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1.2. Caso de Estudo: a “A. J.

Lobo” ou a arte de Gerir Pessoas em


Português.1

PRÓLOGO

Não desconhecemos que seria de elementar bom sentido académico referir problemas e
soluções, no abstracto, e não procurar apresentar empresas modelo. Estas, podem muito bem
revelar-se, efectivamente, a mais ou menos breve prazo, como insucessos, a exemplo dos
casos famosos referenciados no “best-seller” dos anos 80, “Na Senda da Excelência”. No caso
vertente, porém, arriscamos a difusão do texto desta entrevista, naturalmente com a aprovação
explícita do nosso entrevistado. Ao evocar práticas de gestores concretos, seguimos o exemplo
de Pfeffer, Bennis, De Vries, e tantos outros autores conhecidos pelo seu rigor científico (De
Vries, 1996). Ao procederem desta forma, os autores procuram ilustrar concepções e modelos
teóricos, definidos “a priori”. Seguimos neste caso um caminho similar, mas concedemos a
centralidade e o fio condutor da reflexão ao pensamento do entrevistado. Esta metodologia que
poderíamos considerar como sendo mais paralela do que integrada, quase artesanal, poderia
dizer-se, pretende colocar a entrevista e as notas explicativas como numa imagem em espelho,
em que a teoria ilumine o perfil do gestor e este seja visto como produtor de uma reflexão
estratégica na área da GRH. Para o efeito, o texto da entrevista foi submetida a um tratamento
cauteloso (mantendo intactas cada uma das partes da mesma, entretanto desmembradas),
processo que nos pareceu apropriado para fazer emergir categorias facilmente identificáveis
pelos estudantes e profionais interessados na Gestão Estratégica de Recursos Humanos, a
quem este texto se destina, em primeiro lugar.
Aprendemos com esta empresa e com este gestor que é possível gerir, com um sentido de
excelência, a cultura portuguesa. Pela nossa parte, gostamos de estar próximos de quem revela
paixão pela arte (e pela ciência) de gerir pessoas, procurando o ideal de “fazer o que diz”, no
quotidiano, como ensina Weick (1995). Atente-se, a propósito, na frase que abre o “site” da
empresa: “hoje contamos com cerca de 250 colaboradores no universo do Grupo Lobo Solar e
sabemos que eles são a chave do nosso sucesso”.
A partir deste nosso modesto meio de difusão, temos o grato prazer de proporcionar ao Sr.
Joaquim Lobo2 o espaço académico de que dispomos, para que ele possa “dizer o que faz”, na
1ª pessoa, na certeza de que estamos na presença de um dos bons gestores que se podem
encontrar na União Europeia. Foi com alguma emoção que nos confiou, já em 2009, um
comentário pronunciado pelo rei da Suécia, no final da visita que fez, para conhecer uma
1
A entrevista que permitiu a recolha de dados para elaboração deste caso foi conduzida por Albino Lopes
e Alexandra Fernandes, docentes do ISCTE, em 2003, após um contacto preliminar. Para mais informação
sobre esta temática: Fernandes, A. (2004). Aprendizagem Organizacional: Teorias e Práticas . Lisboa:
Livros Horizonte.

2
Na Alemanha, onde viveu e trabalhou, o nosso entrevistado formou-se na escola de formação profissional da
Siemens, tendo atingido o nível 5 (equivalente a licenciatura, pelo sistema profissional).
fábrica de que ele tinha ouvido falar pouco tempo antes, no contexto de uma comparação
internacional realizada por um laboratório sueco: “esta fábrica ficava bem lá no meu país”. O
gestor confessou, a este propósito: “até parece que somos mais conhecidos na Alemanha ou na
Suécia do que em Lisboa, ou mesmo no Alentejo” 3.

INTRODUÇÃO

Num estudo dedicado à Aprendizagem Organizacional em diferentes sectores de actividade


(ex., hospital, industria automóvel, retalho) 4, a Empresa A. J. Lobo, sedeada no Parque
Industrial de Évora, foi o grande caso de sucesso identificado em comparação com outras 13
organizações. De facto, o funcionamento da A. J. Lobo permite que toda a empresa adquira
novos conhecimentos com a dinâmica que vai ocorrendo, sucedendo, assim, que a maioria das
aprendizagens dos seus colaboradores resulta em aprendizagens para a globalidade da firma.
Ou seja, estamos perante um verdadeiro case study no domínio da Aprendizagem
Organizacional e da Gestão em geral. O estudo da GERH ganha um sentido diferente quando
temos o privilégio de poder entrevistar5, visitar a empresa, observar a sua interacção com as
pessoas e conversar de maneira um pouco mais livre (tipo “of the record”) com um responsável
empresarial como o Sr. Joaquim Lobo.
Ao optarmos por esta abordagem qualitativa da realidade organizacional recolhendo
testemunhos relevantes, pretendemos, ainda, ilustrar a valia da corrente teórica da “estratégia
baseada nos recursos”.
Inspiramo-nos na obra emblemática de Barney e Wright (1998), em que os autores se
propuseram, igualmente, optar por recolher selectivamente o pensamento e as práticas de
GERH. Como aqueles autores, também nós poderíamos concluir, a partir dos 13 casos
estudados no âmbito da Tese de Doutoramento da Alexandra Fernandes, que parecem ser
bastante raros os empresários que desenvolveram um verdadeiro sistema de GRH inserido na
cultura profunda da cultura nacional e, sobretudo, que dela tenham conseguido fazer o
principal recurso da empresa.

3
Refira-se, entretanto, que a A. J. Lobo tem como missão a criação de valor para os seus clientes, de emprego estável
para os seus colaboradores, de parcerias de confiança com os seus fornecedores e contribuir activamente para o bem-
estar da comunidade em que se encontra inserida. Dificilmente se encontra uma formulação da missão, em que não
apareça em primeiro lugar a criação de valor para os accionistas. E não se trata de retórica, como se poderá ver pela
sequência da exposição.
4
O facto despertou-nos o interesse de conhecer as condições e caracterísicas que fazem deste um caso que desmente
(desconfirma, no dizer de K. Popper) a teoria que tem sido produzida acerca da inaptidão dos gestores portugueses
para a constituição de empresas de sucesso internacional, como se verá abaixo acerca de um estudo apresentado em
nome da Universidade de Warwick (R. U.).
5
Segue-se o tratamento da entrevista, a qual, naturalmente, foi conduzida de maneira mais bem livre do que
transparece nesta fórmula), usando como grelha de análise de conteúdo as dimensões do modelo de GRH,
desenvolvidas no corpo teórico da cadeira de GERH ministrada nos Mestrados de Gestão do ISCTE. Como se
depreende, a entrevista original foi sendo desmembrada e reestruturada, de acordo com as categorias referidas. São
acrescentadas notas informativas, tiradas no decurso de uma visita às instalações, ou referidas noutros contextos, no
decurso das diversas conversas havidas entre o gestor e um dos dois investigadores.
Ao longo do texto que retoma e comenta a entrevista, foram sendo, ainda, acrescentados
alguns apontamentos teóricos curtos, sem cortar demasiado o fio condutor da reflexão do
gestor que fala na primeira pessoa, como atrás se referiu.

I - INDICE das dimensões de análise6 da GRH

1. A Crise como Oportunidade (enquadramento do negócio)


2. Globalização, Cultura, Liderança e Projecto Estratégico

2.1. Alinhamento da GRH com a estratégia da empresa


2.2. Liderar a cultura portuguesa e o envolvimento dos colaboradores
2.3. Consideração pessoalizada – a importância determinante do papel de mentor no
contexto da gestão da cultura portuguesa
2.4. Aprendizagem da gestão no contexto da condição de assalariado
2.5. Duplo projecto económico e social – o segredo da sustentabilidade
2.6. Gestão da informação e transparência dos actos de gestão

3. Organização do Trabalho, Capital Intelectual, Qualidade e Comprometimento


Organizacional
3.1. Sistema integrado da gestão pela qualidade – a conformidade percebida por
colaboradores e clientes
3.2. Intra-empreendedorismo (comprometimento) – nesta empresa somos todos gestores
3.3. Opção por novas formas de organização do trabalho no contexto da introdução das
NTIC, nos processos de trabalho
3.4. O processo de resolução de problemas e o empowerment dos colaboradores
3.5. Higiene e segurança no trabalho e stress organizacional

4. Selecção, Recrutamento e Retenção dos Colaboradores


4.1. Modelo de contratação e processo de socialização organizacional
4.2. Rotação interna, polivalência e desenvolvimento de competências
4.3. O estado do ensino e da formação em portugal
4.4. O problema da orientação escolar e vocacional

5. Avaliação de Desempenho e Custos Ocultos à luz da Gestão por Objectivos


5.1. Indicadores e avaliação de desempenho (indivíduos versus grupo)
5.2. A apreciação de mérito envolve todo o colectivo e os grupos

6. Sistema de Remunerações

6
Este índice pode ser, facilmente, convertido num guião de entrevista para outras investigações ou para auto-avaliação
da liderança e da GERH de uma organização.
6.1. Prémios e participação nos resultados (atribuídos ao grupo ou aos indivíduos)
6.2. Assegurar o futuro – gestão de um sistema de seguro interno
6.3. Compatibilização entre a vida pessoal e a profissional – qualidade de vida no trabalho,
responsabilidade social e estabilidade de vínculo

7. Formação Profissional
7.1. O papel da relação dialógica na criação e na circulação do conhecimento
7.2. Aposta na formação profissional contínua

8. Cuidar da Comunicação – A gestão das expectativas positivas das pessoas


9. Cultura em Rede – A responsabilidade social, como dimensão relevante da cultura da
organização.

II - Palavras-Chave e Categorias de Análise por Dimensão considerada

Seguem-se as principais palavras-chave e categorias de análise da entrevista ao líder,


organizadas de acordo com o modelo teórico que se encontra desenvolvido no corpo do
presente texto e que constitui a base teórica da disciplina de GERH, ministrada no mestrado de
gestão do ISCTE.

A – Categorias e palavras-chave do módulo gerador, relativo à emergência da visão


organizacional:

1 – Relação entre a propriedade e a gestão da empresa (que pacto familiar foi


desenvolvido para dirimir eventuais conflitos na esfera da coligação dominante e que irá
presidir, a seu tempo, à sucessão na gestão de topo?);
2 - Estratégia baseada nos recursos e oportunidades de negócio;
3 – Gestão pela qualidade total;
4 – Projecto organizacional e mudança.

B – Categorias definidoras das dimensões estruturantes do comportamento organizacional (CO)


e da GRH:

5 – Comprometimento organizacional (papel mediador da cognição, da relação e da


emoção para a criação de sentido positivo em caso de insucesso);
6 – Cultura de rede, interna e externa.

C – Chave de leitura do CO e da GRH:

7 – Cultura nacional, profissional e organizacional.


D – Dimensão política da organização:

8 – Liderança transformacional.

E – Dimensão técnica e gestionária:

9 – Hierarquia e organização do trabalho no contexto das novas tecnologias – infra-


estrutura nuclear do “edifício” da GRH.

F – Principais práticas de GRH:

10 – Gestão das competências e selecção;


11 – Gestão da avaliação e objectivos;
12 – Gestão das remunerações e carreiras;
13 – Concepção e gestão da formação profissional contínua.

G – Dimensão transversal:

14 – Gestão da comunicação interna e externa.

H – Indicadores de sustentabilidade:

15 – Gestão do capital intelectual (eficácia);


16 – Balanço social, identificação e gestão dos cultos ocultos (eficiência).

Este procedimento de levantamento das categorias emergentes de uma entrevista, ao jeito de


visita guiada a uma empresa, permite-nos deduzir os termos teóricos a partir dos factos
apresentados por um gestor situado no seu tempo, no ritmo das suas tomadas de decisão e no
seu espaço concreto de acção, ao invés do que é tradicional fazer-se, ou seja, apresentação das
teorias e ilustração com casos de estudo.

III - PRINCIPAIS DIMENSÕES E CATEGORIAS DE ANÁLISE DA


ENTREVISTA

1. A questão da diferenciação entre propriedade e gestão


1.1 Tensões e consensos de um período particular do país
Nota: Os diversos contactos havidos no decorrer da pesquisa que deu origem a este caso de
estudo permitiram conhecer, com alguma profundidade os meandros da formação desta
experiência empresarial fascinante a vários títulos. Assim ficamos a saber que a empresa nasce
no contexto da situação revolucionária de 1974, e em que se não conhecia o futuro dos
investimentos estrangeiros em Portugal. Os protagonistas deste caso trabalhavam na
multinacional Siemens e decidem criar uma empresa familiar, para prevenir a emergência da
fuga deste investimento estrangeiro. O constrangimento tornar-se-ia uma oportunidade; nasceu
uma família de empresários muito unidos, os quais viriam a conhecer, a partir da prática, as
vantagens da complementaridade de competências que os irmãos possuiam. A sucessão está a
ser há muito preparada com a entrada dos filhos dos fundadores, com os quais tivemos
algumas breves conversas acerca do futuro do negócio e da empresa.
Joaquim Lobo (JL) - Podemos então falar um pouco mais sobre a gestão da A. J. Lobo. De
facto, nós somos três irmãos. Eu e mais dois. Cada um está em diferentes áreas. Dentro da
empresa temos três grandes áreas de negócio em que a metalomecânica de precisão é a maior.
Nós, os três irmãos, gerimos cada um, uma área como se fossem 3 empresas, três unidades de
negócio, logo cada um pode tomar as suas decisões independentes. Digamos que depois cada
um é o porta-voz dessa área de negócio.

1. 2 A Crise como uma Oportunidade a Explorar

Albino Lopes (AL) - Sr. Joaquim Lobo! Parece inevitável iniciar esta entrevista por falar sobre
o acordo que a A. J. Lobo estabeleceu recentemente com a Shell Solar 7 (antes trabalhava para
a Siemens) para cooperar em exclusivo até 2008. Explique-nos este grande acontecimento.
JL - De facto, foi um grande acontecimento. Aliás, veio cá assistir à assinatura do acordo o
próprio Ministro da Economia e várias entidades.
AL - Houve repercussão do caso na comunicação social? Em que revistas ou jornais?
JL - Saiu no Jornal de Negócios, no Público.
AL - E houve reportagens sobre a empresa?
JL - Sim. Houve uma reportagem feita pela SIC, houve outra feita pela RTP e saiu em mais
meia dúzia de jornais, uns diários e outros semanários. De facto, veio um autocarro com
jornalistas de Lisboa para fazerem a cobertura.
Alexandra Fernandes (AF) – É interessante pensarmos que num ano de crise (2003), com
tantas empresas a fecharem, a A. J. Lobo, pelo contrário, continuou em expansão. Quando eu
cá vim, em Outubro. Portanto, eu gostaria que explicasse com mais pormenor como é que,

7
O contrato com a Shell Solar, entretanto, terminou em 2008; “desde então a empresa segue o seu próprio caminho”,
confessa o gestor sem revelar qualquer sinal de inquietação. Actualmente, segundo o site da AJLobo, a “Missão” da
empresa (250 colaboradores) está definida da maneira seguinte:
- A empresa aposta na criação de valor para os seus clientes;
- Na criação de um emprego estável para todos os seus colaboradores;
- No estabelecimento de relações de confiança com os seus fornecedores;
- Numa contribuição activa para o bem-estar da comunidade onde está inserida.
De acordo com o relatório da OCDE (2002), a empresa atingiu já o limiar mínimo de crescimento que lhe permitiria
aspirar a um título de “Empresa de Tamanho Intermédio – Líder Mundial no seu Sector”, assim houvesse uma política
de detecção e de aposta conjunta por parte das autoridades portuguesas e deste tipo de empresas. Aquela instituição
internacional, querendo incentivar os governos a apostarem em políticas de internacionalização das suas empresas,
acrescenta ainda que mais de 50% do emprego a nível mundial tem sido criado por este género de empresas, as quais
representam, por sua vez, cerca de 5% do emprego total.
É curioso notar, por outro lado, que este tipo de empresas é, igualmente, 7 vezes mais elevado nos EUA do que na
Europa.
num ano em que houve tanta crise, há um aumento tão significativo do efectivo da vossa
empresa, cerca de 25% (eram 150 e neste momento são 200 e qualquer coisa).

2. Globalização e Projecto Estratégico


2.1. Alinhamento da GRH com a Estratégia da Empresa

JL - Fundamentalmente, penso que a crise existe em empresas que apostam em tecnologias


não muito exigentes. Portanto, aquilo que na gíria costumamos dizer que toda a gente sabe
fazer. Eu penso que a crise, neste momento, afecta principalmente as empresas têxtil e de
calçado (embora existam sempre nichos de mercado para aquelas grandes empresas que
produzem com bastante qualidade). A nossa empresa tem uma tecnologia de futuro, estamos a
falar de energias renováveis, de alta precisão, que é efectivamente aquilo que poucos sabem
fazer e penso que todas as empresas que apostam neste domínio, tendo qualidade, têm futuro.
Estes tipos de indústrias são mais difíceis porque requerem, da parte da administração e dos
colaboradores da empresa, um maior empenhamento, mais formação, mais conhecimentos.
Mas, digamos que depois os resultados são mais seguros. Desta forma, estas empresas não
ficam tão vulneráveis às crises. Por outro lado, gostaria ainda de referir que hoje o nosso
mercado é global. Todos falam nele mas poucos têm a percepção do que isso significa. De
facto, este obriga-nos a pensar, não só a nível interno, mas também a nível externo. Portugal é
um país tão pequeno e que recorre tão pouco às energias renováveis que qualquer empresa
como a nossa não tem viabilidade em termos de futuro só com o mercado nacional. Assim, o
que é que nós fizemos? Aliámo-nos àqueles que de facto lideram os mercados mundiais nestas
áreas8. De facto, nesta área das energias renováveis quem lidera são, principalmente, a Shell e
a BP. Nesse sentido, nós assinámos um acordo de cooperação com a Shell até 2008 e nesse
acordo ficaram estabelecidas algumas premissas que são boas para as duas partes. E isso,
obviamente, dá-nos garantias.
AL – Mas esse acordo não existia? Antes trabalhavam para a Shell e para outras empresas?
JL - Sim. Agora temos exclusividade com a Shell, desde que esta empresa comprou o negócio
da Siemens. Só trabalhamos com eles.
AL – Mas para fazer o que já faziam, ou obtiveram novas vantagens?
JL - Fazemos o que já fazíamos e estamos também a implementar alguns produtos novos que a
Shell desenvolveu e que estão a ser testados, pela primeira vez, na nossa empresa.

