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DOSSIÊ 3
conceito amplo e possibilidades metodológicas
Alisson Droppa*
Magda Barros Biavaschi**
Marilane Oliveira Teixeira***
2020). Os reflexos nas negociações coletivas e organização coletiva, criando-se ambiente pro-
nos direitos conquistados são decorrências. No pício para que uma onda conservadora tome
conta do imaginário popular (Oliveira, 1996).
* Universidade Estadual de Campinas.
Rua Cora Coralina, 100 – Cidade Universitária Zeferino A pandemia decorrente da expansão da
Vaz. Barão Geraldo. Cep: 13083-896. Campinas – São Pau- COVID – 19 chegou oficialmente no Brasil em
lo – Brasil. alissondroppa@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-6568-9871 março de 2020, escancarando as fragilidades
** Universidade Estadual de Campinas.
Rua Cora Coralina, 100 – Cidade Universitária Zeferino dos arranjos internacionais do capitalismo e as
Vaz. Barão Geraldo. Cep: 13083-896. Campinas – São Pau- históricas desigualdades que costuram o tecido
lo – Brasil. magdabia@terra.com.br,
https://orcid.org/0000-0002-4175-5229 social brasileiro, aprofundando-as. Em meio a
*** Universidade Estadual de Campinas esse cenário, em 16 de junho de 2020a página
Rua Cora Coralina, 100 – Cidade Universitária Zeferino
Vaz. Barão Geraldo. Cep: 13083-896. Campinas – São Pau- de internet do Supremo Tribunal Federal, STF,
lo – Brasil. mari@uol.com.br,
https://orcid.org/0000-0003-0246-9147 noticiou o julgamento virtual de duas Ações
https://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.45060 1
A TERCEIRIZAÇÃO NO CONTEXTO DA REFORMA TRABALHISTA...
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Alisson Droppa, Magda Barros Biavaschi, Marilane Oliveira Teixeira
mas de contratar, de definir a jornada e a remu- cais). Nessa caminhada, a força normativa da
neração. Nessa démarche, os direitos conquis- constituição é abalada e direitos são atingidos,
tados e as instituições aptas a concretizá-los inclusive pela via da interpretação. Para alguns
são entraves a serem eliminados. autores, vivem-se tempos em que o estado é
Nas décadas de 1980 e 1990, a livre cir- capturado pelos interesses das grandes corpo-
culação mundial do capital financeiro tornou- rações internacionais e das finanças (Belluzzo;
-se predominante. A riqueza financeira passou Galipolo, 2017). Em regra, opondo as transfor-
a se movimentar “livremente” para países ga- mações organizacionais e tecnológicas à re-
rantidores de mais rentabilidade, invadindo dução de empregos, os debates apresentam as
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Pela constitucionalidade Ministros: Gilmar Mendes, Ale-
xandre de Moraes, Carmen Lúcia, Luiz Fux, Barroso, Dias 6
Essas considerações estão presentes no Relatório Cientí-
Toffoli e Celso de Mello. Vencidos Ministros: Marco Auré- fico Parcial da pesquisa “A Justiça do Trabalho e a Terceiri-
lio, Fachin, Lewandowski e Rosa Weber. zação”, encaminhado à FAPESP em 30 de outubro de 2008.
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novas formas de uso da força de trabalho como meno se apresenta no mundo do trabalho, mui-
inevitáveis, entre elas a terceirização, refor- tas vezes de forma burlada (Biavaschi; Santos;
çando-se a ideia de que a liberação das forças Droppa, 2014; Biavaschi, Teixeira, 2015), bem
que impulsionam a acumulação de capital é como de uma metodologia que considere essas
um movimento “natural” e “irreversível” em complexidades para que melhor se possa me-
direção ao progresso e à autonomia dos indiví- di-la (Biavaschi; Teixeira, 2018). É verdadeiro
duos (Belluzzo, 2013, p.33). que as dificuldades de conceituar a terceiriza-
A ênfase nos contratos individuais ção e de medir seus impactos no mercado de
como fonte prevalente da produção das nor- trabalho são anteriores às duas leis de 2017
mas trabalhistas e a introdução, por exemplo, citadas. No entanto, a ampliação de seu uso e
do “autônomo exclusivo” (em regra, relação de das formas burladas trouxeram maios comple-
emprego disfarçada), do contrato intermiten- xidades e dificuldades, demandando redobra-
te, da terceirização irrestrita, inserem-se nessa dos esforços para a superação.
