcantes do processo de urbanização ao


longo do período 1930-80 foi à concentração progressiva da população urbana
em cidades cada vez maiores. A Tabela 3 mostra que o número de localidades
com mais de 20 mil habitantes aumentou regular e significativamente de
53 em 1940 para 660 em 2000. A grande maioria das novas cidades eram,
evidentemente, pequenas ao entrar no rol de “cidades”, mas as grandes
cidades sempre apresentaram o maior incremento absoluto de população.
Apenas 5% das cidades tinham uma população de 500 mil ou mais; entretanto,
essas cidades contabilizavam sempre a grande maioria de todos os habitantes
urbanos, com parcelas que variavam entre 54 e 60% do total. A maioria destas
pessoas residia, na realidade, em cidades de mais de um milhão de habitantes.
No ano 2000, 54,4% da população que vivia em localidades de mais de 20 mil
habitantes residia em uma cidade de pelo menos um milhão de habitantes.
Portanto, o período 1930-80 foi marcado por um processo constante
de crescimento urbano e de concentração da população em cidades cada
vez maiores. Esse processo era movido por diferentes etapas do processo
de desenvolvimento nacional e nutrido pelo crescimento demográfico que
alimentava o estoque de migrantes-em-potencial nas áreas rurais, assim como
o crescimento vegetativo da população residente nas próprias cidades.

16 A transição urbana brasileira


Entretanto, depois de meio século de urbanização concentradora, o
Censo Demográfico de 1991 revelou uma interrupção significativa dessa
tendência que parecia, até então, inexorável. Assim, a taxa de crescimento
urbano caiu de 4,2% a.a. na década de 70 para 2,6% na de 80. Todas as
categorias de tamanho de cidades sofreram uma redução, mas a queda foi
mais significativa nas cidades metropolitanas. Na década de 70, elas tinham
se responsabilizado por 41% de todo o crescimento urbano nacional; na de
80, essa proporção caiu para 30%. O ritmo frenético de urbanização e de
metropolização que tinha perdurado ao longo de meio século, para surpresa
de todos, havia sido finalmente interrompido. Essa queda na velocidade do
crescimento e da concentração urbana persistiu também durante a década
de 90.
Entre os diversos fatores que podem ter contribuído para essa mudança
no padrão de urbanização brasileiro, três merecem ser destacados: a queda
acelerada da fecundidade, a crise econômica que assolou a região na década
de 80 e em parte da década de 90, e a culminação de um processo natural de
desconcentração da atividade produtiva.
Até meados da década de 60, o Brasil apresentava níveis elevados de
fecundidade, responsáveis pelo crescimento demográfico acelerado do país
durante várias décadas. Entretanto, a própria urbanização liderou e dinamizou
uma série de fatores conducentes à redução do número de filhos. Nas cidades,
as pessoas já não viam a prole numerosa como uma vantagem; ao contrário,
representavam um ônus adicional nas condições de habitação urbanas
precárias e, frequentemente, um entrave a suas aspirações de melhoria social
e econômica. Diversas políticas modernizadoras adotadas pelo governo
militar – nas áreas de saúde, previdência e comunicações – combinaram com
a disponibilidade de métodos anti-natalistas mais efetivos (principalmente
a esterilização) para provocar a aceleração dessa tendência. O fato é que
a fecundidade brasileira teve uma queda vertiginosa de 6,3 para 1.8 (bem
abaixo do nível de reposição) em apenas 40 anos. Essa redução diminuiu
tanto o estoque de migrantes-em-potencial nas áreas rurais como o ritmo de
crescimento vegetativo da população residente nas cidades.
O segundo fator importante na redução do processo de concentração e
metropolização foi a crise econômica que assolou o país em seguida ao choque
do petróleo que acompanhou a Guerra do Yom Kippur. Os juros internacionais
geraram uma dívida externa galopante, a produção industrial sofreu um forte
retrocesso e, pela primeira vez na história moderna brasileira, o PIB chegou a
ser negativo. Sucederam-se planos e programas de estabilização, assim como
ministros de finanças, mas nada impediu que a “Década Perdida” avançasse
para a década de 90.

