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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

ESCOLA DE ENGENHARIA
LABORATÓRIO DE METALURGIA FÍSICA
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FADIGA E ANÁLISE DE FALHA

Prof.Dr. Telmo R. Strohaecker


Prof.Dr. Afonso Reguly
Prof.Dr. Inácio Limberger
Prof.Dr. Sandro Griza
Dr. Márcio L.K. de Macedo
ÍNDICE

1 – FADIGA................................................................................................................. 3
1.1– TIPOS DE CARREGAMENTO CÍCLICOS ....................................................... 5
1.2 – CURVAS DE WÖHLER OU S-N ...................................................................... 6
1.3 – DIAGRAMA DE GOODMAN ............................................................................ 7
1.4 – ETAPAS DO PROCESSO DE FADIGA ......................................................... 10
1.4.1 – Estágio I – Nucleação da Fadiga............................................................ 10
1.4.2 – Estágio II – Propagação ....................................................................... 122
1.5 – FATORES QUE AFETAM A VIDA EM FADIGA DOS MATERIAIS ................ 21
1.5.1 – Acabamento Superficial ......................................................................... 22
1.5.2 – Tamanho da Peça .................................................................................. 23
1.5.3 – Fator de Carga ....................................................................................... 24
1.5.4 – Temperatura ........................................................................................... 24
1.5.5 – Concentração de Tensões ..................................................................... 25
1.5.6 – Efeito da Microestrutura ......................................................................... 26
2 – ANÁLISE DE FALHA.......................................................................................... 27
2.1 – LISTA DE SUGESTÕES DE PONTOS A SEREM LEVANTADOS EM CONTA
PARA ANÁLISE COMPLETA DA FALHA (11)...................................................... 3030
2.2 – EXEMPLOS DE APLICAÇÕESA EM ANÁLISE DE FALHA........................... 33
2.2.1 - Análise de falha do conjunto da chapa intermediária de embreagem (13) 33
2.2.2 - Análise de falha do parafuso de fixação do estabilizador de uma
aeronave (13) ....................................................................................................... 39
2.2.3 - Análise de falha em pino de ensacadeira pneumática ........................... 44
2.2.4 - Análise de falha em chapa para apoio de molas .................................... 52
2.2.5 - Análise de falha em virabrequins para motores a diesel (1)......................56
2.2.6 - Análise de falha em barra de prensa........................................................67
2.2.7 - Análise de falha em parafuso da biela de um motor Ford 6.6..................76
2.2.8 - Análise de falha em turbinas para motor diesel – caso 1.........................87
2.2.9 - Análise de falha em turbinas para motor diesel – caso 2.........................92
2.2.10 - Análise de falha em turbinas para motor diesel – caso 3.......................96
2.2.11 – Análise de falha em coxins..................................................................100
2.2.12 – Análise de falha em barra estabilizadora.............................................104
2.2.13 - Análise de falha em haste de compressor............................................108
2.2.14 – Microstructural Analysis of Stainless Steel AISI 321 of Bellows
Expansion Joints……………………………………………………………..………113
2.2.15 - Análise de falha em engrenagem.........................................................118
2.2.16 - Análise de falha em suporte de pneu estepe para caminhões.............120
3 – BIBLIOGRAFIA ..........................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

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1 – FADIGA
Fadiga, por definição, é a ruptura progressiva que ocorre em componentes e
estruturas devido a solicitações dinâmicas e cíclicas.
Por volta do ano 1850, Wöhler estudou a ruptura de eixos ferroviários. Tais
falhas eram imprevisíveis para os engenheiros da época. Os eixos fraturavam após
algumas centenas de quilômetros em serviço e, embora projetados de acordo com
critérios de resistência estática, as fraturas ocorriam sob condições de carregamento
normal. Além disso, não obstante ensaios de tração realizada no material antes da
entrada em serviço revelar adequada ductilidade, a ruptura em serviço não
apresentava sinais de apreciável deformação plástica. Ainda mais intrigante era o
fato de que ensaios de tração realizados no material após a fratura em serviço
apresentavam as características de ductilidade iniciais (1).
Apesar de não ter sido o primeiro pesquisador a estudar a fadiga, Wöhler tem
o mérito de ter adquirido resultados e métodos até hoje empregados. Há quase
cento e cinqüenta anos Wöhler batizou com a designação de fadiga de materiais as
fraturas que ocorrem em situações de baixa tensão nominal em componentes
sujeitos a cargas que variam ciclicamente. Foi notado que estas fraturas ocorriam
normalmente numa mudança de seção, na vizinhança de entalhes ou qualquer
descontinuidade do material. A partir da constatação, Wöhler fez experiências de
fadiga em corpos de provas lisos não entalhados e isentos de fissuras pré-
existentes, concluindo que existia um valor mínimo da amplitude de tensão abaixo
da qual o corpo de prova não rompia independente do número de ciclos de carga
aplicados.
Por outro lado, quando flexionamos um fino arame de aço ao carbono, por
exemplo, no intuito de parti-lo, na verdade estamos submetendo-o à ruptura por
fadiga. Bastam algumas poucas flexões para rompê-lo. Neste caso estamos
aplicando tensões acima do limite de escoamento do material à solicitações de
flexão alternada. A ruptura é regida pela deformação do material e ocorre
geralmente com um pequeno número de ciclos. Este tipo de fadiga é conhecido
como fadiga de baixo ciclo.
Muitas vezes, entretanto, a ruptura ocorre devido à aplicação de cargas
cíclicas com tensão máxima muito inferior ao limite de escoamento do material.
Neste caso a falha ocorre após um elevado número de ciclos com pouca

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deformação macroscópica. Considera-se, então, esta falha como sendo fadiga de
alto ciclo, regida pela tensão.
A fadiga é, portanto, dividida em dois tipos: fadiga de alto ciclo, que os
pesquisadores geralmente consideram como sendo aquelas que ocorrem com 103
ciclos ou mais, e fadiga de baixo ciclo, que ocorrem com menos de 103 ciclos.
Para que ocorra uma falha por fadiga é necessário que três fatores sejam
aplicados simultaneamente no material: solicitações dinâmicas, solicitações de
tração e deformação plástica.
É importante salientar que, mesmo que uma peça não esteja submetida a um
esforço de tração simples, ela pode sofrer tração localizada. Um corpo de prova
cilíndrico bi-apoiado que sofre uma carga ortogonal, ou seja, uma solicitação de
flexão unidirecional tem a mesma configuração de tensões distribuída de forma que
numa geratriz ter-se-á um elemento infinitesimal com tensão máxima de compressão
e, no elemento diametralmente oposto, será verificada a tensão máxima de tração,
conforme mostra a figura 1.

Figura 1 – Representação esquemática do gradiente de tensões num corpo de prova bi-apoiado com
uma carga de flexão aplicada.

Com efeito, é comum ocorrer a falha por fadiga em materiais não submetidos
a esforços cíclicos de tração simples. Mais adiante, quando serão abordados os
aspectos macroscópicos da fadiga, será mostrado um esquema que relaciona as
características superficiais da fratura com os respectivos esforços que a originaram.
Outro detalhe que deve ser considerado é o fato de sempre ocorrer
deformação plástica envolvida numa falha por fadiga. Foi dito anteriormente que a
fadiga de alto ciclo é regida pela tensão aplicada. Todavia, apesar de às vezes não
ser visível macroscopicamente, sempre ocorre deformação plástica num processo
de fadiga, mesmo que tal deformação seja localizada apenas na ponta da trinca que
progride.
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1.1– TIPOS DE CARREGAMENTO CÍCLICOS
Para que haja fadiga de um componente é necessária a presença de um
carregamento cíclico ou variável com o tempo.
A tensão estática aplicada equivale à tensão média, simbolizada por σm. A
amplitude de tensão será simbolizada como σa, sendo σa a amplitude de tensão
cíclica que provoca ruptura por fadiga. As tensões máxima e mínima são
simbolizadas por σmax e σmin , respectivamente, como ilustra a figura 2 a seguir.

Figura 2- Forma de carregamento onde a tensão varia senoidalmente com o tempo.

As cargas solicitantes cíclicas são geralmente classificadas em três


categorias:
I – Carga estática, cujo valor permanece constante ao longo do tempo ou
apresenta variação tão lenta que o efeito de massa pode ser considerado
desprezível (figura 3-I).
II – Carga repetida, cujo valor varia periodicamente, entre um máximo e zero
(figura 3-II). A tensão média é igual a tensão alternante e a metade da tensão
máxima.
III – Carga alternante (ou cíclica pura), cujo valor varia periodicamente, entre
um máximo positivo e um negativo, simétrico em relação ao eixo do tempo (figura 3-
III). A tensão média neste tipo é nula.

O caso geral de carga dinâmica pode ser estudado como a combinação dos
casos I e III de carga. (figura 3-IV) (2) e é determinada de carga flutuante.

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Figura 3 – Tipos característicos de carga.

1.2 – CURVAS DE WÖHLER OU S-N


Pelo ensaio de uma série de corpos de prova com cargas repetidas de valor
máximo decrescente, verifica-se que o número de ciclos necessários para a ruptura
aumenta rapidamente. A curva limite inferior do campo de dispersão dos resultados
obtidos pelo ensaio descrito anteriormente é a curva de Wöhler ou S-N (figura 4). Em
aços observa-se a existência de um patamar abaixo da qual a peça não rompe mais,
independente do número de ciclos, este valor de tensão é denominado limite de
fadiga. Nem todos os materiais apresentam um limite à fadiga específico. O alumínio
é um exemplo, sendo então convencionado como o limite à fadiga para estes
materiais o valor de tensão máxima no qual não se observa ruptura em 107 ciclos.
Para as tensões acima do limite de fadiga pode-se determinar a resistência a fadiga.
A figura 4 mostra um exemplo da determinação das curvas de Wöhler para trilhos
CSN novos e usados.

Figura 4 – Curvas de Wöhler para trilhos ferroviários CSN novos e usados, utilizando flexão em 4
pontos.

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A curva de Wöhler tem a limitação de valer apenas para o tipo de
carregamento para o qual foram ensaiados os corpos de prova. Se houver mudança
do carregamento, ou no caso de juntas parafusadas, da protensão, novas curvas
terão que ser levantadas para a previsão do limite ou resistência à fadiga.

1.3 – DIAGRAMA DE GOODMAN


A relação entre a tensão média e a resistência a fadiga de qualquer
componente pode ser avaliada através do diagrama de Goodman. Existem outras
formas de expressar esta relação; contudo, o diagrama de Goodman traz a
vantagem de expor vários valores incluídos, como a resistência a fadiga sob as
diversas condições de solicitações (alternada, repetida e flutuante), a resistência ao
escoamento e a resistência a ruptura (3).
Para construir o diagrama, atribui-se ao eixo das ordenadas os valores da
tensão média e no eixo das abscissas, além dos valores da resistência a ruptura
estática e a tensão de escoamento, os valores de resistência a fadiga ou limite de
resistência a fadiga, qualquer um dos dois que seja pré-determinado.
Sendo assim, em posse dos corpos de prova ou peças a serem analisadas,
estabelece-se um valor padrão de número de ciclos para os ensaios, e determina-se
o valor da resistência quando da ruptura do componente.
O diagrama mostra que à medida que aumenta a tensão média, aumento
também a resistência a fadiga e diminui a amplitude de solicitação. Isto até chegar
ao nível de escoamento, quando então, o aumento da tensão média não mais
implica no aumento da resistência, apesar de continuar diminuindo a amplitude.
Goodman nos dá, em função da tensão média, os valores de tensões
máximas e mínimas a partir dos quais não ocorre mais a ruptura. Esta se mostra
como uma alternativa melhor do que a abordagem convencional onde teriam de ser
traçadas as curvas de Wöhler para cada caso de carregamento.
Goodman na realidade é uma simplificação, em favor da segurança, do
diagrama de Smith que será abordado a seguir para um melhor entendimento da
procedência e construção do primeiro.
O diagrama de Smith está na figura 5, onde a curva superior do diagrama
representa as tensões máximas e a inferior, as tensões mínimas. AO representa a
resistência à fadiga sob carga alternante (σRIII), caso onde a tensão média é zero.

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CD representa a resistência à fadiga sob carga repetida (σRII) onde a carga mínima é
igual a zero.
O ponto G representa a tensão de ruptura sob carga estática (σRI) onde σmáx =
σmín. Se o material resiste igualmente a solicitações de tração como compressão o
diagrama é simétrico nos quadrantes I e III.
Uma reta a 450, a partir do zero, representa a linha das tensões médias σm.
A partir do ponto E do diagrama, as tensões ultrapassam a tensão de
escoamento σe. Como o estudo da fadiga é feito geralmente para componentes
estruturais ou elementos de máquinas onde não é admitida grande deformação, a
tensão máxima admissível não é mais governada pela ruptura da peça, mas sim
pela deformação; então o gráfico é interrompido por uma reta EF paralela ao eixo
das σm. Por simetria a reta FD constitui o limite inferior.

Figura 5 - Diagrama de Smith para um componente com as mesmas propriedades em tração e


compressão.

É possível simplificar o diagrama de Smith substituindo as linhas de tensão


máxima e mínima por retas, unindo os pontos AE e BF, ou ainda mais simples
unindo os pontos AG e BG, e fazendo o mesmo procedimento para o terceiro

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quadrante. A segunda simplificação sugerida equivale ao diagrama de Goodman. Os
erros decorrentes desta simplificação são pequenos e contribuem em favor da
segurança.
Desta forma é possível traçar o diagrama de Smith e determinar a resistência
à ruptura σr para qualquer carga média σm pelo simples conhecimento da resistência
à fadiga σRIII, da tensão de escoamento σe e da tensão de ruptura sob carga estática
σRI(4).
A figura 6 apresentada a seguir ilustra a forma final de um diagrama de
Goodman representativo de aços ao carbono para solicitações com tensão média
maior ou igual a zero.

(5)
Figura 6 - Representação de diagramas de Goodman na região positiva da tensão média .

O parâmetro que determina o local do diagrama onde se encontra o


componente é chamado parâmetro angular, que é definido como a relação entre a
tensão máxima e média aplicadas ao mesmo. Para a reta das tensões médias o
parâmetro angular é unitário, aumentando conforme se aproxima do ponto de
carregamento repetido onde vale 2 (a tensão máxima vale o dobro da tensão
média).
τ máx
a=
τm

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O diagrama é constituído a partir de amostras que devem apresentar mesmas
características, quer dizer, na construção do diagrama para analisar o limite de
resistência à fadiga sob solicitação de flexão rotativa de um material qualquer, deve-
se usinar e retificar as amostras cilíndricas a partir da matéria prima buscando a
uniformidade de tais amostras.

