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— MEexico: ARTE E REVOLUÇÃO


AUNE Gama, Ana FIGUEIREDO, FERNANDA LOPES E IRENE QUENTAL

través das artes plásticas, o Ironia ou nio, é exatamente volta que alastra-se pelo pais.
México faz a representação em Chiapas onde o lema “liberdade Emiliano Zapata aparece como um
estética da sua luta política, e terra” de Zapata encontra s us atu- dos chefes camponeses mais desta
Pela liberdade, pela terra. Os ideais ais seguidores, que participam do ados atuando no sul do pais, onde
de Emiliano Zapata, um dos princi- Exército Zapatista de Libertacao comanda 20 mil homens da “Legiio
pais líderes da Revolução Mexicana Nacional (EZLN). Empunhando ar da Morte”, um exército que comba-
de 1910, ainda ecoam no México. mas e usando a Internet para mani- tia as forcas porfiristas. No norte,
Mais uma vez nesse século, o povo festar seus ideais, os revoluciondrios surgiram outros lideres revoluciona
mexicano mostra que sabe reagir. S í mostram que muitas das reivindica- rios de origem camponesa ais como
que agora, as mudanças não vieram ¢ s de 1910 ainda precisam ser con- Pascual Orozco e Pancho Villa.
sob a mira dos fuzis ou facões de quistadas. As divergéncias entre as diver-
cortar cana, mas com o voto. O processo revolucionirio sas correntes revoluciondrias ênvol-
O Partido Revolucionário que levou 40 anos, foi um periodo veram todo o pais numa guerra ci-
Institucional (PRI), criado em 1929, de grandes transformações sociais e vil que durou até 1920, provocou a
governou o país sem interrupção por politicas no México. Mobilizando morte de um milhio de mexicanos
71 anos. Desgastado pelas denúncias milhdes de camponeses ¢ indios, a € só terminou com a destruigio do
de fraude, corrupção e irregularida- revolugio provocou a derrocada dos Estado porfirista.
des nas práticas democráticas, per- poderes da Igreja, dos latifundiarios
deu as últimas eleições de julho de e do capital es rangeiro. O povo pega em armas
2000 para Vicente Fox, candidato do Foi no governo do ditador também na arte
Partido da Ação Nacional (PAN). Porfirio Diaz que grandes empresas
Fox assumiu a Presidência do Méxi- americanas se apoderaram da econo- A posse do primeiro lider revoluci-
co com o desafio de enfrentar a po- mia mexicana, dominando desde a onirio, Alvaro Obregén, no cargo
breza, o desemprego e o constran- agricultura até a exploragio do pe de presidente, em 1920, iniciou um
gimento de ver que o número de tréleo. Mesmo proporcionando al- periodo de esperanga e otimismo
mexicanos que atravessam a frontei- gum crescimento economico, o con- durante o qual nasceria o movimen-
ra dos Estados Unidos em busca de trole sobre o pais era nitido. De um to muralista. Segundo o escritor
trabalho é cada vez maior. Além dis- lado, a nova classe burguesa local Octavio Paz, “a Revolugio revelou-
50, existe a situação
econômica e defende uma democracia liberal, do nos o México. Ou melhor, deu-nos
política do Estado de Cl apas, onde outro, o povo luta pela sobreviven- olhos para enxergar. E deu olhos aos
a maioria da populagio de origem cia e pela posse da terra. Para com- pintores”.
indigena enfrenta situação de extre- pletar, um governo cada vez mais O filésofo e revolucionirio
ma pobreza e criou um movimento corrupto. Hstava montado o cena- José de Vasconcelos foi nomeado,
de resisténcia armado. rio para se criar um ambiente de re- por Obregén, Ministro da Educa