George Martine e Gordon McGranahan 17


Os problemas econômicos acabaram gerando outras mudanças de grande
significado – o fim da ditadura militar e a re-introdução da democracia, o fim
do ciclo de industrialização via substituição de importações, a privatização de
várias grandes empresas nacionais, a abertura da economia e a redução do
papel do Estado, incluindo o planejamento de longo prazo.
Mas o impacto mais importante para o processo de concentração urbana
foi o aumento do desemprego e da pobreza. As maiores cidades foram as
mais afetadas, especialmente nos setores de indústria e construção. O setor
formal foi o mais penalizado, resultando numa expansão acelerada do setor
informal. A redução das oportunidades econômicas nas grandes cidades
chegou a inverter os fluxos migratórios tradicionais, gerando assim fortes
correntes de migração de retorno, e até as primeiras correntes importantes
de emigração para o exterior. Nesse contexto, as cidades não-metropolitanas
registraram ganhos importantes, resultando em taxas de crescimento maiores
nessas cidades.
Antes mesmo de estourar essa crise econômica, o Brasil já havia iniciado
um processo de desconcentração da produção industrial a partir do seu
centro principal, em São Paulo. Este processo se acelerou na década de
80 e, como resultado, a participação do Estado de São Paulo na produção
industrial nacional baixou de 43% em 1970 para 25% em 2000. Visto em
retrospecto, essas mudanças refletiam uma tendência bastante previsível,
particularmente quando se considera os esforços feitos por diversos governos
para integrar as diferentes regiões do país via incentivos fiscais e outros
investimentos governamentais. Os próprios empresários aproveitavam essas
iniciativas para desconcentrar suas atividades, fugir dos problemas que se
acumulavam na grande metrópole e explorar novos mercados. Contudo, a
Região Metropolitana de São Paulo permaneceu como a capital dos serviços
administrativos, financeiros, educacionais e culturais modernos do país. Assim,
o perímetro do polo dominante foi expandido mais do que desconcentrado.
Inclusive, grande parte da desconcentração econômica ocorreu para cidades
relativamente próximas, no próprio estado de São Paulo.
Por outro lado, o processo de desconcentração relativo observado
nas décadas de 80 e 90 não deve ofuscar a continuação do predomínio
das grandes metrópoles no cenário urbano nacional. Mesmo nessas duas
décadas de crescimento reduzido, as nove Regiões Metropolitanas tiveram um
aumento populacional absoluto maior que o aumento verificado nas próximas
52 cidades juntas, conforme mostra a Tabela 5. Vale observar também que o
arrefecimento do crescimento metropolitano foi basicamente um fenômeno de
estagnação nos municípios-núcleos, pois as periferias das grandes metrópoles
continuaram crescendo num ritmo acelerado. Esses subúrbios continuam

18 A transição urbana brasileira


atraindo migrantes de baixa renda até hoje, inclusive vindo de outras áreas
da própria cidade. Não surpreende o fato de que as periferias concentram os
maiores problemas de favelização, assentamentos informais, infra-estrutura
precária, conflitos ambientais, desorganização social e violência. Na média,
a população das periferias das nove Regiões Metropolitanas tem uma renda
equivalente a 56% da renda dos habitantes do município núcleo.

TABELA 5 - Crescimento Absoluto e Relativo das Regiões Metropolitanas e Outras Aglomerações


Urbanas, Brasil 1980-1991 e 1991-2000
Taxa de Crescimento Incremento Absoluto
Tipo de Grande Concentração Urbana Anual (em 000s)
1980-1991 1991-2000 1980-1991 1991-2000
Regiões Metropolitanas (9) 2,00 1,99 8.387 8.290
Núcleos das RMs 1,36 1,10 3.612 2.693
Periferia das RMs 2,79 3,68 4.775 5.597
Outras Aglomerações Metropolitanas (17) 3,31 2,79 3.942 3.675
Outras Aglomerações Não-Metropolitanas (35) 3,21 2,33 4.367 3.435
Fonte: Fundação IBGE apud Baeninger (2004) tabela 2 e Torres (2002) tabela 1, p.149.

A análise do processo e das etapas da urbanização brasileira confirma o


fato de que o país tem chegado a certo nível de maturidade na sua transição
urbana. A maioria da sua população vive em cidades grandes que compõem
uma rede urbana extensa e diversificada. São cidades que já não crescem
a ritmos alucinados, mas que geram 90% do PIB nacional. No contexto da
economia mundial globalizada, na qual as cidades, especialmente as maiores,
levam uma vantagem competitiva, essa concentração deveria representar um
ganho comparativo importante. Entretanto, essa vantagem pode estar sendo
prejudicada pelas dificuldades sociais e ambientais que caracterizam muitas
cidades brasileiras, conforme será visto no próximo segmento.

