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A RUA

Noelio Spinola1
Marcos R. Souza2

Je suis la rue, femme éternellement verte,


Je n’ai jamais trouvé d’autre carrière ouverte
Sinon d’être la rue, et, de tout temps, depuis
Que ce pénible monde est monde, je la suis...
João do Rio
Resumo
Este texto apresenta algumas considerações de natureza urbanística sobre a rua, uma das
menores unidades que compõem uma cidade, analisando o seu papel, na cidade de Salvador -
Bahia, as suas características e peculiaridades no tempo histórico que compreende a capital
baiana e a sua caminhabilidade, num exercício de Geografia Humana. Assim como a paisagem
as ruas são testemunhas de um passado e, se falassem, muito teriam de contar sobre o papel dos
homens na construção desta cidade. Este é o objetivo deste artigo, construído sob as regras do
método histórico.
Palavras-chave: Urbanismo, cidades, mobilidade.
Résumé
Ce texte présente quelques considérations de nature urbanistique sur la rue, l'une des plus petites
unités qui composent une ville, analysant son rôle dans la ville de Salvador - Bahia, ses
caractéristiques et particularités dans le temps historique qui comprend la capitale de Bahia et
son potentiel piétonnier, dans un exercice de géographie humaine. Comme le paysage, les rues
témoignent d'un passé et, si elles pouvaient parler, elles auraient beaucoup à dire sur le rôle des
hommes dans la construction de cette ville. C'est l'objet de cet article, construit selon les règles
de la méthode historique.
Mots clés : Urbanisme, villes, mobilité.
Abstract
This text presents some considerations of an urbanistic nature about the street, one of the
smallest units that make up a city, analyzing its role in the city of Salvador - Bahia, its
characteristics and peculiarities in the historical time that comprises the capital of Bahia and its
walkability , in an exercise of Human Geography. Like the landscape, the streets bear witness to
a past and, if they could speak, they would have much to tell about the role of men in the
construction of this city. This is the purpose of this article, built under the rules of the historical
method.
Keywords: Urbanism, cities, mobility.

Introdução
A rua se coloca como dimensão concreta da espacialidade das relações humanas, num
determinado momento histórico, revelando nos gestos, olhares e rostos, as pistas das diferenças
sociais. (FANI,2007. p.52).

1
Pós-doutor em Ciências Sociais; Doutor em Geografia; Professor Titular do PPDRU - UNIFACS.
2
Administrador de Empresas; Especialista em Administração de Serviços pela UFBa.
Poeticamente a rua é a alma da cidade. Anatomicamente é o seu esqueleto. Em ambos
os casos ela é fundamental.
Para Jacobs "Ruas e calçadas, os principais locais públicos de uma cidade, são seus
órgãos mais vitais" (1972 [1961]: 39).
"Por definição (...) as ruas de uma cidade devem fazer a maior parte do trabalho
de lidar com estranhos, pois é aqui que os estranhos vêm e vão. As ruas não
devem apenas defender a cidade contra estranhos predatórios, elas devem
proteger os muitos, muitos estranhos pacíficos e bem-intencionados que as
usam garantindo sua segurança também enquanto passam". (JACOBS, 1972
[1961]: 45)
De acordo com a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP, 2014), nas
cidades brasileiras com mais de 60.000 habitantes, 36% das pessoas realizam a pé a viagem até
os seus destinos, enquanto 27% utilizam o transporte individual motorizado e 29%, o transporte
público coletivo.
Pesquisa realizada pela Prefeitura Municipal de Salvador, em 2012, selecionou bairros
em três faixas da cidade - Orla, Miolo e Subúrbio. Salvador teve as piores médias do país nos
itens Largura de calçadas (4,42) e na oferta de Rampas de acessibilidade (2,05), enquanto o
quesito Regularidade do piso obteve média 5,11, bem abaixo da média mínima considerada para
uma calçada de boa qualidade (8,00), segundo os critérios da Campanha.
Calçadas estreitas, sem rampas de acessibilidade, com pisos esburacados e cheias de
obstáculos - esta realidade é enfrentada diariamente por quem anda pelas ruas de Salvador. Essa
situação foi o que levou a capital baiana a tirar nota baixa: 4,61, na média geral das cidades
brasileiras avaliadas pela equipe de pesquisadores do Projeto Mobilize. O ranking não deixa
dúvidas: entre as cinco piores calçadas do levantamento, quatro delas estão em Salvador.
(BARSAN, MOBILIZE BRASIL, 2012)
No item calçada estreita, intransitável, portanto, nada se compara a dois pontos da
cidade: a Ladeira dos Barris, no centro histórico, onde o passeio tem 96 cm de largura e, mais
absurdo ainda, a Av. Vasco da Gama, com ínfimos 36 cm! Ao pedestre, resta apenas ir para o
meio da rua, o que costuma acontecer em especial nos horários de pico. Sair para a rua é
também a alternativa no caso da Cidade Baixa, mas por motivo dos obstáculos e buracos que
comprometem as calçadas ali. (BARSAN, MOBILIZE BRASIL, 2012). Na Avenida Manoel
Dias da Silva, a requalificação das calçadas, ampliando substancialmente a sua largura, tem sido
prejudicada pelos motoristas, que insistem em estacionar os veículos sobre elas.
Mas quem anda a pé em Salvador é o pobre. Sempre foi. Os ricos, e mesmo a classe
média, possuem automóveis e o planejamento urbano da cidade foi concebido para este meio de
transporte.
Visto o exemplo pretérito, cabe esclarecer que o objeto deste texto está direcionado para
o pedestre e a sua caminhabilidade. Como se sabe, “pedestres são pessoas que se deslocam a pé,
incluindo crianças, adultos e idosos, com diferentes capacidades de percepção e agilidade. Os

