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Universidade Estadual do Maranhão - UEMA

Campus de Bacabal – MA
Departamento de Ciências Sociais e Filosofia
Curso: Direito Bacharelado
Professor:. Bruno Rogens Ramos Bezerra
Aluno (a): Ana Clara Enos da Silva Carvalho

A insustentável leveza do estado: devastação, genocídio, doenças e miséria nas


fronteiras contemporâneas da Amazônia, no Maranhão

Bacabal – MA
2023
O texto descreve a região da Amazônia maranhense, também conhecida como
"Pré-Amazônia", abordando as trajetórias das frentes de expansão e seus impactos
ambientais, sociais e étnicos na região. O conceito de "frente de expansão" é adotado
para discutir o impacto dos empreendimentos de capital nas relações entre índios e
trabalhadores rurais, os segmentos mais vulneráveis da sociedade na região. O estado
do Maranhão possui características tanto do nordeste quanto da Amazônia, e sua parte
centro-sul e oeste estão incorporadas à Amazônia Legal desde 1969. A região abarca
uma área que testemunha a interação de dois cenários das políticas fundiárias no país:
a tradição dos latifúndios monocultores e da pecuária extensiva do nordeste, e o
assalto predatório à Amazônia por grandes empresas do Sul e Sudeste. A presença da
floresta tropical densa característica da Pré-Amazônia maranhense está restrita a uma
área delimitada entre os rios Zutiwa, Gurupi e Buriticupu, e pela linha seca que delimita
a Terra Indígena Alto Turiaçu.

POLÍTICAS AGRÁRIAS, TRABALHADORES RURAIS E ÍNDIOS: RELAÇÕES


INTERÉTNICAS NA PRÉ- AMAZÔNIA, OS TENETEHARA
O texto aborda a história dos Tenetehara, uma etnia indígena que habitava o
vale do rio Pindaré, no Maranhão. Desde os primeiros relatos de contato durante a
tentativa de colonização francesa no Maranhão, no século XVII, os Tenetehara foram
alvo de massacres, escravização e guerras com os colonizadores portugueses, que
perduraram até meados do século XVIII. No século XVII, os jesuítas estabeleceram a
"servidão" dos Tenetehara, que durou até 1759, quando foram expulsos do Brasil. Os
Tenetehara foram aldeados pelos jesuítas às margens do lago de Viana em 1680, mas
parte deles migrou para o oeste, atravessando o rio Gurupi e estabelecendo-se no
estado do Pará, fugindo dos portugueses e do controle dos jesuítas. Os Guajajara,
como são conhecidos atualmente, foram alvos de uma política de miscigenação e
patronagem com fazendeiros e comerciantes locais após a expulsão dos jesuítas.
Essas relações perduraram durante os séculos XIX e XX.
No século XIX, foram estabelecidas várias colônias visando a "civilização" dos
Guajajara. O Tenente-Coronel Fernando Luis Ferreira foi enviado para o baixo Pindaré
a fim de implementar um plano de civilização para os Guajajara, visando garantir a
defesa da região contra rebeliões e evitar que os indígenas se juntassem aos rebeldes.
Essa iniciativa resultou na criação da Colônia São Pedro do Pindaré em 1854, seguida
por outras colônias como Januária, Aratauhy Grande, Palmeira Torta e Dous Braços
nos anos seguintes. A abertura da "Estrada da Boiada" em 1860, que ligava as frentes
pecuaristas ao mercado consumidor da capital, envolveu muitas famílias Guajajara da
região de Grajaú, que passaram a trabalhar como guias de rebanho ou em lavouras da
região, estabelecendo aldeias ao longo da estrada. As relações interétnicas e
comerciais desses Guajajara com a sociedade envolvente consolidaram-se no contexto
da pecuária e agricultura regionais. Por outro lado, os Guajajara do baixo vale do
Pindaré e os Tembé do Gurupi desenvolveram suas relações com a sociedade
envolvente no contexto da economia extrativista, especialmente na produção de óleo
de copaíba, mediada pelos regatões. Em 1897, os capuchinhos da Lombardia
fundaram a Missão de São José da Providência do Alto Alegre, buscando catequizar e
colonizar os indígenas da região de Barra do Corda, principalmente os Guajajara. A
estratégia da missão envolvia a atração dos índios para estabelecerem suas aldeias
próximas à missão e participarem das atividades agrícolas, além de promover uma
miscigenação cultural, com a internação de meninas menores de 14 anos na missão. A
rebelião de Alto Alegre, ocorrida em 1901, que resultou no massacre dos religiosos e
teve como consequência a perseguição e agressões contínuas aos Guajajara por parte
da população regional. Essa rebelião é considerada um marco para os Tenetehara da
região de Barra do Corda-Grajaú, sendo que as aldeias que participaram da revolta são
vistas como o centro propulsor da afirmação étnica e participação política dos
Guajajara. Em 1910, foi criado o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de
Trabalhadores Nacionais (SPILTN), que posteriormente foi dividido em dois órgãos,
sendo que a política indigenista passou a ser responsabilidade do Serviço de Proteção
aos Índios (SPI) em 1918.

