Você está na página 1de 13

TIRAR OU COLOCAR UM TIL?

ELE PODE: UMA ANÁLISE


DA LEITURA DE JESUS
DE ISAÍAS 61 EM LUCAS 4,18-19*

DOUGLAS OLIVEIRA DOS SANTOS**

Resumo: em Lucas 4,18 -19, podemos perceber que Jesus lê o livro de Isaias no capitulo 61,
no entanto podemos perceber que na leitura do texto há um acréscimo e uma supressão do
texto original. Como o Novo Testamento é escrito em grego a descrição da leitura é copiada
da Septuaginta. Este artigo procura responder por que esta narrativa altera o texto original,
bem como suas implicações nas relações de poder. Buscaremos identificar as intencionalidades
dos textos em todas as circunstâncias sendo elas: a) Texto de Isaias, b) Septuaginta e c) texto
de Lucas. Nessa perspectiva buscaremos convergir todas as narrativas na interpretação dada
por Jesus em confronto com a relação de poder de seu tempo.

Palavras-chave: Isaías. Septuaginta. Lucas 4. Evangelho. Libertação.

Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste


livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele
as pragas que estão escritas neste livro. E, se alguém tirar quaisquer palavras
do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte do livro da vida, e da cidade
santa, e das coisas que estão escritas neste livro. (Apocalipse 22,18-19)

Q
uando observamos o texto enunciado, percebemos que alguns fundamentos teoló-
gicos de nosso tempo ainda buscam insistir em uma interpretação literal do texto,
aplicando-a em toda Bíblia. Apesar do texto em epígrafe se referir ao próprio
livro de Apocalipse, foi criado a partir dele um pressuposto em que se utiliza para interpretar
toda Bíblia. Nosso intuito aqui não é fazer uma analise deste texto, nem tam pouco afirmar

* Recebido em: 07.09.2015. Aprovado em: 27.09.2015.


** Mestrando em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Graduado em
Teologia pelo Seminário Teológico Batista Equatorial, e em História pela Universidade Salgado
de Oliveira. Pós-graduando em Poder, Memória e Identidade pela Universidade Federal de Goiás.
E-mail: pr.douglasdossantos@hotmail.com

FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015. 489


que os manuseios dos documentos bíblicos devem ser manipulados, pelo contrário, entendemos
que a nossa função é buscar a maior proximidade possível das intenções propostas no texto.
Precisamos compreender também que a própria tradução por si só já altera a natureza do texto
em si. Por esse motivo há a necessidade de nos aproximarmos do texto, não para modificá-lo,
mas compreendê-lo e interpretá-lo. No entanto quando falamos de interpretação, falamos de
vários olhares e de várias realidades. Os textos precisam fazer compreender a nossa realidade,
isso não significa que qualquer olhar deve ser considerado, pois quando trabalhamos com
documento, precisamos a partir dele, estabelecer fundamentos hermenêuticos e princípios
exegéticos para se chegar a uma compreensão provável do que está sendo narrado.
Nessa perspectiva analisaremos Lucas 4,18-19, em que Jesus, na cidade Nazaré,
local onde foi criado, entra na sinagoga no dia de sábado e lê Isaias 61, 1-2, queremos dei-
xar claro que toda vez que falarmos de Jesus, estaremos lembrando do Jesus da comunidade
lucana1, o Jesus retratado por ela. Porém, no manuscrito lucano há uma particularidade, em
que parte do texto de Isaías foi suprimido e outra parte acrescentado, ou seja, em parte ‘foi
tirado um til’ e ‘acrescentando outro’. No entanto, temos que levar em consideração alguns
fatores. Em primeiro lugar, como o Novo Testamento é escrito em grego, o fragmento que a
comunidade lucana usou foi copiada parte da Septuaginta2. Comparando os dois textos, se
percebe claramente o acréscimo e a supressão, segundo que o texto original de Isaias, que se
encontra em hebraico, apresenta outras particularidades.
Em Lucas 4,18-19 consta:

O Espírito do Senhor é sobre mim, Pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me
a curar os quebrantados de coração, a pregar liberdade aos cativos, e restauração da vista aos
cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, A anunciar o ano aceitável do Senhor.

De acordo com Lucas 4, Jesus afirma que a profecia havia se cumprido aos ouvidos
dos que estavam ali. Antes mesmo de sua fala as pessoas presentes naquela localidade já esta-
vam “fitando os olhos nele”. A comunidade lucana enfatiza esse momento, para eles é único,
por alterar a narrativa referenciada da Septuaginta. Buscamos traduzir o texto tentando trazer
a forma mais literal possível. O primeiro texto é o da Septuaginta e o segundo é o texto da
comunidade lucana. As partes em negritos são aquelas que se diferenciam uma das outras.

O Espírito do Senhor está sobre mim do qual ungiu por causa de mim a se proclamar
aos pobres, tendo enviado a mim para curar para si aqueles que têm esfregado ao
coração e ter proclamado aos cativos a libertação e também aos cegos a recuperação de
vida. Ter chamado o ano aceitável do Senhor e o tempo da recompensa ter chamado
ao lado todos os aflitos.3 (Isaias 61,1-2 – Septuaginta - Tradução do autor)

O Espírito do Senhor esta Sobre mim do qual ungiu por meio de mim a se proclamar aos
pobres, tendo enviado a mim para ter proclamado aos cativos a libertação e também aos
cegos a recuperação de vida a enviar a aquele que tendo sido quebrado pela libertação
à proclamar o ano aceitável do Senhor (Lucas 4, 18-19, tradução do autor).

