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Capa e Paginação:
Rita L.Henriques
Impressão e acabamento:
Várzea da Rainha Impressores, Óbidos
www.varzeadarainha.pt
ISBN: 978-989-691-265-9
Depósito Legal: 375013/14
Junho de 2014
INDICE
Apresentação
Prefácio
Apêndices
Promessas aos devotos do Santo Rosário
Estatutos da Confraria de Nossa Senhora do Rosário de Fátima
Documentação Fotográfica
APRESENTAÇÃO
AS APARIÇÕES DA SANTÍSSIMA
VIRGEM
1. A VISÃO DOS PASTORINHOS
14-IX-918
Teu amigo dedicado
V. de M.
3. UMA CURA EXTRAORDINÁRIA
30-IX-918
Teu amigo dedicado
V. de M.
4. NOTAS E COMENTÁRIOS
24-VII-919
V. de M.
5. O DIA 13 DE AGOSTO DE 1917
20-VIII-919
Teu amigo dedicado
V. de M.
6. O DIA 13 DE SETEMBRO DE 1917
5-IX-919
Teu amigo
V. de M.
7. AS DECLARAÇÕES DOS VIDENTES
(27 DE SETEMBRO DE 1917)13
[Interrogatório de Francisco]
Principiei sem demora a interrogá-lo sobre o que tinha visto e
ouvido desde o mês de Maio último na Cova da Iria, no dia treze de
cada mês, durante o tempo da aparição.
Entre mim e ele estabeleceu-se o curto diálogo que segue.
– Que é que tens visto na Cova da Iria nos últimos meses?
– Tenho visto Nossa Senhora.
– Onde é que ela aparece?
– Em cima duma carrasqueira.
– Aparece de repente ou tu vê-la vir dalguma parte?
– Vejo-a vir do lado onde nasce o sol e colocar-se sobre a
carrasqueira.
– Vem devagar ou depressa?
– Vem sempre depressa.
– Ouves o que ela diz à Lúcia?
– Não ouço.
– Falaste alguma vez com a Senhora? Ela já te dirigiu a palavra?
– Não, nunca lhe perguntei nada; fala só com a Lúcia.
– Para quem olha, também para ti e para a Jacinta ou só para a
Lúcia?
– Olha para todos três; mas olha durante mais tempo para a
Lúcia.
– Já alguma vez chorou ou se sorriu?
– Nem uma coisa nem outra; está sempre séria.
– Como está vestida?
– Tem um vestido comprido e por cima do vestido um manto que
lhe cobre a cabeça e desce até à extremidade do vestido.
– De que cor são o vestido e o manto?
– São brancos, tendo o vestido riscas douradas.
– Qual é a atitude da Senhora?
– É a de quem está a rezar. Tem as mãos postas à altura do peito.
– Traz alguma coisa nas mãos?
– Traz entre a palma e as costas da mão direita umas contas, que
estão pendentes sobre o vestido.
– E nas orelhas que tem?
– As orelhas não se vêem, porque estão cobertas com o manto.
– De que cor são as contas?
– São também brancas.
– A Senhora é bonita?
– É sim.
– Mais bonita do que aquela menina que tu ali vês?
– Mais.
– Mas há senhoras muito mais bonitas que aquela menina...
– É mais bonita que qualquer pessoa que eu visse.
[Interrogatório de Jacinta]
Concluído o interrogatório do Francisco, chamei de parte a
Jacinta, que andava a brincar na rua com outras crianças, fi-la
sentar num banquinho ao pé de mim e submeti-a também a um
interrogatório, logrando obter dela respostas completas e
minuciosas como as do irmão.
– Tens visto Nossa Senhora no dia treze de cada mês desde Maio
para cá?
– Tenho visto.
– Donde é que ela vem?
– Vem do céu, do lado do sol.
– Como está vestida?
– Tem um vestido branco, enfeitado a ouro e na cabeça um manto
também branco. Em volta da cintura há uma fita dourada que desce
até à orla do vestido.
– Usa botas ou sapatos?
– Não usa botas nem sapatos.
– Então tem só meias?
– Parece que tem meias, mas talvez os pés sejam tão brancos
que pareçam trazer meias calçadas14.
– De que cor são os cabelos?
– Não se lhe vêem os cabelos, que estão cobertos com o manto.
– Traz brincos nas orelhas?
– Não sei, porque também não se lhe vêem as orelhas.
– Qual é a posição das mãos?
– As mãos estão postas à altura do peito, com os dedos voltados
para cima.
– As contas estão na mão direita ou na esquerda?
A esta pergunta a criança responde primeiro que estavam na mão
direita, mas em seguida, devido a uma insistência da minha parte,
mostra-se perplexa e confusa, não sabendo precisar bem qual das
suas mãos corresponde àquela com que a Aparição segurava o
rosário.
– Que foi que Nossa Senhora recomendou à Lúcia com mais
empenho?
– Mandou que rezássemos o terço todos os dias.
– E tu reza-lo?
– Rezo-o todos os dias com o Francisco e com a Lúcia.
[Interrogatório de Lúcia]
Meia hora depois de terminado o interrogatório de Jacinta Marto,
aparece a Lúcia de Jesus. Vinha, como já disse, duma pequena
propriedade de sua família, situada a dois quilómetros de distância,
onde tinha estado a vindimar. Mais alta e mais nutrida que as outras
duas crianças, de tez mais clara, robusta e saudável, apresenta-se
diante de mim com um desembaraço que contrasta singularmente
com o acanhamento e a timidez excessiva da Jacinta. Singelamente
vestida como esta, a sua atitude não denota e o seu rosto não
traduz nenhum sentimento de vaidade, nem tão pouco de confusão.
Sentando-se, a um aceno meu, numa cadeira, ao meu lado,
presta-se da melhor vontade a ser interrogada sobre os
acontecimentos de que ela é a principal protagonista, sem embargo
de se sentir visivelmente fatigada e abatida, mercê das visitas
incessantes que recebe e dos inquéritos repetidos e prolongados a
que é submetida.
Filha de António dos Santos, de cinquenta anos de idade, e de
Maria Rosa, de quarenta e oito anos, tem um irmão e quatro irmãs,
todos mais velhos do que ela: Maria, de vinte e seis anos, já casada,
Teresa, de vinte e quatro, Manuel, de vinte e dois, Glória de vinte, e
Carolina, de quinze. Completou dez anos de idade em vinte e dois
de Março do corrente ano. Tinha oito anos15 quando fez a sua
primeira comunhão. A mãe, tipo da mulher cristã e da boa dona de
casa, entregue às lides domésticas, procurou sempre inspirar aos
filhos o santo temor de Deus e levá-los ao cumprimento de todos os
seus deveres morais e religiosos. Altamente preocupada com os
sucessos que atraem a todo o momento as atenções de milhares de
pessoas para a sua pobre habitação, até há pouco tempo ignorada
do mundo, nota-se desde logo que o seu espírito hesita, numa
ansiedade inquieta, entre a esperança de que a filha seja realmente
privilegiada com a aparição da Virgem e o receio de que ela seja
vítima duma alucinação, que lhe traga desgostos e cubra de ridículo
toda a sua família. A uma pergunta minha acerca da piedade da sua
Lúcia, responde que não acha nela nada de extraordinário neste
particular, vendo-a rezar da mesma forma e com o mesmo fervor
que antes das aparições, exactamente como fazem as suas irmãs.
Dou princípio ao interrogatório da vidente.
– É verdade que Nossa Senhora te tem aparecido no local
chamado Cova da Iria?
– É verdade.
– Quantas vezes já te apareceu?
– Cinco vezes, sendo uma cada mês.
– Em que dia do mês?
– Sempre no dia treze, excepto no mês de Agosto, em que fui
presa e levada para a vila (Vila Nova de Ourém)pelo senhor
administrador. Nesse mês só a vi alguns dias depois, a dezanove16
no sítio dos Valinhos.
– Diz-se que a Senhora te apareceu também o ano passado. Que
há de verdade a esse respeito?
– O ano passado nunca me apareceu, nem antes de Maio deste
ano; nem eu disse isso a pessoa alguma, porque não era exacto.
– Donde é que ela vem? Das bandas do nascente?
– Não sei; não a vejo vir de parte alguma; aparece sobre a
carrasqueira17 e quando se retira é que toma a direcção do ponto do
céu em que nasce o sol.
– Quanto tempo se demora? Muito ou pouco?
– Pouco tempo.
– O suficiente para se recitar um Padre Nosso e uma Avé Maria,
ou mais?
– Mais, bastante mais, mas nem sempre o mesmo tempo; talvez
não chegasse nunca para rezar o terço.
– Da primeira vez que a viste, não ficaste assustada?
– Fiquei, e tanto assim que quis fugir com a Jacinta e o Francisco,
mas ela disse-nos que não tivéssemos medo, porque não nos faria
mal.
– Como é que está vestida?
– Tem um vestido branco, que desce quase até aos pés18, e
cobre-lhe a cabeça um manto da mesma cor e do mesmo
comprimento que o vestido.
– O vestido não tem enfeites?
– Vêem-se nele, na frente, dois cordões dourados, que descem
do pescoço e se reúnem por uma borla, também dourada, à altura
do meio do corpo.
– Tem algum cinto ou alguma fita?
– Não tem.
– Usa brincos nas orelhas?
– Usa umas argolas pequenas e de cor amarela.
– Qual das mãos segura as contas?
– A mão direita.
– Eram um terço ou um rosário?
– Não reparei bem.
– Terminavam por uma cruz?
– Terminavam por uma cruz branca, sendo as contas também
brancas. A cadeia era igualmente branca.
– Perguntaste-lhe alguma vez quem era?
– Perguntei, mas declarou que só o diria a treze de Outubro.
– Não perguntaste donde vinha?
– Perguntei donde era e ela respondeu-me que era do Céu.
– E quando foi que lhe fizeste essa pergunta ?
– Da segunda vez, a treze de Junho.
– Sorriu-se alguma vez ou mostrou-se triste?
– Nunca se sorriu nem se mostrou triste, mas sempre séria.
– Recomendou-te, e aos teus primos, que rezassem algumas
orações?
– Recomendou-nos que rezássemos o terço em honra de Nossa
Senhora do Rosário a fim de se alcançar a paz para o mundo.
– Mostrou desejos de que no dia treze de cada mês estivessem
muitas pessoas durante a aparição na Cova da Iria?
– Não disse nada esse respeito+.
– É certo que te revelou um segredo, proibindo que o
descobrisses a quem quer que fosse?
– É certo.
– Diz respeito só a ti ou também aos teus companheiros?
– A todos três.
– Não o podes manifestar ao menos ao teu confessor?
A esta pergunta guardou silêncio, parecendo um tanto enleada, e
julguei não dever insistir repetindo a pergunta.
– Consta que, para te veres livre das importunações do senhor
administrador no dia em que foste presa, lhe contaste, como se
fosse o segredo, uma coisa que o não era, enganando-o assim e
gabando-te depois de lhe teres pregado essa partida: é verdade?
– Não é; o senhor administrador quis realmente que eu lhe
revelasse o segredo, mas, como eu o não podia dizer a ninguém,
não lho disse, apesar de ter insistido muito comigo para esse fim. O
que fiz, foi contar tudo o que a Senhora me disse, excepto o
segredo, e talvez por esse motivo o senhor administrador ficasse
julgando que eu lhe tinha revelado também o segredo. Não o quis
enganar.
– A Senhora mandou-te aprender a ler?
– Mandou, sim, da segunda vez que apareceu.
– Mas, se ela disse que te levaria para o Céu no mês de Outubro
próximo, para que te serviria aprenderes a ler?
– Não é verdade isso: a Senhora nunca disse que me levaria para
o Céu em Outubro e eu nunca afirmei que ela me tivesse dito tal
coisa.
– Que declarou a Senhora que se devia fazer ao dinheiro que o
povo deposita na Cova da Iria ao pé da carrasqueira?
– Disse que o devíamos colocar em dois andores, levando eu, a
Jacinta e mais duas meninas um deles, e o Francisco, com mais
três rapazes, o outro, para a igreja da freguesia. Parte desse
dinheiro seria destinado ao culto e festa da Senhora do Rosário e a
outra parte para ajuda duma capela nova.
– Onde quer a Senhora que se edifique a capela? Na Cova da
Iria?
– Não sei: ela não o disse.
– Estás muito contente por Nossa Senhora te ter aparecido?
– Estou.
– No dia treze de Outubro Nossa Senhora virá só?
– Vem também São José com o Menino e será concedida a paz
ao mundo.
– Nossa Senhora fez mais alguma revelação?
– Declarou que no dia treze de Outubro fará com que o povo
acredite que ela realmente aparece.
– Por que razão não raro baixas os olhos, deixando de fitar a
Senhora?
– É que ela às vezes cega.
– Ensinou-te alguma oração?
– Ensinou e quer que a recitemos depois de cada mistério do
rosário.
– Sabes de cor essa oração?
– Sei.
– Dize lá...
– Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno e aliviai
as almas do Purgatório, especialmente as mais abandonadas19.
8. NAS VÉSPERAS DO GRANDE
MILAGRE
(11 DE OUTUBRO DE 1917)
Interrogatório da Lúcia
Disseste-me há dias que Nossa Senhora queria que o dinheiro
oferecido pelo povo fosse levado para a igreja em dois andores.
Como é que arranjam os andores e quando é que eles devem ser
levados para a igreja?
– Os andores compram-se com o dinheiro oferecido e serão
levados nas festas da Senhora do Rosário.
– Sabes com certeza em que sítio é que Nossa Senhora deseja
que se edifique uma capela em sua honra?
– Não sei ao certo, mas julgo que ela quer a capela na Cova da
Iria.
– Que disse ela que havia de fazer para que todo o povo
acreditasse que ela aparecia?
– Disse que havia de fazer um milagre.
– Quando foi que disse isso?
– Disse-o umas poucas de vezes, mas só uma vez, na ocasião da
primeira aparição, é que lhe fiz a pergunta.
– Não tens medo de que o povo te faça mal, se não vir nada de
extraordinário nesse dia?
– Não tenho medo nenhum.
– Sentes dentro de ti alguma coisa, alguma força que te arraste
para a Cova da Iria no dia treze de cada mês?
– Sinto vontade de lá ir e ficava triste se não fosse.
– Viste alguma vez a Senhora benzer-se, rezar, ou desfiar as
contas do rosário?
– Não vi.
– Mandou-te rezar?
