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Fotojornalismo e

Fotografia Documental
Material Teórico
Fotojornalismo como Meio de Comunicação de Massa

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Fabio Henrique Ciquini

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina F. Moreira
Fotojornalismo como Meio de
Comunicação de Massa

• A Guerra como Tema Privilegiado;


• Guerra Civil Espanhola e Segunda Guerra Mundial;
• Guerra do Vietnã;
• Fotojornalismo e o Fait Divers;
• O Nascimento das Agências Fotográficas;
• Agência Magnum e a Importância para
o Fotojornalismo Contemporâneo;
• Henri Cartier-Bresson e o Instante Decisivo..

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Compreender a fotografia e sua relação com as guerras;
· Verificar a importância das agências fotográficas em relação aos fotógrafos;
· Compreender o conceito de instante decisivo e seu uso na prática
fotojornalística;
· Enfatizar a fotografia como meio de comunicação de massa.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Fotojornalismo como Meio de Comunicação de Massa

A Guerra como Tema Privilegiado


Como vimos em outra unidade, um dos episódios marcantes do início do uso
da fotografia pela mídia foi a Guerra da Criméia (1853-1856). Neste conflito, o
fotógrafo do museu britânico destacado para a cobertura, Roger Fenton, enfatiza
cenas posadas que sugerem a guerra como um ambiente tranquilo, onde os soldados
se ocupam mais em montar pomposamente seus cavalos do que propriamente em
lutar no front. É importante lembrarmos de que a fotografia é apenas um recorte
dentro de um todo, e, nesse sentido, é claro que a guerra da Criméia não foi um
conflito calmo e com poucas mortes, mas a história que foi contada por Fenton, ou
seja, aquilo que suas fotografias enfatizaram foi antes uma encenação de guerra,
do que as batalhas em si.

A partir da visibilidade que as fotografias de Fenton obtiveram na Inglaterra, de


certa forma ficou “estabelecida” a importância das guerras para o fotojornalismo.
Assim, a imensa maioria dos conflitos que se desenrolaram em diferentes partes do
mundo teve assegurada sua cobertura fotográfica, como a colonização da Argélia
e a intervenção britânica na China, por exemplo. O fato é que, em uma época
anterior ao nascimento da televisão, as fotografias de guerra chamavam atenção
e faziam parte do grande espetáculo da mídia impressa, com destaque para as
revistas ilustradas.

Se as fotos de Fenton na Guerra da Crimeia destacaram grandes paisagens sem


mortos e oficiais dignamente posando com seus uniformes, o mesmo tema não foi
tão enfatizado na Guerra Civil Americana, ou Guerra de Secessão (1861-1865).
Em um primeiro momento do conflito, as fotos, de certa forma, são similares às
imagens do conflito nos Bálcãs, mas, conforme os jornais percebiam a necessidade
do factual em suas publicações, deixou-se de lado o retrato de oficiais e as paisagens
inóspitas e passou-se a publicar fotografias que priorizavam uma estética do horror:
mortos, feridos e hospitais de campanha abarrotados são alguns exemplos. Além
da necessidade de se mostrar o factual, a estratégia de se exibir cenas violentas
das batalhas era uma forma de os jornais do norte (União) comprovarem a vitória
esmagadora sobre os Confederados do sul, os quais possuíam poucos veículos de
comunicação cobrindo a guerra.

Sob o ponto de vista do fotojornalismo, a Guerra de Secessão é fundamental


em alguns aspectos, pois, além de acelerar o tempo entre produção da fotografia
e publicação, o conflito foi o primeiro a ser noticiado pelos fotojornalistas no
front de batalha – o que aumentou consideravelmente as chances de morte dos
fotojornalistas – mas também notabilizou o fato de que as fotografias jornalísticas
seriam melhores, se feitas próximas aos eventos. Outro ponto é o sucesso obtido
com as fotos sensacionalistas, que conforme eram publicadas, criavam uma
dependência entre leitores de uma cultura visual fotográfica, que enxergavam na
fotografia uma força de “realismo” e “testemunha”. Há que se destacar também

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duas questões de dimensões éticas: os fotógrafos passam a questionar a autoria
das imagens que são veiculadas nos jornais e revistas ilustradas e a encenação de
fotografias com corpos nas trincheiras.

