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Invenção contínua
A maior proeza da Revolução Industrial foi que as invenções do século
XVIII não ficaram isoladas como as conquistas de séculos anteriores. Pelo
contrário, as invenções setecentistas deram início a um fluxo contínuo de
inovações.
O algodão permanecia como foco de interesse. Embora as invenções do
século XVIII tivessem transformado a fiação num sistema fabril, a
tecelagem ainda era feita em teares manuais na casa dos tecelões. Isso
mudou com o reverendo Edmund Cartwright, que dedicou décadas e gastou
sua fortuna aperfeiçoando um tear movido a energia. Ele se inspirou em
autômatos como o pato mecânico de Jacques de Vaucanson, que
assombrava a corte em Versalhes batendo as asas, comendo e defecando!
(Voltaire gracejou: “Sem o pato de Vaucanson, não teríamos nada para
lembrar a glória da França”.) Se um mecanismo podia defecar daquela
maneira, não poderia também fazer algo útil? Cartwright pensou que sim e
patenteou seu primeiro tear em 1785 e uma versão aperfeiçoada em 1792.
Mas não era comercialmente viável. Muitos inventores fizeram
aperfeiçoamentos avulsos. Nos anos 1820, o tear mecânico já estava
substituindo os teares manuais na Inglaterra, mas estes continuaram a ser
usados até os anos 1850. O tear mecânico aumentava muito os custos de
capital enquanto reduzia os custos de mão de obra, de modo que sua adoção
era sensível ao fator preço, bem como à eficiência relativa dos dois
métodos. É especialmente importante que o tear mecânico tenha sido
adotado com mais rapidez nos Estados Unidos do que na Inglaterra. Nos
anos 1820, os salários já eram mais altos nos Estados Unidos, e o padrão da
inovação tecnológica refletia essa diferença.
O setor cotonifício também foi pioneiro no uso da energia a vapor nas
fábricas. Evidentemente, já havia experiências anteriores. Em 1784,
Boulton e Watt investiram no Moinho Albion, a primeira fábrica a usar
energia a vapor em grande escala, para divulgar seus motores. No ano
seguinte, utilizou-se pela primeira vez o vapor num cotonifício. Mas a
maioria das fábricas continuou a ser movida a água até os anos 1840. Foi
apenas nessa época que o consumo de combustível dos motores a vapor
caiu a níveis suficientes para convertê-los numa fonte mais barata de
energia. A partir daí, o uso do vapor na indústria passou a se expandir
continuamente.
A energia a vapor também revolucionou os transportes no século XIX.
Todos os que inventaram motores a vapor de alta pressão (Cugnot,
Trevithick, Evans) usaram-nos para mover um veículo terrestre, mas
nenhum teve êxito, pois não tinham como enfrentar as estradas não
pavimentadas. Uma solução era colocar o motor sobre trilhos. Fazia muito
tempo que o carvão e o minério de ferro eram transportados em carretas que
rolavam em trilhos primitivos de madeira, assentados nas minas. No século
XVIII, os trilhos de ferro substituíram os de madeira, e as linhas foram
ampliadas. Em 1804, Richard Trevithick construiu a primeira locomotiva a
vapor para uma linha férrea nas fundições Penydarren Ironworks em Gales.
A partir daí, as linhas férreas nas minas de carvão se tornaram os campos de
teste para as locomotivas a vapor. A Stockton and Darlington Railway
(1825), com 26 milhas (41,84 km) de extensão, foi planejada como uma
ferrovia de transporte de carvão, mas demonstrou que seria possível faturar
transportando passageiros e cargas em geral. A primeira ferrovia para uso
geral foi a Liverpool and Manchester Line, com 35 milhas (56,32 km),
inaugurada em 1830. Foi um grande sucesso e desencadeou um furor
ferroviário na Grã-Bretanha. Em 1850, já havia quase 10 mil quilômetros de
linhas férreas, e, trinta anos depois, a rede ferroviária alcançou 25 mil
quilômetros.
A energia a vapor também foi aplicada a percursos fluviais e marítimos –
outra maneira de evitar estradas ruins! A invenção foi internacional desde o
início. As primeiras embarcações a operar foram francesas – o Palmipède
(1774) e o Pyroscaphe (1783) – e o primeiro barco de sucesso comercial foi
o Clermont, de Robert Fulton, que passou a fazer a travessia do rio Hudson
a partir de 1807. Dois anos depois, o cervejeiro canadense John Molson
pilotou vapores no rio St. Lawrence usando motores construídos em Trois-
Rivières, em Québec.
Na metade do século XIX, o vapor estava substituindo a vela no
transporte oceânico. A Grã-Bretanha se transformou no centro da
construção naval mundial, em vista de sua superioridade em ferro e
engenharia. O Great Western (1838), de Brunel, foi um marco, pois
demonstrou que um navio podia carregar carvão suficiente para atravessar o
Atlântico, e seu Great Britain (1843) foi o primeiro navio a ser construído
em ferro e a utilizar um propulsor em vez de rodas de pá. Mas foram
necessários cinquenta anos até que o vapor vencesse a vela. Isso porque os
navios ainda tinham de transportar o carvão para seu próprio consumo, de
modo que perdiam grande parte do espaço de carga nas viagens longas. As
primeiras rotas a adotar o vapor, portanto, eram curtas. À medida que se
reduziram as demandas de carvão das caldeiras, os navios podiam cruzar
maiores distâncias com a mesma quantidade de carvão, e o vapor pôde
prevalecer sobre a vela em extensões mais longas. As últimas rotas a
desaparecer foram entre a China e a Grã-Bretanha, onde os clíperes
sobreviveram até o final do século XIX.
A energia a vapor é um exemplo de uma tecnologia de uso geral (TUG),
isto é, uma tecnologia que pode ser aplicada a várias finalidades. Outras
TUGs são a eletricidade e os computadores. O desenvolvimento do
potencial das TUGs leva décadas, e por isso sua contribuição para o
crescimento econômico se dá muito tempo depois de sua invenção. Sem
dúvida foi o caso do vapor. Ainda em 1800, quase cem anos depois da
invenção de Newcomen, era minúscula a contribuição da energia a vapor
para a economia britânica. Nos meados do século XIX, porém, finalmente
se materializava o potencial do vapor, ao ser amplamente aplicado ao
transporte e à indústria. Metade do aumento de produtividade do trabalho na
Grã-Bretanha nos meados do século XIX decorreu do uso do vapor. Esse
retorno a longo prazo é uma razão importante que explica a continuidade do
crescimento econômico ao longo de todo o século. Outra razão foi a
aplicação cada vez maior da ciência à indústria, que abordaremos no
próximo capítulo.