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_____________ CAPÍTULO 8 _____________

O TESTEMUNHO DO FRUTO E DOS DONS


Alguma vez você já foi testemunha em um júri? Primeiro, eles
fazem você declarar que dirá a verdade, nada mais que a verdade.
Depois, você deve responder a perguntas somente com base naquilo
que ouviu e viu, nunca por inferência, opinião ou por ter ouvido dizer.
Se você se desviar dessa norma, adivinha o que acontece?
"Objeção, Meritíssimo! Ouviu dizer?"
Quando Jesus prometeu aos discípulos o dom do Espírito, deu-
lhes o motivo pelo qual precisariam dele: "Recebereis poder [...] e
sereis minhas testemunhas" (At 1:8). Poder para testemunhar. Sendo
que a testemunha é alguém que pode dar em primeira mão um
relatório dos fatos, testemunhar tem pouco que ver com capacidade,
mas muito que ver com disponibilidade. Em nenhum texto do Novo
Testamento o ato de testemunhar está relacionado a um dos muitos
dons espirituais. Não é algo que Deus concede a indivíduos específicos
para fazer a sua obra; é, sim, algo que todos os que honestamente
seguem a Jesus são capazes de fazer. Testemunhar, em resumo, é
privilégio dos convertidos, não dos talentosos.
Todas as pessoas testemunham: a moça que acaba de ser pedida
em casamento por seu pretendente bonitão, o fã que viu seu time
vencer o campeonato, o estudante que foi reprovado na prova de
Química. Se algo "mexeu" conosco, deixaremos que isso transpareça,
de um modo ou de outro. Se a notícia for má, ela se revelará por meio
de nossa linguagem corporal, nosso tom de voz ou por mera irritação,
mesmo que resolvamos que ninguém ficará sabendo. Se a notícia for
boa, só o nosso sorriso já nos denuncia e provoca uma conversa,
porque testemunhar é a expressão exterior de algo interiormente
significativo. Quando os cristãos dizem: "Não sei testemunhar. Não
tenho esse dom!" tudo o que estão dizendo, na verdade, é: "Não
conheço Jesus o suficiente para dizer ou mostrar algo a seu respeito."
E simples. Triste, mas dolorosamente verdadeiro.
A palavra bíblica para "testemunha" é martys, da qual vem o
termo “mártir”. Isso não parece correto, concorda? Mas veja:
martyria, em grego, é o conteúdo do testemunho. Em português,

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temos uma mesma palavra para ambos os conceitos: a testemunha
que testemunha. Essa ambiguidade acaba sendo útil ao buscarmos
compreender a extensão completa do termo. É impossível separar a
testemunha como pessoa do conteúdo que ela testemunha. E é por
isso que as maiores testemunhas são os mártires. Eles não conseguem
negar aquilo que viram e ouviram de Jesus Cristo, mesmo sob ameaça
de morte. Sua experiência foi real a esse ponto.

As manifestações do Espírito
Quando os discípulos oraram pedindo a qualificação do Espírito
no Cenáculo, chegaram ao ponto da entrega total, como nunca antes.
O resultado foi um desejo incontido de testemunhar de seu Mestre e
Salvador. "Só um interesse prevalecia; um elemento de emulação
absorveu todos os outros. A ambição dos crentes era revelar a
semelhança do caráter de Cristo, bem como trabalhar pelo
desenvolvimento de seu reino." 1
Notamos que o texto diz "um" interesse, mas identifica dois:
revelar o caráter de Cristo e trabalhar para expandir o reino de Deus.
Isso representa os proverbiais "dois lados da moeda". Quando
recebemos o Espírito, isso se verá na experiência que vivemos e no
interesse que temos pelos perdidos.
E por isso que o Novo Testamento identifica apenas duas
manifestações gerais do Espírito: o fruto e os dons. No entanto, esses
nunca devem ocorrer isolados um do outro. São gêmeos que andam
juntos, onde quer que se manifestarem. Uma pessoa com dons
espirituais deve dar evidência do fruto do Espírito em sua vida. Um
cristão que revele a amabilidade de Jesus não se omitirá de partilhar,
em favor dos perdidos, o caráter de Cristo e seu reino. Às vezes, as
pessoas falam em viver uma vida semelhante à de Cristo
independentemente de testemunhar de Cristo aos outros, como se
uma vida cristã exemplar as isentasse de testemunhar de Jesus ou de
envolver-se no testemunho. Essa é uma falsa dicotomia. Um vem com
o outro, ou não vem nenhum.
O apóstolo Paulo falou aos gálatas acerca do fruto do Espírito. Os
gálatas tinham um problema: eles eram hipócritas (Gl 2:11-14). Os
legalistas haviam persuadido alguns na igreja a guardar partes da lei