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pedestres podem apresentar limitações físicas como deficiências motoras e de visão; podem
ainda ter limitações de locomoção permanentes ou temporárias, como o transporte de carrinhos
de bebês, carrinhos de compras, cadeira de rodas e crianças de colo. A grande liberdade de
movimento é um traço marcante dos pedestres: podem trocar de direção instantaneamente,
deslocando-se, também, para o lado e para trás. Sua movimentação envolve ainda esforço físico
e contato direto com o entorno. Sua baixa velocidade – normalmente entre 0,7m/s (pessoas com
mobilidade reduzida) e 1,2m/s (pessoas saudáveis) - acentua a interação com o espaço urbano
que o circunda, fazendo com que detalhes imperceptíveis para um ciclista ou condutor de
automóvel, por exemplo, tenham um impacto significativo para os pedestres”. (ITDP BRASIL,
2019, P.10)
Quanto a caminhabilidade, o seu conceito (walkability, em inglês) foca nas condições
do espaço urbano vistas sob a ótica do pedestre. Em linhas gerais, pode ser definido como a
medida em que as características do ambiente urbano favorecem a sua utilização para
deslocamentos a pé. O primeiro trabalho reconhecido na comunidade científica que apresenta e
mede a caminhabilidade, foi elaborado por Bradshaw em 1993. O autor criou 10 categorias para
mensurar a caminhabilidade das ruas do bairro onde ele morava em Ottawa, no Canadá.
“A caminhabilidade compreende aspectos tais como as condições e tamanho das
calçadas e cruzamentos, a atratividade e densidade da vizinhança, a percepção de segurança
pública, as condições de segurança viária e quaisquer outras características do ambiente urbano
que tenham influência na motivação para as pessoas andarem com mais frequência e utilizarem
o espaço urbano. A caminhabilidade tem foco não só em elementos físicos, mas também em
atributos do uso do solo, da política ou da gestão urbana que contribuem para valorizar os
lugares públicos, a saúde física e mental dos cidadãos e as relações sociais e econômicas na
escala da rua e do bairro”. (ITDP BRASIL, 2019, P.10).
O que justifica este trabalho é uma consciência de cidadania, voltada para a melhoria da
qualidade de vida da população, notadamente os mais pobres, que andam a pé para as fontes que
sustentam a sua sobrevivência e, colateralmente, os turistas que, para conhecer a cidade,
caminham pelas ruas da cidade. E que ruas são estas? Pelas informações coletadas junto a PMS,
aqui transcritas, são ruas péssimas. Reprovadas no ranking nacional. Trata-se de uma questão da
mobilidade urbana que continua a uma década na pauta dos administradores públicos. Apesar
dos esforços da Prefeitura Municipal de Salvador, com a pandemia da COVID, pouco progresso
alcançou-se, em termos práticos, nestes últimos anos.
Ademais, a população não coopera. Pelo contrário, depreda e vandaliza as ruas e seus
equipamentos. Aqui, não existe espírito comunitário, espírito público. Os vândalos acreditam
que, o que é público não pertence a ninguém, assim pode-se estragá-lo livremente...
O problema é antigo. As ruas do século XVIII recebiam o despejo dos urinóis, in natura,
e exalavam um odor pestífero. Mas elas já eram dos escravos e libertos visto que os senhores e