Buscamos deixar a tradução bem literal para que possamos perceber as sentenças
claramente. Em primeiro lugar, percebemos que a tradução Almeida Revisada e Atualizada
490 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015.
acrescenta “quebrantados de coração” que seria o equivalente “àqueles que têm esfregado o
coração” – tus suntetrimmenus tê kardía, que somente aparece na Septuaginta. Neste caso, a
Almeida Revisada e Atualizada, busca uma proximidade com o texto proposto pela tradução
de Isaías “o Coração destruído” - lenishverey lev -, a tradução Almeida Revisada e Atualizada
ignora o fato de que no texto de Lucas suprime expressões semelhantes, o que a tradução
busca fazer é trazer uma proximidade com as palavras hebraicas e a intenção da Septuaginta.
Percebemos que há de fato uma preocupação com a alteração proposta por Jesus, talvez uma
tentativa de corrigir o que supostamente havia sido escrito errado. Entendemos que as altera-
ções estabelecidas pela comunidade lucana foram intencionais e com propósito, porém, antes
de analisamos o texto de Lucas, analisaremos superficialmente Isaías 61,1-2, que em nosso
entendimento é o ponto de partida na compreensão da narrativa de Lucas.

ONDE TUDO COMEÇOU

A princípio precisamos compreender a diferença entre alterar e interpretar. A alte-


ração busca modificar o que foi dito, no entanto, a interpretação visa explicar o que foi dito.
Isso é importante, pois sabemos que há uma distinção muito clara entre os documentos do
Antigo e do Novo Testamento, no caso a língua. O Antigo Testamento foi escrito em hebraico
e o Novo testamento em Grego. É impossível traduzir as palavras de forma exata para uma
língua, neste caso, ao traduzirmos um texto, simplesmente buscamos interpreta-lá, na tenta-
tiva de fazer transparecer a sua ideia central. Outro ponto fundamental é que Lucas 4,18-19,
faz uma menção da leitura de Jesus em Isaias 61, sabendo que a sinagoga é um espaço sagrado
judaico, pode se entender que a narrativa ocorreu na língua hebraica, no entanto o evangelho
de lucas, foi narrado na língua grega. A comunidade lucana bem como os demais evangelhos,
passa a interpretar os ditos de Jesus em um contexto helênico1, por isso fizeram questão de
produzirem suas narrativas em grego.
Seria impossível resgatar essa narrativa lucana em hebraico, mas podemos compre-
ender o texto que Jesus leu em hebraico, pois o mesmo é originado do hebraico. Da mesma
forma buscamos fazer uma tradução bem literal do texto de Isaias 61,1-2 em hebraico, na
tentativa de buscarmos uma proximidade com os originais.

O Espírito do Senhor Iahweh está sobre mim porque Iahweh me Tira pra anunciar aos
oprimidos, deixa-los ser livre e unir o coração destruído, para proclamar ao cativo a
libertação e ao algemado libertação, para convocar do sono a benevolência em direção a
Iehweh e no dia da vingança o nosso Elohim consolara a todos os enlutados.5

As palavras em hebraico possuem certa dificuldade para sua tradução. Em alguns


momentos é necessário um aglutinado de palavras para se aproximar do que está sendo dito,
porém existem algumas características bem didáticas em sua composição gramatical. No he-
braico, o autor pode assinalar quais as palavras que ele gostaria de colocar em destaque, essa
ênfase e feita por meio do “caso do objeto direto” transliterado como et, que possui a função
de enfatizar uma palavra do texto. No texto referido, ela aparece uma vez na palavra “me”,
palavra que fizemos questão de sublinhar, pois acreditamos que a intenção do autor possui
prioridade. Em um texto precisamos levar em consideração o seu contexto, mas é o documen-
to que nos faz ter acesso direto as informações.
FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015. 491
É bem possível que se chegue a deduzir a intenção fundamental, não a partir da es-
trutura interna de um texto, mas somente mediante uma cuidadosa análise da sua
linguagem. É justamente por isso que não basta conhecer apenas as leis que regem a
estrutura exterior de um determinado gênero literário. É também estritamente necessário
procurar ver qual é a sua intenção (LOHFINK, 1978, p. 36).

O texto de Isaias 61,1-2, busca enfatizar a vocação do Isaias, colocando-o como o