complexidade. O argumento é o de que a “rigi-
dez” da legislação impede os investimentos, a
retomada da economia e a geração de empre- O que é terceirização - conceito
gos (Biavaschi; Teixeira, 2018). Fundamentada
em falsas ideias, a reforma trabalhista brasi- A terceirização,7 uma das formas de con-
leira de 2017 legitimou acordos individuais e tratar que mais avançou no Brasil a partir dos
coletivos redutores de direito (Biavaschi, 2005; anos1990 é, hoje, prática corrente em quase to-
Biavaschi, 2007). Os resultados não têm sido dos os segmentos econômicos, nas esferas pú-
bons. O desemprego aumentou, os salários e blica e privada. Há terceirização sempre que
as condições de trabalho e de segurança foram um terceiro irrompe o binômio empregado x
rebaixados. A fragilização das organizações empregador, podendo se expressar tanto em
sindicais impacta de forma negativa as nego- situação interna quanto externa ao contrato
ciações coletivas, realidade que a ampliação de trabalho (Basualdo; Morales, 2014; Uriarte,
da terceirização para quaisquer atividades não 2006). Em regra, é uma estratégia das empresas
tratou de melhorar. para reduzir custos, partilhar riscos e aumen-
tar a flexibilidade organizacional, trata-se de
uma técnica de gestão. Segundo Krein (2007),
A TERCEIRIZAÇÃO: conceito e pode ser encontrada, por exemplo, na contra-
metodologia de medição tação de: redes de fornecedores com produção
independente; empresas especializadas de
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Nessa dinâmica, chega-se a presenciar zado. E é para se dar conta dessa complexidade
o fenômeno da terceirização da terceirização, que se precisa abordá-la de forma ampla, nas
quando uma empresa terceirizada subcontrata concepções internas e externas ao contrato de
outras ou outro, ou da quarteirização, com con- trabalho, em diferentes atividades econômicas
tratação de empresa com função específica de e ocupações, podendo, também, estar presen-
gerir contratos com as terceiras, formas essas, te nas figuras dos “empreendedores”, dos tra-
aliás, muito discutidas judicialmente. A tercei- balhadores “por conta própria”, nos informais,
rização pode estar encoberta por contratos de nos trabalhadores em plataformas digitais.
aparente natureza civil ou comercial, como os Trabalho elaborado10 no Centro de Es-
contratos de arrendamento, de fomento, fac- tudos Sindicais e de Economia do Trabalho,
ção, correspondentes bancários e, mais recen- CESIT/IE, objetivou quantificar o trabalho ter-
temente, também no setor bancário, as Franqs. ceirizado no país. Esse estudo faz referência
Supostamente via de oportunidade destinada a à Pesquisa da Atividade Econômica Paulista,
ex-bancários “empreendedores”, essas Franqs, PAEP/1996, que demonstra que 96% das em-
ao lado dos correspondentes,8 têm contribuí- presas industriais que desenvolviam serviços
do para fragmentar a categoria e aprofundar a especializados de assessoria jurídica contra-
concentração bancária. Ainda, pode-se encon- tavam o serviço de terceiros, quer de forma
trar formas burladas de terceirização no dis- parcial ou integral. E, ainda, que 75% das em-
seminado loca-loca das plataformas digitais. presas industriais que prestavam serviços de
Dessa forma, as expressões da terceirização, já processamento de dados e desenvolvimento de
presentes nas relações de trabalho, ganharam software na região metropolitana de São Paulo
nova dimensão tanto com a reforma trabalhis- terceirizavam o serviço. O estudo refere, tam-
ta, que a ampliou para quaisquer atividades e bém, à Pesquisa Nacional por Amostra de Do-
etapas do processo de trabalho, quanto com micílios, PNAD, realizada pelo Instituto Brasi-
o “capitalismo de plataformas”, sobretudo na leiro de Geografia e Estatística - IBGE entre os
pandemia quando o trabalho via plataformas anos de 1995 e 2004, cujos dados demonstram
digitais ganhou grande dimensão. que, considerado o total da ocupação no perío-
Uma das dificuldades para conceituar a do, os postos de trabalho terceirizados formais
terceirização pode estar na multiplicidade pe- foram os que mais cresceram.