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as senhoras nelas não pisavam. Para eles existiam as “cadeirinhas de arruar”, os tílburis e as
carruagens.
O cronista e poeta João do Rio, ainda no início do século XX, fazia uma defesa
apaixonada das ruas3. Ele dizia:
“Oh! sim, as ruas têm alma! Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas
sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames,
ruas sem história, ruas tão velhas que bastam para contar a evolução de
uma cidade inteira, ruas guerreiras, revoltosas, medrosas, spleenéticas,
snobes, ruas aristocráticas, ruas amorosas, ruas covardes, que ficam
sem pingo de sangue...”
"Algumas dão para malandras, outras para austeras; umas são pretensiosas, outras riem
aos transeuntes e o destino as conduz como conduz o homem, misteriosamente, fazendo-as
nascer sob uma boa estrela ou sob um signo mau, dando-lhes glórias e sofrimentos, matando-as
ao cabo de um certo tempo."
Salvador, na proximidade dos seus quinhentos anos, com aniversário marcado para
2049, é uma cidade jovem quando comparada as cidades européias, como Paris, Roma e tantas
outras. Mas é uma cidade antiga, para os padrões do Novo-Mundo criado pelos espanhóis e
portugueses. Por isto comporta diferentes tipos de ruas4 das quais aqui se fala, somente como
exemplos, sem maiores compromissos técnico-urbanísticos, com base numa metodologia que
utilizou a pesquisa bibliográfica, as caminhadas e o conhecimento local. Na pesquisa
bibliográfica, além da WEB, baseou-se também no Índice de Caminhabilidade 2.0 que
consiste em uma versão revisada (2019) do Índice de Caminhabilidade produzido por
uma parceria entre ITDP Brasil, Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH/PCRJ),
(Publica Arquitetos) e (LabMob-UFRJ), recebendo apoio financeiro do Instituto Clima e
Sociedade (iCS). A publicação original encontra-se disponível sob demanda no e-mail
brasil@itdpbrasil.org.
Voltando as ruas, começa-se esta breve análise pelas “testemunho”, que saíram
das pranchetas do arquiteto portugues Luís Dias, nomeado em 1549 como "Mestre da
Fortaleza e Obras de Salvador". Trouxe consigo a traça do novo núcleo fortificado, de
autoria de outro arquiteto, seu chefe, Miguel de Arruda, "Mestre das Obras
Reais."(TAVARES,2010) Representando esta categoria, foi escolhida a Rua Chile, que é
considerada a rua mais antiga do Brasil. É localizada no Centro Histórico de Salvador,
servida pela Praça Tomé de Souza, e foi criada em 1549, quando da fundação da capital
da Bahia, Salvador, pelo primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa. A Rua