mediador da mensagem de Iahweh. É importante lembrar esse fato, para que possamos com-
preender a posição de Jesus, ao ler e interpretar este texto.
A pessoa do profeta se apresenta como um sábio na tentativa de auxiliar e até mesmo
conduzir os indivíduos em momentos de crise e conflitos. No entanto, a palavra “profeta” vem
do grego , que se aproxima muito da ideia do advinho Por isso, preferimos utilizar
a palavra “oráculo”, que propõe a ideia daquele que prevê o futuro ou descreve o presente por
uma leitura de mundo. Auth (2001) em seu livro “O Alto Preço da Prosperidade: Monarquia
unida em Israel”, relata que a atividade profética ou a vidência era uma função muito utilizada
no mundo antigo, sendo utilizada para desenvolver várias funções a partir de uma consulta di-
vina, seja por motivos de saúde até legislar em relação aos problemas da comunidade. Porém a
monarquia se utilizava do vidente na busca de legitimação de seu governo.
Em nosso caso estamos nos referindo ao “Trito Isaias”6 que é composto pelos capí-
tulos 56-66, que são os textos compostos após o cativeiro babilônico, quando os indivíduos
haviam voltado para a sua terra. No entanto, havia a necessidade de reconstruir a sua cidade,
os muros, as estruturas políticas e ainda disputar o território com os que ali já se encontravam.
Porém, o que Trito Isaias procurava era estabelecer o caráter identitário do povo, reforçando a
religião de seus antepassados e se colocando como portador da salvação. No texto, aparecem
três palavras referidas à liberdade: a primeira se encontra na seguinte sentença: “anunciar aos
oprimidos e deixá-los serem livres”, e o verbo shelara, que significa “ ‘enviar’, ‘mandar em-
bora’, ‘soltar’, ‘espalhar’, ‘disseminar (contenda e discórdia)’, ‘esticar ou estender (a mão ou
uma vara)’, ‘lançar (raiz ou ramos)’ [...] O terceiro sentido, o de ‘soltar’, ‘por em liberdade’
(HARRIS; ARCHER JUNIOR; WALTKE, 1998, p. 1567). Nesse sentido, o Trito Isaias
busca esclarecer que aquelas pessoas precisavam entender que elas estavam desprendidas do
cativeiro babilônico, mas eles precisavam se libertar da opressão ‘anavim. Segundo o “Di-
cionário Internacional do Antigo Testamento” (1998, p. 1143), a palavra expressa a ideia de
que o individuo está sujeito à “força, imposição e castigo”, o que significa que mesmo sendo
liberto do cativeiro, o povo ainda se encontrava oprimido pela situação política vigente. A se-
gunda palavra ligado, à liberdade é derôr, que significa “libertação, liberdade”, palavra cognata
do acadiano andurâru, ‘liberdade’. Expressão técnica que se refere à libertação de escravos
hebreus e de bens a cada 50 anos no ano do jubileu” (HARRIS; ARCHER JUNIOR; WAL-
TKE, 1998, p. 327), a palavra se encontra na seguinte sentença “para proclamar ao cativo
libertação”, ligando a libertação relacionado ao corpo. Por fim, a palavra peqah-qôah, que
significa “ato de abrir, abertura (de cárcere), libertação” (KIRST; KILPP, 2003, p. 197).

[...] com duas exceções designa abrir os olhos (Is 42.20, o abrir os ouvidos; Is 61.1, abrir
uma prisão para aqueles que estão presos [cf. Lc 4.18-19]) [...] Quando peqah se refere
a abertura dos olhos dos homens, quase sempre é Deus o sujeito do verbo (HARRIS;
ARCHER JUNIOR; WALTKE, 1998, p. 1231).

492 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015.


Essa palavra se encontra na seguinte sentença “ao algemado libertação”, ligado à
ideia de poder enxergar o que é algemado.
Vimos que o Trito Isaias usa a palavra libertação em três instâncias, em primeiro
lugar uma liberdade involuntária, o povo já era livre por intermédio de Iahweh; em segundo,
a liberdade do corpo e o terceiro, a liberdade da mente. Ao contrário do que muitos defendem
o Trito Isaias não buscava referenciar o futuro, mais o seu presente. Wolff (1978) afirma que o
profeta esclarece a ação de Iahweh no meio do povo, explicando o início de sua manifestação
e seu fim, para ele os profetas cuidam para que suas mensagens não fujam de seu propósito.
No livro de Isaias, os capítulos 56-66 fazem parte do Trito Isaias. Sellin e Fohrer
(2007, p.544) defendem que esse trecho do livro de Isaias foi escrito por vários autores. Isso
seria constatado por não possuir a mesma linguagem e por não possuir trechos espirituais
semelhantes. Porém, alguns trechos buscam estabelecer a mesma temática do Dêutero-Isaías
por exprimir expectativas análogas sobre a salvação. Sellin e Fohrer (2007, p.545) consideram
que de certa forma esse trecho busca imitar o Dêutero-Isaías, passando a configurar o recorte
como oráculo da salvação:

Os três oráculos de salvação 60, 61 e 62 se devem a um único profeta dos primeiros anos
do pós-exílio, o qual se inspira bastantes no Dêutero-Isaías, do qual extrai frases inteiras
e mais ou menos ao pé da letra [...] e utilizou determinadas expressões [...] ou expôs a
mesma ideia com termos semelhantes[...] Muitas vezes, no entanto, ele coloca nas palavras
um significado novo, reinterpretado no sentido de Jerusalém e de seus habitantes, certas
frases que se referem a Deus.

Quando o povo judeu voltou para sua terra, aparentemente estava livre, e a orga-
nização da terra, as grandes construções e a restauração política, pareciam favoráveis a ideia
de liberdade. “As circunstancias políticas favorecem a esperança de restauração da comuni-
dade dispersa.” (ASURMENDI, 1988, p.86). Porém, o Trito Isaias defende uma liberdade
conquistada, a terra ainda era disputada, a identidade precisava ser restaurada e algumas
estruturas políticas já estavam organizadas no processo de exploração do povo. O Trito Isaias
demonstra que a liberdade era ainda um processo. A salvação aparece aqui como uma ca-
racterística territorial e cultural, onde o próprio oráculo se apresenta como representante de
Iahweh, para fazer com que as pessoas enxergassem uma nova perspectiva de liberdade.
Nesse sentido, quando Jesus lê o texto, temos uma noção das ideias transmitidas
pelo Trito Isaias. Contudo, a comunidade lucana se utiliza da tradução grega deste texto que
vai nos trazer ainda outras perspectivas.