8
Acerca deste caso da exclusividade, importa notar que nunca foi referenciado como um risco o facto de a empresa ter
trabalhado num contexto de cliente único, como frequentemente se lê na literatura da especialidade. Para o empresário
o que parece relevante é que a empresa está a desenvolver uma relação de parceria com um cliente extremamente
exigente e que esse seria o melhor seguro de actividade face ao futuro. Como se perceberá mais adiante, é esta
preocupação experiencial que guia o seu percurso estratégico: reunir recursos e basear neles a confiança para poder
enfrentar o mercado global. O risco potencial não foi vivenciado, pelo colectivo de trabalho, sob a emoção do medo do
fracasso mas antes sob o significado de oportunidade de crescimento sustentado, potenciando o comprometimento
organizacional.
Quando se fala em gestão do sentido ou do significado pretende-se estabelecer a enorme diferença que existe “entre
partir pedra ou construir uma catedral”, como se dizia nas pedreiras da Idade Média.
AL – E esse é um ganho real para a empresa?
JL - Sim, para nós é. Estamos a produzir, aqui na nossa empresa, um painel foto voltaico mais
moderno do que os anteriores. É o único sítio, no mundo inteiro, onde está a ser produzido.
AF – No mundo inteiro?
JL - Sim, no mundo inteiro. Aqui na Europa somos nós os únicos a fazer este tipo de produto.
As células são feitas na Shell Solar, nos Estados Unidos, e estamos agora a implementá-las na
nossa empresa em grandes quantidades. Nós e a Shell acabámos, neste momento, de ganhar
dois grandes projectos que nos deixam completamente esgotados em termos de produção para
o próximo ano (2004/5).

2.2. Liderar (em equipa) a Cultura Portuguesa e o Envolvimento dos Colaboradores

AL – E se nós pudéssemos, então, falar mais circunstanciadamente sobre a gestão da


empresa?
JL - Podemos então falar um pouco mais sobre a gestão da A. J. Lobo. De facto, nós somos
três irmãos. Eu e mais dois. Cada um está em diferentes áreas. Dentro da empresa temos três
grandes áreas de negócio em que a metalomecânica de precisão é a maior. Nós, os três irmãos,
gerimos cada um, uma área como se fossem 3 empresas, três unidades de negócio, logo cada
um pode tomar as suas decisões independentes. Digamos que depois cada um é o porta-voz
dessa área de negócio. Existem grandes linhas que são definidas por todos mas depois
discutimos em conjunto novas possibilidades que podem surgir 9. Por exemplo, vamos fazer isto
e aquilo, assinar contrato com a Shell, ou não.
AL – E dos três irmãos há um que é mais produtor de ideias novas?
JL - Sim, sou eu.
AL – Digamos que é o que encontra mais oportunidades. Há um que é dotado mais para os
números?
JL - Sim. Há um que é mais da parte administrativa, que está sempre mais preocupado com os
números, com o controlo, e há outro que é mais da parte fabril, produtiva, mais preocupado
com o fazer.
AL – Há teorias que propõem que no topo das empresas devem estar três tipos de pessoas
ligadas às funções que acabou de descrever.
JL - É interessante. De facto, a partir das definições estratégicas definidas por nós os três,
arranjámos uma forma de envolver todos os trabalhadores da empresa nos objectivos que

9
De acordo com P. Pitcher e H. Mintzberg, o ideal seria a existência de uma equipa de liderança em que os perfis de
artesão, artista e tecnocrata, se equilibrassem, mas em torno das competências daquele que melhor conseguir
desenvolver o papel de Mentor e, igualmente de Facilitador da cooperação no seio das equipas e no todo
organizacional, que segundo R. Quinn configurariam esse mesmo perfil de “artesão”.
pensamos ser os mais indicados para a empresa. Aí nós estamos unidos com os colaboradores
e dizemos: “a nossa empresa, este ano, teve X resultados sector por sector, departamento por
departamento. Depois, analisamos com eles esses mesmos resultados. Aqui estamos bem, e
aqui estamos menos bem. Onde estamos bem, estamos bem e podem continuar assim”.

2.3. Consideração Pessoalizada (Burns) – ou a Importância do Papel de Mentor


(Quinn) - como o Coração de uma Liderança Transformacional, em Portugal

AF – Qual é a proximidade entre a administração e os colaboradores da empresa?


JL - Todos os dias, a primeira coisa que eu faço, quando chego à empresa, é dar a volta, por
aqui e por ali; e cumprimento todos os colaboradores.
AF – E eles conhecem-no bem?

JL - Toda a gente me conhece muito bem. Por conseguinte, conheço os problemas, porque
nessa volta que dou, os colaboradores falam comigo e eu próprio pergunto como é que estão
as coisas. Isso não se consegue de qualquer maneira, conquista-se com os anos, com o facto
de as pessoas acreditarem10.

2.4. Aprendizagem da Gestão na Condição de Assalariado de uma multinacional


alemã (no caso, a Siemens)

AL – Onde é que se inspirou para ter todas estas ideias?


JL - Eu trabalhei por conta de uma grande empresa durante muitos anos, e costuma-se dizer
que “quem não se sente, não é filho de boa gente”. Dentro de uma grande empresa,
naturalmente, dentro de uma multinacional, nem tudo é um mar de rosas. Há muitas injustiças,
muitas coisas mal feitas, por vezes, e que, quando nós vivemos situações dessas, somos
levados a pensar que, se fosse eu o gestor desta empresa, não cometia estes erros.
AL – Quer dizer que aprendeu a arte da gestão de pessoas a partir da sua condição de
empregado?11
JL - Exactamente. É que eu, durante 30 anos, das 8h da manhã às 17h da tarde era
empregado, e das 17h às 22h era gestor. Só há cerca de um ano é que esta situação se
inverteu. Eu acho que o que conta é o trabalho global, não é o trabalho de uma pessoa. Dentro

10
Num país como o nosso, caracterizado pela cultura de baixa confiança (Fukuyama), o Sr. Joaquim Lobo uma visão
caracterizada por uma extrema lucidez acerca da importância das competências associadas ao “mentoring” e à criação
de uma confiança resiliente. É, ainda, de referir que em diversos trabalhos de pesquisa que realizámos, ao longo de
anos, no Grupo Lena, na Cimpor, na Autoeuropa, etc., sempre os dados nos indicavam que o papel de Mentor, um dos
oito da teoria de R. Quinn, era crucial na gestão da cultura portuguesa.
No que concerne a gestão do relacionamento entre as pessoas, o gestor confessa que se sente a fazer um papel de
mediação humanística, quase religiosa; “passo os dias a gerir os pequenos conflitos do dia-a-dia”, diz. “Os
trabalhadores sabem sempre quando estou na fábrica”, acrescenta, para concluir que “ se eu estou …, a porta do meu
gabinete está sempre aberta”.
11
Curiosamente, de acordo com a filosofia de gestão japonesa ( lean production), um dirigente só pode ser empossado
como tal depois de passar 10 anos como subordinado e de ter adquirido uma polivalência funcional, tendo entretanto
rodado pelos diferentes sectores como executante.
de uma empresa isto é uma corrida. Para se garantir o posto de trabalho o que interessa é o
resultado.

2.5. Duplo Projecto Económico e Social (Riboud 12) – O Segredo da Sustentabilidade


e da criação de espírito de Comunidade

JL - As pessoas têm que saber que do outro lado está um empresário em que podem acreditar
e que não descapitaliza a empresa. Durante 23 anos não levei um “tostão” desta empresa. Eu
tinha uma empresa, ganhava bem e não precisava. Eu fazia isto quase como um hobby. Tudo
aquilo que na empresa conseguiaíamos íamos investindo, e esse investimento que se fez é a
maior garantia de que amanhã, se houver algum problema, parte dos interesses dos
colaboradores estão minimamente salvaguardados. Esta é a maior garantia que eles podem ter.
Agora, se os equipamentos e edifícios fossem dos bancos amanhã havia um problema e não
havia nada. Felizmente, nunca recorremos a créditos para fazer qualquer investimento. Fizemos
uma fábrica completamente nova do outro lado da rua e não pedimos um único “tostão”.

2.6. Gestão da Informação e Transparência dos Actos de Gestão

AF – E como é que vocês transmitem esses dados aos colaboradores?


JL - Nas reuniões de equipa que se realizam semanalmente são expostos os problemas. Por
exemplo, vê-se que há um problema X com o produto porque este não atinge os números que
nós inicialmente tínhamos previsto. Nestas situações, por vezes, transferimos pessoas de um
sector para outro sector. Reorganizamos a empresa. Posso afirmar que nós nunca fizemos
despedimentos13 dentro da empresa, sempre conseguimos gerir as situações 14.
AF – Tiram de um sítio e põem no outro!

3. Organização do Trabalho (tirar partido do que de melhor têm os portugueses)


3.1. Gestão pela Qualidade – A Conformidade Percebida por Colaboradores e
Clientes

12
Antoine Riboud é o fundador de uma das mais bem sucedidas empresas francesas, a DANONE, designação actual da
BSN. Foi ainda, Comissário Nacional para o Emprego, em França. Deve-se-lhe esta noção de “Duplo Projecto”
empresarial. Esta noção de duplo projecto pode ser aproximada à noção que igualmente temos traduzido pela de
empresa como comunidade de trabalho, que não se esquece da dimensão competitiva face ao exterior.

13
É sabido que, mesmo em situação de crise (desde que esta seja ultrapassada em dois anos), a preparação da
retoma é facilitada pela manutenção do efectivo, como demonstram os estudos do ISEOR (instituição que trabalha
com os conceitos da socioeconomia, desenvolvidos por H. Savall e colaboradores). O gestor leva este assunto muito a
sério, como se verá adiante, quando se falar da crise actual.

14
A gestão parece levar muito a sério a recomendação de inúmeros autores que defendem que não existem
propriamente erros nas organizações, mas antes pré-requisitos para a inovação. A gestão do erro (não punir os que
erram nem privilegiar os que parece terem sucesso isoladamente, mas premiar equipas e o todo) constitui o propósito
de um artigo notável de Farson e Keyes (2002), premiado pela McKinsey como artigo do ano na H. B. R.
AF – Falando agora um pouco mais desses vossos níveis de qualidade. Explique-nos como é
que vocês conseguem atingir níveis tão elevados, ultrapassando outros concorrentes europeus
que, inclusivamente, alguns deles foram obrigados a fechar.
JL - De facto, houve quatro empresas na Europa que fecharam por causa dos nossos níveis de
qualidade. Nós, portugueses, temos grandes possibilidades de ter êxito. Há empresas
portuguesas que em confronto com boas empresas estrangeiras ficam a ganhar. Conseguem
ser melhores. O problema em Portugal é que nós não canalizamos as melhores pessoas para as
melhores soluções. Assim, uma sociedade é constituída por pessoas mais aptas e outras menos
aptas. O que é que nós temos que fazer? Colocar as pessoas mais adequadas nos locais mais
adequados. Assim, por exemplo, os mais aptos têm que ir para as universidades para
ensinarem os outros e os menos aptos têm que fazer trabalhos mais simples. Assim, a regra de
ouro é canalizar as pessoas mais adequadas para estar no meio do sistema produtivo. De facto,
o que é mais importante? É haver produtividade 15. Assim, seria mais importante apoiar, por
exemplo, os painéis solares em que nós exportamos 99% da nossa produção ou uma outra
actividade qualquer em que o país não beneficia tanto com as exportações. No nosso país devia
reflectir-se sobre aquilo que é mais importante.

3. 2. Comprometimento Organizacional/intra-empreendedorismo – “Somos Todos


Gestores”

JL – Aqui, na empresa, nós somos, efectivamente, 200 gestores, em que cada um dá o seu
contributo. Dado que as pessoas estão envolvidas neste processo, elas dão tudo aquilo que
podem. É lógico que há diferenças. Não temos é ninguém dentro da empresa a puxar para o
lado contrário. Isto é de tal forma importante que, em 25 anos, nunca tivemos um conflito com
um trabalhador.
AF – E a taxa de rotação?16
15
A este respeito, o gestor procede a reflexões e expõe situações muito amargas para a sua condição de “self made
man” que nunca foi minimamente apoiado. Queixa-se da concorrência desleal promovida pelo próprio Governo, sob a
forma de subsídios selectivos, que distorcem a concorrência sem aumentar a competitividade. “Já foi este Governo (a
conversa decorre em Junho de 2009) que ofereceu a um concorrente, segundo se diz, 73 milhões de euros para montar
uma fábrica de painéis solares fotovoltaicos, no Norte. Com esse dinheiro, podíamos vender os nossos painéis a metade
do preço”. Acerca da decantada fábrica de Moura foi ainda mais cáustico: “entregam fundos a uma empresa espanhola
para ela comprar painéis, sem qualidade, à China”. Impõe-se, no seu entender uma reflexão profunda sobre a
qualidade da intervenção do Estado na economia empresarial.
Mostra-se, por outro lado, indignado com a política de criação de grande “herdades solares”. O solar é, por definição,
apropriado para a descentralização da produção eléctrica e não para o gigantismo das soluções centralizadas. Os
políticos parecem ser atrídos por soluções de encher o olho, depreende-se da sua argumentação. Note-se, entretanto, a
tendência actual dos especialistas em energia, como é o caso dos sucessivos artigos de imprensa, no Expresso, a
propósito do debate sobre a energia nuclear, do Professor António Costa Pinto, contra este mesmo modelo das grandes
centrais solares fotovoltaicas, dizendo que neste campo, o arranque da produção seguiu o caminho errado.
16
Durante a visita às instalações o gestor volta a este aspecto dizendo que por vezes as pessoas mudam internamente
de equipa, no caso de não se adaptarem a determinado grupo. “Sabem, esta colaboradora não se adaptou a este
grupo, mas vai ser uma óptima funcionária noutro grupo, e assim por diante”. Em casos extremos pode ter uma pessoa
a trabalhar sozinha, embora esteja vigilante para que não constitua um precedente. “O trabalho em equipa é o que
melhor resulta, mas não é fácil trabalhar em equipa”, adverte. A cultura organizacional orientada para a formação de
espírito de comunidade poderá ser o factor explicativo da facilidade de implementação da organização do trabalho
baseado na equipa, que encontramos na empresa. Pfeffer (2006) considera que empresas como a AJLobo possuem um
elevado sentido de comunidade, dado que: tem políticas explicitamente cocebidas para apoiar trabalhadores em estado
JL - Só temos saídas em casos pontuais. Por exemplo, no ano passado tínhamos aqui uma
trabalhadora cujo marido era do Exército. Teve que se deslocar e a mulher acompanhou.
Portanto, isto pensando nas pessoas estáveis na empresa. Onde existe alguma rotação é
naqueles que iniciam o trabalho e se não adaptam.

3.3. Opção por Novas Formas de Organização do Trabalho – uma Hierarquia


rigorosamente plana ao serviço de uma Comunidade de Trabalho

AF - Falou-nos há pouco acerca dos grupos e das reuniões que têm. Podia-nos explicar melhor
como funcionam?
JL - De facto, os grupos têm reuniões semanais onde não há chefes. Na fábrica não há
hierarquia. Na fábrica há coordenadores.
AL – Trata-se de um coordenador eleito?
JL - É eleito.
AL – E é sempre o mesmo?
JL - Não, muda de 6 em 6 meses.
AL – Cada um poderá vir a poder ser eleito coordenador? 17
JL - Não necessariamente. Se ele aceitar, sim. Porque quando procedem à eleição há logo
aqueles que pedem para não votarem nele e, normalmente, apresentam uma razão para não o
querer. Isto faz parte da filosofia da empresa.
de necessidade; proporciona benefícios e assistência consistentes; a empresa patrocina activamente instituições com
interesses sociais; existe uma elevada preocupação com o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal dos
trabalhadores; funda o seu projecto empresarial numa relação de emprego estável sem ambiguidades; as relações
entre trabalhadores, até porque o meio é pequeno, são aceites como normais. Esta cultura é geradora, por um lado, de
elvado comprometimento organizacional, como reconhecem Grant et al. (2008), e por outro, de relações e conexões de
elevada qualidade Dutton (2003).