– Mandou-me rezar umas poucas de vezes.
– Disse-te que rezasses pela conversão dos pecadores?
– Não disse; mandou-me só rezar à Senhora do Rosário para que
acabasse a guerra.
– Viste os sinais que as outras pessoas dizem ter visto, como uma
estrela, rosas a despregarem-se do vestido da Senhora, etc.?
– Não vi a estrela nem outros sinais extraordinários.
– Ouviste algum rumor, trovão ou tremor de terra?
– Nunca ouvi.
– Sabes ler?
– Não sei.
– Andas a aprender a ler?
– Não ando.
– Como cumpres então a ordem que a Senhora te deu nesse
sentido?
– ! ..........................
– Quando dizes ao povo que ajoelhe e reze, é a Senhora que
manda que o digas?
– Não é a Senhora que manda, sou eu que quero.
– Sempre que ela aparece, tu ajoelhas?
– Às vezes fico de pé, outras vezes ajoelho-me.
– Quando fala, a sua voz é doce e agradável?
– É.
– Que idade parece ter a Senhora?
– Parece ter uns quinze anos.
– De que cor é o cadeado do rosário?
– É branco.
– E o crucifixo?
– O crucifixo também é branco.
– O véu cobre a testa da Senhora?
– Não cobre; vê-se-lhe a testa bem.
– O esplendor que a envolve é bonito?
– É mais bonito que a luz do sol e muito brilhante.
– A Senhora nunca te saudou com a cabeça ou com as mãos?
– Nunca.
– Nunca se sorriu para ti?
– Também não.
– Costuma olhar para o povo?
– Nunca a vi olhar para ele.
– Ouves as conversas, rumores e gritos do povo, durante o tempo
em que vês a Senhora?
– Não ouço.
– A Senhora pediu-te em Maio que voltasses todos os meses até
Outubro à Cova da Iria?
– Disse que voltássemos lá de mês a mês durante seis meses, no
dia treze.
– Ouviste ler a tua mãe o livro chamado “Missão abreviada”, onde
se conta a história da aparição de Nossa Senhora a um menino e
uma menina?
– Ouvi.
– Pensavas muitas vezes nessa história e falavas dela a outras
crianças?
– Não pensava nessa história, nem a contei a ninguém.
Concluída esta inquirição, dirigi-me a casa das outras crianças,
procedendo ali à sua inquirição, na presença do pai e dalgumas das
irmãs. Interroguei primeiro a Jacinta.
Interrogatório da Jacinta
– A Senhora recomendou que rezassem o terço?
– Recomendou.
– Quando?
– Quando apareceu pela primeira vez.
– Ouviste também o segredo ou foi só a Lúcia que o ouviu?
– Eu também ouvi.
– Quando o ouviste?
– Da segunda vez, no dia de Santo António.
– Esse segredo é para serem ricos?
– Não é.
– É para serem bons e felizes?
– É. É para bem de todos os três.
– É para irem para o Céu?
– Não é.
– Não podes revelar o segredo?
– Não posso.
– Porquê ?
– Porque a Senhora disse que não disséssemos o segredo a
ninguém.
– Se o povo soubesse o segredo, ficava triste?
– Ficava.
– Como tinha a Senhora as mãos?
– Tinha-as erguidas.
– Sempre erguidas?
– Às vezes voltava as palmas para o céu.
– A Senhora disse em Maio que queria que fossem à Cova da Iria
mais vezes?
– Disse que queria que fôssemos lá durante seis meses, de mês a
mês, até que em Outubro dissesse o que queria.
– Ela tem na cabeça algum resplendor?
– Tem.
– Podes olhar bem para o rosto?
– Não posso, porque faz mal aos olhos.
– Ouviste sempre bem o que a Senhora disse?
– Da última vez não ouvi tudo por causa do barulho que o povo
fazia.
Segue-se a inquirição do Francisco.
Interrogatório ao Francisco
– Que idade é que tens?
– Tenho nove anos feitos.
– Só vês a Senhora ou ouves também o que ela diz?
– Só a vejo, não ouço nada do que ela diz.
– Tem algum clarão em volta da cabeça?
– Tem.
– Podes olhar bem para a cara dela?
– Posso olhar, mas pouco, por causa da luz
– Tem alguns enfeites no vestido?
– Tem uns cordões de ouro.
– De que cor é o crucifixo do rosário?
– É branco.
– E a cadeia do rosário?
– Também é branca.
– O povo ficava triste se soubesse o segredo?
– Ficava.
Em seguida entretive-me em demorada conversa com o pai das
inocentes crianças acerca dos acontecimentos que tanto o têm
preocupado. Forneceu-me informações bastante interessantes que
passo a referir, porque lançam muita luz sobre esses
acontecimentos20.
9. NO DIA DO GRANDE MILAGRE
(13 DE OUTUBRO DE 1917)
Interrogatório da Lúcia
– Nossa Senhora tornou a aparecer hoje na Cova da Iria?
– Tornou.
– Estava vestida como das outras vezes?
– Estava vestida do mesmo modo.
– Apareceram também São José e o Menino Jesus?
– Apareceram.
– Apareceu mais alguém?
– Apareceu também Nosso Senhor abençoando o povo e a
Senhora de dois naipes.
– Que queres dizer com isso? A Senhora de dois naipes?!
– Apareceu a Senhora vestida como a Senhora das Dores, mas
sem espada no peito, e a Senhora vestida, não sei bem como, mas
parece-me que era a Senhora do Carmo.
– Vieram todos ao mesmo tempo, não é verdade?
– Não; primeiro vi a Senhora do Rosário, S. José e o Menino,
depois vi só Nosso Senhor, depois a Senhora das Dores e por fim a
Senhora que me pareceu ser a Senhora do Carmo.
– O Menino Jesus estava em pé ou ao colo de S. José?
– Estava ao colo de S. José.
– O Menino era crescido?
– Era pequenino.
– Que idade parecia ter?
– Era para aí dum ano.
– Porque disseste que a Senhora, duma das vezes, te pareceu
estar vestida como a Senhora do Carmo?
– Porque tinha umas coisas penduradas na mão.
– Apareceram por cima da carrasqueira?
– Não; apareceram ao pé do sol, depois de ter desaparecido a
Senhora ao pé da carrasqueira.
– Nosso Senhor estava em pé?
– Só o vi da cintura para cima.
– Quanto tempo durou a aparição na carrasqueira? O suficiente
para se poder rezar o terço?
– Não chegava, parece-me.
– E no sol as figuras, que viste, demoraram-se muito?
– Pouco tempo.
– A Senhora disse-te quem era?
– Disse que era a Senhora do Rosário.
– Perguntaste-lhe o que queria?
– Perguntei.
– E que disse ela?
– Disse que se emendasse a gente, que não ofendesse a Nosso
Senhor que estava muito ofendido, que rezasse o terço e pedisse
perdão dos nossos pecados, que a guerra acabaria hoje e que
esperássemos os nossos soldados muito brevemente.
– Disse mais alguma coisa?
– Disse também que queria que lhe fizessem uma capela na Cova
da Iria.
– Com que dinheiro se há-de edificar a capela?
– Julgo que com o que lá se juntar.
– Disse alguma coisa a respeito dos nossos soldados mortos na
guerra?
– Não falou neles.
– Disse-te que avisasses o povo, para que olhasse para o sol?
– Não disse.
– Disse que queria que o povo fizesse penitência?
– Disse.
– Empregou a palavra penitência?
– Não. Disse que rezássemos o terço e nos emendássemos dos
nossos pecados e pedíssemos perdão a Nosso Senhor, mas não
falou em penitência.
– Quando foi que começou o sinal no sol? Foi depois da Senhora
desaparecer?
– Foi.
– Viste vir a Senhora?
– Vi.
– Donde vinha ela?
– Do nascente.
– E das outras vezes?
– Das mais vezes não olhei.
– Viste-a ir-se embora?
– Vi.
– Para onde?
– Para o nascente.
– Como desapareceu?
– Pouco a pouco.
– O que desapareceu primeiro?
– Foi a cabeça. Depois o corpo. A última coisa que vi foram os
pés.
– Quando se foi embora, ia recuando ou voltou as costas ao
povo?
– Ia com as costas voltadas para o povo.
– Levou muito tempo a desaparecer?
– Gastou pouco tempo.
– Estava envolvida nalgum clarão?
– Veio no meio de um esplendor. Desta vez também cegava. De
vez em quando eu tinha de esfregar os olhos.
– Nossa Senhora tornará a aparecer?
– Não faço conta que torne a aparecer, não me disse nada.
– Não tens tenção de voltar à Cova da Iria no dia treze?
– Não tenho.
– A Senhora não fará mais milagres? Não curará enfermos?
– Não sei.
– Não lhe fizeste nenhum pedido?
– Eu disse-lhe hoje que tinha vários pedidos a despachar e ela
disse que despachava uns, outros não.
– Não disse quando os despachava?
– Não disse.
– Sob que invocação quer que se faça a capela na Cova da Iria?
– Disse hoje que era a Senhora do Rosário.
– Disse que queria que fosse lá muita gente de toda a parte?
– Não mandou lá ir ninguém.
– Viste os sinais do sol?
– Vi. Vi-o andar à roda.
– Viste também sinais na carrasqueira?
– Não vi.
– Quando era a Senhora mais bonita, desta ou das outras vezes?
– O mesmo.
– Até onde lhe descia o vestido?
– Até mais baixo que o meio da perna.
Interrogatório da Jacinta
– Além de Nossa Senhora, quem é que viste hoje, quando
estavas na Cova da Iria?
– Vi S. José e o Menino Jesus.
– Onde é que os viste?
– Vi-os ao pé do sol.
– O que é que a Senhora disse?
– Disse que rezassem o terço a Nossa Senhora todos os dias e
que a guerra acabava hoje.
– A quem é que disse isso?
– Disse-o à Lúcia e a mim. O Francisco não ouviu.
– Ouviste-lhe dizer quando vinham os nossos soldados?
– Não ouvi.
– Que mais disse ela?
– Disse que fizessem uma capela na Cova da Iria.
(Doutra vez a Jacinta expressou-se assim: “Disse que fosse a
gente fazer lá uma capela”).
– Ouviste dizer isso a ela ou à Lúcia?
– A ela.
– Donde veio a Senhora?
– Veio do nascente.
– E para onde foi quando desapareceu?
– Foi para o nascente.
– Foi-se embora recuando de frente para o povo?
– Não; voltou as costas.
– Não disse que voltassem à Cova da Iria?
– Tinha dito antes que era a última vez que vinha e hoje disse
também que era a última vez.
– A Senhora não disse mais nada?
– Disse hoje que rezasse a gente todos os dias o terço à Senhora
do Rosário.
– Onde é que ela disse que a gente devia rezar o terço?
– Não disse onde.
– Disse que o fôssemos rezar à igreja?
– Nunca disse isso.
– Onde rezas o terço com mais gosto, aqui em tua casa ou na
Cova da Iria?
– Na Cova da Iria.
– Por que gostas mais de o rezar lá?
– Por nada.
– Com que dinheiro disse a Senhora que se havia de fazer a
capela?
– Disse que fizessem uma capela, não quis lá saber do dinheiro.
– Olhaste para o sol?
– Olhei.
– Viste os sinais?
– Vi.
– Foi a Senhora que mandou olhar para o sol?
– Não mandou olhar para o sol.
– Então como pudeste ver os sinais?
– Voltei os olhos para o alto.
– O Menino Jesus estava ao lado direito ou ao lado esquerdo de
S. José?
– Estava ao lado direito.
– Estava em pé ou ao colo?
– Estava em pé.
– Vias o braço direito de S. José?
– Não via.
– Que altura tinha o Menino? Chegava com a cabeça ao peito de
S. José?
– O Menino não chegava à cintura de S. José.
– Quantos anos parecia ter o Menino?
– Era como a Deolinda do José das Neves (criança de um para
dois anos).
Segue-se finalmente o
Interrogatório do Francisco
– Desta vez também viste Nossa Senhora?
– Vi.
– Que Senhora era?
– Era a Senhora do Rosário.
– Como estava vestida?
– Estava vestida de branco e tinha o terço na mão.
– Viste S. José e o Menino?
– Vi.
– Onde os viste?
– Ao lado do sol.
– O Menino estava ao colo de S. José ou ao lado dele?
– Estava ao lado dele.
– O Menino era grande ou pequeno?
– Era pequenino.
– Era do tamanho da Deolinda do José das Neves?
– Era assim bem como ela.
– Como tinha a Senhora as mãos?
– Tinha as mãos postas.
– Viste-a só na carrasqueira ou também ao pé do sol?
– Vi-a também ao pé do sol.
– Qual era mais claro e brilhante: o sol ou o rosto da Senhora?
– O rosto da Senhora era mais claro; a Senhora era branca.
– Ouviste o que a Senhora disse?
– Não ouvi nada do que a Senhora disse.
– Quem te disse o segredo? Foi a Senhora?
– Não foi; foi a Lúcia.
– Podes dizê-lo?
– Não o digo.
– Não o dizes, porque tens medo da Lúcia; receias que ela te
bata, não é verdade?
– Não.
– Então porque não o dizes? Porque é pecado?
– O segredo é para bem da tua alma, da alma da Lúcia e da
Jacinta?
– É.
– É para bem da alma do sr. Prior?
– Não sei.
– O povo ficava triste se o soubesse?
– Ficava.
– De que lado veio a Senhora?
– Veio da banda do nascente.
– E, quando desapareceu, foi para o mesmo lado?
– Foi também para o nascente.
– Ia recuando?
– Ia com as costas voltadas para nós.
– Ia devagar ou depressa?
– Ia devagar.
– Ela caminhava como nós?
– Não caminhava; ia certinha, não mexia os pés.
– Que parte da Senhora desapareceu primeiro?
– Foi a cabeça.
– Agora viste-a tão bem como das outras vezes?
– Agora vi-a melhor que o mês passado.
– Quando era mais bonita, agora ou das outras vezes?
– Tão bonita agora como o mês passado.
10. DEPOIS DO GRANDE MILAGRE
(19 DE OUTUBRO DE 1917)
Interrogatório da Lúcia
– No dia treze do corrente Nossa Senhora disse que a guerra
acabava nesse mesmo dia? Quais foram as palavras que
empregou?
– Disse assim: “A guerra acaba ainda hoje, esperem cá pelos
seus militares muito breve”.
