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AS NOTAS DO KINDLE PARA:

Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século


XXI
de Valdei Lopes de Araujo, Mateus Henrique de Faria Pereira

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83 destaques

Destaque (Amarelo) | Posição 240

Como presidente efetivo, Temer terá mais condições de apresentar uma “atualização” do País. Cantanhêde. 14
de agosto de 2016. O uso da palavra atualização na frase da jornalista pode expressar uma mudança sutil e
subterrânea da experiência: um substantivo deslocamento nas formas modernas de significar o tempo histórico.
Quais as mudanças temporais que possibilitaram a passagem (como sobreposição, substituição, sinonímia) da
palavra modernização para atualização?

Destaque (Amarelo) | Posição 247

O livro que se segue é uma tentativa de reunir uma série de fragmentos de reflexão em torno dessa categoria, de
modo que, ao final, possamos compreender melhor nosso tempo e as formas históricas das atualizações, ainda
pouco estudadas.

Destaque (Amarelo) | Posição 258

já em 1967 podemos ter uma rápida ideia de uma das utopias atualista, um tempo em que não haveria distância
entre a ação e sua integração a um sistema sempre atual, sempre em estado presente, significando que as ações
que seriam passadas continuariam disponíveis sem que fosse preciso decidir sobre sua relevância. Portanto,
quando tudo pode ser guardado e recuperado em tempo real, os mecanismo clássicos de memória e
esquecimento podem se tornar obsoletos ou automatizados?

Destaque (Amarelo) | Posição 287

A expressão updatism, que propomos como categoria para definir certos aspectos da temporalidade
contemporânea, é encontrada em poucos sites da internet e é mais utilizada por usuários em fóruns acerca de
games, funfictions, vlogs ou blogs, como uma espécie de marca para postagens com a função principal de
atualizar um tópico. Surge como uma variação espontânea e marginal de update, traduzindo a dificuldade de
tornar atual o “tempo real” da experiência nesses ambientes digitais, uma vez que o desejo ou a necessidade do
atual ameaça aprisionar o usuário no fluxo das novidades mais recentes. No limite, não haveria diferença entre o
tempo vivido e sua atualização e exibição.
Destaque (Amarelo) | Posição 308

Atualizar opõe-se não apenas ao inatual, mas ao desatualizado como obsoleto. Para Serge Latouche (2015), a
obsolecência programada está no centro das sociedades contemporâneas viciadas em crescimento. Com a
reflexão que segue, tentaremos demonstrar que o atualismo é a dimesão temporal que emerge nessas sociedades
aprisionadas pelas estruturas da expansão infinita.

Destaque (Amarelo) | Posição 316

O gadget parece ser um objeto especialmente atualista, marcado pela rápida obsolescência e que, por isso
mesmo, tem mais valor não apenas por ser fisicamente novo, e sim porque porta maior valor de atualização.
Hoje podemos comprar um celular ou qualquer outro objeto novo sem que seja atual, o acesso à atualidade é
decidido por hierarquias de classe, de geopolítica, raça, de gênero, etc. Entregar-se ao automatismo do gadget,
aceitar suas atualizações automáticas vendidas não mais como produto, mas como serviço, parece ser uma
condição incontornável do poder-ser atual.

Destaque (Amarelo) | Posição 321

Update pode ainda nomear um informe ou relato que visa atualizar as informações sobre determinado fato ou
processo, ou, ainda, tornar algo mais moderno, modernizar, sempre com o sentido de melhorá-lo ou de fazer
com que corresponda ao tempo mais recente, àquilo que está na moda. De toda forma, a pressão por estar up to
date, por ser contemporâneo de um tempo naturalizado como uma força externa, não é estranha à modernidade
historicista. O fenômeno da pressão da moda já era socialmente descrito no século XIX, por exemplo, em
Baudelaire, como uma força da qual não se poderia fugir sem consequências (AGAMBEN 2009, p. 66). Para o
já citado Serge Latouche, a obsolescência programada como forma generalizada seria invenção estadunidense
das primeiras décadas do século XX (2015, p. 51-55).

Destaque (Amarelo) | Posição 334

Pertencer ao seu tempo pode exigir estar conectado 24 horas por dia/7 dias por semana a um canal de notícias
em fluxo ou fazer parte da história nas reações em tempo real aos grandes acontecimentos pelas redes sociais.
Enquanto isso, nos tornamos servos voluntários e/ou involuntários das grandes empresas da internet, ao usarmos
e acessarmos serviços aparentemente gratuítos e, ao mesmo tempo, em que trabalhadores-assalariados lutam
pelo direito e/ou dever à desconexão (Cf. RIBEIRO 2018; CARDOSO 2016; FUCHS–ERAN 2012).

Destaque (Amarelo) | Posição 353

Em nossa reflexão, a palavra atualismo ajuda a entender a persistência de determinados níveis de aceleração,
dispersão e dissociação temporal, apesar da crise ou fechamento do futuro. Chamamos as formas específicas de
conectar o passado-presente-futuro de temporalização do tempo. Nessa direção, a emergência da palavra
atualização como conceito de relevância político-social pode ser tomada como um fenômeno revelador de novas
formas de temporalização. Se vista como uma metáfora de certas situações e experiências contemporâneas, a
palavra pode nos ser útil na compreensão de transformações nos mundos da vida. Pode ser ainda tomada como
um sintoma de como o tempo temporaliza no mundo atual e como a sensação de aceleração e multiplicação de
ocorrências pode ser desconectada da decisão, da utopia e de uma noção totalizante e orientadora de progresso.
Destaque (Amarelo) | Posição 372

A compreensão do sentido de um enunciado não se foca apenas em o que se disse (conteúdo semântico dos
enunciados, mas, em especial: “quem disse”, “como disse”, “onde disse”, “a quem disse”, “em que
circunstâncias disse”.

Destaque (Amarelo) | Posição 463

As metáforas do mundo digital e a perspectiva de um sistema de governança automatizado, completamente


descolado de finalidades externas são aspectos que nos ajudam a compreender o clima apocalíptico e sombrio,
ou mesmo de cínica resignação, que vai tomar conta de parte desta geração.17 A perda de valor social das
tradições históricas, das identificações com a classe, com a a nação e com a profissão libera o homem digital das
agendas supostamente emancipatórias da modernidade. A finalidade e a orientação individual parecem cada vez
mais refluírem para o âmbito pessoal.

