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Desenvolvimento em Marx
é previamente ajuizado como algo
menos) como figura inexorável do futuro da humanidade. Para, pri-
positivo (ou inexorável), mas sim
meiro, atestar e, depois, defender o nexo entre as teorias econô-
REITOR
Sidney Luiz de Matos Mello
VICE-REITOR
Antonio Claudio Lucas da Nóbrega
CONSELHO EDITORIAL
Aníbal Francisco Alves Bragança (presidente)
Antônio Amaral Serra
Carlos Walter Porto-Gonçalves
Charles Freitas Pessanha
Guilherme Pereira das Neves
João Luiz Vieira
Laura Cavalcante Padilha
Luiz de Gonzaga Gawryszewski
Marlice Nazareth Soares de Azevedo
Nanci Gonçalves da Nóbrega
Roberto Kant de Lima
Túlio Batista Franco
DIRETOR
Aníbal Francisco Alves Bragança
Bianca Imbiriba Bonente
Desenvolvimento em Marx
e na teoria econômica:
por uma crítica negativa do
desenvolvimento capitalista
Copyright © 2012 Bianca Imbiriba Bonente
Copyright © 2016 Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense
Introdução, 17
Conclusão, 187
Referências, 197
Agradecimentos, 205
Apresentação
Novas lições sobre um velho tema:
desenvolvimento, agora (de fato) examinado
desde uma perspectiva marxista
*
Professor associado do Departamento de Economia da Universidade Fede-
ral Fluminense e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pes-
quisas sobre Marx e o Marxismo (NIEP-Marx) da mesma instituição.
7
sua brusca interrupção são, por outro lado, justamente associa-
das ao tímido potencial de crescimento da riqueza produzida ou
à brusca interrupção do crescimento.
Recorramos agora à etimologia da palavra desenvolvimen-
to. Desenvolvimento, desenvolver, vem “de envolver, do latim
involvere, envolver, antecedido do prefixo des-, indicador de
negação, mas também de ação ou abundância, conforme o
contexto: desnudar não é vestir; desfazer não é deixar de fa-
zer (mas desmanchar, fazer outra coisa) […]” (SILVA, 2014).
Seguindo a explicação etimológica, o segundo prefixo (en-) do
vocábulo desenvolver “indica ‘dentro’; o primeiro, des- contra-
ria este, significando tirar do invólucro, como em ‘descobrir’
e ‘descascar’.” Isso significa, em síntese, que “o significado de
desenvolver, desenvoltura, desenvolvimento e outras palavras
assemelhadas é retirar algo que está impedindo a manifesta-
ção” (Ibidem).
Há, naturalmente, alguma relação entre o sentido originário
da palavra desenvolvimento e seu significado atualmente pre-
dominante. Afinal de contas, o próprio estado evoluído ou não
de um objeto da realidade depende não apenas de sua norma
interna de funcionamento, mas também de constrangimentos
externos que possam impedir ou limitar a expressão plena de
suas possibilidades. Agora, se há algo que se revela pelo con-
traste entre o significado corrente do termo e a sua origem eti-
mológica é a marcante presença do caráter de valor (no senti-
do ético do termo) que “desenvolvimento” atualmente possui.
Como dito, em geral desenvolvimento é percebido como um
processo positivo de explicitação do ser, sendo inclusive trata-
do como algo a ser promovido ou estimulado.
Se faz sentido, de fato, sugerir que o vocábulo desenvol-
vimento, do modo como atualmente interpretado, tem rela-
ção íntima com o processo evolutivo da economia capitalista,
então seu sentido valorativo corrente só pode estar associa-
do às formas de consciência que ajuízam o desenvolvimento
capitalista. Tomando por base as interpretações científicas
de tal processo, em particular aquelas das teorias econômi-
cas do desenvolvimento, isso parece fazer todo sentido, por
8
basicamente duas razões. Primeiro porque, passando em re-
vista a infinidade de teorias econômicas do desenvolvimento,
é possível reconhecer em meio à imediata diversidade (pelo
menos) um elemento comum: a percepção do desenvolvimen-
to capitalista como limite do desenvolvimento social, como
o estado a ser alcançado ou promovido, ainda que não haja
consenso sobre a forma particular de capitalismo que pode ou
deve ser tomada como avatar. Segundo, porque, de fato, todas
as teorias econômicas do desenvolvimento percebem o desen-
volvimento capitalista como um bem e, na prática, constroem-
-se como teorias a serviço de sua promoção.
A questão é que sendo uma formação social histórica, o ca-
pitalismo pode ser parteira de um desenvolvimento não capi-
talista, pós-capitalista, sendo sempre pertinente indagar sobre
a necessidade ou possibilidade de conter a história em sua
forma processual presente. Uma indagação como essa apon-
ta para um plano mais abstrato de análise no qual o desen-
volvimento capitalista não é previamente ajuizado como algo
positivo (ou inexorável), mas sim como expressão da relação
entre a norma de funcionamento (tendencial) interna do capi-
talismo e os constrangimentos externos que atuam sobre ela.
Isso requer uma reconstrução crítica da ideia mesma de desen-
volvimento que restaure o sentido mais geral apontado pela
etimologia do termo.
Considerando o que foi dito, é possível agora confessar:
esta lição sobre desenvolvimento não saiu da cartola a partir
da leitura de um dicionário ou obra qualquer acerca da etimo-
logia das palavras. Na verdade, trata-se de uma entre as vá-
rias lições aprendidas na leitura do livro que o presente texto
propõe-se a apresentar: Desenvolvimento em Marx e na teoria
econômica: por uma crítica negativa do desenvolvimento capita-
lista, de Bianca Imbiriba Bonente. Aqueles que se dedicarem ao
exame atento dos capítulos do livro, com o mínimo de interes-
se e humildade necessários para aprender, certamente toma-
rão dele esta e outras lições. Para deixar clara a profundidade
e relevância do argumento apresentado na obra, tomemos al-
gumas lições nela contidas.
9
Em primeiro lugar, o livro nos ensina ser possível reconhe-
cer na obra de Marx aquele sentido geral e abstrato do vocábu-
lo “desenvolvimento” que põe ênfase na explicitação objetiva
das possibilidades contidas no próprio ser e não no ajuizamen-
to externo deste processo. Em se tratando do desenvolvimen-
to capitalista, isso quer dizer que
10
crise, quando a produção de mais-valor reduz seu ímpeto. Em
suma: “Falar sobre o desenvolvimento da produção capitalista
significa falar sobre a operação de suas leis em escala global. O
fato de esse desenvolvimento envolver disparidades materiais
apenas comprova o caráter contraditório da dinâmica capitalis-
ta, em lugar de negá-la.” (BONENTE, 2016, p. 69).
Partindo desta noção de desenvolvimento abstrata, geral,
objetiva, o livro nos ensina a passear por diferentes níveis de
abstração, especialmente do universal ao particular. No pla-
no universal, aprendemos sobre as condições historicamente
transcendentes (i.e., propriamente gerais) do desenvolvimen-
to da sociedade, que a autora reconhece a partir de uma leitu-
ra inspirada da Ontologia do ser social de György Lukács (2012;
2013). Considerando a complexidade do processo histórico e a
diversidade da vida social, não surpreende que as tendências
gerais de desenvolvimento não passem de três: a “crescente
sociabilidade, a diminuição do tempo de trabalho necessário à
reprodução humana e a constituição da consciência genérica”.