las quais aparece no mundo do trabalho, bem Mas além de um conceito amplo de ter-
como na liberação irrestrita de seu uso. Libe- ceirização que incorpore as novas formas de
ração essa que a reforma trabalhista tratou de uso da força de trabalho é, também, necessário
legalizar, retirando os freios colocados pela Sú- um esforço para se buscar uma metodologia
mula nº 331/93 do TST,9 permitindo que os em- que permita medi-la com mais precisão, desa- Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-14, e021030, 2021
pregadores definam o que e como será terceiri- fio que demanda aprofundamento dos estudos.
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gência. Daí ser necessário recorrer a diferentes balho têm origem: nos registros administrati-
metodologias para que se possa ter um balanço vos do Ministério da Economia – ME; na Rela-
mais aproximado sobre sua extensão, especial- ção Anual de Informações Sociais – RAIS; no
mente diante de sua ampliação para quaisquer Cadastro Geral de Empregados e Desemprega-
atividades. Nesse sentido, busca-se identificar dos – CAGED; nas pesquisas domiciliares do
suas distintas manifestações e discutir as pos- IBGE; no Censo demográfico; e, na Pesquisa
sibilidades metodológicas que mais nos apro- Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD
ximem desse fenômeno. que, desde 2012, substituiu a PNAD anual.
As pesquisas sobre terceirização se in- A RAIS mede o estoque de emprego for-
tensificaram no Brasil a partir dos anos 1990, mal ao final de cada ano e o CAGED a movimen-
em contexto de forte expansão dessa modali- tação mensal (admitidos e desligados). Para am-
dade, sobretudo a partir da Súmula nº 331/93 bos, está disponível um conjunto de variáveis
do TST, já referida. Contudo, esses estudos se que permitem identificar o número de trabalha-
mantinham circunscritos às análises setoriais dores por atividade econômica (Classificação
dada à ausência de dados estatísticos e ao fato Nacional de Atividades Econômicas – CNAE)
de que, mesmo para os setores em que a tercei- e grupamento ocupacional (Classificação Brasi-
rização era permitida, nem todas as atividades leira de Ocupações – CBO) todos desagregados,
eram terceirizadas. Enquanto isso, a terceiri- bem como os tipos de vínculos. Entretanto, es-
zação avançava, sendo tratada, forma pouco sas duas fontes não dispõem de variáveis que
crítica, como parte do fenômeno de desverti- permitam identificar se o trabalho é realizado
calização das plantas industriais e descentra- na condição de prestação de serviços para uma
lização dos processos produtivos. Os próprios tomadora. Mesmo assim, aproximações são
ganhos de produtividade eram atribuídos, por possíveis desde que se saiba quais são as ativi-
alguns autores, à externalização de parte da dades tipicamente terceirizáveis.