17
Para além da figura de coordenador, o grupo elege igualmente um elemento como relator e porta-voz. Esta ideia de
diferenciar o coordenador e o porta-voz pode parecer de somenos importância, mas é efectivamente relevante. O
coordenador poderia, sem grande contestação, reportar o que ele próprio entendeu como relevante, enquanto um
porta-voz diferente do líder será forçado, pela força do seu estatuto de rigorosa igualdade com os pares, a transmitir
fielmente o sucedido, na medida em que todos o poderiam mais facilmente questionar acerca de uma hipotética
parcialidade. Em simultâneo, esta divisão de tarefas permite que o coordenador se possa concentrar na estimulação
intelectual do grupo. É de referir, ainda, que a figura de coordenador poderá, mais facilmente, conduzir o grupo a
facilitar o aparecimento de condições de emergência da liderança que melhor convém naquele preciso momento,
independentemente de quem exerce formalmente a liderança, no âmbito da discussão do problema em causa, através
da emergência do arquétipo de lideraça adequado, a partir de qualquer dos membros do grupo, como ensina o Prof. M.
Keets De Vries, nos cursos do INSEAD, ou como se conclui da obra de Spreitzer e Quinn (2001), propondo uma
companhia em que todos sejam líderes.
É, por outro lado, bem conhecida a abordagem de Hofstede (1997), acerca das características da cultura portuguesa:
alta distância ao poder, elevado controlo de incerteza, femenilidade, colectivismo e centração no curto prazo. O caso
evidencia uma leitura muito original da cultura nacional, por parte da liderança, propondo uma relação hierárquica
ténue que impede os coordenadores de assumirem posições autocráticas, como G. Hofstede pressupõe nestes casos
como o da cultura portuguesa; incentivando o risco da decisão e da aprendizagem em risco de erro; tirando partido da
criatividade; constituindo equipas solidárias; centrando, enfim, os colaboradores em objectivos a cumprir no imediato e
a afixá-los, como adiante se descreve. Como se torna claro, o gestor consegue lidar com as quatro dimensões da
cultura portuguesa, em simultâneo, com base numa prática de organização do trabalho em equipa, verificando-se que:
o grupo não tende para o conformismo (elevado controlo de incerteza) porque o coordenador assume a iniciativa; o
coordenador não se assume como chefe (elevada distância hierárquica), porque o cargo é rotativo; cada indivíduo fala
livremente (evitando o pensamento grupal próprio do colectivismo da cultura portuguesa) porque o coordenador dá a
palavra em sistema de volta à mesa sem interferir de modo censório, até porque todos experimentam o poder de
coordenação, rotativamente; e, por último, estimula-se a criatividade (própria das culturas de feminilidade) porque é
necessário chegar a uma solução para um problema encontrado e nenhuma hipótese pode ser descartada sob pena de
ineficácia.
AL – Também aprendeu na Alemanha a viver sem hierarquia?
JL – Isso, de facto, eu aprendi lá na Alemanha. De facto, não há necessidade de chefias porque
é o grupo que é responsável por tudo 18. Assim, o grupo decidiu que se teria que fazer e tem de
se sentir responsável por tal.
AL – Assim, cumprem-se os planos de acção?
JL - Sim, cumprem-se os planos de acção. Isso leva a que sempre que há um problema que o
grupo ache que deve fazer uma reunião, esta faz-se sem problema nenhum.
AF – No entanto, os grupos têm de se reunir pelo menos uma vez por semana?
JL - Sim. Ou então mais, se for necessário.

3.4. O Processo de Resolução de Problemas e o Empowerment dos Colaboradores

JL – Existem reuniões de grupo. Nestas o grupo fala, debate os problemas que tem,
implementa acções de melhoramento e, uma das coisas que é proibido, é dizer que não resulta.
Todas as ideias são bem-vindas. Aqui há algum tempo, uma das melhores propostas que
tivemos aqui foi feita por uma senhora da limpeza que fazia parte de um grupo desses.
AF – O que é que ela descobriu?
JL - Não descobriu nada. Enquanto andava a limpar, verificou que havia um defeito numa
máquina, em que os operários se queixavam muitas vezes. Nessa máquina estavam 40 pessoas
a trabalhar. Ao fim do mês eram muitas horas perdidas. A senhora da limpeza, quando andava
a dar com o aspirador, verificou que havia um determinado sítio onde uma peça saltava
sempre. Numa determinada reunião, o pessoal começou a dizer que tinha este problema assim,
e a senhora da limpeza disse logo que tinha visto um problema num determinado ponto dessa
máquina. Então, a coordenadora fez um plano de acções, foram ao local com a senhora da
limpeza e esta identificou o sítio e explicou melhor o que viu. Constitui-se de imediato uma
equipa de trabalho para ver o que se passava. Fez-se depois a reparação. E depois fizeram-se
as continhas e eram uns milhares de horas perdidas. O que é que se aprendeu daqui?

18
Este processo participativo passa, normalmente, por um teste sobremaneira crítico quando se coloca a questão de
decidir automatizar ou não um determinado posto de trabalho. Relativamente a esta questão dos postos de trabalho
semi-automatizados (e passíveis de robotização, com dispensa de trabalhadores), o gestor afirma: “ sabem, se há
questões delicadas esta é uma delas. Há fábricas congéneres em que estes dois postos de trabalho concretos
(estávamos em frente de uma secção operada por duas trabalhadoras) foram robotizados. Existe por aí uma psicose da
robotização. Nós estudámos a questão e descobrimos que a semiautomação, neste caso compensa, por causa do
desperdício. As empresas têm que ser socialmente responsáveis. E, sabem, até se torna economicamente compensador
quando se pensa nas pessoas.” É fácil de compreender que esta compreensão da responsabilidade social é uma das
questões delicadas que o processo participativo encerra. Os estudantes de gestão que nos acompanhavam numa das
nossas diversas visitas às instalações consideraram esta reflexão como sendo uma das mais bonitas lições de GRH a
tinham tido o privlégio de assistir.
A inexistência de hierarquia formal e a autonomia de grupo não diminui, antes parece estimular, a atitude de
responsabilidade dos indivíduos. Foi possível verificar, no decurso da visita, que em cada posto de trabalho esiste uma
ficha de instruções e uma folha de de registo de auto-controlo. O gestor explica o efeito deste dispositivo de auto-
contolo: “não precisamos de polícia aqui!”. As palavras do gestor permitem evocar as reflexões de Malone (2004)
acerca do futuro do trabalho: trata-se de uma revolução nas organizações que se assemelha à passagem à democracia
política nos Estados. As organizações do futuro possuirão hierarquias imperceptíveis, funcionarão segundo um modelo
democrático, constituirão mercados internos e estarão orientadas para os clientes nos mercados externos, como foco
principal de cada grupo e de cada pessoa.
Aprendeu-se que todas as ideias são boas e todas as pessoas, por mais baixas que sejam as
suas qualificações, podem ajudar. O que interessa é a participação de todos e isso traduz-se no
facto de efectivamente mesmo o colaborador que nós possamos considerar menos qualificado
poder ter ideias brilhantes19.
AF – Digamos que, independentemente do nível de hierarquia que a pessoa tenha, as ideias
são fundamentais.
JL - Exactamente. Porque, por vezes, é assim. Há um problema, mas é um problema complexo,
e, por vezes, as pessoas não têm formação escolar suficiente para o resolver. Mas, com a sua
perspicácia detectam o problema20. Dizem: “eu não sou capaz, mas o problema está aqui”. Eu
costumo dizer que nós somos 400 olhos e estes vêem melhor que dois. Mas, na maior parte
das empresas, só existem mesmo dois olhos lá dentro, porque os outros nunca querem ou não
podem assumir as coisas. Esta perspectiva é que tem que ser banida dentro das empresas.

3.5. Higiene e Segurança no Trabalho

19
Na sala de formação estão afixadas as fichas de melhoria contínua (inspiradas pela filosofia Kaisen/Processo de
Melhoramento Contínuo, ou PMC) mais recentes, onde constam os problemas descritos por cada grupo, as causas
possíveis e a acção sugestão (de tipo correctivo, detecção ou preventivo). Se não se entendem com o problema os
grupos fazem apelo aos técnicos para formação. O kaisen (filosofia de gestão concebida por Masaaki Imai) pode ser
definido como uma série de procedimentos, técnicas ou ferramentas, que envolvem todos os colaboradores, desde o
vértice estratégico até à base (centro operacional), comprometendo-os com a melhoria contínua da empresa. Em
termos concretos, diz o gestor, se há um problema, o grupo desenvolve um plano de acções, é nomeado um
responsável da acção, determina-se uma data, procuram-se sugestões, controla-se o processo. Em termos de PMC, é
fundamental implementar, produzir e medir.
Na sala de formação existe um placard por grupo, com as respectivas fichas de PMC. Cada uma das fichas de PMC, com
os nomes e as fotos das pessoas, indica a fase de desenvolvimento do processo, através do preenchimento de
quadrado dividido em 4 quadrantes: detecção do problema; medida correctiva; implementação; medida testada. Este
processo de gestão participada é a chave da flexibilidade de uma empresa com mais de 150 produtos diferentes e com
uma rotação de “stocks” inferior a uma semana. “É neste ponto que os portugueses, com a sua adaptabilidade e a sua
capacidade de improviso, são os melhores trabalhadores do mundo”, diz com orgulho o gestor que invoca a propósito
inúmeras histórias da sua convivência com outras culturas no seio da Siemens e, mais especificamente, na sua estadia
na Alemanha.
Este aspecto da reflexão do gestor mostra, ainda, que existe neste casoi muita formação e muita prática de
reformulação cognitiva.
Esta filosofia Kaisen é uma das componentes do Just In Time (JIT).

Na A.J Lobo, o JIT é possível porque existem: processos muito eficientes; fortes relações de parceria; bom planeamento
de encomendas, escalonamento da produção, pouca imprevisibilidade da procura e dilatados prazos de entrega.
A melhoria contínua, ou Kaizen, como uma das componentes do JIT, visa a melhoria dos processos de forma a terminar
com ineficiências. Este processo, por sua vez, baseia-se nos seguintes aspectos: reduzir do desperdício; reduzir do
tempo de setup; fazer bem - as devoluções são ineficiências e o tempo gasto a procurar defeitos é tempo não alocado
à produção; ter JIT é investir na melhor tecnologia e nas pessoas, pois só desta forma é possível ter um processo
nivelado e eficiente; processos eficientes levam a pouco stock e que tem como ponto negativo o fraco ajuste nas
variações da procura. Daí que um dos requisitos seja a previsibilidade da procura.
O crescimento da procura com reflexos na produção é encarado com maior preocupação nas empresas onde
prevalecem as filosofias JIT e Kaizen. Isto acontece por um único motivo: Conhecem-se bem. Sabem que um aumento
da produção levará, em princípio, à contratação e formação de mais recursos o que poderá aumentar a percentagem do
número de defeitos. Para conseguir responder ao mercado e ao aumento dos defeitos terão de ter mais stock.
O JIT e o Kaizen, na A.J. Lobo, poderão prevalecer enquanto os seus produtos sejam diferentes e os clientes estejam
dispostos a esperar para os ter.

20
Estamos, neste caso, perante uma descrição perfeita do que nós definimos como Capital Intelectual, em que dois
eixos ortogonais (Capital Humano – Capital Estrutural e Conhecimento Tácito - Conhecimento Explícito) enquadram o
Capital Individual, o Capital de Equipa, O capital de Processos e o Capital de Clientes.
AF – Gostava de fazer uma pergunta mais específica que tem a ver com a singularidade que
esta empresa tem pelo facto de ser toda em branco. Não é comum ver uma empresa industrial
cujo chão é branco. Porquê essa opção do branco?
JL - Os hábitos de limpeza, de arrumação, de ordem, numa empresa onde trabalham 200
pessoas, são fundamentais. Caso contrário, é o caos. Há uns 5 anos que temos este objectivo:
“se não sujarmos, não precisamos de limpar”. Nós temos aqui quase 5000 m2 de área coberta.
Tínhamos umas 4 pessoas que faziam a limpeza (só no pavilhão dos painéis solares). Então,
fomo-nos apercebendo que quanto mais limpo é o ambiente, mais responsabilizadas estão as
pessoas21. Nesse sentido, chegámos à conclusão que em vez de pôr pavimentos que poderiam
não se sujar tanto, quisemos um pavimento cuja sujidade se veja, para ter a certeza de que ele
está mesmo limpo.
AF – E relativamente às empregadas da limpeza, aumentou?
JL - Só tenho 1.
AF – Isso é surpreendente.

4. Selecção, Recrutamento e Retenção dos Colaboradores

4.1. Processo de Socialização Organizacional


AL – Há uma fase de adaptação?
JL - Exactamente.
AL – Que dura mais ou menos quanto tempo?
Joaquim Lobo - Cerca de 1 ano22. A partir daí vemos se a pessoa vestiu a camisola da
empresa ou não.

4.2. Rotação Interna, Polivalência e Desenvolvimento de Competências

21
Todos os clientes são confrontados, infelizmente com demasiada frequência, com a falta de cuidado que a gestão
coloca no problema da higiene dos sanitários das fábricas. Neste caso concreto, pudemos testemunhar um nível de
asseio equivalente ao dos melhores restaurantes do nosso país. Se no caso dos restaurantes, um dos critérios
determinantes da avaliação da qualidade se mede, inclusive, pela higiene das casas de banho, esta fábrica é exemplar a
mais de um título. No que respeita à saúde, o gestor informa que, desde há cerca de 20 anos, a empresa dispõe de
consulta médica diária.
22
O Sr. Joaquim Lobo queixou-se de quase tudo o que, na actividade empresarial, depende dos poderes públicos.
Existe, porém uma coisa de que se não queixou – daquilo que tem sido designado como o principal factor de “custo de
contexto”, a falta de flexibilidade da legislação laboral. Esta ausência de comentários não deixa de ser extremamente
significativa. O seu discurso desenvolveu-se mesmo, todo ele, em sentido inverso. As exigências legais relativas ao
Direito do Trabalho são, nesta empresa, sempre excedidas. A rigidez parece vir mais do lado da mobilidade e da política
do emprego e da sua relação com a articulação entre ensino/formação e empresas, como resulta das palavras do
gestor. Deste modo, colocar a questão no âmbito das relações laborais e não das políticas públicas pode ser uma
estratégia mais ideológica do que científica.
JL – A relação do trabalhador com a empresa passa, em primeiro lugar, pela escola 23. Em
certos países existem orientadores que, em determinada altura, têm uma conversa com o aluno
e dizem: “você quer ir tirar português, ou línguas, mas você não tem muito jeito”. E têm uma
conversa onde concluem o que pode ser melhor para cada aluno. Eu acho muito útil e
importante haver orientação na escola. Claro, depois isso tudo reflecte-se nas empresas
porque, de facto, temos muitas dificuldades em recrutar as pessoas e isso ainda é pior em
meios pequenos. Ao contrário do que muita gente pensa, Évora tem uma área industrial. Há
três grandes áreas. A antiga SIEMENS que emprega cerca de 2000 pessoas e depois existem
uma quantidade de pequenas empresas que prestam serviços e que chegam a empregar entre
3000 e 4000 pessoas. Évora é ainda uma cidade virada para a prestação de serviços, até
porque é a capital do Alentejo. E, por último, temos muita gente a trabalhar para a
Universidade. Tudo isto faz com que não haja muita capacidade de resposta em termos de
recursos humanos. Diz-se que no Alentejo há muito desemprego, mas isso não acontece na
cidade de Évora.