– Ela disse: “Esperem cá pelos seus militares ou “Esperai cá
pelos vossos soldados”?
– Disse: “Esperem cá pelos seus militares”.
– Mas olha que a guerra ainda continua!... Os jornais noticiam que
tem havido combates depois do dia treze!... Como se explica isto, se
Nossa Senhora disse que a guerra acabou nesse dia?
– Não sei. Só sei que lhe ouvi dizer que a guerra acabava no dia
treze. Não sei mais nada.
– Algumas pessoas afirmam que te ouviram dizer nesse dia que
Nossa Senhora tinha declarado que a guerra acabava brevemente.
É verdade?
– Eu disse tal e qual como Nossa Senhora tinha dito.
– No dia vinte e sete do mês passado fui a tua casa falar contigo,
lembras-te?
– Lembro-me de o ver cá.
– Pois nesse dia disseste-me que Nossa Senhora tinha dito que
no dia treze de Outubro vinham também S. José e o Menino Jesus e
que depois disso brevemente acabaria a guerra, não nesse dia.
– Não me recordo já bem como ela disse. Podia ter dito isso; não
sei. Talvez não entendesse bem a Senhora.
– No dia treze do corrente mandaste ao povo que olhasse para o
sol?
– Não me lembro de assim fazer.
– Mandaste fechar os chapéus?
– No outro mês atrás mandei. Da última vez não me lembro de ter
mandado.
– Sabias quando devia começar o sinal no sol?
– Não.
– Olhaste para ele?
– Olhei; parecia que era a lua.
– Porque foi que olhaste para o sol?
Olhei, porque toda a gente disse que olhassem para o sol.
– Nossa Senhora disse que pediria a seu Divino Filho pelas almas
dos soldados mortos na guerra?
– Não, senhor.
– Disse que o povo seria castigado, se não se emendasse dos
seus pecados?
– Não me lembro se ela o disse. Parece-me que não.
– No dia treze não tinhas dúvidas como agora acerca do que a
Senhora disse. Como se explicam as tuas dúvidas de hoje?
– Nesse dia lembrava-me melhor; tinha sido há menos tempo.
– Que viste há cerca dum ano? Tua mãe diz que tu e as outras
crianças viram um vulto embrulhado numa espécie de lençol, que
não deixava ver o rosto. Porque me disseste o mês passado que
não foi nada?
! .....
– Dessa vez fugiste?
– Cuido que fugi.
– No dia onze deste mês não me quiseste dizer que no dia treze
haviam de aparecer Nosso Senhor abençoando o povo e Nossa
Senhora das Dores? Foi com receio de que eu fizesse troça de ti,
como outras pessoas já tinham feito, dizendo que isso era
impossível? Ou era porque estavam presentes muitas pessoas
estranhas e tiveste acanhamento de dizer isso diante de tanta
gente?
– ! .........
– Quando foi que Nossa Senhora te disse que se haviam de dar
essas aparições no dia treze de Outubro?
– Foi no dia em que apareceu nos Valinhos ou no outro dia treze.
Não sei bem.
– Viste também Nosso Senhor?
– Vi uma figura que parecia um homem; parecia Nosso Senhor.
– Onde estava essa figura?
– Estava ao lado do sol.
– Viste-a abençoar o povo?
– Não vi; mas Nossa Senhora tinha dito que Nosso Senhor viria
abençoar o povo.
– Se o povo soubesse o segredo que Nossa Senhora te revelou,
ficava triste?
– Cuido que ficava como está, quase à mesma.
Em seguida procedi ao
Interrogatório do Francisco
– Viste no dia treze deste mês Nosso Senhor abençoando o
povo?
– Não vi. Vi, mas foi Nossa Senhora.
– Viste a Senhora das Dores e a Senhora do Carmo?
– Não vi. A Nossa Senhora parecia a que eu cá vi em baixo.
Estava vestida do mesmo modo.
– Não olhaste para o sol?
– Olhei.
– Não viste S. José e o Menino Jesus?
– Vi.
– Estavam longe ou perto do sol?
– Perto do sol.
– De que lado do sol estava S. José?
– Estava do lado esquerdo.
– E de que lado estava Nossa Senhora?
– Do lado direito.
– Onde estava o Menino Jesus?
– Estava ao pé de S. José.
– De que lado?
– Não reparei de que lado.
– O Menino era grande ou pequenino?
– Era pequenino.
– Quando a Senhora estava sobre a carrasqueira ouvias o que ela
dizia à Lúcia?
– Não ouvia.
– Ouvias o som da sua voz?
– Também não ouvia.
– Parecia que não falava?
– Parecia.
– Não a vias mexer os beiços?
– Não via.
– Não a vias rir-se?
– Também não.
– Viste os sinais do sol? Que foi que viste?
– Olhei e vi que o sol andava à roda. Parecia uma roda de fogo.
– Quando foi que apareceram os sinais, antes ou depois que a
Senhora desapareceu ao pé da carrasqueira?
– Foi quando a Senhora desapareceu.
– Ouviste a Lúcia avisar o povo para que olhasse para o sol?
– Ouvi. Deu um grito que olhasse o povo para o sol.
– Foi a Senhora que a mandou avisar o povo, para que olhasse
para o sol?
– Foi. A Senhora apontou com o dedo para a banda onde está o
sol.
– Quando foi que fez isso?
– Foi quando desapareceu.
– Os sinais do sol começaram logo?
– Começaram.
– Quais foram as cores que viste no sol?
– Vi cores muito bonitas, azul, amarelo e outras.
A inquirição da Jacinta efectuou-se no percurso de Aljustrel a
Fátima, ouvindo-a também a senhora D. Leonor de Avelar
Constâncio, que levava a criança pela mão, atrás da Lúcia e do
Francisco, que eram acompanhados pelas outras senhoras acima
mencionadas.
Eis o relato do seu interrogatório.
Interrogatório da Jacinta
– No dia treze do corrente viste ao pé do sol Nosso Senhor, a
Senhora das Dores e a Senhora do Carmo?
– Não vi.
– Mas a onze deste mês disseste-me que deviam aparecer.
– Disse. A Lúcia é que viu outra Senhora, eu não.
– Viste S. José?
– Vi. A Lúcia disse que S. José estava dando a paz.
– Olhaste para o sol?
– Olhei.
– E que é que viste?
– Vi o sol encarnado, verde e doutras cores e vi que andava à
roda.
– Ouviste a Lúcia avisar o povo para que olhasse para o sol?
– Ouvi. Ela disse numa voz muito alto que olhassem para o sol. O
sol andava à roda.
– Foi a Senhora que a mandou avisar o povo?
– A Senhora não disse nada.
– Que disse a Senhora desta última vez?
– Disse: “Venho aqui para te dizer que não ofendam mais a Nosso
Senhor, que está muito ofendido, que, se o povo se emendar, acaba
a guerra, e, se não se emendar, acaba o mundo.” A Lúcia ouviu
melhor do que eu o que a Senhora disse.
– Disse que a guerra acabava nesse dia ou que acabava
brevemente?
– Nossa Senhora disse que, quando chegasse ao Céu, acabava a
guerra.
– Mas a guerra ainda não acabou!...
– Acaba, acaba.
– Mas então quando acaba?
– Cuido que acaba no Domingo.
11. ÚLTIMOS INTERROGATÓRIOS
(2 DE NOVEMBRO DE 1917)
Interrogatório da Lúcia
– Não me tens querido dizer o que viste o ano passado.
Provavelmente julgas que se trata de uma coisa sem importância
que não vale a pena averiguar bem. Pois crê que estás enganada.
Preciso de saber o que foi que viste então e como foi que as coisas
se passaram.
– É certo que te apareceu um vulto branco?
– É.
– Em que sítio?
– Vi esse vulto no Cabeço, às Estrumeiras, ao pé da Cova da Iria.
– Quantas vezes o viste?
– Não me recordo quantas vezes.
– Viste-o no chão ou em cima de alguma árvore?
– Vi-o em cima de uma azinheira.
– O que te parecia esse vulto?
– Parecia-me uma pessoa embrulhada num lençol.
– Dirigiste-lhe a palavra?
– Não lhe disse nada.
– Andavas sozinha ou estavam contigo outras pessoas?
– Da 1ª vez eu andava com a Teresa do José Matias da Casa
Velha, e com o Manuel do Justino Pereira.
– Eles também viram?
– Disseram que também tinham visto.
– Da 2ª vez quem estava presente?
– Estavam o Manuel do José das Neves, de Aljustrel, e o Manuel
da Maria de Jesus, da Casa Velha.
– E da 3ª vez?
– Da 3ª vez andávamos só eu e o João Marto que disse que não
tinha visto.
– O vulto estava de cada vez na mesma árvore?
– Apareceu em mais de uma árvore de cada vez.
– Como estava vestido?
– Estava todo vestido de branco. Eu não lhe via os braços nem os
pés. – Quem viu primeiro o vulto?
– Os outros viram primeiro e disseram-me.
– Quanto tempo se demorou?
– Demorou-se pouco tempo.
– Disse alguma coisa?
– Não disse nada.
– Quem julgas que fosse esse vulto?
– Não sei o que era. – Era Nossa Senhora?
– Cuido que não era Nossa Senhora.
– É verdade que uma vez em que estavas a rezar o terço, o gado
que apascentavas foi para o campo onde havia trigo e chícharo já
crescido, sem que comesse nenhuma dessas plantas?
– É verdade.
– Quando foi que isso sucedeu?
– Não me recordo, mas parece-me que foi num Domingo.
– Não viste o gado comer o trigo e o chícharo?
– Não vi.
– Mas sabes com certeza que não comeu?
– Sei, porque um dos donos da propriedade disse que o gado não
tinha dado perda.
– Afastaste o gado desse sítio?
– Afastámo-lo depois de rezar o terço.
– A quem pertencia a propriedade?
– Pertencia ao José Matias e a Francisco António da Casa Velha.
São dois talhões pegados.
– Porque não afastaste o gado logo que o viste ir para o campo
semeado?
– Não afastei logo porque queria rezar o terço.
– Não receavas que ele comesse o que estava semeado?
– Pensava que ele comia, mas deixei-o andar.
– Então não sabias que a tua obrigação era retirares
imediatamente o gado para que ele não causasse dano?
– Já me confessei dessa falta.
– Ouvi contar que tinhas dito a uma pessoa que havias de viver
mais de vinte anos. É verdade?
– Não me recordo.
– Antes de cada aparição vias algum relâmpago?
– Às vezes via um, outras vezes via dois. Os ares estavam turvos,
como de trovoada.
– Da primeira vez que a Senhora te apareceu o céu estava sem
nuvens?
– Não me recordo se havia nuvens.
– Quando a Senhora te apareceu da 1ª vez o que é que estavas a
fazer?
– Rezei o terço antes de ela vir.
– Quando sucedeu a primeira aparição ajoelhaste-te ou ficaste de
pé?
– Da primeira vez fiquei de pé.
– A Senhora vinha sempre envolta num esplendor?
– Vinha.
– De que cor era esse esplendor?
– Era muito claro, muito branco.
– O esplendor aparecia primeiro que a Senhora?
– Aparecia quase ao mesmo tempo que a Senhora.
– Da primeira vez pediste ao Francisco e à Jacinta que não
dissessem à família nada do que tinham visto?
– Pedi.
– Porquê?
– Porque o ano passado minha mãe ralhou-me, quando eu lhe
disse que tinha visto o vulto branco, e disse-me que eu andava a
mentir.
– Tua mãe soube por ti da 1ª aparição?
– Não; foi pelo Francisco e pela Jacinta ou por pessoas a quem
eles tivessem contado o que viram.
– Conta-me o que ouviste dizer à Senhora em Maio.
– Em Maio a Senhora disse que não tivéssemos medo porque
não nos fazia mal. Perguntei-lhe donde era e ela disse-me que era
do Céu. Perguntei-lhe o que queria e ela respondeu que fôssemos
lá todos os meses de mês a mês e ao fim de seis meses dizia o que
queria.
– Porque foste daí em diante ao local das aparições no dia 13 e
não noutro dia de cada mês?
– Fui no dia 13 porque fazia um mês. Entendi que devia ir no dia
13, porque o dia da primeira aparição era 13.
– Fizeste-lhe mais algumas perguntas?
– Perguntei se íamos para o Céu e a Senhora disse que sim, mas
que o Francisco devia rezar as contas.
– A Senhora disse mais alguma coisa?
– Talvez dissesse mais alguma coisa, mas não me lembro.
– O que foi que disse a Senhora em Junho?
– Disse que continuássemos a ir à Cova da Iria e que
aprendêssemos a ler.
– Disse mais alguma coisa?
– Estava presente um filho do Manuel Carreira, da Moita,
aleijadinho das pernas e das costas. Perguntei à Senhora se o
curava, e ela disse que seria curado dentro de um ano. Já se curou
pouco a pouco das costas. Perguntei também se a Senhora era
servida converter uma mulher da Moita e ela disse que a converteria
dentro de um ano.
– Que mais disse a Senhora?
– Não me recordo de mais nada.
– Que disse a Senhora em Julho?
– Disse que continuássemos a ir à Cova da Iria e que rezássemos
o terço a Nossa Senhora do Rosário para que abrandasse a guerra,
que só ela lhe poderia valer. Pedi à Senhora a cura de enfermos e a
conversão de pecadores que me tinham recomendado e ela disse-
me que melhoraria uns, outros não, e converteria uns, outros não.
– Disse mais alguma coisa?
– Não me recordo que tivesse dito mais nada nesse dia.
– Que disse a Senhora em Agosto?
– Em Agosto não fui lá.
– Mas que disse ela no domingo seguinte quando te apareceu no
sítio dos Valinhos?
– Nos Valinhos disse que se não tivéssemos sido presas não
seria o milagre tão conhecido e que teriam vindo S. José com o
Menino dar a paz ao mundo e Nosso Senhor dar a bênção ao povo.
– Que mais disse Ela?
– Perguntei-lhe o que devia fazer ao dinheiro que se tinha juntado
e ela disse que o levássemos em dois andores à Senhora do
Rosário, nos dias das festas da Senhora do Rosário.
– Foste tu que te lembraste de fazer essa pergunta?
– Não; quem tinha o dinheiro é que me mandou fazer essa
pergunta.
– A Senhora não disse mais nada?
– Tornei a pedir pelos doentes e pecadores recomendados e ela
disse que uns seriam melhorados e outros convertidos dentro de um
ano. Nesse dia não lhe perguntei mais nada.