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ção. Convicto de que os mexicanos sociedade se da através de trés está- ca e repudiando as manifestacoes es-
eram mais sensíveis às artes visuais gios, sendo o mais avancado o da es- téticas contririas ao sentimento po-
que à música, ele foi o primeiro a tética”, no qual o México revoluci- pular.
permitir que se entregassem as pare- onirio nio tardaria a entrar. O muralismo, nas palavras de
des da recém-construída Escuela A segunda razão é que a idéia Rivera, “deixou de empregar como
Nacional Preparatoria (ENP) a um de murais é parte de uma tradigio heróis os reis e os chefes de Estado.
grupo de jovens artistas. Esta tam- que vinha de longa data. Já em épo- Pela primeira vez na historia da arte,
bém foi a proposta feita a Diego cas pré-colombianas os muros das a pintura mural mexicana transfor-
Rivera e David Alfaro Siqueiros, ar- cidades eram cobertos por pinturas. mou em herói da arte a massa, ou
tistas já maduros e que viviam na A terceira razdo diz respeito ao seja, o homem do campo, das fibri-
Europa, como uma forma de atrai- “problema do indio”, reavivado pela cas, das cidades”.
los de volta a0 México. revolugio, sob a qual surgia a gran- Quando Obregdn estava per-
Os pintores ocuparam as pa- de questio de ser ou nio o México to de concluir seus quatro anos de
redes dos prédios pablicos com pin- duas nagoes, questão que, por im- mandato presidencial, ressurgiram
turas temiticas, principalmente da plicar a discussio sobre o papel da os problemas politicos. A hostilida-
histéria mexicana. Foram pintados arte, dava a esta peso considerivel. de contra os murais, sobretudo por
murais por todo o México: em pali- parte dos alunos mais conservado-
cios e igrejas coloniais, em pátios de res da ENP, levou à “agio direta”, e
prédios ministeriais, em escolas, A evolução de uma os estragos regulares e acidentais,
museus e cimaras legislativas, em sociedade se dá através de contra 0s quais os pintores sempre
lugares que vão desde escuras e mal trés estagios, sendo o mais haviam lutado, se tornaram sérios,
projetadas escadas até imponentes avangado o da estética sendo as obras de Orozco as que
fachadas de modernos edificios. mais sofreram. Em 1924, Vasconce-
O apogeu dessa primeira fase los renunciou. Os artistas, agora sem
do muralismo é marcado pelo ciclo A maioria dos muralistas era sua protegio, tiveram as encomen-
de afrescos pintados por José Cle- filiada ou sofria influéncia do Parti- das suprimidas. Estava, assim, encer-
mente Orozco no pátio principal da do Comunista Mexicano. Quando rada a primeira fase do muralismo.
ENP, e pelos murais de Rivera no fundaram, em 1922, o Sindicato dos A maior parte dos pintores
andar térreo do Ministério da Edu- Operirios Técnicos, Pintores e Es- afastou-se ou dispersou-se. Alguns se
cação. O mais chocante afresco de cultores (que contava com Siqueiros, dirigiram para Guadalajara, que con-
todos, o que levava o nome de “Cris- Rivera e Orozco), divulgaram um tinuaria a patrocinar os muralistas e
to destruindo a cruz”, estava entre manifesto propondo a socializacao seria, mais tarde, sede das grandes obras
os que foram bastante danificados da arte e a destruigio do individua- de Orozco — pintadas na universida-
por seus adversarios, alunos da ENP, lismo burgués, exaltando a arte mo- de, no palicio do governo e no Hos-
e que acabariam sendo repintados numental como de utilidade públi- picio Cabanas — entre as quais desta- .
por Orozco em 1926
O movimento muralista con-
centrava-se cada vez mais nas maos A ARTE MURAL
de “Los Tres Grandes™ Rivera, A pintura mural difere de todas as A nitidez da cor e a preciséo do tra-
Orozco e Siqueiros. Mas no princi- outras arfes pictéricas por estar profun- ado caracterizou a pintura mural da Ido-
pio, nos anos compreendidos entre damente vinculada & arquitetura. O em- de Médio, em especial as construgdes ro-
1922 e 1924, os jovens artistas que prego da cor e do desenho podem alte- mânicas e suas figuros religiosas, como as
rar radicalmente a percepção das propor- igrejos de Berzé-enVille, na França, e de
Vasconcelos encarregou de ajudar na Tarsa a Tahull na Espanha. No Renos-
ções espaciais da construg@o. Suas raizes
decoragio das paredes da ENP — estão no instinto primitivo dos povos de cimento fambém forom criodas algumas
Fernando Leal, Ramén Alva de la
decorar o ambiente e de usar as superfi- obras-primas do muralismo: os afrescos da
Canal, Fermin Revueltas, Jean capela Sistina, de Michelangelo, e a *Ulfi-
cies dos paredes paro expressar idéias,
arlot, Emilio Garcia Cahero — crengas e emoções.
ma Ceia”, de Leonardo do Vinci.
deram importantes passos para a sua A técnica mais usada no mura-
Apbs o Renascimento, o muralismo
entrou em decadéncia no Ocidente e pou-
consolidagao. lismo é o afresco. Consiste na aplicagéo cas eram as obras consideradas impor-
Muitas foram as razoes para de pigmentos de cores diferentes, dilui- tantes. Só a partir do séculoXX a pintura
o predominio da cultura do dos em dgua, sobre argamassa ainda mural ressurgiu com todo vigor. O retor-
úmida. Esse estilo de pintura já existia
muralismo. A primeira foi o com- no aconteceu em três fases principais: um
promisso de Vasconcelos. Seu pla-
enfre os povos mesopotamicos, egipcios gênero mais expressionista e abstrato,
e crefenses, que o utilizavam para deco- surgido a partir de grupos cubistas em
no visionirio estava fundamentado rar palécios € monumentos funerérios. Paris; outro, de curta duração, em 1930,
numa teoria inspirada no Essa técnica também era muito empre- nos Estados Unidos e o mais marcante,
positivismo de Augusto Comte. Ele gada na Índio, China e nos civilizações que se manifestou a partir do movimento
sustentava que “a evolugao de uma gregos e romanas. revolucionário mexicano.