Figura 1 - Alexander Gardner. Home of a Rebel Sharpshooter, 1863


Fonte: moma.org

Figura 2 - Alexander Gardner. A sharpsshooters last sleep,1863


Fonte: moma.org

Nas duas fotografias acima, do fotógrafo escocês-americano Alexander Gard-


ner (1821-1882), além de uma estética violenta que predomina nas fotografias
da Guerra Civil Americana, o estudioso do conflito William Frassanito sugere, em
1975, que Gardner utiliza o mesmo corpo para fotos diferentes. Na foto Home of
a rebel sharpshooter, o fotógrafo teria arrastado o corpo de um atirador confe-
derado, pois o lugar era mais fotogênico e a composição ficaria mais interessante.
Se de fato isso aconteceu, não foi uma novidade, já que a história da fotografia
desde o seu início é marcada pela encenação. O interessante aqui é notabilizar a
encenação como um critério que daria maior visibilidade para o evento e, assim,
atrairia mais leitores.

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Capa do jornal ilustrado Frank Leslie’s newspaper (União). Prisioneiros do campo de


Explor

concentração para soldados nortistas de Andersonville recentemente libertados:


https://goo.gl/K3eCmt

A estética de violência e choque promovida principalmente pelos jornais do


norte (União), durante a Guerra Civil Americana, inaugura o que seria a tônica
predominante das coberturas fotojornalísticas de importantes guerras do século
XX, como a I e II Guerra Mundial e o conflito no Vietnã. Dessa forma,
[...] depois da fotografia, a Guerra nunca mais seria a mesma […] o
observador era projetado num mundo mais real, mas por vezes mais cruel
[…] e o julgamento e a apreciação deixaram de ser monopolizados pela
escrita” (Sousa, 2004, p.40).

É provável que você tenha visto a imagem de um bebê curdo morto retirado em uma praia
Explor

turca. Qual foi impacto dessa foto sobre a opinião pública? Como você acredita que as fotos
de guerras e tragédias humanitárias sensibilizam as pessoas?

Figura 3 - General R. B Potter e seus soldados da União (do lado direito, o fotógrafo Mathew Brady)
Fonte: Mathew Brady

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Figura 4 - Soldados retirando ossos. John Reekie/Library of Congress
Fonte: John Reekie/Library of Congress

Figura 5 - Soldados mortos em Gettysburg. Timothy H. O’Sullivan/Library of Congress


Fonte: Timothy H. O’Sullivan/Library of Congress

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Guerra Civil Espanhola


e Segunda Guerra Mundial
Já no século XX, conforme a fotografia se disseminava em jornais e principal-
mente em revistas ilustradas, as guerras foram acompanhadas por muitos. Sem
jamais terem ido aos palcos dos conflitos, as pessoas aguardavam avidamente as
fotos serem publicadas, ou seja, a Guerra se tornava um tema recorrente no jor-
nalismo. Conforme afirma Sontag (2003, p. 22), a Guerra Civil Espanhola (1936-
1939) foi a primeira a ser coberta por fotógrafos profissionais que trabalhavam
para os jornais e revistas da Espanha e do mundo. Além da profissionalização, este
conflito inaugura a cobertura fotojornalística no campo de batalhas, ou seja, os fo-
tógrafos não registravam cenas pós-batalhas, como na Criméia ou na Guerra Civil
Americana, mas participavam ativamente no front junto aos soldados. Vinculada a
essa inovação na linguagem fotográfica jornalística, está o aprimoramento técnico
como o uso de câmeras reflex – em especial a alemã Leica – que eram menores e
mais leves, permitindo, assim, aos fotojornalistas, maior mobilidade e proximidade
com as cenas.