(BONENTE, 2016, p. 189).
O argumento move-se adiante pela tentativa de demons-
trar como essas tendências gerais do desenvolvimento social
articulam-se com tendências particulares que em si caracteri-
zam o funcionamento da sociedade regida pelo capital. É neste
momento do livro que a análise clássica de Marx em O capital,
particularmente de seu Livro I (MARX, 2013), comparece com
mais peso, pois Bonente, corretamente em nosso juízo, com-
preende que o grande mérito de Marx foi ter concentrado sua
atenção em determinações que conformam a norma geral do
desenvolvimento capitalista (e não as condições particulares
do capitalismo inglês, ou do século XIX, ou de livre concorrên-
cia etc. etc. etc.), tomando-as exatamente como aquilo que são
em si: tendências universais.12
1
O termo tendência denota um tipo de legalidade (1) não empírica, mas que
se manifesta empiricamente, como a lei da gravidade; e (2) não teleológica,
mas baseada não teleologicamente em práticas teleológicas espontaneamen-
te articuladas entre si, como a própria lei da queda da taxa de lucro reconhe-
cida por Marx (2013, p. 29).
11
Ao descer uma vez mais o plano de abstração, o livro traz
mais uma lição: a de que o capitalismo contém possibilidades
muito diversas de operação daquela configuração geral de
seu desenvolvimento. O propósito, neste caso, é demonstrar
que, para além de sua configuração geral, “a produção capi-
talista é caracterizada por tendências particulares, circuns-
critas historicamente a condições específicas de reprodução
sistêmica, que permitem delimitar fases de seu desenvolvi-
mento” (BONENTE, 2016, p. 70). Reconhecendo que o estudo
das determinações particulares que caracterizam as fases de
desenvolvimento do capitalismo exige em si um esforço sin-
gular, Bonente limita-se a cotejar duas formas assumidas pelo
capitalismo no século XX, ressaltando suas determinações
mais claramente distintivas. Isso é feito nas seções 3.1 e 3.2,
que comparam a feição peculiar assumida pelo capitalismo em
sua assim chamada “Era de Ouro” com a forma aparentemente
mais clássica assumida no longo período de crise pós 1970 – o
período usualmente designado neoliberal.
Com a comparação entre fases diversas assumidas pelo ca-
pitalismo no século XX, o livro encerra sua primeira parte, jus-
tamente voltada ao exame das tendências (das mais gerais às
particulares) que caracterizam o desenvolvimento social na era
capitalista. A Parte II do estudo assume essa análise do desenvol-
vimento como fundamento de um contraste crítico que permite
reconhecer a modalidade característica de análise do mesmo
objeto pelas ditas “teorias econômicas do desenvolvimento”.
Para leitores menos pacientes com as limitações e a parcialida-
de da ciência econômica, principalmente os marxistas, trata-se
indubitavelmente de um anticlímax. Saem de cena pensadores
como David Harvey, Moishe Postone, Ricardo Antunes, Mario
Duayer e, principalmente, György Lukács e Karl Marx e entram
Arthur Lewis, W. W. Rostow, Robert Solow, Roy Harrod, Amartya
Sen entre muitos outros que elaboram suas ideias no mesmo
campo e plano. Os que bravamente resistem a tal mudança de
ambiente são brindados com mais algumas lições.
Por exemplo, é possível aprender como, na prática, funcio-
na aquilo que Lukács chamou de “crítica ontológica” (LUKÁCS,
12
2012) e Roy Bhaskar de “crítica explanatória” (BHASKAR,
1998). Por isso se quer dizer uma crítica que não se limita à
demonstração do caráter falso e/ou parcial de explicações al-
ternativas (científicas ou não) sobre um objeto qualquer ou,
ademais, à construção de uma explicação teórica alternativa
que ressignifique o objeto. Trata-se, na verdade, de uma crítica
que, além disso, busca explicar, com igual rigor e interesse, a
partir da realidade, as determinações e processos que expli-
cam a existência e a necessidade social das concepções rivais,
falsas e/ou parciais como são, como interpretações correntes,
principalmente quando tais concepções demonstram possuir
eficácia prática.23
Assim são tomadas várias teorias econômicas do desen-
volvimento. Sem perder de vista sua diversidade evidente,
enfatizada nos tediosos e insípidos manuais sobre o tema, a
análise de Bonente distingue-se por apontar seus pressupos-
tos comuns. Mesmo (ou principalmente) a conhecida crítica
das Economias Clássica e Neoclássica construída pela antiga
Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe)
é examinada deste modo. No caso da Cepal, o que se revela
por detrás de oposição teórica com seu adversário direto é a
seguinte afinidade:
2
Tanto Lukács como Bhaskar reconhecem ser justamente esse o tipo de pro-
cedimento crítico adotado por Marx em todo o seu percurso intelectual. O
capital, não por outro motivo subintitulado Crítica [e não Princípios] da Eco-
nomia Política, não apenas toma a Economia Política como objeto de crítica,
não apenas propõe uma explicação teórica alternativa para o mesmo objeto,
como se preocupa em demonstrar que a economia capitalista não poderia
reproduzir-se, dado seu caráter contraditório, sem uma ciência dedicada
justamente à administração das contradições. Categorias próprias do senso
comum e da Economia Política são, portanto, objeto de uma análise crítica
que revela sua íntima conexão com a imagem que o objeto (economia capi-
talista) espontaneamente projeta de si, mas também sua importância deci-
siva para a preservação do objeto. O exemplo clássico desse procedimento
crítico, a análise da forma salário, no Capítulo XVII de O capital, é apenas
uma instância entre inúmeras contidas na obra de Marx.
13
do capitalismo), uma mesma estratégia de desenvolvi-
mento (que toma como pressuposto o modo industrial
de produzir) e um mesmo ideal de desenvolvimento
(espelhado nos países capitalistas desenvolvidos).
(BONENTE, 2016, p. 163).
14
Referências
15
Introdução
1
Uma síntese desta leitura, e das principais controvérsias por ela suscitadas,
pode ser vista em Harris (1983).
17
“uma nação deve e pode aprender de outra. [...] não pode ela
suprimir, por saltos ou por decreto, as fases naturais de seu de-
senvolvimento”. Nas passagens mencionadas, portanto, Marx
estaria comunicando aos conterrâneos alemães que o futuro
de seu país poderia ser conhecido diretamente pelo exame
do passado de um país mais desenvolvido: a Inglaterra. Como
sintetizado no trecho que Marx extrai das Sátiras de Horácio:
“Quid rides? Mutato nomine, de te fabula narratur”.2
Ainda que o emprego da palavra desenvolvimento nas pas-
sagens supracitadas tenha alimentado polêmicas, é possí-
vel encontrar inteligibilidades bastante diversas da questão
dentro do mesmo ambiente teórico. Uma interpretação par-
ticularmente instigante encontra-se no trabalho póstumo do
filósofo marxista G. Lukács (1979). Considerando o conjunto
da obra e o sentido geral da teoria social marxiana, Lukács
propõe que, com a palavra desenvolvimento, Marx tem por
referência o aumento objetivo da complexidade como elemen-
to regulador da dinâmica de funcionamento de objetos estru-
turados ao longo do tempo (LUKÁCS, 1979, p. 54). Ou seja,
“uma dada estrutura (totalidade) é objetivamente superior,
ou mais desenvolvida, do que outra estrutura da mesma es-
pécie caso seja constituída por um maior número de compo-
nentes específicos, ou pelo mesmo número de componentes
mais complexos” (MEDEIROS, 2007, p. 45).