Destaque (Amarelo) | Posição 480

Nesse horizonte de crise das metanarrativas, Lyotard inclui os Estados-nacionais, os partidos políticos, as
identidades profissionais e as tradições históricas. Descrentes e liberados desses vínculos, as subjetividades não
estariam isoladas, mas dispostas “numa textura de relações”, “colocadas sobre os ‘nós’ dos circuitos de
comunicação”, o que hoje chamaríamos de redes. Lyotard não esconde certo otimismo com as possibilidades
desse novo arranjo (LYOTARD 2009, 27-8). Mas é na descrição do saber narrativo que podemos encontrar os
elementos para pensar a temporalidade atualista na Condição Pós-Moderna. Para o autor, o tempo da narrativa é
de natureza dupla, organizado por metro e acento. Enquanto o metro é a divisão regular do fluxo temporal, o
acento é o gesto de encurtar ou alargar esses espaços produzindo ritmo.

Destaque (Amarelo) | Posição 489

Uma sociedade em que o relato é a “forma chave da competência” poderia se desligar da necessidade de lembrar
do passado, uma vez que ela encontra a matéria do seu vínculo social não apenas na significação dos relatos que
ela conta, mas no ato de recitá-los. A referência dos relatos pode parecer que pertence ao passado, mas ela é, na
realidade, sempre contemporânea deste ato. É o ato presente que desdobra, cada vez, a temporalidade efêmera
que se estende entre o Eu ouvi dizer e o Vocês vão ouvir (LYOTARD 2009, p. 41).

Destaque (Amarelo) | Posição 495

Os relatos não são produzidos por sujeitos que precisam responder pelo valor cognitivo de suas posições, o
narrador apenas executa o relato produzindo um tempo evanescente e imemorial. Considerando que a tese do
livro afirma que nas sociedades pós-industriais estaríamos vivendo uma espécie de abandono e corrosão das
narrativas tradicionais de legitimação, emancipação e especulação, fundadas em relatos fortemente acentuados,
não seria despropositado pensar que a temporalidade pós-moderna estaria mais próxima desse tempo
‘evanescente’.
Destaque (Amarelo) | Posição 499

Em 1979, Lyotard profetizava que os bancos de dados seriam “[...] a ‘natureza’ para o homem pós-moderno” (p.
93); hoje são as redes sociais como o Facebook, Twitter e o Instagram os ambientes em que acontecem as
mutações dessa nova natureza, a própria imagem de um banco de dados parece antiga, sendo hoje mais comum
falarmos em fluxos e circulação contínua e descentrada. Nesses ambientes, o valor do relato parece estar mais
em seu fluxo, uma espécie de melopeia na qual em vão procuramos acentos definitivos ou em que a disputa
contínua por acento torna-se o metro.

Destaque (Amarelo) | Posição 503

O que permite o acento produzir o efeito de memorização é justamente sua capacidade de interromper o metro,
alterá-lo. No fluxo contínuo de novidades a que nos entregamos hoje nas redes sociais, essa interrupção é
impossível, bem como a aceleração tecnológica tornada rotina parece perder sua capacidade de acentuar os
relatos. Se tudo muda muito rapidamente, mas sem quebrar as expectativas, se a própria mudança se torna a
expectativa, o tempo pode desacelerar e se aproximar de um novo tipo de imemorial: o atualismo?

Destaque (Amarelo) | Posição 508

Em seu livro mais ambicioso em termos teóricos, Produção de Presença [2004], Gumbrecht (2010) responde a
esse quadro de crise descrito e antecipado por Lyotard em 1979. Para ambos, o problema central parece ser
como garantir uma sobrevida para as Humanidades na Condição Pós-moderna.

Destaque (Amarelo) | Posição 560

O autor percebe o esvaziamento da presença física pela diluição da ubíqua presença virtual. Aqui temos um
ponto importante em seu diagnóstico daquilo que estamos chamando de atualismo: em sua tipologia “cultura de
presença” versus “cultura de sentido”, o atualismo seria a hipertrofia do sentido.

Destaque (Amarelo) | Posição 593

Deixando de lado ou transformando aquilo que no historicismo pode aparecer agora como não fundamental, a
ideia de progresso e formação, são substituídas pela atualização contínua e acelerada do mesmo: o
atualismo. Como a breve incursão pela a história da palavra update/atualização parece revelar, ela absorve parte
da carga semântica do conceito de progresso, fenômeno que parece ter sido fotografado na base de dados
GoogleBooks, como mostramos na introdução deste livro.

Destaque (Amarelo) | Posição 597

Segundo Gumbrecht, “no presente eletrônico de hoje, não há nada ‘do passado’ que precisamos deixar para trás,
nem nada ‘do futuro’ que não pode ser feito presente por uma antecipação simulada” (L. 1559). A conjunção
desse passado que não passa com as antecipações formaria um “presente” largo e lento.
Destaque (Amarelo) | Posição 605

Portanto, o presente, como breve momento de transição, típico do historicismo, seria substituído pelas
complexas simultaneidades do universo digital. O argumento depende de nossa concordância com duas
afirmações: 1. Que realmente essa noção de presente fugaz tenha sido hegemônica no historicismo. 2. Que, pela
desacelaração atual, ela seria substituída pelas simultaneidades complexas. No entanto, talvez esse presente
como simples momento de transição não tenha sido tão hegemônico e pudéssemos identificar outras formas de
temporalização do presente no cronotopo historicista, como pretendemos mostrar no próximo capítulo. Além das
diferenças de ritmo, há uma reprodução e permanência do presente que pode ser identificada mesmo no auge
historicista. Ainda que ameaçado por um futuro virtualmente superior, o historicismo produzia a consciência
aguda do presente como o melhor dos tempos, revelador e realizador do sentido histórico. Quanto à segunda
afirmação, as simultaneidades atuais parecem ser majoritariamente impróprias (cf. seção 1.4) pouco tendo a ver
com o instante e o agora, tematizados por autores como Benjamin e Heidegger a contrapelo do tempo vazio e
sucessivo do historicismo ou da cotidianidade.

Destaque (Amarelo) | Posição 614

Em nossa formulação, o atualismo é experimentado como a crença quase mágica na reprodução da realidade.

Destaque (Amarelo) | Posição 657

Em entrevista de 2015, o autor reflete, ainda que timidamente, sobre a relação entre informática, crise da história
e nova experiência do tempo. Para ele, a revolução da informática reforça a ruptura: “o tempo real do mercado é
presentista, ele é tanto da ordem do microssegundo como é contínuo. Toda uma economia do instante é posta em
ação: a financeira, a midiática, a política, a social e também a das redes sociais” (HARTOG 2015b, idem, p. 283).

Destaque (Amarelo) | Posição 662

Nesse contexto, o passado é constantemente fabricado para o presente, sobretudo por meio de imagens, filmes,
séries, jogos e encenações, e a história disciplina não sabe o que dizer, pois sua autoridade sobre o passado foi
superada.28 A história disciplina apresenta sérias dificuldades em “apreender o mundo no seu curso atual. O
conceito moderno de história é basicamente futurista e, desde o momento em que o presente se impõe como
categoria dominante, a história também não o vê claramente” (HARTOG 2015, p. 286).