– O que disse a Senhora em Setembro?
– Não me recordo do que Ela disse. Talvez fosse nesse dia que
disse que em 13 de Outubro havia de vir S. José com o Menino e
Nosso Senhor dar a bênção ao povo e Nossa Senhora do Rosário
com um anjinho de cada lado e Nossa Senhora das Dores com um
arco de flores.
– A treze de Outubro viste os anjinhos e o arco de flores?
– Não vi, não reparei, quando a Senhora apareceu ao pé do sol.
– O que disse a Senhora em Outubro?
– Perguntei-lhe o que me queria. Disse que não ofendessem mais
a Deus Nosso Senhor, que já estava muito ofendido, que rezassem
o terço a Nossa Senhora do Rosário que lhes perdoasse os
pecados (sic), querendo ir para o Céu, e disse também que queria
que fizessem ali uma capelinha à Senhora do Rosário ou que ela
era a Senhora do Rosário. Eu não sei se ela disse “à Senhora do
Rosário” ou “eu sou a Senhora do Rosário”.
– Que mais disse ela?
– Eu disse-lhe que tinha muitos pedidos de curas e conversões e
ela disse que melhoraria e converteria uns, outros não.
– Não disse mais nada?
– Disse: “a guerra acaba hoje e esperem cá pelos seus militares
muito breve”.
– Não disse que a guerra acabava logo que chegasse ao Céu?
– Não me recordo se disse que era logo que chegasse ao Céu.
– Nesse dia disseste ao povo que fechasse os chapéus?
– Não me recordo que o dissesse.
– Soltaste um grito dizendo ao povo que olhasse para o sol?
– Não me recordo que soltasse tal grito.
– É verdade que a Senhora apontou para o sol?
– Não me recordo que o tivesse feito.
– De que cor era o traje de Nossa Senhora ao pé do sol?
– O manto era azul e o vestido branco.
– E o de Nosso Senhor, o de S. José e o do Menino?
– O de S. José era encarnado, e o de Nosso Senhor e o do
Menino penso que também eram encarnados.
– Quando foi que perguntaste à Senhora o que é que fazia para
que o povo acreditasse que era ela que te aparecia?
– Perguntei-lhe umas poucas de vezes; a primeira vez que
perguntei cuido que foi em Junho.
– Quando te disse o segredo?
– Parece-me que foi da 2ª vez.
Interrogatório da Jacinta
– O que foi que disse a Senhora da primeira vez que apareceu, no
mês de Maio?
– A Lúcia perguntou o que lhe queria e ela disse que fôssemos lá
de mês a mês até fazer seis meses e que no último mês diria o que
queria.
– A Lúcia fez-lhe mais alguma pergunta?
– Perguntou se ela ia para o Céu e a Senhora disse que sim.
Perguntou depois se eu ia para o Céu e ela disse que sim. Depois
perguntou se o Francisco ia para o Céu e ela disse que sim, mas
que havia de rezar as contas.
– A Senhora disse mais alguma coisa?
– Não me lembro que tivesse dito mais nada nesse dia. Foi dessa
vez que o gado foi para os chícharos.
– Que disse a Senhora da segunda vez, em Junho?
– A Lúcia disse: O que me quer? A Senhora respondeu: quero
que aprendam a ler.
– A Lúcia fez mais alguma pergunta?
– Pediu pelos doentes e pecadores e a Senhora disse que
melhorava uns e os convertia, outros não.
– A Senhora disse mais alguma coisa?
– Naquele dia não disse mais nada.
– O que disse a Senhora em Agosto?
– Em Agosto não fomos lá.
– Queres dizer o que foi que a Senhora disse no domingo
seguinte nos Valinhos?
– A Lúcia perguntou à Senhora se trazia o meu Manuel (um irmão
da Jacinta que está servindo no exército em Cabo Verde) e ela disse
que trazia cá todos.
– Que mais disse a Senhora?
– Disse que, se não abalássemos para Ourém, viria S. José e o
Menino dar a paz ao mundo e Nossa Senhora do Rosário com dois
anjinhos, um de cada lado.
– Que mais disse?
– Disse que fizéssemos dois andores e que os levássemos à festa
da Senhora do Rosário, que eu, a Lúcia e mais duas meninas
vestidas de branco levássemos um e o Francisco com três rapazes
levasse o outro.
– Disse mais alguma coisa?
– Não disse nada.
– Que disse a Senhora em Setembro?
– Não me recordo.
– Que disse a Senhora em Outubro?
– A Lúcia disse: “Que me quer”? A Senhora respondeu: “não
ofendam mais a Nosso Senhor que estava muito ofendido”. Disse
que perdoava [sic] os nossos pecados, querendo ir para o Céu.
Disse também que rezasse a gente o terço. Disse que esperassem
cá os militares muito breve e que acabava a guerra naquele dia.
Disse que fizesse a gente lá uma capela e não sei se disse “à
Senhora do Rosário” ou que “ela era a Senhora do Rosário”.
Interrogatório do Francisco
– De que lado estava o Menino Jesus quando o viste ao pé do
sol?
– Estava mais perto do sol, do lado esquerdo dele, mas do lado
direito de S. José.
– A Senhora que viste ao pé do sol era diferente da que viste
sobre a carrasqueira?
– A Senhora que estava ao pé do sol parecia a mesma que eu cá
vi em baixo.
– Viste Nosso Senhor abençoando o povo?
– Não vi Nosso Senhor.
GRANDES MANIFESTAÇÕES DE
FÉ E PIEDADE
1. GLÓRIA E REPARAÇÃO
O comboio especial
Pouco depois da meia-noite, partiu de Lisboa, da estação do
Rossio, um comboio especial, expressamente organizado pela
Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses para conduzir a
Fátima os peregrinos da capital. Este comboio teve uma curta
paragem em todas as estações para receber os peregrinos das
diversas terras situadas ao longo do percurso. Às cinco horas e
meia da manhã, chegou, sem nenhum incidente desagradável, à
estação terminus – o novo apeadeiro de Seiça-Ourém, inaugurado
no dia quatro do corrente mês entre as estações de Chão de Maçãs
e Caxarias.
Na estação do Rossio tomaram lugar no comboio especial
centenas de passageiros, não se tendo enchido logo completamente
todas as carruagens, porque a maior parte dos peregrinos de Lisboa
e do Sul do país haviam partido nos comboios da véspera, tanto da
linha do Norte, em direcção a Torres Novas e Chão de Maçãs, como
da linha de Oeste, com destino a Leiria
Os servitas de Santarém
Quando parou no apeadeiro de Seiça, o comboio estava
completamente cheio. Dezoito servitas, membros da Associação
Nun’Álvares de Santarém, que tinham embarcado na estação
daquela cidade, prestaram relevantes serviços, com um zelo e
dedicação inexcedíveis, à chegada do comboio especial.
Sob as ordens de dois chefes delegados da direcção daquela
benemérita colectividade, ajudaram a conduzir os enfermos para os
diversos meios de transporte que estacionavam no largo terreiro
situado em frente do apeadeiro. Correctos e delicados no seu trato,
cheios de caridade para com as pobres vítimas de tamanhas
misérias humanas, desempenharam a sua rude tarefa de maqueiros
voluntários com uma perfeição verdadeiramente admirável, que
mereceu os encómios de todas as pessoas que foram testemunhas
da sua acção.
Bem hajam os simpáticos jovens católicos da Associação
Nun’Álvares de Santarém, que tão distintamente se assinalaram
naquela jornada de glória, pela feliz iniciativa que tiveram de ir
inaugurar o serviço de transporte dos enfermos da peregrinação
nacional no apeadeiro de Seiça. O seu gesto nobilíssimo ficará para
sempre registado em letras de ouro nos anais gloriosos de Nossa
Senhora de Fátima e nos fastos brilhantíssimos da sua prestimosa
instituição, honra e lustre da Juventude Católica Portuguesa.
A grande romagem
Assomam já no Oriente os primeiros alvores da madrugada. O
espesso manto de trevas que envolvia o planalto sagrado dissipa-se
como que por encanto. O ambiente, cuja temperatura descera uns
poucos de graus durante as últimas horas da noite, não tarda que
seja aquecido pelos raios suavemente tépidos do sol nascente.
À medida que as horas passam, o movimento de peões,
cavaleiros e veículos intensifica-se duma maneira assombrosa, num
crescendo cada vez maior.
Centenas e centenas de automóveis, desde os mais luxuosos e
elegantes até aos de tipo mais modesto, camions, camionettes,
chars-à-bancs, motocicletes, bicicletes, galeras, trens, charrettes,
carroças, carros de bois, numa palavra, todos os meios de
transporte, ainda os mais primitivos e extravagantes, são utilizados
para a condução dos peregrinos, pejando a estrada e os terrenos
adjacentes, numa extensão dalguns quilómetros. A Cova da Iria
apresenta aos que vão chegando um panorama deslumbrante,
incomparável, único. Mais de cem mil pessoas, de ambos os sexos,
de todas as idades e de todas as classes, cobrem literalmente o
vasto espaço que medeia entre a estrada distrital e a capela das
missas.
A Virgem Santíssima, através da sua linda Imagem, reprodução
genial da Aparição, da casa Fânzeres, de Braga, parecia envolver
num doce olhar de ternura maternal aquela multidão enorme, que
vinha ali tributar-lhe, em nome de Portugal fidelíssimo, a
homenagem que lhe era devida como sua Rainha e Padroeira e
solicitar da sua omnipotência suplicante tesouros de graças e
bênçãos preciosíssimas.
Os enfermos
Entretanto os enfermos à medida que vão chegando ao local,
dirigem-se para o respectivo pavilhão, erecto em frente da capela.
Os paralíticos e os doentes, cujo estado é mais grave, são
conduzidos em macas pelos servitas. Mas o seu número é tão
avultado que as macas são insuficientes para a condução rápida de
todos. Como expediente de ocasião, sugerido pela necessidade,
dois servitas de Santarém, jovens de porte distinto e maneiras
delicadas, dão-se as mãos e formam com os braços uma espécie de
cadeira, em que transportam uma senhora paralítica, que tinha
vindo da Beira Baixa em automóvel e cujo marido testemunha o seu
reconhecimento e a sua comoção com a voz entrecortada pelos
soluços e com os olhos marejados de lágrimas.
As macas são colocadas no chão, dum e doutro lado, em frente
da capela. Nas bancadas do pavilhão sentam-se indistintamente os
demais doentes. Em breve nem um só lugar se encontra vago.
Aquele hospital improvisado dum dia alberga nesse momento cerca
de mil vítimas de todas as misérias físicas que torturam a
humanidade.
São tuberculosos, paralíticos, cegos, cancerosos, epilépticos,
enfermos de toda a espécie, que a fé conduziu àquela estância
bendita da esperança. É que ali a augusta Mãe de Deus não raro
lhes mitiga as dores ou cura os males de que padecem, derramando
sempre sobre todos graças preciosíssimas de conforto e
resignação. E por isso nunca doente algum, animado de genuíno
espírito cristão, se arrependeu de ter percorrido a dolorosa via sacra
da peregrinação a Fátima.
A estátua da resignação
Entre as senhoras enfermas há uma que, mais que qualquer das
outras, atrai particularmente a atenção de todos os circunstantes.
Tuberculosa em último grau, tão magra que semelha um esqueleto,
de rosto atrofiado pelo sofrimento, dir-se-ia a estátua viva da
resignação cristã. Exausta de forças, sem alento e sem vida,
desprezada como um mísero farrapo humano, que para nada serve
e de que todos se afastam num egoísmo cruel com receio do
contágio, sente-se feliz naquele lugar bendito em que a caridade
exerce sobrenaturalmente o seu império.
Muito nova ainda, casada de há poucos anos, conforma-se com a
santa vontade de Deus, esperando tranquilamente alguns alívios
para o seu mal ou ao menos um sorriso de doce conforto da Divina
Consoladora dos aflitos. À cabeceira, velando com todo o carinho
por aquela a quem deu o ser, está sentado o pai, simpático e
venerando ancião, patriarca duma numerosa família, em que
florescem tradicionalmente a crença mais pura e as mais sólidas
virtudes cristãs.
A multidão que cerca o pavilhão dos doentes ora com fervor pela
cura de todos esses infelizes.
Milhares de almas boas, impulsionadas pela compaixão à vista de
tamanhos infortúnios, procuram fazer violência ao Céu com as suas
ardentes invocações a Jesus Sacramentado e com a recitação
incessante do terço do Rosário.
Os servitas e os escuteiros
O serviço de fiscalização da entrada e acondicionamento dos
doentes, organizado pelos servitas, que são quase todos do grupo
de Torres Novas, é primorosamente dirigido pelos seus chefes. Dois
médicos especialistas, dos mais distintos da capital, presidem a
esse serviço, cada um na sua respectiva secção. Conjuntamente
com os servitas, lado a lado, trabalham sem descanso os escuteiros
de Leiria, que rivalizam com eles em esforço inteligente e extremada
dedicação.
Quase todos na flor da idade, esbeltos e garbosos, respirando
juventude e força, superiormente educados pela doutrina do
escutismo estudada à luz dos princípios cristãos e pela livre sujeição
a uma rígida disciplina militar, desempenham a sua espinhosa e
delicada tarefa com acertado critério e com uma cordura extrema,
na obediência total, completa, absoluta às ordens dos seus chefes.
Duma gravidade irrepreensível no exercício das suas funções, sem
embargo dos seus verdes anos, eles impõem-se aos jovens do
nosso tempo como modelos acabados de submissão aos legítimos
superiores e de respeito e cortesia para com todos.
As invocações
No púlpito o sacerdote que preside às cerimónias começa a fazer,
numa voz forte e bem timbrada, as invocações de Lourdes:
Senhor, nós vos adoramos!
Senhor, nós temos confiança em vós!
Vós sois o meu Senhor e o meu Deus!
Vós sois a Ressurreição e a vida!
Senhor, cremos em Vós, mas aumentai a nossa fé!
Senhor, dizei uma só palavra e serei curado!
Canta-se o Parce Domine – que é simultaneamente uma oração e
um acto de arrependimento – e, em seguida, continuam as
invocações, sempre enternecedoras, mas agora mais
movimentadas, mais veementes, mais do fundo da alma:
Senhor, aquele a quem amais está doente!
Ó Deus, vinde em nosso auxílio, vinde depressa socorrer-nos!
Senhor, fazei que eu veja!