A PRIMEIRA RELEITURA (SEPTUAGINTA)

Como introduzimos anteriormente, o Antigo Testamento foi traduzido para o gre-


go entre o terceiro ao primeiro século a.C. após Alexandre Magno ter dominado a Europa,
Ásia e Norte da África. Alexandre havia sido aluno de Aristóteles, resolvem transformar os
povos dominados em gregos, isso significa que Alexandre implanta um método de reeducação
cultural, fazendo com que todos assimilassem a cultura grega, o que facilitaria o processo de
dominação. É importante frisar que Alexandre recebeu duas influências vindas da formação
do povo grego, que se estabelecia a partir do confronto entre Esparta e Atenas. Esparta que se
FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015. 493
destacou pela guerra e Atenas que se destacou pela cultura, berço de Sócrates e Platão, sendo
Aristóteles discípulo direto de Platão. Alexandre dominava as cidades de modo espartano e as
controlava de maneira ateniense.
Depois da morte de Alexandre seu reino foi dividido em quatro7, e é a partir desse
contexto que se encontra a tradução do Antigo Testamento. Destes quatro reinos, dois são
fundamentais na História dos Judeus, sendo eles a dinastia dos Ptolomeus e a dinastia dos
Antiocos.

Os judeus sob os Ptolomeus. Nem bem Alexandre morreu, seu império começou a
desintegrar-se, enquanto seus generais brigavam entre si, procurando obter todas as
vantagens que pudessem. Desses generais, só dois nos interessam: Ptolomeu (Lagi) e
Seleuco (1). O primeiro assumiu o controle do Egito e estabeleceu sua capital na nova
cidade de Alexandria, que em breve tornou-se uma das maiores cidades do mundo.
O outro assenhorando-se da Babilônia (em 312/11), estendeu seu poder em direção
ao oeste até a Síria e em direção ao leste até o Irã; suas capitais ficava em Selêucida,
sobre o Tigre, e Antioquia, na Síria – esta ultima em breve também iria tornar-se uma
grande metrópole. Ambos, rivais, cobiçavam ardentemente a Palestina e a Fenícia. Mas
Ptolomeu, depois de muitas manobras, cujos detalhes não nos interessam, teve sucesso.
Quando a situação política se estabilizou, depois da batalha de Ipsos (3011), esta área
ficou sob seu complemento domínio (BRIGHT, 1978, p.493).

A dinastia Antíoca seguia os velhos padrões espartanos, influenciados pelas con-


quistas de Alexandre. A partir desse processo de dominação surgiu a épica batalha dos Maca-
beus, porém foi com Ptolomeu II Filadelfo (285-246), que buscou estabelecer uma estratégia
Ateniense, também influenciada pelas ações de Alexandre. Ptolomeu II criou a biblioteca
de Alexandria e solicitou a tradução dos textos do Antigo Testamento, sendo que a Bíblia
Hebraica foi traduzida para o grego, no século III a. C., acréscimo de outros textos de tradição
helênica, mais precisamente de Tobias, Baruc, Judit, 1 e 2 Macabeus, Eclesiástico, Sabedoria e
outros pequenos trechos (SILVA, 2008, p. 88). O livro de Isaías recebe a influencia da tradu-
ção do Pentateuco. Acerca da obra intelectual de Ptolpmeu II afirma Tongnini (1956, p.74):

Filadelfo não foi guerreiro. Doente, de temperamento calmo, apreciava a vida literária.
Organizou uma biblioteca e um museu, os maiores daqueles tempos. Reuniu as mais
raras, as mais preciosas obras do mundo. Intelectuais e artistas de toda partes recorriam
aos seus tesouros escritos. “Alexandria, diz J.C. Rodrigues, tornou-se um cadinho de
fusão entre as ideias hebraicas e gregas”. A Septuaginta apareceu nesse período.

No momento da tradução da LXX, ela recebeu algumas alterações. Como explica-


mos anteriormente toda tradução é uma interpretação, por isso toda a tradução recebe a in-
fluência de seu tempo. Percebemos algumas distinções entre o texto hebraico de Isaias 61,1-2,
para o texto grego (LXX) que versa:

O Espírito do Senhor está sobre mim do qual ungiu por causa de mim a se proclamar
aos pobres, tendo enviado a mim para curar para si aqueles que têm esfregado ao cora-
ção e ter proclamado aos cativos a libertação e também aos cegos a recuperação de vida.

494 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015.


Ter chamado o ano aceitável do Senhor e o tempo da recompensa ter chamado ao lado
todos os aflitos.

Aqui não queremos fazer uma análise detalhada do texto, mas compará-lo com o
texto hebraico e buscar sua intencionalidade em seu tempo. Em primeiro lugar, as palavras
que se referiu libertação, fori traduzida de maneira diferente. A primeira palavra shelara “
enviar, mandar embora, soltar”, foi traduzida por iasasthai, “curar, melhorar, restaurar”; a
segunda derôr, que significa “libertação, liberdade, refere à libertação de escravos”, foi tradu-
zida por áfesin, “libertação, perdão, cancelamento de uma obrigação” e a terceira peqah-qôah,
que significa “ato de abrir, abertura (de cárcere), libertação, abrir os olhos”, foi traduzida por
anáblepsin “recuperação da vida”.
Percebemos aqui três sentidos distintos, a “cura, cancelamento de uma obrigação
e recuperação de vida” isto, segundo Sellin e Fohrer (2007, p.721), foi uma influência do
Pentateuco, escrito no século III a.C. e dos profetas. Nesse período Roma, já havia dominado
Cartago ou estava preste a dominar, a insegurança territorial era evidente e o povo sofria várias
instabilidades. Compreendemos que a primeira era a pobreza que a Septuaginta trata como
enfermidade, uma enfermidade que precisa de cura; a segunda, a septuaginta resgata a ideia
de cativos, buscando a liberdade dos poderes dominantes, pois os mesmos eram sujeitos ao
controle das estruturas dominantes e, por fim, busca relacionar o “abrir os olhos” com a ce-
gueira que é a ausência de uma vida autônoma. Percebe-se que os tradutores buscam, mesmo
em uma cultura helênica, preservar características da identidade judaica. “Nem os Ptolomeus
nem os Selêucidas interferiram nas atividades culturais e religiosas internas do povo que vivia
na Palestina” (KOESTER, 2005, p.213), porém eles se relacionavam com a cultura helênica,
pois “as cidades foram os principais agentes de helenização”. Isso pode ser percebido quando,
observamos que o nome de Iahweh não é traduzido como nome próprio, talvez para que
o mesmo não seja inserido no panteão grego e dessa forma inferiorizá-lo. “Para começar, a
polêmica profética contra a idolatria formaram em muitos judeus a convicção de que a sua
adoração monoteísta era amplamente superior ao politeísmo e sincretismo que os rodeavam”
(MEEKS, 1992, p. 49). Iahweh passa a ser traduzido por Kurios, que traduzimos como “Se-
nhor”, mas a palavra equivalente a “senhor” no hebraico é Adonai, acreditamos que a preocu-
pação com a tradução buscava também uma luta contra a idolatria, visto que a Transjordânia
não era povoado apenas por judeus.