4.3. O Estado do Ensino (em Portugal): O Problema da Qualificação e da Formação


Profissional Contínua dos Recursos Humanos em Portugal

JL – No nosso caso concreto, neste momento, o nosso problema é saber como vamos
conseguir fazer tanto trabalho.
AL – Então, será que não estaríamos aqui a falar antes de um problema de disponibilidade de
mão-de-obra?
JL - Sim, mas aqui existem vários problemas. Uma empresa não pode crescer desequilibrando-
se. Nós temos muita dificuldade em recrutar pessoas especializadas, porque isto é uma questão
que se prende com o desinvestimento que existe no nosso ensino. Nós formamos muitas
pessoas para nada. Nós sentimos isso aqui dentro da empresa. Nós vamos ter necessidade de
fazer algumas admissões e não existe pessoal qualificado na nossa área.
JL – O grande problema é o estado do nosso ensino relativamente à indústria. De facto, este
está completamente desajustado.
AL – Precisam de pessoas dotadas de habilidades ou de motricidade fina, habituadas à
mecânica fina, à precisão?
JL - Exactamente. Para isso é necessário, de facto, que haja uma formação logo de base ao
nível da electricidade e electrónica. Especificamente, de mecânica de precisão, manutenção,
qualidade e ambiente que são todas aquelas áreas que fazem falta dentro de uma empresa e,
para as quais, efectivamente, não há pessoas. Nós o que temos é História, Letras, etc., que é o

23
A predilecção do nosso entrevistado pelo modelo dual da “escola alemã” encontra-se aqui bem documentada, bem
como as críticas que dirige ao sistema unificado, prevalente no nosso país. Lamenta, nomeadamente, que a orientação
profissionalizante tenha sido assumida na opinião pública (a política governamental também não terá ajudado muito!)
como sendo de um nível estatutariamente muito inferior.
que todos os miúdos estudam. Depois, quando as empresas precisam de um torneiro de alta
formação, não existe, porque não há formação nesse sentido. Perante esta situação, temos que
dar formação interna. Perdermos tempo e recursos a dar formação às pessoas.
AL – A economia portuguesa poderia estar melhor se formássemos melhor os recursos
humanos?
JL - Absolutamente! Temos de definir que tipo de economia tem o nosso país. Agora, o que
está a dar é a informática, mas depois já não há lugares para todas as pessoas. Eu acho que as
coisas andam um pouco ao sabor do vento. Nada é definido previamente. A mim parece-me
que os órgãos de decisão, neste momento, não falam com os empresários. Os empresários
deveriam falar com as pessoas que tomam as decisões ao nível do ensino. As pessoas estão de
costas viradas umas para as outras. A formação profissional entre nós é um verdadeiro
desastre. Nós somos uma das empresas mais desenvolvidas da nossa região. Os contactos que
temos com a Universidade de Évora, fomos nós que os fizemos pessoalmente. Devia existir um
contacto mais próximo. Por exemplo, a minha formação profissional foi na Alemanha. Lá as
pessoas que decidem falam com as pessoas das fábricas para saber em que áreas precisam de
pessoas, que tipo de formação é necessário ter. Depois, há uma relação muito estreita entre as
universidades e as empresas, porque há uns dias por semana em que os alunos das
universidades vão estagiar para as empresas. Desta forma, quando acabam a escola e entram
nas empresas, no mundo do trabalho, não têm aquele choque da passagem de um sítio para o
outro. Hoje em dia a comunicação é fundamental nas empresas e, isto que é algo tão
importante, não acontece entre as escolas, as universidades, empresas, órgãos de decisão do
Estado. Na maioria das coisas, de facto, Portugal está na cauda da Europa, e não é por acaso.
É o resultado da soma de todos estes alheamentos.
AL – Se neste momento pudesse admitir pessoas com o perfil adequado para entrar, quantos
lugares tinha para oferecer?
JL - Se houvesse pessoas com o perfil adequado para a minha empresa tinha capacidade para
admitir, neste momento, entre 30 a 50 pessoas.
AL – De facto, isto explica o nosso atraso. A nossa crise vem daqui.
JL - Repare a nossa empresa trabalha com materiais extremamente preciosos onde os
desperdícios têm de ser mínimos. E, assim, há uma coisa que nós não podemos arriscar, que é
a qualidade24. A qualidade que nós temos aqui na empresa, os níveis de qualidade, de

24
A filosofia de qualidade da empresa baseia-se na noção de “zero defeitos”, teorizada por Ph. Crosby, (ver, a este
respeito, Lopes e Capricho, 2007). Um estudante questiona o nível de defeitos aceitável. Pergunta se será de 1 por mil?
O gestor anuncia que a empresa se pauta pelos seguintes parâmetros: “o objectivo actual está em 50 defeitos/por 1
milhão de painéis”. A empresa considera, entretanto, que nenhum defeito pode chegar ao cliente; “isso, não! de
maneira alguma”. Qualquer um destes 50 defeitos tem que ser detectado antes da entrega, necessariamente. A
centralidade do cliente ocupa o coração da empresa. “Quem é que consegue convencer um cliente de que aquele
defeito que ele tivesse detectado era o único? Para eles todos os painéis passavam a ser defeituosos”, desabafa o
gestor enquanto caminhamos pela fábrica. Do ponto de vista da qualidade do produto, somos informados de que os
testes dos painéis aqui fabricados, apesar de estes só terem garantia de 25 anos, revelam que ao fim de 60 anos ainda
capacidade de entrega. Tudo isto não pode ser posto em causa. E para tal temos de ter
pessoas preparadas para oferecer essa qualidade.

4.4. O Problema da Orientação Escolar e Vocacional

JL - Nós procuramos fazer com que a pessoa não fique muito tempo no mesmo sítio. Isso é um
princípio da empresa que leva à necessidade de formação. No entanto, há necessidade de
rotatividade. Há pessoas que gostam muito do que estão a fazer e pedem-me para não
serem colocadas noutro local. Já tem acontecido fazer rotação para outro posto de trabalho e
depois acabam por voltar. Isso é um dos factores importantíssimos, que é as pessoas sentirem-
se bem.

5. Avaliação de Desempenho – a preocupação com o princípio da Transparência


5.1. Indicadores e Avaliação de Desempenho em Grupo

AL – É apoiado por algum técnico no que respeita à área dos recursos humanos? Quantas
pessoas? O que é que fazem?

só perderam 4% da sua capacidade produtiva. O produto tem certificação pela TUV, dado ser a referência mundial
neste ramo. A empresa está ainda certificada pela ISO 9000 (Qualidade) e pela ISO 14000 (Ambiente).

A política de rotação interna pode parecer contraditória com a filosofia de qualidade adoptada. Tal como a teoria da
lean production demonstra, e o gestor confirma, a rotação promove a rápida integração nas equipas e a formação
contínua, proporcionando uma solução mais eficaz do que a permanência prolongada no mesmo posto de trabalho.

A política de Qualidade, de acordo com o site da empresa, é orientada para a satisfação do cliente e para o bem-estar
dos colaboradores. As principais directivas são as seguintes:

 Prioridade absoluta na Satisfação do Cliente, pela Qualidade e Fiabilidade dos seus produtos e serviços.
 Atingir “Zero Defeitos” através da melhoria contínua. Atingir produtividade, assiduidade e desperdício
propostos.

 Melhorar o tempo de resposta ao cliente. Aplicar a máxima que “Prevenir é Melhor que remediar”.

 Promovem e exigem de todos os seus colaboradores Qualidade, e que todos assumem pessoalmente a
responsabilidade pelo seu trabalho.

 Aumentar a participação nos grupos PMC, com ideias exequíveis e inovadoras.

 Diminuir o número de erros em produção.

 Garantir que as normas de Segurança, Higiene e Ambiente são cumpridas.


JL - Temos duas pessoas e uma delas está mais na parte da ajuda aos colaboradores. De facto,
há uns anos atrás tivemos de combater um dos flagelos que existia na nossa sociedade, que
era o absentismo. Ao longo dos anos, criámos na empresa mecanismos para tentar combater
esse problema. Hoje, todos os grupos de trabalhadores têm índices relativamente aos
objectivos: à capacidade de entrega, ao desperdício, à produtividade e ao absentismo 25.
AL – E isso é o vosso processo de avaliação de desempenho?
JL - Sim, é.
AF – Mas isso é feito por grupo?
JL - Sim, porque esse é o objectivo comum a toda a gente. Nós temos como objectivo 2.5% no
caso do absentismo. Nós pretendemos que seja 0.5% abaixo, em relação ao ano passado.
AL – As avaliações de que fala são feitas em termos individuais ou de grupo?
JL - São de grupo. As pessoas não devem ser avaliadas individualmente 26.

5.2. A Apreciação do Mérito é um processo que envolve todo o Colectivo e cada um


dos Grupos

JL - O desempenho do grupo é o que interessa, e depois o desempenho dos grupos todos.


Temos no total cerca de 10 grupos. Não me interessa o desempenho de um grupo. Posso aqui
ter um grupo com um desempenho espectacular, mas se os outros não corresponderem a
empresa morre. Outro aspecto que eu considero importante na gestão de uma empresa é o
facto dos clientes não quererem a perfeição. Eles querem é que se forneça aquilo que nos
pedem. E é para isso que ele nos paga. Se num determinado momento estamos a ter custos
que o cliente não nos paga eu chamo a isso de super-produção, super-eficácia. Eu acho que
isto é um exemplo que não se deve dar a ninguém, (…) mas na escola eu estudava para ter um
10 ou um 11. O que é facto é que nunca chumbei, fui sempre passando. O que não se deve
fazer, mas que muitas vezes acontece, é aldrabar o cliente. Nós temos empresas com muita
qualidade! Fazem uma, duas, três, quatro vezes seguidas que é uma maravilha e na primeira
oportunidade começam a aldrabar. Isso? Nós nunca fazemos. O nosso lema é fazer aquilo que
os clientes27 querem, mas com honestidade.
25
O mais importante, porém, foi verificar a extrema preocupação com os custos ocultos, nomeadamente, do
absentismo, da rotação, dos acidentes, dos desperdícios e das reclamações. Em 2009, entretanto, o absentismo
(incluindo as licenças de maternidade) já se encontra a um nível próximo de 1%. É de referir que a literatura da
especialidade (ISEOR) considera muitíssimo difícil descer o absentismo abaixo de 2%.

26
Este é um ponto extremamente relevante. A melhor maneira de lidar com a avaliação de desempenho individual seria
mesmo a de a substituir pela avaliação de grupo, como recomendaria o velho professor da UCLA- Califórnia, Samuel A.
Culbert, nos seus numerosos trabalhos, nomeadamente, em Culbert (2010) em que o autor denuncia o clima de
cinismo e de desconfiança que se disfarçam por detrás de uma pretensa objectividade das chefias avaliadoras. É o
feed-back constante que se encontra na base do desempenho elevado, bem como a disponibilidade da chefia para
apoiar os colaboradores a encontrarem soluções em conjunto para os problemas encontrados, propõe o autor como via
alternativa.
27
Voltando a este mesmo problema, durante a visita, o gestor acrescenta: “o cliente não nos compra painéis, mas
watts”. A título de informação acrescenta que actualmente, a capacidade instalada total da empresa é de 30 MW/ano,
ou seja, 3 mil painéis por semana, sendo necessário medir o cumprimento dos objectivos semanalmente.
6. Sistema de Remunerações e Coesão Grupal
6.1. Os Prémios e a Participação nos Resultados são Atribuídos ao Grupo

AL – Voltando à questão da avaliação e também dos prémios. Existem prémios por grupo ou os
prémios são gerais?
JL - As pessoas recebem todas igualmente dentro do mesmo grupo.
AL – É frequente existir algum grupo, num ano, que não atinja o mínimo?
JL - Vamos então pensar num exemplo que já ocorreu. Houve um grupo que teve um índice de
produtividade, que em vez de 112% tiveram de 120%. Ora bem, tiveram um ganho de 8%.
Esse grupo, no absentismo, teve 2.5%. Atingiram os objectivos 28. No entanto, aconteceu que
não conseguiram entregar o produto pretendido, no prazo pretendido, então aí o objectivo não
foi atingido. Ora bem, este último indicador prejudicou os outros. Mas mesmo assim eles todos
receberam. Por mais que não seja, até psicologicamente, nós, por vezes, damos um jeitinho
aos indicadores para que as pessoas recebam. O que acontece é que recebem menos. Para nós
o desempenho tem que ser de toda a gente. Não tem sentido ser só de um. É a empresa como
um todo que tem de funcionar.
AL – Qual é a percentagem do prémio relativamente ao salário?
JL - Cerca de 1%. Temos também o fecho do ano. Normalmente, é mais um duodécimo.
AF – Tem a ver com o lucro da empresa no seu global.
AL – Houve certamente anos em que isso não aconteceu?
JL - Sim. Houve anos em que os lucros não atingiram os objectivos, por variadíssimas razões.
Por vezes, nem é por falta de empenho das pessoas, é porque o produto no mercado caiu e aí
os custos e os investimentos já estavam feitos. Quando a empresa ganha, ganhamos todos,
mas quando perde, perdemos todos.

Para se poder ter uma ideia da capacidade de resposta da fábrica, o gestor informa que os prazos de entrega oscilam
em torno dos 10 meses.
28
Pelo que se pode ver na sala de reuniões e de formação, pratica-se uma gestão por objectivos, definidos em cada
grupo e negociados depois com os outros grupos, na óptica de um sistema dito de cliente/fornecedor interno. Só depois
intervém a direcção para um ajustamento final. Os objectivos são definidos, tendo em conta o ano anterior, e como se
irá evoluir, em percentagem, relativamente às 4 dimensões seguintes: desperdícios, produtividade, absentismo e
capacidade de entrega. A título de exemplo, num dos quadros afixados junto de um certo sector de actividade,
envolvendo 3 grupos, num total de 31 pessoas, podiam ler-se os seguintes valores: capacidade de entrega (98%);
desperdício (0,3%); produtividade (110%); absentismo (0,5%).
Como se vê os objectivos são sempre assumidos e definidos a partir das equipas, permitindo um elevado envolvimento
dos indivíduos no contexto da equipa, o que está de acordo com as teorias mais avançadas da motivação intrínseca,
sem constrangimentos hierárquicos. Por outro lado, os objectivos são estabelecidos tendo em vista uma ideia
idiossincrática de “custos ocultos” e encontram-se indexados ao desempenho de grupo (e, em última instância, da
empresa); é o grupo que como um todo se responsabiliza pelos mesmos, o que não impede que os objectivos se
pautem pelas características conhecidas pelo acrónimo SMART (específicos, mensuráveis, alcançáveis, recompensados e
temporalizados), isto é, isentos de aspectos subjectivos, geradores, muitas vezes, de efeitos perversos.
Quanto ao reconhecimento individual, o gestor foi muito cauteloso. Foi, entretanto, fora da situação de entrevista que
referiu a existência de uma forma de reconhecimento individualizado, segundo a qual a atitude de todos os que se
excedem em dedicação podem usufruir de um verdadeiro prémio de desempenho, que oscila em torno de 0,5% do
salário. “O reconhecimento da pessoa faz sempre bem (o nosso interlocutor faz uma pausa muito significativa), desde
que não colida com a justiça” (percebida, diríamos nós), acrescenta o gestor de forma muito firme. Embora não tenha
sido explícito, parece-nos que a grande preocupação do gestor é o alinhamento entre os objectivos individuais e de
grupo.
AF – E eles sentem essa perspectiva?
JL - Naturalmente que sim.

6.2. Assegurar o Futuro – Criação e Gestão de um Sistema Interno de Segurança


Social

JL - Guardamos sempre uma parte do capital. Claro que gostaríamos de produzir muito mais.
Mas eu tenho de pensar no futuro das pessoas que aqui trabalham. E acontece que eu tenho
de gerir uma empresa com 200 trabalhadores e eu tenho de ficar com alguma margem de
manobra. Temos que ficar com uma reserva. É importante que as pessoas tenham um
sentimento de segurança29, porque isso faz parte do bem-estar do colaborador na empresa. A
segurança, do tipo “não me podem tocar, fico aqui o resto da vida”, género função pública, e
“mesmo que não faça nada ninguém me pode tirar daqui”, isso não pode acontecer. Claro que
não.

6.3. Compatibilização entre a Vida Pessoal e a Profissional – Qualidade de Vida no


Trabalho e Responsabilidade Social

JL - Para conseguir todos os nossos objectivos, o que é que tivemos que fazer ao longo destes
anos? Uma delas foi criar um departamento de recursos humanos que ajudasse os
colaboradores a resolver alguns dos problemas que têm, de modo a que não faltassem ao
trabalho para os resolver. Estas coisas, hoje, já não têm um peso tão grande, mas quando
iniciámos, isto há uns 15 anos, tinha muito peso. Hoje as pessoas pagam por transferência
bancária aqueles serviços da água, telefone, luz, telefone. Mas, aqui há uns anos atrás, não era
assim. Então, nós tínhamos um colaborador que ia à cidade, à Câmara, às Finanças, etc., para

29
É muito curiosa esta reflexão sobre a compatibilização da segurança no emprego e a motivação, ao contrário das
práticas empresariais que todos conhecemos, com o beneplácito de muitos teóricos que têm apoiado, inclusive, a
precariedade na Administração Pública. Uma política administrativa que tem defendido a necessidade de a flexibilidade
nos organismos públicos ser definida à luz da gestão empresarial poderia escutar melhor as práticas de gestores como
o Sr. Joaquim Lobo. “As pessoas são o nosso activo”, diz com muita frequência, sempre que é questionado acerca de
aspectos relacionados com a gestão das pessoas. Informa, ainda, que no contexto da crise “muito feia” que
atravessamos (2009), chegou a ter inactivas 60 pessoas. Só algumas (“meia dúzia”, diz) pediram para sair, dado que
essas pessoas podem desenvolver actividade por conta própria; mas ele contava chamá-las mal as encomendas
retomem. “O pior que se pode fazer é despedir pessoas. “Ter pessoas qualificadas é a minha extravagância!”; (…)
“outros compram carros de luxo”. Gostaríamos de acrescentar que esta questão é extremamente relelevante, pois
traduz a magna questão da “empregabilidade” da mão-de-obra, verdadeira alternativa à proibição dos
despedimentos. É que, vista a realidade por este ângulo, será a empresa que não pode prescindir do trabalhador
empregável e não apenas o trabalhador que necessita de emprego.

O enquadramento teórico desta prática gestionária passa pela convocação do célebre artigo de Barney (1991, e,
igualmente, de Barney e Wright, 1998, p. 37), uma reflexão fundadora da corrente de gestão estratégica conhecida
como “Resources Based View” (RBV), acerca da necessidade de as organizações: fazerem uma aposta clara nos
recursos internos da empresa (entenda-se as pessoas) com valor para a organização; que estes recursos possam se
considerados raros, no sentido de não serem facilmente acessíveis à concorrência; e difíceis de imitar ou de
substituir. O autor admite que são os recursos únicos e específicos de cada organização (em conjugação com uma
liderança da cultura específica e inimitável) que lhe podem proporcionar as fontes de vantagem competitiva
durável, num mercado global, gerando uma performance acima do normal.
pagar essas coisas. Era preferível para a empresa ter uma pessoa, que fazia esses serviços,
como ir ao correio, por exemplo, do que cada trabalhador faltar por causa disso. Na altura
criámos também o serviço de apoio médico, que é um serviço que é prestado por um médico,
para aqueles cuidados primários e que se mantém ainda hoje.
AL – Para além disso, ainda existe uma preocupação alargada com a área da medicina no
trabalho?
JL - Exactamente. Assim, na área dos recursos humanos temos uma pessoa que se preocupa
com estas coisas. E temos depois outra pessoa que é responsável pelo cálculo dos vencimentos,
pagamento a fornecedores. Essas coisas todas. Mais administrativa. A empresa também tem
uma face social, porque a riqueza que está aqui dentro da empresa naturalmente que é criada
por esta gente toda. Assim, quando as pessoas durante a sua vida têm problemas, por
exemplo, a filha precisa de ser operada, ou o marido está com um problema, aí há um
acompanhamento da empresa.
AL – E é feito esse acompanhamento pela pessoa que controla a área dos vencimentos?
JL - Exactamente. Essa pessoa depois comunica à empresa se o colaborador A ou B precisa de
um empréstimo nesta ou naquela área. Se a filha precisa de ser operada e isso custa 2000€ ou
3000€ e esse não tem capacidades. Portanto, os colaboradores vêm falar com a empresa para
verem como é que esta os pode ajudar. É este clima 30 que faz com que as pessoas sintam a
empresa como se esta fosse delas, porque participam na sua gestão, e quando um colaborador
tem um problema a empresa também participa na sua resolução. Assim, existe uma auto-
responsabilização dos colaboradores relativamente ao funcionamento da empresa. Então, cria-
se este clima, esta filosofia de empresa que é o resultado de todos estes anos. De facto, há
uma responsabilização das pessoas em relação à qualidade e em relação àqueles indicadores
que são essenciais para o sucesso de uma empresa.