No caso da sociedade (abstratamente considerada), esse
aumento no grau de complexidade poderia ser traduzido no
crescimento da sociabilidade em sentido extensivo (aumento
da quantidade de componentes predominantemente sociais
como elementos mediadores da vida em sociedade) e/ou in-
tensivo (crescente complexidade dos componentes já existen-
tes), tendência essa que Marx costumava caracterizar como
recuo das barreiras naturais. Sobre as tendências que regulam a
dinâmica de funcionamento da sociedade, Lukács (2007, p. 237
e 238 et seq.) menciona ainda o aumento das forças produtivas
do trabalho (ou seja, a diminuição do tempo de trabalho neces-
sário à produção e reprodução das condições de vida humana)
2
“Está rindo do quê? Em outras palavras, a fábula fala de ti.”
18
e a formação do gênero humano, resultado das “ligações quan-
titativas e qualitativas cada vez mais intensas entre as socieda-
des singulares originalmente pequenas e autônomas”.
No caso da sociedade em forma especificamente capita-
lista, desenvolvimento significa, seguindo a mesma lógica,
a operação das leis que emanam da organização própria
da economia regida pelo capital em sentido extensivo (isto
é, para uma porção mais ampla do globo, submetendo uma
quantidade maior de formações sociais e seres humanos) e/
ou intensivo (comandando momentos mais amplos da con-
vivência social, como as atividades artísticas, esportivas,
relações afetivas etc.). O trânsito de um estágio mais baixo
de desenvolvimento para um mais alto significa, portanto, a
predominância mais ampla da lógica capitalista na existência
social (e não a passagem do pior ao melhor, seja lá como es-
ses estados possam ser definidos).
Se essa é, de fato, a maneira como Marx concebeu o desen-
volvimento, então o desenvolvimento de que fala em O capital
é o desenvolvimento do seu objeto de análise (a sociedade ca-
pitalista, cuja dinâmica é dominada por sua economia, como
procura demonstrar a obra). Ademais, o fato de que Marx
tenha procurado capturar a essência desse desenvolvimento
mediante o enunciado de leis de tendência revela, por um lado,
que o autor tem plena consciência de que o processo de desen-
volvimento comporta histórias (isto é, trajetórias concretas,
efetivas) bastante diferenciadas. Isso porque leis de tendên-
cias não são afirmações sobre sequências regulares de even-
tos, mas sim proposições sobre a capacidade causal de um de-
terminado objeto do mundo, que pode ser exercida sem que os
fenômenos causados se manifestem (em virtude da operação
de tendências contrarrestantes). Naturalmente, isso confere
à análise de Marx um caráter post festum, não preditivo. Por
outro lado, a caracterização do processo de desenvolvimen-
to mediante o enunciado de leis de tendência nitidamente re-
vela o reconhecimento do caráter não teleológico da história
em seu conjunto. Ainda que Marx destaque a teleologia como
o aspecto distintivo da práxis humana, ele simultaneamente
19
caracteriza a dinâmica da sociedade como o resultado da arti-
culação espontânea, não teleológica, dessas práticas.3
Com essas considerações, torna-se possível retomar as
passagens de Marx citadas no início desta introdução, espe-
cialmente aquelas que tratam da relação entre Inglaterra e
Alemanha. À luz da interpretação aqui defendida, pode-se
sugerir que Marx considerava a Alemanha um país capitalis-
ta, mas com um grau de penetração do capital na vida social
como um todo relativamente limitado em comparação com a
Inglaterra. Por esse motivo, afirma que “além dos males mo-
dernos, oprime a nós alemães uma série de males herdados,
originários de modos de produção arcaicos, caducos, com seu
séquito de relações políticas e sociais contrárias ao espírito
do tempo. Somos atormentados pelos vivos e, também, pelos
mortos. Le mort saisit le vif. [O morto tolhe o vivo]” (MARX,
2002, p. 16 e 17).
Um indício claro desse raciocínio também pode ser encon-
trado na afirmação de que a Alemanha é menos desenvolvida
que a Inglaterra por não contar com uma regulação jurídica
das relações entre capital e trabalho, isto é, com uma estrutura
jurídica compatível com a produção capitalista (ou ainda, com
“relações de produção” correspondentes à “etapa determina-
da de desenvolvimento das [...] forças produtivas materiais”).
Mais do que isso, ao afirmar que a Alemanha se desenvolveria
como a Inglaterra, Marx não estava falando de eventos e fenô-
menos históricos concretos, mas sim do surgimento, naquele
país, de um terreno favorável à operação das leis (econômi-
cas) que caracterizam e governam a sociedade capitalista.
Na tentativa de esclarecer o motivo pelo qual julgamos
necessário demonstrar que essa é efetivamente a noção de
3
Em O capital, essa diferença entre o caráter teleológico das práticas indi-
viduais e o caráter não teleológico do processo social em seu conjunto é
salientada por diversas vezes. Um bom exemplo é a análise da prática dos
capitalistas em processo de concorrência, realizada no Capítulo X do Livro
I. Embora os capitalistas movam sua prática no sentido da extração de mais-
-valia extraordinária, do ponto de vista do processo em seu conjunto, o re-
sultado de tais práticas é a redução do valor da força de trabalho (MARX,
2002, p. 368-370).
20
desenvolvimento carregada por Marx, é indispensável ainda
contrastá-la com a noção de desenvolvimento convencional-
mente aceita no campo da ciência econômica. Nesse caso, ob-
servamos que o desenvolvimento é entendido, em geral, como
trânsito do “pior ao melhor”, o que envolve um juízo sobre
condições pretéritas, presentes ou futuras, realizado com base
em determinados critérios preestabelecidos. Ao lado dessa
posição geral, está a noção de desenvolvimento como mero
desdobramento de possibilidades postas pelo presente orde-
namento social, colapsando o desenvolvimento da sociedade
enquanto tal e o desenvolvimento capitalista (o que não chega
a surpreender, pois, como se sabe, para a Economia a socieda-
de capitalista é o limite último de todas as teorias e práticas).
Os exemplos mais claros de conjugação das duas carac-
terísticas apresentadas são, sem sombra de dúvida, ofereci-
dos pelas teorias econômicas do desenvolvimento, tomadas
como objeto do presente estudo. O surgimento desse con-
junto de teorias é normalmente datado do período poste-
rior à Segunda Guerra Mundial e marcado pelo fato de eles
compartilharem uma mesma preocupação: explicar por que
os diferentes países sustentam trajetórias históricas de cres-
cimento distintas e propor saídas para os “menos favoreci-
dos” – geralmente tratados como subdesenvolvidos.4 Como
esperamos demonstrar ao longo deste estudo, essas teorias
possuem diferenças e particularidades, tanto nos diagnósti-
cos quanto nas prescrições, que não podem ser ignoradas.