3
“A Alma encantadora das ruas – João do Rio - Brasil Cultura”)
4
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador (PDDU 2007), classifica as ruas e
avenidas de Salvador.
Chile, inicialmente, teve outros nomes como Rua Direita dos Mercadores e Rua Direita
do Palácio. A denominação atual veio da Câmara Municipal de Salvador como
pág. 4
homenagem a esquadra da Marinha de Guerra do Chile que, na época, nos visitava. Era
uma rua comercial e muito movimentada, com diversas lojas que
vendiam tecidos, roupas masculinas, femininas, perfumes, joias e utensílios; e com
hotéis como o Palace e o Meridional que hospedavam políticos, empresários e artistas
que vinham a Salvador. Em seu início, ao lado do palácio Rio Branco, sede do governo
estadual, era um importante ponto de reunião de políticos. Era moda local “fazer
footing na rua Chile”. Entretanto, com o passar do tempo, o declínio da navegação na
Bahia de Todos os Santos e, consequentemente, do fluxo de pessoas que chegava
procedente do Recôncavo e Sudoeste baiano; com a criação do Shopping Iguatemi, da
Estação Rodoviária e do Centro Administrativo da Bahia; com a construção das Br 324
conectando Salvador a Feira de Santana e ao Sul do país, por intermédio da Br116 (Rio-
Bahia), deslocou-se totalmente a centralidade da cidade e a rua foi sendo degradada e
passou a ter prédios e casarões abandonados. Perdeu sua alma! Deixou de ser uma rua
nobre para se depravar.
Outro exemplo selecionado foi a Avenida Joana Angélica que abriga relíquias
históricas como o Convento onde foi morta, pelos soldados portugueses, Soror Joana
Angélica a religiosa brasileira, mártir da Independência do Brasil, ao tentar impedir que
invadissem o Convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa na Bahia. Nela
também funcionam o Convento do Desterro que teve um alegre passado no século XIX,
hoje regenerado se dedica à produção de doces, e a Santa Casa (de Misericórdia)
terceira Santa Casa do Brasil, foi fundada em 1549, pelo então Governador-Geral do
Brasil, Tomé de Sousa, em uma construção de taipa e palha, situada onde hoje está
localizado o Museu da Misericórdia. A rua, promovida a Avenida pela sua importância
comercial, histórica e pelos equipamentos que abriga, como o Asilo dos Expostos
(Pupileira), onde eram depositadas as crianças enjeitadas, criado em 21 de fevereiro de
1875; o hospital Santa Isabel; o hospital Santa Luzia; o hospital Manoel Vitorino, além
de vários colégios importantes como o Estadual da Bahia (Central), o Severino Vieira e
o Salesiano. Ali também, em 14 de maio de 1835, no Campo da Pólvora, (antes
chamado de Campo dos Mártires) quatro africanos foram fuzilados, por participação na
Revolta dos Malês, ocorrida em janeiro do mesmo ano. Foram eles: Jorge da Cruz
Barbosa (nome africano Ajahi, nagô , liberto), Pedro (nagô , carregador de cadeira),
Gonçalo (nagô, escravo) e Joaquim (nagô, escravo). (REIS,2003). Também o Campo da
Pólvora foi usado em 28 de outubro de 1901, para a primeira partida não oficial de
futebol em Salvador. Em 9 de abril de 1905, o Campo se tornou oficial com os jogos
realizados da Liga Baiana de Esportes Terrestres (atual Campeonato Baiano). A estreia
foi com um jogo realizado entre Internacional e Vitória, com uma vitória de 3 a 1 do
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Internacional. O Campo da Pólvora não tinha arquibancada. O público se posicionava
pelos quatro cantos do campo que era “cercado” por cadeiras onde se sentavam as
senhoras, além disso o público tinham de se vestir a rigor, pois o futebol naquela época
era feito para a elite 1. Nele (hoje uma estação do Metro) também funciona o Fórum Rui
Barbosa. A Avenida Joana Angélica possui outras praças que lhe são tributárias,
começando pela Piedade que está implantada próxima ao local onde, na época colonial,
havia um dos portões que rasgavam as muralhas da cidade. Constituindo-se, no século
XVIII, na principal praça da cidade, ali foram executados, em 8 de novembro de 1799,
os quatro condenados da Conjuração baiana (Revolta dos Alfaiates ou dos Búzios), ali
tendo ficado expostas a cabeça e as mãos de Luís Gonzaga das Virgens, autor de
panfletos que pregavam a independência da Bahia e a abolição da escravatura.
Frequente local de manifestações populares e políticas, já nas lutas que precederam a
guerra pela Independência da Bahia, a Piedade foi palco de embates, dentre os quais
aquele que veio a vitimar a abadessa Joana Angélica, no Convento da Lapa. Mais tarde,
novos combates, capitaneados por Cezar Zama, tiveram lugar nesta praça, morrendo
muitos populares no movimento que culminou com a derrubada do governador José
Gonçalves da Silva, quando este apoiara o golpe de estado promovido por Deodoro da
Fonseca, no final do século XIX.
Com seus 4,6 km de extensão e dividida em tres distritos: São Pedro, Vitória e Barra, a
Avenida Sete de Setembro (antes conhecida como Avenida do Estado e Caminho do
Conselho) é de uso múltiplo comportando atividades comerciais, de serviços e
residenciais. Retratando a disparidade de renda em Salvador, é frequentada pela classe de
baixa renda, os camelos, que se concentram nas calçadas entre as Mercês e a ladeira de
São Bento; a alta classe média que ocupa os espigões da Vitória e a baixa classe média
que se estabelece na Barra; Ela foi construída (reformada) por J.J.Seabra quando
governador da Bahia em 1916. Tem início na Barra e termina na Praça Castro Alves,
onde se mescla com a rua Chile. Na Barra ela faz a ligação com a antiga feitoria de
Caramuru e a Vila Velha de Francisco Pereira Coutinho, nosso malsucedido primeiro
donatário. Na Barra, hoje, localiza-se o principal circuito do Carnaval baiano.