1.4 – ETAPAS DO PROCESSO DE FADIGA


As rupturas promovidas por processos de fadiga distinguem-se por
apresentarem três estágios conhecidos. O primeiro estágio é o que abrange o
período de nucleação da falha, onde a iniciação ocorre devido à máxima tensão
principal de cisalhamento a 450 com a tensão principal de tração aplicada.
O segundo estágio compreende a propagação de uma trinca, na direção
ortogonal a tensão de tração. Finalmente ocorre a ruptura catastrófica, que é o
terceiro estágio, no momento em que a seção resistente diminui o suficiente para
que não mais suporte um ciclo de carga e rompa por sobrecarga.

1.4.1 – Estágio I – Nucleação da Fadiga


As fraturas de fadiga normalmente iniciam na superfície do corpo de prova.
Considerando ensaios por rotação, flexão e até mesmo por tração-compressão
simples, a tensão máxima sempre estará situada em algum ponto na superfície.
Além disso, as fraturas por fadiga começam como trincas microscópicas, logo são
sensíveis mesmo a pequenas concentrações de tensão.
É por este motivo que um corpo de prova para o ensaio de fadiga só será
representativo para avaliar as características de um determinado material se estiver
isento de qualquer defeito superficial (ou seja, polido). Todavia, podem ocorrer casos
em que a falha inicia no interior do corpo de prova ou no componente. As tensões
residuais, descontinuidades e defeitos internos podem deslocar o ponto de tensão
máxima efetiva para o interior do material, não sendo, desta forma, regra geral a
nucleação da fadiga na superfície do componente.
Pesquisas indicam que os processos de deformação plástica envolvidos num
mecanismo de fadiga são o escorregamento e a maclação. Ensaios foram realizados
a 4 K de temperatura para descartar a contribuição da energia térmica. Pode-se
concluir que é possível, então, haver fratura de fadiga sem ativação térmica, o que

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indica que processos de difusão não são necessários para a formação de trincas de
fadiga (6).
Um grande número de mecanismos de discordâncias tem sido proposto.
Contudo, nenhum deles é completamente satisfatório.
O escorregamento parece ser o fator predominante na fadiga da maioria dos
metais a temperaturas próximas à ambiente. Considerando temperaturas muito
baixas em ensaios de corpos de prova de aço ou ferro fundido, a maclação é
provavelmente importante (6).
O tamanho e o número de bandas de escorregamento são função do número
de ciclos e da amplitude de tensão aplicada. Conforme aumenta o número de ciclos,
aumenta o tamanho e o número de bandas, assim como níveis de tensões mais
elevados também produzem valores maiores.
As bandas de escorregamento, sob ação de cargas cíclicas, tendem a
agrupar-se em pacotes que formam ressaltos ou depressões, dependendo do tipo
de solicitação conforme pode ser observado na figura 7. A formação de tais
depressões está ligada à orientação do cristal junto à superfície, sendo favorecida se
a direção de cisalhamento for normal à superfície.
Uma conseqüência do movimento de discordâncias durante a fadiga é a
possível ocorrência de pequenas e localizadas deformações chamadas de intrusões
e extrusões. Uma extrusão é uma pequena porção de material extrudada a partir da
superfície da banda de escorregamento. As intrusões, ao contrário, aparecem como
cavidades em tais bandas. Essas perturbações superficiais têm altura aproximada
entre 1 e 10 µm e aparecem a cerca de um décimo da vida total da amostra.
A nucleação, com efeito, é a etapa de um processo de fadiga que
compreende a formação de uma pequena trinca (não ultrapassando cinco grãos do
material) que segue numa direção a 450 em relação a tensão principal responsável
pela falha. A trinca formada nesta etapa é produzida pela máxima tensão principal
de cisalhamento.

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(10)
Figura 7 – Fotomicrografia demonstrando intrusões e extrusões na superfície .

Figura 8 – Diferença nos perfis da superfície, onde as bandas de escorregamento interceptam a


(7)
superfície. (A) Deformação unidirecional. (B) Deformação alterada .

1.4.2 – Estágio II – Propagação


A propagação corresponde ao crescimento da trinca num plano perpendicular
à direção da tensão normal principal. Este segundo estágio é o mais característico
da fadiga. É sempre visível a olho nu e pode corresponder a uma grande parte da
seção resistente. As tensões de tração provocam o crescimento da trinca neste
estágio.
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No momento em que a concentração de tensões produzida pela fissura da
nucleação for alta o suficiente, a direção de 450 muda para um plano perpendicular à
tensão normal principal que atua no elemento. Desta forma a trinca passa a crescer
progressivamente e com velocidade crescente na direção deste plano. Condições de
escorregamento múltiplo, ou seja, a variação dos planos preferenciais de
deslizamento ao longo dos sucessivos grãos do material a partir da região de
nucleação favorece o estágio de propagação da fadiga. A transição do primeiro para
o segundo estágio é geralmente induzida quando uma trinca em um plano de
escorregamento encontra um obstáculo, tal como um contorno de grão.
A superfície de propagação depende, então, da direção da tensão normal
principal que poderá variar em função das solicitações impostas. Esta superfície tem
por característica uma textura lisa e avança de forma semicircular provocada pelo
estado triaxial de tensões encontrado na ponta da trinca. A deformação plástica
localizada pode provocar uma marca superficial a cada ciclo ou a um conjunto
determinado de ciclos de cargas. Tais marcas são chamadas de estrias de fadiga e
são encontradas mais facilmente em materiais dúcteis.

Figura 9 – Estrias de fadiga numa liga 2024-T3 correspondem a seqüência variada da amplitude de
(4)
carregamento .

O estágio de propagação da trinca ocorre por um processo plástico que torna


a ponta da trinca rombuda, como pode ser visto na figura10. No início do
carregamento cíclico a ponta da trinca é aguda (figura 10a). À medida que o esforço

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de tração é aplicado, o pequeno entalhe duplo na ponta da trinca concentra o
deslizamento ao longo dos planos que fazem 450 com a superfície da trinca (figura
10b). Conforme a trinca alarga para a sua extensão máxima (figura 10c), ela avança
por cisalhamento plástico ao mesmo tempo em que sua ponta se torna rombuda.
Quando a carga muda para compressão, as direções de deslizamento na
extremidade são invertidas (figura 10d), as faces da trinca são compactadas e a
nova superfície da trinca, criada na tração, é forçada para o plano da trinca (figura
10e) onde é parcialmente dobrada por flambagem formando uma ponta de trinca
novamente aguda. Assim, a trinca já está pronta para avançar e seguir para o
próximo ciclo.

Figura 10 – Processo plástico de alargamento da ponta da trinca para o estágio II de crescimento de


(8)
trinca por fadiga .

As marcas de praia podem ser consideradas como o mais característico


aspecto das falhas por fadiga. Assim como as estrias, as marcas de praia também
são semicirculares, mas são, entretanto, visíveis a olho nu ou com o auxílio de lupa
óptica de baixo aumento. As marcas de praia podem ser originadas através dos
diferentes graus de oxidação produzidos nas sucessivas paradas para repouso do
equipamento ou pela variação na amplitude ou freqüência da solicitação. É evidente
que se não ocorrer nenhum destes fatores na propagação da trinca, não surgirão as
marcas de praia. A proporção entre a etapa de propagação e a ruptura final indica o
grau de sobrecarga da peça. A posição e a quantidade dos pontos de nucleação,
bem como a orientação das linhas de praia, indicam qual o tipo de carga que
provocou a fadiga (flexão, rotação, flexo-rotação, tração, entre outros). As figuras 11
a 13 apresentam alguns exemplos de propagação de trincas por fadiga observadas

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em diferentes componentes. A figura 14 apresenta um desenho esquemático de
marcas de fadiga produzidas em componentes lisos e entalhados com seções
transversais redondas, quadradas, retangulares e em chapas espessas sob várias
condições de carregamento em tensões nominais altas e baixas. Através da
comparação das marcas de praia observadas em componentes rompidos com o
quadro apresentado na figura 15, tem-se ter uma noção da forma e amplitude do
carregamento a que o componente estava submetido em serviço.

Figura 11 – Marcas de praia propagadas na seção transversal de uma haste de biela para motor
automotivo.

Figura 12 – Fadiga em trilho ferroviário. Observa-se a nucleação subsuperficial na região do boleto.

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Figura 13– Fadiga em válvula petroquímica.

Figura 14 - Fratura por fadiga num pino de fixação para ensaios de carga dinâmica em corpos de
prova tipo “U” de uma servo hidráulica. A relação entre as superfícies indica alta tensão. A falha
iniciou num pequeno amassamento superficial.

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Figura 15 – Esquema de marcas nas superfícies de fraturas por fadiga produzidas em componentes
lisos e entalhados com seções transversais redondas, quadradas e retangulares e em chapas
(9)
espessas sob várias condições de carregamento em tensões nominais altas e baixas .

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O estágio de propagação de uma trinca de fadiga é alvo de muitos estudos e
pesquisas, sendo equacionado, hoje em dia, através de leis ditadas pela mecânica
da fratura. A relação entre a propagação de uma trinca por fadiga e o número de
ciclos de solicitações é um importante dado de projeto para estruturas, pois é
possível, com isso, estimar a vida útil das estruturas, mesmo com a presença de
fissuras já em fase de propagação. No caso de fadiga em componentes mecânicos,
esta abordagem é de difícil aplicação, visto que, devido ao nível de tensões
empregado, e, portanto a velocidade de propagação ser elevada, não é simples o
acompanhamento do desenvolvimento da trinca em elementos de máquina e
componentes mecânicos em geral. Além disso, muitos pesquisadores atribuem ao
estágio de nucleação em componentes mecânicos a maior parte da vida em fadiga
(em torno de 90%), o que torna ainda mais difícil o acompanhamento da propagação
da trinca no segundo estágio.
Resultados de estudos de fadiga mostram que a vida de estruturas pode ser
relacionada com a taxa de propagação da trinca. A figura 16 é um típico diagrama
que relaciona o crescimento da trinca com o número de ciclos para dois níveis de
tensões aplicadas. Nota-se que o maior nível de tensão diminui o número de ciclos
necessários para a ruptura e que a taxa de propagação é crescente com o número
de ciclos de aplicação de carga.

Figura 16 – Curvas que relacionam o comprimento da trinca “a” com o número de ciclos em dois
níveis de tensões “σ1” e “σ2” para o estudo da fadiga. A taxa de propagação da/dN está indicada para
um comprimento de trinca “a1”nos níveis de tensão.
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A taxa de propagação da trinca da/dN aparentemente segue uma equação do
tipo:
da/dN = Cσaman
Onde:
C = constante;
σa = tensão alternada;
a = comprimento da trinca;
m = varia de 2 a 4;
n = varia de 1 a 2.

A propagação da trinca pode ser expressa também em termos de deformação


total, através de uma simples lei potencial que se aplica da região de deformação
elástica até a plástica (6).
da/dN = C1εm1
Onde:
C = coeficiente elástico;
ε = deformação;
m = sensibilidade à taxa de deformação.

A mecânica da fratura aplicada à fadiga relaciona a propagação de trinca com


o fator de intensidade de tensões K.
da/dN = A∆Kn
Onde:
n = varia de 1 a 16 dependendo do material e nível de tensões,
A = constante;
∆K = intervalo de intensidade de tensões calculado a partir da variação de
tensão no ciclo de carga.
A mecânica da fratura apresenta, desta forma, um caráter crescente da taxa
de propagação conforme a figura 17. Observa-se, ainda, o surgimento de uma
região onde não é prevista a propagação. Tais leis são de grande importância para a
aplicação em estruturas e são mais aprofundadas em estudos da mecânica da
fratura aplicadas à fadiga. A figura 18 apresenta outro exemplo de uma curva da/dN
vs ∆K para um aço de baixo carbono em função do tratamento térmico a que este foi

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submetido. Conforme pode ser observado nesta figura, o material com
microestrutura martensítica apresenta um ∆K de iniciação bastante superior ao do
mesmo material na condição ferrítica.

Figura 17– Representação esquemática do comportamento do crescimento da trinca de fadiga em


(8)
meio não agressivo .

Figura 18 – Taxa de propagação da trinca por ∆K para duas microestruturas em aço em baixo
carbono (0.15 – 0.20% C, 0.60 – 0.90% Mn, 0.04% max P, 0.04% max S).
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1.5 – FATORES QUE AFETAM A VIDA EM FADIGA DOS MATERIAIS
Muitos são os fatores que diminuem a vida em fadiga dos materiais. Podem
ser considerados os expostos a seguir:
- efeitos superficiais (Ka);
- tamanho da peça (Kb);
- fator de carga (Kc).
- temperatura (Kd);
- concentração de tensões (entalhe);
- freqüência e amplitude de solicitação;
- tensão média;
- fatores microestruturais.

Todos os fatores afetam a vida em fadiga porque levam para baixo as linhas
da curva de Wöhler dos diversos materiais.
Shigley determinou uma equação linear que expressa a resistência a fadiga
de um componente levando em consideração a resistência a fadiga do material e os
diversos fatores de correção.
A teoria de Shigley(3) permite, portanto, avaliar analiticamente a resistência de
um componente em projeto.
Se = Ka Kb Kc Kd Ke Se’
Onde:
Se = resistência a fadiga do componente
Se’ = resistência a fadiga do material
Ka = fator de superfície
Kb = fator de tamanho
Kc = fator de carga
Kd = fator de temperatura
Ke = fatores diversos.

Neste trabalho, além de expor os fatores discriminados na equação,


analisaremos alguns fatores que devem estar inseridos naqueles diversos (Ke), tais
como a concentração de tensões, freqüência e amplitude das solicitações, a tensão
média e a microestrutura.

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Nos projetos mecânicos deve-se tomar cuidado de levar sempre em
consideração todos os fatores envolvidos para o cálculo da resistência à fadiga, a
fim de introduzir coeficientes de segurança adequados para o nível de tensões que o
componente deve suportar.

1.5.1 – Acabamento Superficial


Foi dito anteriormente que ao ser realizado um ensaio de fadiga num corpo de
prova é fundamental que a superfície esteja polida e isenta de imperfeições. Se este
cuidado não for observado, os resultados da análise ficarão comprometidos. Com
efeito, é conhecida a ação do acabamento superficial na resistência à fadiga dos
materiais.
O diagrama apresentado na figura 19 indica para um aço baixa liga, o quanto
a rugosidade superficial, caracterizada pelos diversos processos de obtenção de
componentes, influencia o comportamento em fadiga de materiais.
Observa-se, ainda, que o aumento da dureza e resistência exige
acabamentos superficiais cada vez mais apurados. Enquanto um aço de baixa
resistência pode ser utilizado na condição bruta de usinagem, um material de alta
resistência já exige um ótimo acabamento.

Figura 19 – Fator de redução para o limite de fadiga para um aço baixa liga devido a vários
tratamentos superficiais. (De R. C. Juvinall. Stress, Strain, and Strength, p. 234, McGraw-Hill Book
Company, New York, 1967.)

