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PARTE IV – O ORÇAMENTO

Entra-se agora no tema do orçamento. A propósito deste tema, abordar-se-á:


 A noção e funções do orçamento;
 As regras e princípios de elaboração do orçamento;
 Os conceitos de equilíbrio orçamental;
 A execução do orçamento e o controlo dessa execução.

4.1. Noção de Orçamento Geral do Estado e antecedentes históricos


O que é um orçamento? Em Finanças Públicas, lecionamos o orçamento de Estado. Mas, no
entanto, todas as empresas e todas as famílias têm também um orçamento próprio. As famílias
têm o seu próprio orçamento – seja escrito ou na cabeça – porque qualquer pessoa que tenha um
ordenado tem de saber o que pode gastar e convém ter a noção de que esse ordenado tem que dar
para um mês. Por outro lado, as famílias têm de ter também uma noção de que as despesas não
vêm todas em simultâneo.
Por isso, a lógica de como uma família deve fazer o seu orçamento é a de ver quais são os seus
rendimentos – o ordenado e se tem ou não mais rendimentos para incluir – e pensar se tem ou
não de pagar IRPS, mesmo que uma parte seja descontada à cabeça pelo patrão.
Em função das receitas, ver-se-á as despesas, começando-se pelas fixas. A renda, a eletricidade,
a água são despesas fixas mensais com que as famílias têm de contar. A alimentação também é
uma despesa fixa, mas, nesse caso, faz-se uma previsão. Há despesas fixas também anuais como,
por exemplo, seguro de automóvel, despesas acrescidas no Natal, IPRA1, IAV2, etc.
No fim, tem-se todas as receitas e todas as despesas – pelo menos as fixas – e tem de se somar as
receitas anuais e as despesas anuais. Convém ser feito numa base anual justamente porque
existem despesas que não são mensais e, portanto, ao fazer-se esta soma numa base mensal,
existirão meses com uma grande discrepância.
No caso familiar, a lógica é ver se é possível conseguir ver qual é o nível de despesa que se pode
ter para as receitas que se tem. Imagine-se que se chegava à conclusão que se tinha mais
despesas que receitas. A hipótese poderia ser uma de duas: olhar para as despesas e ver o que se
pode cortar (por exemplo, as férias) ou olhar para as receitas e arranjar um novo rendimento (por
exemplo, trabalhar horas extraordinárias). Esta lógica do orçamento familiar – que deve ser feito
antes – tem como objectivo assegurar que as receitas são suficientes para pagar as despesas da
família.

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IPRA – Imposto predial Autárquico
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IAV – Imposto Autárquico de Veículo

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A questão do sobre-endividamento das famílias resulta de as pessoas não fazerem estas contas. A
verdade é que muitas famílias fazem uma “navegação à vista”. Há uma série de despesas
inesperadas (por exemplo, uma doença ou um arranjo de um carro) com que as famílias devem
contar. Tal como as famílias, as empresas também fazem orçamentos. Não é só o Governo na
AR que está a discutir o orçamento, todas as empresas estão, neste momento, a fazer os
orçamentos para 2024.
Como se faz um orçamento na empresa? Tal como nas famílias, começa-se pelas receitas. Isto é,
quem dá o primeiro input para o orçamento é a parte comercial. Vai-se perguntar ao comercial
quanto é que ele acha que vai vender e o comercial vai dizer, de uma forma o mais detalhada
possível, quais são as previsões de vendas (quantidades e preços, por países/mercados e por
produtos).
Com base neste orçamento comercial, este orçamento comercial passa para a produção e a
produção vai fazer o orçamento de produção – isto é, quanto é que vai custar fazer os produtos
que o comercial diz que vai vender. Depois, há também um orçamento de outros custos, como,
por exemplo, marketing – são custos imputados àquele mercado.
Para além de receitas e custos ligados à produção e às vendas, de um lado, falta os custos
financeiros, do outro lado. Tendo-se empréstimos, têm de pagar ao banco estes empréstimos. Os
custos financeiros relativos aos empréstimos são relativamente fáceis de determinar.
No fim, convém que as receitas sejam superiores às despesas, porque, se não forem, significa que
se está a fazer um orçamento que dará prejuízo para o ano. Imagine-se uma empresa que faz um
orçamento e que chega à conclusão que terá prejuízo. O que deve fazer é olhar para esse
orçamento e ver como balançar as contas para não ter prejuízo. Se o problema for os mercados
estarem parados e o comercial não ver previsões de venda, então, a solução poderá ser parar de
uma forma programada, de forma a não ter prejuízo. Refaz-se as contas assim.
A vantagem dos orçamentos das empresas é conseguir prever antecipadamente eventuais
problemas para os corrigir e conseguir tomar decisões (por exemplo, de trabalhar 12 meses por
ano ou parar 2; de ir a um país que poderá proporcionar as vendas necessárias ao cumprimento
do orçamento – mas que implicam também por si custos imputados àquele mercado – ou não ir).
São decisões estratégicas que devem ser tomadas preferencialmente com bastante antecedência.
Um orçamento de uma empresa permite isto justamente para os empresários não serem
apanhados “a navegar à vista” de repente. Um orçamento da exploração, depois, dá origem a
mapas de tesouraria. Os mapas de tesouraria não estão relacionados com os orçamentos de
exploração – os mapas de tesouraria consistem no dinheiro que entra e sai da conta do banco. Até
se pode ter um ano de prejuízo e a tesouraria aguentar.
Se a tesouraria não aguentar, o empresário deve procurar uma solução de tesouraria, isto é, deve
procurar financiar-se, de alguma forma, para conseguir sobreviver o ano. Ou pode, por exemplo,
falar com os fornecedores e passar de pagar a 30 dias para 60 (porque, ao ganhar 30 dias do
prazo de pagamento, já conseguirá gerir a tesouraria). Logo, isto tem de ser pensado com
antecedência.

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Todas as empresas têm orçamento, logo, é natural que o Estado também tenha orçamento.
Quando se fala em Orçamento de Estado, fala-se também numa previsão. O Orçamento de
Estado é um documento onde estão previstas e completadas as receitas e as despesas
devidamente autorizadas.
O Orçamento de Estado é aprovado, no nosso caso, pela AR e, portanto, os representantes
do povo (que são os deputados) é que autorizam as despesas e as receitas.
É um documento onde se preveem as despesas e as receitas numa base anualizada. Em
Moçambique, é de 1 de janeiro a 31 de dezembro. No entanto, não é sempre assim: nos EUA, é
de outubro a outubro. Em 2020 por exemplo, inclusive, nos EUA, houve um problema de
pagamento aos funcionários públicos em outubro.
Os elementos específicos do Orçamento Geral do Estado são:
 Uma previsão de todas as receitas e as despesas;
 Numa base anual;
 Devidamente autorizadas.
Esta questão de autorização remete para o tal pequeno percurso histórico que se irá fazer.
Finanças Públicas é uma ciência com alguma autonomia relativamente a outras ciências, como,
por exemplo, a Economia, porque, em Finanças, se fala da arrecadação de fundos públicos. Há
aqui uma especificidade. Estes fundos conseguem-se pelo chamado ius imperium, que se traduz
no poder de fixar impostos e de coercivamente obrigar as pessoas a pagar impostos.
Ora, os impostos são já muito antigos. Aliás, um dos motivos para a queda do Império Romano
foram precisamente os impostos. O Império Romano tinha uma dimensão enorme e começou a
ter um aparelho administrativo e uma força de exército muito pesados, sendo que quem pagava
tudo isto eram os contribuintes (os povos que viviam no Império Romano).
Este aumento excessivo dos impostos – necessário para pagar o que o grande Império Romano
exigia – gerou um enorme sentimento de revolta e diz-se que um dos motivos que levou ao
declínio do Império Romano foi o facto de a produtividade não aumentar ao ritmo do aumento
dos impostos. Portanto, o rendimento das famílias era o mesmo e elas tinham de pagar cada vez
mais impostos, ficando com menos meios para sobreviver.
Se a produtividade aumentasse e os impostos também, as famílias não ficavam com menos para
viver – ficariam, pelo menos, com a mesma coisa. O problema é que a produtividade não estava
a aumentar no Império e os impostos estavam – o que fez com que começasse a surgir, neste
vasto Império, um sentimento de revolta contra estas pesadas taxas/impostos.
Mais recentemente, já na Europa, nas monarquias, os reis também cobravam impostos. Era
prerrogativa real cobrar impostos. Aliás, na Idade Média, havia dois níveis de impostos:
1) Ao nível do senhor feudal – por exemplo, cobrava imposto às mercadorias que passavam nos
seus territórios.

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O liberalismo é conhecido pelo laisser faire, laisser passer, que tem precisamente a ver com a
questão das regulamentações e dos impostos. As monarquias, tendencialmente, centralizavam o
poder e exigiam muitas regulamentações para as actividades, nomeadamente, para os artífices.
Portanto, não era fácil ser artesão, pois havia uma série de limitações e havia até alguns setores
que estavam reservados às chamadas manufacturas reais (sendo que, em França, isto foi muito
utilizado).
Laisser faire prende-se com o “deixar fazer” – ou seja, acabar com as limitações ao
empreendorismo privado. Laisser passer, por sua vez, quer dizer “deixar as mercadorias passer”,
porque os senhores feudais, ao nível dos seus territórios, e os reis, aos níveis mais gerais,
cobravam impostos à passagem da mercadoria. A ideia era deixar passar as mercadorias, isto é,
acabar com estes impostos para facilitar o comércio.
Portanto, a ideia do liberalismo é: deixar produzir de forma livre e não controlada e, depois, não
cobrar impostos à passagem dos produtos (porque os produtos ficam mais baratos). Os senhores
feudais tinham já impostos ao nível do seu território.
2) Ao nível do rei – o rei tinha rendimentos, uma vez que a Coroa era também proprietária e
possuía rendimentos das suas propriedades. No entanto, estes rendimentos próprios não eram
suficientes. Os reis sempre fizeram mal os seus orçamentos e, portanto, tipicamente, se um
rei tivesse um aumento da despesa (por exemplo, se quisesse fazer uma grande obra ou se se
envolvesse numa guerra), criava impostos.
Na Europa, sobretudo a partir do fim do século XVIII, as Cortes – que representavam os súbditos
– começaram a ter um peso cada vez maior. O aumento do peso das Cortes refletiu-se no facto de
se começar a exigir aos reis que eles fizessem passar os impostos pelas Cortes. Assim sendo, os
reis não podiam cobrar novos impostos sem fazer aprovar esses impostos nas Cortes e, então,
começou a ter-se os primeiros orçamentos.
Inicialmente, estes orçamentos eram orçamentos da despesa, porque a despesa tinha de ser
aprovada. A primeira ideia de aprovar despesa pelos representantes deu-se em Inglaterra com o
chamado Build Up Rights, no fim do século XVIII. As Cortes começaram a chamar a si a ideia
de que os impostos tinham de ser consentidos por aqueles que os iam pagar e, depois, alargou-se
essa obrigação de consentimento também às despesas. Isto limitava o poder real, pois queria
dizer que o rei não podia impor impostos nem podia gastar o dinheiro desses impostos no que
quisesse. No fundo, a liberdade do rei era gastar o dinheiro que provinha dos seus próprios
rendimentos.
Nasceu, então, aqui, esta característica fundamental dos orçamentos: a previsão das receitas e
das despesas, competentemente autorizadas.
Claro que a evolução não foi igual em todos os países nem se deu ao mesmo ritmo. Por exemplo,
em Inglaterra, foi com o Build Up Rights. Já França manteve o absolutismo, sendo que a
monarquia absoluta de França ficou exactamente marcada por não haver esta ideia da
autorização – que só foi introduzida em França com a Revolução.

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Esta ideia da representação e da necessidade de representação para a cobrança de impostos está,
aliás, na base da independência dos EUA. O movimento de independência dos EUA começou
porque os colonos (perante a Inglaterra) revoltaram-se perante a imposição de impostos na
colónia, uma vez que não estavam representados nas Cortes. Então, nasceu a expressão “no
taxation without representation”.
Portanto, os países não fizeram este percurso em simultâneo, mas a tendência foi esta. Em
Portugal também se dá isto, uma vez que, a seguir à Revolução Francesa, se seguiram as
Revoluções Liberais. Em Portugal, depois da Revolução Liberal, começou a fazer-se este
percurso no sentido de exigir a aprovação pelos representantes. Moçambique foi colónia
Portuguesa como sabemos e tornou-se independente a 25 de Junho de 1975.
Há um marco em 1933 em Portugal, quando surge o Estado Novo e se dá uma alteração: não era
necessária a aprovação de uma Lei de Orçamento, mas sim de uma lei de meios. O governo
propunha a chamada lei de meios, que era uma lei que dava alguma ideia das receitas e das
despesas. Como era algo muito geral, foi nesta altura que se passou para a anualidade (de 1 de
janeiro a 31 de dezembro). Não era difícil fazer a lei de meios, justamente por ser tão vaga.
A alteração se deu em 1976, depois da Revolução, em que se passou a ter a Lei do Orçamento e
em que a AR passou a votar o orçamento e não a lei de meios. A partir de 1976, começou a ser
aprovada a Lei do Orçamento. Ainda surgiram algumas dúvidas nessa altura, uma vez que os
mapas orçamentais não estavam na Lei do Orçamento.
4.2. Diferença entre orçamento de gerência e orçamento de exercício
Quando se faz um orçamento, por exemplo, de uma empresa, há uma diferença entre o
orçamento da actividade/da exploração e o chamado orçamento de tesouraria. Isto é assim
porque, na empresa, nem todos os custos são despesas. Há uma diferença entre custos e despesas.
Da mesma forma, também há uma diferença entre receitas e recebimentos. As receitas são a
facturação da empresa, enquanto os recebimentos são o valor que, efectivamente, os clientes lhe
pagam. Num período de crise, pode acontecer que a empresa fature, mas que, entretanto, haja um
cliente que comece a atrasar os pagamentos e não lhe pague e, portanto, a facturação é superior
àquilo que depois a empresa vai receber.
Ter-se um custo não quer dizer que se tenha uma despesa. Por exemplo, pode ter-se um custo em
novembro que é tudo o que os fornecedores facturaram – custo operacional de novembro –, mas
a despesa de novembro, se se pagar a 60 dias, são as facturas recebidas em setembro. Não há
uma coincidência mensal entre os custos e as despesas. Essa coincidência também não é
exatamente anual. As empresas têm um custo que são as chamadas amortizações, que não
correspondem à despesa.
No Orçamento de Estado, passa-se mais ou menos a mesma coisa. Há duas formas de computar
as receitas e as despesas: faz-se um orçamento de gerência ou um orçamento de exercício. O
orçamento de gerência é, de certo modo, o orçamento de tesouraria, onde se inscrevem
todas as cobranças e todos os pagamentos. O orçamento de exercício é, de certo modo, o

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orçamento da exploração, que é, no caso das receitas, todos os direitos que nascem para o
Estado (portanto, todos os impostos que são liquidados nesse ano).

Repare-se que a liquidação não corresponde à cobrança: primeiro, porque se liquida num mês e,
depois, os contribuintes têm 30/60 dias para pagar; e, no que diz respeito às despesas, porque as
obrigações que se assumem não são iguais aos pagamentos que se têm de fazer.
No orçamento de exercício, têm de se inscrever todas as obrigações de pagamento que o
Estado assumisse no ano posterior. Todas as obrigações assumidas pelo Estado e todos os
direitos que surjam a favor do Estado nesse ano têm de estar incluídos no orçamento desse
ano.
Por seu turno, no orçamento de gerência, inclui-se apenas o dinheiro que se recebe efectivamente
(por exemplo, o IVA dos últimos 3 meses não estarão no orçamento de 2023, porque só vai ser
pago em 2024 – a maior parte das empresas fazem o IVA trimestralmente) e o que se paga
efectivamente nesse ano.
4.3. Vantagens e desvantagens do orçamento de gerência e do orçamento de exercício
Repare-se que o orçamento que dá uma melhor perspetiva do funcionamento e da realidade é o
orçamento de exercício, em que se incluem as obrigações que surgem para o Estado e os direitos
que o Estado tem. A lógica do orçamento das empresas é o orçamento da operação (é o
operacional). A verdade é que se faz um orçamento – que é operacional – e este orçamento vai
dar origem a um mapa de tesouraria.
No Estado, também é o orçamento de exercício que dá uma ideia melhor sobre a evolução,
nomeadamente, do património do Estado (isto é, os direitos que nascem para o Estado e as
obrigações que o Estado assume). O problema é que é muito mais difícil fazer o orçamento
de exercício e, para além disso, o orçamento de exercício não prescinde do orçamento da
gerência. Tal como nas empresas, tem de se fazer o mapa de tesouraria também
relativamente ao Estado.
Por uma questão de facilidade e porque, de qualquer forma, ele seria preciso, a opção é o
orçamento de gerência. O nosso orçamento é um orçamento de gerência, onde estão inscritos os
recebimentos e os pagamentos e não os direitos que surgem para o Estado e as obrigações que
ele assume.
A vantagem do orçamento de gerência, além de ser mais fácil, é que permite ver imediatamente o
que tem de acontecer à dívida pública. Se as despesas são maiores que as receitas, a dívida
pública tem de aumentar, uma vez que o Estado tem de pagar o excesso de despesas com
empréstimos.
Os orçamentos estão sempre equilibrados, mas há formas diferentes de o fazer. Não tendo um
orçamento equilibrado, a solução será diminuir as despesas (aumento dos impostos) ou aumentar
as receitas (contração de empréstimos e, consequente, aumento da dívida pública).