Destaque (Amarelo) | Posição 672

Mas ela [a memória] é também o que torna complexa a coisa, este fenômeno que permite, em um certo sentido,
escapar ao presentismo em razão de certa convocação do passado. Mas sob um modo da memória ou do que
chamamos de memória, pois na realidade, em muitos casos não se trata de memória. Trata-se de reconstrução de
alguma coisa, sobre a qual, em realidade, não se tem acesso. Podemos perceber isso em todo o debate em torno
da memória da escravidão. Mesmo no Brasil, onde a escravidão foi abolida muito tarde, o que significa a
memória da escravidão? Então a memória é presentista, mas também uma tentativa de escapar ao presentismo e
em todo caso, ao mesmo tempo, deve ser colocada em relação a uma perda, se tomo meu vocabulário, da
evidência da história (HARTOG, 2012a, p. 367).
Destaque (Amarelo) | Posição 678

Quatro palavras de ordem, em especial, gravitam em torno do presentismo e se traduzem inclusive em políticas:
memória, patrimônio, comemoração e identidade. Mas, também, de conceitos, segundo ele destemporalizados,
como modernidade, pós-modernidade e globalização.

Destaque (Amarelo) | Posição 684

Um futuro que já não é aberto indefinidamente, mas cada vez mais constrangido, senão fechado, pois a mudança
mais notável dos últimos 30 anos teria sido o que chama de recuo do futuro. A hipótese da nova experiência do
tempo (por vezes tomada como uma evidência) não pode ser entendida, ainda segundo o autor, sobre o registro
da nostalgia (um regime melhor que outro) ou da denúncia. No prefácio já citado, Hartog afirma que no livro
não havia se colocado a questão se viveríamos em um presentismo pleno ou provisório (par défaut). Dada a
impossibilidade de um retorno passadista (“onde o passado comanda”) poderíamos pensar que estamos vivendo
apenas uma suspensão, uma parada, para que o futuro retome o comando? Ou se trata de uma inédita experiência
do tempo? Nessa direção, Hartog afirma que a atual preferência pela memória em detrimento da historiografia é
coerente com a atual experiência do tempo, em que o presente ou é abolido no instante ou parece perpétuo.

Destaque (Amarelo) | Posição 693

Frente ao quadro esboçado, restaria ao historiador oferecer às sociedades um de seus atributos: o olhar
distanciado. O instrumental fornecido pela noção de regimes de historicidades ajudaria a criar a distância
necessária para ver melhor o próximo. A hipótese (o presentismo) e o instrumento (o regime de historicidade) se
complementariam. Uma questão que surge dessa posição é: essa apologia do olhar distanciado não consiste em
retomar uma das grandes ingenuidades do historicismo? Afinal, a produção de distância não é, na verdade, um
jogo, no presente do historiador, entre proximidade e distanciamento? (Cf., por exemplo, PHILLIPS 2000).

Destaque (Amarelo) | Posição 714

Fernando Nicolazzi destaca que alguns leitores indicam, em Hartog, uma interpretação marcada pela nostalgia,
melancolia, pelo pessimismo e ceticismo, em especial, frente ao futuro já definido como sombrio. Além disso,
“questionam-se justamente as referências mútuas entre historicidade e historiografia, afinal, um regime de
historicidade pode comportar formas distintas de escrita da história” (NICOLAZZI 2010, p. 251; NICOLAZZI
2017; BLOCKER & HADDAD 2006). Outro aspecto que chama a atenção de alguns críticos é a maneira como
o autor constrói passagens rápidas entre “casos” e as escalas individuais para dimensões mais coletivas, globais e
societárias da experiência do tempo. Essa generalização acaba por abolir certa pluralidade e experiências
subalternas/alternativas do tempo, a despeito da abertura que o formato ensaístico de Hartog nos oferece como
remédio, na dupla acepção do termo, para enfrentar tais questionamentos. Mas sabemos que a forma ensaio pode
também mascarar o exercício de uma espécie de privilégio epistêmico, que autoriza falar por fora e alheio às
convenções.

Destaque (Amarelo) | Posição 728

João Paulo Pimenta (2015), por sua vez, destaca o que chama de imprecisão conceitual, em especial, por Hartog
usar as categorias regimes de historicidade e presentismo como descrição-significação de realidades sem a
devida fundamentação. Para o autor, as diferenças entre as propostas de Koselleck e Hartog não são esclarecidas,
em especial pelo fato de o historiador francês negligenciar um aspecto central na teoria koselleckiana da
modernidade relacionada com o presentismo, a saber: a progressiva aceleração do tempo histórico.31 Nessa
perspectiva, o autor pergunta se o historiador francês escapou da tendência dos “nossos tempos” de
“hipervalorizar o presente observável resultando na supervalorização do presentismo de um presente que talvez
não seja tão distinto assim daquele criado pela modernidade há algum tempo, e ainda por ela
recriado?” (PIMENTA 2015, p. 404).

Destaque (Amarelo) | Posição 746

Em poucas palavras, em Hartog a temporalidade aparece frequentemente apenas como indicadora de fenômenos
que lhes são aparentemente externos e determinantes. Como procuraremos mostrar a partir da análise de
Heidegger, acreditamos que parte das insuficiências da noção de presentismo pode ser resultado de uma
concepção unidimensional do que vem a ser o presente.

Destaque (Amarelo) | Posição 894

A imagem de um “presente amplo” ou de um “presentismo” encontra na temporalidade da decadência um


parentesco evidente e nos ajuda a entender o paradoxo de um presente ao mesmo tempo cheio de novidades e
vazio de eventos. Por mais que as novidades se apresentem, seja mesmo vindas do passado ou do futuro, elas
não são capazes de refazer vínculos conjunturais, pois nossa ‘atualidade’ se atualiza (quase) exclusivamente em
função da própria atualidade. O que esse movimento pode trazer de novo ao argumento presentista é esclarecer
que não se trata substancialmente de uma ampliação do presente, mas mesmo da ampliação de referências ao
passado e futuro, porém em formas atualistas. Assim, podemos entender como a moda da história e das coisas
históricas pode ser contemporânea do presentismo ou de como uma sociedade que teria um futuro fechado ser,
ao mesmo tempo, viciada em novidades e ávida pelo mais novo programa de TV, filme, jogo on line ou gadget.