Senhor, fazei que eu ande!
Senhor, fazei que eu ouça!
Saúde dos enfermos, rogai por nós!
Estas invocações, três vezes repetidas por dezenas de milhar de
bocas, reboam formidáveis, como outros tantos gritos de angústia,
naquele templo imenso, sem pavimento e sem cúpula, procurando
forçar o Céu a condoer-se da infeliz e lastimosa legião de farrapos
humanos, que, de longe e com tanto sacrifício, ali vieram, cheios da
mais doce confiança, implorar a misericórdia infinita do Senhor.
As últimas invocações são dirigidas a Nossa Senhora e concluem
com a breve súplica pela nossa Pátria, que traduz sem dúvida a
causa final das aparições:
“Nossa Senhora do Rosário, salvai-nos e salvai Portugal!”
A assistência repete com ardor, com entusiasmo, com transporte,
essas invocações. São brados de alma que se elevam no espaço,
estuantes de expressão, são gritos de angústia que anelam penetrar
o Céu, são súplicas de fogo que saem de peitos alanceados pela
compaixão ou ulcerados pela dor e que sobem confiada e
humildemente até aos pés de Deus.
E os doentes, de mãos postas e olhos fitos na Hóstia Santa e
Imaculada, traduzem com as suas súplicas e com as suas lágrimas,
os sentimentos de fé, esperança e amor que abrasam os seus
corações.
O anjo do conforto parece ter descido àquela efémera mansão de
dor e roçado com as suas asas brancas de neve os corpos
macerados por tantos e tão grandes sofrimentos visíveis e as almas
atormentadas por um sem número de fundas mágoas e terríveis
provações ocultas.
E aqueles rostos, estranhamente desfigurados pelo martírio físico
ou moral, mas santamente transfigurados pela resignação, reflectem
um misterioso clarão de Paraíso, o consolo duma doce esperança e
a paz suavíssima de Deus.
O celebrante traça, finalmente, com o ostensório de ouro, o sinal
da cruz sobre as legiões inumeráveis de fiéis ajoelhados a seus pés
em atitude de adoração.
Sobe ao púlpito o dr. Luis Castelo Branco, o glorioso sobrinho de
Camilo, que num rapto de eloquência sagrada, entre as lágrimas de
comoção da assistência, celebra as glórias imarcescíveis de Maria
Santíssima e canta um formoso hino à Pátria, implorando para ela
as bênçãos do Céu.
Organiza-se de novo a procissão que reconduz a estátua de
Nossa Senhora do Rosário da capela das missas para a das
aparições. Milhares de fiéis tomam parte nesse cortejo imponente. O
entusiasmo faz vibrar intensamente as almas e traduz-se numa
manifestação que atinge as proporções duma verdadeira apoteose.
As curas
Súbito começam a circular de grupo em grupo rumores vagos de
curas miraculosas. Aqui é uma criança de dois anos, cega de
nascença, que diante da Imaculada Virgem, adquire de repente o
uso perfeito do sentido da vista, no meio da estupefacção dos pais,
que choram de alegria e de gratidão.
Acolá é um paralítico que caminhava dificilmente com o apoio de
duas muletas e com o auxílio de pessoas amigas e que, tocando
com a mão no andor da Virgem, recupera subitamente o movimento
dos membros inferiores.
Mais além é uma senhora tuberculosa que, depois de muitos anos
de sofrimentos indizíveis, alcança a saúde tão desejada, sentindo
circular nas suas veias uma nova vida, que a omnipotência divina
infundiu no seu corpo exausto e quase inerte.
São curas completas ou melhoras consideráveis de doenças
reputadas humanamente incuráveis, que enchem de assombro e
funda comoção os que delas têm conhecimento.
Mas como averiguar a exactidão dos factos que se narram, quer
na sua substância, quer nas circunstâncias em que se verificaram,
no meio daquela babilónia de cerca de duzentas mil pessoas?!
Que os privilegiados da Virgem não se esqueçam de cumprir o
rigoroso dever que lhes incumbe de comunicar à respectiva
comissão canónica, por intermédio do jornal “Voz da Fátima”, a
notícia das curas de que foram objecto.
Quantas graças desta natureza ficam sepultadas, por descuido,
no pó do esquecimento, com prejuízo da glória de Deus e sem
proveito para as almas!
É, pois, mister que a notícia dessas curas, logo que elas se
realizem, seja enviada, com os pormenores considerados
interessantes, ao rev.do dr. Manuel Marques dos Santos, promotor
fiscal da comissão canónica e professor de ciências eclesiásticas no
Seminário de Leiria.
A Lourdes portuguesa
Glória a Deus no Céu e na terra louvor, honra e bênção à doce e
piedosa Virgem do Rosário, que do seu trono magnificente de
Fátima vem espargindo graças a flux sobre os seus filhos queridos,
em toda a vasta extensão da bendita terra de Portugal!
Quantas almas ulceradas pela culpa receberam das suas mãos
virginais o dom precioso duma contrição salutar!
Quantos corações alanceados por mágoas pungentes hauriram
no seu coração maternal o bálsamo dulcíssimo dum poderoso
lenitivo ou duma consolação inefável!
Quantos corpos torturados por longos e cruciantes sofrimentos
encontraram o alívio ou a cura dos seus males, recorrendo à
protecção valiosíssima d’Aquela que é justamente chamada pelos
Santos Padres a Omnipotência suplicante e por toda a Igreja a
Saúde dos enfermos!
Nos páramos sagrados e misteriosos de Fátima a Rainha dos
Anjos ergue o seu sólio de amor e misericórdia sobre um pedestal
formado pelos corações de milhões de portugueses.
Efectivamente, de todos os pontos do território nacional, desde as
margens encantadoras do Minho e do Lima até às praias
perenemente verdejantes do Algarve, desde a graciosa Pérola do
Oceano até aos sertões adustos da nossa África, aos palmares da
Índia e à própria China, desde as duas Américas às regiões
longínquas da Oceânia, em toda a parte onde palpitam corações
portugueses e se fala a formosa língua de Camões e Vieira, um coro
de louvores se eleva para a Virgem sem mácula que, sob a
invocação de Nossa Senhora do Rosário, se dignou aparecer, para
felicidade dos portugueses, nos planos áridos e escalvados do
planalto de Fátima.
Esta terra santificada pela presença da Rainha dos Anjos,
privilegiada com as bênçãos mais preciosas do Céu e ungida pela
piedade de toda a nação, é hoje, sobre a face do mundo, o centro
da mais enternecida e fervorosa devoção à gloriosa Mãe de Deus e
dos homens e simultaneamente o trono mais esplendoroso de Jesus
no seu Sacramento de amor, a Santíssima e Augustíssima
Eucaristia.
E é por isso que Fátima, essa humilde povoação, feudo minúsculo
do condado do Santo Condestável, ainda há poucos anos quase
desconhecida e hoje aureolada dum prestígio sem igual, constitui o
mais poderoso íman dos corações, o pólo magnético espiritual para
onde se voltam irresistivelmente as almas sedentas de paz, de vida,
amor e luz.
Salvé, Fátima, mil vezes salvé!
As primeiras vésperas
Na manhã do dia doze o movimento de peregrinos começou a
intensificar-se dum modo prodigioso.
Durante todo o dia esse movimento cresce cada vez mais, numa
progressão ascendente, atingindo o seu máximo na manhã do dia
seguinte. Os comboios ordinários e especiais vomitam legiões de
peregrinos nas plataformas das estações mais próximas de Fátima.
Depois veículos de toda a espécie, desde o camion gigantesco e
veloz até ao ronceiro carro de bois, desde o automóvel de luxo até
ao pesado chars-à-bancs e à humilde e ligeira bicicleta, transportam
esses peregrinos para o local das aparições.
Durante vinte e quatro horas, desde o meio dia de quarta feira até
ao meio dia de quinta feira da Ascensão, o planalto sagrado de
Fátima assemelha-se a uma bacia imensa, onde em catadupas
gigantescas se precipitam torrentes caudalosas, rios intermináveis,
cujas gotas de água são seres humanos, cujas ondas são massas
compactas de fiéis, multidões inumeráveis de peregrinos.
Na véspera à noite, naquela estância abençoada do Céu,
milhares de velas, acendidas pela piedade dos crentes, polvilham de
luz e cor o grandioso anfiteatro da Cova da Iria, transformando
aquele recinto num templo gigantesco tendo por pavimento o solo
da charneca coberto de urzes e azinheiras e por cúpula a abóbada
celeste cravejada de miríades de estrelas. E desse templo único na
terra, evolam-se para o Céu súplicas veementes, invocações
fervorosas, hinos de júbilo, reconhecimento e amor, que sobem até
às mãos de Maria e das mãos de Maria até aos pés de Deus.
A apoteose da Virgem
Às dez da manhã do dia treze, a Cova da Iria é um lago imenso
de gente que se aglomera em torno da capela das aparições, do
pavilhão dos doentes e da fonte miraculosa. Os servos de Nossa
Senhora do Rosário transportam em macas os paralíticos e os
doentes, cujo estado é mais grave, para o recinto destinado a
receber enfermos, em frente da capela das missas.
No Posto das verificações médicas, inaugurado nesse mesmo dia,
muitos clínicos de vários pontos do país, entre os quais distintos
especialistas e lentes das universidades, examinam os enfermos
que vão chegando, trazidos ou acompanhados pelos servitas, e
fornecem-lhes, após o exame, o cartão de ingresso no respectivo
pavilhão.
Numerosos fiéis, de todas as idades, cumprem as suas
promessas, dando voltas de joelhos à capela das aparições, por
entre a multidão apinhada junto dela em oração fervorosa. No
recinto dos doentes as Servas de Nossa Senhora, cuja associação
tinha sido inaugurada com a maior solenidade no dia seis, assistem
carinhosamente os doentes, prestando-lhes o seu desvelado auxílio
com uma dedicação enternecedora, que só a caridade cristã sabe
inspirar. Envergando batas brancas, duma alvura puríssima de neve,
elas parecem anjos descidos do Céu para confortar as vítimas de
tantos flagelos que ali se encontram santamente resignadas, com as
lágrimas nos olhos, o sorriso nos lábios e a paz no coração.
Aqui e acolá vêem-se reporters dos principais jornais e revistas do
país fotografando aspectos da multidão e artistas cinematográficos
filmando colégios, associações e grupos organizados de peregrinos,
precedidos dos seus lindos, ricos e vistosos estandartes, alguns dos
quais reproduziam a cena empolgante, cheia de beleza e de
encanto, da aparição da Virgem aos pastorinhos.
As missas e as comunhões
Entretanto, desde as seis horas da manhã, celebra-se o Santo
Sacrifício, quase sem interrupção, nos três altares da capela nova.
Assistem a essas missas os doentes, que são cada vez mais
numerosos, e uma multidão de povo que engrossa a olhos vistos, de
momento para momento.
Vêem-se nessa multidão representadas todas as classes sociais.
São titulares da velha nobreza, sacerdotes e médicos, juízes e
advogados, professores e alunos das universidades e dos institutos
de instrução secundária e superior, capitalistas e lavradores,
senhoras, donzelas e crianças, humildes camponeses e mulheres
do povo. E toda esta mole, atenta e devota, reza e canta,
implorando a saúde para os enfermos, remédio para todas as
necessidades, e celebrando as glórias imarcescíveis da augusta
Padroeira da Nação.
Quase ininterruptamente, enquanto se celebram as missas,
quatro sacerdotes distribuem a Sagrada Comunhão aos fiéis que se
prepararam para ela com a recepção do sacramento da confissão. E
milhares de partículas consagradas vão unir cerca de cinco mil e
quinhentos corações inocentes ou purificados pela penitência, numa
união sublime e inefável, com o coração Sacratíssimo de Jesus,
com o próprio Deus feito homem, no seu Sacramento de amor.
A procissão
É uma hora e meia em ponto.
A estátua de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, duma
formosura incomparável, é conduzida aos ombros dos servitas, da
capela das aparições para a capela das missas. O cortejo que a
acompanha é encantador na sua simplicidade. Quando o andor
chega ao limiar do pavilhão dos doentes, a cena que se passa é
indescritível. Dezenas de milhar de mãos agitam no ar lenços
brancos que parecem pombas a voar, estrugem salvas de palmas,
bastas e nutridas, e reboam no espaço vivas e aclamações à
Virgem.
Quase todos os olhos estão marejados de lágrimas de comoção.
A Virgem passa, como uma visão de Paraíso, espalhando
profusamente bênçãos e graças. E a multidão, enternecida, prostra-
se a seus pés, bendizendo-a e saudando-a como sua Rainha e
Mãe, como augusta Padroeira de Portugal.
“Levanta-te e anda”
Sucede então um facto extraordinário. Uma senhora de nome D.
Helena Violeta Pereira da Silva e Sousa, moradora na rua do Alto de
Vila, 318, Foz do Douro, paralítica das mãos e dos membros
inferiores, em virtude dum envenenamento por meio de arseniato
ministrado por uma criada, ao aproximar-se da Imagem já colocada
sobre o seu pedestal, sente-se subitamente curada e, soltando-se
dos braços robustos dos servitas que a seguram e amparam,
ajoelha em fervorosa acção de graças à Virgem. Passados breves
momentos levanta-se e corre em direcção à capela das missas,
para adorar e agradecer a sua cura a Jesus Sacramentado. Na
sacristia, em que entra seguida de muitos peregrinos, e em que nos
encontrávamos também nessa ocasião, fizemos-lhe algumas
perguntas.
A multidão aclama entusiasticamente a Virgem Santíssima, que
mostrava assim mais uma vez o seu valimento junto de Deus e a
sua bondade para connosco.
D. Helena é conduzida ao Posto de verificações médicas, onde
vários facultativos a examinaram detidamente. Saindo do Posto, vai
despedir-se de Nossa Senhora e, sempre ladeada pelos bravos
escuteiros de Leiria, que formam a haie para a livrar dos efeitos da
curiosidade e do entusiasmo popular, dirige-se para o automóvel
que a transporta a Leiria.
No dia vinte e seis, de passagem para o Congresso Eucarístico
Nacional, que se realizou em Braga nos últimos dias de Maio, fomos
vê-la à sua casa da Foz do Douro, constatando a permanência da
cura, cuja notícia causou enorme sensação em todo o Porto, onde a
sua família é muito conhecida.
A ditosa senhora tem sido visitada por inúmeras pessoas entre as
quais alguns médicos, que desejavam conhecer pessoalmente a
privilegiada da Virgem.