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4.4. Orçamento, conta e balanço
Uma outra distinção fundamental é a entre orçamento, conta e balanço. O orçamento é uma
previsão das receitas e das despesas. Depois, há mapas onde se imputam/inscrevem as receitas
efetivas e as despesas efetivas – esse documento/mapa chama-se conta. No fundo, a conta é a
operacionalização do orçamento. O orçamento de 2024 está agora a ser discutido (2023), sendo
que a sua conta só vai existir em, na melhor das hipóteses, janeiro de 2025.
Um documento diferente é o balanço, que é um elemento patrimonial. Recorrendo novamente ao
exemplo das empresas, o balanço da empresa é o activo (tudo aquilo que a empresa tem/possui) e
o passivo (onde se inscreve tudo aquilo que a empresa deve, incluindo o capital social). O
balanço representa a situação patrimonial da empresa, que é quanto ela tem – o valor em
activos (móveis, imóveis e créditos da empresa) – e quanto é que ela deve.
A mesma coisa do lado do Estado: o Estado podia e devia ter um documento de balanço que
seria a parte patrimonial do Estado (qual é o património do Estado, quanto vale o património do
Estado e quais são as dívidas do Estado). Não tem a ver com orçamentos. O problema é não se
conseguir ter um balanço em Moçambique por não se ter sequer um elenco de todos os activos
do Estado, quanto mais a sua valorização monetária. Portanto, não se consegue sequer saber o
activo do Estado.
Na altura da crise da dívida pública de Portugal e da Grécia, houve quem dissesse que a Grécia ia
tentar pagar parte dos empréstimos vendendo ilhas – que são património do Estado grego. Ora, o
Estado pode usar esse património (para venda, concessão, etc.), mas, para isso, é preciso saber o
valor dos bens públicos. O problema em Moçambique que faz com que não se consiga ter um
balanço não é tanto do lado do passivo, mas do lado activo. O próprio Ministério da Cultura e
Turismo não sabe a relação das obras de arte que Moçambique possui.
4.5. Funções do Orçamento Geral do Estado
O orçamento tem três funções – todas elas muitíssimo importantes, uma vez que todas as regras e
princípios de elaboração do orçamento existem para que o orçamento possa cumprir as suas
funções. As funções são aquilo que faz com que o orçamento tenha de ser elaborado de acordo
com determinadas regras e princípios, daí a sua importância fundamental.
1) 1ª função – relacionação das receitas com as despesas
No orçamento, têm de estar todas as receitas e todas as despesas no sentido de se ver se as
receitas são suficientes para pagar as despesas. Uma das funções do orçamento é a de relacionar
as receitas com as despesas, ou seja, ver o montante, tal como o orçamento familiar. É esta
função importantíssima que permite ao Estado prever, por exemplo, se se vai ter de endividar no
próximo ano.
Se o Estado tiver, no próprio orçamento, que vai ter de se endividar no próximo ano, vai fazer
essa emissão de dívida pública na melhor altura possível. A dívida pública portuguesa concorre
com os outros valores mobiliários (com a dívida pública de outros países e com as obrigações de

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empresas e, a um certo nível, com as ações, ou seja, as unidades de participações em fundos de
investimento).
No fundo, os investidores – particulares ou institucionais – que querem investir em valores
mobiliários alocam parte da sua carteira em ações, em dívida pública, etc. Portanto, o mercado é
o mesmo, mas os juros que esse mercado cobra não são iguais. Quando as economias entram em
recessão, tendencialmente, os juros – neste tipo de mercados (por exemplo, das obrigações) –
aumentam. Sendo assim, não é indiferente o timing de lançar essas emissões de dívida e,
portanto, é importante saber com antecedência essa relação entre receitas e dívidas para o Estado
poder ir ao mercado na melhor altura possível.
Esta primeira função de relacionar despesas com receitas é fundamental e exige que uma das
regras estabeleça que têm de lá estar TODAS as receitas e TODAS as despesas, pois só assim é
possível fazer essa relação entre despesas e receitas. Mais uma vez, as regras existem para que as
funções sejam cumpridas.
As receitas e as despesas têm de ser discriminadas, com várias perspetivas. A lógica é a de que a
cada um dos serviços imputam-se determinadas despesas, que se chamam de créditos – no
sentido de que cada serviço fica com aquele valor que pode gastar.
2) 2ª função – fixação das despesas
O orçamento das receitas é uma previsão. As receitas efetivas – nomeadamente, os impostos –
variam em função do andamento da economia. Se há crescimento económico, os impostos
arrecadados aumentam. Se há crise económica, os impostos arrecadados diminuem sem que as
taxas se alterem. No caso do IVA, por exemplo, quanto maior as transações/vendas, maior o
valor que o Estado vai arrecadar do IVA. Essa previsão não garante o valor arrecadado. Esse
valor pode ser superior ao da previsão, mas não se pode inventar um novo imposto ou uma nova
taxa.
O orçamento das despesas é diferente, porque o orçamento tem como função fixar as despesas.
As despesas são previstas e os créditos são inscritos por departamento. Esse montante que está
inscrito é um teto máximo que não pode ser ultrapassado. Esse não poder ser ultrapassado tem
até implicações em termos de execução, porque os serviços não podem gastar o seu teto todo em
janeiro. Há outras regras de execução que depois fazem com que orçamento tenha de ser
executado de determinada forma. De qualquer das maneiras, aquele montante não pode ser
ultrapassado.
Enquanto, do lado das receitas, o orçamento é uma mera previsão, do lado das despesas, o
orçamento é a indicação de um montante máximo. O Estado pode gastar menos, mas não pode
gastar mais, porque todas as despesas têm de ter o chamado cabimento – isto é, as despesas
têm de ter cabimento no crédito inscrito no orçamento. Chama-se cabimento justamente
porque as despesas têm de caber nesse montante.
Claro que se pode gastar menos. A propósito das cativações, falou-se muito do antigo Ministro
das Finanças de Portugal que conseguiu o défice 0 e ser um "Ronaldo das Finanças" por causa
das cativações. As cativações não têm a ver com o orçamento, mas são uma forma de fazer com

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que se gaste menos do que o inscrito. Isto é feito através da introdução, no orçamento, de uma
norma, que estabelece que uma determinada percentagem dos créditos inscritos de cada serviço
que não pode ser gasta sem autorização do Ministro das Finanças.
Em Moçambique, o cativo obrigatório é 15% em Despesa com Pessoal, 15% em Bens e Serviços
e 20% em despesas de funcionamento relativas às transferências às familias (Circular 01/GAB-
MEF/2023, de 22 de Fevereiro).

Portanto, os serviços pedem que o Ministro “desbloqueie” o valor e o Ministro “põe esse pedido
na gaveta” – é uma forma de cativar. Cativar é não deixar gastar dinheiro que estava inscrito no
orçamento – isto é, despesas que estavam inscritas e tinham sido aprovadas na AR. Não se pode
cativar 100% do orçamento, mas pode cativar-se uma percentagem dele.
Uma coisa é fazer o orçamento e outra coisa é executar o orçamento. O problema é que se tem
um orçamento que é uma previsão de receitas e de despesas, em que as despesas são fixas, mas é
preciso obrigatoriamente continuar a olhar-se para as receitas a fim de se constatar se as receitas
efetivamente arrecadadas estão a ser iguais, superiores ou inferiores à previsão. Isto é a gestão
depois da execução do orçamento.
Se os impostos efetivamente arrecadados (as receitas) estão a ser inferiores e as previsões de
crescimento económico apontam para que sejam inferiores, então, o orçamento que era
equilibrado passa a estar em desequilíbrio. Embora o orçamento tenha equilíbrio, na execução,
surgem problemas que o colocam em desequilíbrio. As cativações servem para o Ministro das
Finanças ter algum controlo na execução do orçamento. Se se tiver, por exemplo, -20% de
receitas, ter-se-á de ter -20% de despesas.
O mesmo acontece com um empresário. Voltando ao exemplo da empresa, imagine-se que se
tem um orçamento/um mapa de tesouraria e a empresa tem um grande cliente que sempre lhe
pagou bem, mas, de repente, esse cliente até vai entrar em recuperação de empresa ou até mesmo
em insolvência. O empresário vai deparar-se com um problema: o orçamento espetacular que
tinha passa a não valer de nada. Vai ter de refazer e reajustar a sua tesouraria a um problema de
tesouraria, mesmo que o cliente não chegue a ir para insolvência (porque, por exemplo, era um
cliente que pagava em 30 dias e passa a pagar em 90).
Esta questão das cativações é uma forma de controlar a execução. Do ponto de vista da
elaboração e das funções do orçamento, a função é fixar despesas – um teto máximo de despesas.
Ora, uma das regras é a não compensação de despesas e receitas, que existe precisamente devido
a esta função.
O que é a compensação de despesas e de receitas? Imagine-se que se vai construir uma
autoestrada que vai passar por uns terrenos e é preciso fazer um desaterro, sendo que, naquela
zona de desaterro, existe uma matéria prima que até é rentável. Portanto, a autoestrada vai custar
20 milhões de Meticais, mas, ao vender-se aquela matéria prima, vai arrecadar-se 1 milhão de

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Meticais, que é uma receita inerente àquela despesa – isto é, se não se fizer a autoestrada, não se
vende a matéria-prima.
Uma hipótese seria inscrever 19 milhões de Meticais (=20.000.000-1.000.000) porque esse é o
custo efectivo da autoestrada. No entanto, isto não pode ser assim! Tem de se inscrever 20
milhões de Meticais nas despesas e 1 milhão de Meticais nas receitas, por causa da função da
fixação das despesas. Se se inscrevesse 19 líquidos, tanto pode significar que a autoestrada
custou 20 e se recebeu 1 como que a autoestrada custa 22 e se recebeu 3. Com valores líquidos
do lado das despesas, é impossível fixar as despesas e saber o valor total das despesas.

Esta função é fundamental de fixação das despesas, porque os serviços não podem gastar mais do
que está imputado no orçamento.
3) 3ª função – exposição do plano financeiro
É orçamento que expõe o plano do governo. É através do orçamento que o governo diz qual é o
seu plano para o próximo ano e isso é fácil de constatar agora. O Governo apresentou a proposta
de orçamento e, com essa proposta, ficou a perceber-se qual é a ideia do Governo para sair da
crise e como é que o Governo se propõe a resolver os inúmeros problemas que tem pela frente.
Ficou a perceber-se que a solução proposta passa por:
 Aumentar as prestações sociais (e até criar uma nova prestação social);
 Aumentar algumas reformas;
 Dar mais subsídios;
 Tentar manter ou até impulsar o consumo das pessoas;
 Tentar fomentar as despesas em hotelaria, restauração e cultura através do iVoucher;
 Investir na saúde, no SNS (o governo tem de discriminar em que pontos vai ser feito esse
investimento).
Uma das dúvidas que se coloca é como é que o Governo vai ajudar as empresas (IRPC).
Algumas pessoas diziam que é fundamental estimular e ajudar as empresas, mexendo no IRPS. A
opção do Governo foi não o fazer e já se ouviu alguns partidos a criticá-lo, afirmando que o
devia ter feito.
O orçamento é o documento onde se pode ver as grandes opções financeiras – no sentido de onde
é que vai buscar o dinheiro e em que é que o vai gastar. Portanto, as opções de receitas e de
receitas estão e têm de estar plasmadas no orçamento e é no orçamento que se percebe quais são
as grandes opções do governo para o próximo ano. Por isso, também esta função é fundamental,
sendo que tem algumas implicações.
Uma dessas implicações é, por exemplo, a regra da especificação. A especificação serve mais
que uma função, pois cumpre quer a função da fixação das despesas quer a função de expor o
plano financeiro. As despesas têm de ser especificadas, primeiro, para depois poderem ser
fixadas – não serve de nada ter um montante global; as despesas têm de ser discriminadas sobre

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vários critérios. Por exemplo, a especificação divide-se por ministérios (e, dentro destes, por
funções), por bens consumíveis e duradouros, etc.
A especificação tem de ser detalhada, mas não pode ir ao mais ínfimo pormenor. Por exemplo,
não se pode especificar que determinado departamento de um hospital tem x euros para comprar
garrafas de água ou para comprar tinteiros para as impressoras. Especificar ao pormenor pode
levar a problemas na execução do orçamento.
No orçamento das empresas, por exemplo, não existe esta exigência da fixação das despesas. No
orçamento de Estado é tudo mais rígido, porque se fala de fundos públicos. O dinheiro gasto não
é o dinheiro dos acionistas (que escolhem gastar esse dinheiro), mas sim o dos contribuintes –
voltase, então, ao problema-chave. A rigidez de algumas regras é exigida pela especificidade dos
fundos.

A mesma coisa acontece com as regras de contratação pública. O processo de aquisição de


computadores por uma faculdade (pode até ser por concurso público) não é o igual ao processo
de aquisição de computadores por uma empresa privada. Nestas entidades adjudicantes
(entidades públicas), definem-se critérios de adjudicação e só posteriormente surgem as
propostas, o que muitas vezes causa problemas exatamente por não se poderem avaliar as
propostas uma vez definidos os critérios.
As regras existem porque se fala do dinheiro público e, portanto, o formalismo é exigido, por
muito que impliquem custos.
Este ano, com a pandemia, tivemos de ter um orçamento retificativo, porque o orçamento
elaborado não tinha em conta a pandemia, uma vez que não havia pandemia aquando da sua
elaboração. Não era, pois, possível realizar as despesas necessárias com o orçamento, uma vez
que foi aprovado numa ótica completamente diferente. Se, com uma pandemia, as despesas têm
de ser necessariamente superiores e as receitas mais baixas, é preciso levar uma proposta de
alteração de orçamento à AR e ela tem de ser aprovada. Sem a aprovação, o governo não poderia
gastar.
É esta a implicação quando se fala, nomeadamente, da fixação das despesas. A função do
orçamento é também expor o plano financeiro, logo, não é permitido retirar dinheiro de um
ministério para outro sem uma alteração de orçamento, exatamente por não estar de acordo com
o plano financeiro aprovado pelos representantes (pela AR).
Em suma, há uma série de regras quer na elaboração do orçamento quer, depois, na sua
execução, que decorrem destas funções e daí a importância destas.
4.6. As regras e os princípios de organização do orçamento
Em seguimento da abordagem quanto às funções do orçamento, seguem-se a das regras e
princípios de elaboração do orçamento. Fala-se nas chamadas "regras clássicas" e, depois, numas
regras que se podem designar de "regras mais modernas". Entra-se, aqui, numa matéria em que
se vai começar a usar a legislação.

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A LEO (Lei de Enquadramento Orçamental) é a lei que determina as regras da elaboração e da
execução do orçamento. É nesta LEO que se encontram as regras e princípios de elaboração, o
que explica (em parte) a sua grande importância. A LEO é uma lei que sofreu várias alterações: a
LEO antiga foi alterada em 2015, mas, algumas das normas de 2015 não entraram logo em vigor
e, portanto, ficaram algumas normas antigas, sendo que, posteriormente, houve outra alteração e,
agora, em 2018, houve outra alteração.
A Lei 41/2020 foi a última alteração à LEO, republicando a LEO (o seu texto). No capítulo II
desta lei, têm-se os princípios orçamentais, começando logo no artigo 9º.
4.6.1. Regras clássicas de elaboração do Orçamento
1) Regra da unidade e universalidade (artigo 9°)

Relativamente ao artigo 9º, estabelece o nº1 que "o Orçamento do Estado é unitário e
compreende todas as receitas e despesas das entidades que compõem o subsetor da administração
central e do subsetor da segurança social" e o nº2 que "os orçamentos das regiões autónomas e
das autarquias locais são independentes do Orçamento do Estado e compreendem todas as
receitas e despesas das administrações regional e local, respetivamente".
Nesta regra – chamada de regra da unidade –, a ideia é a de que o Orçamento de Estado deve ser
um documento único, onde devem constar todas as despesas e todas as receitas. A unidade de
que se trata nesta regra é no sentido de ser um só único documento e a universalidade é no
sentido de envolver todas as despesas e todas as receitas.
A importância desta regra é a função que ela cumpre (como acontece em todas as outras regras).
Não se consegue cumprir a função de relacionar despesas com receitas e a função de limitar ou
fixar despesas se elas não estiverem TODAS num único documento.
A propósito das regras, há sempre uma questão importante que é a de perceber se há ou não
exceções. O artigo 9º/nº2 indica aquilo que pode ser entendido como uma exceção – apesar de
não ser bem, exatamente por abordar os Orçamentos das Regiões Autónomas e das autarquias
locais.
Tem-se um Orçamento do Estado onde estão todas as despesas e as receitas das entidades que
compõem o subsetor da Administração central e o subsetor da segurança social, sendo que o que
foge a esse documento único são as receitas e despesas das autarquias locais e as receitas e
despesas das Regiões Autónomas. Da mesma forma que todos os municípios têm um Orçamento,
as Regiões Autónomas também o têm, sendo que as regras que se aplicam à elaboração do
Orçamento de Estado também se aplicam à elaboração destes Orçamentos.
Acontece que, por uma questão também de descentralização, os orçamentos das autarquias locais
e das Regiões Autónomas são autónomos. Repare-se que cada um destes níveis de
Administração (Administração central, regional e local) tem uma legitimidade democrática
própria e, portanto, justifica-se que as autarquias locais tenham um orçamento próprio, uma vez
que também têm uma Assembleia de representantes própria. O orçamento de uma autarquia local

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é também proposto pelo executivo e aprovado na Assembleia (no caso, a Assembleia Municipal).
Em suma, fala-se em orçamentos distintos, mas têm uma legitimidade/representatividade
democrática também própria.
Fala-se ainda do subsetor da Administração central e do subsetor da segurança social e do que
está integrado nos mesmos. No subsetor da Administração central, fala-se administração direta e
na administração indireta.
A Administração direta é composta por entidades que não têm uma personalidade jurídica
própria e distinta da pessoa jurídica Estado (por exemplo, uma direção geral ou um ministério).
Por seu turno, a Administração indireta é composta por entidades que têm personalidade jurídica
de direito público, dependendo da Administração central (por exemplo, a Universidade de
Coimbra tem personalidade jurídica e integra o subsetor da administração central, o que quer
dizer que os valores de despesas e receitas da UC hão de estar apresentados num orçamento).

Isto é o principal, sendo que há, depois, umas questões – que até estão no texto do Professor Dr.
Fernando Rocha Andrade – sobre a questão dos serviços dos integrados e dos serviços e fundos
autónomos. Era uma questão relacionada com a antiga LEO, mas que não é muito relevante. Para
já, importa saber em que consiste a regra da unidade e universidade e em que consiste a
Administração central.
O que está excluído da administração central? As empresas detidas pelo Estado, ou seja, o setor
empresarial do Estado. As empresas detidas pelo Estado estão, em princípio, excluídas do setor
público administrativo.
No entanto, embora estejam tradicionalmente excluídas daquilo que se entende por setor público
administrativo, a não inclusão das suas despesas e das suas receitas implicava, no fundo, uma
enorme desorçamentação. Hoje em dia, o Estado participa na vida económica cada vez mais
através deste setor empresarial, designadamente, através das empresas que o Estado constitui –
que são empresas de direito privado, mas nas quais o Estado é acionista (maioritário ou único
acionista).
Portanto, não incluir estas empresas no âmbito do orçamento implicava uma enorme
desorçamentação, uma vez que o peso quer das receitas quer das despesas deste tipo de empresas
é cada vez maior e, assim sendo, hoje, entende-se que estas empresas estão dentro do chamado
perímetro orçamental. O perímetro orçamental é o conjunto de entidades cujas receitas e
despesas são contabilizadas para apuramento do saldo (isto é, entram nas contas públicas).
O critério utilizado para o perímetro de consolidação é a atuação dentro das condições de
mercado ou fora das condições de mercado. Sempre que uma empresa detida por público ou por
privado – ou maioritariamente por público ou minoritariamente por público, mas sempre que há
fundos públicos envolvidos – e a atuação da empresa seja feita fora de condições de mercado
(condições de mercado significa as regras da concorrência), entende-se que essas empresas estão
dentro do perímetro orçamental.

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3) Regra da especificação e classificação das despesas e das receitas (artigo 17º)
Segundo o nº1 do artigo 17º constante da LEO, "as despesas inscritas nos orçamentos dos
serviços e organismos dos subsetores da administração central e da segurança social são
estruturadas em programas, por fonte de financiamento, por classificadores orgânico, funcional e
económico" e, segundo o nº2, "as receitas são especificadas por classificador económico e fonte
de financiamento". Então, o nº1 aplica-se às despesas e o nº2 às receitas.

O artigo 17º/nº3 afirma que “são nulos os créditos orçamentais que possibilitem a existência de
dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos, sem prejuízo dos regimes
especiais legalmente previstos de utilização de verbas que excecionalmente se justifiquem por
razões de segurança nacional, autorizados pela Assembleia da República, sob proposta do
Governo".

No fundo, o nº3 quer dizer que, com os classificadores, não é possível inscrever créditos
orçamentais para despesas secretas – obviamente, com algumas exceções devidamente
autorizadas pela AR que se prendem com matérias que elas sejam também classificadas. Por
exemplo, obviamente que os fundos para o serviço de contraterrorismo que temos em Portugal
não vão ser discriminados.