Um exemplo emblemático é a foto do soldado legalista alvejado, instantaneamente, diante


Explor

das lentes de Roberto Capa, conforme imagem no link: https://goo.gl/OJjjyp

A II Guerra Mundial (1938-1945) intensificou o fortalecimento da fotografia como


mídia jornalística e ajudou a valorizar os fotojornalistas. Muitas vezes, as imagens
ganhavam um destaque maior que o texto nas publicações e os fotógrafos de jornais
e revistas definitivamente passaram a ser designados como fotojornalistas. Os usos e
intenções “manipulatórios, desinformativos, contra-informativos e propagandísticos”
(Sousa, 2004, p.118) continuaram sendo empregados por governos e exércitos,
que, no caso dos aliados, foram auxiliados pelos fotojornalistas que se posicionavam
claramente a seu favor. Nesse sentido, as fotos traziam à tona uma espécie de luta
“do bem contra o mal”, manipulando a opinião pública para que acreditasse na
importância do conflito e no poder dos países aliados contra os do eixo.

Se, como vimos anteriormente, nos conflitos bélicos anteriores, o tempo de


produção para a publicação das fotografias era lento, na Segunda Grande Guerra
- principalmente a partir da invenção do aparelho de telefoto que possibilitava o
envio de fotografias para longas distâncias – o tempo entre a produção da foto e
sua publicação se tornou breve. O imperativo da velocidade no fotojornalismo se
tornava uma obrigação para as publicações. O conflito também serviu para que
alguns fotógrafos firmassem seus nomes na história do fotojornalismo ocidental,
em especial, o ainda hoje considerado o maior fotógrafo de Guerra de todos os

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tempos, Robert Capa – o único a fotografar o desembarque das tropas aliadas
na Normandia – Joe Rosenthal e uma das primeiras mulheres a atuar em uma
cobertura de guerra, Margaret Bourke White.
Explor

Para entender melhor como funcionava a transmissão do telephoto, acesse:


https://goo.gl/HBnvEZ

Guerra do Vietnã
Se foi possível afirmamos a importância da fotografia na Segunda Guerra Mun-
dial para os países do eixo, o mesmo não se pode falar sobre a Guerra do Vietnã.
Neste conflito, ao contrário das imagens da Segunda Guerra, as fotografias pro-
duzidas sugerem um ambiente terrível de morte e horror causados pela Guerra.
A ideia fundamental era a de que as imagens chocassem a opinião pública para
que essa se posicionasse contrariamente à Guerra, o que aconteceu na Europa e
nos Estados Unidos. Com esse objetivo, os fotógrafos possuíam ampla liberdade
para os registros fotográficos, fato que, depois do Vietnã, levou os profissionais da
imagem a enfrentarem cerceamento e censura nas coberturas de conflitos. Além
da fotografia, que era publicada com rapidez nos meios jornalísticos, a televisão
também foi determinante para o repúdio da opinião pública para com a Guerra
do Vietnã, não somente nos Estados Unidos, mas em várias partes do globo, pois
mostravam-se cenas de massacres, quase que instantaneamente.

Como o conflito destacava-se no cenário internacional, aqui no Brasil não foi


diferente. A Revista Realidade (1966-1976), principalmente a partir de 1967,
amplia a cobertura sobre a guerra, destacando-se por sua linguagem refinada e
literária e pelo emprego de fotos impactantes. Uma das mais conhecidas delas
traz o repórter José Hamilton Ribeiro estampado na capa, ferido por uma mina
terrestre que o fez perder a perna esquerda.
Explor

Leia o relato do repórter brasileiro José Hamilton Ribeiro, acesse: https://goo.gl/uyLxFA

A Guerra do Vietnã proporcionou grande visibilidade à profissão de fotojornalista,


de tal forma que, segundo Sousa (2004, p.154), o número de profissionais da
área “saltou de dez para vinte mil nos Estados Unidos”. Alguns fotojornalistas até
hoje permanecem com uma ligação umbilical com o conflito, como o vietnamita
Nick Ut, autor da foto da menina Kim Phuc correndo nua queimada por napalm,
e o norte-americano Eddie Adams, que registrou o momento exato em que o
chefe da polícia nacional atira na cabeça de um oficial vietcongue. Dessa forma,

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a cobertura jornalística do conflito alavancou a fotografia a outro patamar nas


publicações, tornando-a elemento principal e ampliando o estatuto do que poderia
ser fotografado. Ou seja, como a fotografia atraía grande interesse dos leitores,
fatos diversos passaram a ser notabilizados pelas publicações.