Fadiga e Análise de Falha Pg.22 de 86


A descarbonetação da superfície de um aço tratado termicamente é
particularmente deletéria ao desempenho em fadiga, assim como processos de
oxidação e corrosão. A eletrodeposição na superfície de um aço geralmente diminui
seu limite de fadiga. A eficiência da cementação ou nitretação na melhoria do
desempenho em fadiga de um material é maior nos casos em que existe um grande
gradiente de tensões, como na torção e flexão, do que num ensaio de fadiga axial.
Maior desempenho percentual é verificado para o processo de nitretação de corpos
de prova entalhados (7).
O método mais efetivo de aumentar o desempenho em fadiga consiste na
formação de um espectro favorável de tensões residuais, como aqueles obtidos por
meio de têmpera superficial por indução, pela fretagem ou também pela auto-
fretagem, processos mecânicos como o “shot-peening” entre outros.
Convém salientar aqui que os descuidos nos procedimentos de usinagem dos
componentes possam levá-los a rupturas dor fadiga. Vários são os casos de peças
que são submetidas ao processo de retificação, para melhorar a sua condição
superficial e o excesso de pressão do rebolo ou a falta de refrigeração adequada
transformam em martensita não revenida alguns pontos na superfície. Sabe-se que
a microestrutura meta-estável martensítica não revenida possui alta dureza e baixa
tenacidade, sendo assim, ponto crítico para a nucleação de trincas por fadiga.

1.5.2 – Tamanho do Componente


O tamanho dos componentes também segue as tendências anteriores, ou
seja, quanto maior o componente, menor é a sua resistência a fadiga.
A distribuição triangular de tensões na flexão e na torção é semelhante a
distribuição de tensões em uma barra com entalhe, ou seja, a flexão e a torção
assemelham-se a concentrações de tensões. Se, além disso, for considerado o
maior efeito de superfície em um corpo de prova maior, é possível imaginar a
diminuição da resistência à fadiga com o aumento de dimensão.
Alguns dados obtidos em ensaios relatam um fator de dimensão Kb
distribuídos como segue (8):
Kb d (mm)
1 ≤7,6
0,85 7,6<d≤50
0,75 >50

Fadiga e Análise de Falha Pg.23 de 86


Sendo “d” o diâmetro do corpo de prova, a dimensão “d” corresponde à
profundidade de “h” de seções não circulares sujeitas a flexão.
Baseado em resultados obtidos a partir de um grande número de ensaios,
Shigley equacionou o efeito de tamanho para flexão e também para torção conforme
a relação abaixo:
−0 ,1133
 d 
Kb =   2,79 ≤ d ≤ 51 mm
 7,62 

Para diâmetros maiores, Kb varia entre 0.6 e 0.75, considerando flexão e


torção. Para cargas axiais, não existe efeito de tamanho e por isso consideram-se
Kb=1.

1.5.3 – Fator de Carga


Uma larga coleção de dados obtidos por ensaios mostrou que existe um fator
de correção para certos materiais solicitados com carregamento axial. E mostrou,
ainda, que um fator mais radical deve ser aplicado quando sob cargas de torção ou
cisalhamento, se comparados ao carregamento de flexão revertida. As equações
abaixo resumem os resultados dos ensaios:
Kc = 0,923 tensão axial Sut ≤ 220 kpsi (1520 MPa)
Kc = 1 tensão axial Sut > 220 kpsi (1520 MPa)
Kc = 0,577 torção e cisalhamento

1.5.4 – Temperatura
Considerando temperaturas abaixo da ambiente, tem sido observado que os
metais apresentam um aumento na sua resistência à fadiga com o decréscimo da
temperatura.
Por outro lado, no caso de aplicações a altas temperaturas, notou-se uma
diminuição da resistência, de forma que se faz necessária a obtenção, a partir de
ensaios reais, do fator de temperatura Kd. No caso dos aços, o fator Kd segue a
equação:
344,4
Kd = para T>71oC
273,3 + T
Com o aumento da temperatura bem acima da ambiente torna-se importante
o fenômeno de fluência, de tal forma que nas temperaturas em torno da metade do
Fadiga e Análise de Falha Pg.24 de 86
ponto de fusão do material, o mecanismo de fluência é o principal responsável pela
maioria das falhas.

1.5.5 – Concentração de Tensões


Todas as descontinuidades tais como entalhes, furos e ranhuras modificam a
distribuição de tensões acarretando aumento de tensões localizadas. Usa-se um
fator de concentração de tensões Kt para relacionar a tensão real máxima na
descontinuidade com a tensão nominal.
Para materiais pouco sensíveis ao efeito de entalhe é usado o fator de
concentração de tensão de fadiga Kt, determinado pela relação do limite de
resistência à fadiga para corpos de prova sem entalhe e do limite de resistência à
fadiga para corpos de prova com entalhe.
Define-se “q” como sendo o fator de sensibilidade ao entalhe de um material
em fadiga e se expressa pela equação (3).
k f −1
q=
kt − 1

Observa-se, pela equação, que tomando “q” igual a zero, Kf será unitário.
Sendo assim, conclui-se que o material não possui sensibilidade ao entalhe. Mas
tomando “q” como unitário, Kf terá o mesmo valor de Kt e o material terá
sensibilidade plena.
Na realização de um projeto ou análise, antes se determina o valor de Kt a
partir da geometria da peça. Depois de especificado o material é possível, então,
determinar o valor de “q” para calcular Kf segunda a equação (3).
Kf = 1+q (Kt-1)

A figura 20 demonstra a relação de “q” com o raio da ponta do entalhe para


alguns materiais mais utilizados.

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Figura 20 – Variação do índice de sensibilidade ao entalhe com o raio do entalhe para materiais de
diferentes resistências à tração.

1.5.6 – Efeito da Microestrutura


O comportamento em fadiga dos aços é uma função da microestrutura
apresentada, bem como do nível de inclusões não metálicas presentes (7).
Um material temperado e revenido têm melhores características quanto à
fadiga, que no seu estado normalizado ou recozido.
Se tomarmos um mesmo material, com o mesmo teor de carbono e elementos
de liga, confeccionar corpos de prova para o ensaio e aplicarmos têmpera com
diversas taxas de resfriamento e revenimento a mesma temperatura, será observado
que a resistência à fadiga será maior naquele com meio de têmpera mais severo
(maior taxa de resfriamento). Desta forma deduzi-se que a maior quantidade de
martensita indica maior resistência. Estes efeitos observados são diretamente
relacionados ao aumento no limite de escoamento do material, uma vez que a
iniciação de trincas por fadiga envolve deformação plástica localizada. Variações
metalúrgicas que dificultem a deformação plástica levam a um aumento na
resistência à fadiga.
O tamanho de grão também influencia as propriedades dos materiais em
fadiga. Para temperaturas baixas a diminuição do grão interfere favoravelmente na
resistência. Contudo, em elevadas temperaturas esta característica se inverte.
Maiores quantidades de inclusões bem como a disposição transversal destas
no ensaio diminuem a resistência à fadiga dos materiais.

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2 – ANÁLISE DE FALHA
A falha de componentes mecânicos e estruturas vem ocorrendo desde os
mais remotos tempos e há muitos anos têm sido observadas pelo homem. A
importância da análise de fraturas reside no fato de permitir, através de
(10)
conhecimentos básicos, a identificação dos motivos pelo qual a falha ocorreu .
Conhecido o motivo que levou o componente a falha, pode-se então chegar ao
objetivo principal que é adquirir conhecimento para evitar novas ocorrências de
falhas.
A análise das causas de falhas pode ser feita através da interpretação e
caracterização morfológica da superfície da fratura, a qual é capaz de revelar a
história dos eventos que precederam a falha. A análise de falha tornou-se tão
importante para a ciência dos materiais que em 1914 foi criado o termo “fractografia”
para designar o estudo da superfície da fratura em elementos fraturados.
Considera-se um componente ou estrutura com falha quando este fica
completamente inutilizado, quando pode ainda ser utilizado, mas não é capaz de
desempenhar suas funções satisfatoriamente ou quando uma séria deterioração o
torna inseguro para continuar a ser utilizado.
Na maioria das vezes as falhas estão relacionadas à negligência no projeto,
na fabricação ou no uso dos componentes. Estes problemas podem ser evitados,
pois existem normas e procedimentos que, quando seguidos, podem impedir a
ocorrência de falhas. A fabricação mal feita, material inadequado ou abaixo do
especificado, erros na análise das tensões de operação ou erro de operação são
exemplos de casos em que existem tecnologia e experiência disponíveis, mas que
não são aplicados.
Falhas podem ocorrer também, quando está se desenvolvendo novos
projetos ou novos materiais, onde o projetista não conhece todas as variáveis e
propriedades envolvidas no dimensionamento.
A aparência topográfica da trinca além de fornecer informações a respeito das
solicitações as quais o componente foi submetido, exibe também aspectos
micrográficos que ocorrem segundo uma seqüência lógica e também fornecem
informações valiosas para a identificação dos motivos da falha. Os aspectos
micrográficos, por exemplo, o são: acúmulo de danos, iniciação de uma ou mais
trincas, propagação das trincas e fratura do material.

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A fractografia associada a mecânica da fratura pode responder
quantitativamente muitos dos problemas relacionados à presença de trincas em
componentes mecânicos e estruturas.
A mecânica da fratura pode responder perguntas tais como:
- Qual é a resistência residual em função do tamanho da trinca?
- Que tamanho de trinca pode ser tolerado em condições de carregamento em
serviço, ou seja, qual é o tamanho máximo permissível de trinca?
- Quanto tempo vai decorrer para a trinca crescer, do menor tamanho
detectável até o tamanho máximo permissível?
- Qual é a vida em serviço de um componente, quando certo tamanho de
defeito pré-existente é considerado?
- Durante o período disponível para a detecção da trinca, quantas vezes
deverão a estrutura ser inspecionada?
Para chegar-se a este ponto é preciso uma grande quantidade de
informações sobre o componente que apresenta falha. As informações necessárias
devem ser procuradas ainda na fase de projeto do componente onde são definidas
as solicitações que devem atuar sobre o componente, que tipo de material foi
indicado, as dimensões e o processo de fabricação adequado ao uso do
componente.
É necessário, ainda, acompanhar as solicitações durante o uso do
componente, bem como obter informações sobre a integridade do componente,
antes e depois da colocação em serviço.
Nesta fase podem-se detectar problemas e defeitos pré-existentes no
material, detectar sobrecargas sobre o componente, acompanhar variações de
temperatura e diversos outros tipos de parâmetros operacionais.
Quando da fratura de um componente ou estrutura deve-se ter o cuidado
para, antes de manusear os fragmentos, fazer-se um levantamento minucioso
(fotográfico ou relatório descritivo) sobre as condições e posições encontradas dos
fragmentos em relação ao todo. Após, deve-se remover os fragmentos com cuidado
para não danificar a superfície da fratura, se preciso fazer a proteção da superfície
com produtos adequados e levar ao laboratório para fazer-se observações da
fratura a olho nu ou com lupa, auxiliado por sistema de iluminação adequado.
Caso a superfície da fratura esteja suja ou oxidada é preciso proceder a
limpeza da mesma e dependendo da sujeira é indicado um tipo de processo de

Fadiga e Análise de Falha Pg.28 de 86


limpeza. A limpeza pode ser feita através de um simples jato de ar seco ou
escovação com escova de cerdas macias até o uso de produtos químicos como
ácidos fortes para e remoção de materiais orgânicos fortemente aderidos a
superfície.
A remoção de impurezas da superfície a ser analisada é importante,
principalmente quando as amostras vão ser observadas em microscópio eletrônico
de varredura.
A tabela, a seguir, apresenta algumas sugestões de processos de limpeza,
dependendo do tipo de depósito ou produto a ser removido.

Tabela I – Procedimentos para limpeza da superfície de fratura (11 – 12)

Método de Limpeza Substância a ser Grau de


removida Agressividade
(a) Jato fraco de ar seco; Partículas pouco aderentes Menos agressivo
escovação com escovas
de cerdas macias.
(b) Solventes orgânicos (1) Detritos e viscosos. ↓
Tolueno, xileno Óleos e graxas. ↓
Cetona (acetona, Latas, vernizes, colas. ↓
metiletilcetona) ↓
Álcool (metílico, etílico, Tintas, ácidos graxos. ↓
isopropílico). ↓
(c) Sucessiva decapagem Detritos, oxidação e
por meio de acetato de produtos de corrosão. ↓
celulose (réplicas).
(d) Água com detergente Oxidação e produtos de
juntamente com agitação corrosão. ↓
por ultra-som(2).
(e) Limpeza catódica (3), (a Oxidação e produtos de
superfície a ser limpa é o corrosão. ↓
cátodo e o ânodo um
material inerte como
carbono ou platina).
(f) Limpeza por ataque Oxidação e produtos de Mais agressivo.
químico. corrosão fortemente
aderidos.
(a) Pode ser usado com agitador por ultra-som. Solvente composto por 40%
Tolueno, 40% acetona e 20% de álcool isopropílico.
(b) Solução de limpeza: 15g de Álconox pó + 350 ml água. A solução deve ser
aquecida a 950 C e agitada em vibrador por 15 a 30 minutos.
(c) Ver em: P. M. YUZAWICH e C. W HUGHES, PRAC. METALL. 15, 184 (1981).
R. LÖHBERG, A.GRÄDER, e J. HILKLING, MICROSTRUCTURAL Sci 9,
421 (1981).

Fadiga e Análise de Falha Pg.29 de 86


Para tornar mais fácil a obtenção de dados para chegar aos motivos reais da
falha, sugere-se uma listagem de perguntas e dados a serem levantados sobre
operação e material do componente.

2.1 – LISTA DE SUGESTÕES DE PONTOS A SEREM LEVANTADOS EM CONTA


PARA ANÁLISE COMPLETA DA FALHA (11)
I. Descrição do componente, tamanho, forma e uso.
A. Especificação das áreas de concentração de tensões no projeto.
1. Magnitude da concentração de tensões no local da falha.
II. Estado de tensões do componente.
A. Tipos de tensões.
1. Magnitude do nível de tensões no projeto.
a. Tensão média.
b. Amplitude da tensão.
2. Tipos de tensões ( Modo I, II, III ou combinado).
3. Presença de gradiente de tensões.
B. Estado de tensões: tensão plana ou deformação plana.
1. Aparência da superfície de fratura: percentual de zona
cisalhada.
2. Cálculo do tamanho da zona plástica em relação a
espessura.
C. Natureza da variação das cargas.
1. Tempo de operação do componente.
2. Freqüência de carregamento.
3. Tipo de carregamento.
a. Carregamento aleatório.
b. Existência de sobrecarga durante o uso.
III. Detalhes do defeito crítico.
A. Dados da inspeção anterior.
1. Informações da inspeção anterior.
B. Natureza do defeito crítico e direção da fratura.
1. Local do defeito crítico por exame macroscópico.
2. Tamanho do defeito crítico, forma e orientação.
3. Trinca interna ou superfície da falha.

