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Aula: 23

Temática: Recursos argumentativos

Dizem que opinião não se discute. Até certo ponto, isso é


verdade, já que é direito de todos ter e externar um ponto
de vista. No entanto, os argumentos que sustentam uma
opinião podem ser discutidos, questionados. Por isso, ao elaborarmos uma
dissertação argumentativa, na qual procuramos demonstrar a validade de
um ponto de vista ou defender uma tese sobre determinado tema, é ne-
cessário que a argumentação esteja bem estruturada, tanto na escolha
pertinente dos fatores que justificam a opinião dada quanto no raciocínio e
na linguagem que os apresentam. É importante que os argumentos esco-
lhidos harmonizem-se com a totalidade do texto, garantindo sua coerência
e evitando possíveis refutações de um leitor crítico.

O conhecimento de alguns dos principais procedimentos argumentativos


pode ser, portanto, muito útil no momento em que produzimos um texto
dissertativo, em especial o dissertativo-argumentativo.

Em vários campos do conhecimento, existem “verdades” que não são


questionadas. Por exemplo, você questionaria a seguinte proposição:
A=B; B=C; portanto A=C? Creio que não. Mas não é só nas ciências
exatas que existe esse tipo de afirmação. Há certas proposições com as
quais todos concordam, como: Toda criança precisa estar bem alimentada
para conseguir um bom desempenho escolar. Ou ainda: A educação é fun-
damental para o desenvolvimento de um país. Quando lançamos mão de
afirmações desse tipo com o objetivo de justificar nossa opinião, estamos
usando um argumento de valor universal, isto é, argumentos baseados
no consenso. Portanto, além de relevantes e adequados, não admitem
emoções, preconceitos, crenças (marcas de subjetividade) nem lugares-
comuns.

O argumento de prova concreta, por sua vez, é aquele que se sustenta


em fatos de conhecimento geral, dados, estatísticas, leis. Todas essas
informações, quando utilizadas em um texto argumentativo, devem ser
exatas, com respaldo na realidade. Além disso, é preciso interpretá-las
com atenção para ficar clara a sua pertinência e para não se tirar delas
inferências ou generalizações descabidas.

Às vezes, quando defendemos uma idéia, procuramos conhecer o que es-


pecialistas no tema já disseram. Então, fazemos citações diretas ou in-
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diretas desses autores. Nesse caso, estamos usando um argumento de
autoridade – aquele cuja base de sustentação está no pensamento alheio.
A citação de autores renomados, de autoridades em determinado assunto,
é positiva na medida em que revela um produtor de texto não só bem infor-
mado mas também capaz de relacionar seu próprio pensamento com o de
outra pessoa, encontrando neles ponto de contato. No entanto, é preciso
que a citação seja realmente adequada e bem aproveitada no contexto do
trabalho – ela não substitui a argumentação pessoal do produtor do texto.

A maioria dos autores que estudaram (e escreveram sobre) a argumenta-


ção arrolam ainda outros argumentos, entre eles o da competência lingü-
ística e o do raciocínio lógico.

Em princípio, tanto o raciocínio lógico quanto a competência lingüística


devem estar presentes em qualquer tipo de texto (seja ele argumentativo
ou não). Ambos passam a ser recursos argumentativos quando existe,
evidentemente, essa intenção.

Transcrevo, a seguir, um texto do advogado e professor Vicente Cascione,


para exemplificar o recurso argumentativo da competência lingüística. Ob-
serve que o autor vale-se da ironia ao longo de todo o texto: ao depreciar
letras e compositores do cancioneiro popular brasileiro e valorizar o tipo de
música feita pelo “Bonde do Tigrão”, percebemos que ele, na verdade, “quer
dizer o contrário do que diz”. Isto é, usa o recurso da ironia para criticar
“as canções atuais”. Observe, também, a repetição intencional de “Hoje os
tempos são outros” no início de quatro parágrafos. São recursos expressivos
que envolvem o leitor, buscando sua adesão ao ponto de vista do autor.

O martelo do Tigrão

Vive-se um período de fartura intelectual. Jamais tantos se inspiraram tan-


to na arte de compor músicas e escrever versos.

Convenço-me de que os tempos hoje são outros. Há mais sensibilidade e,


portanto, mais arrepio à flor da pele quando se ouve, digamos, as canções
atuais, e constato o absurdo dos saudosistas que ainda teimam em consi-
derar poeta o velho Orestes Barbosa só porque rabiscou essa estrofe de
“chão de Estrelas”: A porta do barraco era sem trinco, e a lua furando nos-
so zinco salpicava de estrelas nosso chão. Tu pisavas nos astros distraída,
sem saber que a ventura desta vida é a cabrocha, o luar e o violão.

Como outro exemplo de banalidade poética, que encantou os idiotas de


minha geração, lembro-me dos versos de Dolores Duran, em sua “Noite do
Meu Bem” : Hoje eu quero paz de criança dormindo, e abandono de flores
se abrindo, para enfeitar a noite do meu bem...
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Hoje os tempos são outros. É preciso guardar no fundo do baú algumas
pieguices como a “Disparada”, de Geraldo Vandré, o “Pedro Pedreiro”,
do Chico Buarque, algumas cafonices de Roberto e Erasmo, e sandices
paridas por Caymi e outros impostores de sua geração, cuja mediocridade
conseguiu consagrar Ary Barroso e sua lastimável “ Aquarela do Brasil”.

Hoje os tempos são outros. As rimas são ricas, o conteúdo das letras é
profundo e as melodias transformam em entulho toda a criação do bisonho
Antonio Carlos Jobim.