Destaque (Amarelo) | Posição 903

Cheio de novidades que passam a sensação de uma aceleração crescente, mas incapazes de transformar ou abrir
a realidade para possibilidades de diferença, na decadência, resta ao ser-aí estar sempre por dentro do novo, up
to date com uma realidade em constante surgimento. Por isso, a atualização automática que parece simplesmente
surgir em nossos celulares e computadores torna-se irresistível, uma metáfora e uma estrutura arquetípica das
temporalizações do atualismo.

Destaque (Amarelo) | Posição 1069

Essa atualização negativa teria também seus desenvolvimentos positivos no século XIX, como mostra a
formulação do brasileiro José de Alencar: “A superstição do futuro me parece tão perigosa como a superstição
do passado [...]. Consiste a verdadeira religião do progresso na crença do presente, fortalecida pelo respeito às
tradições, desenvolvida pelas aspirações a maior destino” (ALENCAR apud LYNCH 2017, p. 337). A solução
de Alencar demonstra como a crença historicista no progresso nem sempre conduz ao futurismo, mas a uma
determinação de passado e futuro pelo presente.
Destaque (Amarelo) | Posição 1081

Assim, esperamos poder demonstrar que a modernidade não pode ser reduzida ao futurismo e que momentos
presentistas ou passadistas são também constitutivos da temporalidade moderna. A solução historicista da
reconstrução de continuidades narrativas, embora bastante populares, não foram as únicas possibilidades
desenvolvidas para resolver essa equação.

Destaque (Amarelo) | Posição 1132

No passado da velha ordem europeia, Chateaubriand vê o declínio da sociedade e o progresso do indivíduo; no


presente, marcado pelas contradições internas dessa decomposição social, somente a ideia cristã poderia oferecer
a chave para sua recomposição: “Todo ato de filantropia a que nos comprometemos, todo sistema que sonhamos
no interesse da humanidade é apenas a ideia cristã retornada, alterada de nome e muitas vezes desfigurada: é
sempre o verbo que se fez carne!” (CHATEAUBRIAND 1850, p. 485). Sempre a atualização do verbo divino
que se fez carne.37 Portanto, insatisfeito com as filosofias da história do século XIX, com suas modernas
utopias, Chateaubriand parece adotar como solução uma espécie de atualização transcendental. Nesse contexto,
o presente se torna a espera da atualização de um princípio eterno.

Destaque (Amarelo) | Posição 1160

Portanto, nos parece que a pluralidade da experiência temporal em Chateaubriand é menos o resultado de um
ainda não, de uma situação transitória, e mais uma recusa consciente à solução histórico-filosófica futurista.

Destaque (Amarelo) | Posição 1230

A figura de um homem entre dois mundos não parece revelar toda a complexidade dessa imagem de um
mergulho, mesmo que involuntário, na confluência turbulenta de dois rios. Tudo parece sugerir a imagem de
uma nova época como a mistura, não necessariamente sintética, desses princípios, o antigo e o novo,
irremediavelmente envolvendo os contemporâneos. A imagem dos rios parece mais próxima da situação da
modernidade como cascatas que se precipitam em sucessão, tal como descreveu Gumbrecht (1998). Tal imagem
evitaria o risco de assumirmos um regime de historicidade clássico de uma improvável longuíssima duração ou
baixa operacionalidade analítica, e nos deixaria mais atentos ao acumular desses processos descontínuos.

Destaque (Amarelo) | Posição 1266

Parece certo que Chateaubriand se via na confluência entre dois mundos, duas eras, assim como muitos de sua
geração desde a virada do século XVIII. O que não nos parece evidente é que esses mundos possam ser bem
entendidos como ilustração de regimes temporais distintos, essa percepção de passagem entre mundos é um
topos moderno, será certamente evocado em diversas outras ocasiões, mesmo quando a mudança em questão não
envolva transformações temporais dessa magnitude. Podemos pensar, por exemplo, no caso de Joaquim Nabuco
no Brasil, quando da Proclamação da República (LYNCH 2012). Os exemplos são muitos e as épocas variadas.
Menos que o registro dessa passagem entre dois regimes temporais, as memórias surgem para Chateaubriand
como a interpenetração de tempos diversos de sua trajetória biográfica.
Destaque (Amarelo) | Posição 1282

Novamente a ideia de repetição e ruína parece conduzir menos a uma nostalgia e mais a uma atualização própria,
sem expectativa de repouso ou realização de uma narrativa de progresso: “Coloquei na composição dessas
Memórias uma predileção muito paternal, gostaria de poder ressuscitar na hora dos fantasmas para corrigir as
provas: os mortos vão depressa (Idem, ibidem).

Destaque (Amarelo) | Posição 1302

Desse modo, a simples coexistência desses elementos parece ser insuficiente para afirmar a coexistência de
regimes temporais distintos, a não ser sob o risco de reduzir a historicidade a sua simples representação,
destituindo a categoria de todas as estruturas político-sociais que são fundamentais na análise do problema em
Koselleck, cuja pesquisa é evocada como fundamento para a argumentação de Hartog.

Destaque (Amarelo) | Posição 1313

O problema dessa leitura é considerar que tempo histórico seja sinônimo de modernidade. Koselleck define o
tempo histórico moderno não como uma tensão entre experiência e expectativa, mas como o acelerado
afastamento entre um e outro, a possibilidade de crises de distanciamento está inserida na própria caracterização
do tempo moderno, o que Hartog tende a definir como algo próprio do presentismo é um traço mesmo da
modernidade: sempre estar mediando e remediando esse abismo entre passado e futuro. Koselleck define tempo
histórico como uma categoria transcendental, pressupõe apenas algum tipo de mediação, de relação, entre
horizonte e expectativa. A carência do tempo histórico somente seria possível em uma situação pós-humana.
Assim, nos parece que Hartog confunde tempo histórico moderno com tempo histórico em geral.

Destaque (Amarelo) | Posição 1326

Concebendo então o presentismo como uma espécie de anomalia temporal pós-humana, é natural que Hartog
tenha dificuldades em encontrar elementos de contemporaneidade em Chateaubriand. Nossa leitura propõe um
deslocamento de ênfase, destacando no lugar do entre a ideia de mistura (mélange) como categoria decisiva para
entender os sentidos da reflexão de Chateaubriand sobre a modernidade.

Destaque (Amarelo) | Posição 1334

De certo modo, nossa situação contemporânea é semelhante ao convento de Saint-Augustin antes de sua
musealização, as novas ferramentas digitais democratizaram o acesso aos vestígios materiais do passado, de
modo a enfraquecer a capacidade sintética-orientadora do discurso histórico. Não devemos ver essa situação
apenas pelos seus aspectos negativos, pois, além de ser irreversível, não faria sentido esperar que esse
patrimônio acumulado e disponibilizado fosse novamente disciplinado.