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judaica a fim de obter favor diante de Deus. "Ó gálatas insensatos!",
explodiu Paulo. "Quem vos fascinou a vós outros [...]? [...] Recebestes
o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?" (Gl 3:1,2).
Depois, ele os fez lembrar que Cristo os resgatara da maldição da
lei (v. 13), que, então, viviam pela fé (v. 22-24) e que seu batismo
significava que estavam revestidos de Cristo (v. 27). Em seguida, disse
àqueles que buscavam ser justificados pela lei que eles estavam
desligados de Cristo, mas os que viviam pelo Espírito aguardavam "a
esperança da justiça", e insistiu para que andassem no Espírito e não
satisfizessem "a concupiscência da carne" (Gl 5:4,5,16). Finalmente,
Paulo contrastou os resultados do legalismo e da justiça própria com
os resultados do andar no Espírito. Ele disse: "O fruto do Espírito é:
amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade,
mansidão, domínio próprio. Contra essas coisas não há lei" (Gl 5:22,
23).
O fruto do Espírito é milagroso: tem nove sabores. Na verdade, é
o amor revelado de múltiplas maneiras, assim como um arco-íris que
é visto em várias cores graças à luz do sol. Toda vez que você ou eu
revelarmos amor genuíno, ou alegria, ou paz interior, ou autocontrole,
espelhamos as características próprias de Jesus, nosso Senhor. No
entanto, isso ocorre porque Ele, como o sol brilhando sobre gotas de
água, é quem brilha por nosso intermédio.
Paulo trata de mais um ponto importante, Em Gálatas 6, ele
mostra que você só pode colher o fruto do Espírito se esse é o tipo de
semente que você tem semeado: a semente espiritual. Se você semeia
as sementes da corrupção e degradação, deveria esperar o fruto do
Espírito?
Temo que a experiência de muitos de nós seja a de
que semeamos consistentemente as sementes da
corrupção e depois, em oração pedimos que Deus, de
alguma forma, faça com que apareça o fruto do Espírito.
Isso, diz Paulo (Gl 6: 7, 8), é uma impossibilidade? 2

Como produzimos fruto


Jesus deixou absolutamente claro que sua expectativa é que
produzamos muito fruto, não simplesmente frutos escassos.

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Entretanto, Ele sabe que esse é um processo que exige tempo. Falou
sobre isso na noite em que anunciou a vinda do Consolador. Abra sua
Bíblia, se ela estiver por perto, e leia João 15.

Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor.


Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, Ele o
corta; e todo o que dá fruto limpa, para que produza mais
fruto ainda. [...] Quem permanece em mim, e Eu, nele,
esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer
(Jo 15: 1, 2, 5, itálicos acrescentados).