produção, elevando artificialmente a relação Até a aprovação da Lei nº 13.429/17,
produto/número de horas trabalhadas (Consi- a contratação de serviços na via triangular
dera; Valadão, 1995). era circunscrita ao: trabalho temporário (Lei
O tema ganhou visibilidade nos anos nº 6.019/74); serviços de vigilância (Lei nº
2000, sobretudo em face de projetos de lei em 7.102/83) e de conservação e limpeza; serviços
andamento que tratavam de ampliá-la irrestri- especializados ligados à atividade-meio do to-
tamente. Na prática, a terceirização já avança- mador, desde que inexistente a pessoalidade e
ra para os setores industriais e, em parte, nos a subordinação direta, vedada nas atividades-
processos produtivos desde a década anterior, -fim. Esse entendimento foi incorporado pela
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seja por meio da contratação de prestadoras de Súmula nº 331 que, em dezembro de 1993, se
serviços ou por Pessoa Jurídica - PJ, em geral sobrepôs ao do Enunciado nº 256/1986 que, na
empregados despedidos e contratados nessa prática, coibia as terceirizações. Para esse con-
modalidade. Mas as limitações estatísticas não junto de atividades há na RAIS/CAGED com as
permitiam medir com segurança sua amplitu- seguintes descrições: i) temporários (tipo de
de. As estatísticas oficiais, principais instru- vínculo); ii) serviços de vigilância (CNAE 801
mentos disponíveis, não captam essas novas e 802); iii) conservação e limpeza (CNAE 811
expressões. Nesse sentido, as dificuldades e 812); iv) outras atividades de serviços pres-
para conceituar a terceirização antes focadas tados às empresas (CNAE 829); v) locação de
também se expressam em se adotar metodolo- mão de obra temporária (CNAE 782); vi) se-
gia que permita melhor medir seu avanço. leção e agenciamento de mão de obra (CNAE
As estatísticas oficiais brasileiras que 781); vii) fornecimento e gestão de recursos
medem o comportamento do mercado de tra- humanos para terceiros (CNAE 783).
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do essa metodologia, 25,5% dos assalariados uma vez que a legislação citada alterou as con-
com vínculos formais registrados pela RAIS dições de contratação do trabalho temporário,
em 2010 eram terceirizados (10,87 milhões de ampliando seu prazo de 90 para 180 dias, po-
pessoas). Os resultados para os anos seguintes dendo chegar a 270 dias, e o estendendo para
apresentaram pouca alteração: 25,5% (2013) e todas as atividades.
23,4%(2018) (DIEESE, 2011). Dentre os esforços para estimar o com-
Outra maneira de captar, via registros portamento da terceirização, cita-se metodo-
administrativos, é pela RAIS identificada.11 logia proposta por Filgueiras para os registros
Conhecendo-se a prestadora de serviços e a to- administrativos, o CAGED (Filgueiras; Caval-
11
A RAIS identificada permite desagregar o dado por em- 12
Essa pesquisa analisou o perfil do emprego das princi-
presa por meio do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica pais empresas do setor aéreo brasileiro e as prestadoras de
- CNPJ serviços para as mesmas ocupações.
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A TERCEIRIZAÇÃO NO CONTEXTO DA REFORMA TRABALHISTA...
cante, 2015), baseada no cruzamento de se- metodologia com base nos dados da RAIS re-
tores econômicos em que as empresas se en- ferentes ao ano de 2013, buscando identificar
quadram, CNAE, com as ocupações, CBO, con- terceirizados a partir de outras informações.
tratadas em cada setor (Krein; Oliveira, 2019). O primeiro passo do autor foi separar os que
Seguindo essa metodologia, adaptada para os normalmente atuam em atividades terceiriza-
anos de 2017 e 2019, selecionou-se o estoque das e, após consulta realizada junto ao Sin-
para os dois anos e o saldo para a CNAE95 Se- dicato dos Trabalhadores Terceirizados, algu-
ção. A CNAE “atividades imobiliárias, alugueis mas profissões/ocupações foram descartadas
e serviços prestados às empresas” foi a que e outras acrescidas, compatibilizadas com a
mais cresceu, gerando 285.474 novos empre- CBO e comparadas de acordo com a CNAE. A
gos, ou seja, 44,6% do total de empregos entre classificação com trabalhadores terceirizados
2017 e 2019. A partir desse resultado, foram foi realizada mediante atuação em setores de
identificadas ocupações com maior incidência fornecimento de serviços para outras empresas
em 2019 e que, ao mesmo tempo, apresentam ou locação de mão-de-obra.