Entretanto a multidão vai diminuindo cada vez mais. A estrada
distrital descongestiona-se pouco a pouco. No local sagrado ouve-
se apenas o ciciar das última preces e os piedosos cânticos de
despedida dos romeiros retardatários.
A noite desce lentamente sobre o teatro de tamanhas maravilhas,
envolvendo-o nas pregas do seu manto escuro.
A breve trecho, nessa antecâmara do Céu reina o silêncio
majestoso dos grandiosos templos desertos e apenas, de quando
em quando, se ouve o eco repetir o cântico longínquo de algum
grupo de peregrinos em honra d’Aquela que, no dizer do inspirado
poeta,
“Quando Roma em culto alçava
Dom Nuno a trono de luz,
veio a Fátima sorrir-nos
a doce Mãe de Jesus;
A romagem
Suave e amena, exuberante de luz e cor, e levemente refrescada
por uma branda viração do Norte, como uma das manhãs mais
formosas da quadra primaveril, a manhã do dia treze de Setembro
convidava os devotos de Nossa Senhora de Fátima a fazer mais
uma vez a piedosa romagem mensal.
Às quatro horas atravessávamos com a velocidade de quarenta
quilómetros à hora, as fertilíssimas planícies do Ribatejo, em
demanda do local bendito das aparições da Virgem, santificado por
tantas e tão assombrosas graças e bênçãos do Céu.
À medida que avançamos, vão-nos ficando para trás algumas das
povoações mais importantes daquela riquíssima região, em que a fé
dos nossos antepassados, amortecida durante tantos anos, mercê
de circunstâncias várias, começa a despertar e a desentranhar-se
em frutos salutares de vida cristã, graças à devoção de Nossa
Senhora de Fátima e à actividade incansável de zelosos obreiros do
Evangelho.
Almeirim, Alpiarça, Chamusca, Golegã, àquela hora ainda imersas
no silêncio profundo dum sono reparador, deixam no nosso espírito,
à sua passagem, a impressão triste e consternadora de povoações
extintas, mortas, de vastíssimas necrópoles, em que porventura as
transformasse de repente um violento e inesperado cataclismo.
Às oito horas surge, na nossa frente, donairosa e linda, com o seu
sorriso branco e coroada pelo seu desmantelado castelo medieval, a
gentil princesa do Almonda, a histórica vila de Torres Novas.
Ao longe erguem-se os primeiros contrafortes da serra de Aire,
em cujo sopé se assentam as humildes aldeias de Pedrógão e
Alqueidão, pontos de passagem forçados em direcção à terra
sagrada de Fátima para os peregrinos do sul do país, que queiram
apreciar da estrada, no cimo da montanha, um dos panoramas mais
grandiosos de toda aquela encantadora região.
Depois entra-se em pleno coração da serra. São encostas
íngremes e escarpadas, cobertas de mato raquítico e de oliveiras
enfezadas, montes e vales áridos e desertos, onde, de longe em
longe, se vêem alguns rebanhos de cabras rebuscando as poucas
ervas que brotam a custo entre as pedras soltas e nos interstícios
das rochas de mármore e de granito.
Em seguida aparecem sucessivamente o Bairro, Maxieira,
Boleiros e, por fim lá avulta, a pequena distância, no cimo duma
colina, a poética e graciosa povoação de Montelo, donde já se divisa
a igreja paroquial de Fátima com a sua torre esguia erguida para as
alturas, como o símbolo das preces que se evolam continuamente
dos peitos dos habitantes crentes e piedosos das quarenta aldeias
daquela vasta e populosa freguesia.
Os doentes
São quase horas da missa dos doentes. O recinto que a estes é
reservado está quase completamente cheio. O estado de alguns é
bastante grave. Apressamo-nos a colher dos seus lábios umas
breves informações.
Aqui é uma paralítica de Torres Vedras, que sofre há oito anos de
reumatismo e que, tendo vindo há três anos a Fátima, obteve
sensíveis melhoras.
Acolá é uma senhora da Marinha Grande que há dezoito meses
se queixa de violentas dores intestinais e que, havendo consultado
um grande número de médicos, se sujeitou debalde aos vários
tratamentos prescritos.
Mais além é um rapaz, dos Pousos, de vinte anos de idade, que
há seis anos, sendo militar e estando de guarda aos prisioneiros
alemães internados em Peniche, tomou banho no mar e em seguida
cometeu a imprudência de adormecer sobre a areia quente da praia,
ficando completamente paralítico.
Noutra parte é um rapaz de dezoito anos, de Lisboa, atacado,
desde os dois anos de idade, de paralisia e atrofia geral.
Depois é um homem de Sanfins do Douro, actualmente morador
na capital, que começou há dois anos a sofrer de tuberculose
pulmonar, tendo-se agravado o seu estado a partir de Outubro
último.
É ainda um cavalheiro das Caldas da Rainha, há vinte anos
paralítico e neurasténico.
É, finalmente, o dr. X. tão ilustre pelo seu saber como pela sua
piedade que, preso à sua cadeira de paralítico, em que é
transportado por dois servitas, reza devotamente o terço,
implorando a sua cura, mas santamente resignado à vontade de
Deus.
Uma cura
De boca em boca corre a notícia, que nos chega aos ouvidos, de
se ter operado, por ocasião da bênção do Santíssimo, uma cura
sobremodo interessante. Um nosso amigo, bem informado,
assegura-nos que a pessoa, que foi objecto dessa cura, humilde
criada de servir, está nesse momento no Posto médico.
Depois de a termos procurado em vão, durante algum tempo,
vamos encontrá-la noutro gabinete, rodeada de algumas servitas e
de pessoas das suas relações, que com ela tinham vindo na
peregrinação do Porto. Interrogamo-la. O seu nome é Maria Rosa
Ribeiro, tem vinte e dois anos de idade e é natural de Ponte da
Barca. Há dezasseis anos que sofre duma úlcera no estômago. O
médico que a tratava, não tendo conseguido debelar o mal com os
meios de que dispunha, aconselha-a a ir para o Porto, a fim de a
submeter a uma operação.
Naquela cidade consegue ser recebida como serviçal em casa
duma ilustre e benemérita portuense, a Senhora D. Maria José
Pestana Leão.
Há sete meses que não toma outro alimento que não seja leite.
Passa mal as noites, quase sempre sentada na cama. É-lhe
impossível conciliar o sono. As hemorragias são frequentes. Dez
dias antes da peregrinação começa a ter uma hemorragia
abundante, que nada é capaz de fazer estancar.
O dr. Albino dos Santos, professor da Faculdade de Medicina,
com consultório na rua Fernandes Tomás, seu médico assistente,
como a enferma lhe comunicasse que desejava ir em peregrinação
a Fátima, recusa-se a dar o seu consentimento, por recear que o
fluxo de sangue aumente e produza consequências graves e até
porventura fatais para a saúde da sua cliente. A enferma,
impulsionada pela sua viva confiança no poder da Santíssima
Virgem, determina correr todos os riscos, desobedecendo ao
médico, e toma lugar no comboio entre os peregrinos do grupo do
Porto.
Logo que entra no comboio cessa por completo a hemorragia, que
nunca mais se renovou. Durante a viagem o seu mal estar é grande
e maior se torna ainda em toda a manhã do dia treze.
Apesar de várias vezes lhe oferecerem leite, conserva-se até à
uma hora sem tomar alimento algum. A essa hora, cedendo a
instâncias repetidas de pessoas amigas, sorve alguns golos daquela
bebida. Assiste à missa dos enfermos e à bênção particular sem
experimentar o mais pequeno alívio dos seus incómodos.
No momento em que o celebrante dá a bênção geral, acha-se
repentinamente curada. ”Uma coisa que eu não sei explicar – dizia
ela – subiu por mim acima e desapareceu, desaparecendo ao
mesmo tempo, como que por encanto, todo o meu mal. Sente um
apetite extraordinário, verdadeiramente devorador, tendo a certeza
de que qualquer alimento que ingerisse, não lhe faria mal. Mas
aceita o sacrifício de obedecer a um dos médicos do Posto, que lhe
recomendou que fosse prudente, abstendo-se por enquanto de
tomar alimento sólido.
Por deferência do clínico de serviço, conseguimos ler a
declaração do médico assistente de Rosa Maria Ribeiro, que é do
teor seguinte:
Dr. Albino dos Santos – assistente de Medicina – Rosa Maria
Ribeiro, criada da ex.ma senhora D. Maria José Pestana Leão, sofre
do estômago há mais dum ano (dores, vómitos e hematémeses).
Pelos sintomas que apresenta e pela sua resistência ao tratamento
adequado, deve tratar-se duma gastrite ulcerosa.
Porto, 8 de Setembro de 1926
a) Albino dos Santos
Aguardamos serenamente o veredictum definitivo da Ciência e da
Igreja acerca da natureza desta cura, acatando-o de antemão,
qualquer que ele seja, como é nosso dever de cristãos, prudentes e
dóceis aos ditames da legítima autoridade nesta matéria.
Depois do nosso regresso, ouvimos falar ainda doutra cura,
também duma úlcera, e realizada igualmente numa pessoa do grupo
privilegiado da cidade da Virgem.
Oportunamente forneceremos aos nossos leitores as informações
que entretanto pudermos obter acerca desta nova prova do poder e
da bondade da augusta Rainha do Santíssimo Rosário.
Dezenas de missas
Confissões de homens e rapazes
A distribuição da Sagrada Comunhão
O transporte dos doentes para o pavilhão
Oração fervorosa dos fiéis
Desde as quatro horas da manhã que os sacerdotes, previamente
inscritos, celebram sem interrupção nos três altares da capela nova.
Muitos limitaram-se a comungar, por não lhes ter cabido a vez de
dizer missa, mercê da grande afluência de clero.
Nas dependências da capela, alguns sacerdotes confessam
homens e rapazes. Outros distribuem o Pão dos Anjos a milhares de
pessoas que nas suas terras se tinham preparado para esse acto
pela confissão sacramental.
Os doentes, à medida que vão chegando, são colocados sobre
colchões ou sentam-se nas bancadas do respectivo pavilhão,
conforme a gravidade do seu estado.
Os servos de Nossa Senhora do Rosário andam constantemente
numa roda viva, transportando os doentes ou prestando-lhes os
serviços e cuidados de que precisam.
Em torno do pavilhão milhares de pessoas conservam-se
alternativamente de pé e de joelhos durante horas consecutivas
para ocuparem os lugares donde melhor possam assistir ao
desenrolar dos actos religiosos. A oração de todos é intensa e
fervorosa e feita no meio do maior recolhimento e do mais profundo
silêncio.
A procissão
Dezenas de milhar de pessoas saúdam a Virgem
Lágrimas de comoção
A bênção da Mãe de Deus
É meio dia solar. A veneranda Imagem de Nossa Senhora do
Rosário é conduzida aos ombros das suas servas da capela das
aparições para a capela das missas. Em todo o vasto anfiteatro da
Cova da Iria, desde o pavilhão dos doentes até aos muros de
cintura, dezenas e dezenas de milhar de pessoas acenam com os
lenços, saudando a Rainha dos Anjos. Quando o cortejo entra no
recinto reservado aos doentes, o entusiasmo atinge as raias do
delírio.
Os vivas estrugem nos ares, as aclamações sucedem-se às
aclamações e os olhos de todos marejam-se de lágrimas de
comoção e de ternura. E a Virgem bendita, sorrindo e abençoando,
passa através da multidão, que ajoelha a seus pés, presa dos seus
encantos e fascinada pela sua beleza e pela sua bondade.
O Credo de Lourdes
A missa dos doentes
A recitação do terço do Rosário
A ladainha lauretana
A bênção dos enfermos e a bênção geral
O sobrinho de Camilo Castelo Branco fala à
multidão
A sagrada Imagem foi colocada sobre a sua peanha ao lado
direito do altar central. Canta-se o Credo de Lourdes. Começa a
missa dos doentes.
Do púlpito o capelão-director, com voz firme mas comovida,
principia a recitação do terço. A assistência redobra de atenção e de
fervor.
Aproxima-se o momento solene da Consagração. Todos
ajoelham. A Hóstia Santa é elevada pelo celebrante entre a terra e o
Céu, vítima de propiciação pelos pecados do mundo. Canta-se um
cântico piedoso em louvor do Santíssimo Sacramento.
Continua a recitação do terço, que é rematada pela ladainha
lauretana. Depois do Communio, distribui-se pela última vez o Pão
dos Anjos e, terminada a Missa, faz-se a exposição do Santíssimo,
durante a qual se canta o Adoremus.
Segue-se a patética cerimónia da bênção dos enfermos, que se
efectua na forma costumada e conclui com a bênção geral, dada do
alto da varanda do pavilhão.
Depois o rev.do Luís Castelo Branco, sobrinho de Camilo, tece,
em palavras entusiásticas e comovidas, o panegírico da Mãe de
Deus. Por fim organiza-se de novo a procissão, para reconduzir a
branca estátua da Virgem ao padrão popular comemorativo das
aparições e dos sucessos maravilhosos.
Servitas e escuteiros
O Patronato do Porto
As duas curas instantâneas de treze de Setembro
último
O poder e a bondade de Maria
São quase três horas da tarde. No Posto de verificações médicas
os clínicos de serviço ocupam os seus lugares. Servitas e escuteiros
circulam continuamente nas dependências do Posto. Vêem-se
algumas senhoras da direcção do Patronato do Porto, fundado por
iniciativa da Liga da Acção Social Cristã, daquela cidade, que
vieram acompanhar duas empregadas dessa instituição, ambas
curadas instantaneamente de úlceras no estômago, em treze de
Setembro último. Respirando saúde e bem estar as miraculadas
agradeciam efusivamente à Santíssima Virgem a sua cura, que
atestava bem alto o poder incomparável e a bondade sem limites da
celeste Padroeira de Portugal.
A procissão solene
Representantes de todas as classes
As Confrarias e Irmandades
A revoada dos lenços, as palmas e os vivas
É quase meio-dia solar. Organiza-se junto da capela das
aparições a procissão solene do costume, agora muito mais solene
e imponente, para conduzir a branca estátua de Nossa Senhora de
Fátima para a capela das missas.