Veja fotos importantes da Guerra do Vietnã nos links:


Explor

https://goo.gl/pe2Agg e https://goo.gl/dP5tcg

Fotojornalismo e o Fait Divers


É bastante comum nos depararmos com jornais e principalmente portais jorna-
lísticos da internet que trazem como “notícias” casamentos de celebridades, ou o
que o ator “X” ou a atriz “Y” fizeram durante o final de semana. Podemos afirmar
que o uso da fotografia contribui significativamente para a curiosidade despertada
nos leitores sobre a vida e hábitos de pessoas do show business. De certa forma,
como a Guerra do Vietnã marca um período de uso massivo da fotografia na mídia
e o nascimento da televisão, os autores e pesquisadores da literatura fotográfica
costumam correlacionar esse uso intensivo da fotografia à explosão de uma cultura
visual na imprensa ligada às celebridades do cinema e da tevê, principalmente.
Uma cobertura em torno de “fatos diversos”, ou fait divers.

O surgimento das revistas ilustradas na Europa e Estados também contribuiu


para alimentar a curiosidade visual dos leitores sobre as estrelas hollywoodianas.
A ideia de cobertura jornalística de “fatos diversos”, no entanto, ultrapassa a ideia
de se cobrir apenas os escândalos de celebridades, abrangendo também fatos
curiosos, bizarros, humor, ou seja, quase tudo é transformado em um espetáculo
midiático em que a imagem é colocada como recurso fundamental à linguagem dos
fait divers, um jornalismo popularesco e sensacionalista.

Um dos ramos “bastardos” do fotojornalismo, que expressa essa linguagem de


não ter responsabilidade ética sobre a fotografia, informação veiculada e nem sobre
as pessoas que são fotografadas é a denominada fotografia dos paparazzi. O termo
paparazzo na língua italiana possui relação com um mosquito, no sentido de que
este inseto fica rondando e incomodando as pessoas. Um dos casos mais notórios
envolvendo a figura dos paparazzi, e que exemplifica esse agir sem reflexão e
responsabilidade, foi a morte da princesa da Inglaterra Diana. Em entrevista ao
jornal francês Libération, um dos paparazzi que perseguia o carro onde estava
Lady Di e seu namorado afirmou que “é verdade que Diana estava viva, ela se
mexia ainda. Ok, tirei fotos sem refletir. O que eu poderia fazer? Meu trabalho era
fotografar” (Rouillé, 2009, p.130). Ou seja, enquanto a reportagem fotojornalística
pressupõe, no mínimo, apuração, responsabilidade ética e profissional, a fotografia
dos paparazzi é impulsiva e antiética. Esses fotógrafos fazem o que for preciso para

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um flagrante de vida pessoal, independentemente dos critérios éticos que conduzem
a profissão do jornalista e do fotojornalista. Com cada vez mais imagens presentes
em nossa sociedade midiática, infelizmente os fait divers têm correspondido a uma
ampla fatia da área. Assim, o fotojornalismo, principalmente a partir do advento da
televisão, perde espaço para o sensacionalismo e para as reportagens superficiais.
E, além disso, o fotojornalismo observa, com frequência, a figura do repórter
fotográfico ser substituída por aquela do indivíduo que simplesmente aperta o
disparador da câmera de forma impulsiva.

Para se aprofundar sobre a origem da fi gura do paparazzo, a edição número dois da revista
Explor

zum de fotografi a (editada pelo Instituto Moreira Sales) traz uma reportagem interessante
sobre isso. Outra dica é o fi lme “Abutre” (disponível na plataforma Netfl ix), que aborda a
busca desenfreada de um cinegrafi sta por imagens de violência.