O descaso com a habitação popular e os problemas sociais e


ambientais

Os problemas sociais e ambientais das cidades brasileiras estão


nitidamente interligados. Ambos têm suas origens na mesma raíz – a falta
de uma atitude proativa e realista com relação ao crescimento urbano e o
descaso com os problemas do maior grupo social, isto é, a população de baixa
renda. O crescimento urbano rápido, na falta de uma orientação espacial e de
um manejo ambiental adequado, acentua a degradação de recursos naturais
de terra, água e vegetação. A falta de serviços básicos nos assentamentos
urbanos contribui para problemas de saúde ambiental, particularmente
aqueles ligados à água e ao saneamento.

George Martine e Gordon McGranahan 19


A maioria da população de baixa renda no Brasil vive em lugares e moradias
inadequados devido à ausência de medidas apropriadas para preparar e
acomodar o crescimento urbano. Esse descaso caracteriza a expansão
urbana do último século e ainda persiste nos dias de hoje. Apesar de muitas
décadas de crescimento rápido e da proliferação de favelas em quase todas
as cidades, os assentamentos informais têm sido tratados como problemas
transitórios de ordem pública, os quais precisam ser eliminados ou que vão
desaparecer sozinhos com o “desenvolvimento”. Na maioria dos casos, o
poder público somente se intromete para tentar impedir esse crescimento.
Muitos anos depois, porém, são frequentemente geradas pressões para tentar
“resolver” esse cancro e/ou para angariar os votos da população que vive nele.
Essas atitudes são coerentes com as normas e valores de uma sociedade
desigual que, historicamente, raramente tem priorizado as necessidades e os
problemas de sua população mais pobre.
O Brasil tem uma longa história de fascínio com planos diretores urbanos,
desde o famoso Plano Agache encomendado pela Prefeitura do Rio de Janeiro
no início do século 20. Na prática, porém, o ritmo do crescimento urbano
no último século sempre ultrapassou qualquer planejamento efetivo do uso
do espaço ou do solo. Parte do problema reside na oposição ideológica e
política tradicional ao crescimento urbano. As iniciativas governamentais, seja
em nível federal, seja em nível estadual ou local, sempre tenderam a retardar
ou impedir o crescimento urbano em vez de ordená-lo. É muito interessante
observar na última pesquisa realizada pela Divisão de População da ONU a
respeito das atitudes políticas do governo federal a respeito da distribuição
espacial da população, o Brasil respondeu que gostaria de ver uma mudança
“major” nesse particular, incluindo uma redução da migração rural-urbana e
da migração para aglomerações urbanas (UNITED NATIONS, 2010b). Tais
atitudes, num país que já tem mais de 80% da sua população residente
em áreas urbanas e quase dois quintos em cidades de mais de um milhão
de habitantes, não somente surpreendem, mas refletem também um anti-
urbanismo muito arraigado e superado pelos fatos.
Essa atitude se reflete concretamente em ações pouco condizentes
com o respeito do direito à cidade em nível local. Estudos recentes sugerem
que, em muitos lugares, a ausência de uma atitude proativa em relação às
necessidades de moradia dos pobres representa muito mais que apatia. Tem
sido parte de um esforço explícito e sistemático por parte de tomadores de
decisão locais para obstruir o assentamento e a permanência de pobres,
especialmente migrantes, nas suas cidades. Nesta linha, diversos municípios
têm adotado a prática de dificultar o acesso à compra de lotes, inclusive
impondo regulamentos utópicos e irrealistas com relação ao tamanho mínimo