Portanto, há uma parte que é confidencial, mas, no entanto, essa parte é pequeníssima e tem de
ser autorizada pela AR, sob proposta do Governo (mais até despesas). Ou seja, tem de estar
previsto em regime legal essa utilização de verbas. Então, por regra, não há dotações para
utilização confidencial ou para fundos secretos.
No artigo 17º/nº4, lê-se que "a estrutura dos códigos dos classificadores orçamentais é definida
em diploma próprio, no prazo de um ano após a entrada em vigor da lei que aprova a presente
lei". Neste momento, temos uma lei que já tem esta estrutura dos códigos dos classificadores.
Repare-se que a importância desta regra se prende, mais uma vez, com as funções que cumpre.
Aqui, as funções são principalmente a 2ª – função de limitar as despesas – e a 3ª – função de
expor o plano financeiro. Não se consegue limitar as despesas se não especificar as despesas.
Enquanto as receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento
(portanto, por dois classificadores), as despesas são especificadas em programas, fontes de
financiamento e classificadores orgânico, funcional e económico. Então, há uma maior
necessidade de especificação das despesas, exatamente para as poder limitar.
Repare-se que a mesma despesa entra, assim, em diferentes mapas e, consoante o mapa (o
classificador), ela entra num outro classificador. Quando se fala, por exemplo, em classificadores
orgânicos, está-se a falar de órgãos. Uma despesa pessoal como, por exemplo, os salários, entra
em diferentes classificadores orgânicos, mas há um outro classificador.

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Existe uma diferença entre uma despesa pessoal e, por exemplo, uma despesa de reconstrução de
um imóvel – entende-se que uma despesa pessoal é uma despesa em bens consumíveis, enquanto
os imóveis são entendidos como uma despesa de investimento/capital. Logo, será classificado de
diferente forma.
Os critérios de repartição de despesas fazem com que, em diferentes mapas, se encontrem as
despesas representadas, eventualmente, de outra forma. Depois, ter-se-á um mapa em que não se
classifica por fonte orgânica, mas sim, por exemplo, por classificador funcional ou classificador
económico. Divide-se apenas entre bens consumíveis e investimento público (e, portanto,
despesa de capital).
A regra é a de que as despesas têm de ser especificadas. Imagine-se que se inscrevia "Ministério
da Saúde – investimento de capital: 200 milhões de €". Isto, por si só, não cumpre a regra da
especificação, uma vez que tem de se dizer em que vai ser gasto esse montante, exatamente
porque, se não se disser, não se está a cumprir nem a regra de especificação do plano nem os
limites. Tem-se, pois, de detalhar (e não apenas distinguir entre bens consumíveis e duradouros).
O limite do detalhe deve ser a operacionalidade, depois, em termos práticos da execução do
orçamento. Imagine-se que, nos salários, se ia ao detalhe por categorias profissionais – isto
queria dizer que, depois, na execução, não se tinha a mínima hipótese de contratar uma outra
categoria, se assim o quisesse (mesmo até com dinheiro a mais).
O Dr. Teixeira Ribeiro dá o exemplo do material de escritório (bens consumíveis). Imagine-se
que, numa repartição pública, se inscreve uma verba para canetas, lápis, borrachas e tinteiros. Os
orçamentos são construídos a partir do histórico, pois é impossível fazer um orçamento de base
0. A verdade é que os hábitos se vão alterando e, assim sendo, percebe-se que, numa qualquer
repartição pública, provavelmente, o que era preciso para canetas, lápis, borrachas e tinteiros
altera-se.
Esta estrutura altera-se: hoje, caminha-se para a substituição da caligrafia por impressoras. Ora,
se a especificação for feita com este detalhe, pode chegar-se a outubro e já não se ter dinheiro
para tinteiros e ainda ter para canetas, lápis e canetas. Para evitar este tipo de situações, opta-se
pela utilização do conceito "bens consumíveis" (que inclui não só as canetas, lápis e borrachas,
mas também os tinteiros). Portanto, o critério de até onde deve ir esta especificação é o critério
da operacionalidade.
Da mesma forma, nas receitas tem também de haver classificação: classificador económico e
fonte de financiamento. Não se pode cobrar um imposto que não está previsto no Orçamento de
Estado. Já se sabe que o valor a cobrar não está limitado pelo valor previsto, mas o imposto e a
percentagem de imposto têm de lá estar previstos. Isto aplica-se a impostos, taxas, empréstimos e
dívida pública – exatamente por serem fonte de financiamento.
Em suma, têm-se despesas e receitas – todas elas com uma determinada classificação prevista no
artigo 17º. Uma despesa que não esteja especificada/tenha dotação, não pode ser realizada, tal
como uma receita que não esteja especificada/tenha dotação também não pode ser cobrada. Esta
regra faz com que, na Lei do Orçamento, tenham de constar os mapas. Aquilo que a AR aprova

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não é apenas a lei, mas também os mapas. Os mapas são, no fundo, a
discriminação/especificação das despesas e das receitas com estes classificadores todos.
Há uma exceção à especificação, presente no artigo 45º/nº11 da LEO, chamada dotação
provisional. Há uma dotação que é destinada "a fazer face a despesas imprevisíveis e inadiáveis"
– isto é, no fundo, uma válvula de segurança (artigo 45º/nº11). Esta dotação provisional foi, por
exemplo, utilizada em 2020. Houve necessidade, em 2020, enquanto não se aprovava a alteração
ao Orçamento, de lançar mão desta dotação provisional (por exemplo, para reforçar o Ministério
da Saúde).
3) Regra da não compensação (artigo 15º)
O artigo 15º da LEO estabelece, no nº1, que "todas as receitas são previstas pela importância
integral em que foram avaliadas, sem dedução alguma para encargos de cobrança ou de qualquer
outra natureza"; no nº2, que "a importância integral das receitas tributárias corresponde à
previsão dos montantes que, depois de abatidas as estimativas das receitas cessante sem virtude
de benefícios tributários e os montantes estimados para reembolsos e restituições, são
efetivamente cobrados"; e, no nº3, "todas as despesas são inscritas pela sua importância integral,
sem dedução de qualquer espécie, ressalvadas as seguintes exceções", estando enumeradas as
mesmas posteriormente.
Então, o número 1 e 2 dizem respeito à não compensação nas receitas. O disposto na primeira
parte do nº1 – "todas as receitas são previstas pela importância integral em que foram avaliadas"
– significa que, quando se prevê as receitas, não se abate a essas receitas os custos necessários
para as cobrar. A não compensação quer dizer que o orçamento é inscrito pelos valores brutos e
por isso se diz "não compensação" ou "orçamento bruto", por oposição a "orçamento líquido"
(valores líquidos).
A regra é a de que os valores têm de ser brutos e, por isso, não lhes pode ser deduzido nada. Para
se elaborar um orçamento com valores líquidos, nas receitas, seria necessário pensar-se da
seguinte forma: ® É necessário cobrar impostos e as receitas são os impostos; ® Para se cobrar
os impostos, tem-se uma "máquina": a Autoridade Tributária – que, para liquidar e cobrar, tem
custos. ® Logo, os impostos não correspondem a uma receita líquida, exatamente porque há
custos associados (esta ideia assemelha-se à ideia do balde furado). Pode colocar-se as receitas
no seu valor líquido, mas, contudo, o problema é que, assim sendo, estarse-ia a pôr despesas que
não iam a despesas porque estão a ser abatidas nas receitas.
O orçamento bruto do lado das despesas significa que se inscreve a despesa na sua totalidade.
Não se abate nenhum tipo de receita que seja associada àquela despesa.
O Dr. Teixeira Ribeiro dá o exemplo de uma obra. Imagine-se um edifício público que tem uma
obra, sendo que, daquela obra, saem materiais que são vendidos. Há, portanto, uma receita que
não deve ser abatida à despesa. Por exemplo, a autoestrada A1, quando foi feita, passou numa
zona de Pombal com muitas matérias-primas. Então, fazer a A1 naquela zona originou uma
determinada receita. As receitas que daí provieram são receitas que o Estado não teria se não
fosse fazer a A1.

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Ora, tem-se duas hipóteses, supondo que a A1 custa 100 e que a receita de vender essas
matériasprimas é 20: ® Pode inscrever-se 100 em despesas e 20 em receitas – orçamento bruto;
® Pode fazer-se a diferença: 100-20=80, inscrevendo-se apenas 80 – valor líquido.
A questão da não compensação é especialmente importante nas despesas. O orçamento líquido
não pode ser feito, uma vez que o valor líquido não permite limitar as despesas. No exemplo
anterior, 80 não permite limitar as despesas porque um valor líquido de 80 resulta de 100-20,
mas também resulta de 110-30 ou de 200-120. Um número líquido não permite limitar a despesa
e cumprir a função do orçamento e, por isso, a regra é a não compensação. Não se pode
compensar, sendo que tem de se inscrever os valores brutos.
Há, no entanto, algumas exceções, consagradas no artigo 15º/nº3. De acordo com as exceções do
nº3 – "a) as operações relativas a ativos financeiros; b) as operações de gestão da dívida pública
direta do Estado, que são inscritas nos respetivos programas orçamentais, nos seguintes termos"
– compreende-se que as exceções são exceções da gestão financeira.

Nos ativos financeiros e nas operações de gestão da dívida pública pode haver compensação –
são abatidas logo despesas às receitas. Isto assim está previsto nos seguintes moldes:
i) As despesas decorrentes de operações de derivados financeiros são deduzidas das
receitas obtidas com as mesmas operações, sendo o respetivo saldo sempre inscrito
como despesa;
ii) As receitas de juros resultantes de operações associadas à emissão de dívida pública
direta do Estado e ou à gestão da Tesouraria do Estado são abatidas às despesas da
mesma natureza;
iii) As receitas de juros resultantes das operações associadas à aplicação dos excedentes
de Tesouraria do Estado, assim como as associadas aos adiantamentos de tesouraria,
são abatidas às despesas com juros da dívida pública direta do Estado;
iv) As receitas de juros resultantes de operações activas da Direção-Geral do Tesouro e
Finanças são abatidas às despesas com juros da dívida pública directa do Estado".
Portanto, nos juros e nas despesas financeiras, pode abater-se e tem-se só despesas líquidas.
O nº4 do artigo 15º é um número específico para os fundos sob administração do Instituto de
Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social. A nossa Segurança Social funciona
segundo um sistema de capitalização. No fundo, tem-se uma carteira que é gerida por este
Instituto de Gestão que, por sua vez, é aquele que assegura os pagamentos da Segurança Social
futuros. Portanto, não se tem uma relação direta entre o que se paga e o que se recebe. Fala-se,
aqui, na questão da sustentabilidade da Segurança Social.
No sistema americano, por oposição, tem-se um sistema privado em que as pessoas vão
poupando para o seu próprio fundo de reforma. Ou seja, quem descontou menos, tem uma
reforma menor, ao passo que quem descontou mais terá uma reforma maior. A propósito das
eleições americanas, havia um comentador que dizia que os americanos (o "americano médio")

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tinham uma sensibilidade diferente para a importância dos mercados financeiros e das bolsas,
exatamente porque os fundos de pensões americanos estão dependentes da evolução da bolsa.
A qualidade da reforma de um “americano médio” está dependente desse fator: se as bolsas
"crasham", aquilo que ele andou a descontar – isto é, os seus fundos para a reforma – também sai
desvalorizado e, por isso, diz-se que os americanos têm uma sensibilidade diferente da dos
europeus para a importância dos mercados financeiros e das bolsas.
Para o europeu médio (pelo menos), a sua reforma não está dependente das bolsas nem dos
mercados financeiros. O sistema de reformas é diferente, então, do sistema dos EUA. Em
Portugal, há alguma correlação entre o que se desconta e o que se recebe, na medida em que há
algumas regras. Contudo, não se está, efetivamente, dependente do que se desconta para aquilo
que se vai receber (por exemplo, das bolsas).
Percebe-se, assim, a regra específica do nº4. No fundo, estes fundos do Instituto de Gestão dos
Fundos de Capitalização da Segurança Social representam o dinheiro que a Segurança Social tem
e que corresponde à almofada que a Segurança Social tem de ter.

4) Regra da não consignação (artigo 16º)


A última regra clássica – a regra da não consignação – está presente no nº1 do artigo 16º, que
estabelece que “não pode afetar-se o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas
despesas", sendo que, no número seguinte, se enumeram as exceções. A regra é a de que as
receitas servem todas para pagar todas as despesas – cumpre a relacionação das despesas com as
receitas.
Há algumas exceções, consoante o nº2 do artigo 16º, designadamente, "excetuam-se do disposto
no número anterior:
® a) As receitas de reprivatizações; ® b) As receitas relativas aos recursos próprios comunitários
tradicionais; ® c) As receitas afetas ao financiamento da segurança social e dos diferentes
sistemas e subsistemas, nos termos legais; ® d) As receitas que correspondam às transferências
provenientes da União Europeia e de organizações internacionais; ® e) As receitas provenientes
de subsídios, donativos e legados de particulares que, por vontade deles, devam ser afetados à
cobertura de determinadas despesas; ® f) As receitas que sejam, por razão especial, afetas a
determinadas despesas por expressa estatuirão legal ou contratual".
Então, tem-se uma série de exceções previstas e, depois, uma última exceção que é uma válvula
para outro tipo de receitas que sejam afetas a determinadas despesas.
"Consignar" significa reservar uma determinada receita para uma determinada despesa, sendo
que só se consignam receitas e não se consignam despesas.
Por exemplo, a propósito de "as receitas provenientes de subsídios, donativos e legados de
particulares, que, por vontade destes, devam ser afetados à cobertura de determinadas despesas",
é óbvio que, se se tem um particular que doou um determinado edifício para determinado fim, a

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receita desse edifício não pode ser para outro fim que não esse, justamente porque há ali uma
consignação por vontade do próprio particular que doou. Ou, por exemplo, se há um subsídio da
UE que tem determinada finalidade, não se pode contrariar essa finalidade. Portanto, há algumas
receitas que estão, por natureza, consignadas.
A alínea f) permite a consignação de determinadas receitas. Por exemplo, imagine-se que se
consigna as receitas de vendas de bilhetes da FDUC para abrir a realização de obras de
manutenção desses espaços – ou seja, em vez de as obras de manutenção do espaço serem feitas
em função da totalidade das despesas e das receitas, reservam-se as receitas da venda dos
bilhetes para as obras.

Ora, importa reparar que a consignação pode ser boa ou má para estas obras. Quando se consigna
receitas, está-se a dizer, por um lado, que aquela receita não pode ser para outro fim. Portanto,
reserva-se aquela receita para aquela despesa, sendo que, à partida, está-se a dar um peso àquela
despesa. No entanto, esse peso depende do grau de segurança daquela receita.

Ainda dentro do exemplo, imagine-se que, em 2020, as receitas de venda dos bilhetes baixaram
muitíssimo: no ano 2019 tinha sido 20 e em 2020 tinha sido 3. Deste modo, as obras que tinham
o montante de 20 inscrito apenas poderiam gastar 3 porque, ao realizar-se a consignação, depois,
na execução, estamos sujeitos ao chamado duplo cabimento.

Numa despesa normal, tem-se o cabimento, ou seja, tem de se estar abaixo do limite de despesa.
Quando se tem consignação de receitas, tem-se um duplo cabimento. O 1º cabimento é geral – se
se tiver 20 inscritos para a obra, não se pode gastar mais que 20 – e o 2º cabimento é o valor das
receitas efetivamente cobradas – se as receitas foram 3, só se pode gastar 3.
Então, no ano de 2020, foi mau consignar as receitas. Normalmente, até teria sido bom, porque
queria dizer que aquele dinheiro tinha que ir para aquelas obras. Contudo, neste exemplo, como
aquela receita foi muito abaixo do normal, a consignação foi má. O facto de a consignação ser
qualificada como boa ou má depende do grau de previsibilidade/certeza das receitas que são
consignadas.

6.6.2. Ultra regras de elaboração do Orçamento

Para além das regras clássicas de elaboração do Orçamento, a LEO tem outras regras/princípios
que, não sendo os clássicos, são chamados de ultras regras ou princípios. Repare-se que estes
artigos (e princípios) são mais gerais/difusos, daí se apelidarem de princípios e não de regras.

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1) A estabilidade orçamental (artigo 10º)

Segundo o nº2 do artigo 10º, "a estabilidade orçamental consiste numa situação de equilíbrio ou
excedente orçamental" e, segundo o nº3, "a concretização do princípio da estabilidade depende
do cumprimento das regras orçamentais numéricas estabelecidas no capítulo III do presente
título, sem prejuízo das regras previstas nas leis de financiamento regional e local”.

Este princípio significa que os orçamentos têm de ser construídos com uma situação de equilíbrio
ou excedente. Repare-se que os orçamentos estão, em regra e por definição, equilibrados.
Ninguém faz um orçamento desequilibrado. A questão, portanto, não está em orçamentos
desequilibrados, mas em como se podem equilibrar os orçamentos – esta é a grande questão.

Este artigo 10º é importante, principalmente aquando do estudo de normas relativas ao conceito
de equilíbrio atualmente vigente em Portugal – fala-se nos défices (qual é o défice permitido).
Reparese que, quando se afirma que um orçamento tem de cumprir o máximo do défice, não quer
dizer que as despesas sejam superiores às receitas, mas sim que foi financiado de uma
determinada forma com determinado limite. A questão é sempre "como se pode financiar para
equilibrar?".

O artigo 10º, em si, não diz nada de especial. Salienta-se apenas o nº2 que, seguidamente, remete
para as normas posteriores para definir o que é o equilíbrio ou excedente orçamental.

2) Sustentabilidade das Finanças Públicas (artigo 11º)

Segundo o nº2 do artigo 11º, "entende-se por sustentabilidade a capacidade de financiar todos os
compromissos, assumidos ou a assumir, com respeito pela regra de saldo orçamental estrutural e
da dívida pública, conforme estabelecido na presente lei".

Isto significa que a questão da sustentabilidade remete para a necessidade da estabilidade


orçamental numa perspetiva temporal mais alargada. A questão não é apenas ter-se o orçamento
deste ano equilibrado, mas também é garantir que os orçamentos futuros podem estar
equilibrados. Não se pode pôr em causa o equilíbrio dos orçamentos futuros e, portanto, a
sustentabilidade tem a ver com essa capacidade de continuar a cumprir orçamentos e equilíbrios.

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A sustentabilidade pode estar comprometida devido, por exemplo, ao problema da
desorçamentação que, por sua vez, pode ocorrer por se propor despesas e receitas a entidades
fora do perímetro orçamental ou por determinadas formas de investimentos públicos.

As chamadas parcerias público-privadas, por exemplo, podem ser uma forma de


desorçamentação. Isto explica-se até com o exemplo de criação de uma autoestrada, sendo que
não se pretende colocar nas despesas o custo da autoestrada e, portanto, faz-se uma parceria
público-privada em que se contrata com um privado que ele fará a autoestrada e suportar os
custos da autoestrada (portanto, esses custos não entram no Orçamento de Estado).
No entanto, depois, compensar-se-á o privado, pagando-lhe a diferença entre o tráfego que
esteve, de facto, na autoestrada e o tráfego que seria necessário, por exemplo, para aquele
investimento ser rentável. Imagine-se que se está a fazer uma autoestrada e aquele projeto não dá
lucro (o que acontece muito no interior). Ora, o Estado compensa os particulares nesse caso e
tem de lhes pagar anualmente um determinando montante.