Notou as etapas no texto? Primeiramente não há produção de


fruto. Depois, o caminho é aberto para se produzir pelo menos algum
fruto. Então, mais fruto e, por fim, muito fruto. "Nisto é glorificado
meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus
discípulos" (v. 8). Jesus é glorificado quando damos muito fruto, não
apenas um pouco.
Uma vez que Ele conduz um discípulo do ponto de não produzir
fruto ao ponto de produzir algum fruto? O v. 2 diz: "Ele o corta." Ora,
isso parece confuso. Jesus está dizendo que vai cortar fora o ramo a
fim de que produza fruto? Isso não faz sentido, faz? É impossível a um
ramo cortado da videira produzir fruto. Jesus ainda disse: "Sem mim
nada podeis fazer." A palavra original traduzida como "cortar" também
pode ser traduzida como "erguer". E exatamente isso que os
viticultores fazem com ramos que se inclinam para o chão. Eles os
curvam para cima e os prendem a ramos mais altos ou a varas, para
que obtenham melhor exposição à chuva e à luz solar. Isso também
evita que gavinhas externas, que se dirigem para baixo, retirem a
nutrição diretamente do solo, em lugar de obtê-la da videira.
No entanto, o Viticultor celestial ainda não terminou o trabalho.
Uma vez que comecemos a produzir algum fruto para sua glória, Ele
começa a nos preparar para produzir mais fruto. Como Ele faz isso? A
Bíblia diz que Ele "limpa" o ramo (v. 2), livrando-o de ramagens, folhas
e brotos desnecessários, cortando aqui e ali para que haja a melhor
exposição possível ao sol, umidade e ar. Isso Ele faz com muito
cuidado. "O Agricultor nunca está mais perto da videira, tomando
providências quanto a sua saúde e produtividade em longo prazo, do

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que quando tem a faca na mão."3 Você já se perguntou por que coisas
difíceis e até trágicas acontecem em sua vida? Por que o câncer levou
um ente querido, ou por que um colapso financeiro aflige a família, ou
angustiosas injustiças ocorrem a sua porta? Deus não é o autor da dor
e desgraça, mas Ele pode usar tanto uma como a outra, ou ambas, em
favor de uma vida melhor.

Muitos que sinceramente consagram a vida ao


serviço de Deus ficam surpresos e desiludidos ao
encontrar-se, como nunca, rodeados de obstáculos e
assediados por provas e perplexidades. Oram para que
seu caráter se assemelhe ao de Cristo e se tornem aptos
para a obra do Senhor, e, contudo, são postos em
circunstâncias que parecem provocar toda a malícia de
sua natureza. [Eles] perguntam: "Se Deus nos conduz, por
que nos sucedem todas estas coisas?"
E justamente porque Deus os conduz que essas
coisas lhes sucedem. As provas e obstáculos são os
métodos de disciplina escolhidos pelo Senhor e as
condições de bom êxito que nos apresenta. [...] Vê que
alguns têm faculdades e possibilidades que, bem
dirigidas, podiam ser empregadas no avanço de sua obra.
Em sua providência, Deus colocou essas pessoas em
diferentes situações e variadas circunstâncias a fim de
que possam descobrir, em seu caráter, defeitos que a eles
próprios estavam ocultos. Dá-lhes oportunidade de
corrigirem tais defeitos e de se tornarem aptos para o
servir. Permite por vezes que o fogo da aflição os assalte,
a fim de que sejam purificados.4

Nosso amorável Salvador não desiste de nós, mesmo que o


culpemos pelo desconforto e a dor que possamos experimentar.
Enquanto permanecermos ligados à videira, Ele atuará em nós a fim
de produzirmos mais fruto. Mas, como Cristo nos leva ao seu objetivo
máximo de produzirmos muito fruto? Convidando-nos a permanecer
nele (v. 5).

