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No presente trabalho iremos apresentar um caso real de um caminhoneiro que

desenvolveu dependência química por conta do trabalho, e infelizmente acabou se


envolvendo num acidente com outro veículo, levando os passageiros do outro veículo â
óbito, o mesmo se encontrava na reabilitação por conta do vicio em drogas. O caso foi
retirado do site Portal do Trânsito, a entrevista foi realizada pelo colunista José
Nachreiner.

J, quarenta e sete anos, do sexo masculino e tem como profissão ser caminhoneiro.

“Era tarde de domingo e eu já havia percorrido 750 quilômetros. Deixei a


área de logística da companhia em Florianópolis com a carga de líquidos
inflamáveis. A gente nunca pode esquecer a papelada da empresa e a
documentação do motorista. Dirigindo direto, às vezes, você esquece de um
certificado de inspeção para produtos perigosos a granel, o CIPP e lascou-se.

Se você esquece uma documentação da carga tipo ficha de monitoração, pode


contar, você fica parado na inspeção até alguém da companhia trazer o
documento. É problema, que nem atrasar o frete: menos dinheiro no bolso a
gente não come nem a família. Ninguém nunca desconfiou de como eu
conseguia fazer viagens e mais viagens, uma em seguida da outra sem
atrasos, andava sempre na frente do relógio. Sempre tinha um “brother” no
restaurante de um posto de combustível oferecendo uma anfetamina. É, eu
comecei no rebite para aguentar esse tranco de dirigir 16, 18, 20 horas sem
parar. Quando comecei com a cocaína, mais barata que o rebite, aí nem xixi
eu tinha vontade de fazer. Meu irmão, eu tocava a mil, você não sabe o que
é enfiar no “naso” um potinho de coca… Quem dirige não tem essa frescura
de parar, enrolar uma nota de “cenhão” e cheirar a carreira. Tudo é no ato, a
gente põe no potinho e cheira total na boleia. Então, eu deixei Floripa, andei
750 km e capotei. Foi o pior dia da minha vida. Eu devia ter morrido no lugar
de quem eu matei, uma família inteira. Agora estou aqui no centro de
reabilitação de drogas com minhas preces. A cocaína junto com o rebite
fazem você dormir acordado, você acha que está dirigindo certo, mas na
verdade o acidente já aconteceu e você nem percebe. Me lembro de todos os
dias na UTI, parecia eu na pista, de repente, escuto uma voz: – acorda seu
João! Acorda! Você está bem? E acordei depois de 20 dias na UTI, todo
quebrado. O pior foram os dias de abstinência aqui na clínica. Quero curar o
vício com minhas preces e tentar esquecer o dia em que provoquei aquele
acidente horrível.”
O vício em substâncias psicoativas é uma patologia que afeta a vida do sujeito, suas
relações interpessoais e quando associado ao trabalho, prejudicando seu desempenho,
sua relação com os colegas, acarretando absenteísmos e até uma demissão.

Mesmo com a lei trabalhista estipulando apenas seis horas trabalhadas para os
caminhoneiros, infelizmente essa norma não é seguida, com trabalhadores se
submetendo a rotinas longas e exaustivas que ultrapassam o recomendado, por questões
financeiras, pressão para que prazos de entrega sejam cumpridos e pra que isso ocorra,
buscam nas substâncias psicoativas auxilio para se manterem alerta, mais
especificamente utilizando a droga popularmente conhecida como rebite, que é um tipo
de anfetamina, que sua ação ocorre no sistema nervoso central na liberação de
dopamina, trazendo sensação de euforia e estado de alerta, com seus efeitos variando de
quatro a doze horas, sendo necessário as vezes o trabalhador consumir mais de um
comprimido para conseguir percorrer longas distâncias e chegar a tempo no local de
destino, ficando suscetíveis a dependência e lidando com as consequências do efeito
rebote, onde muitas vezes ocorre um “apagão” por conta das longas horas acordados,
podendo ser um dos causadores de acidentes de trânsitos nas estradas. A longo prazo, a
substância prejudica a memória, qualidade de sono e habilidade de concentração.

O uso de substancias psicoativas associadas ao trabalho, traz à tona a situação precária


onde o trabalhador se encontra, que geralmente se encontra associada a baixa
remuneração, longas jornadas de trabalho, distância do seu lar e familiares, poucas
horas de sono e hábitos nocivos à saúde.

De acordo com o relatório da OIT Problemas ligados ao álcool e drogas no


local de trabalho: uma evolução para a prevenção (2003), determinadas
condições de trabalho podem promover ou aumentar o uso de drogas. Estas
condições seriam: riscos extremos de segurança; trabalho por turnos ou
trabalho noturno; trabalho em locais remotos, com deslocamento para longe
de casa; alterações nas tarefas ou velocidade de manuseamento do
equipamento; conflitos de papéis; cargas de trabalho (excessivas e demasiada
reduzida); desigualdade nas remunerações e demais benefícios; tensão
psicológica (estresse) relacionada com o emprego; monotonia e ausência de
criatividade; variedade ou controle; comunicações não satisfatórias;
insegurança no emprego; e por fim, indefinição dos papéis. (Júnior,
Schlindwein e Calheiros, 2016 apud Organização Internacional do Trabalho,
OIT 2003.)

A dependência química geralmente se encontra interligada a fatores ambientais, ao


estresse e ao sofrimento psicológico, considerando isso, quando se está relacionado ao
trabalho, a avaliação de fatores desencadeantes se faz necessária para a compressão de
agendes causadores do vicio, como o estresse ocupacional, relações interpessoais
difíceis ou pressões para o desempenho. As altas demandas, falta de apoio, conflitos
interpessoais e/ou falta de reconhecimento e má remuneração, são fatores
desencadeantes, que fazem com o que o sujeito busque mecanismos de defesa para lidar
com tais situações.