No fundo, esta compensação faz com que o projeto dê lucro. Isto significa que se tirou um
investimento inicial – o custo da autoestrada –, mas assumiu-se custos futuros que são muito
superiores ao custo da autoestrada (custo da autoestrada + lucro que o privado tem de ter +
juros).

Portanto, de uma certa forma, está-se a desorçamentar, porque se “atira” para o futuro. Este tipo
de financiamento de investimentos pode pôr em causa a sustentabilidade das Finanças Públicas
porque se está a onerar orçamentos futuros para conseguir garantir a sustentabilidade e equilíbrio
deste orçamento.

3) Solidariedade recíproca (artigo 12º)

Segundo o nº1 do artigo 12º, "a preparação, a aprovação e a execução dos orçamentos dos
subsetores que compõem o setor das administrações públicas estão sujeitas ao princípio da
solidariedade recíproca". Assim sendo, obriga-se todos os subsetores a contribuir
proporcionalmente para a realização da estabilidade orçamental, referida no artigo 10º.

Os diferentes orçamentos dos subsetores da administração pública estão também sujeitos à regra
da estabilidade. Não se deve ter setores muito deficitários que não cumpram as regras,
nomeadamente, da UE. O Orçamento geral do Estado é, no fundo, a consolidação de uma série

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de orçamentos. O que se faz é aplicar a cada um desses orçamentos (os orçamentos dos
subsetores) as regras do artigo 10º – as regras do equilíbrio orçamental.

4) Equidade intergeracional (artigo 13º)

Este princípio está muito relacionado com o princípio da sustentabilidade das Finanças Públicas.
A equidade intergeracional quer dizer que não se deve sobrecarregar as gerações futuras com
gastos que sejam relativos a bens ou serviços que o Estado proporciona às gerações presentes.
Por exemplo, se se fizer uma ponte, a lógica a de que as gerações que usufruem dessa ponte
devem ser aquelas a pagar a ponte.

Não se pode postecipar os custos, fazendo com que seja a próxima geração a pagar os
investimentos que foram feitos na geração anterior e que resultaram em vantagens para esta. Isto
não significa que a próxima não tenha que pagar, até porque vai chegar a utilizar a ponte – só não
o poderá fazer de forma desproporcional.

O pagamento desses investimentos deve ser feito numa base plurianual. Quer o princípio da
sustentabilidade das FP quer o princípio da equidade intergeracional implicam esta questão do
quadro plurianual.

A verdade é que já se tem alguma relação na questão da plurianualidade, mas esta é a que está
mais atrasada. Tem-se alguns quadros plurianuais, mas ainda são muito vagos. Também é
verdade que o legislador ainda não afirmou a sua obrigatoriedade, sendo que ainda não há
condições na Administração para o fazer.

No entanto, obviamente, a lógica impõe e todos estes princípios revelam a importância da


consagração de quadros plurianuais, especialmente para despesas de investimento. Não se aplica
tanto a despesas de bens de consumo, porque costumam ser sempre as mesmas. A questão é
como, quando e quem é que paga os grandes investimentos.

Obviamente que o artigo 13º tem um discurso vago, até porque não pode ser de outra forma.
Segundo este, a equidade intergeracional quer dizer que a atividade financeira deve garantir a
equidade de benefícios e custos entre gerações. No fundo, traduz-se na ideia de que quem usufrui
dos serviços ou dos bens que o Estado proporciona deve acarretar e pagar os custos (pelo menos,
a parte proporcional dos mesmos), salvaguardando as suas legítimas expectativas através de uma

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distribuição equilibrada dos custos pelos vários orçamentos num quadro plurianual (artigo
13º/nº1).

Segundo o disposto no nº3 do artigo 13º, "a verificação do cumprimento da equidade


intergeracional implica a apreciação da incidência orçamental das seguintes matérias:

® a) Dos investimentos públicos; ® b) Do investimento em capacitação humana, cofinanciado


pelo Estado; ® c) Dos encargos com os passivos financeiros; ® d) Das necessidades de
financiamento das entidades do setor empresarial do Estado; ® e) Dos compromissos
orçamentais e das responsabilidades contingentes; ® f) Dos encargos explícitos e implícitos em
parcerias público-privadas, concessões e demais compromissos financeiros de caráter plurianual;
® g) Das pensões de velhice, aposentação, invalidez ou outras com características similares; ®
h) Da receita e da despesa fiscal, nomeadamente aquela que resulte da concessão de benefícios
tributários".

Estas são matérias/pontos sobre os quais há especial atenção, com vista a salvaguarda da
equidade intergeracional. Por exemplo, é o caso da alínea g) – a preocupação com a
sustentabilidade da Segurança Social ou da alínea h) – os benefícios fiscais atribuídos a esta
geração devem ser pagamentos também para esta geração (os resultados devem ser para esta
geração).

5) Anualidade e plurianualidade (artigo 14º)


É uma regra geral que todos os orçamentos são anuais (nº1). A questão da plurianualidade – que
é as Leis das Grandes Opções em matéria de Planeamento e da Programação Orçamental –
Plurianual será alvo de estudo posteriormente.
6) Transparência orçamental (artigo 19º)
Segundo o nº2 do artigo 19º, "a transparência orçamental implica a disponibilização de
informação sobre a implementação e a execução dos programas, objetivos da política
orçamental, orçamentos e contas do setor das administrações públicas, por subsetor".
O princípio da transparência orçamental consiste no facto de o orçamento ter de ser conhecido,
de todos os mapas terem de ser públicos, de ter de haver controlo sobre a execução e de ter de
haver transparência na execução do orçamento e na conta geral do Estado (que é a efetivação do
orçamento).
7) Economia, eficiência e eficácia (artigo 18º)
O princípio da economia, eficiência e eficácia é mais um princípio ou uma ideia geral, sendo
chamado de Três E's.

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O legislador esclareceu o conceito de "economia, eficiência e eficácia", no artigo 18º/nº2/alínea
a), consistindo a economia na "utilização do mínimo de recursos que assegurem os adequados
padrões de qualidade do serviço público", ou seja, na utilização do mínimo de recursos possível;
a eficiência na "promoção do acréscimo de produtividade pelo alcance de resultados semelhantes
com menor despesa", ou seja, na relação entre a despesa e os resultados que se conseguem; e a
eficácia na "utilização dos recursos mais adequados para atingir o resultado que se pretende
alcançar".
Esta é lógica: tem de se gastar o mínimo possível, garantindo um determinado padrão de
qualidade do serviço público (economia); depois, tem de se garantir que se gasta o mínimo
possível para a melhor qualidade possível (eficiência – um critério de mensuração difícil); e,
depois, tem-se a questão da eficácia em que tem de se medir a eficácia das políticas (que têm de
ser eficazes, ou seja, aptas a atingir os objetivos que se propõem).
Este princípio geral da economia, eficiência e eficácia está na base de muitas polémicas e alguma
controvérsia, nomeadamente, a questão do Tribunal de Contas. O Tribunal de Contas é
responsável pelo controlo jurisdicional do orçamento e fá-lo de várias formas.
Uma dessas formas é o controlo preventivo, por exemplo, relativo à contratação pública, em que
é preciso ir ao chamado visto prévio. Muitos contratos necessitam de um visto prévio do
Tribunal de Contas. No fundo, o Tribunal de Contas precisa de os "aprovar", em função dos
critérios de legalidade financeira – segundo o que diz a lei.

A questão é: o que é a legalidade financeira? A legalidade financeira são os princípios da


legalidade financeira, nomeadamente, o princípio que está na LEO da economia, eficiência e
eficácia. O que o Tribunal de Contas faz, por vezes, quando aprecia determinados contratos ou
procedimentos para contratação pública, é apreciar a realização destes princípios de economia,
eficiência e eficácia nesse contrato.
O que se pergunta é: será a forma mais barata para conseguir (economia), haveria uma forma
mais barata para conseguir os mesmos resultados (eficiência) e será que cumpre os objetivos de
eficácia (eficácia)? Ao fazer estas perguntas, o Tribunal está a perguntar-se sobre o mérito
daquela decisão de contratar.
Um exemplo será o de a FDUC ter um projeto de fazer uma biblioteca que, se avançar, vai a
visto do Tribunal de Contas que, por sua vez, questionará se não se podia gastar menos dinheiro
para fazer uma biblioteca igualmente boa (economia), se não se conseguia garantir a mesma
qualidade ao, em vez de fazer uma nova, aproveitando um espaço já existente (eficiência) e se
compensa o objetivo face ao valor do investimento (eficácia). Repare-se, então, em como o
Tribunal está a questionar uma decisão de administração.
Muitas vezes, as decisões administrativas baseiam-se em opções políticas e, portanto, esta é uma
linha muito difícil/ténue. O Tribunal de Contas não se deve afastar destas decisões, dado que, de
facto, os princípios de economia, eficiência e eficácia são princípios de legalidade financeira.

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Importa saber qual é a linha que separa a legalidade financeira da discricionariedade que
compete até aos órgãos democraticamente eleitos que, portanto, têm legitimidade democrática.
As regras têm implicações na execução orçamental, tendo importância dentro da máquina do
aparelho do setor do Estado, mas, depois, dos outros princípios, aquele que acaba por ter, hoje,
importância maior é este, exatamente porque o Tribunal de Contas lhe atribui uma importância
enorme.
Por exemplo, quando o Tribunal de Contas vem dizer que a Câmara de Lisboa fez mal em ter
vendido uns imóveis abaixo do preço do mercado, está a invocar a economia, eficiência e
eficácia. Está a dizer que a Câmara, quando vende imóveis, está sujeita à economia, eficiência e
eficácia – isto é, está obrigada a conseguir o máximo possível. Houve uma grande polémica em
torno de como se afere isto, no ano passado, relativamente – não a um visto prévio (compra) – a
uma auditoria (o Tribunal de Contas também faz auditorias) à Câmara de Lisboa, em que o
Tribunal foi particularmente crítico dessa tal operação de venda de imóveis.
De facto, estes princípios são gerais, enquanto as regras são de mais fácil verificação. Contudo,
este princípio do artigo 18º é um princípio geral, mas assume importância, na prática, hoje, em
Portugal – também muito devido à orientação e à postura que o Tribunal de Contas tem
assumido.
4.7. O equilíbrio orçamental
4.7.1. Equilíbrio em sentido formal: noção e importância

Recorda-se que todos os orçamentos estão equilibrados e que a questão é como se equilibra o
orçamento. A propósito do orçamento, mencionou-se que uma família também pode fazer um
orçamento. Imagine-se que uma família vai fazer o orçamento do ano para 2021 e chega à
conclusão de que precisa de trocar de carro. Trocar de carro é um investimento grande para um
ano, sendo que a família estima que o carro novo custará, em termos líquidos, até 30 mil € (a
família pode calcular em termos líquidos, uma vez que compram um e entregam outro).
A questão é como vai a família financiar o carro novo, sendo que tem várias hipóteses:
1) Imaginando que a família tem 40 mil € no banco, ela pode investir esse dinheiro no carro.
2) Imagine-se que a família não tem dinheiro no banco, mas tem um terreno/pinhal. Imaginando-
se que até têm interessados na compra do mesmo, vendem o terreno que vale 30 mil € e financia-
se, assim, este investimento com a venda do terreno.
3) Imagine-se, ainda dentro do panorama do terreno, que este não vale 30 mil €, mas metade.
Concebe-se a hipótese de vender o terreno por 15 mil € e ainda pedir emprestado o restante, por
exemplo, a um familiar.
4) Em vez de pedir o empréstimo a um familiar, pedir ao banco. No caso de pedir ao banco 15
mil €, para depois lhe pagar, ter-se-á de analisar qual vai ser a prestação que se vai ficar a pagar

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ao banco. A família terá de incorporar no seu orçamento futuro a prestação que ficará a pagar ao
banco, porque terá de ser capaz de a pagar.
Portanto, há várias formas de equilibrar um orçamento familiar – mais uma vez, os orçamentos
estão sempre equilibrados e a questão é como se equilibra o orçamento. Uma empresa é igual à
família, na medida em que, se fizer um investimento – e, portanto, tenha despesas grandes com o
mesmo) – convém que antes veja como o vai pagar.
Por exemplo, a empresa pode ter um dinheiro no banco que, entretanto, fez reservas (sendo que
uma parte é do banco). Pode (também) concorrer a programas de apoio às empresas 2020 e 60%
vir com garantias a custo 0 e, depois, relativamente aos outros 40%, pode fazer um empréstimo
bancário (de uma pequena parte) OU pode vender determinados ativos.
No Orçamento de Estado, a questão do equilíbrio é também a de saber como é que, agora, o
Governo (no caso português) pode equilibrar os orçamentos. Obviamente que já são conhecidas
duas formas de equilibrar os orçamentos: diminuir as despesas ou aumentar as receitas. Em
alternativa, ainda se pode fazer ambos, ou seja, diminuir-se uma parte das despesas e aumentar-
se uma parte das receitas.
Quando a TROIKA esteve em Portugal, havia necessidade de fazer o reequilíbrio orçamental.
Portanto, houve um esforço enorme de reequilíbrio orçamental, dado os altíssimos défices. Uma
das normas que se cumpriu foi precisamente a do défice. O défice está diretamente relacionado
com o equilíbrio orçamental e acresce que uma das grandes orientações da TROIKA (das três
instituições que vinham) era que o equilíbrio orçamental deve ser feito pelo lado das despesas e
não das receitas. A orientação era a de equilibrar o orçamento diminuindo despesas.

No entanto, esta não é necessariamente a solução. A solução pode ser o aumento das receitas.
Para se compreender como este aumento é possível de se concretizar, importar distinguir dois
grandes tipos de receitas: ® Receitas do Estado (impostos, taxas e receitas patrimoniais); ®
Empréstimos.
4.7.2. Equilíbrio em sentido material
A grande questão que se coloca a propósito do equilíbrio orçamental é a de saber qual é o limite
para o financiamento por empréstimos – ou, por outras palavras, qual é o limite para a evolução
da dívida pública, uma vez que o problema dos empréstimos é que, ao contraí-los, aumenta a
dívida pública. A resposta a esta questão é uma resposta que implica que se tenha presente estes
princípios "mais modernos", nomeadamente, da sustentabilidade e da equidade intergeracional.
Isto explica-se porque, quando se recorre a empréstimos, afirma-se receber o dinheiro para pagar
o défice que se tem no momento (as despesas), mas quem vai pagar esse dinheiro serão as
gerações futuras. Portanto, a questão dos empréstimos e da dívida pública é uma questão com
implicações ao nível dos princípios, nomeadamente, ao nível do princípio da sustentabilidade e
do princípio da equidade intergeracional.

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Analisar-se-á os vários critérios para definir como é que os Governos podem equilibrar os
orçamentos, até em termos históricos. Estes critérios são sempre formas diferentes de responder
à questão "quando é que se pode pedir dinheiro emprestado para equilibrar o orçamento?".
Para os liberais, a resposta era nunca, uma vez que defendiam o chamado equilíbrio do
orçamento efetivo/global. Tinham uma visão patrimonial, segundo a qual as despesas efetivas
são todas as despesas que envolvem a diminuição do património do Estado e as receitas efetivas
são todas que aumentam o património do Estado. Ademais, ainda diziam que as despesas efetivas
têm de estar equilibradas com as receitas efetivas.
Repare-se que, quando se utiliza critérios, está-se sempre a desdobrar do orçamento. Ora, se se
afirma que existe o critério do orçamento efetivo, quer dizer que há um orçamento efetivo e um
orçamento não efetivo. Há despesas e receitas que entram no efetivo e há despesas e receitas que
entram no não efetivo, sendo que o que se exige é que o efetivo esteja equilibrado.
Da mesma forma se se utilizar o orçamento ordinário: ter-se-á o orçamento ordinário e o
orçamento extraordinário, sendo que o que se exige é que o ordinário esteja equilibrado. Se, por
sua vez, se tratar do orçamento corrente, ter-se-á o orçamento corrente e o orçamento capital,
sendo que o que se exigirá é que o orçamento corrente esteja equilibrado. Sempre que se fala em
critérios de equilíbrio orçamental, faz-se uma separação em função do(s) mesmo(s).
O primeiro e mais exigente critério é o do orçamento efetivo, porque diz que o orçamento efetivo
tem de estar equilibrado – o que quer dizer que as despesas efetivas têm de ser iguais às receitas
efetivas (as receitas têm de ser suficientes para pagar as despesas).
As receitas efetivas são aquelas que aumentam o património do Estado e, portanto, são receitas
patrimoniais do Estado (Estado como proprietário) os impostos e as taxas. Por seu turno, as
receitas não efetivas são as que não aumentam o património do Estado, sendo elas os
empréstimos – porque se contrai um empréstimo e se recebe dinheiro, mas assume-se uma dívida
e, portanto, em termos patrimoniais, fica-se igual.
Assim sendo, tiram-se do orçamento efetivo os empréstimos. Os empréstimos, sendo que são
receitas não efetivas, só podem pagar despesas não efetivas. Os clássicos diziam que, como o
Estado era um puro consumidor, todas as despesas do Estado são despesas efetivas e implicam
uma diminuição do património. As únicas despesas que não implicam a diminuição do
património são os reembolsos dos empréstimos (única exceção).
No fundo, só se pode contrair empréstimos para pagar reembolsos de empréstimos. Não se pode
equilibrar o orçamento recorrendo a empréstimos e é por isso que se diz que este “critério dos
clássicos” é o critério mais exigente.
De facto, este critério é um critério com lógica, mas é um critério talvez um pouco exagerado.
Repare-se na questão dos investimentos públicos, por exemplo. No caso de se construir uma
ponte num ano, ter-se-á de pagar a ponte com receitas desse ano – o que significa que não se
pode recorrer a empréstimos para fazer uma ponte que é um investimento que vai ficar a ser
utilizado. Tem de se pagar esse investimento com recurso a receitas do ano (impostos ou taxas).

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Isto limita enormemente a capacidade de investimento por parte do Estado. Ora, em termos de
impacto financeiro e de necessidade até de adequação à financeira, é a mesma coisa a despesa da
ponte ou a despesa da festa de inauguração da ponte? Não, porque, no dia seguinte, a ponte
permanece lá e continua a servir os seus utilizadores, enquanto a festa de inauguração da ponte
desaparece (é um bem consumível). Trata-se da diferença entre uma despesa de consumo e uma
despesa de capital.
Percebe-se, então, que a exigência do critério dos clássicos é devida à exigência do lado das
despesas – todas as despesas públicas são despesas efetivas. Será que as despesas são todas
iguais, não havendo qualquer diferenciação? Não deveríamos diferenciar, por exemplo, entre
despesas de capital e despesas de consumo? Estas questões levaram ao surgimento e a que se
tivesse avançado com outro tipo de critérios – para o equilíbrio orçamental – menos exigentes do
que o do saldo efetivo e que têm em conta perspetivas que se entende que devem ser aceites.
O critério que deve ser utilizado é aquele que melhor coincidir com aquilo que se pretende
controlar. O critério atualmente vigente em Portugal é o critério da última parte.

7.3. Critérios da estabilidade ou equilíbrio orçamental

No âmbito da estabilidade, abordar-se-á os critérios da estabilidade/do equilíbrio orçamental,


nomeadamente, quais são os vários critérios existentes e o que significa a escolha de cada um
deles.

A propósito dos critérios, importa saber as implicações jurídico-económicas (mas,


principalmente, económicas) da escolha de cada um deles. Chama-se à atenção para a
importância, nesta matéria, do Dr. Teixeira Ribeiro, no qual está mais desenvolvido o relevo
económico de cada um dos critérios.

