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Química e Ensino 25

Estrutura de Lewis
e Geometria Molecular...
...mas não necessariamente por essa ordem!

M Á RIO VA L E N T E * , H E L E NA MO RE IR A

Os alunos mostram frequentemente dificuldades na previ- prever a geometria molecular de uma molécula simples,
são de geometrias moleculares, até para moléculas muito envolvendo elementos representativos – constituida por
simples. Estas dificuldades estão, muitas vezes, ligadas um átomo central e vários átomos ou pares de electrões
com a determinação prévia da correspondente estrutura não partilhados em seu redor – e que serve de ponto de
de Lewis (ou da fórmula estrutural), que é usualmen- partida para a determinação posterior da correspondente
te tida como ponto de partida essencial para a referida fórmula estrutural da molécula, que auxiliará na previsão
previsão. Apresenta-se, neste artigo, um modo fácil de das ordens de ligação.

Introdução riféricos pode-se, com vantagem, inver- este se encontra no Quadro de Classifi-
ter o processo acima mencionado, de cação Periódica.
A geometria molecular é um parâmetro
forma a prever a geometria molecular e,
de importância fundamental para a pre- (2) Define-se qual o átomo central,
posteriormente, tomar o resultado como
visão da polaridade de uma molécula. que é, usualmente, o menos electrone-
ponto de partida para a determinção
Esta, por sua vez, permite inferir sobre o gativo (à excepção do hidrogénio que,
tipo e intensidade das interacções inter- da correspondente fórmula estrutural, em circunstâncias normais, não pode
moleculares que se podem estabelecer eliminando algumas das dificuldades ser o átomo central). Podem surgir di-
entre moléculas no composto puro, ou apresentadas pelos alunos. ficuldades quando todos os átomos são
com átomos, ou moléculas de outras iguais (por exemplo, no ozono, O3), e
substâncias. Contudo, a previsão da Previsão de geometrias então qualquer um deles poderá ser
geometria molecular, até de moléculas moleculares considerado o central e os outros serão
simples, representa frequentemente um periféricos, ou em algumas excepções
problema que muitos alunos do ensino A geometria de uma molécula pode ser (por exemplo, no óxido de dicloro, Cl2O)
secundário e, por vezes do superior, não determinada, de acordo com o método para as quais o átomo (ligeiramente)
conseguem superar [1, 2, 3]. Estas difi- proposto, da seguinte forma: mais electronegativo é o central.
culdades estão usualmente relacionadas
(1) Procede-se à contagem do número (3) Determina-se o número total de
com a suposta necessidade de determi-
total de electrões de valência presen- electrões dos átomos periféricos, con-
nar, previamente, a estrutura de Lewis
tes numa molécula, que corresponde ao siderando que têm a sua camada de va-
(ou a fórmula estrutural) para as molé-
número total dos electrões de valência lência completamente preenchida. Na
culas. De facto, é frequente em livros
dos átomos participantes, tendo, no en- prática, esta contagem resume-se sim-
de texto de todos os níveis, assumir-se
tanto, atenção à carga. Numa molécula plesmente a dois electrões para cada
que a previsão da geometria molecular
catiónica (por exemplo, no nitrónio, átomo de hidrogénio e oito electrões
é posterior à determinação da estrutura
NO2+), cada carga positiva corresponde para cada átomo de qualquer outro ele-
de Lewis. Ora, não é necessariamente
à saida de um electrão de valência, e mento.
assim [4]...
numa molécula aniónica (por exemplo, (4) Calcula-se o número de electrões
Para o caso de moléculas pequenas no nitrito, NO2¯), cada carga negativa não partilhados pertencentes ao átomo
(neutras ou iónicas), envolvendo ele- corresponde à entrada de um electrão central, que corresponde à diferença
mentos representativos, constituídas por
de valência na contagem. Este passo entre o número total de electrões de
um átomo central e vários átomos pe-
não é difícil de dominar pelos alunos, na valência presentes na molécula (deter-
medida em que se relaciona com facili- minado no primeiro passo) e o número
Colégio D. Duarte, Rua Visconde de Setúbal, 86,
Porto, 4200-497, Portugal
dade o número de electrões de valência total de electrões dos átomos periféricos,
(*E-mail: madmage1@yahoo.com) de cada átomo com o grupo em que se considerando que têm a sua camada
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de valência completamente preenchida Tabela 1 Geometrias adoptadas em função do número e tipo de domínios electrónicos que rodeiam
o átomo central (# DEL: n.º de domínios electrónicos ligantes; # DENL: n.º de domínios electrónicos
(determinado no terceiro passo).
não ligantes; # TDE: n.º total de domínios electrónicos).