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Permanecer em Cristo
Alguma coisa fica diferente agora. Nas primeiras duas transições
— de nenhum fruto para algum fruto, e então de algum fruto para
mais fruto —, Deus toma a iniciativa. O Senhor não costuma perguntar
se gostaríamos de ser "curvados" para fora de nossa zona de conforto
natural, ou "separados" de nossos ídolos de estimação, nossa
indolência e egoísmo. Ele simplesmente age. Se você deseja realmente
brilhar com toda a glória de Deus e produzir muito fruto, indicando a
fonte de sua vida, então você deve escolher "permanecer nele".
Que significa isso? A palavra permanecer não faz parte de nosso
linguajar de todos os dias. Significa "habitar", "ficar" ou "persistir".
Nesse contexto, significa "continuar aguardando". Sim, o que Jesus diz
é que, para produzir muito fruto para sua glória, devemos segurar
firme nele por amor à própria vida. A exemplo do ramo que se prende
à videira e enfrenta ventos ou chuva torrencial, devemos nos apegar a
Jesus quando as tormentas da vida nos acometem. Esse exercício nos
torna mais fortes em Cristo.
Entretanto, para aquelas mentes analíticas que se perguntam por
que um verbo como "permanecer" seria usado em relação a um ramo,
que deve ser um apêndice natural da árvore, a resposta é mais simples
do que se imagina. A verdade é que, como seres humanos, não nos
ligamos naturalmente a Jesus. Nossa natureza pecaminosa faz com
que rejeitemos a Vida e, em seu lugar, escolhamos a morte. Olhamos
para Jesus e dizemos: Quero Permanecer nele! Logo depois,
misteriosamente, nos afastamos. Na verdade, nós nunca 0
escolhemos. Ele nos escolhe. "Não fostes vós que me escolhestes a
mim , disse Cristo, "pelo contrário, Eu vos escolhi a vós outros e vos
designei para que vades e deis fruto" (Jo 15:16). Paulo diz que nós,
como ramos, fomos "enxertados" (Rm 11:17-24). Para começar, não
nascemos de Cristo. Visualize isto: um agricultor enxertando una ramo
silvestre numa vinha saudável. O que ele precisa fazer com essa vinha?
Cortá-la, machucá-la, a fim de poder inserir nela o ramo silvestre. Não
é disso que trata a cruz? Nossa adoção na vida de Cristo não lhe causou
dor? Obviamente. Porém, Ele nos amou "até ao fim" (Jo 13: 1) e não
admitiria que fosse de outro modo.

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Aqui está a questão: Precisamos nos agarrar a Ele agora. Agarrar-
nos assim como Jacó ao Anjo do Senhor (Gn 32:26). Não podemos
deixar que se afaste. Pois, embora seja esse o único caminho para
termos vida, nossa tendência natural será de nos afastar. Porém, não
se afaste. Não vá embora. Permaneça nele até que, como ramo, esteja
tão identificado com a Videira que se torne impossível deixá-la!

Os dons do Espírito
Refletir o caráter de Cristo e produzir fruto que identifique a
árvore à qual pertencemos é um lado da moeda. O outro é usar os
dons do Espírito "para o desenvolvimento de seu reino".
Quatro importantes capítulos ou seções do Novo Testamento
ensinam e relacionam os dons espirituais: Romanos 12, 1 Coríntios 12
a 14, Efésios 4 e 1 Pedro 4. Há também referências adicionais em
outras partes (1Co 13:3; 7:7, 32-34; Ef 3: 1, 7). Contudo, em cada uma
das principais referências, a raiz fundamental do fruto do Espírito, o
amor, é mencionada em conexão com os dons. Depois de relacionar
profecia, mistério, ensino, exortação, contribuição financeira,
liderança e misericórdia, Paulo diz em Romanos: “O amor seja sem
hipocrisia” (12:6-9). Esses, afinal, são dons da graça, isto é, dons do
amor. Para os coríntios, Paulo dedicou um capítulo inteiro ao amor, no
meio de seu ensino acerca dos dons, concluindo que "o amor jamais
acaba"' porque, embora até os dons possam ir e vir, a fé, a esperança
e o amor permanecem, e "o maior destes é o amor" (1Co 13:8, 13).
No caso dos efésios, o apóstolo escreve para uma igreja mais
madura acerca dos que foram qualificados para liderá-la: apóstolos,
profetas, evangelistas, pastores e mestres. O objetivo dessa dotação
da parte de Deus é levá-los "à unidade da fé e do pleno conhecimento
do Filho de Deus", à maturidade espiritual que, por fim, reflete a
"plenitude de cristo" (4:13). Como resultado, eles seriam estáveis, não
facilmente "levados ao redor por todo vento de doutrina". Além disso,
falariam "a verdade em amor", enquanto crescessem em todos os
aspectos naquele que é a cabeça, Jesus Cristo (v. 14, 15). Por fim,
Pedro encarece o emprego dos dons por parte dos seguidores de
Jesus, servindo "uns aos outros, cada um conforme o dom que
recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus" (1 Pe