O Nascimento das Agências Fotográficas


Mesmo com a crescente utilização de fotografias pela mídia jornalística no início
do século XIX, a profissão de repórter fotográfico ou fotojornalista passou a ser
reconhecida, de fato, no final dos anos 1920. Isso porque, durante mais ou menos
cinquenta anos a partir do nascimento da fotografia, à figura do fotojornalista
estava atrelada uma inferioridade em relação ao pintor, sendo também visto como
um profissional braçal. Diante disso, esse profissional demorou a ser reconhecido
e vários dos seus direitos básicos, protegidos nos dias de hoje, como o crédito
obrigatório nas imagens, eram ignorados.

Uma das saídas foi a associação entre os próprios fotógrafos, a fim de cobrarem
por direitos dos fotógrafos e por deveres daqueles que veiculavam suas fotos. Um
primeiro movimento nesse sentido foi a associação de fotógrafos reunidos por
Mathew Brady durante a Guerra Civil Americana. No entanto, foi em meados
dos anos trinta do século XX que as agências fotográficas e seus serviços serão
impulsionados.

No início, as fotografias eram apenas produtos comercializados: compradas,


copiadas e distribuídas entre os clientes (veículos noticiosos) que as adquiriam.
Ainda na primeira metade do século XX, outro modo de agenciamento entra
em cena, mais centrado no serviço dos fotógrafos, na cessão de imagens para
usos determinados. Dessa forma, os fotógrafos realizavam os trabalhos de forma
mais autônoma e cediam aos veículos o uso por um determinado período, não
vendendo a imagem integralmente. Nos anos 1930, destaca-se a fundação da
agência Black Star e inicia-se o serviço fotográfico da Associated Press, segundo
Souza (2004,p.105):
Na década de 40, as agências noticiosas (news agencies) eram já uma
das principais fontes de fotografias para a imprensa. Os clientes dos

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UNIDADE Fotojornalismo como Meio de Comunicação de Massa

serviços fotográficos das agências noticiosas exigiam sobretudo apenas


uma fotografia nítida e clara por assunto. Os temas mais solicitados eram
essencialmente crimes, conflitos, desastres, acidentes, atos das figuras
públicas, cerimônias e desporto.

Agência Magnum e a Importância para o


Fotojornalismo Contemporâneo
Uma das revoluções em torno da autoria fotográfica ocorreu quando do
surgimento da Agência Magnum Photos, em 1947. Antes da fundação da famosa
agência fotográfica, compreendia-se que a propriedade dos negativos fotográficos
era do contratante e não do fotógrafo. Assim, se um fotógrafo realizasse a cobertura
fotográfica de um conflito na Ásia e tivesse suas fotos compradas por um veículo
noticioso, os negativos (a matriz pela qual se obtém as cópias fotográficas) ficavam
em propriedade do contratante, ou seja, se o fotógrafo quisesse presentear alguém
com uma de suas fotos produzidas no conflito, não poderia, pois elas seriam de
propriedade do veículo que as comprara.

No caso da Magnum, os fotógrafos eram os próprios mediadores do seu mate-


rial e passaram a reivindicar o controle dos negativos, edição das fotos em escala
mundial, a administração dos direitos autorais e também a possuir tempo necessá-
rio para a produção das pautas fotográficas. Também vinculadas ao nascimento da
agência estão a percepção humanista da fotografia por parte dos seus fundadores
e a excelência dos materiais produzidos por seus associados. No caso da primeira,
a fotografia produzida pelos sócios da empresa é autônoma em relação ao texto e
mantém uma dimensão ética clara em relação aos assuntos e aos princípios. Não
se acrescenta e não se encena nada nas imagens. Em relação à qualidade do ma-
terial produzido pela Magnum Photos, basta dizer que entre seus fundadores estão
Robert Capa (1913-1954), idealizador da associação e maior fotógrafo de guerra
de todos os tempos, David Seymour (Chim) (1911-1956), George Rodger (1908-
1995) e Henri Cartier-Bresson (1908-2004), este último considerado por pesqui-
sadores do fotojornalismo como essencial e fundamental para o desenvolvimento
da linguagem.