maior evolução entre 2017 e 2019. Os dados O autor considerou não terceirizados os
assim obtidos estão na Tabela 01, que mostra que atuam diretamente para a empresa contra-
as ocupações mais destacadas: trabalhadores tante ou são donos de seu negócio. Resultado:
em serviços de manutenção de edificações; 58 ocupações distribuídas em 31 atividades
vendedores e demonstradores em lojas ou mer- econômicas. A partir da base de dados por seg-
cados; vigilantes e guardas de segurança; escri- mento de serviços, o autor chegou ao percen-
turários em geral; gerentes de marketing; co- tual de 21,3% de terceirizados sobre o total de
mercialização e vendas; analistas de sistemas ocupações selecionadas. Ou seja, para cada 10
computacionais; almoxarifes e armazenistas; trabalhadores naquela ocupação dois estavam
porteiros, guardas e vigias, ajudantes de obras em atividades tipicamente terceirizáveis. Em
civis, recepcionistas, como se pode ver: três CNAES concentrava-se 56,5% das ocupa-
Belchior (2018) no artigo: A terceiriza- ções: vigilância e segurança privada; serviços
ção precariza as relações de trabalho? O im- combinados para apoio a edifícios, exceto con-
pacto sobre acidentes e doenças, desenvolveu domínios prediais e limpeza em prédios e em
domicílios, comparação com o período ante-
Tabela 1 - Saldos registrados no CAGED, na Seção da
CNAE “Atividades Imobiliárias, Aluguéis rior a reforma (2016 -2018), os serviços com-
e Serviços Prestados às Empresas”, distribuídas binados para apoio a edifícios cresceu 27% e
por Famílias da CBO – nov/2017 a
dez/2019 – Brasil serviços combinados de escritório e apoio ad-
ministrativo, 35%.
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Total (%)
É importante destacar que a metodolo-
Trabalhadores nos serviços de ma- 54.872 19,2% gia do autor foi construída com base em infor-
nutenção de edificações
Escriturários em geral, Agentes, 52.616 18,4% mações coletadas junto aos sindicatos o que
Assist. e Aux. Administrativo
Vendedores e demonstradores em limita o espectro dos trabalhadores terceiriza-
33.851 11,9%
lojas ou mercados
Analistas de sistemas computacio-
dos aos representados pelas próprias entidades
17.939 6,3%
nais consultadas, restringindo sua amplitude como
Porteiros, Guardas e Vigias 13.942 4,9% demonstram os resultados alcançados: em tor-
Ajudantes de obras civis 13.895 4,9% no de 3,6 milhões de trabalhadores terceiriza-
Recepcionistas 11.899 4,2% dos em 2013. Resultados que, aliás, sofreram
pouca alteração na comparação com 2018.
Subtotal 199.014 69,7%
Ademais, o autor retira da condição de tercei-
Total 285.474 100,0%
rizados os donos de seus próprios negócios,
Fonte: CAGED – Secretaria do Trabalho/Ministério da Economia muitas vezes empregados burlados.
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Tabela 2 - Trabalhador por conta própria de 14 anos ou mais de idade por local de realização do trabalho
(Brasil, 2012 a 2019) em %
expressando práticas de terceirização, com lares no trabalho formal. Essas linhas de pes-
serviços que podem ser realizados interna ou quisa podem ser desenvolvidas com base nas
externamente ao contrato e ao ambiente de informações disponíveis, enfatizando que se
trabalho. A desagregação por grupamento de trata de aproximações, já que não se dispõe de
atividades e ocupações podem ajudar a iden- estatísticas específicas; e as metodologias que
tificar a presença de trabalho terceirizado dis- se tem, embora importantes, são insuficientes
farçado por essas formas, na comparação com por não incorporarem o fenômeno em toda
contratos formais, e avaliar possíveis movi- sua extensão. Nesse sentido, os diálogos com
mentações entre os trabalhos com registro e os os institutos de pesquisa têm avançado lenta-
trabalhadores “por conta própria”, inclusive na mente. Talvez fosse importante se pensar em
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presença ou não de empresa (com CNPJ) e con- perguntas para a PNAD, o IBGE, que possam
tribuição previdenciária. Aliás, chama a aten- identificar os locais da contratação e da rea-
ção o crescimento de 30,1% entre 2017 e 2020 lização do trabalho, os diferentes comandos e
dos “por conta própria” com CNPJ. Destes, o de quem provém. Mas há dificuldades nessa
crescimento da contribuição previdenciária elaboração. A própria Organização Interna-