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4. Direção de propagação e tipo de marcas.
Marcas de sergento;
Marcas de praia;
Direção.
C. Defeitos de fabricação da peça como início da trinca.
Riscos de usinagem;
Rebaixo;
Defeitos de soldagem;
Problemas de ajustagem;
Outros.
D. Defeitos metalúrgicos como início da trinca.
Inclusões;
Partículas de segunda fase;
Inclusões de escórias;
Vazios;
Interfaces fracas;
Outros.
E. Observações Fractográficas.
1. Observações qualitativas.
Microcavidades (dimples);
Clivagem;
Intergranular;
Estriações de fadiga;
Corrosão.
2. Observações quantitativas.
a. Espaçamento das estrias e a posição relativa.
b. Espaçamento das estrias evidenciando seções uniformes
ou aleatórias.
c. Extensão e largura da zona até iniciar o crescimento
instável.
IV. Especificação da composição do material.
A. Designação da liga.
B. Propriedades mecânicas.

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σys σis % elong. %AR KIC KIEAC Caracterização
fadiga
Especificada
Peça

C. Composição química
Elementos
A B C D E F G
Especificada
Peça

D. Métodos de fusão.
Fundida ao ar;
Fundida a vácuo;
Outros.
E. Desdobramento do lingote.
Laminado a quente;
Laminado a frio;
Laminação cruzada.
F. Tratamento Termo mecânico.
1. Recozido ou solubilizado;
2. Revenido ou envelhecido;
3. Trabalho mecânico intermediário.
G. Processo de fabricação de peça.
1. Forjado;
Fundido;
Usinado;
Repuxado;
Extrusão;
Outros.
2. Tipos de junções.
Soldada;
Brasada;
Parafusada;
Colada;
Outros.

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H. Tratamento Superficial.
Shot Peening;
Roletada a frio;
Cementada;
Nitretada;
Endurecida por chama ou indução;
Eletrodeposição;
Decapagem;
Outros.
I. Microestrutura do componente.
1. Presença de fibramento mecânico e ou bandeamento por
segregação química.
2. Tamanho e forma do grão.
a. Alongamento em relação a tensões axiais.
b. Grão esboroado em forjados.
3. Quantidade de inclusões e classificação.

2.2 – EXEMPLOS DE APLICAÇÕES EM ANÁLISE DE FALHA


2.2.1 - Análise de falha do conjunto da chapa intermediária de embreagem (13)
Este trabalho é particularmente didático por envolver vários dos
procedimentos recomendados para uma análise de falha completa. É comum o
emprego de técnicas pouco eficientes que geralmente não seguem a metodologia
(8)
adequada, acarretando em perda de dados e até na conclusão errada da análise .
Aconselha-se, desta forma, antes dos ensaios destrutivos e até mesmo da análise
de fratura, a observação de dados de projetos e o acompanhamento dos processos
de produção, além de qualquer outro fator que possa estar envolvido com o colapso.
Os passos serão citados na ordem recomendada de aplicação para este caso.
A partir de maio de 1996, começou a ocorrer quebra de embreagens que
equipam determinadas marcas de caminhões, de uma forma totalmente aleatória, ou
seja, alguns casos com baixa e outros com alta quilometragem.

Em todos os casos, a falha da embreagem se constituía na quebra da chapa


intermediária que corresponde ao item 25 da figura 21.

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Figura 21– Vista explodida do conjunto da embreagem

Esta chapa intermediária é um conjunto formado por um anel espaçador de


alumínio e um disco de aço ou ferro fundido presos entre si através de quatro molas
de aço rebitadas numa das extremidades ao disco através de rebite de aço e na
outra extremidade presa por meio de parafusos ao anel espaçador. A figura 22
ilustra o exposto.

rebite Parafuso fixador

mola

espaçador Fixador para montagem

Figura 22 – Conjunto da chapa intermediária com as quatro molas. À direita, detalhe da região de
engaste da mola a chapa de ferro fundido.

Foi observado que os discos de ferro fundido não romperam em nenhum


caso, que o anel espaçador de alumínio apresentava-se totalmente quebrado em
alguns casos e inteiro em outros e que nos casos em que rompeu isto ocorreu por
sobrecarga em conseqüência da ruptura de molas e de rebites; sendo, portanto,
uma conseqüência e não a causa.

Fadiga e Análise de Falha Pg.34 de 86


Também foi constatada a ruptura de vários rebites, mas todos por
cisalhamento combinado com uma componente de tração que é o esperado nestes
casos. Sempre que os rebites permaneceram inteiros foi a mola que rompeu
exatamente na seção transversal do furo de fixação do rebite.

Algumas molas apresentavam ruptura por sobrecarga de tração enquanto no


mínimo uma por conjunto apresentava falha por fadiga produzida por tração variável.

Então ficou claro que a ruptura por fadiga da mola era a responsável pela
quebra do conjunto. Quando rompida apenas uma delas, as demais ficaram
sobrecarregadas rompendo por tração caso não ocorresse antes o cisalhamento do
rebite. A partir daí, se continuar em operação, a rotação do disco poderia provocar a
quebra do anel.

Foi executado ensaio de dureza das molas cuja especificação estabelece os


limites de 72,4 a 75,2 na escala Rockwell A. Tal faixa de dureza convertida para a
escala Rockwell C corresponde a 44 a 49 HRC e, na escala Vickers, entre 434 e 498
HV.

Conforme pode ser observado na tabela abaixo, os valores encontrados


apresentam dois níveis distintos de dureza para as molas. Um na faixa especificada
outra mais acima, convém por oportuno salientar que ambas romperam.

Amostra Dureza HRC Dureza HV


1 45 - 46 446 – 458
2 44 - 45 434 – 446
3 52 - 54 544 – 577
4 50 - 53 513 - 560

A análise da fratura das molas indicou que algumas romperam por sobrecarga
de tração, principalmente nas bordas do furo para o rebite, propagando para fora
conforme indicam as marcas de sargento, e de um modo dúctil com shear lip nas
bordas. Outras romperam por fadiga em carregamento de tração, tendo nucleado
nas bordas do furo do rebite e propagado em direção ao lado de fora da mola,
conforme pode ser observado na figura 23.

Fadiga e Análise de Falha Pg.35 de 86


Figura 23 – Fratura em mola de retorno. Observam-se as marcas de praia da fadiga.

A análise da fratura dos rebites indicou ruptura por sobrecarga de


cisalhamento em alguns casos combinado com uma pequena componente de
tração, conforme pode ser observado na figura 24.

Figura 24 – Fractografia em MEV mostrando a fratura por cisalhamento no rebite.

Com o propósito de se confirmar o cisalhamento dos rebites, as fraturas foram


observadas no MEV, que apresentou o aspecto da figura 25.

Figura 25 – Fractografia em MEV mostrando em detalhe a fratura por cisalhamento do rebite.

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Foram feitos diversos cortes tanto em molas rompidas por fadiga quanto nas
rompidas por sobrecarga, todos perpendiculares à superfície da fratura e junto a
região de início da falha. Nos rebites foram feitos cortes longitudinais e transversais.
Todas as amostras foram preparadas conforme os procedimentos recomendados
dentro das técnicas usadas em metalografia.

Foram encontrados dois tipos de microestruturas, nas molas de maior dureza


era martensítica com carbonetos espalhados na matriz. Já as de menor dureza
apresentaram uma microestrutura martensítica grosseira. A micrestrutura dos rebites
é predominantemente ferrítica, típica de aços de baixo carbono.

Figura 26 – Acima a macrografia mostrando a região de grãos ferríticos ocorrida no processo de


conformação do rebite. Ataque: Nital 2%. Aumento: 2X. Ao lado, o perfil de dureza realizado conforme
o esquema.

Conforme já definido anteriormente o que determinou a falha da embreagem


foi a fadiga em uma ou mais molas de retorno. O exame macroscópico da fratura foi
suficiente para identificar o tipo de falha.

Ora se até aqui, ao se desenvolver a investigação em todos os estágios nada


foi encontrado em termos de defeito que pudesse justificar a falha, passou-se a
procurar algo que explicasse um aumento de carga.

Se a resistência está correta, então resta a solicitação estar muito elevada.


Isto pode ocorrer por problemas mecânicos ou por problemas operacionais.
Entretanto, pelo fato destas falhas terem iniciado a partir de uma determinada data e
ocorrido em diversos caminhões de forma aleatória, poderão ser excluídos os
“problemas operacionais”.

Passou-se então a analisar o funcionamento da chapa intermediária. Em


resumo um torque que é transmitido entre o disco de aço e o anel espaçador através
Fadiga e Análise de Falha Pg.37 de 86
de quatro molas dispostas tangencialmente, e conforme pode ser observado na
figura 22 produz uma carga tangencial no diâmetro correspondente à posição das
molas, que deve se dividir igualmente em todas as quatro.

Para tanto, torna-se importante uma grande precisão na distância entre


centros dos dois furos da mola que, aliás, é o que indica o desenho da figura 27.

Figura 27 – Mola de aço carbono com 0,70 – 0,80% C, temperada em óleo para uma dureza de “ RA”
72,4 – 75,2. A dimensão de 2,968 polegadas tem uma estreita faixa de tolerância (± 0,002).

Se esta distância entre centros que deve ser de 2,968 ± 0,002 polegadas (ou
75,3872 ± 0,0508 mm) for menor em uma das quatro molas, esta absorverá
praticamente toda a carga e, obviamente, entrará prematuramente em fadiga. Se for
maior que das outras três, esta estará praticamente descarregada e as outras três
sobrecarregadas havendo, neste caso, tendência de falha por fadiga em uma delas.

Passou-se, então, a analisar a fabricação das molas, descobriu-se que até


maio de 96, as molas eram obtidas a partir de uma chapa por estampagem em
matriz, que a recortava e perfurava numa única operação, e que após isto elas eram
submetidas a tratamentos térmicos. A partir daí, para simplificar a operação, o
fabricante da mola substituiu a matéria prima em forma de chapa por outra em forma
de tira, já na largura certa, e já beneficiada. Então, em uma matriz bem mais simples

Fadiga e Análise de Falha Pg.38 de 86


os dois furos eram estampados em operações separadas possibilitando alterações
na distância entre centros, pois esta passou a depender de um posicionamento
manual da peça em relação a um plano de referência na matriz quando da execução
do segundo furo.

Em vista disso foi realizada uma inspeção dimensional numa amostragem


constituída de cinqüenta molas, quando foi constatado que quinze delas (30%)
estavam fora da tolerância do desenho, havendo inclusive um caso em que o valor
obtido encontrava-se cerca de 0,2 mm abaixo do limite inferior de aceitação.

Com isto, concluiu-se que a causa da falha foi a fadiga da mola provocada por
uma alteração no seu processo de fabricação.

2.2.2 – Análise de falha do parafuso de fixação do estabilizador de uma


aeronave (13)
Durante um vôo de rotina de uma aeronave Ximango, o piloto sentiu uma
vibração no estabilizador horizontal de tal forma, que resolveu pousar o mais rápido
possível. No solo, foi constatado que o estabilizador estava frouxo tendo sido a este
fato atribuído a vibração. Como solução, foi dado um aperto no parafuso de fixação
que então rompeu definitivamente por ação do torque tendo sua extremidade que
continha parte da rosca, ficado presa no interior da porca, que por isso teve que ser
trocada.

Sendo o estabilizador preso por este único parafuso, a sua ruptura em vôo
significaria um acidente fatal, tendo em vista que a aeronave fica totalmente sem
controle com a perda desta superfície. Na figura 28 pode ser visto como o
estabilizador é preso na deriva através deste único parafuso.

Fadiga e Análise de Falha Pg.39 de 86


Figura 28 – Detalhe da fixação do estabilizador indicando a posição do parafuso. Na foto ao alto,
vista em corte do conjunto da porca com o pedaço do parafuso que ainda ficou instalado, após a
ruptura.

Em análise preliminar, além do exame visual da fratura e das demais peças,


foram colhidas algumas fotos das quais foi utilizada a constante da figura 29.

Foi realizado ensaio de dureza do parafuso que rompeu para comparar com a
sua especificação cujo valor é de 34 a 36 HRC. Os valores obtidos em uma seção
longitudinal foram em média de 50,18 HRC e, na superfície externa, em média 51
HRC. Considerando-se que o parafuso é feito em aço SAE 4340, conclui-se que a
temperatura de revenimento foi muito baixa reduzindo com isso sua ductilidade.

A análise da superfície da fratura do parafuso revelou uma ruptura frágil por


sobrecarga de tração iniciada no núcleo da rosca na posição correspondente ao
Fadiga e Análise de Falha Pg.40 de 86
primeiro filete carregado, onde é maior a concentração de tensões e, em
conseqüência, maior a probabilidade de ruptura.

Na figura 29 as setas indicam a região de início da falha e as marcas de


sargento indicam o sentido de propagação, da direita para esquerda. Nota-se a total
ausência de cisalhamento a 45o nas bordas.

Figura 29 – Vista geral da superfície da fratura. As setas indicam a região de início da falha num
plano que contém o fundo do filete de rosca.

Foi observado, também, um amassamento no final da haste do parafuso,


exatamente na região em que forma um pescoço antes de iniciar a rosca.

O exame da porca, na região de início da rosca também revelou um


amassamento semelhante, como se as duas peças fossem forçadas uma contra a
outra durante um aperto do parafuso.

A fractografia realizada no MEV confirma uma ruptura frágil intergranular do


parafuso.

Foi feito um corte perpendicular à superfície da fratura no seu plano de


simetria a fim de examinar a microestrutura da região de início da falha. A amostra
foi preparada conforme procedimentos recomendados dentro das técnicas usadas
em metalografia.

O resultado desta análise indicou uma microestrutura constituída de


martensita revenida, não tendo sido observada nenhuma anormalidade metalúrgica

Fadiga e Análise de Falha Pg.41 de 86


que pudesse ser relacionada com a falha. A falha do parafuso ocorreu por ruptura
frágil decorrente de sobrecarga de tração.

Até este estágio, não surgiu com clareza a causa da falha do parafuso,
entretanto, chamaram a atenção alguns fatos extremamente importantes que podem
ser relacionadas como segue:

a) o estabilizador estava frouxo

b) o parafuso estava mais frágil do que deveria

c) a ruptura foi por sobrecarga de tração

d) ocorreu um forte contato entre o parafuso e a porca antes do


início da rosca a ponto de provocar danos (amassamento) nesta
região em ambos os elementos.