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Figura 6 - Robert Capa, idealizador e um dos fundadores da agência Magnum. Foto de Gerda Taro
Fonte: Wikimedia Commons

Segundo o pesquisador e professor português Jorge Pedro Souza, a Magnum


é uma das mais míticas e importantes agências de fotografia do mundo “[…] pela
qualidade fotográfica, pela fotografia de autor, pela integridade moral e humanista
dos seus fotógrafos e fotografias” (Souza, 2004, p.142). Podemos afirmar também
que a Magnum estimulou o surgimento de outras cooperativas fotográficas, como
a Sigma e a Noor Images, reverberando até hoje nos contemporâneos coletivos
fotográficos espalhados pelo mundo. Nesse sentido, mesmo tendo modelos de
negócio diferentes da Magnum, esses coletivos são influenciados pela ideia de
proteção e valorização do fotógrafo e do seu trabalho, pela excelência estética dos
trabalhos e pelo tempo de produção mais elástico, de acordo com as necessidades
do autor, e não do contratante.

Henri Cartier-Bresson e o Instante Decisivo


Henri Cartier-Bresson (1908-2004) foi um fotógrafo francês cujo trabalho
como fotojornalista foi notório no século XX. Além de ser um dos fundadores da
agência Magnum, realizou a cobertura fotojornalística de grandes acontecimentos
históricos, como a coroação do rei George VI e a morte de Mahatma Gandhi.

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UNIDADE Fotojornalismo como Meio de Comunicação de Massa

Filho de industriais burgueses, Cartier-Bresson inicia no desenho e na pintura antes


de se tornar fotógrafo. Na adolescência, aprende com seu mestre André Lhote
a ter disciplina e rigor no desenho, fato este que contribuirá para sua fotografia
rigorosamente geométrica. Com pouco mais de 20 anos, passa a fotografar
quando retorna de uma viagem à África e seu estilo de absoluta discrição em meio
à multidão faz com que seja caracterizado com um “pardal bailarino”, como afirma
o escritor Pierre Assouline na biografia sobre o fotógrafo.

Bresson se encanta com a possibilidade de carregar consigo, para todos os


cantos, sua câmera Leica, algo que funciona como um “caderno de esboços”,
pois assim ele considera a fotografia: a imagem se forma de modo discreto e
furtivo, é preciso ter habilidade para combinar e harmonizar linhas e formas. Para
o fotógrafo, as cenas acontecem rapidamente e a câmera é o instrumento ideal
para o registro de cenas velozes. Dessa forma, cabe ao fotógrafo caminhar com
passos de anjo. Segundo ele, a fotografia é como a pescaria, pois não se pode
“fustigar a água no momento de pescar o peixe” (Assouline, 2006).

Preso pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial e já considerado morto


pelos amigos fotógrafos (sendo até organizada em sua memória uma exposição
póstuma), Cartier-Bresson teve uma vida inquieta. Pouco depois de fundar a
Magnum, o fotógrafo francês vai à União Soviética na década de 1950, sendo o
primeiro fotógrafo ocidental a pisar em solo comunista e a fotografar livremente.
Em 1952, o francês publica seu mais afamado livro Images à la Sauvette, traduzido
erroneamente para o inglês como The decisive moment. Em português, a obra
saiu como “o instante decisivo”. Mas afinal, qual é o problema da tradução?

A partir da tradução dos originais em francês, a ideia era dimensionar o ato


fotográfico, em especial no fotojornalismo, como um momento único, ou seja, ao
fotógrafo caberia executar (capturar) em um só golpe com a câmera fotográfica um
momento único e irrepetível. A ideia viria a calhar muito bem para o fotojornalismo
que havia se desenvolvido sob o imperativo da velocidade, rotinas produtivas no
jornalismo e também sob as batalhas em diferentes guerras. De acordo com esse
conceito, a partir da tradução, o fotojornalista seria uma espécie de arqueiro zen,
que calmamente espera a cena acontecer na sua frente e a registra certeiramente,
sabendo que aquele momento jamais se repetirá. Carter-Bresson, no entanto, não
concorda com essa dimensão irrepetível das cenas, e pior: ele afirma em coletâneas
de entrevistas publicadas no livro Ver é um todo, que jamais falou isso, mas apenas
retirou de uma citação de um livro que apreciava.