1
“São Salvador da Bahia de Todos os Santos: 2015 - Blogger”
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A Avenida Afrânio Peixoto, mais conhecida como Avenida Suburbana, é uma
importante avenida, localizada desde a região da Cidade Baixa, em Salvador, até
diversos bairros do Subúrbio Ferroviário, entre eles: Periperi, Plataforma, passando
por Lobato, Baixa do Fiscal, Itacaranha, Escada, Praia Grande, Coutos, Fazenda
Coutos. Rumo ao norte, começa em seguida à Feira do Curtume (Viaduto dos
Motoristas) e termina em Paripe completando a extensão de 14 quilômetros em pista
dupla, o que a deixa entre as maiores avenidas da cidade. Constitui um dos vetores de
expansão da cidade no sentido Norte. O vetor dos pobres. A região cresceu com o êxodo
rural provocado pelas secas periódicas que afligem o Semiárido baiano.
Outro vetor de expansão da cidade, o dos ricos, fica no lado Leste da cidade,
também no sentido Norte, a partir da Avenida Luís Viana (Paralela). Com pouco mais
de treze quilômetros de extensão, a Paralela liga a região do Iguatemi ao bairro de São
Cristóvão, nas proximidades do Aeroporto e da divisa de Salvador com Lauro de
Freitas. Em conjunto com a rodovia federal BR-324, compõe os eixos estruturantes do
sistema viário soteropolitano que vai se prolongar na direção de Lauro de Freitas e da
Ba-99 (Estrada do Coco) que abre o acesso às praias e condomínios do litoral Norte e
segue até a fronteira com Sergipe.
A mobilidade urbana
A Prefeitura de Salvador, a partir de 2012, vem desenvolvendo estudos voltados
para a mobilidade urbana, no contexto de um programa nacional coordenado pelo
Ministério das Cidades. Trata-se do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável de
Salvador - PlanMob, coordenado pela Secretaria Municipal de Mobilidade de Salvador
– SEMOB. Os estudos, no plano teórico, estão bastante avançados em que pesem os
transtornos provocados pela recente Pandemia da COVID.
Segundo o PlanMob, os dados do Diagnóstico da Mobilidade em Salvador, com
base na Pesquisa OD de 2012, indicaram o predomínio de deslocamentos a pé em
Salvador, sobre as demais modalidades de transporte, com 1,75 milhões de viagens a pé
que correspondem a 38% do total de viagens diárias (dados de 2012). Considere-se
também que 35,9% das viagens diárias em Salvador são realizadas pelo modo coletivo
requerendo caminhadas dos usuários para acesso às estações, pontos de parada e
terminais. A projeção linear do número de viagens a pé, calculada com base no