O cortejo põe-se em marcha. Acompanha-o uma multidão enorme
de fiéis de todas as classes e condições sociais. Abrem o cortejo os
pendões de várias irmandades e confrarias. Seguem-se os servitas
em filas cerradas. Depois a veneranda Imagem é conduzida aos
ombros dos servitas. Quando esta chega ao Pavilhão, milhares de
lenços brancos, semelhando um bando de pombas, são agitados de
longe e de perto, ao mesmo tempo que estrugem os vivas e ecoam
as palmas e os olhos de todos se marejam de lágrimas de comoção.
O Credo de Lourdes
A missa dos doentes
O terço do Rosário
Sete mil comunhões
Um coro uníssono de vozes fortes e afinadas canta o Credo de
Dumont. Em seguida o celebrante da missa dos doentes sobe ao
altar central e principia o Santo Sacrifício.
Ao mesmo tempo o rev.do capelão-director dos serviços dá início
à recitação do terço do Rosário, que é rezado alternadamente com o
povo. O silêncio é profundo e a devoção dos fiéis intensifica-se à
medida que se aproxima o momento augusto da Consagração.
De vez em quando ouve-se um cântico em honra de Jesus Hóstia
ou da Santíssima Virgem. Quando a Vítima Sacrossanta dos nossos
altares é levantada entre o Céu e a terra, toda aquela mole de povo
ajoelha no chão, curva-se e adora a Jesus escondido sob as
espécies do seu Sacramento de Amor.
A comunhão é mais uma vez distribuída aos fiéis. Deviam ter
comungado cerca de sete mil pessoas, durante as oitenta missas
celebradas desde a madrugada.
O Serafim de Assis
A missa comemorativa do sétimo centenário
de S. Francisco – Quatro mil comunhões
A homenagem da Lourdes Portuguesa
De acordo com o capelão-director dos santuários de Nossa
Senhora de Fátima, o rev.do Superior Provincial dos beneméritos
Filhos do Seráfico Padre S. Francisco de Assis resolveu consagrar o
dia treze de Junho de 1927 à comemoração festiva do glorioso
Patriarca no ocal das aparições.
Bem escolhido foi esse dia para tal comemoração, porque já a
Santa Igreja o assinalara com a glorificação dum dos membros mais
ilustres da Ordem Seráfica, o grande Santo António de Lisboa, cujas
palmas triunfais é justo entrelaçar com as do Santo Fundador.
Os prestimosos Filhos de S. Francisco envidaram todos os
esforços para a celebração condigna das festas centenárias, que
resultaram brilhantíssimas e impregnadas dos mais vivos
sentimentos de fé e piedade.
Para dar uma ideia da importância das solenidades franciscanas
de Fátima, basta dizer que na missa de comunhão geral, que se
celebrou às nove horas, comungaram mais de quatro mil pessoas.
Naquele local abençoado que é hoje o trono mais esplendoroso
de Jesus no seu Sacramento de amor e o centro do mais acendrado
culto à Rainha do Céu, ficam admiravelmente bem as homenagens
nacionais ao Santo que se distinguiu pelo seu amor ao Amor que
não é amado e pela sua devoção à Augusta Mãe de Deus.
No coro imponente e unânime de louvores que a cristandade
eleva ao Seráfico Patriarca neste sétimo centenário do seu ditoso
trânsito, a Lourdes portuguesa, centralizando e coroando as
comemorações da Pátria de Santo António, ocupa
incontestavelmente o primeiro lugar pela grandiosidade das suas
homenagens e pela sinceridade e ternura da sua devoção.
A peregrinação de Lisboa
O comboio especial
O estandarte
O distintivo dos peregrinos
O regresso à capital
Louvável iniciativa
Lisboa mais uma vez se impôs à admiração dos crentes pela
intensidade do espírito religioso que anima as suas peregrinações, e
pelo superior critério, com que as sabe organizar e dirigir.
A peregrinação deste mês, promovida pela Irmandade do Senhor
dos Passos, da Igreja da Conceição Velha, perfazia um total de
duzentas e trinta pessoas, que partiram da estação do Rossio na
manhã do dia treze em comboio especial
Era dirigida pelo rev.do dr. Manuel Augusto Peres, delegado do
Patriarcado, que tinha como auxiliares no desempenho do seu
múnus os rev.dos Catarino e Salvação, capelães da referida igreja.
Os peregrinos ostentavam no peito o distintivo da peregrinação,
que era um laço roxo com uma medalha do Senhor dos Passos, à
qual muitos juntaram uma medalhinha com a efígie de Nossa
Senhora de Fátima.
O estandarte da peregrinação, lindo e vistoso como poucos, foi
pintado por senhoras da freguesia da Conceição Velha e representa
a cena das aparições.
Tendo chegado à Cova da Iria, os peregrinos encaminham-se
para junto do Santuário, cantando um dos hinos de Fátima.
Durante a missa da peregrinação, celebrada pelo rev.do dr. Peres,
foi administrada a Sagrada Comunhão aos peregrinos.
Depois da assistência aos restantes actos do programa oficial, a
peregrinação de Lisboa regressou, como tinha vindo, em numerosos
meios de transporte, ao apeadeiro de Seiça (Ourém), onde a
aguardava o comboio especial, que a reconduziu a Lisboa. Bem-
haja a Irmandade da freguesia da Conceição Velha pela feliz
iniciativa que teve e que foi coroada dum êxito consolador, e praza a
Deus que outras corporações congéneres sigam o seu exemplo,
tomando iniciativas idênticas, que tanta glória dão a Deus e que
tanto bem fazem às almas.
Vigília de armas
A torrente caudalosa das multidões
A imponente procissão das velas
Espectáculo assombroso e comovente
Vibrantíssimo hino de fé
Mais perto de Deus
As primeiras sombras nocturnas descem lentamente sobre a
Cova da Iria. É o dia doze de Julho de 1927, véspera daquele em
que se comemora a terceira aparição da Rainha do Céu aos
humildes pastorinhos de Fátima. Uma multidão compacta dalguns
milhares de pessoas, de ambos os sexos, e de todas as idades e
categorias sociais, aglomera-se junto dos santuários.
Aproxima-se a hora do espectáculo mais deliciosamente
arrebatador que jamais olhos humanos lograram contemplar em
terras de Portugal e que só ali, naquela estância bendita, se oferece
à vista das multidões maravilhadas, extasiando as almas e
abrasando os corações.
O tempo passa veloz. Entretanto as estradas de Torres Novas, da
Batalha e de Vila Nova de Ourém e os caminhos e atalhos da
montanha despejam sem cessar novas vagas de peregrinos no lago
imenso da planície sagrada.
De repente, naquele local privilegiado, opera-se, como que por
encanto, uma assombrosa e encantadora mutação de cenário. O
vasto anfiteatro, até então silencioso e imerso nas trevas da noite,
anima-se com os cânticos em honra da Virgem e inflama-se com os
milhares de lumes, que se acendem para a grandiosa procissão das
velas.
Dali a pouco, na suavidade da noite estrelada e calma, desenrola-
se a perder de vista uma longa e deslumbrante fita de luz que sobe
à estrada, passa sob o pórtico monumental e desce pela grande
avenida até se concentrar junto da capelinha das aparições.
Daquelas almas empolgadas pela piedade sai então, como um
protesto veemente contra todas as negações impotentes da
impiedade, um vibrante hino de fé e de esperança cristã – as
majestosas e sublimes afirmações do Credo.
Ditosos, incomparavelmente ditosos, aqueles momentos solenes,
em que parece efectuar-se um místico contacto entre a terra e o
Céu, e os corações dos homens, alheados do mundo vil e
mesquinho e desprendidos das coisas efémeras deste vale de
lágrimas e de misérias, se elevam, tocados pela graça divina, para
as regiões misteriosas de além túmulo, acolhendo-se ao seio
paternal e misericordioso de Deus.
O cortejo da Virgem
Uma missa nova
A fé e a piedade dos peregrinos
A bênção dos doentes
O sermão oficial
A sineta do santuário adverte os peregrinos de que a missa dos
peregrinos vai começar. Lá em baixo, ao pé da capela das aparições
nota-se um movimento desusado. É a procissão que se está
organizando. A branca estátua da Virgem é tirada do seu pedestal e
conduzida aos ombros dos servitas para a capela das missas.
Milhares de pessoas acompanham a Imagem, num impulso
edificante de fé e piedade.
Quando ela chega ao limiar do pavilhão, um frémito de amor e de
alegria agita aquele mar imenso de almas.
Milhares de lenços brancos flutuam no ar semelhando lindas
pombas, estrugem no espaço vivas e aclamações à Virgem,
estalejam nutridas salvas de palmas, e lágrimas de comoção brotam
de todos os olhos.
Um coro de vozes, másculas e bem timbradas, canta em
uníssono o Credo de Lourdes.
Terminado o canto, sobe ao altar central o nóvel sacerdote, rev.do
dr. Mário Lopes de Carvalho, de Torres Novas, que vai celebrar pela
primeira vez o augusto sacrifício dos nossos altares.
Assistem-lhe os rev.dos Joel de Deus Magno e António Pires e
serve de padrinho o rev.do João Nunes Ferreira, capelão dos
servitas de Torres Novas. A missa principia no meio da comoção
geral dos assistentes, do pranto desfeito dos sacerdotes e das
manifestações inequívocas da piedade de todos os fiéis
O rev.do dr. Marques dos Santos reza o terço do Rosário
alternadamente com o povo. Depois da elevação, canta-se um hino
litúrgico em honra do Santíssimo Sacramento.
Acabada a missa, o celebrante reveste-se de capa de asperges
para dar a bênção. Cantado o Adoremus in aeternum, desce os
degraus do altar e dá a bênção com o Santíssimo a cada um dos
enfermos. Depois, volta ao altar, e cantado o Tantum ergo traça,
sobre a multidão ajoelhada a seus pés, o sinal augusto da nossa
redenção com a custódia de ouro, em que Jesus repousa na Hóstia
Santa como num trono de misericórdia e de amor.
Sobe em seguida ao púlpito o rev.do Castelo Branco, sobrinho de
Camilo, que veio expressamente pregar na missa nova do dr. Mário
de Carvalho e que, a propósito desse acto, fez um substancioso e
eloquente sermão.
Depois do sermão, reorganiza-se o cortejo a fim de se conduzir a
Imagem da Virgem para o seu pedestal na capela das aparições.
Os sacerdotes, os servitas e o povo acompanham a Imagem,
soltando aclamações e cantando piedosos cânticos, seguindo-se
depois a cerimónia do beija-mão do novo sacerdote.
Os peregrinos dispersam pouco a pouco. O sol desce no
horizonte, entre as brumas da montanha distante. As primeiras
sombras da noite envolvem os fiéis que, ao pôr do astro-rei, se
encontram na Cova da Iria.
Já não se ouve o brando ciciar das preces, nem os soluços
abafados dos enfermos, nem o murmúrio das vagas da multidão,
que se entrechocam. Apenas, de vez em quando, trazido nas asas
do vento, chega àquele lugar de paz bendita o som da buzina
dalgum automóvel ou o eco apagado dalgum cântico em honra da
Virgem, atestando as profundas comoções do dia e a saudade
infinda daqueles lugares povoados de mistérios e transbordantes de
graças e de prodígios.
10. A CIDADE DA VIRGEM
AOS PÉS DE MARIA
(13 DE AGOSTO DE 1927)
Na estação de S. Bento
Partida do comboio especial
Durante a viagem
A nobre e linda princesa do Lis
Na vasta e majestosa Sé Catedral
Alocução de boas vindas do venerando
Antístite Leiriense
Bênção do Santíssimo
A partida do comboio especial, que havia de conduzir os
peregrinos do Porto à encantadora princesa do Lis, estava marcada
para a uma hora da tarde. Pouco depois do meio-dia começaram a
afluir à estação de S. Bento os peregrinos, a quem era facultado o
ingresso na gare mediante a apresentação da competente senha de
inscrição. Os chefes dirigiram o serviço com serenidade e cordura
tão difíceis de manter em tais ocasiões e os peregrinos esmeravam-
se na obediência pronta às instruções que lhes eram dadas.
Só quase às duas horas os últimos peregrinos conseguiram
ocupar os seus lugares.
Na plataforma, parentes e pessoas das relações dos peregrinos,
em grande número, faziam as suas despedidas. Momentos depois o
chefe da estação dá o sinal da partida, ouve-se o silvo estridente da
locomotiva e o comboio especial larga a todo o vapor na direcção do
sul, transpondo montes e vales na sua marcha veloz em demanda
da região das maravilhas divinas, a terra sagrada e mil vezes
bendita de Fátima.
Durante a viagem os peregrinos nas suas respectivas carruagens
rezam o terço em comum, geralmente sob a presidência dum
sacerdote, e cantam piedosos hinos de louvor à Virgem. O chefe do
comboio procede à revisão dos bilhetes, usando sempre duma
gentileza e amabilidade cativantes para com todos os passageiros,
sem por isso deixar de cumprir conscienciosamente os seus
deveres profissionais. Nalgumas estações o comboio pára, com
curta demora, a fim de receber novos peregrinos ou por exigências
do serviço ferroviário.
Durante o percurso os empregados das estações e as demais
pessoas que estacionam nas plataformas acolhem com visíveis
demonstrações de respeito e benevolência, se não de simpatia, a
passagem da peregrinação ao nosso primeiro santuário nacional.
Às sete horas da tarde o comboio entra nas agulhas da estação
de Leiria. A gloriosa cidade episcopal debruça-se sobre as mansas
águas do rio Lis para nelas ver retratados os seus encantos e do
alto do seu velho e histórico castelo, de ameias arruinadas,
contempla absorta em êxtase, a vasta planície, rica de hortas e
pomares, povoada de aldeias e casais, que se estende a seus pés
por léguas e léguas sem conto. Veículos de todas as espécies e
tamanhos transportam para Leiria a onda humana que o comboio
despejou e, meia hora depois, era cheio de encanto o espectáculo
que oferecia a Sé Catedral, que tinha vestido as suas melhores
galas para receber festivamente no seu seio a grande e luzida
embaixada da cidade da Virgem.
Centenas de lâmpadas eléctricas iluminavam o vasto recinto, que
comportava uma multidão imensa composta de peregrinos e de
habitantes da cidade que com eles queriam confraternizar, desde a
primeira hora, aos pés de Deus e junto do altar de Maria.
O venerando e ilustre Prelado, sua Excelência Reverendíssima o
Senhor D. José Alves Correia da Silva, aproveita o ensejo para,
numa breve e eloquente alocução, verdadeiramente paternal,
impregnada de fé e ditada pelo seu bondoso coração de Pastor de
almas, dar as boas vindas aos seus hóspedes dalguns dias e
recomendar-lhes que façam a sua romagem com espírito de
piedade e penitência.