foi de 30.3%. Esse quadro de maior legalidade cional do Trabalho – OIT, na 19a Conferência
no trabalho “por conta própria” pode sinalizar sobre estatísticas do trabalho, emprego e tra-
para atividades/ocupações “pejotizadas”. balho subutilizado (ICLS), realizada no ano de
O refinamento dessa análise pode es- 2013, quando atualizou as fronteiras do que é
tar no aprofundamento de estudos que iden- considerado trabalho, não considerou a possi-
tifiquem, no trabalho por conta própria com bilidade de recomendar aos países que se in-
CNPJ, as ocupações que mais cresceram no cluísse a terceirização. A aprovação irrestrita
período, comparando-as com ocupações simi- da terceirização por meio da Lei nº 13.429/17
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ampliou, ainda mais, as dificuldades para sua tos econômicos após a aprovação da Lei nº
mensuração, eis que atividades consideradas 13.429/17, e que a prática continua circunscrita
finalísticas poderão ser terceirizadas, inclusive aos setores e segmentos anteriores à legislação
por meio de empresas que atuam em diferen- de 2017. Seus resultados também podem indi-
tes segmentos econômicos. Da mesma forma, a car que a contratação de serviços por meio de
inclusão do “autônomo exclusivo” pela refor- PJ´s, MEI ou trabalho “autônomo” ganha força
ma trabalhista contribuiu para sua ampliação, entre as novas modalidades de contratação pro-
transformando contratos a prazo indetermina- piciadas pela Lei nº13.429/17, o que dificulta a
do em PJ´s, MEIs e autônomos, o que as medi- ação dos sindicatos, na medida em que a pres-
ções antes indicadas não são capazes de cap- tação de serviços poderá estar sendo realizada
tar. A forma mais eficiente de medir é por meio fora do âmbito das empresas e, portanto, de
dos questionários, ajustando-os a essa nova mais difícil fiscalização e de busca de regula-
realidade, e por meio de pesquisas setoriais mentação por parte das entidades sindicais.
que, embora necessárias e que precisam ser
estimuladas, só captam uma parte do fenôme-
no. Importante também é se buscar analisar CONSIDERAÇÕES FINAIS
nos acordos coletivos disposições normativas
envolvendo o fenômeno da terceirização. A avalanche neoliberal que chegou à
América Latina na década de 1990, resistida
em muitos de seus aspectos, voltou a produ-
Terceirização e organizações sindicais: zir efeitos. Após 2016, sobretudo, reformas de
resistências e conquistas coletivas corte ultraliberal, fundamentadas em rígido
programa de ajuste fiscal, foram encaminhas.
A análise de um conjunto de instrumen- Muitas delas aprovadas pelo Parlamento a par-
tos coletivos dos anos de 2016 e 2019 (Teixeira, tir de promessas, como: melhorar a competiti-
2021) sugere que a autorização da terceirização vidade, gerar empregos, promover a retomada
irrestrita e a ampliação do contrato temporário da atividade econômica e recuperar investi-
foi absorvida por esses instrumentos de forma mentos produtivos.
moderada, já que a ampliação entre 2016 e 2019 No caso da reforma trabalhista, ao argu-
foi de 2% para uma amostra de instrumentos mento de assegurar segurança jurídica, atingiu
analisados. Essa expansão moderada sugere, de as instituições públicas e, no caso da terceiri-
um lado, que a prática já vinha sendo adotada zação, postou-se na contramão da Súmula nº
largamente, mesmo com as restrições da lei. Por 331/93 do TST que definiu limites a essa forma
outro lado, sua efetivação parece estar ocorren- de contratar. Além de transtrocar a fonte dos Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-14, e021030, 2021
do sem a participação sindical e, daí, deduzem- direitos dos trabalhadores, atribuindo preva-
-se dois movimentos distintos: 1) a terceirização lência aos contratos individuais, essa reforma
como forma de contratação e estratégia empre- legitimou formas de contratar até então con-
sarial foi incorporada pelo sindicalismo e, por- sideradas fraudulentas e ampliou a terceiriza-
tanto, não há como resistir; e, 2) a incapacidade ção para quaisquer atividades. Essa ampliação,
de o movimento sindical impor pauta mais re- aprofundando a cisão da classe trabalhadora,
ativa à terceirização. Ou os dois processos de impactou negativamente suas organizações e,
forma simultânea, na linha das considerações por decorrência, as negociações coletivas.
