Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
interpretação que se faz do mundo, aos valores de referência e à identidade
(Berger e Luckmann, 2004).
2
intensificação de relações sociais em termos mundiais, podendo as ocorrências
num local ser influenciadas por acontecimentos distantes (Giddens, 1990).
Nas sociedades modernas predomina o modelo económico capitalista
assente no desenvolvimento industrial, em conhecimento e inovação tecnológica,
factores que permitiram aumentar a produção de bens e favorecer o consumo,
fomentando a alteração das categorizações dos grupos e dos estatutos sociais
devido à mobilidade simultaneamente espacial e social. Assiste-se também a um
forte crescimento populacional e a movimentos migratórios em que os indivíduos
se concentram sobretudo em aglomerados populacionais perto de cidades,
contribuindo para a mudança de fisionomia nos espaços físicos, com a
generalização de modelos urbanísticos mais ou menos semelhantes,
independentemente do espaço físico ou geográfico onde se formam (Fortuna,
1997).
Outra característica importante das sociedades modernas é o aumento
crescente de informação disponível sobre os vários domínios da vida social que
leva à difusão de saberes que se vão universalizando pela fácil acessibilidade,
principalmente devido aos meios de comunicação de massa. Nos contextos
modernos, as mudanças ocorrem rapidamente e, de um modo geral, em várias
dimensões em simultâneo, sendo particularmente visíveis nas formas de
comunicação que vão desde as diversas modalidades terrestres de mobilidade
geográfica (transportes, vias de comunicação terrestre, aérea e marítima) até às do
desenvolvimento informático (Berger e Luckmann, 2004), nomeadamente
comunicação em rede (Internet) que liga quase instantaneamente diversas partes
do planeta, sendo possível rapidamente aceder a informação sobre locais distantes,
muito para além da sociedade em que se vive.
As rápidas alterações verificadas tiveram impacto nas mentalidades e
criaram nos indivíduos a necessidade de fazer novas aprendizagens que os
capacitem para conhecer e dominar novos códigos simbólicos de leitura da
realidade social e compreensão desta sociedade da informação (Castells, 2003).
Deste modo, para viver segundo as exigências impostas por este novo tipo de
3
sociedade, torna-se cada vez mais necessário realizar uma frequência escolar
obrigatória e prolongada, estruturada em vários níveis de ensino, em múltiplas
formações profissionais para satisfazer a necessidade individual de adquirir
informação, mas também para integrar o mercado de trabalho cada vez mais
exigente e diversificado.
A tendência para a universalização da escrita é outra característica
importante da modernidade com a imposição crescente da escolaridade
obrigatória que faz com que exista mais apropriação de conhecimento e possibilita
o exercício de reflexividade sobre a vida social. As práticas sociais passam a ser
examinadas e reformuladas à luz da informação adquirida sobre essas mesmas
práticas, constituindo o que Giddens (1995) designa por capacidade de
reflexividade social que consiste na reflexão do indivíduo sobre a sua sobre acção,
suporte para a tomada de decisões e opções de vida.
O desenvolvimento da modernidade assenta, portanto, na concepção de
liberdade individual para fazer opções culturais o que abre espaço para o
despontar de novas identidades (étnicas, de género, etc.) e novos estilos de vida
heterogéneos – o que Berger e Luckmann designam por “pluralismo moderno”.
Para estes autores, “modernidade significa um aumento quantitativo e qualitativo
de pluralização” (2004:49). A questão da pluralidade cultural relaciona-se
directamente com o poder (económico, social ou simbólico) que não está
equitativamente distribuído e, por isso, contribui para a formação de novas formas
de diferenciação social onde cada grupo social desenvolve estratégias de defesa e
tenta auto-preservar-se impedindo a entrada de elementos exteriores.
Neste contexto de pluralismo, o indivíduo pode movimentar-se e fazer
escolhas (Berger e Luckmann, 2004: 40), ou seja, passa a ser ele “quem escolhe
os laços sociais” (Kaufmann, 2003: 263). A liberdade de escolha a que o
indivíduo passa a ter acesso faz parte das características fluidas da modernidade
ou da tendência para liquidificar o que tradicionalmente era sólido, resistente ao
tempo, com particular incidência para o passado e a tradição (Bauman, 2001).
Para Bauman, os primeiros sólidos a derreter foram as lealdades tradicionais e os
4
direitos baseados nos costumes e obrigações, por restringirem iniciativas na
tentativa de “esmagamento da armadura protectora forjada de crenças e lealdades
que permitiam que os sólidos resistissem à liquefação” (2001: 9). Para criar uma
nova ordem social impunha-se o “derreter os sólidos” (p.10), ou seja, a
modernidade exigia a correcção dos “defeitos” tradicionais para a criação de
novos sólidos baseados na racionalidade e nas capacidades do indivíduo.
A expansão da sociedade moderna à escala planetária gera relações entre
centro e periferia traduzidas em diferenciações entre as regiões mais ou menos
industrializadas do mundo (Giraud, 1998). Coexistem países muito avançados
tecnologicamente e ricos com outros caracterizados pela pobreza da sua
população, sem auto-suficiência em termos de produção e de consumo, fazendo
com que se tornem dependentes dos países ricos. Dentro de cada país existem
desigualdades entre os indivíduos do “centro” (mais ricos) e os mais pobres
(“periféricos”).
As desigualdades, seja entre membros de um mesmo país ou entre diferentes
países, têm subjacente o poder que se expressa em relações sociais hierarquizadas.