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crescimento da população previsto no cenário apresentado no Relatório RT05, indica
2,10 milhões de viagens diárias no ano 2032.
Devem ser considerados, também, os deslocamentos a pé associados ao
transporte coletivo. As intervenções previstas no setor de transporte coletivo deverão
implicar aumento substancial da participação de viagens com transferências entre linhas
de ônibus e entre modos de transporte coletivo (todos os sistemas de ônibus urbanos e
metropolitanos, o metrô e o VLT) resultando em aumento de deslocamentos a pé tanto
para acesso ao sistema como para a realização dessas transferências entre modos.
Atualmente, cerca de 23% das viagens de transporte coletivo realizam transferências
(integrações). A configuração da rede única racionalizada e integrada deverá implicar o
aumento desse percentual para aproximadamente 70%. (PLANMOB, 2012).
O diagnóstico da mobilidade a pé envolveu uma análise amostral da qualificação
das calçadas, uma análise expedita dos aspectos de declividade da malha viária e
consequentemente, das calçadas, e uma análise das carências de dispositivos de
transporte vertical em função da ocupação lindeira e das características físicas
(declividade e diferenças de cotas para o deslocamento). Neste diagnóstico concluiu-
se, a partir da análise de uma amostra, que no entorno dos pontos de ônibus,
aproximadamente 58% das calçadas requerem algum tipo de adequação e que cerca de
22% das calçadas são inexistentes. (PLANMOB, 2012).
Uma metodologia para o exercício da caminhabilidade foi desenvolvida pelo
Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), resultante de uma
parceria com o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade. Sobre esta fazemos as
seguintes considerações finais deste texto.
O Índice de Caminhabilidade - iCam, é composto por 15 indicadores agrupados
em seis diferentes categorias. Cada uma delas incorpora uma dimensão da experiência
do caminhar. As categorias definidas são consideradas lentes necessárias para a
avaliação da caminhabilidade, e são utilizadas como parâmetros centrais de referência
para a avaliação, definindo a distribuição da pontuação.

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Figura 1 - Categorias do Índice de Caminhabilidade

Fonte: ICAM

As categorias possuem os seguintes indicadores:

1. CALÇADA
1. Largura
2. Pavimentação
Observação: A Calçada incorpora a dimensão de caminhabilidade relativa à
infraestrutura, considerando dimensões, superfície e manutenção do piso adequadas
ao pedestre. (“TFG 2018 Luna Viana by Luna Viana - Issuu”)

2. MOBILIDADE
1. Dimensão das quadras
2. Distância a pé ao transporte
Observação: Mobilidade está relacionada à disponibilidade e ao acesso ao
transporte público. Avalia também a permeabilidade da malha urbana.
3. ATRAÇÃO

1. Fachadas Fisicamente Permeáveis;


2. Fachadas Visualmente Ativas;
3. Uso Público Diurno e Noturno;
4. Usos Mistos.
Observação: Esta categoria inclui indicadores relacionados a características
de uso do solo que potencializam a atração de pedestres. Eles avaliam
atributos do espaço construído que podem ter um impacto decisivo na

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intensidade do uso das rotas de pedestres e na sua distribuição ao longo do
dia ou semana.

4. SEGURANÇA VIÁRIA
1. Tipologia da Rua;
2. Travessias.
Observação: Esta categoria agrupa indicadores referentes à segurança de
pedestres em relação ao tráfego de veículos motorizados, assim como a
adequação de travessias a requisitos de conforto e acessibilidade universal.
"Esses indicadores têm grande importância na avaliação de condições de
caminhabilidade, pois estão relacionados a riscos de colisões e fatalidades."
(“TFG 2018 Luna Viana by Luna Viana - Issuu”)
5. SEGURANÇA PÚBLICA
1. Iluminação;
2 Fluxo de Pedestres Diurno e Noturno.
Observação: A Segurança Pública, ou seguridade pública, é um tema recorrente
nas discussões sobre utilização da rua e outros espaços públicos, especialmente
em países com profundas desigualdades sociais como o Brasil. Pesquisadores
têm explorado a influência do desenho urbano e das edificações no número de
ocorrências e na sensação de segurança transmitida aos pedestres desde a década
de 1960. A categoria Segurança Pública é composta por dois indicadores
relativos ao tema. Outros indicadores comumente associados à segurança no
espaço público, como transparência das fachadas, encontram-se contemplados
na categoria Atração.
6.AMBIENTE

1. Sombra e Abrigo;
2. Poluição Sonora;
3. Coleta de Lixo e Limpeza.

Observação: Esta categoria agrupa indicadores relacionados a aspectos


ambientais que possam afetar as condições de caminhabilidade de um espaço
urbano. Esses indicadores estão relacionados a aspectos de conforto, como
sombra e abrigo, e a condições ambientais, como poluição sonora e limpeza
urbana.