Começando-se pelo item (d) acima, na tentativa de explicar e confirmar a


interferência encontrada foi efetuado um corte da porca ao longo do seu eixo
longitudinal, e da extremidade do parafuso que permaneceu montada, dentro dela.
Logo após, foi colocada a outra parte do parafuso no local na tentativa de juntas os
dois lados da fratura. Como pode ser observado na foto ao alto da figura 28, o
contato do parafuso com a porca na região dos amassamentos impediu a junção das
duas partes do parafuso, ficando entre os dois lados da fratura um espaço de
aproximadamente um milímetro.

Isto indica que o aperto do parafuso na tentativa de fixar o estabilizador que


estava frouxo, provocou o contato entre ele e a porca e, a partir daí, o torque
aplicado tracionava o parafuso na região da rosca sem apertar o estabilizador. Com
o aumento do efeito de entalhe no primeiro filete carregado produzido pelo excesso
de dureza (resistência) do parafuso, o esforço de tração acabou provocando uma
ruptura frágil por sobrecarga. É possível também que esta trinca tenha se iniciado
em vôo e assim afrouxado o estabilizador, pois na primeira montagem já havia
interferência das peças faltando somente uma sobrecarga adicional que poderia ter
ocorrido naquele vôo. Neste caso o reaperto do estabilizador apenas teria terminado
de romper o parafuso.

Fadiga e Análise de Falha Pg.42 de 86


Entretanto, o exame do desenho de montagem do parafuso e porca da figura
28 mostra que com o parafuso, anel e porca nas medidas constantes da
especificação, não há possibilidade alguma de contato, pois a diferença chega a ser
de dois milímetros.

Então, se este contato ocorreu é porque estas peças estavam fora das
medidas. Por esta razão, foi então feita uma verificação da profundidade da porca,
onde se obteve 12,4 mm ao invés dos 13 mm do desenho, e do comprimento do
parafuso que apresentou 100,80 mm no lugar dos 100 mm. Só aí, os dois milímetros
de folga ficam reduzidos para 0,6 mm.

Não foi possível verificar o anel que estava instalado na aeronave, mas com
certeza também deveria apresentar um comprimento inferior aos 89 mm previstos,
tendo em vista que o contato realmente ocorreu.

Chama a atenção no desenho das peças a não exigência de precisão nestas


três medidas que na montagem se associam podendo seus erros “admissíveis” se
somarem como no caso, impedindo a correta fixação do estabilizador.

Assim sendo, a causa da falha neste caso pode ser atribuída aos erros nas
dimensões das peças, produzidas por ocasião da usinagem. Isto poderia ser evitado
se fosse dada uma folga maior, que seria conseguida, por exemplo, usando 95 mm
no comprimento da haste do parafuso ao invés dos 100 mm.

Ao longo desta investigação, verificou-se também que o torque aplicado ao


parafuso (5 Kgm) estava exagerado, provocando uma redução importante na
resistência à fadiga. Procedendo-se então ao cálculo do torque ideal, obteve-se o
valor de 0,64 Kgm, que é 7,8 vezes menor do que o em uso, mas que proporciona
um aumento na segurança do parafuso com relação à fadiga da ordem de oito
vezes.

Fadiga e Análise de Falha Pg.43 de 86


2.2.3 – Análise de falha em pino de ensacadeira pneumática
O trabalho objetiva identificar os motivos que levaram ao colapso do pino de
segurança da ensacadeira.
A leitura deste trabalho indica que a causa da falha foi o inadequado
dimensionamento do pino, que não apresentou resistência a fadiga adequada para
sua aplicação.
Parte de um pino de segurança da tampa de uma ensacadeira pneumática
para embutidos de carne foi recebida, a fim de desenvolverem-se análises buscando
identificar a causa da ruptura.
Conforme informações do solicitante, a tampa da embutidora (A=0.1809m2)
sofria uma variação de pressão de 0 a 130 lbs/in2 (896,3 MPa). Este equipamento
encontra-se ligado em uma rede de ar comprimido onde, para compressão do
produto fabricado, recebia uma pressão de 130lbs/in2 e seu cilindro interno
comprimia o produto. Posteriormente o sistema era invertido para que o cilindro
retornasse a sua posição inicial. Sendo assim espera-se uma solicitação dinâmica
repetida no pino variando de 0 a 130 lbs/in2. O pino rompeu em serviço.
Um desenho esquemático, feito pelo fabricante, também foi recebido junto
com a parte do pino (figura 30). Neste desenho algumas informações foram
acrescentadas pelo solicitante. Segundo informado, a primeira parte a romper foi a
do pino (encaixe da tampa). Esta peça não está de acordo com o desenho (figura
31). Depois ocorreu a fratura do lado oposto.

Fadiga e Análise de Falha Pg.44 de 86


Figura 30 – Reprodução do desenho esquemático da embutidora feito pelo fabricante. Algumas
informações adicionais tais como a seqüência da falha e as modificações do projeto foram acrescidas
ao desenho pelo solicitante.

Figura 31 – Esquema representando a mudança de projeto para o encaixe da tampa. O pino foi
soldado ao dispositivo de aperto e depois foi aderida uma camada protetora contra corrosão de aço
inoxidável.

Fadiga e Análise de Falha Pg.45 de 86


A parte do pino rompido apresentava péssimas condições para análise da
superfície de fratura. Além de sinais de desgaste abrasivo, provavelmente através do
esmerilhamento, a parte recebeu um ponto de solda que cobriu cerca de 30% da
fratura. Estes procedimentos foram realizados, segundo o solicitante, visando
identificar o material do pino (figura 32).
A superfície possuía, ainda, camada de oxidação que dificultava a sua
visualização através de microscopia eletrônica.
Apesar disso, foi identificada uma região lisa na superfície, característica de
processos de fadiga. O esmerilhamento aplicado impediu de identificar exatamente o
ponto inicial desta fadiga e a sua real extensão. A peça foi, então, encaminhada ao
microscópio eletrônico de varredura (MEV) para averiguar o processo de fadiga e
identificar os micromecanismos da falha. A corrosão superficial dificultou a análise
no MEV, mas foi possível identificar estrias de fadiga em regiões determinadas. A
corrosão foi, então, eliminada através da solução de Clark e as estrias de fadiga
ficaram evidenciadas não só na superfície lisa, como também na parte mais fibrosa
da falha (figuras 33 e 34).
O espaçamento entre as estrias apresentou-se de forma distinta. A parte lisa
tem menor espaçamento se comparada à fibrosa. Isto significa que ocorreram duas
taxas de propagação da trinca de fadiga.

Figura 32 – Macrografia da parte do pino fraturado indicando o ponto de solda e esmerilhamento da


superfície de fratura. Aumento: 0,7x.

Fadiga e Análise de Falha Pg.46 de 86


Figura 33 – Macrografia indicando as regiões da fadiga, quais sejam, a lisa e a fibrosa. Aumento:
1,7x.

Figura 34 – Estrias de fadiga observadas na superfície fibrosa, caracterizadas por linhas paralelas
dispostas radialmente a partir do ponto inicial da fadiga. As estrias são formadas devido a deformação
plástica localizada na ponta da trinca que se propaga.

A fadiga averiguada no componente indicou a necessidade de análises


metalúrgicas complementares, para observar as condições microestruturais, a
composição química e a dureza do material.
A microestrutura é formada por matriz ferrítica com pouca perlita, típica de um
aço de baixo carbono no seu estado recozido. As linhas de fluxo do material
indicaram que o pino é confeccionado através de processo de conformação
mecânica (laminação). O tamanho de grão mostrou-se heterogêneo, com tamanho
médio em torno de 8 ASTM junto a superfície e 6 ASTM mais para o núcleo. A
dureza do pino é de 154 HB em média. A variação do tamanho de grão e a presença
de perlita esferoidizada em algumas regiões podem ter sido causadas pelo

Fadiga e Análise de Falha Pg.47 de 86


superaquecimento localizado no processo de soldagem do pino ao dispositivo de
aperto da tampa (figuras 35 a 38).
A análise química realizada por emissão óptica indicou um teor de carbono de
0,09% em peso, confirmando o resultado metalográfico.

Tabela 1 – Análise química


Elemento C Si Mn P S Cr Mo Ni Cu Ti Sn
% em massa 0.09 0.25 0.86 0.02 0.02 0.09 0.02 0.09 0.09 0.01 0.03

Trata-se, portanto, de um pino laminado a partir de um aço baixo carbono


(SAE 1010 ou similar).

Figura 35 – Fotomicrografia obtida do núcleo do pino, indicando a microestrutura ferrítica e perlítica


com linhas de fluxo do material devido a laminação.

Figura 36 – Microestrutura ferrítica e perlítica com tamanho de grão em torno de 8 ASTM que
caracteriza a superfície do pino.

Fadiga e Análise de Falha Pg.48 de 86


Figura 37 – Condição microestrutural numa região intermediária entre a superfície e o nícleo do pino.
Observa-se a variação do tamanho de grão e a formação de perlita esferoidizada.

Figura 38 – Tamanho de grão em torno de 6 ASTM junto ao núcleo do pino com matriz ferrítica e
perlita esferoidizada. Observa-se também o alinhamento microestrutural devido a laminação.

Levando em consideração as informações do solicitante quanto a pressão de


trabalho e dimensões do equipamento, foi desenvolvido um cálculo da resistência a
fadiga do pino, conforme os dados a seguir:
* vaso: diâmetro interno (Di)=480 mm
* pressão máxima em serviço (Pmáx.)=0,896 MPa
* pino: diâmetro da parte fraturada=40 mm
A área total da tampa é:
At = π (Di/2)2
At = 180955,7 mm2
O esforço máximo na tampa é:
F = Pmáx * At
F = 162.199,7 kN

Fadiga e Análise de Falha Pg.49 de 86


Tal força distribui-se nos dois pinos que sustentam a tampa, de forma que o
pino fraturado suportou a metade desta força:
Fp = F/2
Fp = 81099,8 kN
A área do pino fraturado é:
Ap= π (40/2)2
Ap=1256,6 mm2
A tensão máxima no pino é (σp):
σp=Fp/Ap
σp=64,5 MPa
Então, a tensão máxima aplicada no pino é em torno de 64,537 MPa.
Considerando a solicitação dinâmica de tração repetida que sofre o pino, pode ser
calculada a sua resistência a fadiga.
S'n - resistência a fadiga de flexão rotativa para o aço SAE 1020
S'n = 160 MPa

Ka - fator de correção devido ao acabamento da peça


Ka = 0,7 (pino usinado com dureza 154 HB)

Kb - fator de correção devido ao tamanho do pino


Kb = 0,85 (pino com 40 mm diâmetro)

α - correção entre ensaio de fadiga sob solicitação de tração repetida e flexão


rotativa
α = 0,72

Sn - resistência a fadiga do pino sob tração repetida


Sn = S'n * Ka * Kb * α
Sn = 160 MPa * 0,7 * 0,85 * 0,72
Sn = 68,5 MPa
Logo, a resistência a fadiga aproximada do pino, considerando os dados
mencionados, é de apenas 68,5 MPa.
Relacionando este valor de resistência com a tensão aplicada no pino, obtêm-
se o coeficiente de segurança determinado em projeto:
Fadiga e Análise de Falha Pg.50 de 86
Sg = Sn/σp
Sg = 1,06

Tal coeficiente de segurança indica que a solicitação do pino é muito próxima


(0,6 % inferior) a resistência a fadiga.
Lançando estes valores no diagrama de Goodman podemos avaliar o
comportamento em fadiga do pino, segundo o critério de Shigley, que determina que
o ponto que relaciona a amplitude máxima de solicitação (64,5 MPa) à tensão média
da solicitação (32,25 MPa) deve estar localizado abaixo do limite inferior da zona de
dispersão. Este limite é determinado no diagrama pela linha que liga a resistência a
fadiga do componente (ordenadas) ao ponto de resistência a tração (abscissa),
conforme mostra o gráfico da figura 39.

80 Goodman
Tensão Máxima

68,5 64,5
60
(MPa)

40
32,25
20
320
0
0 30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 330 360

Tensão Média (MPa)


Figura 39 – Diagrama de Goodman do pino fraturado mostrando que o seu projeto quanto a
resistência a fadiga não foi adequado, pois o ponto indicado acima da linha limite da zona de
dispersão prevê uma possível ruptura por fadiga.

O pino de segurança rompeu por fadiga sob solicitações repetidas de tração,


devido ao inadequado dimensionamento na especificação do projeto.
O coeficiente de segurança Sg = 1,06 é muito baixo para a aplicação em um
pino de segurança de um vaso de pressão.
O pino deveria ter sido projetado com maior diâmetro ou então a partir de um
material com maior resistência a fadiga.

Fadiga e Análise de Falha Pg.51 de 86


2.2.4 - Análise de falha em chapa para apoio de molas
A falha ocorreu numa das quatro partes comprimidas caracterizadas em
desenho pela cota de raio R 20 das chapas para apoio de molas de suspensão
automotiva (figura 40).

Em primeira análise a trinca iniciou na aresta superior (formada no corte por


guilhotina) e propagou até aproximadamente vinte milímetros (20 mm) na direção da
base, paralelamente aos eixos de centro dos furos (figura 41). Esta aresta superior
apresenta um acabamento superficial irregular (figura 42), formado por estrias que
aparentemente direcionam o fluxo do material durante a estampagem do
componente, resultando em pontos de deformação plástica localizada na região
comprimida da parede interna do componente (figura 43). Cada uma das duas
seções mencionadas, ou seja, a vista de topo e a parede interna foram analisadas
microscopicamente de forma a verificar a condição metalográfica nestes pontos
críticos (as metalografias acompanham as respectivas figuras). Foi verificada, assim,
a formação de trincas no material principiadas nos pontos concentradores de
tensões devido ao encruamento do material.
As duas superfícies da trinca foram retiradas para análise. Foi verificado,
então, o ponto de início da trinca como sendo a aresta interna, desde o vértice
superior até cerca de cinco milímetros (5 mm) abaixo. A fratura apresenta-se de
forma frágil, com vasta zona radial envolvida pela zona de cisalhamento final. O
micromecanismo de fratura predominante em toda a zona radial, incluindo as
proximidades do início da falha, é caracterizado por clivagem (figura 44).
A microestrutura do material é formada por ferrita e pequena quantidade de
perlita, típica de um aço com baixo teor de carbono, e carbonetos (cementita)
esferoidizados dispersos na matriz e em contorno de grão. O tamanho de grão do
material encontra-se em torno de 7 pela norma ASTM.

Foram realizados ensaios de microdureza na chapa resultando em uma


dureza média de 170 HV0,2, salvo nas regiões mais encruadas, próximo à região
cortada por guilhotina, onde a dureza aumentou para 200 HV0,2.