Recordando o que já foi dito em relação aos orçamentos, todos os orçamentos estão equilibrados.
Não tem sentido um orçamento ser feito desequilibrado. Se uma família faz um orçamento anual
para o próximo ano, não o fará com mais despesas do que receitas. Se se faz o orçamento e se
chega à conclusão de que se tem mais despesas do que receitas, tem de se refazer o orçamento
diminuindo as despesas e/ou aumentando receitas a fim de ter o orçamento equilibrado. Portanto,
ninguém faz orçamentos desequilibrados.

Aquilo que se fala relativamente aos critérios de equilíbrio/das exigências de equilíbrio não é de
um equilíbrio material, mas do critério – de como se equilibram os orçamentos. A questão é
exatamente saber como equilibrar os orçamentos, nomeadamente, como é que o Governo pode
equilibrar o Orçamento.

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Não é indiferente a forma como se equilibra o orçamento do lado das receitas, porque depende
de como se resolve o problema. No caso do empréstimo, resolve-se o problema no ano em
questão, agravando-se para o seguinte. Cria-se um problema maior para o ano seguinte, apesar de
o orçamento do ano em questão estar equilibrado – mesmo que os futuros não sejam certos
quanto a isso. Esta é a mesma perspetiva do Orçamento de Estado, pois nenhum Orçamento que
não esteja equilibrado é aprovado na AR, como é lógico. As despesas têm sempre de ser iguais
às receitas.
Deve ter-se sempre presente que o problema, no Estado, está, tal como nas famílias e nas
empresas, nos empréstimos. Quando se fala em Orçamentos de Estado em equilíbrio, a questão
resume-se sempre naquilo que os empréstimos podem cobrir/pagar. São vários os critérios a
responder de forma diferente a esta pergunta e, assim sendo, têm implicações económicas
diferentes.
1) Critério do orçamento efetivo ou equilíbrio global
O critério do orçamento efetivo ou equilíbrio global é o critério de equilíbrio mais clássico e
mais rigoroso/menos flexível. Quando se fala em equilíbrio, subdivide-se sempre o orçamento
global em dois. Fazem-se dois orçamentos em todos os critérios. No caso deste critério, tem-se
um orçamento efetivo e um orçamento não efetivo, sendo que o que se exige é que o orçamento
efetivo seja equilibrado. Do lado do orçamento efetivo, tem-se despesas e receitas efetivas e, do
lado do orçamento não efetivo, tem-se despesas e receitas não efetivas.
Este conceito é o conceito de equilíbrio dos clássicos liberais que defendiam o Estado mínimo –
daí falar-se de um conceito de equilíbrio muito rigoroso e pouco flexível. Para estes autores e
dado que o Estado era um mero consumidor, todas as despesas do Estado eram despesas efetivas.

O critério para definir despesas e receitas efetivas e despesas e receitas não efetivas era que: ®
As despesas efetivas são aquelas que diminuem o património do Estado; ® As receitas efetivas
são aquelas que aumentam o património do Estado; ® As despesas não efetivas são as que não
diminuem o património do Estado; ® As receitas não efetivas são as que não aumentam o
património do Estado.
Estes autores têm, portanto, uma visão patrimonial. Têm-se todas as despesas como despesas
efetivas porque se entendia que o Estado era um mero consumidor. Por sua vez, as receitas
efetivas são os impostos, taxas e receitas patrimoniais. Portanto, importa saber quais são as
(receitas e despesas) não efetivas (as mais fáceis de averiguar, porque são muito poucas), porque
o restante é tudo efetivo.
As despesas não efetivas são reembolsos de empréstimos, porque, ao reembolsar-se um
empréstimo, faz-se uma despesa, mas diminui-se uma dívida que se tem – não se diminuindo o
património do Estado. Por seu turno, as receitas não efetivas são os empréstimos, porque, ao
contrair-se um empréstimo, recebe-se dinheiro, mas contrai-se uma dívida – não se aumentando
o património do Estado.

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Logo, no orçamento não efetivo só se tem empréstimos, do lado das receitas, e reembolso de
empréstimos, do lado das despesas. Tudo o resto está no orçamento efetivo. Exigir o equilíbrio
do orçamento efetivo implica exigir que o Estado financie todas as suas despesas através de
impostos, taxas e receitas patrimoniais. Ou seja, o Estado não podia contrair empréstimos para
pagar nada que não fosse reembolso de empréstimos.
Esta perspetiva corresponde àquilo que estes autores clássicos designavam de chamada
neutralidade das Finanças Públicas. As Finanças Públicas são neutras relativamente à Economia,
porque os impostos substituem consumo dos privados. Como estes autores viam o Estado como
um mero consumidor, diz-se que o consumo público substituía o consumo privado.
Contudo, para isto, era preciso, além de o orçamento efetivo estar equilibrado, o orçamento ser
pequeno – quer dizer, as despesas públicas não podiam ser muito altas, dado que estes autores
perceberam que esta premissa de que os impostos substituem consumo vale até um determinado
nível de impostos e que, acima desse nível (de impostos), os impostos começam a substituir
aforro.
Ora, o aforro, nos particulares e nas empresas, é o que vai dar origem ao investimento. Se os
impostos são muito altos, então, já não só estão a substituir consumo, como passam também a
substituir aforro (e, consequentemente, investimento) e, aí, já não há neutralidade das Finanças
Públicas. Daí que estes autores afirmassem que os orçamentos tivessem de ser baixos.
Então, as despesas públicas, além de serem todas pagas por impostos, não podem ser muito altas
porque, se forem, para conseguir pagar essas despesas muito altas, as taxas de impostos têm de ir
para níveis nos quais já não só estão a substituir consumo, mas também investimento. Por isso se
diz que, para garantir a neutralidade, além de o orçamento efetivo ter de estar equilibrado, o
orçamento tem de ser pequeno para os níveis de impostos serem baixos.

O problema de um défice do orçamento efetivo (défice do orçamento efetivo = as despesas


efetivas são superiores às receitas efetivas) prende-se com o facto de que, uma vez que o
orçamento global tem de estar sempre equilibrado, se há um défice do orçamento efetivo, tem de
haver um superávite no orçamento não efetivo.
Por exemplo, imagine-se que se tem um défice de 20 no orçamento efetivo. Se o orçamento
global está equilibrado, quer dizer que se tem de ter um superávite no orçamento não efetivo, ou
seja, têm de se contrair empréstimos para pagar algumas despesas. O significado do défice no
orçamento efetivo é que esse défice vai ser pago com empréstimos.
Os empréstimos podem ser pagos de uma de duas formas: a emissão de moeda e a colocação de
empréstimos nos mercados. Contudo, qualquer uma delas tem efeitos muito negativos para estes
autores.
Em primeiro lugar, os empréstimos podem ser pagos através da emissão de moeda. Um Estado
que tenha política monetária e controlo sobre a quantidade de moeda que emite pode fazer

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empréstimos junto do seu Banco Central. O Banco Central emite moeda e, com essa emissão de
moeda nova, empresta dinheiro ao Estado. Esta é uma possibilidade, sendo que houve e há
Estados a fazer isto. Não é o caso de Portugal, porque não tem política monetária.
O último evento conhecido deste tipo de política foi nos EUA, aquando da Guerra do Vietname,
sendo que tinham o sistema de Bretton Woods em que, para garantir alguma estabilidade cambial
das diferentes moedas, os EUA asseguravam uma determinada paridade com o ouro e, depois,
todas as outras moedas asseguravam uma determinada paridade com os Estados Unidos.
Portanto, o dólar servia de referência no comércio internacional.
Isto implicava que o Banco Central Americano (a reserva americana) não podia emitir os dólares
que queria, porque tinha de assegurar essa paridade com o ouro. Entretanto, com a Guerra do
Vietname, decorre um aumento de despesa pública (como em qualquer guerra) e os EUA não
tinham outra forma de financiar a guerra senão emitir moeda. Os EUA declararam, então, que
iam deixar de cumprir Bretton Woods, uma vez que tinham despesas que tinham de ser pagas e a
única forma que tinham para o fazer era através da emissão da moeda.
A consequência de pagar o défice com empréstimos junto do Banco Central – isto é, através da
emissão da moeda – é o aumento da quantidade da moeda em circulação, sendo que esse
aumento tem como consequência a inflação.
Para além da emissão de moeda, há outra hipótese – já que, por exemplo, em Portugal, não se
emite moeda e quem o faz é o Banco Central Europeu, uma vez que Portugal não tem política
monetária. Neste caso, para pagar o seu défice efetivo, Portugal fá-lo através de empréstimos que
vão ser colocados nos mercados. Quer dizer que, se o Estado vai aos mercados, ele está a
concorrer com os privados para a obtenção de fundos.

Isto assim é porque, nos mercados, estão o Estado (que precisa de dinheiro) e as empresas (que
também precisam de dinheiro), daí a haver concorrência entre eles. Portanto, os empréstimos ao
Estado traduzem-se em dinheiro que é canalizado da Economia para o Estado e que vai ser gasto
em despesa efetiva (em consumo), sendo que não vai para os privados que o iriam gastar em
investimento.
Em suma, estes autores concluíram que um défice do orçamento efetivo tinha como
consequência a inflação – se for pago através da emissão de moeda nova – ou a diminuição do
investimento – se for pago pelos empréstimos junto dos privados. Nesta segunda hipótese, fala-
se da teoria do crowding out que quer dizer que, no fundo, o Estado vai substituir os privados.
Este é um critério muito exigente, uma vez que, por ele, o orçamento efetivo tem de estar
equilibrado – isto é, o Estado não pode recorrer a empréstimos para pagar mais nada que não
sejam reembolsos de empréstimos – e tem de se ter um orçamento pequeno, porque, senão, os
impostos começam a substituir o investimento. É um critério, de facto, muito limitado.
Compreende-se, então, que alguns autores começassem a ver que este critério não tinha
exequibilidade, sobretudo a partir do momento em que se começa a ver o Estado a assumir novas

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funções e sendo certo não ser possível estas novas funções do Estado com um critério tão restrito
e tão pouco flexível. Nomeadamente, os autores começaram a ter a perspetiva de que “talvez
nem todas as despesas sejam iguais”.
Não se pode dizer que tem de se pagar todas as despesas com impostos. Se calhar, há alguns
tipos de despesas que, pelas suas caraterísticas, se justifica que possam ser pagas com
empréstimos. É a partir daqui que se começa a ter outros critérios de equilíbrio. Os outros
critérios de equilíbrio centram-se, sobretudo, em retirar algumas despesas ao conceito de
despesas efetivas e, assim, flexibilizar o equilíbrio exigido. Fala-se, em primeiro lugar, no
equilíbrio corrente.
2) Critério do equilíbrio corrente
No equilíbrio corrente, há dois orçamentos: o orçamento corrente e o orçamento de capital. Aqui,
a lógica é diferente, sendo que se pega naquela ideia dos clássicos de o consumo e do
investimento serem diferentes, de não se poder substituir investimento por consumo e de olhar
para as despesas e questionar se todas são consumo.
Então, a ideia é a de que o orçamento corrente é o "orçamento de consumo", enquanto o
orçamento de capital é o "orçamento de investimento". Tem-se, portanto, receitas e despesas
correntes.
As despesas correntes são aquelas feitas em bens de consumo, quer diretamente quer
indiretamente pelo Estado. Por exemplo, os salários da função pública são despesas correntes,
porque o Estado paga o salário aos seus trabalhadores e, posteriormente, os seus trabalhadores
vão gastar esse dinheiro em consumo – são despesas de consumo, embora indiretamente. Por seu
turno, as receitas correntes são aquelas que substituem o consumo, sendo, grosso modo, os
impostos e as taxas.

Portanto, no orçamento corrente, de um lado tem-se despesas de consumo e, do outro, receitas


que substituem o consumo. Isto significa que o consumo total não é alterado, porque o consumo
público substitui o consumo privado.
Por sua vez, o orçamento de capital tem, do lado das receitas, as receitas de capital, que são
receitas que vêm do aforro e, portanto, são receitas que substituem investimento. As despesas de
capital têm de ser as receitas do Estado em investimento, em bens de capital – o chamado
investimento em capital fixo.
Esta ideia de equilíbrio do orçamento corrente tem uma premissa por trás: a de que nem todas as
despesas são iguais. Deve tratar-se de forma diferente a maneira como se pode financiar, por
exemplo, os salários da função pública, as despesas de consumo do Estado ou uma despesa como
a construção de uma ponte.
No caso da construção de uma ponte, sabe-se que uma ponte é, por natureza, um bem de capital e
não de consumo. É um bem duradouro e, portanto, a sua utilidade pode ser retirada agora e no

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futuro. Então, este é um bem que não representa uma despesa de consumo, mas sim um
investimento público.
O critério do equilíbrio do orçamento corrente reconhece e privilegia a importância do
investimento público, afirmando não serem só os privados a investir, mas haver também
investimento público. A lógica é, então, a de que esse investimento público pode ser financiado à
custa do aforro, porque se está a substituir investimento privado por investimento público.
Então, se se tiver o orçamento corrente equilibrado, quer dizer que o consumo total se mantém
igual e o investimento total se mantém igual, uma vez que o orçamento do consumo está
equilibrado (consumo público substitui consumo privado) e o orçamento de capital também está
equilibrado (investimento público substitui investimento privado).
Qual é a consequência de um défice no orçamento corrente? Um défice no orçamento corrente
significa que as receitas correntes não dão para pagar todas as despesas correntes. Tem-se
despesas de consumo do Estado que não são pagas com receitas que substituem o consumo.
Então, vai-se buscar esse dinheiro necessariamente ao orçamento de capital.
Recorda-se que o orçamento global está sempre equilibrado, o que significa que um défice de
orçamento corrente tem de ser pago com superávite pelo orçamento de capital. Isto significa que
se está a ir ao aforro dos particulares – que era dinheiro destinado ao investimento – para
financiar o consumo público, diminuindo-se o aforro e o investimento total na economia e,
consequentemente, a pôr-se em causa o crescimento económico – uma vez que é o investimento
que garante o crescimento.
3) Critério do equilíbrio do orçamento ordinário
Os dois suborçamentos deste critério são o orçamento ordinário e o orçamento extraordinário. O
que se exige é o equilíbrio do orçamento ordinário. A lógica é a de que tudo o que se repete (que
tem uma continuidade no tempo) é ordinário e tudo o que não se repete (que só se verifica
naquele ano) é extraordinário – medidas one-off.

As receitas ordinárias são aquelas que têm uma continuidade e, portanto, são os impostos, as
taxas e as receitas patrimoniais. As despesas ordinárias são também aquelas que se repetem. Os
salários da função da pública são um exemplo – todas as despesas dos serviços são despesas
ordinárias, porque pagar-se-ão este ano e continuar-se-ão a pagar.
Por sua vez, as receitas extraordinárias são aquelas que se fazem uma vez. Os empréstimos são a
típica receita extraordinária, uma vez que um certo empréstimo não se repete, por muito que se
possa fazer outros. As despesas extraordinárias são também aquelas que só se fazem uma vez –
por exemplo, as obras públicas (como a construção de uma ponte).
Aqui, o que é extraordinário – que não tem uma continuidade temporal, que não se repete nos
orçamentos seguintes – pode ser financiado com receitas extraordinárias. Assim sendo,
assegurase que tudo o que eram despesas e receitas recorrentes estão sempre cobertas e, depois,

33
pode terse despesas extraordinárias que são pagas com receitas também elas extraordinárias, uma
vez que é exigido o equilíbrio do orçamento ordinário (ou seja, do orçamento recorrente).
O Dr. Ribeiro é bastante crítico deste critério, tal como o Dr. Aníbal e outros. As grandes críticas
feitas a este orçamento – que tem como lógica a de que todas as despesas que sejam repetitivas
têm de ser pagas com receitas que também se vão repetir e que todas as despesas extraordinárias
têm de ser pagas com receitas extraordinárias – são:
® Por um lado, questiona-se o conceito de extraordinário. A definição do conceito
"extraordinário" acaba por ser subjetiva. A propósito, por exemplo, da construção de uma ponte,
apesar de ser uma obra que não se repete, pergunta-se até que ponto o Estado não tem de reservar
todos os anos dinheiro para fazer pontes. Por exemplo, arranjar os buracos numa determinada
estrada é extraordinário, porque se arranja só naquele ano. No entanto, arranjar buracos nas
estradas em geral é ordinário – todos os anos se arranjam estradas.

Sendo que a definição é subjetiva, os Governos vão todos tentar colocar o máximo de despesa no
extraordinário, fazendo com que possa ser pago com receitas extraordinárias (empréstimos). O
problema é que se tem um orçamento ordinário equilibrado e tem-se uma série de despesas que
acabam por ter uma natureza recorrente, mas que entram no extraordinário. Portanto, tudo o que
seja critérios e conceitos subjetivos são sempre maus.
® Por outro lado, uma outra lógica é a de que as despesas extraordinárias são aquelas que só
acontecem uma vez e são despesas em bens cuja utilidade é duradoura – ora, isto não é
necessariamente assim. Pegando no exemplo do custo de um gimnodesportivo e a festa de
inauguração do gimnodesportivo, do ponto de vista do orçamento corrente, a diferença é clara: o
custo do gimnodesportivo é uma despesa de capital e a festa de inauguração é uma despesa
corrente (porque é uma despesa de consumo).

Na ótica do ordinário e extraordinário, já não é assim: o gimnodesportivo é extraordinário e a


festa também o é (porque só se faz a festa de inauguração uma vez). Portanto, a lógica de que
algo extraordinário querer dizer que tem uma utilidade duradoura não é uma lógica que convença
ou, pelo menos, não é uma lógica que se verifique em todos os casos.
Este critério é um critério que o Dr. Teixeira Ribeiro e o Dr. Aníbal criticam bastante, porque
não faz muito sentido económico e porque tem um outro problema: a subjetividade. Estes dois
problemas fazem com que não seja de todo aconselhável a utilização do orçamento ordinário.
Este critério, inclusive, foi utilizado em Portugal.
Chama-se à atenção para uma parte da matéria do Dr. Ribeiro (constante na página 99 do
manual) em que se afasta o orçamento ordinário, dizendo que, de facto, este tem problemas: não
tem lógica económica e é pouco seguro e, portanto, não deve ser utilizado. A questão está entre o
orçamento efetivo e o orçamento corrente, porque ambos têm uma lógica económica e as suas
consequências.