FRENTES DE EXPANSÃO E MOBILIZAÇÃO DE TRABALHADORES RURAIS


NO VALE DO PINDARÉ
No início do século XX, a região experimentou um intenso fluxo de imigrantes
nordestinos. Com o fim do segundo ciclo da borracha em 1912, muitos nordestinos que
estavam a caminho da Amazônia interromperam sua jornada e se estabeleceram em
terras maranhenses. A frente pioneira nordestina se posicionou a oeste de Codó, na
cidade de Pedreiras em 1920. A partir dos anos 1930, pequenos lavradores imigrantes
nordestinos começaram a adentrar as matas do baixo Pindaré. Os Guajajara do alto
Pindaré passaram a receber visitas frequentes de comerciantes de peles de animais e
caçadores regionais, que utilizavam a Estrada do Sertão e faziam pouso próximo à
aldeia Tauari Queimado. Guajajara de outras aldeias também se mudaram para Tauari
Queimado, de modo que no final da década a aldeia já abrigava cerca de 400 pessoas.
Nessa época, uma missão de evangélicos ingleses se instalou na região, cercando sua
casa com arame farpado, o que originou o nome do povoado que começou a se formar,
chamado "Arame".
Durante a Primeira República, os sertões da pecuária nordestina, incluindo o
Maranhão, foram deixados em segundo plano em termos de desenvolvimento
econômico. O governo federal priorizou investimentos na lucrativa cafeicultura,
especialmente no oeste paulista, e estabeleceu uma interlocução política com os
representantes dessa região. As secas acentuaram as diferenças intra-regionais,
levando algumas áreas mais imunes às secas a se tornarem concentradoras de mão-
de-obra, como o vale do Cariri e os vales úmidos do Maranhão. Nesse contexto, houve
fluxos migratórios estimulados pelos governos dos estados de origem dos imigrantes e
pelos projetos de colonização, resultando em diferentes relações de trabalho em
comparação aos latifúndios canavieiros e algodoeiros. No Maranhão, não houve
participação no chamado "ciclo do cangaço" que ocorreu nos estados nordestinos entre
1920 e 1930. O coronelismo e suas relações estreitas com o cangaço foram
observados em outros estados, mas também se aplicam ao Maranhão no mesmo
período. Durante as últimas décadas do século XIX, os investimentos agrícolas no
Maranhão se dispersaram, com destaque para a rizicultura e o extrativismo do babaçu,
voltados principalmente para o mercado interno. A ordem social clientelista-patronal
predominou nas comunidades indígenas e nos trabalhadores rurais ao longo do século
XIX até a década de 1950. Os conflitos entre grandes latifundiários e pequenos
lavradores sem-terra e coletores de babaçu se intensificaram, gerando tensões e
violência.