Destaque (Amarelo) | Posição 1339

Finalmente, Chateaubriand nos ensina também a identificar, nessa multiplicidade, ruínas vivas do passado que
podem ser evocadas e atualizadas para atender às demandas plurais de nosso tempo plural. Apostar e aceitar a
fragmentação e a mistura temporal como uma possibilidade mais liberadora do que apenas a sincronização
historicista, mesmo sabendo que ela continua sendo uma possibilidade entre outras, mas que não pode ser
tomada como sinônimo de tempo histórico. Apostar na capacidade de tornar o fragmento em ruína viva como
estratégia de enfrentamento de nossas demandas existenciais, práticas e cognitivas em nossa relação com a
história.

Destaque (Amarelo) | Posição 1344

A descrição de Hartog do presentismo como um tempo desorientado também não condiz com nossa descrição do
atualismo como um tempo em que as pessoas parecem também confiar em uma organização automática da
realidade. Assim, nossa situação não emerge simplesmente de um tempo desorientado, sem telos, mas de uma
sociedade em que as pessoas sentem não precisar ter de se preocupar com esse tipo de orientação, que a
atualização do presente estaria de algum modo garantida, ou fora do alcance de suas agências. Certamente há
perigos que precisam ser evitados nessa situação. Muito podemos ganhar reativando a capacidade sintética e
orientadora do discurso histórico, mas sem esperar ou desejar uma restauração da situação moderna - talvez mais
imaginada do que vivida - de um mundo pleno de sentido. Desonerar as subjetividades, os corpos e as mentes,
dessa tarefa sisífica pode liberar energia social para o enfrentamento de novos desafios.

Destaque (Amarelo) | Posição 1385

Na introdução deste livro, apresentamos alguns elementos para uma periodização inicial do fenômeno do
atualismo. Seja na base do Google Ngram, seja na Hemeroteca Digital da BN-RJ, o período entre a década de
1960 e 1970 se destaca como o momento de aceleração no uso da palavra.

Destaque (Amarelo) | Posição 1388

Retrospectivamente, o que, nos mundos da vida no ano de 1970, poderia indiciar a transformação que estamos
descrevendo? Nossa intenção não é produzir um relato historiográfico especializado, mas fazer uma espécie de
paródia com a ideia de retrospectiva, seguindo cronologicamente a coleção do Jornal do Brasil deste ano em
busca dos usos da palavra atualizar.

Destaque (Amarelo) | Posição 1642

Após conhecer a série JB1970, a primeira conclusão é que a palavra atualizar foi um filtro eficiente para
recuperarmos traços relevantes dos mundos da vida. Nos mais diversos setores, a realidade poderia ou deveria se
atualizar: na psicologia individual, nos métodos de trabalho, no carnaval, no aprendizado em todas as faixas
etárias, na administração de empresas privadas e públicas, em seus “sistemas de controle, de informações e de
decisões”, na infraestrutura produtiva em geral, no guarda-roupa com a moda da estação ou no vestuário com
algum novo hardware. A ópera, os filmes, a literatura também são e estão sujeitos à atualização. Não só
equipamentos como os próprios computadores, que já figuram como os grandes heróis (ou vilões?) deste
processo, mas também as aeronaves, as roupas, a legislação e os políticos deveriam ser atuais. Também era
preciso atualizar a estrutura fundiária e a censura, a renda pessoal, a Igreja, seja em seus dogmas ou nos
processos de gestão, e a mão-de-obra em geral. As mulheres, em particular, pareciam carecer de ajuda especial
para se inserirem no novo tempo do mundo. O sujeito-objeto da atualização são os conhecimentos e as
informações. Poderíamos nos atualizar com os pensamentos e a disposição de alguém ou atualizar “as energias
latentes no ser” ou nossas energias astrais. Atualizar-se para acompanhar o ritmo das mudanças, bem como a
maneira de agir. Por fim, poderíamos nos atualizar sobre alguma coisa acompanhando as notícias.

Destaque (Amarelo) | Posição 1653

Por entre essa grande diversidade de usos talvez possamos produzir alguns dispositivos mais gerais que nos
ajudem a compreender o que estamos fazendo quando atualizamos. A primeira constatação é que esse universo
pode ser dividido entre coisas que atualizam e coisas que precisam se atualizar, mesmo que algumas vezes essas
fronteiras se cruzem, como no exemplo do computador, que surge como a maior ferramenta para “atualizar”,
mas que precisa ele mesmo ser a todo momento atualizado, até que, talvez, a atualização se torne automática.
Podemos perceber a sensação de que esse intervalo entre o atual e o inatual precisava encurtar a ponto de não
haver mais distância entre esses estados, ou seja, uma realidade com índice zero de inatualidade. Talvez seja esta
uma formulação possível de certo aspecto de uma utopia, ou ilusão, atualista.

Destaque (Amarelo) | Posição 1659

Outro aspecto é a existência de dois grandes campos semânticos na palavra, atualizar como efetivar algo que
está dormente, como a realização de um potencial, e atualizar como corresponder ao atual, ao mais moderno e
desenvolvido.

Destaque (Amarelo) | Posição 1665

Podemos dizer que o atualismo depende dessa fusão, de modo que o real, o efetivo, confunda-se com o mais
atual, o mais recente. Assim, do ponto de vista individual, seja na ginástica (ioga), na psicoterapia, nas formas de
comportamento, no aprendizado ou na moda, realizar todo o seu potencial significa estar por dentro, ter acesso a
todas as informações, apostar em processos que tornem transparentes e disponíveis nós mesmos e os outros da
forma mais veloz possível, no limite, imediata.

Destaque (Amarelo) | Posição 1704

O mundo atualista não é apenas o melhor mundo possível, ele é o único mundo possível, sua constante
atualização não abre espaço para o novo enquanto descontinuidade. O novo é uma falha catastrófica no sistema.

Destaque (Amarelo) | Posição 1718

O sentido da evolução é a luta contra a obsolescência que só poderia se guiar por forças programadoras externas.

Destaque (Amarelo) | Posição 1797

Todas essas percepções eram agravadas pela sensação de aceleração, seja efetivamente existente ou pressentida.
Todos pareciam correr o risco de se tornarem obsoletos, de ficarem por fora.
Destaque (Amarelo) | Posição 1846

A ocorrência do dia 22 de março é uma resenha- entrevista sobre o filme “Benito Cereno”, filmado pelo francês
Serge Roullet em 1969, em que Rui Guerra interpreta o personagem título. A história, baseada em um conto de
Melville, se passa em 1799 e retrata a revolta em um navio negreiro espanhol. Os trechos selecionados são falas
do diretor, que acaba por destacar os entrecruzamentos temporais que tornariam sua obra atual, baseada em um
texto escrito no século XIX, sobre um incidente no século XVIII, cuja atualidade era ironicamente destacada por
trechos extraídos de uma das lideranças do Partido Pantera Negra, Stokely Carmichael53 (1941-1998): “a
escravidão não acabou, o problema negro do século XVIII continua vivo em 1970” (grifo nosso).