7. Formação Profissional
7.1. O Papel da Relação Dialógica na Criação e na Circulação do Conhecimento

JL - Há colaboradores que não sendo tão bons tecnicamente como outros, são muito eficazes 31.
O outro que tecnicamente não é tão eficaz, por vezes, chama a atenção, dizendo: “olha que
isso não está bem assim...”.
AL – Cada pessoa tem o seu perfil e acabam por se completar uns aos outros?
JL - Exactamente.
30
O gestor, em conversa livre, foi-nos dizendo que uma das suas fontes de inspiração é a gestão japonesa, em que é
normal as pessoas considerarem a empresa como sua, como fazendo parte da própria família.
A questão crucial que se coloca, acrescentaríamos nós, seria a de não deixar instalar na pessoa uma ambiguidade entre
os deveres para com a empresa e para com a família, dada a natureza anxiogénica e stressante dessa situação. Na
filosofia Kaisen, recomenda-se que a empresa adopte comportamentos aproximados à noção de família e a esta que
aopte a empresa como parte de si própria, favorecendo, assim, a gestão da contradição que lhe está subjacente.
31
A complementaridade da equipa vê-se pelas boas questões/observações colocadas e não apenas pelas boas
respostas.
7.2. Aposta na Formação Profissional Contínua – a Empresa como Escola

AL – Como é que se traduz, do ponto de vista operacional, a formação ministrada? Trata-se de


formação inicial?
JL - A formação é direccionada para a inovação ou actividade específica que exerce. Os da
metalomecânica têm uma formação direccionada para a sua área e os outros também têm
formação direccionada para as suas áreas. Numa fase inicial, situa-se entre as 14 e as 16
semanas.
AL – Duas horas por dia?
JL - Na fase inicial sim.
AL – Em equipa?
JL - Sim, em grupo. A partir daí, para aqueles que já estão estabilizados, no mínimo uma vez
por semana. Cada grupo reúne-se uma vez por semana onde se debatem os problemas que
temos, o que precisamos, quais são as carências que temos. Por exemplo, no ano passado,
chegámos à conclusão que havia carências na parte da comunicação em inglês. Demos um
curso de inglês, durante algumas semanas, 2 vezes por semana. Por vezes, é preciso fazer
formação mais técnica, na área da pneumática, ou da assistência a materiais, por exemplo. Aí,
vamos buscar técnicos que dão formação nestas áreas.
AL – E isto corresponde a mais ou menos, em média, 1 vez por semana, 1 dia?
JL - Normalmente, é dada formação às pessoas uma vez por semana, cerca de 2 horas 32.

8. Cuidar da Comunicação – A Gestão das Expectativas Positivas das Pessoas (o


efeito de Pigmaleão positivo)

JL – Sabem, há empresas onde se diz às pessoas que nunca se está completamente bem, que
é para tentar pôr as pessoas a dar sempre mais e mais. E isso! As pessoas não gostam. Aqui

32
Temos observado, com alguma frequência, a inquietação dos gestores acerca da dificuldade que prevêem no
cumprimento da lei das 35h anuais de formação/trabalhador. No caso desta empresa, atingem-se, por via da própria
rotina formativa descrita, 96h/trabalhador, graças às duas reuniões de reflexão/resolução de problemas, realizadas
sempre depois das horas de serviço. A cultura de formação incorporada no trabalho quotidiano parece ser uma das
âncoras da GERH da empresa. Tal como mostra, de resto, a colega Alexandra Fernandes no livro acima referenciado, a
empresa A. J. Lobo cumpre todos os requisitos fundamentais para poder ser considerada uma “Learnig Organization”.
Outro aspecto digno de realce prende-se com a muito discutida passagem à era da “Economia do Conhecimento”.
Defendemos no Anexo V uma proposta de leitura das funções de uma organização orientada para o conhecimento,
tendo como pano de fundo o modelo base de GRH, proposto neste texto, com o propósito de defender que todos os
colaboradores são trabalhadores do conhecimento, cada qual enquadrado numa missão organizacional específica.
Reconhecer esta realidade e tratar as pessoas como seres inteligentes e com capacidade de pensamento estratégico é a
condição da passagem à era da economia do conhecimento, na linha do que se faz na A. J. Lobo. Nesta empresa
empresa as pessoas são formadas para ultrapassarem a ideia de serem simples operárias; elas são, antes de mais,
fornecedoras de um serviço adequado e personalizado ao cliente. Este está efectivamente em face delas mesmo que o
não vejam, pelo que toda a falha vai necessariamente tornar-se patente mais cedo ou mais tarde, e o importante é que
nunca a falha se possa verificar. Como diriam Toffler e Toffler (2006), a opinião pública está muito pouco consciente,
mas já estamos na sociedade da economia do conhecimento, no mínimo desde 1956, ano em que nos EUA os
trabalhadores dos serviços ultrapassaram o total dos operários.
não. Nós mostramos às pessoas o que é que está mal, mas também mostramos o que está
bem.
AF – Quer isto dizer que vocês aqui dão importância ao elogio. Em Portugal, um dos grandes
problemas ao nível da gestão situa-se na dificuldade de se elogiar. As pessoas só comunicam
para dizer mal.
JL - De facto, eu penso que isso não é só um problema das empresas. É mais vasto. Assim, por
exemplo, se nós ligarmos as nossas quatro estações de televisão só ouvimos dizer mal. A nossa
auto-estima está muito degradada, porque nós só ouvimos dizer mal. Em vez de premiarmos os
mais capazes e utilizarmos esses como exemplo, não. De facto, o que há a fazer é dizer o que
está mal, mas também dizer o que está bem. Nós aqui temo-nos dado bem com esta forma de
gestão.

9. Cultura de rede – A responsabilidade social como dimensão organizacional

Já fora da situação de entrevista, no contexto da visita às instalações, o gestor revela-nos que,


apesar de em Espanha poder obter materiais por vezes muito mais baratos, sempre tem sido
privilegiada a associação a fornecedores nacionais, no que respeita aos diversos materiais: vidro
(antes vinha do Canadá, mas que agora já se fabrica em Portugal, na antiga COVINA),
caixilharia de alumínio, caixas de cartão canelado, colas e diluentes, materiais eléctricos, etc.
Esta “cultura de parceria”, de que tão poucos exemplos temos em Portugal (Lopes e Moreira,
2004), extende-se à colaboração com fornecedores para o desenvolvimento de soluções
criativas, propostas pelos grupos, como foi o caso da proposta de um processo de
embalamento plástico que facilita a paletização (numa caixa de cartão colocam-se 14 painéis; o
novo processo mais do que duplica a capacidade).

IV – CONCLUSÃO DO CASO DE ESTUDO

Falando de responsabilidade social, o gestor assume integral e literalmente o conceito na vida


da empresa e acrescenta que esta “não é um adereço de tipo marketing, mas antes uma
dimensão organizacional vivida entre parcerias mutuamente ganhadoras”.
Ainda a propósito deste tema, da responsabilidade social, o gestor conta-nos que quando uma
determinada IPSS, ligada a crianças e jovens deficientes, se lhe dirigiu a pedir ajuda, em lugar
de oferecer 500 Euros, por hipótese (era o quantitativo sugerido), promoveu a instalação no
telhado da instituição de uns painéis fotovoltaicos que vão render, em energia vendida à EDP,
esse mesmo montante por mês, durante mais de 60 anos.
Em seguida, desabafa: “vejam como seria o nosso país se as C.M. ou outras instituições
pensassem desta forma!”
Poderíamos, também nós, parafrasear o nosso entrevistado: “vejam como seria o nosso mundo
dos negócios se os gestores públicos e os empresários privados pensassem nas pessoas, da
forma como este líder ensina”. O sr. Joaquim Lobo apresenta factos mas igualmente intenções
ou mesmo teorias em que se apoia. Poderíamos dizer que nesta entrevista se conjugam de
maneira equilibrada a abordagem alemã, a japonesa e a do próprio gestor, para exemplificar a
forma de acesso à excelência da GERH em Portugal.
Acima de tudo, a liderança da AJLobo assenta na ética dos negócios, como foi possível
demonstrar em diversos momentos chave da entrevista, referindo os tempos conturbados que
pontuam a vida de qualquer empresa. Uma máxima, muitíssimo necessária no Portugal de hoje,
que é atribuída ao general Norman Schwarzkopf, o comandante das forças norteamericanas
que libertaram o Koweit na primeira guerra do Golfo, em 1991, parce aplicar-se ao caso em
estudo: “a liderança é uma combinação de estratégia e de carácter. Se tiver de prescindir de
uma delas, que seja da estratégia”.
Citando Séneca (o filósofo e magistrado romano que julgou e absolveu o Apóstolo São Paulo,
no tempo do Imperador Nero), poderíamos concluir: “longo é o caminho ensinado pela teoria;
curto e eficaz é o do exemplo.”
ANEXO I

ARTE DE GERIR RECURSOS HUMANOS EM PORTUGUÊS33

“A Excelência na Liderança da Cultura Portuguesa: o Caso Pereira & Ladeira, L.da”

Este caso foi reelaborado, (de acordo com o modelo deduzido do caso A. J. Lobo, proposto no
início do presente trabalho),

por

Albino Lopes

a partir de uma conferência pronunciada pelo empresário numa aula do mestrado de GERH e
de entrevistas conduzidas pelos
Mestrandos seguintes (no âmbito de um trabalho de grupo):
Ana Catarina Martins Costa Matos
Orlando Vicente Sá Oliveira
Miguel Ângelo Mota

2008/9

33
O texto que se apresenta é um dos inúmeros caso de inspiração sobre a gestão de pessoas que se faz em
Portugal, e seve de modesto tributo aos empresários que nos ensinaram esta complexa e difícil arte.
ÍNDICE/GUIÃO DE ENTREVISTA (INSPIRADO DO CASO A J LOBO)

Página
Introdução 3
I- Considerações gerais relativas à entrevista 5

1. Guião de observação da entrevista e breve caracterização do entrevistado 5

2. Guião de entrevista aberta 6

II- Categorias/dimensões de análise da entrevista 7

1. Os valores herdados e apreendidos. O profissional holandês 7

2. O surgimento da empresa: a linha estratégica e o alinhamento da GRH 9

3. O modelo de gestão: liderança em equipa e envolvimento dos colaboradores 10

4. Duplo projecto: económico e social 16

5. A organização do trabalho 17
17
5.1. Organização do trabalho e intra-empreendedorismo (comprometimento) 20
21
5.2. Sistema integrado de gestão pela qualidade total 21

5.3. O processo de resolução de problemas

5.4. Higiene e segurança no trabalho

6. Selecção, recrutamento e retenção dos colaboradores 22

7. Avaliação do desempenho e sistema de remunerações 22

8. Formação profissional 23

Considerações finais 24
Referências bibliográficas 25
INTRODUÇÃO

A globalização, entendida como um processo conducente a uma interdependência económica,


cultural, política e tecnológica entre instituições nacionais e economias (Wild, 2008), tem
provocado alterações concretas no contexto dos mercados, das indústrias e dos serviços,
forçando a Gestão de Recursos Humanos (GRH) a transformar as suas práticas e exercícios,
bem como o seu papel estratégico, no sentido do sucesso.
É claro que o contexto actual impõe múltiplos desafios à gestão do capital humano do século
XXI, desempenhando esta, hoje em dia, mais do que nunca, um papel estratégico para alcançar
os objectivos organizacionais. Novas formas de negociar impõem novas formas de envolver e
gerir as pessoas. Na perspectiva de Alves (2007: 518), “para a maior parte dos gestores de
recursos humanos, este cenário significa deitar para trás das costas maneiras antigas de pensar
e agir (…). Os gestores de recursos humanos devem ajudar as organizações a definir as suas
estratégias e a construir programas de desenvolvimento do seu capital humano, de modo a
atrair, reter e suportar as pessoas necessárias à consecução desses planos. Os gestores devem
compreender os processos-chave de trabalho e construir os ambientes de suporte nos quais os
colaboradores deverão actuar de uma forma mais eficaz, produtiva e satisfatória”.
Ainda assim, como sublinha Lopes (2009: 6), “uma das questões centrais com que se
defrontam os investigadores da Gestão de Pessoas é o problema da burocratização das
práticas, ou seja, da prevalência das práticas tácticas e administrativas por oposição às práticas
estratégicas e políticas, quando parece certo que são estas, e não as primeiras, que estão
correlacionadas com a eficácia organizacional”.
Transmitindo-nos o seu manifesto interesse pela gestão estratégica de pessoas, a cadeira de
GERH lançou-nos o desafio de encontrarmos, no seio do tecido empresarial português, uma
gestão que proporcionasse aos seus recursos humanos a dimensão das pessoas, quer dizer, a
“(…) promoção de uma cultura de iniciativa e de cooperação, através da procura sistemática do
intra-empreendedorismo como forma de superação da noção de trabalho dependente
resultante do modelo industrial que se generalizou a partir do século XIX” (Lopes, 2009: 7).
A Pereira & Ladeira, Lda é uma empresa do sector da pedra mármore criada, no ano de 1997,
pelo Dr. Alberto Pereira apresenta um projecto que parece estar direccionado para a
valorização do capital humano e como tal insere-se nos propósitos da cadeira em causa. Para
além disso, constata-se que, numa altura em que o sector da pedra mármore atravessa uma
grave crise, que tem levado ao encerramento de muitas empresas do sector, a Pereira &
Ladeira, Lda apresenta um crescimento exponencial.
Questão inevitável: o que tem de diferente esta empresa que lhe permite manter a
competitividade e a eficácia organizacional em contexto de fortíssima crise da economia
nacional e mundial a qual tem arrastado para a crise tantas empresas experientes?
O Dr. Alberto Pereira, Gestor da Pereira & Ladeira, Lda, através de uma postura descontraída,
sincera, aberta e muito cooperante, foi-nos revelando as origens e segredos da sua gestão e a
sua concepção humanista do mundo dos negócios.
As entrevistas, na sequência da conferência pronunciada no âmbito do mestrado, foram
conduzidas de uma forma livre e informal a que já nos tinha habituado. Procurávamos instaurar
uma verdadeira troca de pontos de vista, durante a qual o nosso entrevistado exprimisse as
suas percepções, interpretações e experiências e nós, através de perguntas abertas,
facilitássemos a sua expressão, evitando que se afastasse dos nossos objectivos, e
garantíssemos o acesso a um grau máximo de autenticidade e de profundidade (Quivy e
Campenhoudt, 1992).
A entrevista foi, posteriormente, transcrita e objecto de uma análise de conteúdo, atendendo às
categorias do modelo de GRH explanado nas aulas e a partir do caso A. J. Lobo. Apresenta-se o
resultado da análise, com notas informativas reunidas no decurso das várias conversas “of the
record” que mantivemos com o Dr Alberto Pereira, da conferência pronunciada no âmbito do
mestrado, bem como de alguns comentários teóricos.
De tudo o que foi possível observar neste caso, parece-nos ser possível concluir, de acordo com
a opinião formulada pelo próprio entrevistado, que são raros os empresários que desenvolvem
um verdadeiro sistema de GERH, inserido nos valores profundos da cultura portuguesa e,
sobretudo, que conseguem fazer desta um recurso estratégico da empresa (Lopes, 2009).
O “caso Pereira & Ladeira, L.da” parece ser, como se procura ilustrar de seguida, um caso
paradigmático de tudo aquilo que está ao alcance dos empresários portugueses, quando
encontram uma fórmula adequada para gerir estrategicamente os recursos “raros e
inimitáveis”, de que fala a RBV, associados à cultura portuguesa.
Considerações gerais relativas à entrevista

1. Guião de observação da entrevista e breve caracterização do entrevistado

Guião de observação
Nome da empresa Pereira & Ladeira, Lda
Actividade da empresa: Mármores
Data de realização da entrevista: 4 de Junho de 2009
Local de realização da entrevista: Sede da Pereira & Ladeira, Lda
Postura do entrevistado: Descontraída e colaborativa

Localização e contactos da empresa


Morada: Zona Industrial de Oliveira de Frades, 3680-170
Email: plfab@sapo.pt

Caracterização socioeconómica do entrevistado


Nome: Alberto Pereira
Idade: 56 anos
Habilitações literárias: Licenciatura em Direito
Cargo ocupado na empresa: Proprietário e Gestor

2. Guião de entrevista

Tópicos centrais:
↘ Apresentação da empresa

1. História e evolução da Pereira e Ladeira, Lda.


2. Missão, valores e objectivos.
3. Organização estrutural da empresa.
4. Linha estratégica da empresa.
↘ Gestão da empresa

5. Características da gestão da empresa.


6. Características da liderança.
7. Proximidade entre a administração e os colaboradores da empresa.

8. Forma como a gestão da informação é feita e transmitida aos colaboradores.


↘ Organização do trabalho

9. Forma como o trabalho está organizado na empresa.


10. Processo de resolução de problemas.
11. Higiene e segurança no trabalho.
↘ Gestão dos recursos humanos

12. Processo de recrutamento e selecção dos colaboradores (socialização


organizacional).
13. Sistema de avaliação de desempenho.
14. Sistema de remunerações.
15. Formação profissional.