A psicodinâmica do trabalho, foi a teoria criada por psicanalista Christophe Dejours,


que analisa quais formas de defesa são desenvolvidas pelo trabalhador, diante de
situações insalubres no ambiente de trabalho.

A psicodinâmica desenvolve uma análise sociopsíquica do trabalho, tendo


como pronto de partida a organização deste último, para então compreender
as vivências subjetivas, dentre elas o prazer, o sofrimento, o processo saúde-
adoecimento e os mecanismos de defesa e mediação do sofrimento. ( Merlo,
et al 2010 apud Mendes 2007)

E utilizando sua teoria, a aplicação eficaz no ambiente de trabalho seria examinando a


dinâmica nos ambientes de trabalho, considerando possíveis influências dentro daquele
ambiente, considerando aspectos objetivos, subjetivos, psicológicos, sociais e
econômicos que afetam o trabalhador. Essas influencias são capazes de tornar o
ambiente de trabalho um local que pode ser saudável ou acarretar o adoecimento do
sujeito. As intervenções conforme a psicodinâmica, seria agindo na coletividade e na
organização do trabalho, não somente em indivíduos. Dando enfoque para a escuta,
interpretação e feedback., buscando as raízes do problema.

Com base na avaliação das dinâmicas organizacionais e identificação de fatores


desencadeantes, se torna possível a implementação de intervenções no ambiente de
trabalho visando promover um ambiente que não traga adoecimento. As intervenções
visando a criação de programas de bem-estar, palestras e treinamentos de forma de lidar
com o estresse, políticas antidrogas e outras iniciativas que visam prevenir ou tratar a
dependência. Considera não apenas o indivíduo, mas também o contexto organizacional,
buscando formas de mudanças nas políticas e práticas da empresa para criar um
ambiente de trabalho que seja adequado para o trabalhador.

O fornecimento de apoio psicológico aos trabalhadores que estão lidando com a


dependência é uma das formas de melhoria para o sujeito, abrindo a possibilidade e
espaço para aconselhamento, terapia ou programas de reabilitação para ajudar os
indivíduos a lidar com sua dependência e as subjacentes.
Para além disso, o desenvolvimento de programas de prevenção da dependência
química no ambiente de trabalho, focando na conscientização sobre os riscos das drogas
e promovendo a saúde mental e emocional dos funcionários, considerando não só o uso
da substância, mas os fatores ambientais, sociais e psicológicos que contribuem para uso
e desenvolvimento do vício. O desenvolvimento de treinamento para gestores e colegas
para lidar com a situação de forma empática com os colegas que enfrentam a
dependência, é uma das formas de garantir a reintegração do sujeito no ambiente de
trabalho, sem que aja espaço para preconceito e exclusão.

A atuação do psicólogo vai para além de somente da recuperação individual, mas


trabalhando para o desenvolvimento de ambientes organizacionais que favorecem a
saúde mental e a prevenção de problemas relacionados ao uso de substâncias.

Conclusão;

A abordagem da psicodinâmica proporciona uma análise profunda para o


reconhecimento da correlação na dependência química e fatores sociopsíquicos na
organização. Analisando a organização, se torna possível compreender as vivências
subjetivas, que incluem prazer, sofrimento, mecanismos de defesa, processo de saúde-
adoecimento e formas de lidar com o sofrimento, trazendo uma compreensão mais
profunda sobre os impactos causados pela dependência e seus fatores desencadeantes.

Ademais, refletindo sobre e relação entre o individuo e o trabalho, evidencia que o


enfoque não seja apenas o uso de substâncias, mas juntamente fatores psicológicos e
sociais, podendo assim a construção de um ambiente saudável, de acolhimento e que
traga suporte ao indivíduo.

A disciplina trouxe um olhar para além do trabalho como apenas uma atividade que
traga remuneração, mas um ambiente com uma série de construções e avaliações
necessárias para possibilitar enxergar o trabalhador como um indivíduo com sua
subjetividade, necessidade que se encontra imerso naquele ambiente que pode lhe
proporcionar para além da remuneração, um ambiente de bem-estar. Compreender onde
a atuação do psicólogo se torna essencial para o funcionamento daquela organização e
os locais onde se pode e deve trabalhar, trás um insight da necessidade de estarmos
presentes e atuantes de forma ética nesse ambiente.

Autoavaliação;
Ana Carolina dos Santos;

Compreender os fatores desencadeantes para um individuo desenvolver uma


dependência química relacionada ao trabalho demonstra o quanto a estrutura
organizacional se faz necessária de mudança, onde tais trabalhadores necessitam de
amparo psicológico e uma intervenção eficaz dentro do espaço organizacional.

Victoria Alexandrino Trindade de Paula;

O estudo de caso trouxe uma visão mais critica e abrangente nas estruturas das
organizações e como a atuação do psicólogo se torna essencial para que esse ambiente
seja um local saudável e não de adoecimento, analisar isso demonstra o quanto é
necessário buscar o embasamento teórico, mas sem se distanciar do humano e da ética.
Mas também demonstra o quanto a normalização do uso de substâncias ainda é presente
na nossa sociedade, mesmo estudando um caso que fale de uma substância psicoativa,
também cabe o olhar de como drogas como álcool também é um fator a ser estudado e
também esta presente no dia-a-dia sendo também um fator de risco nas estradas. Porém,
com a normalização se mostrando presente em propagandas na televisão, outdoors em
estradas, demonstra e ineficiência de conscientização do quanto o álcool também é uma
substância nociva.

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