Destaque (Amarelo) | Posição 1854

Os negros atuais-atualizados eram como os Pantera Negras, mas mesmo sendo análogos aos revoltosos do
século XVIII, algo os separava, em especial do tipo negro que se poderia achar em uma zona urbanizada como o
Rio de Janeiro, contemporâneos, mas não atuais? Foi apenas da comunidade quilombola da Marambaia que
esses negros atuais puderam ser encontrados – uma espécie de ilha temporal ou cápsula do tempo.

Destaque (Amarelo) | Posição 1857

A comunidade quilombola de Marambaia surge com o colapso do império de um dos maiores traficante e
proprietário escravista do Império, sediado na cidade de Piraí e que tinha na Marambaia um ponto de entrada
ilegal de africanos.54 No quilombo que o diretor diz ter descoberto essa espécie de fóssil, que, diferentemente
dos hominídios de Clarke, poderiam ter ainda futuro: a resolução de um trauma, um nó temporal ou uma cicatriz
aberta no tempo: “O mais extraordinário é que aquelas criaturas puderam preservar sua liberdade através dos
séculos [...]”. Neste caso, a atualização pressupõe uma espécie de denúncia do presente, que ainda estava
assombrado por um passado ambivalente: a escravidão e seus efeitos, mas também um legado de liberdade que
havia se acumulado e que poderia deslocar-se no presente abrindo novas potencialidades.

Destaque (Amarelo) | Posição 1881

Na maior parte das vezes o esforço de atualização parece estar voltado não para a reativação de algum potencial
do passado, mas na luta pela sobrevivência de formas que estavam se tornando rapidamente obsoletas.

Destaque (Amarelo) | Posição 1899

Pelo volume, relevância e representatividade, as palavras atualizar e atualização parecem portar, na série
JB1970, o valor de um conceito histórico-social. Elas apontam para uma nova dimensão da experiência do
tempo, que desenvolve certas potencialidades do tempo moderno, mas também apontam para alguns de seus
limites. A pressão por estar atualizado ganha os contorno de uma ideologia, na medida em que parece dar
sentido a uma visão conjunta da realidade. Vimos também que, para além dessa dimensão ideológica, em sentido
mais básico de sua capacidade de agregar valores e dar sentido a muitas camadas da realidade, o que estamos
chamando de atualismo, o conceito de atualização porta igualmente um potencial crítico, quando desarticula o
atual do presente, quando reivindica forças do passado (e do futuro?) como mais atuais do que a atualidade.
Destaque (Amarelo) | Posição 2007

É claro que um conjunto de profissionais – os historiadores – criam e escrevem sobre um passado


especificamente histórico. Mas, talvez, “o passado histórico exista somente nos livros e artigos escritos por
investigadores profissionais do passado e dirigidos em grande medida para eles mesmos – mais do que para o
público em geral” (WHITE 2010, p. 125). Para Hayden White, o paradoxo é: à medida que os estudos históricos
tornam-se mais científicos, tornam-se menos úteis para qualquer finalidade prática, até mesmo para educar os
cidadãos para a vida política. Segundo Henrique Estrada Rodrigues (2016), trata-se, na verdade, da seguinte
aporia: se, de um lado, o século XX testemunha a consolidação da forma disciplinar da história, o ‘nosso tempo’
parece indicar um horizonte não apenas de retração da esfera pública como também de certa descrença quanto à
relevância (ou autoridade) dos profissionais da história (RODRIGUES 2016). Em que pese o eurocentrismo do
termo história para designar a experiência pretérita, ainda sobrevive certa crença de que a história (vivida e
pensada) designa processos verdadeiros e reais?

Destaque (Amarelo) | Posição 2038

Em uma perspectiva mais crítica, militante e radical, o coletivo Tiqqun64 argumenta que vivemos a passagem de
um paradigma soberano de poder (vertical, estático, centralizado) para o cibernético (horizontal, dinâmico,
distribuído). O modelo dessa nova forma de governabilidade cibernética seria o Google ou o Facebook (O
Facebook tem hoje 1,5 bilhões de usuários, ou seja, tem uma população maior do que a da China).65 A
cibernética seria uma nova tecnologia de governo (TIQQUN 2013). De um ponto de vista mais acadêmico, tem
se chamado essa governabilidade de algorítmica (ROUVROY & BERNS 2015). Canclini (2018, p. 93) destaca
também que a autoexploração com consenso tem também marcado o atual estágio do capitalismo e, mais do que
nas épocas pré-digitais, tem tido papel decisivo na reprodução da exploração.

Destaque (Amarelo) | Posição 2059

Assim, as abordagens mais recentes parecem menos otimistas quanto aos impactos emancipadores das redes.

Destaque (Amarelo) | Posição 2072

Para Byung-Chul Han, a crise da época atual “não é da aceleração, mas da dispersão e dissociação temporal.
Uma dissincronia temporal faz o tempo transcorrer de forma sibilante sem direção e se decompor em uma mera
sucessão de presentes temporais atomizados” (HAN 2013, p. 65). Nessa direção, a solução não está em apenas
desacelerar ou tratar a cena atual como mais do mesmo na oscilação entre modernização e compensação
historicista. Do nosso ponto de vista, a pergunta justa talvez deva ser: em nossa condição atualista tudo se
atualiza para que tudo permaneça a mesma coisa? Casasova parece acreditar que sim, quando afirma que o que
está acontecendo a cada momento [...] é sempre fluido demais para que pudesse receber mesmo que apenas
derivadamente o nome de acontecimento. A estagnação é a nossa lei por mais que ela seja experimentada em um
meio incessantemente dinâmico. Tudo muda aqui incessantemente para que tudo continue o mesmo. Como na
velha canção de Belchior, que porta o belo título ‘camisa velha colorida’: ‘o que ontem era jovem, novo, hoje é
antigo, e precisamos todos rejuvenescer’. O problema é que esse rejuvenescimento é da ordem única e exclusiva
da camisa velha colorida (CASANOVA 2017, p. 41-42).
Destaque (Amarelo) | Posição 2082

Segundo Silveira (2017), também na relação com outro a emergência das redes sociais envolve promessas e
catástrofes, a exposição do eu permite pensar na ampliação da empatia e do entendimento, de uma esfera pública
global fantasiada na ficção por séries como Sense8, mas “[...] também é instrumento de
humilhação” (SILVEIRA 2017, p. 75).