I- Categorias/dimensões de análise da entrevista

1. Os valores herdados e os apreendidos. Uma reinterpretação da cultura nacional a


partir de um olhar exterior: um “profissional holandês”

ALBERTO PEREIRA (AP) – Nasci no seio de uma família de gente humilde com valores muito
grandes. Chamo-me António Alberto dos Santos Pereira e aprendi com o meu avô paterno,
portanto, pai do meu pai, que se chamava Alberto dos Santos Pereira e com quem eu passava
todas as minhas férias de Verão, alguns princípios. Passava 3 meses com ele. Os meus pais, na
altura, dada a escassez de meios, “empandeiravam-me” durante as férias para ao pé do avô e,
portanto, tive uma relação super privilegiada com ele e super próxima. Daí que o nome que eu
uso é Alberto Pereira. Em determinado momento da minha vida, pensei inclusivamente em tirar
o António, porque não fazia sentido. Digamos que, ainda hoje, me revejo sempre como Alberto
dos Santos Pereira, que era o nome do meu avô. (…)
O meu avô era ferreiro numa aldeia de Trás-os-Montes e ensinou-me alguns princípios que,
para mim, são, hoje, sagrados e uma filosofia de vida e de aceitação da vida como ela vem.
Esses valores, que se vieram a fortalecer e a sedimentar ao longo da minha formação, dizem
respeito à dimensão do ser humano.
É isso que eu acho que os tempos modernos perderam por completo, quer dizer, o ser não
conta, o ser humano passou a ser: ter património. É com base nestes princípios, do respeito
pelo ser humano, que tenho pautado toda a minha vida 34.

34
Encontramos no Dr Alberto Pereira uma visão humanista da vida e dos negócios, “herança” do avô paterno. Esta foi,
anos depois, consolidada, pela formação académica em Direito. É evidente, no seu discurso, a grande importância que
dá aos seres humanos, ao indivíduo, às oportunidades e aos direitos, bem como à transparência da gestão e à
congruência entre o discurso e a acção.
A experiência de professor do ensino liceal e prática desportiva são duas fontes de inspiração permanente, das quais
retira lições de vida para si e de relacionamento com os colaboradores.
Por outro lado, a sua ligação à forma de gerir holandesa e o contacto que mantém com esta cultura, próxima da
influência weberiana alemã, influencia claramente o seu modelo de gestão das pessoas, como se verá adiante. O
próprio reconhece que, profissionalmente, é “holandês”. O seu perfil de gestor enquadra-se muito bem na categoria de
“vivência de uma cultura adaptativa” (Lopes, 2004).
Uma outra falta tremenda dos dias de hoje é a não coincidência entre o que se diz e o que se
faz. Na maioria das pessoas que eu ouço falar há uma diferença enormíssima entre o que se
apregoa e o que se pratica. A maioria da gente que eu conheço, profissionalmente, sofre de
uma grande incongruência. A maioria das pessoas com quem eu me relaciono na vida, entre o
que defendem e o que praticam vai o tamanho do mundo. Eu procuro que não seja assim e daí
que tenha, diariamente, aquilo que digo aos meus amigos lá fora: daily struggle for the
difference, ou seja, todos os dias eu me esforço por ser diferente. «A formiga no carreiro vinha
em sentido contrário», dizia o Zeca Afonso, e é aí que eu quero andar, se o sentido contrário
for o bom, o congruente35. Não é a primeira vez que me é oferecido o negócio da China e a que
eu digo liminarmente não, sem perder tempo, porque life is not only about money . Se assim
fosse, eu estaria provavelmente a negociar em drogas ou em prostituição ou noutra coisa
qualquer.
Há 30 anos, quando sabíamos que alguém tinha negócios escuros, nós não o sentávamos à
nossa mesa. Hoje é um tipo fino, temos muito gosto em nos sentar com esse tipo de gente e,
portanto, enquanto a minha cabeça pensar por mim, enquanto eu for aquilo que efectivamente
sou, posso dizer que não há dinheiro nenhum que me compre.
OO – O Dr Alberto tem uma vasta experiência a partir do seu relacionamento com a Holanda.
AP – Tenho e também com outros países. Viajo muitíssimo.
OO – Ouvi dizer a alguém que cada vez se sente mais holandês do que português.
AP – Eu, profissionalmente, sou um holandês. Antigamente, tinha reuniões de 2 e 3 horas com
holandeses. Hoje, tenho reuniões de 5 a 10 minutos.
- O que é que vens discutir?
- Era para falar de preços.
-Ai é! A minha qualidade está boa?
- Está.
- O serviço está bom? Sabes qual é a inflação deste ano? 3%. Fica 3%. Estou a pensar
aumentar a tabela em 3%. Há mais alguma coisa a discutir?
- Não.

Do ponto de vista das suas competências pessoais, o Dr. Alberto Pereira parece apresentar, no todo ou em boa parte,
as dez principais características que McClelland (1972) identifica no empreendedor com motivo de sucesso (Reto e
Lopes, 1991): busca de oportunidades e iniciativa; persistência face aos inúneros obstáculos que teve de enfrentar;
comprometimento com prazos e clientes; exigência de qualidade e de eficiência, procurando formas mais rápidas e
baratas; estabelicimento de metas de curto e de longo prazo; busca de informações directamente ou através e
especialistas; planeamento e aferição sistemáticos, tomando as decisões depois de ponderados os factos; persuasão e
rede de contactos, encarregando-se pessoalmente das principais relações comerciais; independência e autoconfiança,
mantendo o seu ponto de vista mesmo perante a adversidade.

35
Dyer et al. (2009) designam este tipo de líder como “aquele que pensa a contra-corrente,” evitando o pensamento
grupal ou de seita. Os autores falam de um ADN de líder inovador, que além daquela caracterísica teria ainda a
propensão para associar ideias, colocar as questões certas e centração na acção, corrindo essa em função dos erros
detectados. Esta característica de líder inovador irá aparecer ao longo da entrevista.
- Então vamos beber um copo, vamos lá baixo ver como é que está a produção. Vê lá se
gostas. Tenho esta pedra nova.
Cada vez que há uma coisa nova sou eu que a dou a conhecer. Uma pessoa tem de andar
sempre um passo à frente. Ainda agora apareceu uma pedreira nova e já cá tenho as primeiras
amostras36. Eles dizem-me, já não é o primeiro nem o segundo, que pus a minha empresa
exactamente à holandesa; que o que se encontra lá em baixo [produção] está ao nível do que
melhor há na Holanda37. Não é para me gabar, mas tenho algum orgulho e devemos ter
orgulho no que fazemos.

2. O surgimento e a refundação da empresa: a formulação de uma linha estratégica


(extremamente focada) e o alinhamento da GRH

AP – A empresa surgiu na sequência de uma ruptura. Eu era sócio de uma empresa que
laborava no mesmo ramo. As coisas corriam mal. Éramos três sócios e, dos três, saiu um. Eu
fiquei com o outro que tinha uma série de empresas. Era o empresário típico português. Não
vou falar do passado. Afastei-me e achei sempre que era capaz de fazer o meu projecto. Ao
sair tinha um passivo de 600 mil euros, cerca de 120 mil contos, e disse: eu vou recuperá-los.
De (menos) 120 mil contos vou fazer qualquer coisa. A partir daí, como já trabalhava na pedra,
andei uns anos, 3 anos, a apanhar papéis, a aprender e, em 2001, tomei a opção de só
exportar, e especializei-me nas cozinhas. Todas as empresas têm a sua especificidade. A
diferença entre o ser humano e o papagaio é que o papagaio, por mais débito de informação
que se lhe faça, assimila e debita exactamente o mesmo. A capacidade humana é a capacidade
da inteligência, de com A, B e C ser capaz de fazer n combinações e extrapolar. É essa
capacidade que se exige a um gestor. O gestor tem de estar sempre com os radares ligados,
sempre a recolher informação e, com base nela, fazer escolhas, muitas vezes, ao segundo ou
com base naquilo que, na gíria, se chama o “cheirómetro”.
Nós, Europa, cometemos um erro crasso, tremendo. Transferimos para os mercados
emergentes, China, Índia, Vietname e Coreia, o nosso know-how e o nosso fabrico, porque
estávamos todos aqui armados em doutores. A Europa é um condomínio de luxo com uma
panóplia de gente a não fazer nada ao produto, a não ser encarecê-lo. Há muita gente no
produto, na Europa, que tem uma atitude parasitária. Conheço n empresas onde eu cortava
custos e a eficácia seria a mesma ou provavelmente maior. Portanto, transferimos para esses
mercados o fabrico e vamos ter de o tornar a trazer para cá, porque só faz sentido que haja
uma liberdade de concorrência entre mercados se a China tiver para com o ser humano chinês
os mesmos pressupostos que o resto do mundo tem. Não é aceitável que se comparem dois
36
De acordo com o que acima se disse o líder aposta no Capital Intelectual (naquilo que os mercados exigentes
valorizam) e não no emprego de mão-de-obra intensiva, como fez a generalidade da indústria tradicional portuguesa.
37
A aposta nas condições de trabalho dignas dos ambientes mais avançados da Europa é de assinalar como exemplo
de uma abordagem sócio-económica relevante.
produtos semelhantes, um fabricado na Europa e outro na China, sendo que o chinês é tratado
como escravo. Nós, na Europa temos condomínios de luxo, e na China prisões de luxo. Prende-
se toda a gente para obrigar a produzir a custo zero. O mundo vai sendo cada vez mais uma
aldeia e as pessoas têm, todas elas, cada vez mais, direito e direitos, sendo que os europeus
têm de perder alguns direitos. Têm demasiados direitos. Têm o direito à arrogância, têm o
direito à estupidez. Qualquer um na Europa com dois tostões na algibeira convence-se que é
dono do mundo38. E é! Tem os subsídios que não merece. Quanto aos subsídios mínimos de
sobrevivência, eu estou de acordo com eles. Golpadas da “senhora economista” que trabalhou
para a empresa do pai e é despedida, para ir para casa, auferindo de um subsídio de
desemprego compatível com o altíssimo salário que auferiu é uma estupidez.
Nota: O gestor, em situação de “ of the record” não poupa as críticas à actuação do IAPMEI, no
sector em que trabalha, desde o primeiro quadro comunitário de apoio. Naquela altura alguém,
devidamente escudado, viu o furo que consistia em colocar em Portugal equipamentos
italianos. A definição estratégica passava por duas palavras: exportar e especializar. O
fundamento desta estratégia não era mais do que “a mão-de-obra barata”. Esquecem, diz o
gestor, que o trabalhador é antes de mais um ser humano. Agora, com a abertura dos
mercados, acabou a exportação e as empresas sofrem a concorrência no nosso próprio
mercado interno, europeu e regional. É claro que há espaço para fabricar em Portugal, por duas
razões, falta de constância na qualidade e pressão do ambiente nos países de economias
emergentes. Mas para isso é necessário repensar o negócio, o que não está ao alcance das
empresas que apostaram na mão-de-obra barata. É preciso apostar nas pessoas e na inovação.
As pessoas respondem bem às exigências da competitividade internacional, considera o gestor.
Na empresa trabalha-se em todos os feriados que não tenham cariz religioso. Ao Sábado estão
sempre cerca de 30% de pessoas a trabalhar e o gestor almoça sempre que pode com eles.
No que respeita à inovação, é preciso estar sempre a idealizar novos processos. (Cita
demoradamente o exemplo da colaboração com dois engenheiros de São João da Madeira). Foi
inventada uma máquina de corte por “jacto de água”, em mútua colaboração, (o que se traduz
num) método inovador no ramo.
Orlando Oliveira (OO) – Falou, a determinada altura, que inicialmente tinha vários produtos,
mas, entretanto, especializou-se.
AP – Tinha. Eu fiz um estudo ao mercado e adquiri um determinado know-how. É preciso,
como disse anteriormente, compilar a informação e, depois da informação compilada, tomar
opções. Eu analisei esta indústria da pedra e cheguei a várias conclusões. Se calhar, não são é
semelhantes a outras indústrias. Eu defendo a especialização. Aquilo que fazemos, tem de ser
muito bem feito. Não faz sentido estar a fazer soleiras, peitoris, ladrilhos, degraus, campas,
38
Alberto Pereira pratica, como se vê, uma gestão estratégica próxima da designada abordagem baseada nos recursos
(RBV); cruzou pontos fracos e fortes com ameaças e oportunidades; definiu que a linha estratégica da Pereira &
Ladeira, Lda passaria pela especialização no fabrico de tampos de cozinha e alinhou a organização por essa linha de
rumo. Era isso que fazia melhor, que lhe permitiria enfrentar o mercado global, diferenciando-se da concorrência.
Reuniu recursos e baseou o seu modelo de gestão na sua visão humanista e na confiança.
uma cozinha de vez em quando. Esse é o meu know-how, a capacidade de olhar para o
processo fabril e dizer: isto não é compatível. Se quiser uma mistura de azeite com água é
escusado, não consegue, porque não mistura. Se quiser o mesmo acabador a acabar degraus,
em que quanto mais depressa melhor, e a acabar cozinhas, em que quanto mais bem feito
melhor, das duas uma: ou vai acabar os degraus com a qualidade das cozinhas e está a perder
dinheiro, ou vai acabar as cozinhas com a qualidade dos degraus e está a perder dinheiro.