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Diz, então, o Dr. Ribeiro que, “no fundo, optar pelo equilíbrio entre despesas e receitas correntes
(equilíbrio corrente) ou entre receitas e despesas efetivas (equilíbrio efetivo) depende: 1. De se
pretender discriminar a favor de determinadas despesas; 2. De se pretender impedir que haja
absorção de aforro privado ou aumento da procura global".
O primeiro ponto explica-se justamente porque, se se quiser discriminar a favor das despesas de
capital ("de determinas despesas", que são as despesas de investimento), opta-se pelo equilíbrio
do orçamento corrente.
No segundo ponto, ao afirmar-se "de se pretender impedir que haja absorção de aforro privado",
o critério que impede que haja absorção de aforro privado é exatamente aquele que separa o
orçamento de consumo do orçamento de investimento: o critério do orçamento corrente. Se se
tiver um equilíbrio no orçamento corrente, garante-se que não se tem absorção do aforro privado,
porque a despesa corrente é paga pela receita corrente.
Em alternativa, fala-se “de se pretender impedir o aumento da procura global", sendo que o
critério que impede o aumento da procura global é o critério do orçamento efetivo. O equilíbrio
do orçamento efetivo impede que haja um aumento da procura global.
Se se tiver um défice no orçamento efetivo, há um aumento da procura global porque o défice no
orçamento efetivo é pago pela emissão de moeda nova. Portanto, se o défice no orçamento
efetivo for pago pelo aumento da quantidade de moeda em circulação, o que acontece é que esse
défice implica um aumento da procura global – e, portanto, implica inflação.
Se se quiser impedir ou controlar a inflação, deve-se optar pelo critério do orçamento efetivo. Se
apenas se quiser impedir que haja absorção do aforro (ou seja, que o investimento global
diminua), deve-se optar pelo critério do orçamento corrente.
São estas consequências económicas que realmente importa assimilar.
4) Critério do equilíbrio do orçamento primário

O critério do equilíbrio do orçamento primário é também um critério muito criticado pelo Dr.
Teixeira Ribeiro. Pode ter-se o orçamento efetivo primário e o orçamento corrente primário,
sendo que, neste momento, em Portugal, o que se tem é a necessidade de equilíbrio do orçamento
estrutural primário.
Sempre que se fala em orçamento primário, refere-se a retirar do orçamento (no caso do
orçamento efetivo, se for o efetivo primário; no caso do orçamento corrente, se for o corrente
primário) os juros da dívida pública. A lógica do equilíbrio do orçamento primário é, então: o
orçamento efetivo menos os juros da dívida pública.
Este critério de equilíbrio foi um critério que vigorou em Portugal durante alguns anos. A lógica
de se retirar os juros da dívida pública é a seguinte: os juros da dívida pública correspondem a
uma realidade que não faz parte das opções do governo em funções. Os juros da dívida pública
são "despesa herdada" de outras opções de governos anteriores.

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Então, aquilo que se deve exigir a cada um dos governos é que, nas opções que realizam (quer de
despesa quer de receita), garantam o equilíbrio, nomeadamente, o equilíbrio efetivo (sendo que
também se pode falar do equilíbrio corrente ou do equilíbrio estrutural). A lógica é a de que os
juros são uma herança do passado e, portanto, têm de se retirar, porque não significam opções do
governo atual – em rigor, a AR, que é quem aprova o orçamento.
O Dr. Teixeira Ribeiro é muito crítico desta perspetiva e isto compreende-se. Repare-se que é
verdade que os juros da dívida pública não correspondem a opções do governo, porque é uma
"despesa herdada". No entanto, questiona-se se os salários da função pública não serão também
uma despesa herdada e a resposta é que também são. Isto é, há uma grande parte da despesa que
é uma despesa muito rígida, na qual o governo tem muita dificuldade em diminuir porque, por
exemplo, faz parte dos direitos adquiridos dos trabalhadores.
Viu-se como, quando se teve a TROIKA em Portugal, houve a preocupação do reequilíbrio das
contas públicas. Ora, o reequilíbrio das contas públicas pode ser feito pela receita ou pela
despesa. A indicação que havia e a preferência que havia era fazer esse reequilíbrio do lado da
despesa – diminuindo a despesa e não aumentando a receita. Era esse o caminho e as orientações
da TROIKA.
O problema foi a dificuldade em implementar essa diminuição da despesa. O que aconteceu foi
que o Governo tentou diminuir a despesa com a função pública (os salários) e, depois, essa
norma veio a ser considerada inconstitucional pelo TC. Então, o nosso Ministro das Finanças
(Vítor Gaspar) veio fazer uma conferência de impressa a afirmar que, como não conseguiam
fazer isto, o que se ia ter era um "brutal aumento de impostos" (sendo esta a expressão utilizada).
Isto significa que, quando não se consegue pelo lado da despesa, consegue-se do lado da receita
porque, de facto, há uma grande parte da despesa pública que é rígida/muito difícil. Dizer que só
os juros são uma "despesa herdada" é um argumento que não colhe muito porque, em rigor,
grande parte da despesa é herdada.

Por outro lado, este critério não permite algo fundamental: controlar a dívida pública –
exatamente porque, se se tem um critério, por exemplo, do orçamento efetivo (que é o mais
rigoroso), mas o que se tem na realidade é o orçamento efetivo primário, quer dizer que se tira
todos os juros da dívida pública.
O que se precisa de ter equilibrado é o orçamento efetivo primário, o que significa que os juros
da dívida pública vão para não efetivo. Então, os juros da dívida pública são pagos com
empréstimos. Portanto, a dívida pública está a aumentar (evolução da dívida pública). Se se tiver
o efetivo equilibrado a zeros, sabe-se que se tem um aumento da dívida pública se se tiver
juros/dívida.
A dívida não aumenta quando o excedente do saldo efetivo primário é igual aos juros da dívida
pública. A dívida só aumenta se se tiver um superávite do orçamento efetivo primário igual aos
juros da dívida pública – só assim se garante que a dívida não aumenta porque, se não, tem-se
um saldo equilibrado e a dívida pública sempre a aumentar.

36
Ora, já se percebeu qual é o problema da dívida pública. Ainda no dia 16 de novembro de 2020,
o Dr. Centeno – atual Presidente do Banco de Portugal e ex-Ministro das Finanças Públicas –
veio dizer, numa conferência, que este orçamento tem de ter atenção à evolução da dívida
pública. É fundamental controlar a dívida pública exatamente porque, em Portugal, não se tem
política monetária e não se controla a quantidade de moeda que se emite (quem emite moeda é o
Banco Central Europeu). Portanto, Portugal tem uma dívida em euros, sendo que não controla a
emissão dos euros.

Então, Portugal depende, na dívida pública, dos chamados mercados. Os mercados são um
conjunto enorme de investidores – alguns institucionais (fundos soberanos), mas também
privados (fundos de investimento – por exemplo, fundos de pensões americanos). Sendo que a
dívida pública de Portugal depende dos mercados, o problema é que, se os mercados deixam de
confiar na solvência do Estado português, os juros da dívida pública começam a subir.

Na altura da TROIKA, tivemos que a “chamar” por causa do aumento dos juros da dívida
pública. Os juros da dívida pública, em Portugal, chegaram a estar a 8%. Isto não significa
necessariamente que o Estado português emitiu dívida pública a pagar 8%. Quando se fala nos
juros da dívida pública, falase dos mercados secundários.
Em mercados de valores mobiliários e tendo em conta que a dívida pública são também valores
mobiliários (são, por exemplo, obrigações do Tesouro português), tem-se o mercado primário e
mercado secundário. O mercado primário é um mercado em que os particulares (os investidores)
subscrevem esses títulos. Isto significa que, quando Portugal faz uma emissão de obrigações do
Tesouro, por exemplo, subscreve-se essas obrigações – isto é, compra-se pela primeira vez.

Estes mercados funcionam e são atrativos, porque diz-se que têm liquidez. Isto significa que, se
se comprar obrigações do Tesouro, facilmente se consegue vender aqueles títulos no chamado
mercado secundário – isto é, tem-se aqueles títulos e consegue-se vendê-los e, portanto,
consegue-se transformar aqueles títulos em dinheiro (o que quer dizer que se tem liquidez). Isto
faz-se em mercado secundário.
No mercado secundário, os títulos transacionam-se pela sua cotação. A cotação é o preço do
título no mercado secundário. Pode ter-se uma obrigação do Tesouro português com o valor
nominal de 100€ (ou seja, que foi comprada por 100€) e vendê-la no mercado secundário a 101€
ou a 98€, exatamente porque depende de como está a cotação naquele dia.
Por exemplo, imagine-se que esta obrigação está a render 1% – ou seja, aquela obrigação paga
1€ ao ano (sendo que foi comprada a 100€). O que acontece se a obrigação está acima do par,
isto é, se a cotação da obrigação está a 102? Ora, um euro (1% de 100) – que é o que ela paga – é

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menos de 1% de 102. Ora, o aumento das cotações faz com que a taxa de rentabilidade implícita
(que se chama Yield) diminua.
Pelo contrário, se aquela obrigação é de 100 e se se compra por 95, ela rende na mesma 1€
(porque está fixado). Um euro é mais do que 1% de 95. Então, pode ter-se, por exemplo,
obrigações que foram lançadas e que o Estado Português está a pagar 3% do empréstimo, mas,
depois, porque as cotações diminuíram/o preço pelo qual aqueles títulos são transacionados no
mercado diminuiu, a Yield está muito acima.
Ora, poderia afirmar-se não existir problema nenhum dado que o Governo português não está a
pagar 7%. Contudo, o facto de a taxa implícita no mercado estar a 7% significa que, se o
Governo quiser ir ao mercado agora, provavelmente terá de pagar os 7%. É este o problema
quando se aborda as taxas de juro da dívida pública: porque quer dizer que os investidores só
aceitam comprar títulos da dívida portuguesa se eles lhe renderem mais do que x %.
Só aceitam comprar títulos se estes estiverem muito abaixo do par, ou seja, se eles estiverem a
ser transacionados a um valor inferior ao seu nominal (no caso de 100€, abaixo de 100€), porque
não confiam e acham que aquele título tem um risco associado. Portanto, o problema da dívida é
este: o Estado português está dependente dos mercados e, como os mercados não são uma
pessoa, estes são extremamente voláteis.
Por isso, há e tem de haver essa preocupação. Neste momento, tal como Centeno dizia, percebe-
se que o orçamento atual seja um orçamento em que se assuma o défice, a despesa pública e a
ajuda às empresas. No entanto, isso tem de ser muito bem ponderado com a reação dos
mercados.
Isto porque, neste momento, os mercados continuam a confiar em Portugal, mas há sempre uma
linha muito ténue e que ninguém conhece na realidade a partir da qual os mercados deixam de
confiar e, se assim for, alguns investidores começarão a vender, a cotação diminuirá, quem quer
comprar só o fará se a cotação baixar e o juro implícito aumentará.

Se o juro implícito aumenta, significa que, se Portugal precisar de ir ao mercado (e Portugal tem
sempre de ir, porque há sempre dívida que está a vencer que é substituída por dívida nova), as
taxas que efetivamente começa a pagar estão a subir – é este o problema.
O saldo primário não garante o controlo da dívida. O critério do saldo primário permite que
qualquer país ande anos seguidos a aumentar a dívida pública, cumprindo o critério. Esta é uma
crítica que é cada vez mais importante hoje.

7.4. A evolução das conceções de equilíbrio vigentes em Portugal


Atualmente, em Portugal, não está em vigor nenhum destes critérios. O que interessa é ter uma
ideia e entender a estrutura da legislação europeia e dos critérios que, neste momento, Portugal

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tem de respeitar. Portugal tem de respeitar mais do que um critério. Isto implica fazer-se um
pequeno percurso histórico, para se perceber onde se chegou e como.
Ainda na década de 90, houve a decisão, na União Europeia, (na altura, Comunidade Europeia)
de se fazer uma moeda, deixando os países que tinham uma moeda própria de a ter e passando-se
a ter uma moeda comum. No início, até se chamava ECU, sendo que não se chamou, desde
sempre, Euro. Houve, então, esta ideia de criar uma moeda nova: uma moeda europeia.
Aquando da ideia da criação da moeda nova (ECU), houve um problema: na Europa, o grupo de
países que queriam integrar esta nova zona monetária eram países com políticas monetárias
muito diferentes. Havia um grupo de países que tinham políticas monetárias muito rígidas, no
sentido em que tinham moedas fortes e combatiam a inflação – incluía-se a Alemanha e o bloco
de influência alemã.
O marco sempre foi uma moeda forte. Entre as duas Guerras (a 1ª e a 2ª Guerra Mundial), a
Alemanha viveu uma crise enorme de hiperinflação. Portanto, há alguns autores que justificam
este pavor da Alemanha com a inflação ainda com a memória histórica do que foram as
consequências da hiperinflação (morte de muitos alemães, miséria absoluta e o surgimento do
Hitler). Não será só esse o motivo, mas aponta-se esse como um deles.
Tinha-se, portanto, este conjunto de países – o chamado “hard nose” – e um outro conjunto de
países – que englobava Portugal, Espanha, Grécia, Itália – que tinham políticas monetárias
tradicionalmente completamente diferentes. Eram países que, sempre que era necessário
promover a indústria e o crescimento económico, desvalorizavam a moeda.

Repare-se que, quando se desvaloriza a moeda, os produtos no estrangeiro ficam mais baratos e
os produtos estrangeiros, no país, ficam mais caros – justamente porque a moeda desvalorizou.
Então, a desvalorização monetária “ajuda” as exportações e prejudica as importações. Ora, isto,
para a indústria tradicional, era visto como tendencialmente bom, daí que, por exemplo, Itália
fosse considerado o país campeão da desvalorização monetária.

Quando Portugal tinha escudo e Itália tinha lira, a lira valia 10x menos do que o escudo – 1
escudo valia 10 liras. O custo de Itália era alto. Em Itália, era tudo aos milhares de liras, por
causa da desvalorização. O objetivo de Itália era tentar ajudar as empresas italianas, que tinham
custos altos e não conseguiam ser competitivas com o preço. Portanto, havia essa tendência para
a desvalorização.
Quando se faz uma união monetária com uma moeda única, tem de se avaliar como vai ser a
política monetária em determinada zona que será constituída por um conjunto de países muitos
diferentes e, especialmente, com tradições de política monetária completamente diferentes.
Como a ideia prevalecente e aceite por todos era a de fazer uma moeda à alemã (no sentido de
uma moeda forte), que conseguisse competir com o dólar nos pagamentos internacionais. Para os
países europeus não estarem dependentes da cotação do dólar e para a Europa conseguir importar

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e exportar na sua própria moeda, tinha de ser uma moeda forte – uma moeda “à alemã”. Então,
tinha de se fazer alguns compromissos públicos que dissessem aos tais mercados que esta zona ia
ser uma zona à alemã e que a nova moeda não iria ser como a lira.
5. A execução do Orçamento
Na execução do orçamento, chama-se sobretudo a atenção para a questão dos princípios de
execução do orçamento. No fundo, trata-se de ver como é que as entidades executam o
orçamento – neste caso, o Governo (que é o órgão executivo). Obviamente que a execução no
dia-a-dia não é feita a nível central pelo Governo, mas a nível das diferentes entidades. Tal como
há princípios para a elaboração do orçamento, também há princípios para a sua execução, sendo
que são muito importantes e têm de se respeitados.
 Princípio da tipicidade orçamental
Fala-se em tipicidade orçamental no sentido de que só se podem arrecadar as receitas e realizar
as despesas que tenham sido inscritas no Orçamento (que tenham inscrição orçamental),
justamente porque o Orçamento é que autoriza a cobrança das receitas e a realização das
despesas.
O artigo mais importante, a propósito da tipicidade, é o artigo 52º da LEO. Neste artigo tem-se o
princípio da tipicidade para as receitas (nº 1/alínea b) e para as despesas. Em geral, umas e outras
só se podem realizar se tiverem inscrição orçamental. Existe uma diferença entre a tipicidade na
despesa e a tipicidade na receita.
Começando pela receita, nesta exige-se a tipicidade qualitativa, isto é, só se pode cobrar receitas
cujo tipo tenha essa inscrição orçamental – não se pode cobrar receitas/liquidar impostos que não
estejam previstos no Orçamento. Sendo o Orçamento uma previsão de receitas e de despesas, é
um limite para as despesas, mas não para as receitas. Portanto, a tipicidade nas receitas é apenas
a tipicidade qualitativa.

Nas despesas é a tipicidade qualitativa e quantitativa, porque nestas, além de só se poder realizar
despesas que tenham inscrição orçamental, só se pode realizá-las até ao montante que está
inscrito no orçamento.

Para cada despesa ou receita, tem primeiramente de se fazer a tipicidade qualitativa, ou seja, tem
de se fazer a correspondência entre aquela receita ou aquela despesa e a tipologia da receita ou
despesa que está no mapa orçamental – tem de se ver se há uma identificação com a tipologia.
No caso da despesa, além da tipologia, tem de se fazer uma correspondência com o valor.

O artigo 52º/nº2 da LEO diz que, relativamente à receita, “A liquidação e a cobrança da receita
podem ser efetuadas para além dos valores previstos na respetiva inscrição orçamental” porque o

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orçamento é uma previsão de receitas – afasta-se a tipicidade quantitativa, sendo apenas a
tipicidade qualitativa.

Por sua vez, no caso da despesa que está sujeita ao princípio da tipicidade quantitativa, é
necessário, para além de verificar se aquela despesa se enquadra numa tipologia identificada com
inscrição orçamental, verificar ainda o cabimento/cabimentação – isto é, verificar se o valor da
despesa “cabe” na dotação/crédito orçamental (se não ultrapassa o valor da dotação, que é o
valor inscrito no orçamento).

Não se trata de verificar se há dinheiro. O cabimento é uma operação formal de verificar se


aquele montante estava previsto no Orçamento. O cabimento é, no fundo, um controlo de
legalidade financeira, porque se a despesa não tem cabimento, não há legalidade financeira – a
legalidade financeira implica que só podem ser realizadas despesas que tenham inscrição
orçamental.

® Princípio de segregação de funções (artigo 52º, nºs 6 e 7)

Este princípio diz que a competência para realizar determinados atos dentro dos procedimentos
da receita e da despesa deve ser separada. Não deve ser a mesma entidade/pessoa a realizar os
diferentes atos, quer do lado da receita quer do lado da despesa. O objetivo é um maior controlo
dos atos da despesa e da receita. Do lado da receita, a segregação faz-se entre os momentos da
liquidação e da cobrança. Por isso, nos diferentes serviços de finanças que têm diferentes
entidades (pode ser uma pessoa só ou pode ser um serviço dentro desse departamento), quem
realiza a liquidação não realiza a cobrança. Na despesa, essa segregação é feita entre a
autorização da despesa – que é o momento em que surge o compromisso da despesa – e a
realização do respetivo pagamento. Quem assume o compromisso não é quem faz o pagamento.
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Marta Lima e Silva

® Princípio da economia, eficiência e eficácia

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Este é o princípio já abordado e um dos mais importantes, no sentido de aplicação mais
problemática, de Finanças Públicas. É este princípio que dá origem a potencialmente maior
controlo, isto é, um controlo substancial sobre a atuação da Administração e sobre a atuação do
Governo. É dos princípios mais problemáticos. Esta é uma das grandes questões, hoje em dia,
nomeadamente, a nível do controlo.

Estes princípios têm de ser cumpridos e, não sendo, há uma irregularidade e quem vai verificá-la
será o autocontrolo dentro da própria Administração ou a entidade jurisdicional que fiscaliza – o
Tribunal de Contas.

Economia, eficiência e eficácia é um conceito menos determinado – está definido na lei (artigo
18º da LEO), mas é uma concretização ainda muito pouco concreta – e, portanto, a determinação
de quais são os poderes do órgão jurisdicional de controlo, no âmbito desta “economia, eficiência
e eficácia” é, de facto, neste momento, em Portugal, a questão mais controversa.

O Sr. Presidente disse que o Tribunal de Contas tendencialmente não se emiscuia nas decisões de
fundo/nas decisões de substância, afirmando que não era ao Tribunal de Contas que competia
tomar as decisões executivas (e que essas decisões eram da Administração). No entanto, a
verdade é que, embora o Tribunal de Contas não o diga diretamente (nos seus acórdãos), fazendo
aplicação de alguns outros princípios, nomeadamente, do chamado princípio da concorrência
(quando se fala em contratação pública), remete diretamente para a ideia da economia, eficiência
e eficácia.