Ainda assim, o desenvolvimento é tratado, em geral, como a
passagem de um estágio de privação material para um estado
de pletora material, qualquer que seja o critério para avaliar
essa transição (pelo produto per capita, expectativa de vida,
nível de escolaridade etc.). Além disso, a formação social ca-
pitalista é tomada como um pressuposto, tanto na definição
4
Vale notar que há uma variedade de termos e eufemismos utilizados para
tratar desse grupo de países: desde o próprio “subdesenvolvidos” até “de-
primidos”, “periféricos”, “terceiro mundo” etc. Para facilitar a exposição,
adotaremos prioritariamente o termo subdesenvolvimento, a não ser quan-
do estivermos empregando a linguagem de um autor específico na exposi-
ção de suas ideias.
21
dos fins (objetivos primordiais do desenvolvimento) quanto
na definição dos meios (isto é, das estratégias e requisitos
necessários a essa passagem). Trata-se, portanto, como dito,
de encarar o desenvolvimento como o eterno desdobrar do
presente e, simultaneamente, de ajuizar esse processo, explí-
cita ou implicitamente, como positivo.
Por que deveríamos recusar a noção de desenvolvimento
veiculada pela ciência econômica, uma noção que conduz à
identificação imediata de desenvolvimento com desenvolvi-
mento capitalista? Pensemos, por um minuto, que Marx tinha
razão. Admitamos que ele esteja correto quando procura de-
monstrar que o capitalismo não pode subsistir sem o exército
industrial de reserva, que o capitalismo não pode prescindir da
separação dos seres humanos em classes sociais (ou seja, da
desigualdade), que nós não temos como controlar, mesmo pela
ação do Estado, a dinâmica capitalista (isto é, que estamos su-
bordinados à possibilidade de crises e de um uso destrutivo da
natureza). Se esse argumento faz sentido, e nós estamos pre-
sos ao desenvolvimento capitalista, então nossa única alterna-
tiva seria desenvolver uma teoria da conformação universal,
e, naturalmente, da administração da calamidade. Por outro
lado, se percebemos o desenvolvimento capitalista como mo-
mento específico de um desenvolvimento mais amplo, então
podemos ao menos nos questionar se devemos contribuir para
a explicitação das leis que respondem pelo desenvolvimento
capitalista, ou se devemos, no sentido contrário, esforçar-nos
por transitar para outro modo de desenvolvimento.
Em segundo lugar, ainda partindo da premissa de que Marx
tinha razão, se o desenvolvimento capitalista envolve, por ne-
cessidade, mazelas sociais e ecológicas, seria impossível que,
junto às mazelas, não emergissem formas de consciência em
diversos níveis (cotidiano, filosófico, científico etc.) que se
ocupassem dessas mazelas, fosse para compreender suas cau-
sas e/ou propor soluções. Se as mazelas são mazelas em algum
sentido, elas reclamam remédio, e as teorias que confundem
desenvolvimento capitalista e desenvolvimento em-si enquan-
to tal tratam de oferecê-lo. Então, no fundo, essas teorias não
22
são apenas teorias, são ideias necessárias de um mundo que
produz mazelas.
Diante desse panorama geral, podemos finalmente afirmar
que o objetivo deste estudo é demonstrar que as teorias do
desenvolvimento são única e exclusivamente teorias do desen-
volvimento capitalista, ou seja, tomam o capitalismo (e ape-
nas o capitalismo) como limite teórico e prático da sua inter-
venção e projetam a formação social capitalista (uma imagem
dela, ao menos) como figura inexorável do futuro da humani-
dade. Para, primeiro, atestar e, depois, defender o nexo entre
as teorias econômicas do desenvolvimento e a reprodução da
sociedade capitalista, foi estabelecido um contraste entre os
termos comuns dessas teorias e os elementos que caracteri-
zam a análise do desenvolvimento em-si da sociedade capita-
lista encontrada na obra de Marx (seguindo, é claro, a inter-
pretação aqui defendida). O contraste evidenciou não apenas
ser possível conceber o desenvolvimento da sociedade na sua
atual configuração, como uma fase historicamente contingente
do desenvolvimento social em geral, mas também confirmar
a hipótese de que as teorias econômicas do desenvolvimento
são manifestações teóricas do próprio desenvolvimento social
na sua atual forma.
As páginas que se seguem apresentam, em duas grandes
partes, os resultados do estudo. Na Parte I, buscamos defender
a possibilidade de formulação de uma teoria do desenvolvi-
mento autenticamente ontológica e definir de modo mais pre-
ciso o sentido do termo desenvolvimento dentro dessa pers-
pectiva.5 Para tanto, essa parte encontra-se dividida em três
capítulos, nos quais buscamos progressivamente diminuir o
nível de abstração da análise: no primeiro, tratando das prin-
cipais linhas de desenvolvimento da sociedade, abstratamente
5
O termo ontologia, empregado por diversas vezes ao longo deste livro, re-
fere-se ao conjunto de considerações gerais sobre a realidade, sobre o ser,
sobre o que existe em-si, uma visão geral de mundo, enfim, que constitui o
pano de fundo para a interpretação dos diferentes momentos da existên-
cia natural e/ou social. O termo ontologia é dotado de uma “duplicidade
semântica”, podendo referir-se tanto à realidade em si mesma, quanto às
considerações sobre a realidade, duplicidade que também afeta as palavras
“economia” e “história”, por exemplo.
23
considerada; no segundo, buscando a apreensão das linhas
gerais de desenvolvimento da sociedade em forma especifica-
mente capitalista, com especial atenção para aquelas tendên-
cias que determinam o caráter autoexpansivo dessa formação
social; no terceiro, por fim, examinando a manifestação das
leis anteriormente apresentadas em dois contextos históricos
específicos (o período conhecido como “Era de Ouro do capi-
talismo” e aquele posterior à crise dos anos 1970), buscando,
com isso, mostrar como a análise do desenvolvimento em-si
deve envolver o reconhecimento de que as tendências gerais
são atravessadas por particularidades. A Parte I conta ainda
com três apêndices, em que buscamos explorar algumas temá-
ticas específicas, que, ao longo da pesquisa, apresentaram-se
como complementos importantes à linha central de argumen-
tação, cujo eixo encontra-se presente nos capítulos.
Cumprida esta etapa, a Parte II foi dedicada à inspeção
crítica das teorias econômicas do desenvolvimento, que ex-
pressam de maneira mais clara a forma como o desenvolvi-
mento é geralmente abordado no âmbito da ciência econômi-
ca. Considerando, no entanto, a proximidade inicial entre as
temáticas do desenvolvimento e do crescimento econômico
(por vezes tomados como sinônimos), julgou-se prudente ini-
ciar a Parte II oferecendo, no quarto capítulo, um panorama
geral dos modelos de crescimento econômico no período pré-
1970. Para tratar das teorias do desenvolvimento produzidas
no mesmo período (que, em virtude do “pioneirismo”, foram
por nós intituladas teorias “clássicas” do desenvolvimento),
foi necessário dividi-las em dois grandes grupos: aquelas que
falam sobre as regiões subdesenvolvidas, em geral (apresenta-
das no quinto capítulo), e aquelas que tratam especificamente
do caso latino-americano (apresentadas no sexto capítulo). O
sétimo capítulo, por fim, busca apresentar as principais reo-
rientações observadas no debate sobre desenvolvimento no
período posterior à década de 1970.