Fadiga e Análise de Falha Pg.52 de 86


Figura 40 – Imagem mostrando as duas peças recebidas para análise de falha. Uma delas apresenta
uma trinca conforme a próxima figura. Aumento: 0,3x.

Figura 41 – A seta indica a ruptura que inutilizou a chapa de apoio para molas. Aumento: 0,8x.

Figura 42 – Vista de topo mostrando o acabamento superficial da região da chapa cortada por
guilhotina numa região simétrica àquela trincada. Na direita, metalografia indicando a presença de
uma trinca semelhante a que resultou na falha da peça, bem como as linhas de fluxo oriundas da
fabricação.

Figura 43 – Vista em perspectiva da região crítica. Notam-se, junto à aresta, os pontos onde ocorreu
deformação plástica localizada durante o processo de estampagem. Porém, esta metalografia é
referente a chapa isenta, o que determina que os pequenos pontos concentradores de tensão
formam-se já na fabricação da peça.

Fadiga e Análise de Falha Pg.53 de 86


Figura 44 – A montagem mostra os micromecanismos de fratura correspondentes às regiões
indicadas na macrografia da fratura. Fractrografias em MEV da região próxima ao início da falha com
clivagem (a); direcionamento da fratura característico da região de propagação (b); região próxima a
imobilização da trinca com a formação de clivagem e alguns indícios de coalescências de
microcavidades (c).

Figura 45 – Fractrografia em MEV do detalhe da imagem (a), figura anterior, na região de início da
falha. Nota-se a superfície de clivagem e sinais de cementita esferoidizada indicada pela seta.

Fadiga e Análise de Falha Pg.54 de 86


Figura 46 – Micrografia em MO de uma seção longitudinal simétrica àquela trincada. Observa-se o
encruamento do material com fluxo seguindo o sentido do corte por guilhotina. Tamanho de grão em
torno de 7 ASTM.

Figura 47 – Micrografia em MO mostrando a microestrutura ferrítica com pequena quantidade de


perlita e cementita esferoidizada.

O trabalho indicou que a trinca ocorreu devido a uma sobrecarga por


solicitação estática principiada numa região de forte concentração de tensões
imposta pela conformação mecânica e caracterizada pelas marcas de deformação
plástica localizada, visíveis inclusive a olho nu. O micromecanismo de clivagem
observado em toda a zona radial pode ter-se desenvolvido exatamente por causa
desta região concentradora de tensões.

A falha do componente, portanto, está relacionada com o processo de


fabricação, quando a rugosidade da aresta cortada por guilhotina direciona o fluxo
do material originando pequenas fissuras concentradoras de tensões. O esforço
aplicado no processo de montagem, por sua vez, torna-se suficiente para a
propagação de trincas oriundas da fissura inicial, inutilizando o componente.

Fadiga e Análise de Falha Pg.55 de 86


2.2.5 – Análise de falha em virabrequins para motores a diesel (1)
Tiago Renck (2)
Sandro Griza (3)
Telmo R. Strohaecker (4)

Virabrequins são componentes excêntricos que transformam o movimento de


translação repetida em rotação. Podem ser, portanto, considerados como o principal
componente de um motor de combustão interna. Nos últimos tempos, muitos casos
de falha em virabrequins foram analisados, apesar de normalmente ser um
componente super dimensionado.
O motivo destas falhas se relaciona com problemas microestruturais, tensões
residuais ou problemas de utilização como falta de lubrificação, por exemplo. Sabe-
se que qualquer um dos fatores acima pode ser responsável pela nucleação de
trincas de fadiga, o que certamente leva o componente ao colapso.

Palavras chave: virabrequim, fadiga, análise de falha


1(1)
Trabalho a ser apresentado no 550 Congresso da Associação Brasileira de
Metalurgia e Materiais – 24/07/00 a 28/07/00 – Rio de Janeiro – RJ - Brasil
(2)
Graduando em Engenharia Mecânica - UFRGS
(3)
Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e
dos Materiais (PPGEM) - UFRGS
(4)
Professor, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e
dos Materiais (PPGEM) - UFRGS
trenck@demet.ufrgs.br

Introdução
O virabrequim dos motores a combustão interna é o componente responsável
por captar e posteriormente transmitir a energia produzida pelos cilindros (câmaras
de combustão), podendo ser considerado como seu principal componente
transformando o movimento de translação dos pistões em rotação. Os virabrequins
são peças robustas, superdimensionadas, construídas de aço ou ferro fundido e
mesmo assim ocorrem muitos casos de falha nestes componentes.
Estes componentes devem possuir alta resistência a fadiga, pois sofrem
carregamentos cíclicos durante toda sua vida útil. Entretanto muitos são os fatores
que podem alterar esta propriedade, introduzidos pelo processo de fabricação,
montagem, manutenção, material, operação e etc. Muitas vezes, devido a grande
rigidez do sistema, o motor continua em operação por algum tempo, de modo que a
superfície de fratura sofra grande amassamento prejudicando a observação dos
mecanismos de fratura.
Fadiga e Análise de Falha Pg.56 de 86
Neste trabalho serão apresentadas algumas análises de falha já realizadas
pelo LAMEF – UFRGS onde serão mostrados quatro (4) ocorrências de virabrequins
fabricados em ferro fundido e quatro (4) casos de peças forjadas em aço. A figura 48
mostra um desenho esquemático do componente e suas partes.

Cambotas Moentes

Munhões

Figura 48 - Esquema mostrando a nomenclatura utilizada neste trabalho.

Metodologia
A metodologia seguida para as análises de falha realizadas segue o proposto
(1)(2)(3)(4)(5)
pela literatura . Devido a grande quantidade de informações alguns
resultados, que não tiverem ligação direta com o colapso, não serão citados. Serão
discutidas, portanto, apenas as causas que levaram cada componente ao colapso. A
contagem das partes tem origem na parte frontal do componente em relação motor.

Resultados
Serão apresentados primeiramente os casos de peças fabricadas em aço e
posteriormente os casos de peças fabricadas em ferro fundido.

Primeiro caso – Virabrequim de aço de um motor de barco


Neste caso foi analisado um virabrequim de motor de utilização náutica que
rompeu em serviço no terceiro moente. A falha ocorreu em serviço durante o
funcionamento normal. Este componente trabalhou durante cinco anos e sofreu
processo de retífica rompendo após 7.000 horas de uso, aproximadamente.
Uma análise visual das partes envolvidas revelou que existem marcas de
desgaste irregular nos munhões e moentes, o munhão fraturado e a biela
correspondente apresentaram excessivas marcas de deformação superficial devido
ao atrito com conseqüente destruição do casquilho. Marcas de queima foram
observadas nas partes do moente danificado, tendo, inclusive, atingido um tom
azulado que indica uma temperatura de cerca de 500° C.

Fadiga e Análise de Falha Pg.57 de 86


A análise macroscópica da superfície da fratura determinou o início da falha
por fadiga em diversos pontos que compreendem cerca de um quarto do perímetro
do raio entre o terceiro moente e a região frontal da cambota (figura 49). A falha
propagou a partir dos diversos pontos atingindo cerca de um terço da seção
resistente com solicitação de flexão. A ruptura final ocorreu por sobrecarga com
solicitação combinada com uma componente de torção. A superfície fatigada
encontra-se lisa e as marcas de praia características são pouco evidentes.
Foi retirado um corpo de prova de uma região no raio de concordância que
apresentou estas marcas de queima e foi constatada uma região com martensita
não revenida (figura 50). Este constituinte é formado devido a altas temperaturas
atingidas durante o processo de retificação. Costuma-se denominar este fenômeno
de "queima de retífica" e ocorre quando o rebolo exerce uma pressão elevada sobre
a peça ou falta fluido de lubrificação. Foi constatado que a dureza desta fase clara é
muito superior a das demais regiões temperadas por indução, confirmando assim a
hipótese de ter sido formada martensita não revenida.

Figura 49 - Imagem mostrando a superfície de fratura observa-se as regiões azuladas no início da


fratura. Aumento: 1x.

Figura 50 - Micrografias mostrando as regiões onde ocorreu formação de martensita não revenida.
Ataque: Nital 2%. Aumento: 180x.

Fadiga e Análise de Falha Pg.58 de 86


Finalmente pode-se afirmar que a origem da falha está associada ao
processo de retificação que permitiu a formação de martensita não revenida junto ao
raio de concordância entre a cambota e o terceiro moente. A martensíta não
revenida é uma fase frágil, altamente tencionada e com elevada dureza; ou seja,
uma fase preferencial para a nucleação de uma trinca.

Segundo caso – Virabrequim em aço de um motor de aeronave


Neste caso foi analisado um virabrequim de um motor de aeronave agrícola
que sofreu queda em decorrência da falha no motor enquanto pulverizava uma
lavoura poucas horas depois de ter sido submetida a uma revisão geral.
A análise visual da superfície de fratura indicou que a ruptura ocorreu por
fadiga em carregamento de flexão nucleada no raio de concordância junto à
cambota (figura 51).
A análise metalográfica da região próxima a fratura mostrou a existência de
uma camada nitretada com espessura de 0,008 mm no flanco do munhão. Não foi
observada, porém, a existência de camada nitretada na superfície do munhão,
evidenciando que houve uma retirada de material devido a retificação ou desgaste
do munhão que removeu a acamada nitretada. Em outra seção analisada foi
encontrada uma região com formação de martensita não revenida na superfície do
munhão pouco antes do raio de concordância evidenciando que houve "queima" no
processo de retífica, semelhante ao ilustrado na figura 50.
Foram realizados ensaios de líquido penetrante e partículas magnéticas em
várias regiões do virabrequim constatando-se a presença de trincas radiais em toda
circunferência do munhão, no raio de concordância entre o terceiro mancal e a
cambota, exatamente onde ocorreu a ruptura (figura 51).

Figura 51 - A esquerda observa-se a superfície de fratura nucleada no raio de concordância. A


imagem da direita mostra as trincas radiais no raio de concordância. Aumentos: 0,8 e 6x
respectivamente.
Fadiga e Análise de Falha Pg.59 de 86
Pode-se concluir que a causa da falha por fadiga do virabrequim foram os
defeitos de trincas radiais e martrensita não revenida produzidos durante uma
operação de retífica do munhão.

Terceiro e Quarto casos – Virabrequins em aço de motores de caminhão


Nestes dois casos foram analisados dois virabrequins de caminhões
semelhantes que romperam por fadiga nucleada num ponto junto aos raios de
concordância do quinto e terceiro munhão, para cada peça. Ambas as situações não
sofreram manutenção ou reparo no virabrequim.
A análise da fratura dos dois casos mostrou a nucleação da fadiga em um
ponto junto ao raio de concordância do munhão e a cambota do moente anterior. O
plano de propagação, em ambos os casos, atingiu cerca de metade da seção
resistente e posteriormente ocorrendo a ruptura final, visto na figura 52.
A análise microestrutural das regiões próximas das fraturas mostrou uma
estrutura martensítica revenida na região de contato com os mancais, temperada por
indução, e uma estrutura bainítica nas demais regiões do virabrequim. Em ambos os
casos foi constatado que a camada temperada por indução termina imediatamente
antes do início do raio de concordância, como pode ser visto na figura 53. Sabe-se
que o procedimento de têmpera por indução introduz tensões compressivas na
camada e que tais tensões são equilibradas com o aparecimento de tensões trativas
logo abaixo da camada. As regiões com tensões trativas encontram-se exatamente
junto ao raio de concordância diminuindo, assim, o efeito benéfico do próprio raio.
No terceiro caso foi observada a presença de uma inclusão alongada no
sentido ortogonal à pista de rolamento próximo ao início da falha (figura 54).

Início da falha
Marcas de praia

Ruptura final

Figura 52 – Detalhe do plano de propagação desenvolvido numa extensa superfície que abrange
mais de 50% do total da seção resistente. Aumento: 0,6x.

Fadiga e Análise de Falha Pg.60 de 86


Raio de Superfície
concordância de fratura

Figura 53 – Macrografia mostrando a região temperada por indução (a) e a região do núcleo (b).
Observa-se que o término da camada temperada por indução ocorre imediatamente antes do início
do raio de concordância. Aumento: 12x.

Figura 54 – A imagem mostra uma inclusão alongada no sentido ortogonal à pista de rolamento,
próximo ao início da falha. Sem ataque.

No quarto caso devido a não ter sido encontrado nenhum defeito


microestrutural foi realizada uma análise de tensões residuais utilizando o método de
(6)
seccionamento em dois pontos , um na pista de rolamento e outro no raio de
concordância (figura 55). Os resultados desta análise mostraram que na pista de
rolamento, com um corte de 3 mm de profundidade foi medido um valor de tensão
compressiva de 255 MPa e no raio de concordância, com um corte de 1,5 mm de
profundidade foi medido um valor de tensão trativa de 28 MPa, confirmando a
hipótese citada anteriormente.

Figura 55 – A imagem mostra o extensômetro colado ao componente que permitiram medir a


variação de tensão com a progressiva relaxação das tensões residuais conforme a região era
secionada. Aumento: 0,6x.

Fadiga e Análise de Falha Pg.61 de 86


Conclui-se que o fato de haver tensões trativas no raio de concordância é um
fator agravante na vida em fadiga dos materiais. No terceiro caso o alinhamento de
inclusões próximo a superfície é mais um fator que diminui a resistência a fadiga do
componente.

Quinto caso – Virabrequim em ferro fundido nodular de motor de carro


Neste caso foi analisado um virabrequim fabricado em ferro fundido nodular.
Durante a utilização do veículo, ocorreu a queda de um parafuso de fixação da caixa
de distribuição no compartimento da correia de distribuição, ocasionando folga e um
golpe reativo ao movimento do virabrequim de uma determinada magnitude.
A análise da fratura indicou que o colapso ocorreu por fadiga devido a
solicitação de flexão, tendo nucleado junto ao raio de concordância entre a palma e
o moente. A região de propagação foi extensa, atingindo mais de dois terços da
superfície total.
A análise microestrutural indicou que os nódulos apresentam
heterogeneidade quanto ao seu tamanho (apesar de estarem na faixa especificada)
e distribuição, estando estes alinhados em algumas regiões junto ao raio de
concordância (figura 56), além da presença de alguns microrrechupes, porosidades
e grafita em forma de agulha dispersas na matriz perlítica e ferrítica.

Figura 56 – Alinhamento de nódulos partindo do raio de concordância. Aumento: 20x.

A análise dos resultados mostra que o componente apresentou propriedades


mecânicas e metalúrgicas dentro do especificado, porém pôde ser observado um
alinhamento de nódulos de grafita na região do raio de concordância o que
determina um defeito de fundição. Este alinhamento de grafita pode estar associado
a inoculação ineficiente na fundição ou altas temperaturas de vazamento. Tal defeito

Fadiga e Análise de Falha Pg.62 de 86


associado a um regime de trabalho mais exigente, houve falta de aperto dos
parafusos da capa do quinto mancal propiciando uma solicitação de flexão anormal
no componente, levaram o virabrequim à ruptura.