Uma parte dos habitantes das cidades era constituída por macedônicos e gregos, mas pre-
dominavam semitas helenizados: sírios, fenícios, árabes, e naturalmente também israelitas.
A consequência foi a importação de elementos culturais gregos ou orientais helenizados,
de um novo estilo de vida e de cultos estrangeiros. Os deuses cultuados nessas cidades
eram divindades orientais com nomes gregos (p. ex., Astarte como Afrodite em Ascalon)
ou deuses gregos, como Dionisio em Citópolis, cujas moedas trazem o nome Nisa, berço
mitológico de Dioniso, como nome oficial da cidade (KOESTER, 2005, p.213).

O Egito possuía muitos interesses nessa região, por ser um polo intermediário entre
a Mesopotâmia, porém a “Judeia encontrava-se no meio destes interesses egípcios, como um
enclave santo e era administrada com relativa independência. Ficou como nos dias de Ne-
emias: um relativamente inoportuno Estado sacerdotal. (REICKE, 1996, p.65). Isso talvez

FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015. 495


porque a tradução de Iahweh como Senhor, retrata que os judeus só tinham um Senhor a
quem servir. Um Deus único que cura, liberta e restaura a vida.

JESUS E A LEITURA DA LEI

O Espírito do Senhor está sobre mim do qual ungiu por meio de mim a se proclamar aos
pobres, tendo enviado a mim para ter proclamado aos cativos a libertação e também aos
cegos a recuperação de vida a enviar a aquele que tendo sido quebrado pela libertação a
proclamar o ano aceitável do Senhor. (Lucas 4,18-19)

Baseando-se nos pressupostos do livro de Isaias, citado no capitulo anterior, e in-


fluencias sofrida pela Septuaginta, poderemos compreender como a comunidade lucana vê a
mensagem deste texto lida por Jesus. Apesar de buscarmos o foco da transmissão da mensa-
gem, buscaremos analisar a alteração feita entre o texto de Isaias 61 (LXX) e não se trata de
casos isolados, pois Lucas. Nesse processo os textos do Antigo Testamento passaram a sofrer
influências das interpretações do Midraxe:

O midraxe, que nasce como ensinamento oral e se tornará tradição, oral, origina-se, por
conseguinte, da necessidade e da determinação de extrair da fixidez da palavra escrita,
lições sempre novas e constante cambiantes, de modo a manter vivo o espírito do texto
escrito, numa aderência estreita aos problemas contingentes e na tentativa de prevenir
problemas futuros (LIMEIRA, 1998, p. 19).

É importante deixar claro que o que Jesus faz é dar um novo olhar para o texto de
Isaías, na realidade ele busca ressaltar o sentido do texto, não que o Midraxe não o fizesse, mas
sua interpretação estava mais voltada para a manutenção da tradição do que para um processo
transformador na comunidade atual. Neste processo, observamos os debates entre Jesus e os
fariseus, “Jesus interpelou os fariseus e estes também o interpelaram. Os textos evangélicos
levaram para o passado a agudez de um conflito com os fariseus inexistente no tempo de Je-
sus, presente quando da redação dos evangelhos” (MIRANDA; MALCA, 2001, p.77). Neste
sentido, precisamos reparar algumas injustiças em relação aos fariseus, pois alguns debates
estabelecidos no Novo Testamento não retratam o contexto imediato (contexto da narrativa,
período histórico narrado), mas o contexto mediato (contexto em que o livro foi escrito).
Lohse (2000, p.188) afirma que a profecia de Jesus sobre Jerusalém deve ser considerada
como histórica (neste caso, uma descrição do ato histórico já acontecido), pois no momento
da escrita elas já haviam se cumprido. Isso significa que os confrontos e as falas de Jesus no
Evangelho de Lucas espelham o passado, mas revela o presente da comunidade.
Para entender o que Jesus estava fazendo, precisamos compreender a estrutura lin-
guística do Novo Testamento. “Há no grego do Novo Testamento, traços hebraicos inques-
tionáveis, resultado da influência do Antigo Testamento hebraico e da Septuaginta” (BIT-
TENCOURT, 1993, p. 50). Bittencout (1993, p. 50) defende que o Antigo Testamento é
uma espécie de Léxico (Léxico - acervo de palavras de um determinado idioma) do Novo Tes-
tamento, pois muitas terminologias só podem ser entendidas através do Antigo Testamento.
Pace (2012), em sua obra Il Carisma, la fede, la chiesa: Introduzine allá sociologia
del cristianesimo, deixa claro que o que Jesus fez não foi montar uma nova religião, pois o
496 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015.
judaísmo já era plural. Stegemann e Stegemann (2004, p. 177) também retratam esse mesmo
principio do contexto religioso judaico:

Como já sabemos ficou evidente, o pluralismo religioso não era em absoluto simplesmente
idêntico às tendências dos fariseus, essênios e saduceus, que distinguimos com base na
tradição antiga. Pelo contrario, o judaísmo do período helenístico-romano caracteriza-se
por um amplo espectro de grupos, movimentos e correntes muito diversos com forma
social mais ou menos definidos.