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4:10). Entretanto, introduz uma admoestação, dizendo: "Acima de
tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o
amor cobre multidão de pecados" (v. 8).
Já mencionamos que os dons do Espírito eram dons da graça
(charismata), vindos de Jesus mas distribuídos pelo Espírito. Desse
modo, a graça de Jesus lhe garante o direito de nos conceder os dons
(Ef 4:7, 8), e o Espírito de Jesus administra esses direitos sobre a Terra.
Paulo diz: "Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas,
distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente" (1Co
12:11). Os dons são concedidos, portanto, segundo a graça e de acordo
com o Espírito. Achei interessante que as duas fontes (graça e Espírito)
são inesgotáveis na administração divina. Pois "onde abundou o
pecado, superabundou a graça" (Rm 5:20, itálico acrescentado), sendo
que a graça de Cristo nos "basta" (2Co 12:9). Acerca do Espírito, João
Batista nos garante que Ele é dado sem "medida" (Jo 3:34).

O propósito múltiplo dos dons


O Novo Testamento também ensina os múltiplos propósitos dos
dons espirituais. Eles são para a unidade da igreja e a maturidade
espiritual (Rm 12:3-5, 9-16; 1Co 12:4-7, 1Co 12:31-14:40; Ef 4:13-16)
para desenvolver o ministério da igreja (Ef 4:11, 12) e para a glória de
Deus (1 Pe 4:10, 11). Alguns poderiam se surpreender ao ver
importantes propósitos dos dons espirituais como sendo a unidade da
igreja e o crescimento espiritual do corpo, mas existe uma lógica nisso.
Jesus havia dito aos discípulos: "Que vos ameis uns aos outros; assim
como Eu vos amei [...]. Nisto conhecerão todos que sois meus
discípulos: se tiverdes amor uns aos outros" (Jo 13:34,35). Se nós,
como igreja, queremos causar impacto no mundo, não será por meio
de nossos recursos, instituições ou mesmo doutrinas à prova de falhas.
Será porque o amor de Deus tomou conta de nossa vida. Isso ocorre
de modo tão completo que um membro da família, vizinho, amigo ou
mesmo um estranho verá em nós o amor de uns para com outros de
tal modo que só lhe restará concluir que isso simplesmente é uma
coisa divina.
Com frequência, gastamos tempo em seminários sobre dons
espirituais, concentrando-nos em dons específicos e na possibilidade

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de os possuirmos ou não. A abordagem geral dos seminários para o
aprendizado dos dons é muito limitada em sua capacidade de
apresentar o quadro completo. De fato, precisamos de Jesus, tudo
dele, todos os dias. Sua presença por meio do Espírito nos encherá por
completo, e Ele se manifestará em uma variedade de atuações ou
dons. O Novo Testamento não provê uma lista exaustiva. Cada dom é
planejado para causar impacto sobre outra pessoa para a glória de
Deus, em diferentes contextos.
Conta-se que uma menina e sua avó estavam na igreja certa
manhã. A menina se ocupava com seu desenho, aparentemente alheia
àquilo que o pregador dizia. Porém, ela estava escutando. Certo
momento, puxou a manga da blusa da avó e perguntou:
—Vovó, o pastor disse que Deus vive em nós?
— Sim, querida. Ele vive.
Ela continuou desenhando por mais alguns momentos, até que
outra pergunta exigiu uma resposta urgente.
—Vovó, o pastor acabou de dizer que Deus é maior do que nós?
— E claro, princesa. Deus é maior do que nós.
— Se Ele é maior do que nós, e mora dentro de nós, uma parte
dele não devia aparecer pelo lado de fora?
Realmente, deveria. Uma experiência com Jesus tão real e
genuína não torna impossível que Ele não "apareça por fora", em sua
vida? Isso é testemunhar. É isso que o Espírito Santo, manifestado
mediante o fruto e os dons, pode fazer por intermédio do povo de
Deus e pela obra de Deus.

Essa promessa [do Espírito Santo] tanto pertence a nós como


pertenceu a eles [igreja apostólica]. No entanto, quão raramente é
apresentada ao povo e pregada sobre sua recepção na igreja. Em
consequência desse silêncio sobre esse tema da maior importância,
sabemos pouco sobre a promessa e seu cumprimento prático. 5

Semelhantes a Cristo
Por volta de 1921, David e Svea Flood, um casal missionário,
saíram da Suécia com seu filho de 2 anos de idade e foram para o
coração da África, para o país que, na época, se chamava Congo Belga.