Sexto e Sétimo caso – Virabrequins em ferro fundido nodular de motores de


carro
Nestes casos foram analisados dois virabrequins de motores semelhantes. A
ruptura ocorreu na cambota dianteira e traseira do quarto munhão nos respectivos
casos.
A observação com lupa da superfície de fratura indicou o local de nucleação
da mesma como sendo um ponto próximo ao raio de concordância no interior da
cambota dianteira e traseira do quarto munhão respectivamente. O
macromecanismo de propagação da fratura na região próxima à de nucleação é por
fadiga. A fratura final ocorreu por sobrecarga de tração, devido à diminuição da
seção resistente, como pode ser visto na figura 57.

Início da falha

Figura 57 – Imagem mostrando o local de nucleação da fratura, um ressalto próximo ao raio de


concordância como indicam as marcas de deformação. Aumento: 1,15x.

A observação em MEV identificou o ponto de nucleação como sendo uma


descontinuidade do material (microrechupe) como mostra a figura 58. Na região final
da fratura o micromecanismo de propagação é por clivagem. Uma vez atingida a
superfície, a fratura propagou-se também seguindo perpendicularmente ao raio de
concordância.

Fadiga e Análise de Falha Pg.63 de 86


Figura 58 – Micrografia em MEV do defeito responsável pela nucleação da fratura. Pode-se observar
que o defeito é um microrechupe no material.

Os dois componentes analisados apresentaram microestrutura perlítica com


ferrita em contorno de nódulos e raras ocorrências de má formação de nódulos.
Cabe salientar que no sétimo caso foram encontradas algumas películas de óxido
em contorno das células eutéticas, como mostra a figura 59. A principal anomalia
encontrada em ambos os casos foi a presença de microrechupes numa região
próximo a falha.

Figura 59 – Micrografias em MO mostrando à esquerda a formação de uma película de óxidos em


contorno de células. À direita observa-se a ocorrência de microrechupes na região próxima ao início
da falha. Aumentos: 25 e 40x.

As microestruturas das peças analisadas apresentaram-se dentro do


especificado pelo solicitante com exceção de má formação de nódulos e no sétimo
caso e a presença de óxidos. A formação de películas de óxidos e a presença de
microrechupes, principais responsáveis pela falha, deve ser associada a problemas
de fundição ou vazamento do metal líquido.

Fadiga e Análise de Falha Pg.64 de 86


Oitavo caso – Virabrequim em ferro fundido nodular de motor agrícola
Aqui foi analisada uma seção de um virabrequim utilizado em um motor
agrícola de quatro cilindros que rompeu transversalmente em uma pista de
rolamento, não especificado se em algum munhão ou moente.
A análise visual da superfície de fratura mostrou indícios de ruptura por fadiga
evidenciada pelas marcas de praia divergindo de um ponto subsuperficial (logo
abaixo da camada temperada por indução) e apresentando regiões distintas de
propagação, como pode ser observado na figura 60.
A microestrutura da seção analisada apresentou-se perlítica com pouca ferrita
em contorno de nódulos e com grande variação no tamanho dos nódulos. A região
de início da falha apresentou grande quantidade de microrechupes, conforme mostra
a figura 61.

Início da falha

Zona de
propagação

Figura 60 – Macrografia mostrando a superfície da fratura do virabrequim indicando o início da falha


num ponto abaixo da camada temperada. Aumento: 1x.

Figura 61 – Micrografias mostrando a presença de microrechupes na região de início da falha.


Aumento: 90x.

Fadiga e Análise de Falha Pg.65 de 86


Conclui-se que o virabrequim rompeu por fadiga sob carregamento de flexão
nucleada numa região logo abaixo da camada temperada por indução, devido a
grande quantidade de microrechupes. A extensa zona de propagação e ausência de
deformação plástica macroscópica evidente indica o baixo nível de tensões agindo
na fadiga e superdimensionamento da região resistente.

CONCLUSÃO
Dos oito componentes apresentados constatou-se que ocorreram duas falhas
devido a manutenção inadequada, duas falhas devido a processos de tratamento
térmico irregular, um caso de operação inadequada associado a um problema de
material e, finalmente, três colapsos onde o processo de fabricação por fundição foi
o principal responsável pelas falhas.
O estudo das situações acima mostra que quando o assunto é fadiga mesmo
peças robustas tornam-se susceptíveis à falha.

BIBLIOGRAFIA
1) Cassou, C. A., “Metodologia de Análise de Falha, Dissertação de Mestrado,
PPGEM, UFRGS, 1999.
2) Metals Handbook, “Fadigue Analysis and Prevention”, 9th edition, ASM
1986.
3) NISHIDA, S., “Failure Analysis in Engineering Aplications”, Butterworth-
Heinemann, great Britain, 1992.
4) BROOKS, C. R., “Metallurgical Failure Analysis”, Volume 7, Mcgraw- Hill,
New York, 1993
5) HERTZBERG, R. W., “Deformation and Fracture Mechanics of Engineering
Materials”, 3rd edition, John Wiley & sons, New York, 1989.
6) Society for Experimental Mechanics. Handbook of Measurement of
Residual Stresses. Lilburn: The Fairmont Press, Inc., USA, 1996

Fadiga e Análise de Falha Pg.66 de 86


2.2.6 - Análise de falha em barra de prensa

Resumo
Uma barra de prensa rompida em serviço foi analisada onde se constatou que
a falha foi oriunda da alta susceptibilidade ao entalhe do material utilizado aliada a
defeitos microestruturais.
Análises metalúrgicas indicaram que ocorreu um processo de fadiga com uma
pequena superfície de propagação originada em defeitos superficiais
(arrancamentos e “pittings”).
As análises indicaram, também, a ocorrência de uma grosseira rede de
carbonetos primários sobre a matriz martensítica do material.
Finalmente, sugerem-se algumas alterações no material a fim de aumentar a
vida em fadiga da barra.

Descrição
Foram recebidas duas partes de uma barra de prensa para forjamento que
rompeu em serviço para desenvolver análises metalúrgicas a fim de evidenciar a
causa da falha. Esta barra possui seção de 220x140 mm e 1700 mm de
comprimento e aciona cinco punções extratores.
Conforme as informações do solicitante, o projeto original da barra prevê a
utilização de um aço DIN X210CrW12 (VC 131). No entanto, a barra foi fabricada
com o aço VD2. A barra reposta, por fim, foi fabricada com o aço AISI 4140
beneficiado e sofreu têmpera por indução na face em contato com os punções
extratores.

Análise Visual
As duas superfícies de fratura foram submetidas a inspeção visual e em lupa
de baixo aumento onde determinou-se uma pequena região de convergência das
linhas radiais na fratura do corpo da barra. Já a fratura da extremidade apresentou
linhas radiais advinda de toda aresta da mudança de seção, aparentando fratura por
sobrecarga. Nesta etapa da análise, o foco de atenção partiu para esta pequena
região de convergência. Diversas imagens foram realizadas em lupa e aparentaram
tratar-se de um processo de fadiga, como mostram as figuras 62 a 65.

Fadiga e Análise de Falha Pg.67 de 86


Figura 62 – Imagem mostrando o componente analisado. Observa-se uma ruptura ao centro (a) e
rupturas nas extremidades (b).

Figura 63 – Detalhe (b) da fratura da extremidade vista na imagem anterior. Aspecto de ruptura por
sobrecarga com linhas radiais seguindo a partir de toda a aresta de mudança de seção.

Figura 64 – Detalhe (a) da fratura central vista na imagem 61. Observam-se as linhas radiais partindo
do vértice superior direito indicado pelo retângulo.

Fadiga e Análise de Falha Pg.68 de 86


Figura 65 – Detalhes da região crítica indicada na figura anterior. A imagem a esquerda evidencia as
marcas radiais partindo do vértice. A imagem a direita, com maior ampliação, evidencia uma pequena
superfície lisa com aspecto de fadiga.

Análise em microscópio eletrônico de varredura (MEV)


A região de interesse foi extraída através de corte metalográfico com serra
abrasiva e foi encaminhada ao MEV. Confirmou-se a suspeita de fadiga, inclusive
observando se duas marcas de praia somente vistas ao MEV.
Foi observado micromecanismo de separação intergranular sobre a superfície
de propagação e principalmente no ponto inicial. Algumas clivagens foram
observadas em partes ao longo de toda a fratura, aparentemente advindas da
separação de segundas fases.
Chamou a atenção, entretanto, à grande dimensão da maioria destas fases
com clivagem. Mais ao final da fratura observou-se a formação de coalescimento de
microcavidades.
Como esta parte cortada apresentava a face externa retificada da barra, esta
também foi analisada em MEV onde se observou que, apesar do processo de retífica
ter sido realizado ao longo do eixo principal da barra de tal forma que as marcas de
desgaste abrasivo seguiam ortogonalmente à fratura, ocorreram alguns pequenos
pontos de nucleação de trincas secundárias em concentrações das segundas fases
e "pittings" de corrosão ou arrancamentos, como mostram as figuras 66 a 72. Tais
fases foram analisadas em microssonda onde se observou alta concentração de Cr
e V, conforme mostra o espectro de microssonda da figura 73.

Fadiga e Análise de Falha Pg.69 de 86


Figura 66 – Fractrografias em MEV da região de início da fratura onde se observou as marcas de
praia bem definidas.

Figura 67 – Fractrografias em MEV que indicam o aspecto diversificado de micromecanismos de


fratura sobre a região inicial da fadiga. À esquerda, um micromecanismo típico de fadiga e à direita,
um aspecto intergranular próximo à superfície.

Figura 68 – Fractrografias em MEV mostrando os micromecanismos observados na região de


propagação da fadiga. Observam-se facetas de clivagem em segundas fases indicadas pelas setas.

Fadiga e Análise de Falha Pg.70 de 86


Figura 69 – Fractrografias em MEV da região de propagação da fadiga. Observam-se, aqui também,
facetas de clivagem em segundas fases indicadas pela seta. À direita, já no final da propagação,
observa-se coalescimentos de microcavidades.

Figura 70 – Fractrografia em MEV da região de ruptura final com coalescimento de microcavidades


circundando os carbonetos esferoidizados.

Figura 71 – Micrografias em MEV do aspecto da face retificada na qual iniciou o processo de fadiga.
Foi aplicado um ataque com Nital 10% que revelou os carbonetos alinhados (placas claras). Observa-
se, à esquerda, uma trinca secundária seguindo um alinhamento. À direita, outra trinca secundária
oriunda de um “pitting” de corrosão.

Fadiga e Análise de Falha Pg.71 de 86


Figura 72 – Micrografia em MEV do aspecto superficial da face retificada junto à fratura. Aqui se
confirmam a presença de carbonetos alinhados e “pittings” oriundos provavelmente do arrancamento
de carbonetos.

Figura 73 – Espectro de microssonda EDS aplicada a uma das fases. Trata-se de carbonetos com
traços de vanádio, cromo e ferro.

Análise microestrutural e ensaio de dureza


Realizou-se, então, uma análise microestrutural para confirmar a presença
das segundas fases.
Observou-se uma rede de carbonetos primários grosseira sobre uma matriz
martensítica revenida, com refinado tamanho de grão, e carbonetos esferoidizados
dispersos, conforme mostram as figuras 74 a 78.
Foi realizado, finalmente, um ensaio de dureza Vickers com carga de 30 kgf e
constatou-se uma dureza de 710 HV30 em média.

Fadiga e Análise de Falha Pg.72 de 86


Figura 74 – Micrografia em MO mostrando um micro trinca partindo da parede externa logo abaixo da
superfície de fratura. Sem ataque. Aumento: 100x.

Figura 75 – Micrografia em MO mostrando a microestrutura do material formada por uma matriz


martensítica revenida e uma rede de carbonetos primários. Ataque: reativo de Villela. Aumento: 50x.

Figura 76 – Micrografia em MO mostrando em detalhe a imagem anterior, onde observa-se a


formação de carbonetos primários aciculares mas também outros alongados, compondo a rede.
Ataque: reativo de Villela. Aumento: 200x.

Fadiga e Análise de Falha Pg.73 de 86


Figura 77 – Micrografia em MO mostrando a mesma microestrutura anterior, agora com ataque de
Nital 10%. Observam-se os grãos de pequeno tamanho formando uma matriz martensítica revenida e
carbonetos dispersos, além de um carboneto alongado. Aumento: 200x.

Figura 78 – Micrografia em MO mostrando a microestrutura em detalhe da matriz do material. Grãos


martensíticos com pequeno tamanho (em torno de 9 ASTM) e carbonetos esferoidizados dispersos.
Ataque: Nital 10%. Aumento: 1000x.

Discussão dos resultados


As análises indicaram que a barra rompeu por fadiga devido à solicitação de
flexão repetida. A trinca propagou de forma elíptica junto a um dos vértices
inferiores, região de maior tensão trativa com comprimento extremamente pequeno
(menos de 10 mm de propagação) em relação à dimensão da barra (220 mm). Tal
morfologia indica o alto nível de tensões envolvido e a grande susceptibilidade ao
entalhe do material utilizado. Com efeito, aços ferramenta como o utilizado, com
elevada dureza, e também aquele prescrito em projeto apresentam baixa tenacidade
à fratura.

Fadiga e Análise de Falha Pg.74 de 86


Qualquer anormalidade superficial tal como "pittings" de corrosão ou
arrancamentos de fases grosseiras já são suficientes para nuclear uma trinca por
fadiga.
A condição microestrutural do material, com uma grosseira rede de
carbonetos de cromo e vanádio, aliada à questão superficial também é danosa à
resistência à fadiga da barra, pois acelera não somente a nucleação da fadiga
(arrancamento e concentradores de tensões) como sua propagação, visto que
ocorreram evidentes facetas de clivagem sobre estas fases grosseiras.

Conclusões
O material utilizado (aço VD2) e o material especificado (aço VC131) são
inadequados para a aplicação na fabricação da barra suporte de punções extratores,
visto que apresentam grande susceptibilidade ao entalhe. A microestrutura formada
por uma grosseira rede de carbonetos primários, associada à questão das
irregularidades superficiais, acelerou o processo de falha.

Sugestões
Conforme foi informado pelo solicitante, a barra de reposição foi fabricada a
partir de um aço AISI 4140 temperado e revenido e com têmpera superficial na face
em contato com os punções.
Como foi observado neste trabalho, o ponto crítico quanto à fadiga encontra-
se na face oposta.
Sugere-se, portanto, que seja utilizado um aço AISI 4140 ou até mesmo um
AISI 4340, que apresenta maior tenacidade, mas que seja conservada a condição
superficial de retífica e que seja também temperada por indução a face crítica.