Assim os debates estabelecidos por Jesus e os líderes religiosos não eram apenas uma
desconformidade com os líderes religiosos, os debates não eram pessoais, mas favoreciam a
liberdade de expressão e a demonstração de uma nova perspectiva.
Como já havíamos afirmado anteriormente o texto lido por Jesus em Lc 4,18-19,
possui algumas alterações: primeiro ele suprime “para curar para si aqueles que têm esfregado
ao coração” e posteriormente acrescenta “aquele que tendo sido quebrado pela libertação a
proclamar”. É importante lembrar que os contextos de cada texto são muito diferentes. A par-
tir das observações dos originais entendemos que, na Septuaginta, os tradutores se referem e
conclama ao arrependimento, a expressão “esfregar o coração” pode ser traduzido como “ras-
gar o coração” ou “abrir o coração”. A grande preocupação era fazer com que os judeus não se
esquecessem de Deus. Na comunidade lucana, a realidade era completamente diferente, Jesus
se refere aos libertos, ele retrata que os que foram quebrantados pela libertação, deveriam pro-
clamar o “ano aceitável do Senhor”. É importante ressaltar que a ideia de libertação foi estabe-
lecida em uma relação interna, gerando proporções externa; aqui entendemos que o ano acei-
tável do Senhor corresponde a ideia de reino, os que compreenderam a mensagem deveriam
difundir uma nova ideia de comunidade, distinta da pax romana. Observa-se que aqui há uma
distinção na ideia de “messias” que no Trito Isaias era o proclamador do Dia do Senhor, que
seria a restauração da nação; na Septuaginta o proclamador continua sendo Isaias, na ideia de
que o Dia do Senhor seria a restauração da identidade do povo. Aqui Jesus se coloca como
messias, porém os proclamadores são os “quebrantados de coração”, que deveriam anunciar o
ano aceitável do Senhor, quando livraria os indivíduos da opressão do império. Jesus retira os
convertidos de uma ação passiva e os coloca como agentes de transformação.
A visão messiânica proposta por Jesus estabelecia uma relação dialética com as de-
mais concepções messiânica. As ideias messiânicas se estabeleciam em várias vertentes, em
vários provérbios e em várias tradições judaicas. Lima (1998, p. 13) nos traz quatro provér-
bios judaico, Jesus buscam dialogar com a ideia messiânica exposta por estes provérbios: a)
“Messias não veio, não está vindo e não virá; é preciso ir ao seu encontro”, b) “Messias deveria
vir logo após ter chegado”, c) “Messias chegará quando aquele que deve precedê-lo garantir
uma boa acolhida no seio do gênero humano, proporcionando a oportunidade de chegar, de
se revelar e não obstante isso, de sobreviver em paz” e d) “a chegada do messias não coincidirá
com um fim apocalíptico de mundo e nem com uma milagrosa transformação angelical de
todos os seres vivos”. Podemos perceber aqui que os princípios messiânicos se fundamentam
em uma percepção do messias, aqui Jesus não tem objetivo de contraria a tradição, mais de
fazê-la percebida na comunidade.
Percebe-se que Jesus não nega totalmente os provérbios estabelecidos pela tradição,
mas ele coloca a visão messiânica como um grande projeto libertador. Jesus ressalta, aqui,

FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015. 497


um fundamento da ideia de liberdade estabelecida pelo Trito Isaias, que era exatamente uma
liberdade conquistada, que não anula os três conceitos de liberdade, ou seja, liberdade por
intermédio de Iahweh, liberdade do corpo e a liberdade da mente. Ele também não anula os
conceitos estabelecidos pela Septuaginta em que a liberdade estabelece a ideia de cura, cance-
lamento de uma obrigação e recuperação de vida. O que ele faz é inserir o “quebrantado de
coração” no processo de libertação.
O Evangelho de Lucas pode ser datado por volta dos anos 90, período este que
sucede ao Imperador Nero, e posteriormente pelos imperadores Vespasiano (69-79), Tito Fla-
vio (79-81), Domiciniano (81-96) e Trajano (98-117), que seguiram basicamente o mesmo
projeto de Nero no que se refere a perseguição aos cristãos. A estrutura política se fundamen-
tava no patronato. Malina (2004, p. 81) afirma que o imperador desempenhava um papel de
patrono para com os de seu grupo, uma espécie de pai, esses se tornavam intermediários das
ações do imperador. A situação da maioria da população era difícil principalmente para os
agricultores. Stegemann e Stegemann (2004, p.134) afirmam que os pequenos agricultores
judeus, possuíam uma subsistência suportável, pois era pouco provável que o governo houves-
se considerado todos arrendatários. A terra era um problema, pois as pessoas não se sentiam
mais pertencentes a ela, nem como produtora, nem como identidade. Richter Reimer (2010,
p. 30), ao abordar a questão da terra, afirma que os indivíduos observam esta questão como
“algo que está fora de nós, para além de nós, mas que mesmo assim está aí ‘pra’ nós, deve estar
a nosso dispor, para nosso usufruto e beneficio, enfim, para ‘nossa’ vida; e se água e terra fal-
tarem, nós morreremos.” Nesse sentido, apresentar Jesus aqui nos traz uma nova perspectiva
de luta, não uma luta estabelecida pelos dominantes.
Podemos perceber que “o evangelho de Lucas tem uma perspectiva clara: mostra que
a nova história pode ser construída pelos pequeninos [...]. O Evangelho de Lucas tem uma ex-
pectativa: mostrar que a nova história pode ser construída pelos pobres” (FERREIRA, 2012a,
p.161). A visão messiânica de Jesus no evangelho de Lucas consiste em um processo, Ferreira
(2012b, p. 81) expressa que o ministério de Jesus se dá de forma crescente, Jesus inicia seu mi-
nistério na Galileia, pois lá se estabelece o primeiro confronto com as autoridades dominantes.
Em sua mensagem de libertação Jesus enfatiza três adjetivos relacionados aos desfavorecidos:
a) ptochois, que pode ser traduzido por pobres, pedinte e oprimido, podemos perceber que a
pobreza não consiste apenas na ausência do recurso, mas na coerção e dominação, o recurso
era a maneira de controlar os indivíduos; b) aichmalotois, que pode ser traduzidos por cativos
e prisioneiros, de certa forma retoma a memória dos judeus ao se lembrarem de seus cativeiros
estabelecidos no Egito e na Babilônia, no entanto o povo se encontrava cativo em sua própria
terra, sem identidade e sem pertença; e c) tuflois, que pode ser traduzido por cegos, os adjetivos
anteriores são gerados por uma estrutura politica maior, neste caso Jesus ressalta a incapacidade
de perceber, estabelece o conceito de doença, a necessidade de cura.
Os desfavorecidos estavam sobre a estrutura romana, que difundia a ideia de paz
(pax). Segundo Lohse (2000, p.188) a “pax romana” foi crida por Otaviano depois de sua
vitória sobre Antônio, o fim a guerra estabelece uma sensação de paz, porém se inicia um go-
verna absoluta, que concentrava todo seu poder na força do exercito. A paz e a liberdade para
os povos dominados eram configuradas em opressão estabelecida pelo medo e pela pesada
carga tribultária como expressa Donini (1988, p. 166).
Deve recordar-se que, aos aspectos, de caráter místico, juntava-se motivos de ordem
econômica. Os hebreus, por exemplo, encontravam-se isento da obrigação do culto

498 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015.


imperial; mas, dado que tal concessão comportava um aumento do encargo financeiro
para os outros súbditos, aqueles foram convencidos a contribuir para o erário com um
sacrifício quotidiano, oferecido ao seu em nome do soberano.

Para Donini (1988, p. 164) a condição da população era simplesmente para nascer,
trabalhar, reproduzir-se e morrer, subordinados as necessidades estatais. Quando observamos
a mensagem de Jesus e as estruturas impostas pelo império, percebemos que a vida total das
pessoas era afetada de várias formas, tanto na tentativa de inferiorizar bem como humilhar,
segundo Hosley (2004, p.36) havia varias praticas punitivas do império, entre elas a arre-
cadação dos tributos e a exibição dos estandartes do exercito romano aos povos derrotados,
para ele essas praticas também devem ser vistas como formas de humilhação. Percebemos que
Jesus busca uma liberdade de corpo e mente, isso pode ser entendida como uma enfermidade,
Meeks (1997, p. 131), distingue essa enfermidade em duas modalidades:

Os problemas com o corpo eram de duas modalidades. Por um lado, ele estava sujeito a todo
tipo de contingências. Pode ficar para sempre doente ou ferido; necessita constantemente de
ser suprido de alimento, bebida e sono; pode ser torturado, aprisionado ou posto à morte. Por
outro lado, ele parece ter, como alguém disse, uma consciência de si mesmo: manando para fora
dele surgem os impulsos e paixões que podem dominar a razão e anular o julgamento prudente.

Percebemos que Jesus busca estabelecer uma cura espiritual, que se distingue de
uma “paz interior”, pelo contrário Jesus a consciência de sua situação proporciona uma mo-
vimentação para a comunidade, para os quebrantados de coração, essa comunidade estabe-
leceria um propagação da mudança de mente do oprimido, estabelecendo uma reação conta
a ideia de paz estabelecida pelas estruturas dominantes. A representação messiânica, não se
estabelece em um campo metafísico, mais em um processo concreto nas relações sociais.

TAKE OUT OR PLACE A TITTLE? HE CAN: AN ANALYSES OF JESUS READING


FROM ISAIAH 61 IN LUKE 4,18-19

Abstract: in Luke 4,18 -19, we can see that Jesus reads the book of Isaiah in chapter 61, however
we can see that the text will read an addition and deletion of the original text. As the New Tes-
tament is written in Greek the description of reading is copied from the Septuagint. This article
seeks to answer why this narrative changes the original text and its implications in power relations.
We will seek to identify the intentions of the texts in all circumstances and they: a) Isaiah text, b)
Septuagint and c) Luke text. From this perspective we seek to converge all narratives as interpreted
by Jesus in confrontation with the power relationship of his time.

Keywords: Isaiah. Septuagint. Luke 4. Gospel. Liberation.