20 A transição urbana brasileira


do lote, com a clara intenção de afastar compradores de baixa renda. Outras
medidas como recusar o acesso à água, saneamento, transporte e outros
serviços são utilizadas para impedir a vinda de migrantes e o crescimento
urbano (FELER; HENDERSON, 2008).
Esse tipo de iniciativa de parte do poder público local tem implicações
que extrapolam os seus efeitos imediatos sobre a migração. No curto prazo,
os pobres têm que “se virar” para encontrar um espaço para morar: na melhor
das hipóteses a população de baixa renda é obrigada a comprar terrenos a
preços mais elevados de provedores “informais.” Os outros menos afortunados
estabelecem suas residências precárias em lugares ilegais, inadequados
ou perigosos como em áreas de proteção ambiental, encostas de morros,
terrenos contaminados ou à beira de rios, sempre sujeitos à instabilidade ou
ao despejo e vulnerável ás intempéries climáticas. A falta de uma moradia fixa
num lugar adequado está na raiz da incapacidade de se beneficiar de tudo
que a cidade pode oferecer em termos de emprego, serviços e bem-estar.
Práticas como essas que limitam a acesso da população mais pobre à
cidade infringem os direitos básicos desse grupo, mas também têm outras
implicações notáveis de maior alcance. Favorecem o crescimento de bairros
marginalizados e insalubres em qualquer parte da cidade. Isto contribui
para a vulnerabilidade e para a multiplicação de ambientes insalubres,
ao mesmo tempo que favorece a desorganização social e a criminalidade.
Também contribui para a degradação ambiental e está na raiz das grandes
calamidades públicas. Tudo isto afeta a capacidade da cidade para competir
por investimentos e, portanto, acaba reduzindo a geração de emprego e a
base fiscal nessa localidade.
Nas condições da economia globalizada, a geração de um clima de
investimento estável é tão importante a nível local quanto nacional. Nas
cidades, a qualidade da infra-estrutura, as amenidades sociais e culturais e a
existência de um ambiente institucional que demonstra interesse nos direitos
dos seus cidadãos são características que afetam as decisões de investidores.
Essas condições dificilmente serão percebidas em cidades que deixam de
considerar as necessidades do seu maior grupo social, ou pior, que tomam
medidas explícitas para excluir certos segmentos da população.
Quando os tomadores de decisão nessas cidades finalmente resolvem
tentar torná-las mais habitáveis e prósperas, descobrem que têm muitas
dificuldades para atrair investimentos e gerar emprego. Descobrem também
que o esforço de oferecer serviços e infra-estrutura para essas populações
pobres, depois de instalados esses bairros informais e favelas, tem um custo
social e econômico muito mais elevado do que se tivesse sido tomada uma
atitude proativa, preparando-se para o crescimento inevitável e proporcionando

George Martine e Gordon McGranahan 21


condições decentes às pessoas que queriam se instalar na cidade. Vale observar
que oferecer condições dignas não significa “dar” uma moradia, pois existem
diversas formas de fazer com que os custos de oferecer um assentamento digno
sejam ressarcidos ao longo do tempo pelo poder público. A compra parcelada
do terreno e a segurança da propriedade incentiva investimentos dos próprios
moradores que acabam valorizando suas casas, seu bairro e a própria cidade.
Para reverter as tendências atuais que favorecem a continuada expansão
de setores informais, teriam que ser adotadas duas iniciativas que são difíceis
de implementar numa sociedade marcada pelo privilégio e pela desigualdade e
na qual se trata os bairros pobres como cancros que deverão desaparecer por
si mesmos. Primeiro, teriam que ser abolidas essas medidas que discriminam
explicitamente contra o assentamento de populações mais pobres. Ao mesmo
tempo, os mercados de terra distorcidos que caracterizam as áreas urbanas
teriam que ser regulados e a população pobre protegida de maneira positiva
contra as práticas abusivas de especuladores imobiliários e de empresários
do setor informal. Segundo e ainda mais importante, o setor público precisaria
tomar uma atitude proativa em relação às necessidades futuras de solo urbano
para a população mais pobre. A maioria das cidades dispõe de terras aptas que
estão sendo mantidas em reserva por especuladores. Medidas enérgicas teriam
que ser tomadas para taxar essas propriedades especulativas e viabilizar a sua
integração no mercado formal.
Em suma, muitos dos problemas ambientais enfrentados pelas cidades
brasileiras são intimamente ligados com questões sociais e os dois têm suas
origens na falta de uma postura proativa da sociedade brasileira e do poder
público com relação ao crescimento urbano. Dentro desta atitude, o descaso
com as dificuldades do grupo social maior – a população de baixa renda – reflete
uma tolerância secular com a desigualdade. Ou seja, trata-se de uma falta de
visão técnica para lidar com uma das mais transcendentes transformações da
história brasileira, conjugado a uma cegueira política derivada de uma estrutura
social focada nos interesses dos ricos e poderosos, a qual impede enxergar os
males causados por essa ausência de proposta coerente para o crescimento
urbano inevitável. O êxito de uma cidade depende de uma governança moderna,
capaz de lidar efetivamente com o crescimento e gerando um ambiente social
mais atrativo. Ponto de partida para esse êxito é saber lidar de maneira positiva
com o crescimento populacional e a integração produtiva de diferentes setores
na sociedade urbana.