3. O modelo de gestão: liderança em equipa e envolvimento dos colaboradores

OO – Tenho-me apercebido da evolução desta empresa e esta é uma das empresas que está a
fazer a diferença. É uma empresa que, no sector em que estamos, que sabemos que está mau,
está com um crescimento exponencial. Alguma coisa se passa nesta empresa para que isso
aconteça.
AP – É provável que haja elementos que fazem a diferença, seguramente que há. O inter-
relacionamento entre as pessoas, a capacidade de motivação, o líder. O que é que é um líder?
O líder é, de facto, alguém que tem a capacidade de assumir responsabilidades [aponta para
uma das ofertas dos seus colaboradores, exposta, tal com as outras, no seu gabinete de
trabalho, um pequeno quadro onde se lê que «a maior de todas as coragens é a de assumir
responsabilidades»], a ousadia, o desafio permanente. Há uma motivação para quem gosta de
construir e fazer coisas, ou seja, se uma pessoa tiver a motivação de ter um excelente
Mercedes pode lá chegar através do dinheiro da empresa. Em 60 trabalhadores, se a cada um
pagar menos 20 euros, tem 1200 euros por mês que lhe permitem ter um Mercedes. Então,
não tem escrúpulos para atingir um determinado objectivo económico. Se alguém como eu, e
há mais, seguramente, não sou o único, entende que há um projecto, que é possível fazer
coisas, a “pica”, como se diz hoje na linguagem vulgar, é concretizar o projecto. Se eu faço o
meu trabalho bem feito, se eu compro a mesma pedra a 40 e os meus concorrentes a compram
a 80, se eu consigo gerir muito bem o todo da produção de forma a conseguir um todo
harmonioso e funcional com uma optimização do processo produtivo, associo dois factores
positivos: - Um, a compra da matéria-prima. (Comprando em melhores condições estou um
passo à frente dos concorrentes).
- Dois, gerindo muitíssimo bem e optimizando o processo produtivo tenho um produto final a
um custo mais baixo do que o da minha concorrência, logo não tenho de ter medo de ninguém.
Falta-me o aspecto comercial. Não é a primeira vez que eu saio daqui e faço 2, 3, 4 mil km de
tiro e vou visitar o cliente x. Dou tiros certos, sei onde é que eu quero ir. Quero ter clientes ou
quero ter distribuidores? Tudo isto é uma questão de compilar informação, processá-la e geri-
la. Qual é o objectivo final que eu tenho? É ter um projecto sólido, consistente.
Desço à produção e todos os trabalhadores que lá estão são pessoas por quem eu sou
responsável. Ainda ontem admitimos um trabalhador novo que me perguntou se o contrato
era a prazo ou se era definitivo. Eu disse-lhe que comecei com 5 e que agora são 70. “Dos 70
que cá estão hoje, provavelmente, 60 são efectivos; 10 serão as últimas contratações, o que
quer dizer que todo aquele que é contratado é para ser efectivo. Não vou buscar ninguém sem
ser com essa finalidade. Vai depender de um conjunto de factores, fundamentalmente de ti, da
tua capacidade de integração nesta equipa”.
Não é a primeira vez que a própria equipa me diz que o colega x não serve. Portanto, definimos
os princípios, os pressupostos de como é que vamos trabalhar, para onde é que vamos. Qual é
o projecto? É este. Depois, à medida que ele se vai concretizando é lógico que eu, nos
primeiros anos, andei muitos anos de Citroën AX e hoje, se tivesse de andar, voltava a andar na
mesma. Não é problema absolutamente nenhum. Seguramente que à medida que as coisas se
vão concretizando, que vamos conseguindo atingir os objectivos, naturalmente que as coisas,
em termos financeiros, estão melhores e são-nos permitidas algumas pequenas situações de
conforto. Uma pessoa como eu, que faz os quilómetros que eu faço, é normal que tenha de ter
um carro seguro, confortável, cómodo, mas isso decorre do fazer bem feito e a prioridade das
prioridades é, de facto, o orgulho que eu tenho em os trabalhadores estarem pagos acima da
média. Posso dizer, por exemplo, sem ser gabarolice, que esta empresa tem como salário
mínimo 500 euros desde 1 de Janeiro deste ano. Portanto, os discursos que aparecem na praça
pública são, a maioria deles, balofos, bacocos.
Digamos que, para mim, o modelo de gestão tem inerente a noção de equipa. Tive a sorte de
jogar futebol muitos anos. Joguei a um nível razoável e joguei em equipa. Jogava na frente e
marcava muitos golos. Dentro da equipa, era a vedeta, estatuto que eu achava que não era
meu, porque tinha um back office. Havia um jogador, como defesa esquerdo, que tecnicamente
era muito fraco, mas no lugar dele não havia ninguém igual. A fazer as tarefas que se exigiam
àquele lugar, aquele homem era o melhor. As empresas são assim. É como o maestro. O
maestro não é, seguramente, o melhor executante daqueles instrumentos todos, de certeza
absoluta. Provavelmente, não toca nenhum instrumento ao nível dos instrumentistas que tem,
mas, se trocarmos os papéis, a orquestra não funciona. O maestro é aquele que é capaz de
estar no centro da orquestra e saber que o violoncelo ali é tocado daquela forma, com aquela
sensibilidade que, se calhar, ele não é capaz de executar, mas pede a alguém para o executar
até lá chegar e quando lá chega diz: chegaste lá! É isso que eu preciso que faças no compasso
47. Quando entra o trombone ou o violino a mesma coisa, ou seja, o lugar do maestro é aquele
com o qual eu me identifico. É a capacidade de olhar para os outros [aponta para uma das
ofertas dos seus colaboradores exposta no seu gabinete, um postal de aniversário assinado por
todos e onde se lê que o «homem de êxito é aquele que procura o que há de melhor nos
outros e dá o melhor de si mesmo»], a forma como consigo, com uma determinada alegria e
um determinado sorriso, que as pessoas sejam capazes de sentir brio no que dão, dando de
forma humana, sem escravidão. Nesta empresa, há um ambiente, que cultivo, de grande
respeito e de grande solidariedade. Há uma empatia entre todos e todos temos o mesmo
objectivo. A empresa não é só minha. A empresa é desta gente toda que aqui está. Aquilo que
eu faço é gerir cada um. Não é a primeira vez que nos apercebemos que as características do
trabalhador A, que foi contratado para o lugar x, não batem certo com esse lugar.
AM (Ana Matos) – Procura, portanto, uma adequação entre as características do trabalhador e
as tarefas do seu posto de trabalho, ou seja, as características do trabalhador A podem não ser
adequados ao lugar x, mas poderão sê-lo para o lugar y.
AP – Vou contar uma história que tive nesta empresa há 7 ou 8 anos.
Passados 3 meses desde a contratação do empregado A, que hoje ainda cá está, o meu
encarregado vem-me dizer que ele não servia. Perguntei-lhe em que posto o tinha colocado,
se tinha pensado em o mudar para a máquina y. Disse-me que na máquina y estava a
trabalhadora B. Ela estava ajustada à máquina, mas tinha potencialidades para outras funções.
Então disse-lhe que ela, provavelmente, daria uma acabadora excelente, pedindo-lhe para
colocar no lugar dela o colaborador A e a passar para os acabamentos. Durante 15 dias a
trabalhadora B formou o colaborador A para desempenhar funções na máquina y. Chegámos à
conclusão que o colaborador A não produzia o esperado, no lugar onde foi inicialmente
colocado, porque estava sempre no paleio com o trabalhador C ou D, desconcentrava-se e não
tinha motivações. Perguntei ao meu encarregado: vamos fazer isto? Ele respondeu-me: o Dr é
que sabe, mas eu acho que ele não serve para nada e, portanto, o melhor era ele ir embora.
Sou sempre eu que mando, as decisões são sempre minhas, mas eu gosto que as pessoas
dêem a sua opinião: o que é que achas de fazermos isto?
O indivíduo foi mudado para a máquina y e o que é que aconteceu? Ele, naquela máquina,
deixou de ter C e D com quem conversar. Era um rapaz novo e tinha sido até aluno da minha
mulher que também dizia que ele não servia para nada, que era um “espalha brasas”, que
falava muito, desconcentra-se e vinha de uma família cheia de problemas.
No dia seguinte cheguei à empresa e a primeira preocupação que tive foi ir ter com ele: Então
pá, estás com a colaboradora B? Oh colaboradora B, pões o gajo 5 estrelas? Vê lá, olha que a
responsabilidade dele é tua. Tens que o treinar bem.
No final do dia, chamei a colaboradora B ao meu gabinete. Disse-lhe que queria que ela o
formasse porque ia passar para outro lugar que poderia vir a ser mais bem remunerado e
isso era positivo para ela. Então, durante 15 dias, ela foi-o formando e eu ia passando todos os
dias para falar com ele. Ao fim de 15 dias, ficou sozinho e a primeira coisa que fiz, nesse dia,
foi ir lá abaixo. Estava tudo a correr bem. Pedi-lhe para, no fim do dia, passar no meu escritório
e disse-lhe: olha, quiseram mandar-te embora, disseram-me que tu não servias para nada, que
te desconcentravas, mas, sendo que sou eu que mando, optei por te mudar de lugar, porque
aquele papel é para ti. Não me vais é deixar ficar mal, porque eu não quero que se diga que
estás cá por cunha do patrão. Quero que conquistes e mereças o teu lugar.
No final do mês dei-lhe os parabéns. O mês correu bem e dei-lhe um prémio, um estímulo.
Não há nada a dizer do rapaz no desempenho das suas funções naquele lugar. Isto é gerir e o
que é que isto exige de mim? Não exige nada porque eu sou assim, é natural [risos]. É a
conclusão a que eu chego.
Os meus amigos dizem que tenho uma capacidade de trabalho tremenda, mas hoje já não faço
o que fazia, há 5, 6, 7, 8 anos. Na altura em que optei por exportar tudo o que fazia decidi
saber tudo o que se fazia na empresa. Então, durante 7 ou 8 meses entrava às 7 da manhã e
saia à 1 da manhã. Acompanhei os fabricos todos; portanto, estive uma semana no corte, uma
semana no acabamento, uma semana no polimento, cortei, abri buracos para saber o que
fabrico. Os meus amigos dizem que trabalho demasiado; mas eu tenho é o privilégio de gostar
imenso do que faço e, portanto, não me custa absolutamente nada.
Já em situação “of the record”, o Dr Alberto Pereira contou-nos, que no final de cada mês é
fixado o mapa das horas extraordinárias para que os colaboradores o analisem e tenham o à
vontade de avisar a administração da empresa sempre que constatem a existência de erros ou
incorrecções39.
39
A noção de liderança é, não raro, tratada por muitos autores de forma indistinta da noção de gestão. Contudo,
muitos especialistas defendem que a liderança é um processo mais emocional do que a gestão, sendo esta mais
racional. Dizem Rego e Cunha (2003: 176): “neste quadro de entendimento, tende a considerar-se que os líderes são
carismáticos e inspiradores, tomam riscos, são dinâmicos e criativos, sabem lidar com a mudança, são visionários.
Distintamente, os gestores são mais racionais, trabalham mais com a cabeça do que com o coração, lidam com a
eficiência, o planeamento, os procedimentos, o controlo e os regulamentos”. Então, importa perguntar: liderança e
gestão, são dois papéis distintos? House e Aditya, citados por Cunha et al. (2007: 335), “(…) alegam que os gestores
podem ser líderes, e vice-versa. Os gestores tornam-se líderes proporcionando visão, direcção, estratégia e inspiração
às suas unidades organizacionais, e comportando-se de maneira que reforce a visão e os seus valores inerentes”.
Também Rowe, abordado pelos mesmos autores, sustenta, através de um modelo circular que tem como vértices a
liderança gestionária, a liderança visionária e a liderança estratégica, a mesma tese de House e Aditya. “O líder
gestionário enfatiza a estabilidade financeira a longo prazo, procura manter a ordem existente, não investe nas
inovações que podem mudar a organização. Falta-lhe a visão, o sonho, a emoção, a criatividade. O líder visionário, por
seu turno, enfatiza a viabilidade da organização a longo prazo. Fomenta a mudança, a inovação e a criatividade. Mas
carece do realismo e da frieza necessária para manter viva a organização no curto prazo. O sonho pode induzi-lo a
fazer investimentos destruidores da riqueza necessária para manter viva a organização no curto prazo. O líder
estratégico combina sinergeticamente as duas orientações. Concilia as qualidades do gestor com as do líder, assim
viabilizando a empresa a longo prazo sem hipotecar a estabilidade financeira a curto prazo” (Cunha et al., 2007: 335).
Assim, “liderar é não gerir. O líder não gere a organização. Pelo contrário, vai pedir a cada elemento, a cada unidade
que faça a gestão adequada. A liderança concentra-se, fundamentalmente, na partilha da visão. Da metáfora piramidal,
quer dizer, do líder dominante, passa-se à metáfora do círculo. O líder não é quem está no topo da organização. O líder
é quem está no centro da organização. Não para ser servido, mas para servir a organização” (Lopes, 2009: 114).
Notoriamente, o Dr Alberto Pereira está no centro da sua organização, servindo-a. Gere a eficácia organizacional e a
confiança, estando ciente de que a sua liderança é eficaz na medida em que gere bem a cultura e a confiança.
É também um líder carismático, na acepção de Conger e Kanungo (1998): dotado de autoconfiança nos seus juízos e
capacidades; de visão de um futuro melhor, não se acomodando à mediania; com capacidade de comunicar essa
mesma visão inspiradora aos colaboradores; com fotes convicções sobre a mesma visão de futuro; manifesta um
comportamento algo desviante face à genralidade dos gestores portugueses de quem claramente se demarca;
reconhece em si mesmo uma capacidade de mudança que rompe com os critérios do situacionismo empresarial
nacional; é sensível à envolvente que estuda em permanência.
Assume ainda claramente, de acordo com Pitcher (Lopes, 2009), o papel de “artesão”, se bem que conjugado com
aspectos de “artista gentil” no que respeita à procura de nichos de mercado exigentes. É equilibrado, prestável,
4. Um duplo projecto empresarial: a dimensão económica e a social

A Pereira & Ladeira, Lda parece estar estruturada de acordo com a noção de duplo projecto:
económico, obviamente, mas também social. O Dr Alberto Pereira mencionou um episódio em
que, em virtude, da introdução no processo de fabrico de duas máquinas, dois dos seus
colaboradores ficaram sem funções. Não foram, contudo, despedidos. Acabaram por ser
integrados novamente no processo no desempenho de outras funções, mantendo-se, ainda
hoje, a laborar na empresa. Este episódio revela, ainda, uma cultura de rede e de
responsabilidade social.

honesto, sensível, responsável, digno de confiança, realista, firme, razoável e previsível, possuindo uma visão
estratégica realista. Fomenta o intra-empreendedorismo e o empowerment dos seus colaboradores, fomentando a sua
autonomia e chamando-os a participar nos processos de decisão. Para além disso, promove uma cultura de
proximidade com os seus colaboradores da empresa, sentindo-se responsável por eles, o que realça a importância do
papel do mentor como o coração de uma liderança transformacional e faz tender a hierarquia para o plano da gestão
mais transacional.
No que diz respeito ao modelo de gestão, verificamos a presença de alguns dos princípios do modelo weberiano de
GRH, os quais acreditamos estar relacionada com o contacto e experiência que o empresário tem retirado do contacto
com a realidade e cultura holandesa, que permitem um equilíbrio entre estratégicas e tácticas organizacionais (Lopes,
2009):
 Confiança, ou ética individual, assente na ideia de que as decisões são da responsabilidade dos indivíduos,
sendo à função (projecto) que o colaborador obedece e não ao indivíduo que ocupa o cargo hierárquico
(chefia);
 Responsabilidade colectiva transferida “(…) para a propriedade (estabelecimento das grandes metas ou
objectivos do sistema organizacional), por um lado e, por outro, para os técnicos e trabalhadores que,
devidamente qualificados para o efeito, apoiam ou coordenam a preparação das decisões que serão
assumidas pela hierarquia” (Lopes, 2009: 16).
 Cidadania patente numa clara capacidade de gestão das divergências de opinião ou dos interesses;
 O sistema de regras, fornecedor do quadro normativo da organização do trabalho, emana das dimensões,
colectiva e unipessoal, do exercício do poder, que enquadram a instância dirigente.

Salientamos, ainda, neste contexto, que a qualidade da gestão levada a cabo pelo Dr Alberto Pereira contraria as
conclusões de um estudo levado a cabo pela Universidade de Warwick, onde se questionaram gestores estrangeiros em
Portugal sobre a qualidade da gestão dos empresários e dirigentes portugueses. As conclusões evidenciavam que os
nossos empresários e dirigentes têm uma fraca cultura e conhecimentos de gestão; não planeiam nem gerem por
objectivos; não apreciam nem estimulam o trabalho em equipa; não se centram no cliente e exercem uma liderança
distante e autocrática (Lopes, 2009).
A sensibilidade deste líder mede-se pela proximidade que pratica com os colaboradores e como percebe a necessidade
de ir ao encontro das melhores soluções de enquadramento de acordo com o seu grau de maturidade e de socialização,
em lugar de se refugiar numa avaliação “objectiva” do chefe que lhe diz “fulano não serve”.
5. A organização do trabalho

5.1. Organização do trabalho e intra-empreendedorismo (comprometimento


organizacional)

AM – Qual é, actualmente, a estrutura da empresa? Como é que está organizada?


AP – A que nível?
AM – Ao nível do seu organograma.
AP – O organograma está assim: há uma gerência, que sou eu, e a minha filha está comigo
com o objectivo de eu lhe ensinar tudo aquilo que sei; depois, temos um Departamento
Financeiro, um Departamento Técnico e um Departamento de Manutenção. O Departamento
Financeiro faz a gestão das tesourarias. O Departamento Técnico é crucial. Para mim, o centro
nevrálgico das empresas passa pelo Departamento Técnico onde as encomendas chegam por e-
mail, por fax, são desmontadas e no qual a minha filha tem uma intervenção directa. Ela está
comigo, mas a sua intervenção mais directa é feita neste Departamento, porque é a valia do
produto que o faz impor-se.
OO – E há também a questão do Alberto passar muito tempo fora da empresa.
AP – Já não é só isso. Em determinado momento, crescemos tanto que a empresa não pode
estar dependente de uma pessoa. Sentir-me-ei realizado no dia em que veja a empresa de
lado. É quase como um filho. Fazemos um filho e depois vemo-lo andar, dar os primeiros
passos, depois ensinamo-lo a andar de bicicleta, depois da bicicleta a motorizada e depois
olhamos para ele e dizemos:
- Faz tudo o que eu fazia! Está tudo a correr bem, mas quando ele tem um momento
complicado vem e diz:
- Oh pai, como é que eu faço estas contas?
Estou a criar uma estrutura em que responsabilizo as pessoas e em que estou a criar… não
é distância, é ter algum orgulho em ver o produto do trabalho a andar sozinho. Chegam as
encomendas, recebem as encomendas, tratam das encomendas, faz-se a gestão dos stocks. Há
um conjunto de ferramentas de controlo que eu criei e onde, inicialmente, lançava toda a
informação. Neste momento, tenho gente que mo faz. Ou seja, as encomendas chegam
sozinhas e são tratadas pelo Departamento Técnico. Se um cliente hoje me telefona e diz:
- Alberto, a OP127?
Eu respondo:
- Sei lá, não é comigo. Já ligaste à minha filha?
- Já.
- E o que é que te disse?
- Que é com a colaboradora E.
- Então, se não é comigo, porque é que estás a ligar?
OO – Há uma descentralização.
AP – Está descentralizado. A minha filha já trata da produção.
Digamos que, numa primeira fase, existia a gerência, que era eu e depois o Departamento
Financeiro, Administrativo, Produção, Aprovisionamento. Departamento Financeiro: tinha um
contabilista a tempo inteiro, porque precisava de informação a tempo inteiro e ainda que,
inicialmente, fosse um luxo, porque éramos uma empresa pequenina, se não tivesse esta
retaguarda bem protegida não conseguia crescer. Inicialmente, era um luxo, agora tem
trabalho a mais. Já precisei de arranjar alguém para o assessorar. Departamento Técnico:
furos, aberturas, placas, quem é que o fazia? Era eu que desenhava CAD’s. Em determinado
momento, puxei a minha filha para ao pé de mim e arranjei outra colaboradora para assumir o
lugar dela, ou seja, isto é uma série de degraus onde cada um vai, paulatinamente,
progredindo para o degrau seguinte.
AM – Vem de baixo para cima.
AP – Exactamente.
OO – Vai progredindo na carreira.
AP – Sim e são-lhe atribuídas responsabilidades, mas também competências. Há um princípio
aqui, entre outros. Se algum colaborador meu, ao qual foi atribuída uma determinada
responsabilidade e um determinado poder decisório e decidir erradamente, a primeira coisa
que vai ter é uma palmada nas costas e os meus parabéns por ter decidido. Depois
conversaremos e explico-lhe as razões pelas quais eu, eventualmente, teria decidido de outra
forma:
- A técnica ou a experiência diz-nos que esta opção não era a melhor. Se tivesses ido por ali,
talvez o resultado fosse melhor. O que é que achas?
- Tem razão.
- Pronto, está feito, está feito, assumimos.
OO – Assumimos.
AP – Assumimos, não há dúvida nenhuma que assumimos e depois, se eu não concordar,
explico porque é que eu, eventualmente, teria decidido de outra forma.
AM – Como é que está organizado o trabalho na produção?
AP – Esse é o nosso segredo. Como é que está organizado?
AM – Sim, como é que está organizado?
AP – Bem [risos]. É assim: as encomendas chegam por fax ou por e-mail (eu depois mostro-lhe
a empresa, com é que funciona) e são lançadas num programa que nós temos de gestão da
produção.
Um outro aspecto relevante é o facto de nesta empresa não existir um único papel (folha,
mapa, controlo) que não tenha sido feito por mim. Em determinado momento, optámos pela
Certificação, porque eu queria a Certificação para mim. Eu não tenho clientes, tenho
distribuidores, portanto não preciso da Certificação para nada a não ser para mim, para eu ter a
certeza que atingi um determinado patamar. Consegui a Certificação e, o ano passado, achei
que já não precisava dela para nada e acabei com a Certificação oficial, porque acho que o que
é oficial neste país não presta. Portanto, fiz a Certificação para mim. Atingi-a, estou onde eu
quero. Fiz os mapas todos que eram precisos para cumprir a ISO 91001. Estamos lá? Estamos.
Estamos certificados? Estamos. Ok, 6 meses depois, obrigado, já não é preciso para nada.
Portanto, as encomendas são lançadas no programa de gestão da produção, que eu desenhei
juntamente com dois Engenheiros Informáticos de Aveiro, em termos de facturação e entra
para o orçamento, sendo que não é bem orçamento, mas como só temos distribuidores há uma
tabela para o ano inteiro e, a não ser que existam grandes alterações de mercado, essa tabela
é vinculativa para o ano inteiro. Depois passa a outra colaboradora que a desenha, manda-a
para o cliente para ele confirmar que é exactamente aquilo que ele quer. Se ele não alterar
nada, converte-se o orçamento na encomenda e passa para uma terceira colaboradora que está
treinada tecnicamente para desmontar todas as peças do fabrico. Depois de desmontada, são
impressas uma série de folhas que são entregues ao responsável pela produção que depois dá
início ao processo. Prepara a chapa para corte, sendo que todas as chapas, todas as peças
estão numeradas, catalogadas. Temos um processo expedito que foi criado por nós.
AM – Ao nível da produção propriamente dita, da oficina, o trabalho é feito em postos isolados?
AP – Depende da especificidade. O corte é isolado, mas toda a gente está instruída e há carros
para deslocamento das peças e, naturalmente, as coisas andam fluidas. Temos timings,
sabemos o que é aceitável, razoável, normal.
OO – Todos os sectores estão interligados.
AP – Todos estão interligados e são interdependentes.
Eu vou tendo reuniões com o responsável da produção e vamos aferindo da necessidade de
dotar esta ou aquela secção com mais ou menos gente. Tudo tem de ser gerido até se
conseguir a fluidez. Isto é um pouco como se regava antigamente nos campos. Existia a nora
que tirava a água e depois a água vinha pelo ribeiro abaixo e iamos abrindo aqui para passar
para ali. Sobra água? Abre o segundo. Ainda sobra água? Abre um terceiro. Está tudo a correr
normalmente, está tudo estabilizado. Até estabilizar, temos que ir estando atentos ao
processo40.