de Belluzzo (2013) quanto à inevitabilidade O texto mostra que, para melhor se com-
(a-histórica, portanto) do fenômeno. preender da terceirização, é importante abar-
Os resultados da pesquisa também apon- cá-la nas complexidades pelas quais aparece
tam que não houve adesão de novos segmen- no mundo do trabalho. A partir de exemplos
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Alisson Droppa, Magda Barros Biavaschi, Marilane Oliveira Teixeira
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A TERCEIRIZAÇÃO NO CONTEXTO DA REFORMA TRABALHISTA...
This paper is based on researches conducted L’article, basé sur des recherches menées dans le
at CESIT/Unicamp and brings to the light the cadre du CESIT/Unicamp, amène à la discussion
need to adopt a broad concept for outsourcing, la nécessité d’adopter une conception large de
covering its internal and external aspects, the ones l’externalisation qui englobe ses aspects internes et
that are expressed and also the mocked ones. We externes, exprimés et moqués, ainsi que l’importance
discuss about the need to develop a methodology de chercher à construire un méthodologie qui
that allows a better and broader way to measure permet de mieux et plus largement mesurer
this form of hiring. Therefore, we approach some cette forme d’embauche. Pour ce faire, il aborde
forms of measurement, suggesting a combination certaines des formes de mesure, en suggérant une
of initiatives to map them. We also discuss the combinaison d’initiatives pour la cartographier. Il
impacts of outsourcing as approved by Brazil’s aborde également les impacts de l’externalisation
Labor Reform, with no limits to any activity, which approuvée par la réforme du travail brésilienne
enlarges the difficulties to measure it, creating even sans limites sur aucune activité, augmentant les
bigger challenges for developing this methodology. difficultés pour sa mesure, apportant de plus grands
From a set of instruments collected between the défis dans la recherche de la construction de cette
years 2016 and 2019, we analyze how outsourcing méthodologie. Aussi, sur la base de l’analyse d’un
has been treated by this instruments, which suggests ensemble d’instruments collectifs des années 2016
that unrestricted outsourcing and their enlargement et 2019, il analyse comment l’externalisation était
with temporary contracts, has been absorbed in traitée par ces instruments, suggérant même que
these negotiations. l’externalisation sans restriction et son expansion
dans le contrat temporaire ont été absorbées dans
ces négociations.
Alisson Droppa – Doutor em História Social do Trabalho. Trabalha com temas relacionados à
terceirização dos serviços na América Latina, especialmente sobre as ações encaminhadas ao poder
judiciário trabalhista. Publicou, entre outros textos, o livro: Direitos trabalhistas: legislação, justiça do
trabalho e trabalhadores no Rio Grande do Sul (1958- 1964). 1. ed. Curitiba: Editora CRV.
Magda Barros Biavaschi – Doutora em Economia Aplicada pelo Instituto de Economia da UNICAMP.
Professora do CESIT e do IFCH da Universidade Estadual de Campinas. Publicou, entre outros textos,
o livro: O direito do trabalho no Brasil 1930-1942: construindo o sujeito de direitos trabalhistas. 01. ed.
São Paulo: LTR, 2007
Marilane Oliveira Teixeira – Doutora em Ciências Econômicas pela UNICAMP. Pós doutoranda pelo
CESIT/UNICAMP. Suas mais recentes publicações são: BIAVASCHI, Magda; TEIXEIRA, Marilane O.;
DROPPA, Alisson. A importância do sistema público de regulação do trabalho: impactos da reforma
trabalhista em diálogo com a economia e o direito”. In: Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Século
XXI, Gabriela Neves Delgado (Org.), LTr, São Paulo, 2020; O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017)
[livro eletrônico]: v. 1. Org. José Dari Krein [et al.]. São Paulo: Cesit – Centro de Estudos Sindicais e de
Economia do Trabalho, 2021.
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