Unidades de Análise para Cálculo do Índice

A unidade básica de coleta de dados e avaliação de indicadores para o cálculo


final do iCam 2.0 é o segmento de calçada. Este se refere a parte da rua
localizada entre cruzamentos adjacentes da rede de pedestres - inclusive
cruzamentos não motorizados -, levando em consideração somente um lado
da calçada. A escolha do segmento da calçada como escala da unidade de

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análise serviu para refletir de maneira precisa a experiência do caminhar do
pedestre. No entanto, em alguns casos, a coleta de dados foi adaptada de acordo
com a natureza do indicador. Isto ocorreu nos indicadores Fachadas Fisicamente
Permeáveis e Fachadas Visualmente Ativas, nos quais foi avaliada a face de
quadra. A face de quadra corresponde ao conjunto de fachadas confrontante ao
segmento de calçada. Ressalta-se que a pontuação foi sempre atribuída ao
segmento de calçada correspondente, inclusive nas situações em que o elemento
avaliado é outro. Em indicadores para os quais não é possível obter o dado
desagregado para cada segmento de calçada, recomenda-se que seja utilizada a
escala do dado disponível e que a pontuação seja atribuída aos respectivos
segmentos de calçada. No indicador Tipologia da rua, por exemplo, a avaliação
se dá no sistema viário, e consequentemente a pontuação obtida é expandida aos
segmentos de calçadas pertencentes à via.

Figura 2 - Exemplo de Calçada

Fonte: iCam 2.0

A aplicação do iCam 2.0 é baseada em três tipos de dados

• Dados primários levantados em pesquisa de campo (como, por exemplo, a


largura das calçadas).
• Dados secundários coletados a partir de documentação preexistente,
fotografias aéreas / satélite e recursos de georreferenciamento (como, por
exemplo, levantamentos do programa Google Earth).
• Dados secundários coletados junto a agências públicas (como, por exemplo,
a hierarquização viária).

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Considerações finais

A aplicação dos estudos relacionados com a Caminhabilidade tem


ocupado recentemente a atenção da comunidade científica em diversos países
da Europa (Portugal é um caso) e em alguns estados brasileiros mais
desenvolvidos como Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. A Bahia, como aqui referido, engatinha nesse
processo, mas está sujeita a solução de continuidade dada a fragilidade do seu
capital humano.
A Prefeitura de Salvador já possui expertise no assunto e o seu
progresso depende de fatores exógenos produzidos pela estrutura cultural da
cidade, os quais são negativos e adversos.
A Universidade Salvador poderá romper este impasse e iniciar a
execução deste projeto, como efeito demonstração, em um fragmento da
cidade, através do seu projeto Cidades Internas em andamento. Tudo
dependerá de vencer-se algumas resistências internas, reacionárias frente ao
novo e ao inédito.

Referencias

ESTUDO MOBILIZE 2022.[Livro eletrônico] Relatório Final: Mobilidade Urbana em


dados e nas ruas do Brasil./ Organização Mobilize Brasil. São Paulo: Marcos de Souza,
2022 PDF.
FARIA, Luiza Gomide [Livro eletrônico]Nota técnica 279. A Rede Prioritária de
Mobilidade a Pé - Parte 1. São Paulo: CET, 2022.
PLANMOB SALVADOR. Plano de Mobilidade Urbana Sustentável Disponível em
http://planmob.salvador.ba.gov.br/images/consulte/planmob/PlanMob-Salvador-RT03.pdf
Acesso em 04/2023.
RIO, João do. [Livro eletrônico] A alma encantadora das ruas. São Paulo: Lê Livros,
2023.
TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia. Salvador: EDUFBA, 2008.
WIKIPÉDIA. História de Salvador. Disponível em: História de Salvador – Wikipédia, a
enciclopédia livre (wikipedia.org) Acesso em 04/2023.

ANEXOS

pág. 12
SALVADOR -
PDEF.pdf

pág. 13

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