5.2. Sistema integrado da gestão pela qualidade total

AP - Faço questão que os meus trabalhadores assumam como princípio sagrado o que fazem.
No princípio, perguntava-lhes quem é que tinha feito um tampo e a primeira reacção deles era
40
A riqueza da Pereira & Ladeira, Lda está concentrada na experiência dos executantes e o segredo do negócio está na
boa gestão das pessoas; não na contratação de mão-de-obra barata. O gestor delega e descentraliza poderes,
responsabilizando tomadas de decisão e fomentando, como se salientou anteriormente, a autonomia e o
comprometimento organizacional. A gestão passou a ser exercida por três pessoas: o próprio gestor; a filha que trata
da produção e assegura o relacionamento com a generalidade dos produtores; um contabilista trata das questões
técnicas e tecnocráticas, do controlo de gestão. Esta é igualmente a forma de assegurar a continiuidade e a sucessão.
que havia qualquer coisa que estava a correr mal e, portanto, nunca tinha sido ninguém. Eu só
queria saber quem fez para lhe dar os parabéns, porque está excepcionalmente bem feito. Aí o
autor acusava-se. Disse-lhes:
- Da próxima vez, quando eu perguntar a qualquer um de vocês quem fez isto, eu quero que
alguém ponha o peito de fora e diga: fui eu.
E, de facto, hoje vou lá baixo e se perguntar, quem fez este lava-loiça, não tenho dúvidas
nenhumas que alguém diz: fui eu.
- Se há alguma coisa que está mal diga que eu tento corrigir que é para isso que cá estamos.
É um estímulo41.

5.3. O processo de resolução de problemas

AM – Existe alguma forma instituída na empresa de resolução de problemas?


AP – Há uma tese de doutoramento cujo tema é como capitalizar para a empresa o
descontentamento do cliente. Sempre que há uma reclamação de um cliente, há um
descontentamento. Como é que nós vamos virar positivo o que é negativo? Temos uma forma
expedita de resolução destes problemas. Quando há uma reclamação, temos uns ficheiros
próprios, formulários próprios, onde se faz o levantamento do porquê da reclamação. Depois
é estudada pela minha filha, juntamente com a parte da produção, e é resolvida o mais
rapidamente possível.
AM – Ao nível dos problemas que surgem internamente na empresa, existe algum processo de
resolução instituído?
AP – Que problemas?
AM – Por exemplo, situações que surjam com funcionários, a avaria de uma máquina…
AP – Tenho a manutenção. Tenho um técnico que faz a manutenção, sendo que a condição
sine qua non para eu comprar uma máquina é que todo o know how construtivo dessa máquina
seja passado para o meu funcionário, senão não a compro. Portanto, o meu funcionário tem
que saber tudo o que lá está dentro, quer seja técnico, eléctrico, electromecânico ou software,
etc. Tem de estar por dentro do esquema da máquina. Quando compramos uma máquina,
o funcionário vai à empresa e pede os catálogos e todos os esquemas eléctricos e

41
Esta abordagem permite ao gestor fixar o normativo de qualidade, conseguindo uma conformidade percebida por
colaboradores e clientes. A Gestão pela Qualidade Total traduz-se numa estratégia de gestão orientada a criar
consciência da qualidade em todos os processos organizacionais, tendo como objectivo a sua implementação, não
apenas em todos os níveis organizacionais, mas também da organização estendida, ou seja, dos seus stakeholders. Um
dos princípios que segue é não negociar preços, mas antes a qualidade pretendida e as medidas, com vista a evitar
desperdícios.
Por outro lado, todas as peças que apresentam defeitos e que foram alvo de reclamação por parte do cliente são
objecto de formação para toda a equipa de colaboradores. O lema do gestor é aprender a transformar tudo o que
acontece de negativo em algo positivo, o que releva, claramente, uma liderança emocional.
mecânicos. Nós trabalhamos por turnos e não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez
que os colaboradores telefonam ao técnico às 10 da noite a dizer que avariou a máquina e ele,
que mora em Aveiro, vem aqui.
AM – Há reuniões marcadas que faz com os trabalhadores?
AP – Não. Eu estou todos os dias em contacto com eles. Almoço, inclusive, com eles
todos os sábados.

5.4. Higiene e segurança no trabalho

A este respeito o Dr Alberto Pereira expressou-nos as suas preocupações em relação à higiene,


saúde e segurança dos seus trabalhadores, não só no local de trabalho, mas também fora dele.
A sua empresa cumpre todas as normas a esse nível, mas ele pretende ir mais além. Está a
construir, neste momento, balneários novos e pretende salvaguardar a saúde dos seus
colaboradores a um nível mais profundo, isto é, garantindo-lhes consultas médicas muito
regulares, por exemplo. A melhoria do “lay out” da empresa é também outra das suas
preocupações e que será alvo de intervenção no muito curto prazo.

6. Selecção, recrutamento e retenção dos colaboradores

AM – Há um processo de adaptação e integração dos colaboradores?


AP – É lógico que sim. Quando alguém entra para o fabrico, vem ter comigo e eu explico-lhe
para quê que é contratado e vou-lhe dizer que fica na dependência directa do encarregado x
que vai disponibilizar todas as ferramentas para cumprir todas as tarefas para as quais foi
contratado, que lhe vai ensinar tudo aquilo que ele sabe para que ele possa produzir, o melhor
possível, nas melhores condições de higiene, segurança, eficácia, tudo isso. Quando tiver
alguma questão a colocar, que ache que o encarregado não resolve, a minha porta está sempre
aberta para receber qualquer colaborador novo e é prioritário em relação a tudo o que se esteja
a fazer. As pessoas são ouvidas, são tratadas como pessoas.
Não é contratado ninguém que não saiba o que é que veio fazer para a empresa. É-lhe
explicado exactamente porque é que foi contratado. Foi contratado para quê? Para fazer o quê?
Porque eu acho que, a maior parte das vezes, o operário (…) quando se diz, e é outra frase de
uma profunda ignorância… O trabalhador português é o melhor trabalhador que há no
mundo, mas ninguém tenha dúvidas. O que não presta no país são os capitães. O que
não presta no país é o patronato. Não tenho dúvidas em dizer isto em qualquer sítio,
porque o navio anda conforme o capitão manda. Se alguém nesta empresa não prestar, fui eu
que o escolhi. De quem é a culpa? É dele? Não.
AM – Já nos falou do processo de recrutamento e selecção…
AP – Jovens, se possível, sem formação nenhuma, porque a ideia que tenho das formações
profissionais deste país é que a sua grande parte, haverá excepções, naturalmente, foi feita na
óptica do formador. O que importa é saber quanto é que se vai ganhar na formação e foi
esquecido, aliás, é o cancro desta sociedade, o lado humano. Se calhar, tive a sorte de ser
escuteiro, de andar no campo e de aprender que a vida não faz sentido sem as pessoas,
na dimensão que têm enquanto pessoas. Se calhar, o problema é meu, porque cada vez mais
me sinto um marginal. Se calhar, sou eu que estou errado 42.

7. Avaliação do desempenho e sistema de remunerações

AM – Como é que avalia o desempenho dos seus colaboradores? Como é que funciona o
sistema de remunerações?
AP – No que diz respeito às remunerações, temos uma tabela. Há aquilo que se chama o
Contrato Colectivo Vertical a que nós não passamos cartucho, a não ser para… Para que é que
temos horários em Portugal? Sabe?
AM – Para não serem cumpridos?
AP – Não. Para medir o incumprimento.
Para quê que a gente tem a tabela do Contrato Colectivo Vertical? Para saber quão longe está
dele.
OO – Pagam acima da tabela.
AP – Mas muito. São os meus trabalhadores, à mesa, a almoçarem comigo, que me dizem a
mim, patrão: não há ninguém a pagar como você paga.
Não há um tostão por fora, não há um cêntimo por fora. Tudo limpinho. Tudo o que se
compra factura-se, tudo o que se vende factura-se, tudo o que se paga aos colaboradores
factura-se.
Ainda relativamente à remuneração, a baliza é… Há secções, ou seja, da mesma forma que no
Contracto Colectivo Vertical, no corte há uma tabela x (nós estamos acima 30%). Tenho 4
cortadores. O último a chegar começou com 600 euros, porque há lugares onde eu acho que,
logo à partida, a pessoa tem que ter motivação, um certo estímulo para o desempenho. Dos
600, passou, de imediato, para os 700. Os restantes, que já cá estavam há uns anos,
ganhavam 900. Hoje desempenham, os quatro, o mesmo trabalho e estão, os quatro, com 900.
Na área dos acabamentos, fulano tem uma produção de x, recebe z. Este tem o mesmo, recebe
o mesmo. Este fulano tem uma produção ligeiramente inferior, com qualidade quase
semelhante, recebe menos qualquer coisa, ou seja, vai-se aferindo os outros em função deste.
São os dois encarregados que, medindo a quantidade e a qualidade da produção, me

42
Encontra-se aqui bem documentada uma noção do que se poderia considerar “identidade epistemológica” da
empresa, isto é, não é admitido nenhum trabalhador que não seja estimulado a procurar saber exactamente porquê e
para quê está a ser contratado.
informam. Tivemos uma actualização no mês passado. Não é no início do ano, não é em
Agosto, é regularmente, de três em três meses. A motivação deve ser apurada, bem como a
disponibilidade e a capacidade, pois são muito importantes. Se um fulano merece um estímulo,
dá-se-lhe.
A avaliação do desempenho dos colaboradores é feita com base na motivação e
produtividade percebida pelos encarregados da produção, concedendo-se, a qualquer altura,
recompensas que conduzam a um encorajamento futuro do comportamento orientado para os
objectivos estabelecidos. Todos percebem a possibilidade de obterem tais recompensas e, a um
outro nível, de fazerem carreira na empresa. As taxas de rotação são muito baixas. O gestor
orgulha-se de nunca ter despedido ninguém. Os colaboradores mudam de posto de
trabalho sempre que não se adaptem, o que assento no princípio do gestor de que podem ser
péssimos trabalhadores naquele lugar e excelentes noutro.

8. Formação profissional

AM – Em termos de formação profissional.


AP – No sentido de? Se é a legal, não falo dela.
AM – Há formação contínua na empresa?
AP – Se eu não os formasse não estavam a fazer o que fazem e não estávamos a crescer o que
estamos com a mesma gente.
AM – Mas, não forma os trabalhadores de acordo com a norma legal, digamos assim?
AP – Acho que a lei não faz sentido. Formo-os não só no contexto de trabalho. É necessário
formá-los do ponto de vista humano. Tento ser para eles mais do que, muitas vezes, pai. Falo-
lhes da vida, dos Partidos, dos governantes, sempre que há informações e notícias esclareço-os
e ajudo-os em tudo o que os posso ajudar. Vou-os formando na óptica do trabalho, na sua
própria óptica. Agora, não é a mim que me compete ensinar francês aos meus colaboradores.
Relativamente àquilo que a lei diz sobre a formação dos trabalhadores, não me obriguem a mim
a fazer contratos com empresas formadoras de trabalhadores, porque tive uma, não vou dizer
nomes, que me propôs que eu lhe alugasse o meu encarregado para dar formação na minha
empresa certificada.

Ainda que não forme os seus trabalhadores, na óptica de uma leitura estrita da lei, podemos
considerar, efectivamente, a Pereira & Ladeira, Lda como uma “organização aprendente”, na
medida em que existe ali uma cultura de formação “on the job”, ou seja, incorporada pelos
diversos actores sociais a partir do trabalho quotidiano da empresa. Dito de outro modo, a
empresa cumpre as finalidades da lei que consiste em habilitar as pessoas e garantir a sua
empregabilidade, mas, paradoxalmente, o gestor admite estar a violar a letra da lei. Haverá
algum sentido nestes desencontros?
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atendendo às novas condições em que as organizações exercem a sua actividade, a um


ambiente de crescente competitividade e mudança contínua, a GRH assume, actualmente, um
papel central e crítico, a par das restantes dimensões estratégicas da empresa. Isto porque
rapidez, flexibilidade e inovação só são possíveis quando estratégias efectivas de gestão de
capital humano sustentam os objectivos organizacionais. E serão as organizações que
compreenderem e actuarem em conformidade com este facto aquelas que maior vantagem
competitiva e sucesso conseguirão alcançar.
Nesta linha, os gestores deverão diminuir o pendor administrativo da GRH e optimizarem a sua
contribuição para uma estratégia organizacional. Como salienta Lopes (2009: 202) “(…) saber
rodear-se das pessoas certas é uma tarefa tão importante quanto a de escolher a correcta
estratégia do negócio e a condução deste pelo caminho estreito da negociação permanente. A
médio prazo, apenas a negociação permite forjar a passagem entre o empreendedorismo e a
cooperação”.
O “Caso Pereira & Ladeira, Lda” permitiu-nos constatar que, apesar de (poderem ser!) raros, há
empresários portugueses que conseguem desenvolver um verdadeiro sistema de GRH, que
conseguem, numa lógica de ética kantiana, pôr-se no lugar do outro (colaborador, cliente,
distribuidor, etc.).
Concluímos este trabalho com a seguinte reflexão do nosso entrevistado: “tenho para mim que
tudo se reconduz sempre ao mesmo denominador. A sociedade está pobre e as empresas têm
problemas, em virtude da gestão que os seus dirigentes fazem da dimensão humana.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (consultadas para análise do caso)

ALVES, Reis (2007) “Tecnologias de Informação e Gestão de Pessoas”, Recursos


Humanos. Capítulo 19. 3ª Edição. Lisboa: Edições Sílabo, pp. 517-552.
McClelland, David. (1972). A sociedade competitiva: realização e progresso social. Rio
de Janeiro: Expressão e Cultura.
LOPES, Albino (2004) Entrevista a “Dianova”, disponível no site www.dianova.pt.
LOPES, Albino (2009) Fundamentos de uma Epistemologia do Valor das Pessoas nas
Organizações: na senda do equilíbrio entre comportamentos de iniciativa e de
cooperação.
Texto base da cadeira de Fundamentos de Gestão de Recursos Humanos.
PINA E CUNHA, Miguel, REGO, Arménio, CAMPOS E CUNHA, Rita, CABRAL-
CARDOSO, Carlos (2007) Manual de Comportamento Organizacional e Gestão.
Lisboa: Editora RH.
QUIVY, Raymond e CAMPENHOUDT, Luc Van (1992) Manual de Investigação em
Ciências Sociais. Lisboa: Gravida Publicações.
WILD, Jonh (2008) International Business – The Challenges of Globalization. 4ª
Edição. New Jersey: Pearson Prentice Hall.

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