Apenas para enfatizar, a inspeção crítica realizada ao lon-
go da Parte II não tem como objetivo avaliar se as teorias do
desenvolvimento, ao interpretarem os problemas dos países
24
subdesenvolvidos, produzem ideias melhores ou piores, quan-
do comparadas umas com as outras. Ao contrário, espera-se
demonstrar, através da identificação de elementos teóricos
comuns, que as teorias sob análise encontram-se no interior
do amplo conjunto de formulações ao qual se pretende dirigir
uma crítica conjunta, fundamentada no arcabouço teórico da
Parte I e apresentada na conclusão geral deste estudo.
25
Parte I
Por uma teoria ontológica do desenvolvimento
27
afirmações feitas por Marx a respeito do mundo e da forma
de capturá-lo no pensamento, também permitem “limpar o
terreno”, desfazendo o que parecem ser alguns dos equívo-
cos mais recorrentes na interpretação da teoria marxiana. O
primeiro capítulo é complementado ainda por um apêndice,
no qual fazemos alguns esclarecimentos adicionais a respeito
da categoria desenvolvimento desigual, particularmente impor-
tantes para estabelecer a distinção entre a perspectiva aqui
delineada e aquela defendida por grande parte das teorias de
inspiração marxista.
O segundo capítulo destina-se mais pontualmente ao res-
gate dos elementos indispensáveis à caracterização do siste-
ma social vigente, tomando como base a descrição feita por
Marx, especialmente em O capital. Considerando a impossibi-
lidade de refazer o longo argumento elaborado pelo autor, o
capítulo terá ao menos um foco fundamental: a demonstração
de que, por sua própria constituição, a sociedade mercantil
possui como dispositivo imanente o impulso para o aumento
da riqueza, ou, dito de outra forma, que esse modo de produ-
ção possui uma dinâmica autoexpansiva. Trata-se, mais espe-
cificamente, de demonstrar como, em sua processualidade, a
dinâmica capitalista produz crescimento contínuo da riqueza
e como esse resultado vem acompanhado do acionamento de
novas contradições. Para auxiliar a compreensão desse pon-
to, dedicamos o Apêndice II à apresentação de um importante
elemento da dinâmica capitalista: a tendência à formação do
mercado mundial.
No terceiro e último capítulo, analisamos a dinâmica capi-
talista em um nível ainda mais baixo de abstração, mostrando
como as tendências gerais apresentadas no capítulo anterior
são atravessadas por determinações particulares (inclusive
tendências historicamente específicas) que influenciam a for-
ma concreta de manifestação das leis gerais. Para tanto, utiliza-
mos como exemplo dois períodos históricos: o primeiro conhe-
cido como a “Era de Ouro do capitalismo” e aquele posterior
à crise dos anos 1970. A partir do contraste entre esses dois
períodos, esperamos mostrar as mudanças, mas também as
28
permanências, indicando como o capital modifica-se num de-
terminado momento para preservar sua lógica geral. Por fim,
utilizamos o Apêndice III para prestar alguns esclarecimentos
sobre a complexidade da dinâmica capitalista, apontando para
o equívoco cometido por aquelas teorias que tentam explicar
a dinâmica capitalista exclusivamente a partir de uma única
categoria.
29
Capítulo 1
Leis gerais de desenvolvimento da sociedade:
historicidade e desigualdade do desenvolvimento
32
objetos e, portanto, à reprodução dos seres humanos. Antes
que conclusões equivocadas sejam extraídas dessa afirmação,
é necessário enfatizar que o enunciado “tempo de trabalho so-
cialmente necessário” não deve ser confundido com o enun-
ciado da categoria “valor”. O ser humano sempre trabalhou e
sempre despendeu tempo em sua atividade produtiva, mas só
em determinadas condições sociais (aquelas postas pelo ca-
pital), o trabalho apresenta-se de modo dominante como pro-
priedade das coisas produzidas, como valor, e o tempo funcio-
na como medida dessa propriedade. Portanto, como veremos
no próximo capítulo, somente na sociedade comandada pelo
capital, a redução do tempo de trabalho socialmente necessá-
rio apresenta-se como diminuição do valor unitário das merca-
dorias e constitui uma tendência dinâmica que marca a fundo
a reprodução sistêmica.
Por ora, tratamos do aumento da produtividade, numa
perspectiva bastante ampla, como uma tendência ultrageral
da reprodução social, que contribui para a diversificação das
necessidades sociais e das formas de práticas humanas (e até
mesmo para a ampliação das possibilidades de crescimento
populacional). Nas palavras da historiadora Ellen Meiksins
Wood:
33
mudança; nem contradiz o entendimento, expresso por
Marx, de que “petrificação” tem sido mais a regra que a
exceção. (WOOD, 2003, p. 115).
34
por exemplo). O reconhecimento do gênero humano como
um problema universal que envolve todos os seres humanos,
além das fronteiras de comunidades específicas, das classes e
outras divisões possíveis (“raça”, gênero), é um fenômeno re-
lativamente recente, que acompanha o recuo progressivo das
barreiras naturais, o desenvolvimento das forças produtivas
e especialmente a tendência à formação do mercado mundial
(LUKÁCS, 2007, p. 238).
Assim como no caso da tendência ao aumento das forças
produtivas, veremos no próximo capítulo como a explicitação
do gênero humano ganha contornos mais definidos no modo
de produção capitalista, e que, apesar do caráter de progres-
so objetivo, vem acompanhado do acionamento de novas
contradições. Antes disso, seguimos na próxima seção com o
tratamento de duas questões indispensáveis ao correto enten-
dimento da concepção de desenvolvimento aqui defendida: a
historicidade e o desenvolvimento desigual.
35
complexos em movimento, é indício de tendências ontológicas
à historicidade como princípio do próprio ser”.
Mais do que isso, a historicidade implica não apenas a per-
manência na mudança, “mas também e sempre uma determi-
nada direção na mudança, uma direção que se expressa em
transformações qualitativas de determinados complexos, tan-
to em-si quanto em relação com outros complexos”. Sem mui-
tos rodeios, podemos extrair daqui o entendimento correto do
papel desempenhado pelos conceitos de desenvolvimento e
progresso dentro dessa formulação. Com o auxílio de Medeiros:
36
(Pode-se aprovar, deplorar, etc. o ‘recuo das barreiras natu-
rais’)” (LUKÁCS, 1979, p. 54).
A questão é que a sociedade, assim como outros objetos es-
truturados, fica mais bem representada como uma totalidade,
composta de complexos, complexamente articulados, em que
“todo ‘elemento’, toda parte, é também [...] um todo; todo ‘ele-
mento’ é sempre um complexo com propriedades concretas,
qualitativamente específicas, um complexo de forças e rela-
ções diversas que agem em conjunto” (LUKÁCS, 1979, p. 40).