DITADURA MILITAR
Após o golpe militar de 1964, houve repercussões diretas na política indigenista
do Brasil. Em 1967, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) foi extinto e substituído pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI). A doutrina da "segurança nacional" e a estratégia
de ocupação dos "vazios demográficos", que incluíam as terras indígenas, foram
adotadas pelos militares como parte do discurso desenvolvimentista. Isso resultou em
uma onda de construção de estradas em todo o país.
No Maranhão, a construção das rodovias BR 010 e 222, o crescimento das
cidades de Açailândia e Imperatriz, o Projeto de Colonização Agrícola de Buriticupu e a
construção da Estrada de Ferro Carajás impulsionaram a frente madeireira, que
devastou rapidamente a floresta amazônica na região oeste e sudoeste do estado a
partir da década de 1970. Os impactos sociais e ambientais desses projetos foram
enormes. Os trabalhadores rurais desalojados foram responsáveis, segundo pesquisas
realizadas pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), pela
maioria dos garimpeiros mobilizados na Amazônia na década de 1980, e também
foram associados à propagação da malária e das doenças sexualmente transmissíveis,
afetando as Terras Indígenas da região.

AWA (“GUAJÁ”)
Os Awa são um grupo indígena nômade e vivem em grupos familiares
pequenos. Eles são ágeis, silenciosos e difíceis de serem avistados na floresta. Devido
à competição com grupos mais numerosos e poderosos, como os Kaapor, muitos
grupos Awa permaneceram isolados até hoje. No entanto, a redução populacional dos
Kaapor e dos Tembé a partir da década de 1940 permitiu que os Awa descessem
gradualmente para os vales.
Alguns grupos Awa foram localizados a leste do rio Pindaré (na Área Indígena
Araribóia) e na Serra da Canastra, ao norte do atual estado de Tocantins. Eles teriam
fugido da região da Terra Indígena Araribóia e tomado caminhos ao sul. Os Awa são
um dos poucos grupos indígenas no mundo que ainda vivem de forma estritamente
nômade. Como caçadores e coletores, eles possuem uma cultura material simples e
têm se recusado sistematicamente a aceitar presentes e a se envolver com as frentes
de contato estabelecidas pelo SPI e pela FUNAI em seu território desde 1913.
Somente na década de 1970, alguns grupos Awa aceitaram pela primeira vez os
presentes oferecidos pela FUNAI no Posto Indígena Guajá. Esse episódio despertou o
interesse de outros Awa da região, e em 1976 a FUNAI já havia contatado cerca de
seis grupos autônomos, totalizando 91 pessoas. No entanto, o contato com a
sociedade envolvente trouxe consigo doenças, como malária e viroses, que dizimaram
muitas famílias e grupos Awa. Alguns sobreviventes fugiram novamente para a floresta,
enquanto os que permaneceram na área começaram a dedicar parte de seu tempo ao
cultivo de roças. Na década de 1970, ocorreram vários confrontos entre os Awa e a
frente de construção da BR 222. Os Awa atacavam as máquinas e tratores em
operação durante o dia e sabotavam esses equipamentos durante a noite. Os primeiros
contatos da FUNAI com os Awa ocorreram em 1973, e até 1980, mais da metade das
pessoas contatadas faleceram de doenças como gripes, pneumonias e malária. Outros
contatos foram feitos nos anos seguintes, mas muitos Awa continuaram a fugir e resistir
ao contato.
No final da década de 1980, a atividade madeireira e a exploração do jaborandi
causaram uma rápida expansão na região, impactando as comunidades Awa e
Guajajara. Com a diminuição da área de floresta, os grupos Awa passaram a
perambular em grupos cada vez maiores e tiveram contatos mais frequentes com os
Guajajara e a sociedade envolvente. Houve contatos traumáticos, como a descoberta
de acampamentos abandonados pelos Awa pelos caçadores Guajajara. Alguns grupos
Awa foram contatados e transferidos para Postos Indígenas, mas ainda persistem
desafios e conflitos na proteção e preservação desse grupo indígena.
“AUSÊNCIA DO ESTADO”(?): VULNERABILIDADE SOCIAL DE
COMUNIDADES RURAIS E GUAJAJARA, GENOCÍDIO AWA IMINENTE
As comunidades Guajajara da porção sul da Terra Indígena Araribóia têm
acesso a um maior número de domicílios urbanos, incluindo aqueles com telefone, em
comparação com as comunidades da porção norte. Além disso, há uma maior
proporção de pessoas alfabetizadas, matriculadas em escolas e com ensino médio
completo nessas comunidades do sul. Por outro lado, as comunidades Guajajara da
porção norte da TI Araribóia têm resistido por mais tempo às ofertas das madeireiras, o
que lhes permite viver em uma região com cobertura vegetal mais preservada. Isso
proporciona melhores condições para a manutenção de suas fontes e padrões
alimentares tradicionais, bem como um perfil epidemiológico geralmente melhor, com
nenhum caso de AIDS até o momento.
No entanto, essas comunidades do norte têm tido acesso a políticas, programas
e serviços de educação e saúde em número e qualidade inferiores em comparação
com as comunidades do sul, na região de Amarante do Maranhão. Na região de
Arame, há um número significativamente menor de Guajajara alfabetizados e que
frequentaram a rede escolar formal, o que se reflete em maior vulnerabilidade social e
menor capacidade de participar e influenciar as políticas e serviços públicos
direcionados a eles.
Uma pesquisa realizada em dezembro de 2006 pelo Núcleo de Extensão e
Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras Quilombolas e Indígenas
(NuRuNI) do Mestrado em Saúde Ambiente da UFMA identificou que a ação das
madeireiras e carvoeiras tem sido permitida pelas comunidades indígenas devido à
necessidade emergencial de acessar serviços de saúde. Isso ocorre devido à ausência
de qualquer serviço do Distrito Sanitário Especial Indígena do Maranhão da FUNASA
(que nunca funcionou de acordo com o modelo proposto pelo órgão) nessas
comunidades, em meio à falta de recursos e estrutura adequada.
É essencial que haja uma ampla articulação entre as instituições responsáveis
pelas políticas públicas, tanto em nível federal, estadual quanto municipal, na região,
juntamente com as instituições, entidades e movimentos sociais que atuam no local.
Essa articulação deve visar a definição de medidas emergenciais, de curto, médio e
longo prazos, para