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Eles encontraram outro jovem casal escandinavo, os Erickson, e
os quatro buscaram a direção de Deus. Naqueles dias de grande
sacrifício, sentiram que o Senhor os guiava para fora do principal posto
missionário e os levava para uma região remota.
Na vila de N'dolera, foram recusados pelo chefe, que não lhes
permitia entrar em sua comunidade, temendo que espantassem os
deuses locais. Os dois casais optaram por se distanciar um pouco da
vila e construíram suas cabanas de barro em uma montanha nas
imediações. Oraram por uma abertura para a pregação, mas nada
ocorria. O único contato com os moradores da vila era um rapazinho,
que tinha a permissão de lhes vender frangos e ovos duas vezes por
semana. Svea Flood, uma mulher baixinha, de apenas 1,40m, decidiu
que, se aquele era o único africano com quem poderia falar, ela
tentaria levá-lo a Jesus.
Dia após dia, falava com o garoto a respeito de Jesus e do Deus
do Céu.
Enquanto isso, a malária continuava a atacar o pequeno grupo,
um membro após outro. Com o passar do tempo, os Erickson
decidiram que aquilo bastava, e retornaram ao posto missionário
central David e Svea Flood permaneceram perto de N'dolera para
Prosseguir sozinhos. Então, que calamidade! Svea engravidou, no meio
daquele ambiente rústico. Deu à luz uma menina, a quem chamou
Aina. O parto, porém, a deixara exausta, e Svea já estava fraca devido
às crises de malária. Assim, ela faleceu 17 dias depois.
Algo aconteceu dentro de David Flood. Ele cavou uma rústica
sepultura, enterrou sua esposa de 27 anos de idade. Depois desceu a
montanha com os filhos e foi para a estação missionária.
Entregando a pequena Aina ao casal Erickson, ele rosnou: "Estou
voltando para a Suécia. Deus arruinou minha vida." Oito meses mais
tarde, o casal Erickson foi acometido de uma enfermidade misteriosa,
e eles morreram com apenas alguns dias de diferença. A menina,
então, foi entregue para missionários americanos, que alteraram seu
nome sueco para "Aggie". Por fim, estes voltaram para os Estados
Unidos, levando a criança, com três anos de idade.
Como foi que tanta coisa deu errado, quando tudo o que os dois
casais queriam era servir a Deus pela fé? Entretanto, Deus havia agido
por intermédio de sua serva Svea. A filha, Aggie, cresceu em Dakota do

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Sul. Quando moça, casou-se com um jovem pastor que se tornou,
posteriormente, o diretor de um colégio cristão. Certo dia, uma revista
religiosa sueca foi deixada em sua caixa de correspondência. Ela não
tinha ideia de quem a enviara, e, naturalmente, não sabia ler o idioma.
Porém, ao folhear as páginas, uma foto a imobilizou repentinamente.
Ali, em um cenário primitivo, estava uma sepultura com uma cruz
branca, e sobre a cruz estava o nome "Svea Flood". Aggie saltou para
dentro do carro e se dirigiu direto para o colégio, para encontrar um
membro do corpo docente que, ela sabia, poderia traduzir o artigo.
"O que diz aí?", ela perguntou ansiosa. O professor leu o artigo e,
em seguida, resumiu a história para Aggie acerca dos missionários
europeus em N'dolera, décadas antes. Falava sobre a morte da jovem
mãe de Aggie, o contato com o menino africano que vendia frangos a
eles e, por fim, o fato de que muitos cristãos viviam agora naquela
região da África.
Alguns anos mais tarde, Aggie e seu esposo assistiam a um
seminário evangelístico em Londres, na Inglaterra, ocasião em que foi
apresentado um relatório da República do Congo. O presidente da
igreja no Congo falou com eloquência sobre a disseminação do
evangelho naquela nação. Aggie não se conteve e foi lhe perguntar,
depois, se ele ouvira falar de David e Svea Flood. O que ela ouviu lhe
trouxe lágrimas de alegria e gratidão.
"Foi Svea Flood quem me conduziu a Jesus Cristo", disse ele, com
um sorriso. "Eu era o menino que levava alimento para os seus pais
antes que a senhora nascesse", afirmou ele. O amor de Svea Flood, seu
cristianismo e o sincero desejo de abençoar o garoto causaram nele
uma Impressão eterna. Ele aceitou Jesus como seu Senhor e Salvador.
Depois de moço, persuadiu o chefe a permitir que ele construísse uma
escola na vila. Levou todos os seus alunos a Cristo. Depois, as crianças
levaram seus pais a Cristo e, por fim, até o chefe se tornou cristão.
Hoje, 600 cristãos vivem naquela vila — e mais de 100 mil no país do
Congo!6
Uma vida semelhante à de Cristo e um ministério semelhante ao
de Cristo. E para isso que o Espírito nos concede dons — e poderemos,
então, produzir o fruto de seu poder e graça. Essa é a razão de seu
ministério em nossa vida — para o bem do mundo. O mundo será