Se investigamos, portanto, a relação que se estabelece entre as
diferentes partes e/ou esferas que integram uma totalidade, o
que se observa é que estas partes e/ou esferas podem possuir
legalidades próprias e se comportar de maneira heterogênea:
“por um lado, complexos diferentes de uma mesma totalidade
podem estar em estágios distintos de desenvolvimento; por
outro, alguns complexos podem estar contingentemente regre-
dindo ao invés de progredindo”. (MEDEIROS, 2007, p. 46)
Na medida em que progressos singulares, em uma ou outra
esfera da vida social, podem ser acompanhados por regres-
sões simultâneas em outras esferas, temos de reconhecer que
todo desenvolvimento (ou progresso) que tem lugar na his-
tória do ser social pode assumir, por necessidade (isto é, em
razão da própria configuração dinâmica do objeto), a forma
de um desenvolvimento desigual. Apesar de ser por vezes asso-
ciado às diferenças na distribuição de riqueza entre as nações,
trata-se aqui o desenvolvimento desigual como uma categoria
cujo alcance é mais abrangente, dentro da qual a desigualdade
entre países pode apenas ser vista como um caso específico.2
E para entender a profundidade dessa categoria, recorremos
ao exemplo, citado por Marx, da desigualdade de desenvolvi-
mento que se estabelece entre a produção material em face da
produção artística:
2
Uma discussão sobre o conceito de desenvolvimento desigual, focada espe-
cialmente na distinção entre as duas noções (a defendida no presente estu-
do e aquela que trata exclusivamente da desigualdade de desenvolvimento
entre as nações), poderá ser vista no Apêndice I.
37
Em relação à arte, sabe-se que certas épocas de flores-
cimento artístico não estão de modo algum em confor-
midade com o desenvolvimento geral da sociedade, nem,
por conseguinte, com o da base material que é, de certo
modo, a ossatura da sua organização. (MARX, 1982, p. 20).
38
do conhecimento etc.) e, sobre essa base, decreta a existência
de um progresso generalizado”; por outro, no extremo oposto,
temos a posição que, assumindo os retrocessos como unidade
de medida, nega de modo absoluto a presença de progresso
(LUKÁCS, 1979, p. 124).
É evidente que, na medida em que, em ambos os casos, mo-
mentos singulares do processo de conjunto são amplificados e
tomados como critérios únicos, as duas concepções são equi-
vocadas. Como ressalta Lukács:
39
Seção 1.3 Linhas gerais de desenvolvimento do ser
social: considerações finais
40
Além disso, as dinâmicas e determinações anteriormente
enunciadas funcionam com relativa autonomia com referência
às intenções particulares dos sujeitos em suas ações (o resul-
tado social do processo em si não tem uma finalidade, ou seja,
é não teleológico).3 A dificuldade aqui reside no fato simples,
embora nem sempre intuitivo, de que, enquanto a maioria das
atividades cujo conjunto compõe o movimento da sociedade
é certamente de origem teleológica, o somatório dessas ativi-
dades é feito de conexões causais que em nenhum sentido po-
dem ser de caráter teleológico – e, na maioria dos casos, pro-
duz resultados inteiramente diversos das motivações iniciais
(LUKÁCS, 1979, p. 81). Apesar da impossibilidade de aprofun-
dar esse e outros temas relacionados, julga-se aqui relevante
ao menos indicar que, desse fato fundamental, depreende-se
de imediato que os processos sociais podem ser ditos ao mes-
mo tempo dependentes e independentes dos atos individuais
que os produzem e reproduzem.4
A correta caracterização da teoria aqui defendida exige ain-
da a compreensão de que as dinâmicas e tendências que se
verificam no interior do ser social sustentam sua objetividade,
na medida em que existem e operam independentemente do
conhecimento que se tem sobre elas e a despeito dos juízos
de valor formulados a seu respeito. Em postura perfeitamente
compatível com uma ontologia realista e materialista (válida
para além dos limites das ciências da sociedade), explicita-
-se aqui, em primeiro lugar, o reconhecimento fundamental da
distinção entre a realidade e o conhecimento da realidade (ou
ainda, nos termos de Marx, entre o concreto e o concreto pen-
sado). Mais do que isso, trata-se, na verdade, de reconhecer a
3
Nas palavras de Sánchez-Vázquez (2007, p. 55 e 56): “o progresso histórico é
fruto da atividade coletiva dos homens como seres conscientes, mas não de
uma atividade comum consciente.”
4
Como sintetizado por Marx em mais uma de suas célebres passagens: “Os
homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a
fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se de-
frontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (MARX, 1997, p.
21). Sobre o tema, conferir também Lukács (1979, p. 64; 2007, p. 236).
41
prioridade (ontológica) da primeira (realidade) em relação à
segunda (consciência).5 Nos termos de Lukács:
5
Esse é um dos aspectos mais decisivos do materialismo sustentado por
Marx: “Do mesmo modo que em toda ciência histórica e social em geral é
preciso ter sempre em conta, a propósito do curso das categorias econô-
micas, que o sujeito, nesse caso, a sociedade burguesa moderna, está dado
tanto na realidade efetiva como no cérebro; que as categorias exprimem
portanto formas de modos de ser, determinações de existência, frequente-
mente aspectos isolados dessa sociedade determinada, desse sujeito, e que,
por conseguinte, essa sociedade de maneira nenhuma se inicia, inclusive do
ponto de vista científico, somente a partir do momento em que se trata dela
como tal” (MARX, 1982, p. 18).
42
realidade, ou seja, a leitura da história caminha no sentido
oposto à gênese da própria história. Isso porque se a evolução
do ser social segue a norma do aumento da complexidade in-
terna do ser, o processo histórico efetivo tende a transformar
formas mais simples em formas mais complexas. Quando se
trata de compreender cientificamente as categorias sociais, ao
contrário, temos acesso imediato às suas formas mais comple-
xas e a partir delas procuramos reconstituir as formações mais
simples, momentos anteriores, post festum (MARX, 1982, p. 17).
Esse ponto é particularmente importante, pois, abrindo ca-
minho para o tema do próximo capítulo, ajuda-nos a entender
um dos motivos pelos quais Marx estudou de modo pratica-
mente exclusivo a sociedade capitalista, mesmo quando tinha
a intenção de descobrir propriedades gerais da sociedade. A
questão é que, além de as relações sociais capitalistas consti-
tuírem o material histórico imediatamente disponível (aquele
a que temos acesso de imediato), a partir dessas relações com-
põe-se a forma social na qual a linha geral de desenvolvimento
manifesta-se de modo mais ampliado até o presente. Mas é pre-
ciso prontamente salientar que assumir esse ponto de partida
não implica negar o caráter histórico da sociedade, praticando
assim uma forma qualquer de anacronismo, hipóstase e/ou na-
turalização. Ao contrário, Marx rejeitou explicitamente todas
as análises desse tipo (que fazem desaparecer as diferenças
históricas e projetam características específicas da socieda-
de burguesa para todas as formas de sociedade precedentes),
tendo sempre o cuidado de assinalar seus desdobramentos so-
bre a prática social.6
Ademais, e para concluir as ressalvas, é prudente adver-
tir que o fato de Marx ter assumido o âmbito da economia
como objeto de estudo não significa, como falam os críticos,
que sua imagem de mundo seja fundada sobre o economicis-
mo. A resposta a esse questionamento exige, antes de tudo, o
6
Como veremos adiante, especialmente na Parte II, a naturalização de estru-
turas sociais (historicamente constituídas) é algo recorrente na ciência eco-
nômica, inclusive entre as teorias do desenvolvimento, e as implicações não
são muito diferentes das assinaladas por Marx.