Fadiga e Análise de Falha Pg.75 de 86


2.2.7 - Análise de falha em parafuso da biela de um motor Ford 6.6

Resumo
Foi aplicada uma análise de falha em um motor a diesel Ford 6.6, onde se
constatou que o colapso foi devido à falha por fadiga de um dos parafusos da quarta
biela. Durante a análise foi verificado que outro parafuso de outra das bielas
apresentava também um processo de fadiga.
Ambos os processos de fadiga apresentaram características de início por alta
concentração de tensões e susceptibilidade ao entalhe.
O processo de fadiga foi incentivado por defeitos de fabricação nas estrias
para montagem por interferência da haste (recartilhado).

Introdução
Foi solicitada a aplicação de uma análise de falha em um motor automotivo de
combustão interna a diesel de marca Ford 6.6 de propriedade de Asun Comércio de
Gêneros Alimentícios LTDA que sofreu revisão na mecânica San Izidro na data de
05/02/2000 e veio a entrar em colapso na data de 07/08/2000.
Conforme o solicitante, o motor apresentou ruptura dos parafusos da biela do
quarto cilindro.
Sendo assim, foi efetuado o acompanhamento da desmontagem do motor e a
análise visual preliminar dos destroços. Foram observadas, além da ruptura dos dois
parafusos da biela em questão, a ruptura da base do motor, a ruptura do comando
de válvulas em três regiões distintas, e outras avarias tais como marcas de contato
das válvulas sobre os pistões, trincas e rupturas no quarto pistão, empenamento de
tuchos, varetas e válvulas.
O solicitante informou que o torque de aperto recomendado é de 10kgfm.
Antes da desmontagem das demais bielas, foi aplicado um momento torsor (torque)
nos demais parafusos através de uma chave (torquímetro) de marca RAVEN, do tipo
catraca e foi verificado que eles estavam com os 10kgfm especificados.
Após a desmontagem, alguns itens (figura 79) foram separados para a análise
em laboratório como segue:
- Os dois parafusos rompidos com a 4a biela e pistão;
- 4 outros parafusos retirados das demais bielas;
- As partes fraturadas do comando de válvulas.

Fadiga e Análise de Falha Pg.76 de 86


As análises em laboratório compreenderam análises visuais e em microscópio
estereoscópico de baixo aumento das partes fraturadas, ensaios de tração e de
dureza nos 4 parafusos das demais bielas e metalografias.
O parafuso segue a norma Whitworth UNF7/16 20 fios por polegada.
O relatório será, portanto, subdividido conforme os passos da análise da
falha.

Figura 79 – A imagem mostra os ítens levados ao laboratório para análise. Em (a), com 0,4x de
magnificação, observa-se o pistão e as partes da biela com os parafusos, além das partes fraturadas
do comando de válvulas. Em (b), com 0,6x, os quatro parafusos separados para ensaios mecânicos
retirados aleatoriamente das demais bielas. Em (c) detalhe da marca cunhada sobre a cabeça do
parafuso rompido da quarta biela.

Acompanhamento da desmontagem do motor


A primeira observação do motor mostrava a ruptura da base do motor, na
região onde ocorreu o impacto da biela. Aqui já podiam ser observadas as fraturas
dos dois parafusos (figura 80).
Foi, então, desmontada a tampa do motor, onde se constatou algumas
avarias já mencionadas e as rupturas do comando. A desmontagem do bloco deixou
à vista as partes superiores dos pistões, onde se observou marcas de impacto das
válvulas, decorrência esta da ruptura dos parafusos da biela, que tornaram o sistema
assíncrono (figura 81).

Após a desmontagem dos pistões, e em particular do pistão 4, verificou-se


que nenhuma marca de atrito existia na camisa (figura 82).

Fadiga e Análise de Falha Pg.77 de 86


Figura 80 – Imagem mostrando a ruptura da base do motor que permitiu a passagem da parte da
biela 4 ao exterior. A seta indica a superfície de fratura do parafuso. Aumento: 0,8x.

Figura 81 – Vista da parte superior do pistão 3 e 4. A seta indica uma marca de contato com uma
válvula. Aumento: 0,3x.

Figura 82 – Vista da parede interna da camisa do pistão 4. Nenhuma marca que indicasse
desalinhamento de montagem foi verificada. Aumento: 0,7x.

Fadiga e Análise de Falha Pg.78 de 86


Análise visual, análise por lupa de baixo aumento e microscópio eletrônica de
varredura (MEV) dos componentes fraturados
A análise visual dos dois parafusos rompidos da quarta biela indicou uma
superfície lisa, provavelmente devido ao mecanismo de fadiga num deles. No outro
foi verificada uma evidente estricção e fratura do tipo taça–cone, típica de ruptura
por sobrecarga (figura 83).
O parafuso crítico, ou seja, aquele com sinais de fadiga foram analisados,
então, em lupa de baixo aumento e em um microscópio eletrônico de varredura
(MEV) onde se confirmou o processo de fadiga, nucleado numa das estrias da haste
e propagando até quase a completa redução da seção resistente (figura 84 e 85).
A característica de fadiga com apenas um ponto de nucleação e grande
propagação indica baixa tensão média atuando, e solicitações de flexão.
A análise visual das fraturas do comando de válvulas indicou a ocorrência de
ruptura por sobrecarga, sem nenhum sinal de fadiga. Tais colapsos foram, portanto,
decorrentes do impacto das válvulas e os pistões (figura 86).

Figura 83 – Superfícies de fratura dos dois parafusos da biela 4 (aumento de 1,5x). Em (a), ruptura
dúctil por sobrecarga. Em (b), ruptura lisa típica de fadiga. Detalhes com 6x.
Fadiga e Análise de Falha Pg.79 de 86
Figura 84 – Em (a), imagem com 20x de aumento mostrando o início da falha do parafuso fadigado.
Em (b), com 60x de aumento, um evidente defeito em outra estria vizinha à anterior.

Figura 85 – Macrografia com 6x de aumento da superfície de fadiga, à esquerda. À direita, detalhe da


região (a) junto ao final do processo de fadiga, onde já observam-se microcavidades coalescidas.

Figura 86 – Superfícies de fratura do comando de válvulas. Nenhuma delas indicou algum sinal de
mecanismo de fadiga. Aumento: 1,1x.

Ensaios mecânicos
Os outros quatro parafusos e o crítico, rompido por fadiga, sofreram ensaios
mecânicos de tração estática e ensaios de dureza, a fim de determinar a sua classe
de fabricação. No primeiro ensaio de tração, o parafuso rompeu com um baixo valor

Fadiga e Análise de Falha Pg.80 de 86


de força de tração (61,8 kN). Isto se deveu ao fato de que este parafuso já estava
sofrendo um processo de fadiga. Os resultados do ensaio de tração e as
características de ruptura estão na tabela I. Os ensaios de dureza estão na tabela II.

Tabela I – Resultados dos ensaios de tração.


Parafuso Área da Seção Carga de Ruptura Tensão de Ruptura Tipo de ruptura
2
(mm ) (N) (MPa)
*
1 72,3 61803 Transv. haste
2 72,3 84366 1102 Cisalh. rosca
3 72,3 99571 1300 Transv. rosca
4 72,3 94666 1236 Cisalh. rosca

• *O parafuso encontrava-se em processo de fadiga.


Tabela II – Resultados dos ensaios de dureza
Parafuso Dureza Rockwell C Média
(HRC) (HRC)
Crítico 40 40 39 41 40
1 39 37 38 39 38,3
2 41 37 40 41 39,8
3 38 37 37 38 37,5
4 39 40 40 39 39,5

Análise do segundo parafuso fadigado


A observação em microscópio estereoscópico indicou o mesmo mecanismo
de fadiga para este parafuso (figuras 87 e 88). Isto indica que a falha não é típica da
compressão ou trabalho de um único sistema, mas que ocorre nos parafusos
aleatoriamente (lembra-se que este parafuso foi verificado antes da desmontagem e
estava com 10 kgfm de torque).

Fadiga e Análise de Falha Pg.81 de 86


Figura 87 – Detalhes do processo de fadiga do segundo parafuso (rompido no ensaio de tração). Em
(a) vista com 8x de aumento de um dos lados da fratura onde se indica o início da fadiga, a
propagação lisa e a ruptura fibrosa por tração e depois a ruptura por cisalhamento final. Em (b), com
aumento de 20x, detalhe do início da fadiga em um defeito superficial.

Figura 88 – O outro lado da fadiga da figura anterior. Em (a), com 15x de aumento, notam-se as
marcas de praia a partir do ponto inicial. Em (b), detalhe com ampliação de 60x do defeito que
originou o processo de fadiga.

Análise dos esforços


Do modo como a falha ocorreu pode-se constatar que alguma componente de
tração contribuiu para tal fato. Apesar de o pistão apresentar apenas movimento de
translação, a biela apresenta uma componente de rotação devido ao giro do
virabrequim. Sendo assim, esta rotação desmembra-se em uma componente de
tração que atua nos parafusos.

Fadiga e Análise de Falha Pg.82 de 86


O principal carregamento de tração nos parafusos de biela de um motor à
diesel ocorre na admissão e mesmo assim o esforço ou nível de tensões envolvidas
é baixo, visto que o pistão tem ajuste com folga na camisa do cilindro.

Análise Microestrutural
Para preservar o parafuso causador da falha foi antes realizado o ensaio
destrutivo neste segundo parafuso. Uma seção transversal contendo as estrias
(recartilhado), logo abaixo da fratura, foi retirada e preparada metalograficamente.
Observou-se a ocorrência de microtrincas na região superior de vários dos ressaltos
das estrias e inclusive naquele da origem da fadiga (figura 89). Em um deles,
inclusive, observaram-se as linhas de fluxo oriundas da deformação plástica do
processo de recartilhado (figura 90). Observou-se que as linhas de fluxo seguiam a
deformação das cavidades e apresentavam um plano de encontro coincidente com
as microtrincas. Ou seja, apresentaram duas frentes de linhas de fluxo com sentidos
contrários seguindo as paredes projetadas da estria e estas frentes encontravam-se
no plano de trinca. Os outros parafusos do ensaio de tração foram preparados e as
mesmas características foram encontradas (figura 91).
Nesta parte do trabalho, já pode ser possível prever o fator de concentração
de tensões na microtrinca como o responsável pela falha daquele primeiro parafuso.
Para confirmar, o parafuso crítico foi, então, preparado metalograficamente da
mesma forma que os anteriores e as mesmas características foram observadas no
parafuso crítico da biela 4 (figura 92).

Figura 89 – Micrografia em MO mostrando que o início da fadiga do parafuso ensaiado em tração


como veste nas imagens anteriores, foi em uma região da superfície onde se observa uma trinca. A
imagem indica, ainda, a microestrutura martensítica revenida do material. Ataque: Nital 2%. Aumento:
255x.

Fadiga e Análise de Falha Pg.83 de 86


Figura 90 – Micrografias em MO mostrando uma dobra de conformação em uma estria ao lado
daquela da imagem anterior. À esquerda, vista com 250x de aumento. À direita, detalhe com 750x.
Ataque: Nital 2%.

Figura 91 – Micrografia em MO mostrando uma dobra de um dos parafusos rompidos no ensaio de


tração nota-se também uma trinca propagando ao lado. Ataque: Nital 2%. Aumento: 540x.

Figura 92 – Micrografias em MO mostrando à esquerda, com 250x de aumento, a seção transversal


próxima ao lugar de início da fadiga que originou a falha do parafuso do motor. Observa-se um
defeito superficial (dobra). À direita, detalhe com 500x de aumento. Ataque: Nital 2%.

Fadiga e Análise de Falha Pg.84 de 86


Análise da fabricação dos parafusos
A seqüência de fabricação dos parafusos pode ser prevista com a análise
visual, microestrutural e de dureza. A provável seqüência é a seguinte:
- conformação das estrias (recartilhado) e cabeça e roletamento da rosca a
partir de uma barra comercial;
- têmpera e revenimento;
- retificação da região recartilhada.

Discussões dos resultados


As análises preliminares dos destroços indicaram fadiga em um dos
parafusos rompidos da biela 4, na região da haste onde eles recebem um processo
de conformação (chamado neste trabalho de recartilhado). Esta região coincide com,
ou fica próxima ao plano de montagem das duas partes da biela.

Posteriormente encontrou-se fadiga em outro parafuso de outra das bielas,


que inclusive foi verificado antes da desmontagem estar com torque de 10 kgfm.

Nos parafusos, a maior concentração de tensões ocorre sempre na região


dos filetes, mais precisamente no primeiro filete carregado. Neste caso, a fadiga
ocorreu na região da haste, junto ao encontro das duas partes da biela. Isto indica
que o ponto de maior concentração de tensões foi transferido da região dos filetes
para a haste recartilhada.
Com as metalografias, verificou-se um efeito maior ainda que a simples
mudança de seção: o efeito de entalhe causado pelas trincas. Em materiais de alta
resistência mecânica, tais como o destes parafusos, a susceptibilidade ao entalhe é
evidente. Desta forma, o parafuso passa a ser tratado como um pino com mudança
de seção (cantos vivos) e entalhes.

O fato de a fadiga ter nucleado em um único ponto e ter propagado até cerca
de 80% da seção resistente indica que o nível de tensões envolvidas é baixo,
podendo ser aquele do tempo de admissão do combustível.
Neste caso, pouco importa a tensão média aplicada, ou o torque aplicado. O
parafuso romperia com qualquer valor de torque, o que mudaria seria o tempo
necessário para a falha.
Observa-se que os parafusos possuem muitos defeitos (encruamento e
microtrincas) na maioria das suas 18 estrias. Mas a falha, nos dois casos de fadiga,

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iniciou em apenas um deles. Isto porque o ponto de início coincide com o maior
esforço de tração, que no caso, é no eixo de simetria transversal da biela, junto ao
diâmetro de encaixe com o virabrequim.
Os ensaios mecânicos e as metalografias indicam que os parafusos são
fabricados para satisfazer a classe 8.2 segundo a Norma SAEJ429 (1980) ou classe
12.9 pela Norma EB168 (1972). Tais Normas exigem materiais beneficiados de alta
resistência. Com efeito, nenhum defeito de material ou tratamento térmico foi
encontrado.

Conclusões
O colapso do motor ocorreu devido à falha por fadiga de um dos parafusos da
quarta biela. O processo de fadiga iniciou num ponto de concentração de tensões
junto à região recartilhada da haste e devido à alta susceptibilidade a entalhes do
material.

Sugestões
Para evitar falhas futuras, é preciso agir no processo de recartilhado e
posteriormente na retífica.
Quanto ao recartilhado, é preciso diminuir o encruamento que leva ao fluxo de
material em sentidos contrários com a formação de microtrincas.
Quanto à retífica, é necessária maior retirada de material a fim de eliminar o
problema causado pelo recartilhado.

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