O MARANHÃO E O “CICLO DO CANGAÇO”


O aguçamento dos conflitos agrários na região tocantina do Maranhão na
década de 1980 levou à profissionalização da violência, caracterizada pela organização
de um mercado de pistoleiros e tabelas com preços para a execução de diferentes
pessoas. Essa violência estava principalmente ligada ao universo cultural da pecuária
sertaneja e emergiu dos vaqueiros das grandes fazendas financiadas pela SUDAM.

Na Amazônia maranhense e na região tocantina, onde os pecuaristas exerciam


grande controle sobre os aparelhos de estado locais e regionais, a profissionalização
da violência ocorreu de forma mais discreta do que o cangaço tradicional. Ao contrário
dos estados nordestinos onde o cangaço representou uma ameaça aos governos
estaduais, na região tocantina, houve a organização de jagunços colocados a serviço
dos poderosos locais. Essa organização contava com o apoio do poder local, estadual
e federal, em conivência com os projetos de desenvolvimento regional e nacional.

No contexto do Maranhão, a aliança entre trabalhadores rurais e os Guajajara na


região do baixo Pindaré nos anos 1920 e 1930 representou um contraponto às
configurações sociais do cangaço nos demais estados nordestinos. Essa aliança
liderada por Antônio Bastos contestou os interesses da oligarquia açucareira e desafiou
as estruturas de poder estabelecidas.

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