43
entendimento do sentido atribuído por Marx ao termo “econô-
mico”: economia em Marx aparece, em termos extremamente
gerais, como a esfera de produção e reprodução da vida hu-
mana, e as categorias econômicas como categorias dessa pro-
dução e reprodução (e é isso que torna possível uma descri-
ção da sociedade sobre bases materialistas). Concebida dessa
forma, a economia ocupa o posto de determinante em última
instância da vida social e, assim como na relação entre ser e
consciência, aqui também podemos recorrer mais uma vez ao
conceito de prioridade ontológica:
44
economia não apenas o momento predominante do ser social,
mas a principal esfera de sociabilidade. Como veremos no pró-
ximo capítulo, esse ponto é extremamente importante para a
compreensão da dinâmica capitalista.
45
Apêndice I
Esclarecimentos sobre a categoria desenvolvimento desigual
7
Ao longo do capítulo citamos o exemplo, dado por Marx, da desigualdade de
desenvolvimento entre arte e economia. Podemos ainda utilizar o conceito,
como sugere Marx (1982, p. 20), para falar da desigualdade que se estabele-
ce entre direito e economia ou, como sugere Lukács (1979, p. 137), entre mú-
sica e arquitetura. Um tratamento detalhado da categoria desenvolvimento
desigual e a síntese de todos esses casos podem ser encontrados em Lukács
(1979, p. 123-137).
46
outros, e na noção de desenvolvimento desigual e combinado.8
Nesses autores, observamos a utilização do termo tanto para
descrever o processo histórico por meio do qual determina-
dos países realizaram tardiamente a transição para o modo de
produção capitalista, combinando setores “modernos” e “atra-
sados” em seu interior, quanto para tratar da desigualdade de
desenvolvimento (econômico) entre nações.
Embora nem sempre seja feita a devida referência aos tra-
balhos de Lênin e Trotsky (ou se mantenha fidelidade às suas
formulações originais), a utilização da categoria tornou-se mui-
to comum entre autores de orientação marxista, especialmen-
te para abordar a questão da desigualdade entre nações. Isso
pode ser comprovado a partir da síntese formulada por Ernest
Mandel:
8
Quando se trata de analisar a concepção de desenvolvimento desigual sus-
tentada por Lênin, o texto mais recorrentemente citado é, sem dúvida, o
livro intitulado Imperialismo, etapa superior do capitalismo (1917). Nele, no
entanto, encontram-se poucas e esparsas referências ao termo, e nenhum
tipo de tratamento teórico mais refinado. Trotsky, por outro lado, faz diver-
sas menções ao termo (acrescido do qualificativo combinado), especialmen-
te nos livros Balanços e perspectivas (1906), 1905 (1909), III Internacional
depois de Lênin (1928) e História da Revolução Russa (1930), mas também
não chega a debater o conceito mais extensamente. Essa tarefa coube a al-
guns seguidores, como Mandel (1979) e Novack (2008), por exemplo, que
buscaram dar um tratamento mais sistemático à noção de desenvolvimento
desigual e combinado. Sobre o tema, conferir também Löwy (1998).
47
Não pretendemos aqui fazer uma revisão das teorias que,
de uma maneira ou de outra, trabalham com a categoria de-
senvolvimento desigual no sentido apresentado, mas apenas
chamar a atenção para alguns problemas relacionados a essa
definição. Em primeiro lugar, essas teorias utilizam uma con-
cepção de desenvolvimento (como crescimento da riqueza, ca-
pacidade produtiva, condições de vida da classe trabalhadora
etc.) que em muito difere daquela utilizada por Marx e Lukács
(reconhecimento objetivo da dinâmica de funcionamento da
sociedade).9 Em segundo lugar, ainda que seja possível de-
monstrar que o desenvolvimento desigual entre países é efe-
tivamente um caso de desenvolvimento desigual (no sentido
empregado por Marx e Lukács), esse seria ainda apenas um
caso possível de apresentação do problema. Ou seja, tomar
essa acepção como a definição de desenvolvimento desigual
seria tomar uma instância específica como o caso geral.
Como não consta entre os objetivos do presente estudo de-
monstrar a correção ou incorreção do tratamento convencio-
nalmente dispensado à categoria do desenvolvimento desigual
(isto é, aquele que utiliza a categoria para descrever a relação
entre países capitalistas), limitamo-nos apenas a mostrar, ainda
que brevemente, como o desenvolvimento desigual é mais am-
plo e mais complexo do que sugere a interpretação tradicional
e o reducionismo assim implícito nessa definição da categoria.
Em suma, enfatize-se que desenvolvimento desigual, no regis-
tro marxiano, refere-se a (1) uma disparidade no grau de desen-
volvimento entre complexos integrantes de uma totalidade; e
(2) uma disparidade não acidental, mas provocada pelo próprio
modo de ser da totalidade e dos complexos (isto é, uma de-
sigualdade causalmente determinada). Trata-se, enfim, de uma
determinação ultragenérica e que não pode ser reduzida à rela-
ção econômica (entre setores, classes ou entre nações).
9
Oferecendo um exemplo bastante emblemático, Paul Baran (1986, p. 47) afir-
ma explicitamente: “Definamos crescimento (ou desenvolvimento) econô-
mico como o aumento, ao longo do tempo, da produção per capita de bens
materiais”, descartando ainda na sequência qualquer tentativa de associa-
ção entre desenvolvimento e aumento de bem-estar. Uma definição similar
pode ser vista também em Dobb (1973, p. 14).
48
Capítulo 2
Lei geral da acumulação capitalista: dinâmica
autoexpansiva, desenvolvimento e estranhamento
49
Seção 2.1 Leis gerais de desenvolvimento
da sociedade capitalista
2
Como se trata aqui de uma tendência, não significa que não possa existir,
ou que jamais tenha existido, a reprodução simples; significa apenas que a
50
Além da tendência à concentração do capital, que trata do
crescimento do capital social realizado através do crescimento
de muitos capitais individuais, destaca-se outra: a tendência à
centralização do capital. Apesar de aparecer como tendências
articuladas que se retroalimentam, a tendência à centralização
descreve o crescimento dos capitais individuais, obtido atra-
vés da centralização do comando, isto é, da “concentração de
capitais já formados, a supressão de sua autonomia individual,
a expropriação do capitalista pelo capitalista, a transforma-
ção de muitos capitais pequenos em poucos capitais grandes”
(MARX, 2002, p. 729). Como o propósito da centralização é o
aumento da mais-valia, isso pode levar à acumulação, mas, na
medida em que pressupõe apenas alteração na repartição dos
capitais já existentes em funcionamento, seu campo de ação
não está limitado pelo crescimento absoluto da riqueza social
– pode ocorrer, e normalmente ocorre, também em momentos
de crise.
Por fim, a terceira tendência, ao contrário das anteriores, não
se refere ao tamanho do capital, mas à relação entre suas par-
tes constitutivas. Para expressar a dimensão útil (valor de uso)
da composição do capital, Marx introduz a categoria intitulada
composição técnica do capital, determinada pela proporção em
que o capital se divide em meios de produção e força de traba-
lho. Do ponto de vista abstrato (valor), tem-se a composição em
valor do capital determinada pela proporção em que o capital se
divide em constante (montante de capital adiantado em meios
de produção) e variável (montante de capital adiantado em for-
ça de trabalho). A síntese dialética de ambas, chamada de com-
posição orgânica do capital, expressa “a composição do capital
segundo o valor, na medida em que é determinada pela compo-
sição técnica e reflete modificações desta” (MARX, 2002, p. 715).