Notas

1 Comunidade Lucana - Teoria que defende que o Evangelho de Lucas não foi escrito por um autor,
mais por uma comunidade do cristianismo originário. Ver mais em: Ferreira (2012).
2 “O termo ‘Septuaginta’ (LXX) designa a tradução grega da Bíblia Hebraica.” (KOESTER, 2005,
p.250)

FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015. 499


3 Tradução literal do grego feita pelo autor, com base em Gingrich (1984), em que se respeitou a
estrutura do idioma de origem, em que não há pontuação, nem alguns conectivos.
4 Helenismo – disseminação da cultura grega perante outros povos, que ocorreu no Império Grego
e deu origem ao Império Romano. Ver mais em Toynbee (1969).
5 Tradução literal do hebraico feita pelo autor, com base em Kirst, Kilpp, Schwantes, Raymann e
Zimmer (1989), em que se respeitou a estrutura do idioma de origem, em que não há pontuação,
nem alguns conectivos.
6 Trito Isaias – Significa Terceiro Isaias, teoria que defende que o livro de Isaias foi dividido em três
partes. Um autor teria escrito antes do cativeiro Babilônico, outro no cativeiro e o terceiro depois
do cativeiro. Ver mais em Sellin e Fohrer (2007).
7 Ver mais em Vrettos (2005).

Referências
ASURMENDI, Jesus. O Profetismo: das origens à época moderna. São Paulo: Paulinas, 1988.
AUTH, Romani. O Alto Preço da Prosperidade: Monarquia unida em Israel. São Paulo: Paulinas, 2001.
BITTENCOURT, B.P. O Novo Testamento: Metodologia da pesquisa textual. 3.ed. Rio de Janeiro:
JUERP, 1993.
BRIGHT, John. História de Israel. 6. ed. São Paulo; Paulus, 1978.
DONINI, Ambrogio. História do Cristianismo: das origens a Justiniano. Portugal-Lisboa: Edições 70
Ltda. 1988.
FERREIRA, Joel Antonio. Paulo, Jesus e os Marginalizados: uma Leitura Conflitual do Novo Testamento.
Goiânia: Ed. UCG, 2012a.
FERREIRA, Joel Antônio. Jesus na origem do cristianismo: os vários grupos que iniciaram o cristianis-
mo. Goiânia: Ed. Da PUC Goiás, 2012b.
GINGRICH, F. Wilbur. Lexico do Novo Testamento: Grego/Portugues. Traduzido por Júlio P.T. Zabs-
tiero, São Paulo: Vida Nova, 1984.
HARRIS, P. Laird; ARCHER JUNIOR, Gleason L.; WALTKE, Bruce K. Dicionário Internacional de
Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: vida Nova. 1998.
HORSLEY, Richard A. Jesus e o Império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. Tradução de Eu-
clides Luiz Calloni. São Paulo: Paulus, 2004.
KIRST, Nelson; KILPP, Nelson; et al. Dicionário Hebraico-Português e Aramaico-Português.16 ed. São
Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2003.
KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento, volume 1: história, cultura e religião do período
helenístico. Tradução de Euclides Liuz Calloni. São Paulo: Paulus, 2005.
LIMEIRA, Giacoma. O Midraxe: como os mestres judeus liam e viviam a Bíblia. São Paulo: Paulinas,
1998.
LOHFINK, Gerhard. Agora entendo a Bíblia. São Paulo: Paulinas,1978
LOHSE, Eduard. Contexto e ambiente do Novo Testamento. Tradução de Hans Jörg Witter. São Paulo:
Paulinas, 2000.
MALINA, Bruce J. O evangelho social de Jesus – O Reino de Deus em perspectiva mediterrânea. São
Paulo: Paulus, 2004.
MEEKS, W.A. As origens da moralidade cristã: os dois primeiros séculos. Tradução de Adaury Fiorotti.
São Paulo: Paulus, 1997.

500 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015.


MEEKS, W.A. Os primeiros cristãos urbanos: o mundo social do apóstolo Paulo. Tradução de Adaury
Fiorotti. São Paulo: Paulinas, 1992.
MIRANDA, Evaristo E. de; MALCA, José M. Schorr. Sábios Fariseus: Reparando uma injustiça. São
Paulo: Loyola, 2001.
PACE, Enzo. IL Carisma, la fede, la chiesa: Introduzine Allá sociologia Del cristianesimo. Roma: Caroc-
ci/ Frecce, 2012
REICKE, Bo Ivar. História do Tempo do Novo Testamento: O mundo bíblico de 500 a.C. até 100d.C.
São Paulo: Paulus. 1996.
RICHTER REIMER, Ivoni. Terra e Água na espiritualidade do movimento de Jesus: Contribuições para
um mundo globalizado. São Leopoldo: Oikos; Goiânia: Edtora da PUC, 2010.
SELLIN, Ernest; FOHRER, E. Introdução ao Antigo Testamento. Tradutor Mateus Rocha. São Paulo:
Paulus/Academia Cristã Ltda, 2007.
SILVA, Valmor da. Bíblia e Livros Sagrados. In. SILVA, Valmor da (Org.). Ensino Religioso: educação
centrada na vida. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2008. p. 87-101
STEGEMANN, Ekkhard W; STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianinsmo: os
primórdios do judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. Tradução de Nélio Schnei-
der. São Leopoldo: Sinodal, 2004.
TOGNINI, Enéas. O Período Interbiblico. Da Babilônia a Belém. 2. ed. São Paulo: Imprensa Batista,
1956.
TOYNBEE, Arnold J. Helenismo: História de uma civilização. Rio de Janeiro: Zaha. 1969.
VRETTOS, Theodore. Alexandria: cidade do pensamento Ocidental. São Paulo: Odysseus Editora,
2005.
WOLFF, H.W. Bíblia Antigo Testamento. 3 ed. Tradução de Dulcemar Silva Maciel. São Paulo: Pau-
linas,1978.

FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 489-501, out./dez. 2015. 501

Você também pode gostar