O conceito de The decisive moment, no entanto - usado como uma estratégia


do editor americano de Bresson para atrair mais o público - pegou, e passou a ser
repetido exaustivamente por grande parte da literatura fotográfica, somente agora
passando a ser apreciado mais de acordo com a visão de Bresson.

Segundo Pierre Assouline (2006, p.252), biógrafo do fotógrafo francês, a


essência não estava no “decisivo”, mas sim no que lhe era “dado” ao acaso (à
la sauvette), no momento do clique. “[...] Ele enquadrava as formas e buscava a

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organização dos elementos para que o resultado final fosse uma combinação dessas
duas coisas, vista por ele como o instante sublime do acaso”. No livro O imaginário
segundo a natureza, Cartier-Bresson reafirma a essência do conceito que ficou
conhecido como instante decisivo, de imensa importância para o fotojornalismo.
Eu andava o dia inteiro com o espírito alerta, procurando nas ruas a
oportunidade de fazer ao vivo fotos como de flagrantes delitos. Tinha
sobretudo o desejo de capturar numa só imagem o essencial da cena que
surgisse (CARTIER-BRESSON, 2004, p.16).

Ou seja, as ideias de Cartier-Bresson sobre a fotografia, e por extensão, ao


fotojornalismo, passam pela concepção de que ao fotógrafo, cabe organizar os
elementos na cena de forma geométrica e harmônica e esperar por um momento
mais significativo da cena. Aquele momento em que há harmonia de formas que
farão o espectador compreender a imagem por si só, pela sua força contundente
de sugestão de significados.

Essa compreensão da fotografia como mídia jornalística, como já dissemos,


passa a ser disseminada a partir dos anos 1950, em um momento em que a
fotografia se caracteriza como um dos principais meios de comunicação de massa.
Assim, junto ao surgimento da televisão, a fotografia disseminada pela mídia possui
grande força de persuasão dos espectadores e, tanto a fotografia se amplia como
força narrativa, quanto os fotógrafos se organizam e lutam por seus direitos e por
melhorias no trabalho.

Discutiremos na próxima unidade as relações que o fotojornalismo vai estabelecer


com outras áreas fotográficas como a publicidade, e o modo como a televisão o
influencia. Também abordaremos a forma como essas relações provocam uma
crise no fotojornalismo.

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UNIDADE Fotojornalismo como Meio de Comunicação de Massa

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Magnum Photos
Agência fotográfica Magnum.
https://goo.gl/AXIBnY
Magnum Photos
Fotos de Robert Capa.
https://goo.gl/OJjjyp

Vídeos
The Camera at War - Vietnam - BBC Documentary about war photographers in the Vietnam War
Sobre o trabalho de fotógrafos da Guerra do Vietnã.
https://goo.gl/Fd844A

Leitura
Agência Magnum: 70 anos de fotografia expostos em Nova York
Para saber mais sobre a importância da agência fotográfica Magnum e verificar
exposições em comemoração ao seu aniversário de 70 anos.
https://goo.gl/F7PbvB

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Referências
ASSOULINE, Pierre; Cartier-Bresson. O olhar do século. Tradução de Julia da
Rosa Simões. Porto Alegre: L&PM editores, 2008.

BRESSON, Henri Cartier. O imaginário segundo a natureza. Tradução de Renato


Aguiar. 1ed. São Paulo: Gustavo Gilli, 2004.

CHÉROUX & JONES. Ver é um todo: entrevistas e conversas 1951-1998.


Tradução de Julia da Rosa Simões. 1ed. São Paulo: Gustavo Gilli, 2015.

FREUND, Gisèle. Fotografia e sociedade. Lisboa: Vega, 1989.

ROUILLÉ, Andre. A fotografia entre documento e arte contemporânea. São


Paulo: Senac, 2009.

SOUSA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental.


Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004.

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