Destaque (Amarelo) | Posição 2117

Em um horizonte de questionamento das ideologias, talvez teríamos que aprender a agir e a fazer para além dos
partidos, de um programa político e das lógicas da assembleia? Para o teuto-coreano, é provável que Rousseau,
tendo em vista sua inclinação pela solidão, se vivesse hoje, fosse um hikikomori. A vontade geral pode sim ser
constituída, matematicamente, sem nenhuma comunicação, e ser, ao mesmo tempo, mais justa e representativa.
Uma democracia fundamentada, do nosso ponto de vista, pela transparência numérica. Ora, o que estamos
falando aqui é de uma democracia em tempo real. Será mesmo possível e desejável? Os riscos já foram bem
trabalhados, também, por diversos episódios da série Black Mirror. Ivana Bentes (2016), em uma análise sobre o
episódio Nosedive, afirma: “todas as interações sociais estão sujeitas a uma avaliação em tempo real, que pode
ser convertida em mais acessos e vantagens sociais ou em segregação”. A contaminação da disputa político-
social pela lógica do clickbait (caça-clique) tem provocado verdadeiros terremotos em velhas estruturas do poder
democrático liberal. Seja em vazamentos como os promovidos por Snowden, seja por operações como a Lava
jato, podemos imaginar os usos políticos, sociais e econômicos dessa vigilância indiscriminada (Idem, ibidem).

Destaque (Amarelo) | Posição 2129

o “YouTube permite la existencia y creación de discursos contrahegemónicos en su seño. Pero también ejerce un
control sobre estos por la posibilidad de censurarlos o eliminarlos en cualquier momento” (MÁRUQEZ &
ARDÈVOL 2018, p. 49).

Destaque (Amarelo) | Posição 2132

Além disso, é preciso lembrar que, na interação assimétrica entre corporações e consumidores, temos, de um
lado, a transparência dos dados dos últimos e, de outro, a opacidade dos algoritmos dos primeiros na “era
comunicacional do capitalismo” (CANCLINI 2018, p. 91). O paradoxo pode ser enunciado do seguinte modo,
enquanto nas redes sociais a gratificação é imediata, “a democracia representativa funciona de outra forma: não
gera gratificação imediata, e, [...], não foi feita para fazê-lo. [...]. Daí a tendência recente à substituição do
partido – incapaz de gerar gratificações imediatas – pelo movimento”.

Destaque (Amarelo) | Posição 2155

Nesse contexto, as próprias noções de hegemonia e contra-hegemonia estão em questão. Na atual reconfiguração
das disputas de poder, emergem, para Canclini (2018), combinações ambivalentes, híbridas nas quais surgem e
intervêm diversos atores e formas de sociabilidade, “em que o poder não tem uma estrutura binária, mas uma
complexidade dispersa. Coexistem muitos modos de estar juntos, de comunicar e compartilhar ou disputar os
bens” (p. 95). Ainda sim, a utopia não realizada da dimensão horizontal, livre e democratizante da renda
engendra nos cidadão e consumidores uma forte sensação de impotência. A noção de resistência também sofre,
nessa perspectiva, profunda mutação. Afinal, “quem pertuba mais a máquina: os movimentos sociais ou os
dispersos hackers” (p. 98)?

Destaque (Amarelo) | Posição 2171

Por mais paradoxal que seja, certas dimensões atualistas de nossa vida contemporânea também podem ser as
condições de possibilidades para as diversas emergências para a reflexão e ação: a questão de gênero, o
antirracismo, o eurocentrismo, a questão ambiental, dentre outras.69 Mas, também, podem nos impedir de ver
alguns dos problemas globais contemporâneos ligados à expansão do capitalismo financeiro como, por exemplo,
o aquecimento global. O desafio é repensar as humanidades, pois as teorias da maioria delas estão inadequadas
para os problemas que nos circundam (Cf. DOMANSKA 2010). Esse fato implicaria pensar em conhecimentos
em humanidades para além do antropocentrismo e enfatizar o colapso da distinção entre história natural e
humana? Assim, seria preciso repensar a relação natureza/cultura e, por exemplo, romper o silêncio e enfatizar
que a atual mudança climática é obra humana Chakrabarty (2013).

Destaque (Amarelo) | Posição 2179

Essas questões certamente se relacionam o com o que alguns autores chamam de cidadania técnico-científica
(Cf., em especial, FEENBERG 2011 e 2017).

Destaque (Amarelo) | Posição 2224

Assim, é a manipulação de um tempo virtual completamente vazio e homogêneo a fonte última de manipulação,
de fato a base de todo o controle.

Destaque (Amarelo) | Posição 2237

Afinal, essa consciência copiada e sem corpo pode ser entendida como um ser humano? O que acontece com o
conceito de autenticidade, com a ideia de ser próprio, quando somos capazes de objetificar a nós mesmos? A
consciência original continua original após sua duplicação?72 Ao final, toda a história não parece demonstrar
uma incapacidade deste eu original em relacionar-se com outros seres humanos em ambiente não controlado?
Em certo momento o programador parece sugerir que a diferença entre as duas versões não seria o fato de uma
delas não possuir um corpo, mas sim que uma delas é capaz de pagar pelo serviço, possui as prerrogativas legais
para isso. A verdadeira cópia parece ser verdadeira apenas porque é capaz de pagar pela autenticação. Usufruir
dos prazeres de ter um corpo, de autonomia, torna-se um privilégio, que se pode imaginar muitas outras pessoas
ou entidades estariam privadas.

Destaque (Amarelo) | Posição 2256

Por outro lado, viver em um mundo completamente virtual pode significar um deslocamento qualitativo nessa
tendência humana à formalização do tempo. O que o episódio nos convida a pensar é em que medida estamos
sendo constantemente manipulados pelos nossos próprios desejos. A apropriação completa do tempo que a
experiência atualista promete, tornando-o disponível à total manipulação, é o mesmo gesto que torna um
privilégio o tempo próprio, o tempo histórico no sentido de uma apropriação decidida fundada na compreensão e
na disposição afetiva. Escasso, e por isso valioso, o tempo próprio parece ser alcançado apenas pela total
alienação do outro, mesmo quando parece ser um luxo ter alguém automaticamente decidindo por você. A
experiência parece um privilégio em um mundo em que certo esteticismo promete uma total coincidência entre o
pessoal e o real. Mas essa bolha de conforto é apenas o outro lado do mesmo espelho que nas suas faces toda
negra ou toda branca são equivalentes. Alienada de si mesma, em suas duas metades, as consciências tornam-se
escravas uma da outra: atriz e telespectadora de si mesma em uma realidade tão perfeita como a ficção.