(5) Por fim, usa-se o modelo de Repul-


são dos Pares Electrónicos da Camada
# DEL # DENL # TDE geometria de base geometria efectiva
de Valência, de Gillespie [5,6,7] (ver
Tabela 1 e Nota 1), tomando os pares 2 0 2 linear linear
electrónicos não partilhados pertencen-
2 1 angular (~120º)
tes ao átomo central como domínios
3 triangular plana
electrónicos não ligantes e o número de 3 0 triangular plana
ligações entre o átomo central e os áto-
mos periféricos, independentemente da 2 2 angular (~109º)
sua ordem de ligação, como domínios
ligantes (e igual ao número de átomos 3 1 4 tetraédrica piramidal trigonal
periféricos).
4 0 tetraédrica
É apresentado, de seguida, um exemplo
de aplicação para a espécie molecular 2 3 linear
aniónica NO2¯.
3 2 em T distorcido
(1) O número total de electrões de va- 5 bipiramidal trigonal
lência é: 5 + 2 x 6 + 1 = 18, 4 1 bisfenóide
(2) O átomo central é o de azoto,
5 0 bipiramidal trigonal
(3) O número total de electrões dos áto-
mos periféricos (correspondente a dois 2 4 linear
átomos de oxigénio) é: 2 x 8 = 16 elec-
3 3 em T distorcido
trões,

(4) O número de electrões não partilha- 4 2 6 octaédrica quadrada plana


dos pertencentes ao átomo central é: 18
– 16 = 2, isto é, um par electrónico não 5 1 piramidal quadrada
ligante, ou um domínio não ligante,
6 0 octaédrica
(5) Com dois átomos periféricos (dois
domínios ligantes) e um par electrónico
não ligante (domínio não ligante) a mo-
átomo central como sendo constituídos anular-se, ou nessa impossibilidade,
lécula apresenta uma geometria angular
por pares electrónicos. minimizar-se a carga formal do átomo
(Figura 1).
central [8] (ver Nota 2) ou seja, quando
Para obter a fórmula estrutural da molé-
não for possível anular a carga formal do
cula procede-se da seguinte forma:
átomo central por este não poder supor-
1.º Associam-se equitativamente os tar mais de quatro pares electrónicos em
electrões de valência ainda não distribu- seu redor (como é o caso dos elementos
ídos, pelos átomos periféricos. carbono, azoto, oxigénio e flúor), deve-
-se então reduzi-la ao mínimo permitido
2.º Determinam-se as cargas formais
pela regra do octeto.
de todos os átomos presentes na molé-
cula, isto é, calcula-se a diferença entre Quando o modo de minimizar a carga
Figura 1 Esquema da molécula NO2¯, com a o número de electrões que tornariam o formal do átomo central se pode con-
representação dos três domínios electrónicos átomo neutro e o número de electrões seguir de várias formas equivalentes, a
que lhe definem directamente a geometria.
que ele possui na presente estrutura, molécula apresenta híbridos de resso-
que corresponde à soma de metade do nância, isto é, várias estruturas contri-
número de electrões envolvidos em do- buíntes, e para as ligações cuja ordem
Determinação da fórmula mínios ligantes com o número de elec- pode variar teremos um carácter inter-
estrutural trões presentes nos seus domínios não médio.
ligantes.
Partindo da geometria molecular, de- Tomando como exemplo a espécie
terminada pelo método acima descrito, 3.º Deslocam-se pares electrónicos de NO2¯, cuja geometria molecular já foi
consideram-se numa primeira fase domínios não ligantes dos átomos peri- acima determinada, passa-se à escrita
todos os domínios ligantes rodeando o féricos para domínios ligantes, tentando da correspondente fórmula estrutural:
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seando-se em cálculos teóricos que


apontam para uma muito baixa contri-
buição de orbitais d para a ligação em
moléculas onde o átomo central estaria
rodeado por mais do que oito electrões,
e para a possibilidade de se verificarem
ligações polielectrónicas, pluricêntricas
[11].

