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“Esta história era sua o tempo todo, você só não sabia”, explica Lylla (Linda

Cardellini) a Rocket em uma das várias cenas tocantes de Guardiões da


Galáxia vol. 3. O guaxinim, como já se sabe, é usado no MCU há quase 10
anos mais como um alívio cômico do que como um personagem dramático de
fato, mas a afirmação, claramente vinda de um lugar autoconsciente de James
Gunn, reflete o quanto sua história é central para tudo o que os Guardiões
viveram de 2014 até aqui. Usando o personagem de Bradley Cooper como o
centro emocional do terceiro filme da franquia, o diretor e roteirista encerra
sua trilogia com uma história feita sob medida para arrancar lágrimas — de
felicidade e tristeza — de seu público.
Decidido a usar seu tempo para comover, Gunn toma alguns atalhos que,
mesmo que não afetem o andar da trama principal, causam algum incômodo
por sua pressa e pelas conveniências excessivas de roteiro. Tramas inteiras são
apresentadas e abandonadas antes da marca dos 10 minutos, personagens
vendidos como importantes são deixados de lado por quase todo o longa e
qualquer complicação que possa atrasar a ida dos personagens de um ponto A
a um ponto B é simplesmente ignorada pelo cineasta.
As principais vítimas desse descompromisso aparente são Peter Quill (Chris
Pratt) e Adam Warlock (Will Poulter). O Senhor das Estrelas começa o
filme tendo seu desgaste mental e emocional exibido sem muitos pudores por
Gunn, mas basta a chegada do experimento dos Soberanos — saído
diretamente do casulo mostrado no fim do segundo filme — para Quill
chacoalhar a poeira e voltar à sua persona falastrona. O terráqueo, no entanto,
ainda é útil para a história, diferentemente de Warlock, cuja aparição no vol.
3 parece apenas um capricho de um cineasta que não queria se despedir do
MCU sem usar um de seus personagens favoritos da Casa das Ideias.
Ainda que a volta de Gunn — e de boa parte do elenco — ao MCU seja
improvável no futuro, o vol. 3 joga seguro no fim da trilogia. Por mais que não
se esperasse algo épico nas proporções de Vingadores: Ultimato, Guardiões
da Galáxia sempre foi a subfranquia menos previsível do Marvel Studios e
seu fim pouco surpreendente pode decepcionar quem entrou no cinema
buscando mais ousadia, em termos de desdobramentos ou destinos de
jornadas.
Felizmente, ousadia é o que não falta no restante do vol. 3. Exibicionista do
jeito que é, Gunn decidiu brincar com os limites da classificação indicativa
PG-13 (que limita o uso de sangue e palavrões) e se despede do MCU
entregando a produção mais James Gunn que a Disney estava disposta a
lançar. Mais do que soltar o primeiro palavrão da franquia do Marvel
Studios, o cineasta ainda enche a tela com desmembramentos, corpos
queimados, sequências de ação hiperestilizadas e um grau absurdo de
violência, que nos faz questionar se realmente estamos assistindo a um filme
para o público infanto-juvenil.
Mesmo que se esbalde na extravagância, Gunn nunca perde de vista o coração
de Guardiões da Galáxia: a dinâmica entre os personagens principais. Seja em
diálogos mais expositivos ou pequenas referências — como Rocket ter um
apelido carinhoso para um membro inesperado do grupo —, o cineasta reforça
o tempo todo o quanto esses desajustados se amam e se complementam, seja
no campo de batalha ou na administração de Luganenhum.
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Tão encantadoras quanto eram em 2014, as relações entre os Guardiões são


essenciais para entender o apelo emocional do vol. 3. É graças a essas
dinâmicas baseadas em falhas de caráter que o espectador se sente parte dessa
família desajustada. Ao expor picuinhas e frescuras entre os mercenários,
Gunn facilita uma conexão profunda com cada um de seus membros.
A conexão se estende ao público, na forma como Gunn apela para o
emocional ou para o pop, na intenção de estreitar a relação com o espectador
ou inspirar-lhe familiaridade. Por mais que o uso de hits em suas trilhas já não
seja mais novidade, fica claro que o diretor ainda sabe onde e como usar cada
canção que conhece para extrair sustos, risadas e lágrimas. Seja com a versão
acústica de “Creep”, do Radiohead, ou “Since You’ve Been Gone”,
do Rainbow, o cineasta faz o sentimento transbordar da tela, transformando
o vol. 3 em uma experiência envolvente e pessoal, algo que faz uma falta
tremenda nos filmes mais recentes do MCU.
Visualmente, Guardiões da Galáxia vol. 3 é também o filme melhor acabado
do Marvel Studios desde Ultimato. Os cenários espaciais são de longe os mais
bonitos que o estúdio já lançou até agora e, por mais que saibamos que tudo
aquilo é, na realidade, uma grande sala verde, é difícil tirar os olhos das
impressionantes nebulosas e constelações entregues pelo departamento de
efeitos visuais do longa.
É nas cenas entre Rocket, Lylla, Dentes (Asim Chaudhry) e Chão (Mikaela
Hoover) que o trabalho dos artistas digitais é melhor admirado.
Diferentemente dos seres quase sem alma do remake de O Rei Leão, os
animais criados para o vol. 3 são expressivos e, mesmo com todas as
alterações grotescas feitas pelo Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji),
mantêm uma fofura irresistível, especialmente para os chamados “pais de
pet”.
Grande vilão do filme, o Alto Evolucionário é a figura imponente que faltava
à trilogia dos Guardiões. Mais ameaçador que Ronan (Lee Pace) e menos
caricato que Ego (Kurt Russell, o cientista megalomaníaco é amedrontador e
a casualidade como trata torturas e genocídios o torna o antagonista mais atual
que a Casa das Ideias levou às telonas até o momento.
Pronto para se despedir, o restante do elenco do vol. 3 parece compartilhar da
experiência emocional coletiva nas suas atuações. De Chris Pratt a Vin Diesel,
praticamente todos os atores protagonistas dominam determinadas cenas com
uma emoção genuína de luto e despedida, sentimentos que transbordam desse
capítulo final de Guardiões da Galáxia até o final dos créditos.
James Gunn encerra sua jornada na Marvel com o estilo e a emoção que suas
idiossincrasias permitem, numa verdadeira volta por cima discursiva depois da
demissão ocorrida em 2018. Com a Disney soltando cada vez mais remakes e
continuações impessoais a toque de caixa, não é nenhum exagero dizer que o
cineasta fará falta na vida dos fãs do MCU.
NOTA DO CRÍTICO
Ótimo

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