O problema da “economia, eficiência e eficácia” é que economia é gastar o menos possível, a


eficiência reporta-se à relação entre o gasto e o resultado e eficácia mede até que ponto
determinadas políticas/gastos cumprem os seus propósitos/objetivos/metas definidas. A questão
é, pois, até que ponto o Tribunal pode controlar determinadas decisões da entidade que se pode
dizer, com uma certa interpretação deste princípio, que são decisões igual na economia,
eficiência e eficácia.

A questão é que o Estado tem uma necessidade para cumprir e, para cumprir essa necessidade,
tem de fazer uma despesa. Imagine-se que a necessidade é a recolha do lixo numa cidade. Há
várias formas de fazer esta recolha do lixo e, assim sendo, imagine-se que a entidade (Câmara
Municipal) opta por uma determinada forma de recolha de lixo – contratar tudo a uma empresa.
Podia optar por ter os serviços da própria Câmara (camiões e funcionários, por exemplo).

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A questão é: pode o Tribunal vir dizer, em sede de controlo do contrato ou em sede de auditoria,
que essa não é a melhor opção porque ficaria muito mais barato e cumpria muito melhor o
princípio da eficiência gerir ele próprio essa função (sendo que a Câmara optou por
externalizar)? O Presidente do Tribunal de Contas disse que o Tribunal não o fazia.

É claro, a partir do momento em que a dotação existe (em que há inscrição orçamental), aquela
despesa pode ser realizada. No entanto, não pode ser realizada de qualquer maneira, isto é, a
legalidade financeira não é apenas uma legalidade formal. Não basta estar apenas inscrito e ter
cabimento, sendo que tem de se gastar de acordo com o princípio da economia, eficiência e
eficácia. Não há na doutrina ninguém que diga que a legalidade financeira é meramente formal.

A questão é a de saber qual é o limite da verificação do cumprimento deste princípio da


economia, eficiência e eficácia por uma entidade terceira (que não é o poder executivo) que é o
Tribunal. Imagine-se que a Câmara quer fazer uma determinada obra e até colocou isso no seu
programa eleitoral (sendo assim, houve eleições, um determinado partido propunha essa tal obra
no seu programa eleitoral e as pessoas votaram nesse partido). Depois, o Tribunal de Contas
pode vir dizer que, de facto, não é uma boa opção.
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84
Marta Lima e Silva

Do ponto de vista da economia, eficiência e eficácia, essa não seria mesmo a melhor opção e,
portanto, isto pode verificar-se. Um exemplo disso prende-se com o facto de as empresas que
prestam o serviço de recolha do lixo ser um mercado muito concentrado com monopólios. Se a
entidade pública contratar bens ou serviços em mercados concorrenciais, à partida, a
concorrência garante que o preço conseguido é um preço bom (melhor preço do mercado).

Se, do outro lado, está um mercado que não é concorrencial (um mercado concentrado –
monopólios ou oligopólios), diz a teoria económica que, nestes mercados, os concorrentes do
mercado estão em condições para determinar o preço – eles não são price takers, mas price
makers. Portanto, o preço em mercado de monopólio/oligopólio é sempre superior ao preço de
mercado de concorrência. Sendo assim, até pode mesmo verificar-se que esta opção de
externalizar a recolha do lixo fique mais cara.

43
A questão é que, de facto, estar uma entidade jurisdicional (o Tribunal) a controlar decisões que
são decisões que têm uma vertente muito política – de discricionariedade administrativa – pode
suscitar polémica, mas a verdade é que as entidades estão obrigadas a fazer esta ponderação e a
fazer este juízo de economia, eficiência e eficácia. Uma vez que estão obrigadas a fazê-lo, faz
todo o sentido que haja controlo sobre isso. Tudo o que esteja na lei que não seja controlado, não
faz sentido sequer estar na lei.

Esta é, de facto, uma enorme questão atual em termos de execução e, depois, de controlo – é
provavelmente a maior questão, em Portugal, neste aspeto. Até os acórdãos e relatórios de
auditorias mais controversos do Tribunal de Contas são sempre quando o Tribunal tira
conclusões relativamente a comparação com situações de mercado.

Por exemplo, a questão de uma auditoria – que até foi muito discutida – relativamente à Câmara
de Lisboa e à venda de uns prédios. A Câmara de Lisboa vendeu uns prédios e o Tribunal veio
dizer (em sede de auditoria) que aquela operação não tinha sido boa – isto é, não tinha cumprido
o princípio da economia, eficiência e eficácia – porque o valor tinha sido um valor abaixo do
preço de mercado. Isto gerou reações, nomeadamente, do Presidente da Câmara (que afirmou
que o Tribunal não tinha razão).

Esta questão está a pôr em causa a economia, eficiência e eficácia porque a economia, eficiência
e eficácia não é só quando se compra, mas também quando se vende. Não se pode vender por um
valor qualquer, pois importa maximizar o valor pelo qual se está a vender.

Noutros países, há realidades muito diferentes em relação ao controlo da execução orçamental


porque, em Portugal, existe uma entidade que é o Tribunal de Contas que é um órgão
jurisdicional, mas que faz também uma função de auditoria. Uma das questões que também foi
muito falada na Conferência do Sr. Presidente do Tribunal de Contas foi a de qual o melhor
enquadramento para esta função, isto é, há um debate se se deve ter um Tribunal ou um Auditor.

Noutras realidades, por exemplo, em Inglaterra, não há um Tribunal de Contas. Os tribunais


administrativos também podem controlar as decisões da Administração Públicas. Ainda se tem
um Auditor que controla esta questão da economia, eficiência e eficácia. Em Portugal, tem-se um
regime misto, em que o Tribunal de Contas controla – e aí até há alguma competência
concorrente com tribunais administrativos – e é simultaneamente Auditor.

Na UE, existe também um Tribunal de Contas. Portanto, este modelo é o modelo da União
Europeia. A tendência, nos demais países e sobretudo na UE, é para os tribunais cada vez mais

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entrarem na verificação e no enquadramento do princípio da economia, eficiência e eficácia. Por
exemplo, o Tribunal de Contas europeu faz também julgamentos acerca da economia, eficiência
e eficácia – portanto, essa é a tendência.
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Em Portugal, o Tribunal de Contas não fazia muito e, com alguma influência da jurisprudência
do Tribunal de Contas europeu, começou também a fazer (até porque aplica os princípios de
direito europeu), sendo que, em Portugal, isso tem levantado algumas questões. A tendência é
esta, sendo que aquilo que se passa em Portugal, passa-se nos diferentes países.

Essa questão existe menos quando se tem uma entidade de Auditoria, porque uma Auditoria é
fundamentalmente económica e percebe-se que, obviamente, um Auditor vai-se centrar sobre a
economia, eficiência e eficácia. Aqui, como se tem um controlo feito uma instituição
jurisdicional (por um tribunal), tem-se esta problemática (que existe também na UE uma vez que
há um Tribunal de Contas).

® Princípio de unidade de tesouraria

Todos os recursos financeiros públicos são geridos conjuntamente. Não tinha sentido cada
serviço ter uma conta própria (bancária) e os dinheiros públicos estarem espalhados em milhares
de contas bancárias. A gestão dos fundos públicos é feita de uma forma centralizada (artigo 54º).
O dinheiro que vem da cobrança de todas as receitas públicas é encaminhado para a Tesouraria
Central e, depois, é esta que paga todas as despesas públicas. Isto em geral, sendo que há
algumas exceções a esta unidade de tesouraria que estão no artigo 54º/nº3.

Neste momento, em Portugal, a gestão da Tesouraria do Estado cabe à Agência de Gestão da


Tesouraria da Dívida Pública (IGCP). A IGCP tinha, tradicionalmente, apenas a
competência/responsabilidade da gestão da dívida pública, mas, a partir de 2007, assumiu
também a gestão da tesouraria.

45
É a IGCP que faz, quando há emissões de dívida pública, a gestão da ida aos mercados. Gerir a
ida aos mercados é definir quando é que Portugal faz uma emissão de títulos de dívida pública,
sendo que este fá-la quando acha que vai conseguir fazer essa emissão e que todo o valor vai ser
colocado e que os juros vão ser baixos.

Imagine-se que se sabe que daqui a meio ano vai-se ter um reembolso para pagar de uma
determinada emissão que se tem. Ora, não se deve por quinze dias antes para fazer uma nova
emissão para pagar a antiga. Deve, no espaço daquele meio ano ou mais, aproveitar-se a melhor
altura para fazer uma emissão de dívida nova com as melhores condições possíveis e esse valor
fica já para pagar a dívida que tem de ser paga – são as chamadas operações revolving da dívida.

Mesmo num país que não esteja a aumentar a sua dívida pública não quer dizer que não tenha
que fazer várias emissões de dívida pública nova anualmente, porque há sempre dívida pública
que se está a vencer. Essa gestão é feita, por exemplo, no caso de se saber que, por exemplo, que
no ano 2021 se vai ter dívida a vencer em março e em setembro, por previsão – antes de março,
com alguma antecedência, faz-se uma emissão de dívida para pagar a que vence em março.

Convém não deixar para as vésperas, uma vez que nunca se sabe o que vai acontecer e os valores
que se conseguem funcionam por leilão ao contrário – pode acontecer, por exemplo, que, na
véspera, surja um problema qualquer de situação a nível internacional e que pontualmente os
juros estão mais altos e se tem uma emissão falhada (com juros/valores muito altos). A gestão da
dívida pública é antecipar as necessidades de pagamento de dívida que se vence e fazer novas
emissões de dívida, nas melhores condições possíveis.

Na altura da TROIKA, houve uma política assumida em que, como a imagem de Portugal já
estava melhor e os juros estavam mais baixos, houve uma substituição da dívida, nomeadamente,
ao FMI – Portugal pagou antecipadamente ao FMI, porque substituiu dívida ao FMI por dívida
que conseguiu nos mercados em condições mais favoráveis e isto começou a ser feito logo ainda
quando a TROIKA ainda cá estava. Isto é a gestão da dívida pública e a vantagem é baixar a taxa
de juros.
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Imagine-se que se tem uma determinada dívida em que se está a pagar 4% de juro. Ora, se se for
ao mercado neste momento e se conseguir emitir a 2%, tem-se vantagem – vai-se ao mercado,
faz-se uma dívida de 100 milhões, paga-se os 100 milhões da dívida antiga e, em vez de se estar
a pagar 4% sobre 100 milhões, fica-se a pagar 2% sobre 100 milhões.

Pode até substituir-se dívida que ainda não venceu, que foi o que Portugal fez no caso do FMI –
substitui-se por dívida mais barata, com uma taxa de juro mais baixo.

A dívida pública é comprada por instituições bancárias e outros investidores institucionais (por
exemplo, fundos soberanos de outros países; em certo tipo de dívida, fundos de pensões).
Tradicionalmente, a dívida pública é uma dívida com baixo risco. Portanto, os fundos de pensões
são sobretudo americanos, porque nos EUA não existe Segurança Social, sendo que têm um
sistema trivago – têm um “sistema privado de reformas”, sendo que todos os meses descontam
para um fundo de pensões para, depois, quando chegarem à reforma terem esse dinheiro.

Os fundos de pensões são, então, patrimónios autónomos com independência, geridos por uma
determinada entidade, mas têm, pela própria lógica, algumas limitações, por exemplo, não
poderem investir em valores com riscos muitos altos, porque o objetivo é não perder o dinheiro
das pessoas que andaram a poupar para ter uma reforma. Uma das limitações dessa gestão
(daquela carteira) é risco baixo e, portanto, os fundos de pensões procuram valores mobiliários
com baixo risco e vão à dívida pública dos diferentes países.

Por exemplo, o problema, em Portugal, quando teve de vir a TROIKA, prendia-se com o facto de
os fundos de pensões não vinham responder ao nosso rating. O risco de um ativo avalia-se pelo
rating. Como o rating da República Portuguesa baixou, por exemplo, os fundos de pensões
americanos deixaram de poder comprar dívida pública portuguesa.

Os fundos soberanos nacionais – Portugal tem o Fundo da Segurança Social – também têm este
problema do risco. Houve um episódio, passado em Coimbra, em que a Presidente do Brasil – na
altura, Dilma Rousseff – afirmou que nada podia fazer em relação à possibilidade do fundo
soberano brasileiro comprar dívida pública portuguesa, porque as regras do fundo soberano
brasileiro diziam que o fundo não pode comprar ativos com notação de risco abaixo de x e, como
Portugal já se encontra com um valor abaixo desse limite, nada podia fazer.

Os bancos, por sua vez, vão aos mercados e subscrevem, no leilão, a dívida pública e esses
títulos de dívida pública ficam a fazer parte do ativo do banco. Seguidamente, usam esse ativo
para ir buscar dinheiro ao Banco Central. Este foi outro problema que, na altura, Portugal tinha:

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os ativos da dívida pública portuguesa deixaram de poder ser utilizados pelos bancos
(nomeadamente, bancos nacionais) para irem buscar dinheiro ao Banco Central Europeu, dado
que não serviam como garantia.

Na Europa, o Banco Central Europeu não pode comprar diretamente dívida pública, porque,
senão, era um financiamento direto do Banco Central aos Governos. Isto é proibido. No entanto,
acaba por acontecer de forma indireta, porque os bancos compram e, depois, o Banco Central
aceita esses títulos como garantias de empréstimos que faz aos bancos comerciais e, portanto,
acaba por fechar o círculo.

Na altura de entrada da TROIKA, houve esse problema também. Os bancos nacionais também já
não podiam comprar mais dívida pública portuguesa porque o Banco Central Europeu também já
não estava a aceitar essa dívida como garantia de empréstimos.

Uma empresa ou entidade qualquer quando tem uma notação muito alta – triplo A – quer dizer
que o risco é muito baixo e quando a notação é baixa – B ou B- – quer dizer que o risco é alto.
Quanto maior a notação, mais baixo o risco da entidade. Os ratings são feitos pelas agências de
notação
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financeira (por exemplo, pela Fitch). A crítica que se faz relaciona-se com o poder enorme com
que essas agências ficam, porque são elas que determinam quais são os valores mobiliários que
determinam a cotação dos valores mobiliários.

É certo que não há só uma, mas há apenas três importantes. Esta é uma das críticas que se faz ao
próprio sistema dos valores mobiliários e não só em relação à dívida pública, mas também à
dívida privada e aos valores mobiliários em geral. Uma das grandes críticas é que, na crise de
2008, quase todos ativos tóxicos estavam acima de A porque essas agências têm alguns critérios
objetivos e um dos critérios é que um valor mobiliário que tenha associado uma garantia de um
valor real – uma garantia real (nomeadamente, uma hipoteca) – tem logo um risco (mais) baixo.

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Os créditos hipotecários americanos tinham todos hipotecas na sua base e, portanto, os valores
mobiliários que eram criados através da securitização a partir desses créditos hipotecários tinham
notação muito boa e, no fundo, aquilo não valia nada. Chegou-se à conclusão de que aquilo nada
valia, porque aquelas hipotecas eram sobre casas que ninguém conseguia vender. Portanto, uma
das grandes críticas na altura da crise de 2007 que começou no mercado imobiliário dos EUA foi
essa: todos os ativos tóxicos estavam quase todos muito bem classificados, porque tinham na
base créditos hipotecários.

De facto, este mercado funciona com base em notações que são dadas por agências e, dado os
milhões de valores em causa, isso depois é feito quase de forma automática.

Em relação aos particulares adquirirem certificados de aforro, trata-se de títulos da dívida pública
em que a diferença está na forma da sua emissão. Tipicamente, um certificado de tesouraria tem
uma duração mais pequena do que um certificado de aforro. Normalmente, os certificados de
aforros são títulos da dívida pública com maior prazo do que os de tesouraria, mas, para cada
emissão (mesmo os certificados de aforro não são todos iguais), o Estado define as várias
condições – montante total, número de títulos, valor de cada título, se é ou não uma compra
mínima, qual é o prazo e qual é o juro.

Claro que os particulares também podem investir em dívida nacional e podem fazê-lo nos
correios (que é uma forma de poupança/aforro que cada vez se usa menos, sendo que era muito
utilizada antigamente). Um dos problemas da dívida pública portuguesa (por exemplo, a
diferença entre a dívida pública portuguesa e a dívida pública japonesa ou italiana) é que esta
está sobretudo nas mãos dos estrangeiros e as outras (japonesa ou italiana, por exemplo) está
sobretudo nas mãos dos nacionais.

É muito diferente ter-se uma dívida pública grande, mas que está nas mãos dos nacionais ou ter
uma dívida pública grandes nas mãos dos estrangeiros, acabando por se depender muito mais dos
tais mercados. Os mercados não existem e têm um comportamento, à partida, racional, mas,
depois, na realidade, há muitas coisas do mercado que não são racionais e que ninguém consegue
perceber e, portanto, os mercados têm algo de irracional.

Há algumas emissões que até podem ser subscritas diretamente pelos particulares – são emissões
específicas. A subscrição, que antigamente era muito comum nos correios, agora também se faz
nos bancos. Mas, além da subscrição, é possível comprar em mercados secundários. Referiu-se a
diferença entre mercado primário e mercado secundário. É também possível, se alguém achar
que é uma boa aplicação, falar com qualquer banco que venda obrigações do Tesouro
portuguesa/espanhola/etc.

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• Nota: O Dr. Rocha Andrade ainda refere os regimes de autonomia administrativa e financeira,
mas a Dra. Teresa não o vai lecionar.

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Em suma, tem-se aqui os principais princípios da execução. Há um outro ponto que é a execução
do orçamento das despesas. Este ponto é importante para se perceber como é isto acontece. Não
se exige o desenvolvimento nesta matéria, mas importa ter a noção de como se executa a
despesa.

A Tesouraria está toda centralizada. A cada despesa há inscrição orçamental. A despesa tem de
ter cabimento. Na prática, a realização da despesa supõe que exista crédito/dotação e esse
crédito/dotação é o limite máximo da despesa que pode ser realizada. No entanto, o artigo 52º, nº
3 a 5 da LEO que são pontos muito importantes.

O nº3 diz o seguinte: “Nenhuma despesa pode ser autorizada sem que, cumulativamente: a) O
facto gerador da obrigação respeite as normas legais aplicáveis; b) Disponha de inscrição
orçamental no programa e no serviço ou na entidade, tenha cabimento e identifique se os
pagamentos se esgotam no ano ou em anos futuros no período previsto para o programa; c)
Satisfaça os requisitos de economia, eficiência e eficácia”. Este número fala claramente na
legalidade (a), na questão da inscrição e do cabimento (b) e, de forma autónoma, na economia,
eficiência e eficácia (c).

No nº4, por sua vez, refere-se que “Nenhuma despesa pode ser paga sem que o compromisso e a
respetiva programação de pagamentos previstos sejam assegurados pelo orçamento de tesouraria
da entidade” e, no nº5, diz-se que “O montante anual de um programa estabelece o teto máximo
de pagamentos que podem ser feitos”.

Portanto, este nº3 é um número muito importante em termos da realização da execução da


despesa, porque põe três condições de verificação cumulativa e o nº4 é também importante
exatamente por vir resolver um problema que se prende com o orçamento de tesouraria da

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entidade, sendo que as diferentes entidades que realizam as despesas estão obrigadas elas
também a fazer um orçamento de tesouraria.