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convencido da justiça, declarou Jesus, pois Eu enviarei o Consolador
(Jo 16:7, 8).

Perguntas para reflexão ou estudo em grupo


1. Explique o que é testemunho com base na introdução deste
capítulo.
2. De que maneiras as palavras testemunho e mártir interagem
uma com a outra?
3. Quais são as duas manifestações gerais do Espírito Santo? Por
que isso seria "as duas faces da mesma moeda"?
4. Como pode um ramo produzir fruto ao ser "limpo"? O que
significa limpar em João 15?
5. Quando você diria que Deus, como o Agricultor, está mais
perto de nós? Pense em exemplos de sua própria vida e partilhe-os
com outros.
6. Como Jesus nos leva a produzir muito fruto, seu objetivo maior
para nós? O que quer dizer "permanecer"?
7. Se os dons são dados a partir de fontes inesgotáveis da graça
e do Espírito, que ideia está implícita quanto ao tipo e número de dons
que um cristão pode ter?
8. Quais são os múltiplos propósitos dos dons espirituais? Por
que você acha que um propósito primordial é a unidade da igreja?
9. Como você considera a limitação dos seminários sobre os dons
espirituais? Em sua opinião, o que seria proveitoso para a igreja, além
de saber quais dons cada um pode ter?
10.O que o Espírito desejaria lhe dizer por meio da história de
Svea Flood?

1
Atos dos Apóstolos, p. 48
2
Jan Paulsen, When the Spirit Descends (Washington, DC: Review and Herald, 1977), p. 131.
3
Tom Wright, Johnfor Everyone, v. 2 (Louisville, KY:Westminster John Knox, 2004), p. 71.
4
A Ciência do Bom Viver, p. 470, 471.
5
Testemunhos Para Ministros, p. 174, itálico acrescentado.
6
História adaptada de Jim Cymbala e Dean Merrill, Fresh Power (Grand Rapids, Ml: Zondervan,
2003), p. 115-122. "No 25º aniversário de casamento, Anna e seu esposo foram para a Suécia. O
principal objetivo dela era encontrar seu pai, se ele ainda estivesse vivo. Ele estava vivo, e ela 0
encontrou. Ele tinha se casado novamente e havia tido quatro filhos. Ele estava bem idoso e
próximo da morte, quando Anna entrou no quarto e disse 'papa'. Ele se virou na cama e disse:

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'Arma, minha Anna, eu nunca quis deixá-la'. Ela respondeu: 'Está tudo bem, papa, Deus usou isso
para o bem'. Ele, então, se enrijeceu e disse: 'Não fale esse nome, Ele tomou tudo de mim'. Ela
disse: 'Não, papa, Deus não tomou tudo do senhor. Seu trabalho não foi em vão, o trabalho da
mamãe não foi em vão'. Então, ela falou do pequeno garoto que levou mais de 600 pessoas para
Cristo na vila. O velho pai começou a soluçar e finalmente voltou para Cristo semanas antes de
sua morte." Em: http://www.boycemouton.com/Family/files/Anna.pdf. Acesso em 28/03/2016.

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