As sociedades capitalistas são formações ou configurações políticas constituídas
por quatro modos básicos de produção de poder (a família, as relações de
produção económica, a relação entre a esfera pública e o Estado e as relações
económicas internacionais) que, embora inter-relacionados, são estruturalmente
autónomos. Santos (1994), distingue também nas sociedades capitalistas quatro
espaços (que também são tempos) estruturais: o espaço doméstico, o espaço de
produção, o espaço de cidadania e o espaço mundial, constituindo um feixe de
relações sociais paradigmáticas – cada espaço estrutural é um fenómeno complexo
constituído por cinco componentes elementares: uma unidade de prática social,
uma forma institucional privilegiada, um mecanismo de poder, uma forma de
direito e um modo de racionalidade.
5
forma institucional é o casamento, a família e o parentesco, o mecanismo do
poder é o patriarcado, a forma de juricidade é o direito doméstico (…) e o modo
de racionalidade é a maximização do afecto. O espaço da produção é constituído
pelas relações do processo de trabalho, tanto as relações de produção ao nível da
empresa (…) como as relações na produção entre trabalhadores e entre estes e
todos os que controlam o processo de trabalho. Neste contexto, a unidade de
prática social é a classe, a forma juridicional é a fábrica ou a empresa, o
mecanismo do poder é a exploração, a forma de juridisção é o direito de produção
(…) e o modo de racionalidade é a maximização do lucro. O espaço de cidadania
é constituído pelas relações sociais da esfera pública entre cidadãos e o Estado.
Neste contexto, a unidade de prática social é o indivíduo, a forma institucional é
o Estado, o mecanismo de poder é a dominação, a forma de juricidade é o direito
territorial (…) e o modo de racionalidade é a maximização da lealdade. Por
último, o espaço da mundialidade constitui as relações económicas internacionais
e as relações entre Estados nacionais na medida em que eles integram o sistema
mundial. Neste contexto, a unidade de prática social é a nação, a forma
institucional são as agências, os acordos e os contratos internacionais, o
mecanismo de poder é a troca desigual, a forma de juridicidade é o direito
sistémico (…) e o modo de racionalidade é a maximização da eficácia” (Santos,
1994:112-113).
6
evolução civilizacional que impõe uma forte interiorização do controlo social, da
moral, dos deveres e da obrigação de ser livre que caracterizam a modernidade. A
individualização resulta da interiorização progressiva de normas de conduta, de
capacidade de auto-controlo e de auto-restrição. A diferenciação crescente das
funções sociais e o processo de monopolização do poder legítimo pelo Estado
levam a relações sociais mais densas e complexas aumentando a relação de
dependência funcional de cada indivíduo para com os outros, sendo essa
diversificação de funções que os indivíduos desempenham uns em relação aos
outros o que designamos por “sociedade” (Elias, 2004). Os indivíduos não
existem fora do conjunto de laços concretos e abstractos que os ligam uns aos
outros, assim como a sociedade não existe sem eles, sendo o mundo social um
mundo de relações recíprocas em que o indivíduo e a sociedade só podem ser
compreendidos na sua interdependência. Nestes contextos de mudança, procura-se
assegurar traços unificadores fazendo com que grupos sociais distintos do
dominante ou maioritário sejam, de livre vontade ou pela força, integrados no
modo de produção considerado mais avançado, sofrendo o impacto das alterações
nos modos de vida que isso acarreta.
7
definição de “fronteiras” terrestres e políticas e constituição de uma estrutura
organizativa assente num aparelho político, em instituições governamentais (como
os tribunais ou um parlamento) cujas autoridades se apoiam num sistema legal e
também em estruturas com capacidade de usar a força para impor as decisões de
um Estado com autonomia (Giddens, 1997).
O projecto sociocultural da modernidade, segundo Boaventura de Sousa
Santos, assenta em dois pilares fundamentais, o pilar da regulação e o pilar da
emancipação (Santos, 1994). O pilar da regulação é constituído pelo Estado, pelo
princípio de mercado e o princípio de comunidade; e o pilar da emancipação é
constituído por três lógicas de racionalidade: a racionalidade estética-expressiva
da arte e da literatura, a racionalidade moral-prática da ética e do direito e a
racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica. Temos vindo a
assistir a um desenvolvimento mais acentuado do pilar da regulação em
detrimento do pilar da emancipação.
Em síntese, a modernidade, produzindo transformações em todas as
dimensões, económica, tecnológica, política, individual, social e cultural é,
simultaneamente, fonte de novas oportunidades e pluralismos e de controlo social
do tipo “jaula de ferro” com o significado de desencantamento do mundo induzido
pela perda de ideais de sentido para a existência. Nos contextos sociais modernos
devido à especialização de saberes, a socialização dos indivíduos encontra-se
exposta a uma variedade de opções podendo produzir diversidade de trajectórias
individuais (Wirth, 1997). As relações interpessoais são mais individualizadas e o
indivíduo surge como uma nova figura social que se desliga da maior parte das
amarras que o prendiam na sociedade tradicional (Giddens, 1990). Ora, a
individualização é a libertação do ego mas é também concomitantemente a sua
regulação coerciva (Foucault, 1994 [1974]) pela “domesticação” como controlo
que o Estado exerce através de processos “subtis e insidiosos”. Segundo Giddens,
o indivíduo encontra-se numa situação de “mistura do risco e da oportunidade”
(1990:103) que abre um campo de oportunidades onde os indivíduos podem
8
arriscar, procurando alternativas às regularidades impostas pela burocracia do
sistema, sem descurar a perspectiva dos riscos associados.
A modernidade é, então, o contexto societal em que se situam as estratégias
de integração dos indivíduos e, como tal, de grupos ciganos, categoria social
dominada e excluída precisamente pela rejeição que tem evidenciado da
individualização moderna (Giddens, 1990, Dumont, 1992; Berger e Luckmann,
2004).