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Bacharelado em Psicologia

TTP: Psicanálise

Análise do Filme Um Método Perigoso (2011)

Prof.ª Msª: Brenna Braga dos Anjos

Aluno: Cauê Silva Campos Vasconcelos

Fortaleza, Outubro de 2020


“Um Método Perigoso” (2011) é um filme dirigido por David Cronenberg baseado na
peça The Talking Cure do dramaturgo e argumentista inglês Christopher Hampton,
inspirada na obra de John Kerr. O filme é baseado no início da relação entre Freud e Jung
e o tratamento de Sabina Spielrien, diagnosticada com histeria.

Somos postos no cenário do primeiro engatinhar da psicanálise e da relação entre Freud


e Jung. Apesar do tema da relação dos dois ser bem amplo, o foco do respectivo trabalho
se limitará apenas às interações clínicas do Dr. Jung e sua paciente Sabina Spielrien. No
início do filme, Sabina é levada ao Burghölzli em Zurique, onde Jung trabalha com Eugen
Bleuler. A suspeita inicial seria de algum tipo de histeria. Para Freud (1996), a histeria
seria uma neurose complexa com instabilidade emocional e presença de sintomas físicos
(paralisia em um dos membros, surdez, etc), porém sem nenhuma evidência médica de
comprometimento físico. Assim é Sabina, que após a sugestão de Jung em começar um
tratamento experimental pela fala, mostra os primeiros sinais clínicos que evidenciam
uma histeria, dentre outras evidências de neurose e agitação psicomotora.

A neurose de Sabina era bem particular, pois ela se excitava quando, de alguma forma,
se sentia humilhada, ou apenas o fato de ver uma agressão já estimulava sua libido
(mesmo que simbolicamente). Jung começa o processo terapêutico por meio da
associação livre de Freud; de início Sabina revela que na sua infância apanhava bastante
do pai e era obrigada após as surras a beijar a mão do seu progenitor. Após essas
informações preliminares, e no decorrer de outros encontros, Sabina apresenta resistência
ao processo quando instigada por Jung a se aprofundar mais em suas indagações. Jung
tenta fazer a análise fora do setting tradicional e a leva para um campo, um bosque. Ele
se depara com algo curioso, quando golpeia o casaco com a bengala que tinha caído no
chão, Sabina começa a se contorcer e emitir sons estranhos, tentando esconder uma
excitação. Apenas ver Jung golpeando a bengala (podendo ser entendida como o objeto
fálico) no casaco sujo de folhas lhe causa grande prazer.

A fim de tentar uma maior abertura e aproximação da paciente, Jung convida Sabina
para ser sua assistente numa pesquisa de investigação dos complexos pelo uso do Teste
de Associação de Palavras. O incentivo surte efeito positivo e aproxima analista-e-
cliente. Sabina se abre mais à análise, suas associações livres são mais produtivas e
durante um dos encontros ela tem sua primeira catarse. Ela confidencia a Jung que tem
tido dificuldade para dormir por sentir que um “gato” se arrasta até a sua cama e sussurra
em seu ouvido, concomitantemente tem sentido um molusco/polvo se movendo em suas
costas de forma pegajosa. Jung deduz que se trata de uma fantasia devido ao fato de que
ela estaria se masturbando na cama, fato este confirmado pela paciente. Com isso, ela
conta sobre a primeira vez que seu pai lhe bateu; ela narra que se urinou de tanto medo,
o que rendeu mais uma surra do pai, coisa esta que lhe deu prazer (masoquismo). Há
também a fala a respeito do comportamento que ela desenvolveu na infância, onde ela
agacha-se, tenta defecar, ao mesmo tempo em que tenta evitar defecar. A partir daí o filme
não narra explicitamente outras associações e catarses de Sabina, mas apenas o caso
extraconjugal que aconteceu entre ela e Jung até o rompimento dele com Freud. Contudo,
é perceptível que houve uma grande melhora, evidenciada pela saída da paciente do
hospital psiquiátrico, assim como a conclusão de Sabina no curso de medicina e início
dos estudos em psiquiatria. Sua autonomia estava bem melhor, ao ponto d’ela estar
morando sozinho nesta altura.