A bênção do Santíssimo pôs remate a esta singela mas
comovente recepção, dirigindo-se logo muitos peregrinos para
Fátima e ficando outros ainda durante algum tempo em Leiria para
jantar ou descansar.
Uma respeitável senhora desta cidade, num rasgo altamente
simpático de rara gentileza, ofereceu um grande cesto com deliciosa
fruta das suas propriedades, para que os peregrinos mais sequiosos
se refrigerassem comendo-a por ocasião da sua chegada.
A debandada geral
No grandioso mosteiro da Batalha
O Santo Condestável D. Nuno Alvares Pereira
Gentileza e fidalguia da hospitaleira população
de Leiria
Regresso da peregrinação do Porto
Primeiras peregrinações da Espanha
Quando a branca estátua da Virgem de Fátima foi novamente
colocada sobre o seu pedestal, o rev.do abade de Cete tornou a
erguer a voz clara, forte e bem timbrada, para celebrar os louvores
de Maria e dirigir-lhe um adeus terno e saudoso em nome dos
peregrinos da cidade invicta.
Terminada esta breve alocução de despedida, toda repassada de
entusiasmo e de sentimento, principia a debandada geral dos
peregrinos, que em número de muitos milhares se encontram na
Cova da Iria. Uma grande parte deles, mormente os peregrinos do
Porto, seguem sem demora para a histórica vila da Batalha, a fim de
visitarem o templo monumental do mesmo nome, o grandioso
mosteiro anexo e o túmulo do soldado desconhecido.
É precisamente neste dia que a Santa Igreja, cujas glórias estão
entretecidas com as glórias de Portugal, celebra este ano a vigília
da Assunção de Nossa Senhora ao Céu; em que as reduzidas
hostes lusitanas alcançaram nos campos de Aljubarrota um dos
mais assinalados triunfos de que há memória sobre os numerosos e
valentes terços de Castela. Ao espírito do cristão e do patriota
assoma neste dia, nimbado de luz e resplandecente de glória, a
figura máxima da nossa epopeia nacional, o Santo Condestável D.
Nuno Álvares Pereira.
Os peregrinos, depois da visita ao monumento, juntam-se no largo
fronteiro e vão partindo pouco a pouco, para Leiria, onde a
população os acolhe, como à vinda, com a mais cativante gentileza
e a mais fidalga hospitalidade. Durante as primeiras horas da noite,
depois de jantar, dirigem-se para a estação, à medida que chegam
os veículos contratados para os transportar.
E lá vão, a caminho da cidade invicta, modelo consumado de fé
viva e de trabalho indefesso, os passageiros do comboio especial,
que iniciam a sua longa viagem de regresso às onze horas da noite,
cansados do corpo, mas com as almas retemperadas para as lutas
tormentosas da existência.
Para o dia treze do próximo mês de Setembro anuncia-se uma
peregrinação de Lisboa e para o dia treze de Outubro seguinte a
peregrinação diocesana de Viseu, uma grande peregrinação do Sul
do país, presidida por um dos nossos mais ilustres Prelados, e duas
peregrinações espanholas, uma de Bilbau e a outra de Salamanca.
Bem hajam os nossos irmãos de raça e de crença que,
impulsionados pela fé que fez grandes os dois povos da Península,
principiam já a confraternizar e a rivalizar connosco, em santa e
salutar emulação, nas homenagens de piedade e de amor filial para
com a augusta Virgem do Rosário, no seu glorioso santuário de
Fátima!
11. A TERRA DA VIRGEM
(13 DE SETEMBRO DE 1927)
Os sacerdotes e seminaristas
O cónego Félix e o dr. Cruz
Primeira comunhão duma menina
A missa dos doentes
O sermão oficial
A bênção do Santíssimo Sacramento
Cura assombrosa dum distinto médico de Lisboa
Os sacerdotes e, durante as férias do verão, também os
seminaristas, acorrem, em número avultado, a Fátima, cada dia
treze. Eles vão ali retemperar a sua fé e afervorar a sua piedade em
contacto com as multidões dos crentes, naquele ambiente saturado
de sobrenatural. Entre os sacerdotes que foram a Fátima neste dia
treze destacam-se dois, que pertencem ao número das figuras mais
prestigiosas e mais beneméritas do clero português e que são
modelos consumados de trabalho indefesso pela causa de Deus e
das mais acrisoladas virtudes: os rev.dos dr. Francisco Rodrigues da
Cruz e cónego Francisco Maria Félix.
Não há ninguém no nosso país que não conheça, ao menos pela
fama singular de santidade que o aureola, esse vulto incomparável
de apóstolo que é o dr. Cruz.
Menos conhecido pelas condições especiais em que exerce a sua
prodigiosa actividade, mas não menos insigne pelos dotes de
espírito e coração que o exornam e pelas suas extraordinárias
benemerências é o rev.do cónego Félix, reitor do Seminário
Patriarcal em Santarém. Há longos anos colocado à testa daquele
instituto eclesiástico de educação e ensino, um dos primeiros de
Portugal, que dirige com superior critério, ele é verdadeiramente the
right man in the right place, exercendo o seu alto e espinhoso cargo
com uma competência e uma dedicação a toda a prova.
Que humildade e piedade edificantes as dessas duas grandes e
venerandas personagens da Igreja, encanecidas no serviço de Deus
e carregadas de méritos, ajudando, como simples acólitos e com
uma devoção fervorosa, o sacerdote que celebrava a missa dos
enfermos!
Às onze horas mais uma cena comovente se desenrola no local
das aparições. É a menina Lígia Sucena e Graça, de Aveiro, que faz
a sua primeira comunhão junto da capela das missas. Vestida de
branco, com o rosto gentil envolto no véu imaculado das virgens, a
ditosa criança – anjo de inocência e de candura – aproxima-se,
trémula de comoção, da mesa eucarística e recebe pela vez
primeira o divino Prisioneiro do Sacrário no seu Sacramento de
amor.
Que a lembrança deste dia de graças e bênçãos, o mais belo da
tua vida sobre a terra, nunca se apague da tua memória, mimosa e
feliz menina, para que, sempre fiel a Jesus, possas sulcar sem
perigo o mar encapelado da existência e chegar, sã e salva, pela
mão de Maria, ao porto da eternidade bem-aventurada!
À uma hora e meia, depois de conduzida processionalmente a
Imagem da Virgem para a capela nova, começa a missa dos
doentes. Enquanto ela se celebra, o rev.do capelão-director dos
servitas reza o terço em voz alta, alternando com a assistência. À
elevação toda aquela mole imensa de povo se prostra diante de
Jesus-Hóstia, adorando-o num transporte estuante de fé e amor.
Ao Communio é distribuído pela última vez o Pão dos Anjos.
Terminada a missa, sobe ao púlpito o rev.do abade de Cete, que
escolhe para tema do seu sermão o tramo da Ladainha Lauretana –
Causa nostrae laetitiae, ora pro nobis.
Após o sermão, canta-se o Tantum ergo e dá-se a bênção com o
Santíssimo.
Por fim a Imagem de Maria é reconduzida para a capela das
aparições, seguindo-a uma multidão inumerável, que a aclama cheia
de entusiasmo e de ternura.
A Voz da Fátima é distribuída gratuitamente em número de muitos
milhares de exemplares. É o rev.do Manuel Pereira da Silva,
secretário de Nossa Senhora, como o povo crente o designa, que
preside a esta distribuição. O benemérito e modesto sacerdote,
preclaro ornamento do clero da sua diocese, anuncia a publicação
no próximo número da Voz da Fátima, do relato interessantíssimo
da cura maravilhosa dum distinto médico de Lisboa, vítima dum
horrível desastre de motocicleta, o sr. dr. Acácio da Silva Ribeiro. “O
meu desastre – como ele próprio diz numa carta endereçada ao
administrador da Voz da Fátima – assombrou toda a gente que o
conheceu e me visitou no Hospital, e algumas centenas de pessoas
foram, contando-se algumas dezenas (mais de cinco ou seis) de
médicos”.
Bendita seja a Virgem Nossa Senhora de Fátima, que no seu
trono de misericórdia e de amor continua a espargir sobre os
portugueses seus filhos os dons mais preciosos e as graças mais
escolhidas, para glória de Deus e salvação das almas.
12. A GRANDE PEREGRINAÇÃO
NACIONAL
(13 DE OUTUBRO DE 1927)
Curas sensacionais
Uma paralítica de Viseu
Um doente de mal de Pott, de Braga
Lágrimas de alegria duma mãe
O interesse da imprensa
A opinião dos médicos
No pavilhão dos doentes, junto do parapeito da capela das
missas, está sentada em cima dum colchão, ao lado doutros
farrapos humanos, uma rapariga, que parece ter pouco mais de
vinte anos de idade.
Vinca-lhe o rosto pálido e macerado uma expressão de íntimo
júbilo e nos seus olhos brilha um clarão de suave e fagueira
esperança. Uma paralisia geral consecutiva a uma queda
desastrosa, imobilizara por completo no grabato dum hospital o seu
corpo franzino e mirrado. Dores horríveis atormentavam-na sem
cessar.
Almas caridosas promoveram uma subscrição para que ela
pudesse tomar parte na peregrinação diocesana de Viseu. Durante
a viagem toma leite e, ao contrário do que costumava suceder, não
o vomita.
As dores abrandam consideravelmente. À passagem da
peregrinação de Alcobaça, quando se aproxima dela o estandarte
em que está pintada a cena das aparições, sente que uma força
estranha a impele a ajoelhar-se e após doze anos consegue pela
primeira vez tomar essa posição. Uma alegria mista de inquietação
e temor apodera-se da sua alma e transborda-lhe dos olhos, dos
lábios, de todo o seu ser. A servita que está ao seu lado anima-a e
conforta-a, inspirando-lhe confiança no poder e na bondade da Mãe
de Deus.
Aproximamo-nos dela e interrogamo-la. Dominada por uma
comoção profunda, responde com extrema dificuldade às perguntas
que lhe fazemos.
Durante a viagem de regresso as melhoras acentuam-se de hora
para hora e é já por seu pé que entra no hospital donde tinha saído
em braços para a partida.
Entre os doentes da peregrinação de Braga, encontra-se ao colo
da mãe uma criança do sexo masculino, de sete anos de idade,
atacada, segundo o diagnóstico médico, duma doença terrível, o
mal de Pott. Filho de Manuel Fernandes Braga, um poço de doença,
tuberculoso e alcoólico, já falecido, e de Maria da Conceição Braga,
moradora na Rua Nova de Santa Cruz, nº 19, herdou do pai o nome
e as doenças. Há cerca de um ano o seu estado agravou-se,
aparecendo-lhe perfeitamente declarado o mal de Pott – cifose
lombar bem pronunciada, amolecimento da espinha dorsal,
atrofiamento das pernas, uma das quais encurtou dois dedos, dores
intensas em todo o dorso, gânglios escrofulosos no pescoço e falta
de apetite.
Em Coimbra, onde pernoitou no regresso, a mãe verifica com
surpresa e com uma alegria tão grande que lhe provoca as lágrimas,
a cura do filho. No dia seguinte, essa cura provocou o assombro dos
quatro médicos que trataram a feliz criança. A velha e pacata cidade
dos Arcebispos impressiona-se e agita-se com a sensacional
notícia, uma romagem de muitas centenas de pessoas inicia-se para
casa da privilegiada família, a imprensa de grande circulação,
tomando conta do caso, narra-o em colunas cerradas de prosa e
cheias de pormenores interessantes e a ciência médica proclama
unanimemente a certeza consoladora da cura extraordinária,
inexplicável e porventura miraculosa.
2. ESTATUTOS DA CONFRARIA
DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
DE FÁTIMA
Artigo 1º – É canonicamente erecta no Santuário de Fátima uma
Confraria denominada – Confraria de Nossa Senhora do Rosário
de Fátima.
Artigo 2º – Esta Confraria tem por fim: trabalhar pela conversão
dos pecadores; reparar os pecados sociais das nações; promover o
cumprimento dos preceitos da Santa Igreja, especialmente quanto
ao domingo e dias santos;
d) orar e auxiliar as Missões entre cristãos e infiéis;
e) sufragar as benditas almas do Purgatório;
f) orar pelos doentes e por todas as necessidades espirituais e
temporais recomendadas por Nossa Senhora do Rosário de Fátima;
Artigo 3º – Além das indulgências que serão pedidas à Santa Sé,
os confrades terão direito:
a) à participação em todos os sacrifícios, boas obras e
mortificações dos doentinhos que recorrem a Nossa Senhora de
Fátima;
b) às Missas que se celebrarem no Santuário ou fora dele por
esta intenção:
Artigo 4º – Os confrades têm obrigação:
a) de viverem cristãmente;
c) de darem a esmola mensal de $20 (200 réis), sendo metade
para Missas, segundo os fins da Confraria (art.2º) e a outra parte
para o culto de Nossa Senhora. Estas esmolas serão recebidas em
listas por colectores ou colectoras que se prestem a esta obra de
piedade e caridade.
Artigo 5º – Os confrades são aconselhados:
a recitarem todos os dias, de preferência em público, ou em
família ou, pelo menos em particular, o terço do Santo Rosário;
b) a comungarem, sendo possível, mensalmente e da mesma
forma assistirem ao Santo Sacrifício da Missa no dia 13 de cada
mês em união com os peregrinos;
c) a trazerem consigo uma medalha tendo dum lado a imagem do
S. Coração de Jesus e do outro a de Nossa Senhora do Rosário de
Fátima. Esta medalha pode substituir os escapulários.
Artigo 6º – A Confraria de Nossa Senhora do Rosário de Fátima
terá uma direcção composta de presidente, secretário e tesoureiro,
nomeados pelo Prelado Diocesano. Esta comissão presta contas
todos os anos, na forma do direito, ao Ex.mo Senhor Bispo.
AS GRANDES MARAVILHAS
DE FÁTIMA 1921
I Parte: As Aparições da Santíssima Virgem
APÊNDICES
Promessas aos devotos do Santo Rosário: Os acontecimentos de
Fátima, 1923, cap. XI.
Estatutos da Confraria de Nossa Senhora do Rosário de Fátima:
Voz da Fátima, n.64, 13.01.1928.
DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA
Notas finais