Destaque (Amarelo) | Posição 2266

De modo paradoxal, a duplicação do ego é uma resposta para nosso medo profundo da solidão e, ao mesmo
tempo, nossa insatisfação nas relações com as pessoas reais que resistem às nossas expectativas. Essa
consciência duplicada nunca está sozinha, mas também nunca está verdadeiramente em relação com uma
realidade da qual possa sentir falta. O atualismo produz a sensação de que tudo que importa está ou estará
disponível e presente.

Destaque (Amarelo) | Posição 2280

Incapaz de estar só, pois naturalizou o mundo como algo essencialmente externo a si mesma, essa pura
consciência vê na ausência e na solidão (ou solitude) apenas ansiedade (Cf., também, entre outros, FERRARIS
2011; TURKLE 2011; SIBILIA 2016; DUNKER 2017).

Destaque (Amarelo) | Posição 2295

Em uma sociedade em que o valor pessoal passa pela capacidade de inovar ou, ao menos, manter-se atualizado
com o fluxo contínuo de inovações, as funções tradicionalmente associadas ao envelhecer parecem perder
sentido. A atomização e a personalização que as novas tecnologias sociais nos prometem dependem de nossa
capacidade de contínua inscrição, como se ao nosso eu real devesse corresponder um eu virtual em contínuo
broadcasting. A vontade de se exibir parece se encaixar perfeitamente na vontade de ver, na curiosidade
ilimitada pelos aspectos mais banais da vida cotidiana, como provam o sucesso de serviços como o Periscope,
que permite a qualquer usuário transformar momentos de sua rotina em streamings de vídeo ao vivo e que tem
como lema a frase: “veja o mundo através dos olhos de outra pessoa”. Esse desejo de uma empatia total parece
marcar as utopias e distopias do tempo digital atualista.

Destaque (Amarelo) | Posição 2310

Esse est percipi, ser é perceber e ser percebido. A antiga máxima do filósofo irlandês George Berkeley
(1685-1753) assume contornos inesperados em nossa condição atualista. Constantemente reproduzidos pelas
diversas mídias sociais, assim como a obra de arte descrita por Walter Benjamin, nosso valor de face depende
cada vez menos de qualquer tipo de aura ou culto da autenticidade e mais de nosso sucesso em nos reproduzir
em múltiplas cópias cujo original já não é tão fácil discernir.
Destaque (Amarelo) | Posição 2453

Ao que parece, sobreviver, resistir e positivar ao atualismo implica em produzir desatualizações, mais do que,
ainda que também seja importante, desacelerar.

Destaque (Amarelo) | Posição 2464

Nossa aposta, neste livro, foi de que alguns fragmentos da temporalização moderna e contemporânea podem ser
abordados em torno da categoria updatismo/atualismo. Essa aposta teve como fundamento a percepção de que
uma das saídas para a crise das humanidades passa por um retorno reflexivo, crítico e criativo a nossa
possibilidade de teorizar e desenvolver novos conceitos. Nesse ponto, concordamos com a análise de Rosi
Bradotti (2015) em sua crítica ao neo-empirismo nas ciências humanas e ao anti-intelectualismo estimulado pelo
neoliberalismo: “Éste es un duro golpe sobre todo para las ciencias humanas, en cuanto penaliza la sutileza del
análisis, llamada a prestar indebida fidelidad al sentido común – la tiranía de la opinión – y al beneficio
económico – la banalidad del interés individual. En este contexto, la teoría ha perdido valor y a menudo ha sido
desacreditada como una especie de fantasía o de narcisista autocomplacencia” (p. 15).

Destaque (Amarelo) | Posição 2477

Nossa tentativa foi fundamentada, também, em reflexões que procuram relativizar uma visão homogênea das
historicidades modernas. Durante toda a sua existência, a temporalidade identificado como moderna foi
desafiada por outras historicidades, mais lentas, mais rápidas, com outros ritmos, outras sucessões de eventos e
outras narrativas (JORDHEIM 2014, BRITO 2014). Assim, o que chamamos de atualismo herda parte de seu
vocabulário analítico de diversas tradições de pensamento que se posicionaram de modo cético e crítico ao
processo de modernização.

Destaque (Amarelo) | Posição 2490

Acreditamos que um dos problemas da reflexão sobre o presentismo ou o presente amplo é não estar
suficientemente atenta a essas diferentes formas de presente, em especial para o fato de que qualquer presente
conterá em si formas específicas de passado e futuro. Para avançar na caracterização dos impasses nas
descrições de nossa historicidade, acreditamos ter argumentado e demonstrado que o conceito de atualização e a
hispótese atualista nos ajudam a pensar uma forma do presente que enfatiza as temporalizações impróprias, as
quais, embora sempre ativas em outros momentos históricos, vão se tornando predominantes não apenas na
cotidianidade, como mostra a descrição fenomenológica heidegeriana, mas se oferecem como umas das formas
hegemônicas de temporalização na era digital.

Destaque (Amarelo) | Posição 2496

Por hora, esperamos ter demonstrado que nosso presente não precisa ser pensado apenas como presente
alargado, ou como um presente sem futuro, mas como uma forma de temporalização assentada em um modo
específico do presente articular futuro e passado que estamos chamando provisoriamente de atualismo. Assim,
acreditamos que deveríamos pensar em nossa situação contemporânea não por uma afirmação negativa, como
sem futuro, com futuro fechado ou, ainda, de um futuro presentista (e mesmo de um passado presentista visto
apenas a partir de um presente estendido), mas com um tipo particular de futuro. O passado e o futuro atualista
não são consumidos apenas em função de um presente estendido. Esse modo específico de articulação das
dimensões temporais encontram, como mostramos, na temporalidade da decadência, um parentesco evidente e
nos ajuda a entender o paradoxo de um presente ao mesmo tempo cheio de novidades e quase sempre vazio de
eventos. Por mais que as novidades se apresentem, seja mesmo vindas do passado ou do futuro, elas não são
capazes de refazer vínculos conjunturais e estruturais, pois ‘nossa atualidade’ se atualiza (quase) exclusivamente
em função da própria atualidade. O que esse movimento pode trazer de novo ao argumento presentista é
esclarecer que não se trata substancialmente de uma ampliação (ou encurtamento) do presente, mas mesmo da
ampliação de referências ao passado e futuro, porém em modo atualista. Nesse sentido, o aprofundamento da
democracia (e da cidadania), por exemplo, pode esperar, pois o importante como destaca a epígrafe da
introdução é a atualização por ela mesma. Assim, podemos entender como a moda ou nostalgia da história e das
coisas históricas ou mesmo do passado pode ser contemporânea da experiência atualista do tempo. Ou de uma
sociedade que teria um futuro fechado ser, ao mesmo tempo, viciada em novidades e ávida pela mais nova série
do Netflix.

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