Referências

1. J.P. Birk, M.J. Kurtz, Journal of Chemi-


cal Education, 76 (1999) 124-128

2. C. Furio, M.L. Calatayud, Journal of


Chemical Education, 73 (1996) 36-41
Figura 2 Passos seguidos para a escrita da fórmula estrutural correspondente à espécie NO2¯.
3. V.M.M. Lobo, Química (Boletim da So-
ciedade Portuguesa de Química) 70
(1998) 13-17
(1) Distribuem-se os 18 - 6 = 12 electrões no cômputo geral, pode considerar-se
4. M. Valente e H. Moreira, Livro de Re-
pelos dois átomos periféricos de oxigé- uma boa ferramenta inicial na previsão sumos do 4.º Encontro da Divisão de
nio (Figura 2 a), de geometrias moléculares (e, poste- Educação e Ensino da Química (2005)
(2) Determinam-se as cargas formais de riormente, das correspondentes fórmu- 79-80
todos os átomos (Figura 2 b), las estruturais) para a maioria das mo-
5. R.J. Gillespie, Journal of Chemical Edu-
léculas simples, envolvendo elementos
(3) Minimiza-se carga formal do átomo cation, 81 (2004) 298-304
representativos, o que auxilia na aquisi-
central (Figura 2 c).
ção e estabilização de conceitos impor- 6. R.J. Gillespie, E.A. Robinson, Angewan-
Verifica-se, neste exemplo, a existência tantes como geometria molecular, mo- dte Chemie International Edition in En-
de duas fórmulas estruturais equivalen- delo de repulsão dos pares electrónicos glish, 33 (1996) 495-514
tes (Figura 2 c) o que indica a existência da camada de valência, carga formal e
7. R.J. Gillespie, Chemical Society Re-
de ressonância entre elas e, portanto, ressonância.
views, 21 (1992), 59-69
nesta espécie (anião nitrito) verifica-se
uma ligação azoto-oxigénio de ordem in- Notas 8. G.H. Purser, Journal of Chemical Edu-
termédia entre a simples e a dupla. cation, 78 (2001) 981-983; J.Q. Pardo,
1. O modelo de Gillespie nas suas ver-
Journal of Chemical Education, 66
sões mais recentes envolve a noção
Conclusões (1989) 456-458; J.A. Carrol, Journal of
de domínio electrónico, que consiste
Chemical Education, 63 (1986) 28-31
Este método apresenta a vantagem de numa região do espaço onde há ele-
ser simples e sequencial, o que permite vada probabilidade de encontrar um 9. G.L. Miessler e D.A. Tarr, Inorganic Che-
a um aluno prever a geometria de uma ou mais pares de electrões. Também mistry, 3.ª edição, Pearson Prentice Hall
molécula simples envolvendo elemen- no presente método se pode conside- (ed.), Nova Jérsia, 2004; D.F. Schriver,
tos representativos e, posteriormente, a rar cada par de electrões não ligantes, P.W. Atkins e C.H. Langford, Inorganic
respectiva fórmula estrutural. Saliente- bem como cada ligação (independen- Chemistry, 2.ª edição, Oxford University

-se ainda que se torna possível estimar temente da sua ordem formal) entre o Press (ed.), Oxónia, 1998; R. Chang,

ângulos de ligação a partir do número e átomo central e um átomo periférico, Química, 5.ª edição, McGraw Hill (ed.),
Lisboa, 1994
tipo de domínios ligantes e não ligantes como um domínio electrónico.
que rodeiam o átomo central. Ao longo 10. L. Suidan, J.K. Badenhoop, E.D. Glen-
2. A minimização das diferenças de
do processo o aluno vê-se confrontado denring e F. Weinhold, Journal of Che-
cargas formais entre os átomos nas es-
com a noção de carga formal e com a mical Education, 72 (1995) 583-586
truturas de Lewis (e fórmulas estrutu-
possibilidade de ocorrência de resso-
rais) tem sido considerada, em muitos 11. O.W. Curnow, Journal of Chemical Edu-
nância.
artigos [8] e livros de texto [9], como cation, 75 (1998) 910-915
A desvantagem deste método centra- originando representações mais pró-
-se na dificuldade da aplicação a mo- ximas da realidade da molécula. No
léculas com várias possibilidades de entanto, também há quem privilegie a
escolha para átomos centrais. Contudo, obediência à regra do octeto [10], ba-

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