Retomando o início da análise da paciente, mesmo que a analisanda não se lembrasse


do que foi esquecido ou recalcado na sua infância, o conteúdo continua atuando. Ela não
reproduz o esquecido como lembrança, mas como ato, ela repete sem saber que repete,
como por exemplo: sentir prazer ao ver Jung golpeando o casaco. A resistência seria então
apenas uma parcela da repetição. Freud afirma (1996) que quanto maior for a resistência,
mais frequente será a substituição do lembrar pelo atuar (repetir). Se o início do
tratamento se dá sob uma transferência suave e positiva, é possível se aprofundar na
lembrança; porém se no decorrer do tratamento houver uma mudança para uma
transferência hostil ou excessivamente forte e passível de recalcamento, o atuar
(repetição) toma o lugar do lembrar, imediatamente.

O analisando deve dar atenção às manifestações da doença e fazer as pazes com o


conteúdo recalcado, que tem expressão nos sintomas. A aproximação das causas da
doença pode desencadear conflitos e aflorar sintomas, mas “não se pode matar um
inimigo que está ausente ou que não está perto o suficiente”. É necessária ao tratamento
a condução ao estar doente.

A introdução da superação das resistências ocorre com o analista descobrindo a


resistência e informando esta ao paciente. É preciso dar ao paciente tempo para se
aprofundar na resistência, para superá-la, enquanto continua o tratamento. No ápice do
trabalho, analista e analisando descobrem as forças pulsionais recalcadas, que nutrem as
resistências. Em muitos casos, essa elaboração das resistências é uma tarefa difícil e exige
paciência do analista, que foi o caso de Jung, que insistiu, propôs outras formas dentro da
análise e tornou o processo acolhedor o suficiente para que Sabina tivesse forças para
confessar e se dar conta do que lhe assolava (na catarse) e depois elaborar o material que
tinha sido descoberto. Essa é a parte do tratamento que terá maior influência na
transformação do paciente e que distingue a terapia psicanalítica de outras terapias por
sugestão.

Ainda falando sobre os alicerces necessários, criados na relação analista-e-paciente,


temos a transferência como algo essencial ao mesmo tempo em que é temida. A
transferência ocorre quando uma pessoa toma as percepções e expectativas de outrem e
projeta-as em outra pessoa. Ela, então, interage com a outra pessoa como se a outra pessoa
fosse o padrão transferido. Normalmente, o padrão projetado sobre a outra pessoa vem de
um relacionamento de infância. Pode ser a partir de uma pessoa real, uma tal matriz, ou
uma figura idealizada ou protótipo, de toda forma isso transfere o poder e também a
expectativa. Quando desenvolvemos uma transferência paterna, enxergamos uma figura
paterna idealizada, pois aquele sujeito é sábio ou autoritário; nos protege e diz o que
devemos fazer pois sabe de muitas coisas; fornece uma sensação de controle sobre nossas
vidas passando segurança. Sabina enxerga em Jung toda aquela idealização de figura
paterna, que lhe batia, mas que também (inconscientemente) lhe dava prazer pela
humilhação.

Jung fornece segurança a Sabina ao mesmo tempo em que é sábio e protetor, e essa
transferência acaba afetando o analista igualmente. A contratransferência ocorre quando
uma pessoa, que é um destinatário de uma atividade de transferência, aceita isso e se
envolve com o paciente em um nível emocional. Infelizmente Jung não soube elaborar
esses fenômenos transferenciais de forma ética e acabou por se relacionar afetivamente e
sexualmente com a paciente Sabina. Freud vê os dois fenômenos transferenciais como
um obstáculo a ser superado na análise, da mesma forma que o autor também empregou
a metáfora do espelho: “O analista tal como espelho só deve refletir o que o paciente lhe
mostrar”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, S. Obras Completas. Volume Único. Standart, 1996.

_________. Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise. In: Obras


psicológicas completas de Sigmund Fred. Standart. Imago: Rio de Janeiro, 1996.

ROZA, Luiz Alfredo Garcia. Freud e o Inconsciente. Zahar: Rio de Janeiro, 1984.

ZIMERMAN, David E. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, técnica e clínica.


Artmed: Porto Alegre, 1999.

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