Esse orçamento de tesouraria compreende as transferências, porque aqui tem-se um problema


que é: se se tiver um orçamento de 100 milhões de euros, não quer dizer que se pode gastar em
janeiro 100 milhões de euros. O problema é que o orçamento tem receitas e tem despesas. Além
de ter que estar equilibrado, tem também de estar equilibrado em termos anuais – senão, ter-se-ia
um problema de desequilíbrio da tesouraria.

Por isso, há aqui a necessidade de adequar a realização de pagamentos com a disponibilidade de


tesouraria. Assim sendo, as entidades têm de fazer elas próprias um orçamento de tesouraria
mensal e esse orçamento, do lado das receitas, tem as transferências – aquilo que vão receber
mensalmente do orçamento – e, eventualmente, receitas próprias.

Este orçamento de tesouraria é importante para limitar. Se as entidades têm um orçamento de


tesouraria que foi feito no ano anterior e que foi submetido ao Governo (acima) e dizem que têm
determinadas previsões de receitas, depois, as despesas têm de se poder verificar dentro dessa
disponibilidade de tesouraria. Esta é uma forma que se conseguiu, não através da LEO, de
realizar essa adequação temporal entre o momento dos recebimentos e o momento da realização
das despesas, sendo que, depois, há algumas normas mais específicas.

Então, a despesa pode ser executada desde que esteja de acordo com o orçamento de tesouraria e
desde que não haja pagamentos em atraso porque, caso os tenha, não pode executar todas as
despesas só com base no orçamento da tesouraria.

Outra questão muito importante é que, na despesa, tem-se a segregação de funções e, portanto,
tem-se a verificação do cabimento – o compromisso – e, depois, tem-se o momento do seu
pagamento. São dois momentos diferentes que têm de ser feitos por entidades diferentes.

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Primeiramente, verifica-se o cabimento, que é confrontar o valor da despesa que se pretende
realizar com o valor ainda disponível na dotação orçamental (o montante que foi inscrito). Por
exemplo, se se tinha no orçamento 100 milhões para uma determinada despesa, em julho já não
se tinha de certeza como valor disponível 100 milhões, uma vez que, entretanto, já se foi
libertando verbas. Esta verificação de cabimento é fundamental – se ainda há valor disponível –
porque, em julho, de certeza que já se tem despesa que foi, entretanto, libertada e que se diz que
já ficou comprometida (porque já há compromisso para esta).

Quando uma despesa está comprometida (isto é, há um compromisso) quer dizer que a verba fica
reservada para esta despesa. Este é o momento anterior ao pagamento que é um momento em que
surge juridicamente a obrigação de pagar. Posteriormente ao momento de obrigação de pagar há
o momento de pagamento.

É nesta verificação do compromisso da votação orçamental disponível que entram as cativações.


A cativação é o condicionamento da utilização de parte do valor da dotação a uma autorização
prévia. Tem-se um valor inscrito e nessa inscrição ainda há valor disponível, mas não pode surgir
o compromisso porque essa assunção de dever jurídico está sujeita a uma autorização prévia. A
autorização prévia pode ser por um superior ou pelo Ministro das Finanças.

O que acontece tipicamente em Portugal é que a Lei do Orçamento estabelece essa necessidade
de autorização por parte do Ministro das Finanças. Uma determinada entidade pode ter um valor,
por exemplo, de 100 milhões para uma despesa e ainda só gastou 20. Então, ainda tem 80 de
dotação disponível, mas não pode gastar porque a despesa está sujeita a autorização – tem de ir
ao Ministro das Finanças e este tem de autorizar.

Se o Ministro das Finanças não autoriza (põe na gaveta), está a cativar. É uma forma de os
Ministros das Finanças controlarem a despesa porque qualquer orçamento é uma previsão de
receitas e de despesas. A execução do orçamento é absolutamente fundamental e o papel do
Ministro das Finanças é ir autorizando verbas em função do andamento das receitas – exatamente
porque, se as receitas estiverem muito abaixo do orçamentado, as despesas também têm de ficar
abaixo do orçamentado, embora tenham inscrição; convém que elas fiquem porque, senão, tem-
se um défice enorme. Estas cativações servem para os Ministros das Finanças controlarem a
execução orçamental.

As cativações podem ser uma estratégia política para um determinado serviço/entidade ou até
podem ser uma estratégia para algo diferente que é: faz-se um orçamento, faz-se umas previsões
muito otimistas, tem-se lá receitas muito altas e pode pôr-se despesas muito altas; então, tem-se
um orçamento “bonito” com uma série de despesas orçamentadas e sabe-se que provavelmente

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não se vai cumpri-lo dado que as receitas não vão ser aquelas, mas mais baixas e, aqui, é uma
estratégia em relação a todas as entidades/serviços e não apenas uma.

O nº5 faz referência às despesas plurianuais. Tem-se um determinado programa plurianual e


temse despesas para vários anos e, portanto, tem-se um limite que é o estabelecido para cada ano.
À partida, o que não se utilizar num ano pode utilizar-se no seguinte.

Hoje em dia, tem-se uma enorme questão das despesas plurianuais – da assunção de
compromissos plurianuais –, nomeadamente, a questão do Novo Banco. A questão é a de que o
Governo tem competência para assumir obrigações e assumir obrigações plurianuais (sendo que
sempre teve e não é de agora) e, quando faz o orçamento, tem a obrigação (porque há despesas
que são obrigatórias e os compromissos resultantes, nomeadamente, de contratos são despesas
obrigatórios – o contrato é uma despesa obrigatória), mas, depois, a verdade é que o que
aconteceu agora é que há uma despesa obrigatória que a AR não votou e, portanto, não tem
inscrição orçamental.

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Este é o problema delicado e complicado que, de todo, não é fácil. Até agora, não tem sido este o
problema. Normalmente, o problema sobretudo tem sido de despesas plurianuais que depois não
são realizadas e a AR vem dizer porque é que estas despesas não foram feitas. Até agora, o que
se conhecia era esta problemática. Este ano (2020) pôs-se uma problemática diferente: o
Governo diz que tem uma obrigação, tem um contrato assinado e a AR diz que tem um contrato
assinado, mas que não tem ali uma dotação (só terá quando mediante uma determinada
condição).

Fala-se, ainda, no ritmo da realização da despesa. Tem-se um princípio da execução do


orçamento por duodécimos que estava na anterior LEO. Cada mês podia ser utilizado dos
serviços 1/12 da sua dotação total e se, num mês não se gastasse esse 1/12, passava-se com
crédito para o mês seguinte.

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Esse princípio desapareceu na nova LEO. O ritmo da libertação dos créditos é definido pelas
normas que regulam aquela execução orçamental, sendo que essas normas estão ou no
Orçamento ou no decreto-lei de execução orçamental (decreto que o acompanha).

Neste momento, já não vigora o princípio da execução por duodécimos, embora esse ritmo
continue a ser determinado porque, no fundo, dá-se a liberdade ao Governo de propor esse ritmo.
Pode propô-lo ou no Orçamento ou no decreto-lei de execução. Segundo a Prof. Teresa, se fosse
Governo, propunha-o no decreto-lei de execução, porque o decreto-lei é do Governo e o
Orçamento tem de ir à AR. Então, em rigor, pode ser o Governo a determinar o ritmo.

Acrescenta-se, ainda, dentro da execução, a questão das receitas consignadas. A regra é a não
consignação, mas há exceções. Portanto, pode haver receitas consignadas à realização de uma
determinada despesa. A propósito da execução das despesas com receitas consignadas, fala-se no
chamado duplo cabimento. Duplo cabimento, porque a execução dessas despesas está sujeita a
uma dupla condição que é: ® Primeiro, tem de se verificar o cabimento que é se as despesas
estão inscritas e cabem ainda na votação que resta. ® Segundo, tem ainda de se fazer uma
segunda condição: o segundo cabimento. Importa ver se elas cabem nas receitas efetivamente
cobradas.

Quando se falou na consignação, mencionou-se que esta podia ter vantagem ou inconvenientes –
depende da “qualidade” da receita que se está a consignar. Se é uma receita de realização certa e
segura, é bom consignar-se aquela receita à realização daquela despesa – isto é, tem-se uma
grande segurança que aquela despesa pode ser feita. Se é uma receita de verificação incerta, está-
se a criar mais um problema aquela despesa, porque a despesa, além de ter de ter cabimento no
orçamento geral, ainda tem de se verificar a arrecadação daquela receita específica. Imagine-se
uma despesa com a inscrição de 100 – tem-se cabimento para 100 –, mas cuja receita consignada
é de 50. Passa, então, no primeiro cabimento, mas não passa no segundo. O limite da receita é
50. Isto é chamado o duplo cabimento.

Isto é uma matéria relativa à execução porque, de facto, a consignação das receitas tem como
consequência uma alteração em sede de execução daquelas despesas.

8.5. Controlo da execução orçamental

Tem-se três níveis de controlo da execução orçamental: ® Controlo político: Feito pela AR,
aquando da aprovação da Conta Geral do Estado. Já se referiu a diferença entre conta e
orçamento, sendo que o orçamento é uma previsão e a conta é a efetivação do orçamento (é o

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que foi feito durante o ano). A AR aprova a Conta Geral do Estado e, nesse momento, há um
controlo político. ® Controlo administrativo: Feito por órgãos da Administração Pública. ®
Controlo jurisdicional: Levado a cabo pelo Tribunal de Contas. Importa focar no controlo
administrativo e no controlo jurisdicional.
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8.5.1. Controlo administrativo

O controlo administrativo é classificado segundo dois critérios. Por um lado, pode ser um
autocontrolo ou um heterocontrolo, consoante se é feito dentro da própria entidade por outro
serviço ou se é feito por uma entidade externa. Por outro lado, tem-se controlo prévio que é o
controlo anterior, sobretudo, à realização da despesa ou à cobrança da receita e o controlo
sucessivo. São os dois critérios de classificação do controlo administrativo.

Em Portugal, a DGO (Direção-Geral do Orçamento) do Ministério das Finanças é responsável


pelo heterocontrolo. No entanto, há mais entidades de inspeção, sendo que há variadíssimas
entidades de inspeção e controlo que existem dentro de cada ministério.

Relembra-se a diferença entre autonomia administrativa e autonomia administrativa e financeira,


sendo que há serviços que têm a mera autonomia administrativa e outros que têm a autonomia
administrativa e financeira. Os serviços com mera autonomia administrativa, mensalmente, como
não têm autonomia financeira, têm de requerer a libertação de créditos orçamentais à DGO.
Portanto, neste momento, a DGO realiza um heterocontrolo prévio. Antes de libertar créditos
orçamentais, “fiscaliza” o pedido que os serviços têm de fazer, nomeadamente, verificando a
correta inscrição orçamental e o cabimento.

Além do heterocontrolo prévio, há também um autocontrolo interno prévio chamada conferência


que visa verificar o mesmo: a inscrição e a dotação. Este controlo é diferente da autorização dada
pelo dirigente para a realização da despesa. A conferência, sendo anterior à realização da
despesa, tem de ser feita pela entidade/serviço/pessoa diferente do dirigente da autorização.

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A DGO tem ainda poder de heterocontrolo sucessivo, portanto, vai analisar todos os
pressupostos da legalidade financeira (no sentido lato: legalidade financeira + economia,
eficiência e eficácia) da prática daquele ato. Nos serviços com autonomia administrativa e
financeira, tem-se a existência de receitas próprias – normalmente, de valor superior ao das
transferências do Orçamento. Portanto, o controlo é feito pelos próprios órgãos da entidade. O
heterocontrolo prévio existe só para os montantes solicitados de transferência – isto é, se
entidade solicita uma transferência, esse montante da transferência do orçamento é sujeito ao
heterocontrolo prévio. No entanto, no restante não – só as receitas próprias desse serviço. Nessas
receitas próprias, há um autocontrolo interno prévio – temse apenas a conferência.

Seguidamente, tem-se controlo sucessivo, quer por parte do serviço (autocontrolo sucessivo)
quer por parte da DGO (heterocontrolo sucessivo).

8.5.2. Controlo jurisdicional

O controlo do Tribunal de Contas tem três níveis: controlo prévio, controlo concomitante e
controlo sucessivo. O Tribunal de Contas tem poderes para, relativamente a determinados atos,
realizar o controlo prévio – é o chamado visto dos contratos públicos. O nome é uma herança,
porque já não é “visto”, mas ainda se fala em “visto”. Nos casos definidos na Lei Orgânica do
Tribunal de Contas, no Orçamento e, sobretudo, na Lei dos Contratos Públicos, determinados
contratos têm de ser submetidos ao controlo prévio do Tribunal de Contas.

Esta fiscalização prévia incide sobre a legalidade em geral do ato que autoriza a realização da
despesa. Quando se fala em legalidade em geral, entra-se na problemática do que é a legalidade.
Há quem entenda que a legalidade financeira é só a inscrição e o cabimento, mas, por exemplo, a
Prof. Teresa entende que as regras da legalidade financeira incluem também a economia,
eficiência e eficácia. No entanto, não é consensual.

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Pode dizer-se que há legalidade financeira, há economia, eficiência e eficácia e, depois, há uma
série de outras regras, nomeadamente, do Código de Contratos Públicos que tem de se respeitar.

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Na Europa, todos os países têm um Código de Contratos Públicos e as entidades, quando querem
adjudicar/comprar um bem/serviço, estão sujeitas a regras e essas têm de ser cumpridas.

É o controlo dessa legalidade – que é uma legalidade muito ampla – que é feito em sede prévia e
se há recusa de visto pelo Tribunal, o ato é ineficaz. O visto é uma condição de eficácia
financeira do ato apreciado. Esta questão do visto é uma das questões também mais controversas.
Recentemente, o Governo alterou o Código dos Contratos Públicos e retirou da necessidade do
visto uma série de contratos com a intenção de promover a salaridade dessas contratações. Isto
gerou muita polémica, sendo que foi muito controverso.

Neste momento, o Presidente mandou outra vez para a AR o Código de Contratos Públicos, não
pondo em causa diretamente esta opção de não submeterem o visto, mas questionando sobre o
mecanismo que foi encontrado – que é criar uma Comissão que que acompanha estes contratos.
O Presidente acha que essa Comissão, nomeadamente, a sua composição deve ser reapreciada
pelos deputados.

De facto, o visto é muito importante. Imagine-se que se tem um contrato (que foi realizado e
assinado, portanto, tem-se uma obrigação) e o Tribunal vem dizer que o contrato é ilegal/nulo
porque não respeita o Código dos Contratos Públicos. Imagine-se, ainda, que se tratava de uma
obra e que já está a meio, sendo que não se pode pedir uma restituição do valor (porque o
empreiteiro já fez o trabalho). Esta sujeição ao visto prévio é muitíssimo importante porque visa
evitar problemas que surjam depois da realização do contrato.

Submete-se ao visto para se ter eficácia financeira quando se tem um concurso feito e já um
vencedor. À partida, não se começa a executar o contrato. Tem-se ali algumas despesas que se
pode começar a executar (aquelas que são inevitáveis), mas não se começará em princípio a
começar o contrato. Se o Tribunal recusa o visto, nada acontece.

É claro que aqui há contraditório, portanto, há um projeto sobre o qual a entidade vem
pronunciarse e depois há uma decisão final. No entanto, se a decisão final for a recusa do visto,
não acontece nada – não há um facto consumado que causa prejuízos muito maiores. É isso que
se visa evitar. No fundo, antecipar/prevenir os problemas porque, depois, é claro que o Tribunal
continua com os poderes da fiscalização concomitante e sucessiva.

A Prof. Teresa chegou a perguntar ao Presidente do Tribunal de Contas, aquando da conferência,


se ele achava que esta retirada de alguns contratos no Código de Contratos Públicos do visto
prévio poderia ser compensada por parte do Tribunal em sede de fiscalização concomitante e

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sucessiva e a resposta foi que parcialmente sim, mas nunca totalmente. De facto, é claro que sim,
porque tudo o que se faça em sede de fiscalização concomitante ou em sede de fiscalização
sucessiva vem sempre depois, portanto, há uma série de factos consumados/de prejuízos que já
não podem ser evitados.

Em rigor, aquilo que o Tribunal pode fazer em sede de fiscalização prévia também pode fazer
noutras sedes. Só que o problema é que já vai tarde, porque já há outros prejuízos entretanto
criados – porque há a assunção de uma obrigação de assinatura de um contrato com eficácia
financeira.

A fiscalização concomitante é muito feita pela secção da Auditoria. Em sede de Auditoria, faz-se
muito da fiscalização concomitante. Na fiscalização concomitante, o Tribunal pode ir solicitando
às entidades que estão sujeitas à sua fiscalização os dados sobre a realização da despesa. Em sede
desta fiscalização, pode emitir as tais recomendações. As recomendações não são obrigatórias,
mas têm obviamente um valor reforçado porque depois o Tribunal também tem uma secção em
que há o apuramento das responsabilidades financeiras dos decisores públicos e eventual
condenação do ressarcimento por parte do decisor público.

A recomendação tem o seguinte peso: o Tribunal faz uma recomendação, o decisor público
resolve não acatar essa recomendação (dado que não é obrigado a acatá-la) e, depois, em sede de
fiscalização sucessiva, vem ser assacada responsabilidade porque teve uma conduta que, de certa
forma, agravou a sua responsabilidade, dado que o Tribunal já lhe tinha dado uma recomendação
para fazer de uma determinada forma e ele não acatou essa recomendação. A recomendação é
um conselho com um relevo muito agravado.

A fiscalização sucessiva é a apreciação pelo Tribunal da legalidade da despesa, dos sistemas de


controlo interno de cada serviço e da economia, eficiência e eficácia da despesa. Imagine-se um
contrato de empreitada sobre o qual o Tribunal, em sede de fiscalização prévia, emite o visto.
Depois, em sede concomitante, pode acompanhar essa empreitada e isso é importante porque
normalmente a questão das empreitadas tem sempre obras a mais e a menos (e, portanto, valores
a mais e a menos) e há sempre estas questões de execução do contrato. Por último, em sede de
fiscalização sucessiva, pode de novo fiscalizar a modalidade do contrato.

A atividade do Tribunal de Contas é uma atividade jurisdicional. É um juízo técnico, porque


lança mão dos tais critérios de boa gestão. O Presidente do Tribunal de Contas, aquando da
conferência, falou das chamadas guide lines internacionais (de auditoria, não jurídicas). Essas
guide lines de auditoria servem também para, de certa forma, conformar/densificar o princípio da

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economia, eficiência e eficácia. Este princípio da economia, eficiência e eficácia é um princípio
jurídico e pode ser densificado com guide lines técnicas que são guide lines de auditoria.

Em sede de fiscalização sucessiva, o Tribunal tem também competência relativa à emissão de


dívida pública e aos atos de gestão de dívida pública e dos respetivos encargos (amortização de
capital e juros).

O Tribunal tem esta capacidade de fiscalização em diferentes momentos. Terminada esta


fiscalização, mesmo a sucessiva, pode o Tribunal entender que deve proceder ao tal apuramento
das responsabilidades financeiras dos decisores públicos e isto é eventualmente uma questão de
crime e, por isso, é que dentro do Tribunal há Ministério Público.

Imagine-se que, em sede de fiscalização concomitante ou de fiscalização sucessiva, o Tribunal


entende que há ali irregularidade e ilegalidades que entram na questão da responsabilidade, das
quais é possível assacar responsabilidade financeira ao decisor, então, ele remete para esta tal
outra secção (o Tribunal funciona por secções).
Descarregado por Joao Calenga (joao.calenga56@gmail.com)

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