Hoje os tempos são outros. Toda a inspiração e a sensibilidade que faltou


aos compositores da antiga, do imenso deserto de sua herança indigente
de músicas e versos, brota o lirismo que recomenda as popozudas que
cada qual empine a sua bunda, na coreografia das bundinhas que sobem
e descem devagarinho, afinal tá tudo dominado. Vem o arrepio de emoção
quando o poeta desfere o tapinha que não dói, dado nas glamourosas que
ficam maluquinhas, ou quando desponta o gesto carinhoso do romântico
Tigrão que vai passar cerol na mão, aparar a amada pela rabiola para jogá-
la na cama e botar muita pressão, martelando com o martelão, e já se vê
que o martelo sai das oficinas para a sublimação da meiguice absoluta.

Bem-aventurados os jovens contemporâneos que podem embalar-se ao


som dessas músicas. Elas são a expressão mais viva da sensibilidade hu-
mana e, não é por acaso, que essa arte veio para ficar e nos despertar de
toda aquela babaquice que nos enchia alma de ternura, punha lágrimas
nos olhos dos otários, fazia suspirar os tolos corações dos românticos que
sonhavam com bobagens e se emocionavam com o encanto de um olhar
ou com a ternura de mãos se encontrando.

Hoje os tempos são outros. Temos a garrafa e o martelo, a inspirar aquela


moça sensível pedindo que a chamem de “cachorra”.

Infelizmente não são todos os que se converteram aos encantos da nova


arte. Muitos idiotas ainda insistem em escrever cartas de amor, ler poemas
de Vinícius, crônicas de Rubem Braga, mandar flores às pessoas amadas,
teimam em ouvir canções cheias de pieguice, sentem emoções que não
dependem dos movimentos ginecológicos dos cantores dos novos tempos,
e choram, e se arrepiam e se comovem diante das palavras e músicas
onde não há espaço para martelos, garrafadas e cachorradas, e não se
deixaram dominar por tudo quanto tá inexoravelmente dominado.
A Tribuna. 4/3/2001, p.A3.

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O texto abaixo é uma carta de Marcos Caruso, ator, dramaturgo, diretor e
produtor teatral. Nela, o missivista cobra que se cumpra o que diz uma lei
municipal de apoio às atividades culturais que, já aprovada na época, não
havia sido posta em prática. Observe os recursos argumentativos utiliza-
dos pelo autor.

Não sou do tempo – mas quem educou os que me educaram o foram – em


que o fio de barba era sinal de acordo. Valia mais que a palavra, visto que
servia de prova. E também com eles aprendi que, ou talvez por moda ou por
medo, ao escassearem as barbas, seus fios foram substituídos pela pena,
uma espécie de fio de barba animal. E, depois, o preto no branco transfor-
mou acordos em compromissos que, quando selados, eram garantia ainda
maior de cumprimento. Mas, talvez por moda ou por medo, os selos tam-
bém foram substituídos por registros e estes arquivados em cartórios. E,
para além dos cartórios, as leis e a Constituição comprometem um país e
seus cidadãos em não apenas compromissos particulares, mas públicos.
E também aprendi, vendo e vivendo, que, quando os compromissos par-
ticulares não são cumpridos, a despeito dos cartórios, dos registros, do
preto no branco, do fio de barba e, antes dele, da palavra, os honrados e
os honestos perdem os cabelos, fios que também são barba e foram um
dia palavra. Mas pagam. Cumprem. Honram. Dignificam seus ancestrais.
E, mais vendo que vivendo, aprendi que compromissos públicos, quando
não são cumpridos, talvez por moda ou por medo, os honrados e os hones-
tos se utilizam da palavra, e não mais do fio da barba, do preto no branco,
dos registros, dos cartórios e das leis, para não pagar, para não cumprir,
para não dignificar os seus ancestrais. Nós, quando não honramos nossos
compromissos particulares, somos despejados por falta de pagamento de
aluguel, nossos filhos são expulsos das escolas, não podemos circular sem
o IPVA dos nossos carros, são-nos fechadas as portas dos hospitais com
apenas um dia de atraso do plano de saúde e nossos telefones e água e
gás e luz nos são cortados. Em quem mais acreditar, para além das leis, se
estas foram feitas exatamente para nos proteger. Esta não é uma pergunta,
é um pensamento de quem sabe que respostas existem, mas sempre serão
manipuladas pela palavra que, nos tempos daqueles que educaram os que
me educaram, ainda era de honra. Ou a Lei do Fomento é cumprida ou o
pensamento acima vai nortear o futuro daqueles que um dia educaremos.
Marcos Caruso. Fórum dos Leitores. O Estado de S.Paulo.14/3/2005, p.A3.

Leia, agora, parte de uma entrevista concedida pelo ator Harrison Ford à
revista Veja (30/8/2000). Nela, o ator expõe seu ponto de vista sobre o tipo
de filmes que costuma fazer e argumenta para justificar suas escolhas.

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Veja: E quanto a atuar em filmes independentes?

Harrison Ford: Em tese, a idéia me atrai. Mas veja: decidi que não faria
mais de um filme por ano. Então, quando saio de casa para trabalhar, gosto
de imaginar que a fita na qual estou atuando causará impacto e será vista
por alguns milhões de pessoas, e não apenas por uns poucos cinéfilos.
Não acho certo alguém investir seu dinheiro num filme que não será visto.
Nem sempre dá certo, é claro, mas parto desse princípio. Por isso, escolho
projetos que, calculo, entreterão a platéia. Esse é o meu ramo: entreteni-
mento. É uma espécie de serviço de utilidade pública.

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