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Meu caro filósofo húngaro.

Anoto, embevecido, o ser ninguém da sábia manifestante que você coloca no centro
deste seu movimento escritural.
Também as suas são belíssimas expressões. Vigorosas e convidativas.
Sei que você não está pedindo uma adesão cega (como se dizia antigamente) ao que se
passa quando as multidões se movimentam. Imposssível esquecer que houve multidões
nazistas fervendo de desejos engordados cada vez mais de poderes diabólicos.
Mas suas frases estão num outro nível de combate. Elas dão a impressão de assegurar
que as manifestações que acontecem atualmente no Brasil desenrolam-se num patamar
ou nos entremeios de desejos transformadores que não precisam ser prematuramente
adjetivados. Entretanto, é também claro que os afetos que vivemos numa multíplice
manifestação acabam ganhando nomes que tentam apreender até mesmo suas mínimas
diferenças. Não é à toa que Deleuze, para citar um pensador presente na sua escrita,
salienta que o devir revolucionário das gentes não é marcado apenas pelo ser contra
algo, mas também pelo agir contra si mesmo, no sentido de estar atento para que não
emerja o fascista que podemos estar carregando em nós mesmos ao nos manifestarmos,
conforme atestam certas coreografias policiais e contra policiais. Não são os adjetivos,
mas essas mínimas diferenças é que acabam macando as manifestações como
multiplicidades substantivas. São essas clivagens internas que nos obrigam a pensar e a
agir em prol, não do oba-oba, mas de um comum vital criador de melhores
conviviabilidades.
Vejo que um fio de segurança invade suas frases. Ele nos chega chega de uma noção
comum, a da vida em comum, diversamente marcada por uma ‘singularidade qualquer’,
e que você orienta no combate capaz de abrir possibilidades no carcomido molde de
exercício dos poderes políticos e outros mais. À medida que leio e releio sua escrita,
prezado Ulices, algo em mim adere cada vez mais a ela, ao ardil que a compõe. Só não
sei qual é, precisamente, esse ardil.
Mas o que importa é que ele está me forçando a agradecer a você por mais essa escrita.
Abraços de Orl van Andi

Luiz Orlandi e as manifestações: Eu escancarei e disse!


Cada um faça o que bem entender!
02nov

Luiz Orlandi e as manifestações.

(…) Este ou aquele estudioso corre o risco de fazer sua densidade teórica, um
relampejante modelo interpretativo. Modelo que se arrisca a reduzir a complexidade que
vem se passando nas ruas, ao mesmo tempo que o relâmpago flagra um ou outro não se
compartilhe com ele.

- Nessas manifestações de 2013 no Brasil, pode-se bem segui-las capturáveis pelo


conceito marxista de modelo de classe?
- Sim! (eu tô repetindo aqui um jeito platônico de conversar, os “diálogos”)
Evidentemente, Sócrates!

- Cabe também ao conjunto das manifestações ou alguns lances especiais delas, a noção
negriana de multidão?

- Sim, Sócrates, evidentemente…

- E é possível alocar lances de CsO fervendo em desejos nessas manifestações?

- Sim! Evidentemente!

- E poderiam ser abonadas outras disciplinas ricas em gerar modelos desde o mais
irrisório ôba-ôba festivo (…) que se julga mais político revolucionário do que os outros?
Até as disciplinas capazes de gerarem modelos caçadores de bruxos?

Mas, afinal, por que, exatamente, estou dizendo essas coisas correndo o risco de parecer
antipático literalmente falando? Em poucas palavras, ao participar de uma ou outra das
manifestações, minha sensibilidade (agora é o momento de cada um falar o que sente
…) é tomada por uma rachadura entre uma extrema alegria e um carrancudo temor: de
um lado, a admiração voltada à recepção alegre das inovações de luta trazidas por
inúmeros aspectos das manifestações; de outro, o buraco negro (poderia ser azul ou
vermelho, incolor etc) das violências bilaterais, trilaterais, multilaterais etc.: desde as
violências idiotas que criam ramificações fascistas (…) até violências cínicas,
administradas por organizadores da exposição pública de aspectos das multifunções…

Bom… E o que fazer com essa rachadura (a minha)? Que não deve ser apenas afastar-
me da admiração com que vivo essas manifestações?

Jamais!! Desde Platão, admirar desencadeia pensar. E pensar exige uma dedicação
radical ao que se passa. E ser radical, desde, Marx, é ir à raiz dos problemas.
Acontece, que os problemas não se parecem com árvores. Eles não se põem apenas
em função de uma raiz principal, insiste Deleuze, por mais que certos modelos
interpretativos queiram criar essa facilidade.

Isso quer dizer que, a admiração pelas manifestações luta no interior dessas
manifestações para que os problemas sejam arrancados na multiplicidade de suas
inserções e não sejam retidos com oposicionismo entre violência de “x” ou “y”,
desencadeadoras de temor e tristeza. O que a admiração suscita e preserva ao longo do
combate, contra configurações intoleráveis, é uma anarco-disponibilidade para
combates afirmativos e afirmativos de alianças construídas (comum a) do ponto de
vista de amplas convivialidades propícias a modos potentes e alegres de vida. É
dessa manifestação que participo.

Eco a!

Voilà!

É o que eu tinha a dizer e disse das manifestações…


“Grazie” a Deus!

(Evoé!!)

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