FCLET CA
26 - JUL/DEZ 2000
FRIDA: A FILHA DA REVOLUÇÃO
Ela se declarova filha da revolução
por ter nascido em 1910, mas
Magdaleno Carmen Frieda Kahlo
Calderón nasceu, de fato, em 1907, em
Coyoacán. Em 1925, um grave aciden-
te de ônibus fez com que elo passasse
quase um ano de cama.
Um cavalete e um espelho foram
adaptados e a pintura surgiu como uma
distração para o sofrimento. Frida aca-
bou desenvolvendo uma linguagem pic-
tórica pessoal. Em muitos auto-retratos,
ela usa vestidos tehuanos, que foram
adotados por muitas mulheres envolvi-
das no movimento nacionalista de reviver
a cultura indigena.
No fim de 1927, Frida se juntou
aos artistas e intelectuais que ajudarom
na reforma cultural mexicana. Foi quan-
do conheceu Diego Rivero, o grande
amor de sua vida. Em 1928, aderiv ao
Partido Comunista Mexicano. David Alfaro Siqueiros, O povo pega em armas (1957);
O desejo de dar uma dimensão Museu Nacional de História, Cidade do México (INAH).
politica ao seu trabalho ocorre explicita-
mente em sua última fase, principalmente ca-se o grande painel do herói da in- viagem a Moscou, passaria a introdu
em: “O Manxismo dard saúde aos do-
entes”, “Frida e Estaline” e um retrato
dependência, Hidalgo. Rivera, entre- zir a iconografia revolucionária russa:
inacabado de Estaline. “Tenho que asse- tanto, ainda na metade de seus traba- a estrela vermelha, a foice e o martelo
gurar que a única coisa positiva que a lhos no ministério, conseguiu conquis- ¢, de imagem para imagem, foi cada
minha saúde me permite fazer beneficie tar o novo ministro e, por uns tem- vez mais dando énfase à unidade re
também o Revolução, a dnica verdadei- pos, praticamente, teve só para si o voluciondria — o trabalhador, o solda
ra razão de viver”.
Em “O Mandismo dará saúde aos campo da Cidade do México. do e o camponés — ¢ à clássica oposi
doentes” ela recria a utopia de que a con- ção entre ricos e pobres. As obras que
vicção política poderia libertó-la do so- compunham todo o ciclo eram liga-
frimento. Em um dos seus últimos auto- A semente dessa luta está
das por uma extensa bandeira verme-
refratos, Frida aparece, pela última vez, presente em todo o
perante um fundo dividido, miraculosa- lha com dizere: saídos de algum canto
México, espalhada nos
mente curada. Um lado representa a murais de Rivera e Orozco da revolução agrária, como “A terra
parte pacífica da terra enquanto o outro é de quem trabalha com as mãos”.
é ameaçado pela destruição. À figura de Após a reforma agrária é a na-
Karl Marx assume o lugar de Santo, se-
melhante aos quadros votivos da pintu- Entre Rivera pin-
1926 e 192 cionalização das empresas de petró-
o mexicono tou a capela e parte do prédio da leo e ferrov no governo do gene-
Frida adoece gravemente e morre administração na Escola Nacional de ral Lázaro Cárdenas, presidente de
em 13 de julho de 1954 Agricultura, em Chapingo. À enor 1934 a 1940, o Mé 0 inícia um pe-
me alegoria sobre a terra criadora ríodo de reconcilia 0 que marca o
(“A terra libertada com as forças na- fim da revolução.
José Clemente Orozco, Cristo turais controladas pelo homem”), na A semente dessa luta, que foi a
destruindo a sua cruz (1943); parede do altar da capela, está ladeada primeira revolução do século XX, não
Museu de Arte Alvar y Carmen T. de que remetem à Revolu-
Carrilo Gil, Cidade do México por cen está apenas na memória do povo me
(INAH). Versão posterior do mural ção, inclusive 4 jamais esquecida ima- xicano. Está presente em todo o Mé
destruído em 1924. gem dos corpos enterrados de Zapata xico, espalhada nos murais de Rivera
e Montafio: “O sangue dos mártires e Orozco, no sangue latino da popu-
revolucionários fertilizando a terra”. IN que lu-
Como se, com isso, o pintor quises- tam pela democratizagio de todo o
se contradizer os reacionários, que pais onde a justica e o bem estar de
haviam jurado durante a Revolução todos os mexicanos sejam prioridade.
“exterminar para sempre a semente A arte muralista nos lega o re-
atista para que ela nunca mais flexo e a lembranga da histéria mexi-
volt: sse a germinar”. cana. Já a sua ideologia revolucionitia
Em 192 Rivera completou os pode nos fazer resgatar o impulso ne-
murais no último andar do Minis: cessário para transformar a politica,
rio da Educação. Logo depois de uma de e, quem sabe, o mundo.

ECLÉTICA
27 - JUL/DEZ 2000

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