Considerações finais

A urbanização e o crescimento urbano acelerado podem ser vistos como


os processos de maior influência na determinação das condições econômicas,

22 A transição urbana brasileira


sociais e ambientais dos países em desenvolvimento no século 21. A escala
do crescimento urbano nesses países, particularmente na Ásia e na África, não
tem precedentes na história da humanidade. A maneira em que a concentração
populacional vai se realizar nas próximas décadas vai afetar diretamente o
desenvolvimento, a pobreza e as condições ambientais desses países e, por
último, do mundo todo.
Até o atual momento, a maioria dos tomadores de decisão têm se
limitado a reagir ao crescimento urbano, inclusive de forma negativa, em
vez de preparar-se para essa transformação inevitável. Dada a escala das
mudanças em curso, a dinâmica social e econômica dos processos urbanos
e a dimensão de suas consequências, este tipo de laissez-faire é um convite
para um desastre monumental. Bem orientado, dentro de uma governança mais
efetiva, a urbanização pode ser uma força importante na redução da pobreza,
na estabilização do crescimento populacional e no forjamento de um futuro
ambiental mais seguro. Mas se essa transformação for deixado na mão das
forças do mercado e da especulação imobiliária, dentro de um contexto de
desigualdade política e social, ela vai avolumar a pobreza, multiplicar as favelas
e aumentar a degradação ambiental num ritmo nunca visto anteriormente.
A experiência da urbanização brasileira pode oferecer lições importantes que
podem ser aproveitadas por outros países que se encontram atualmente numa
fase menos avançada de sua transição urbana. Essas lições são particularmente
cruciais tendo em vista a magnitude do crescimento urbano que está por vir na
África e na Ásia. Habitualmente, a primeira reação de políticos e administradores
urbanos é de tentar impedir ou retardar o crescimento urbano, criando
obstáculos para a chegada de migrantes. A história mostra que essas tentativas
não funcionam. Primeiro porque os migrantes continuam vindo, sabendo que
suas possibilidades de melhorar de vida tendem a ser melhores nas cidades
Segundo, porque a parcela maior do crescimento urbano advém, cada vez
mais, do crescimento vegetativo das próprias cidades e não da migração.
Os lideres dos países que estão iniciando sua transição urbana deveriam
abraçar as potencialidades da urbanização e planejar estrategicamente o
crescimento urbano inevitável, em vez de tentar impedi-lo como têm feito muitos
políticos e administradores brasileiros. Aceitar que a população mais pobre
tem o direito à cidade é um primeiro passo crítico. O próximo passo exige a
formulação de uma visão estratégica sobre o uso sustentável do espaço para
orientar a expansão urbana. É muito importante prever e orientar a expansão
espacial da cidade, de modo a reduzir a depredação do capital ambiental, evitar
desastres naturais e garantir a qualidade de vida da população.
Dentro desta visão, é essencial prever as necessidades de solo e moradia
para a população de baixa renda. A maneira mais eficaz de conseguir isso é de

George Martine e Gordon McGranahan 23


prever e oferecer, dentro de um plano economicamente sustentável que inclui
o financiamento de lotes adequadas, a provisão de serviços básicos para essa
população assim como a taxação da especulação imobiliária. Esse planejamento
proativo – que deve ser feito também com a participação dos interessados – é,
reconhecidamente, muito menos custoso, em termos sociais e econômicos,
que as tentativas de consertar assentamentos informais já instalados e dotá-los
de serviços e infra-estrutura básica. Essa atitude proativa é parte essencial de
uma boa governança e termina beneficiando a própria cidade, melhorando a
vivência dos seus moradores e aumentando a sua prosperidade.

Referências
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novos desafios teóricos. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS,
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