51
A tendência ao aumento da composição do capital, men-
cionada anteriormente – que se traduz em aumento do capital
constante em relação ao capital variável, aumento na quantida-
de de meios de produção que a força de trabalho é capaz de pôr
em movimento, ou ainda, substituição de trabalho vivo por tra-
balho objetivado –, nada mais é do que a forma de expressar-se
o aumento das forças produtivas do trabalho sob o capitalismo.
Mas, na medida em que o resultado final é, como tendência, que-
da no valor unitário das mercadorias e aumento da mais-valia
relativa, pode-se afirmar a existência de uma motivação exclusi-
vamente capitalista para aumentar a produtividade do trabalho.
Antes de prosseguir com o argumento, é preciso aqui diferen-
ciar essa tendência própria (particular) da sociedade capitalista
da tendência geral (universal) de aumento das forças produti-
vas tratada no capítulo anterior. Vimos que o aumento da pro-
dutividade é condição sine qua non do desenvolvimento social,
porque dele depende, por exemplo, a diversificação das práticas
humanas e o próprio aumento populacional. O capitalismo, con-
tudo, é a única formação social até então existente em que essa
tendência universal de aumento da produtividade apresenta-se
como condição particular indispensável à sua reprodução. Ou
seja, diferentemente das demais formações sociais conhecidas,
a sociedade capitalista tem o aumento da produtividade como
elemento estrutural de sua reprodução e necessariamente entra
em crise caso não se revolucionem periodicamente as condi-
ções de produção. Infere-se daí que a tendência expansiva do
capital, centrada fundamentalmente na busca da valorização,
confere ao aumento das forças produtivas uma potência sem
precedentes na história da humanidade. Ao ingressar na pro-
dução, o capital revoluciona a forma de produzir, revoluciona o
modo de fazer as coisas: transforma a produção para que esta
se transforme num meio de expansão do valor.3
3
Já no Manifesto comunista, Marx e Engels reconheceram que o capital desen-
volve por necessidade as forças produtivas do trabalho: “A burguesia não
pode existir sem revolucionar continuamente o instrumental de produção
e, em consequência, as relações de produção e todas as relações sociais. A
conservação inalterada do modo tradicional de produção era, ao contrário,
a primeira condição de existência de todas as classes industriais preceden-
52
Combinando as três tendências apresentadas, é possível
vislumbrar uma dinâmica inerente à acumulação capitalista.
Em períodos de relativa estabilidade técnica, a acumulação de
capital tende a absorver mais trabalhadores, subordinando-
-os à lógica capitalista e ampliando extensivamente seu raio
de atuação. Mas a dinâmica de acumulação ultrapassa, e tem
de ultrapassar, esta fase: “Dados os fundamentos gerais do sis-
tema capitalista, chega-se, sempre, no curso da acumulação,
a um ponto em que o desenvolvimento da produtividade do
trabalho social se torna a mais poderosa alavanca da acumula-
ção” (MARX, 2002, p. 725). Isso porque o aumento de produtivi-
dade permite superar os limites encontrados pelo capital para
a expansão da mais-valia com composição técnica constante,
especialmente aqueles postos pela impossibilidade de se es-
tender indefinidamente a jornada de trabalho e pelo tamanho
da população imediatamente disponível.
A acumulação de capital ocorre, portanto, combinando
fases de acumulação predominantemente extensiva (acu-
mulação com composição constante) e fases de acumulação
predominantemente intensiva (acumulação com aumento da
produtividade): nesse processo, o capital tende a absorver tra-
balhadores para o campo da produção (crescimento da prole-
tarização) para depois torná-los redundantes. Assim, mesmo
que a demanda por trabalho aumente em termos absolutos,
como tendência, diminui em termos relativos, implicando a
diminuição da participação do capital variável na totalidade
do capital. O resultado é que “a acumulação capitalista sem-
pre produz, e na proporção da sua energia e de sua extensão,
uma população trabalhadora relativamente supérflua, isto é,
que ultrapassa as necessidades médias da expansão do capi-
tal, tornando-se, desse modo, excedente” (MARX, 2002, p. 733).
Esta população ficou conhecida como superpopulação relativa
ou exército industrial de reserva.
53
Apesar de tratados, no jargão econômico, como “excluí-
dos”, é preciso notar que a existência desses desempregados
e subempregados, de trabalhadores em espera, não é apenas
resultado da dinâmica da acumulação capitalista, mas também
seu requisito objetivo. Isso porque, se essa economia (não co-
ordenada) pode crescer inesperada e rapidamente, é necessá-
rio ter trabalhadores à disposição e em condições de trabalhar
(inclusive no que se refere à qualificação), independentemente
dos limites colocados pelo efetivo incremento populacional:
4
Para outros estudos congruentes com a perspectiva aqui apresentada, que
interpretam a pobreza como produto inerente e necessário da dinâmica
capitalista, conferir Mészáros (2002), Cammack (2002), Medeiros (2007) e
Duayer e Medeiros (2003).
54
Para as finalidades deste estudo, basta que recuperemos,
da obra de Marx, a descrição das tendências selecionadas para
representar, no nível de abstração em que nos encontramos, a
dinâmica que caracteriza o desenvolvimento capitalista.5 É cla-
ro que, como pretendemos demonstrar no próximo capítulo,
estas são tendências que dependem de condições históricas
concretas para se manifestar e, conforme o lócus específico,
manifestam-se de maneira diferenciada. Mas antes de transitar
para a análise da dinâmica capitalista neste nível ainda mais
baixo de abstração, seguimos na próxima seção com algumas
conclusões que podem ser extraídas do estudo das leis do de-
senvolvimento capitalista, vistas ainda no plano “geral”.
5
Ao lado das tendências aqui mencionadas, há outras leis que são fundamen-
tais para reconstituir o modo de funcionamento da economia capitalista, tal
como concebido por Marx. É o caso, por exemplo, da tendência à queda da
taxa de lucro. Aqui nos concentramos, no entanto, em determinações que
caracterizam a natureza expansiva e estranhada da produção capitalista.
Essa análise será, entretanto, enriquecida, à medida que o grau de abstração
for reduzido, no capítulo seguinte e principalmente no terceiro apêndice.
55
1974, p. 266), as leis do desenvolvimento capitalista também
possuem o caráter tendencial. Assim, ainda que a expansão da
pobreza tenha sido apresentada como resultado intrínseco à
dinâmica capitalista, essa mesma dinâmica comporta, em seu
interior, a possibilidade de expansão com absorção acelerada
de força de trabalho, o que cria condições favoráveis para a re-
dução do desemprego, aumentos salariais, melhoras nas con-
dições de trabalho, conquistas sociais etc. Se “as tendências
gerais e necessárias do capital devem ser distinguidas de suas
formas de manifestação” (MARX, 2002, p. 367), um período de
acumulação predominantemente extensiva pode, como com-
provam alguns exemplos históricos, interromper por determi-
nado tempo a manifestação fenomênica da lei geral.6
Em terceiro lugar, tomando o conceito de desenvolvimento/
progresso apresentado também no primeiro capítulo, temos de
reconhecer que, apesar dos resultados nefastos decorrentes
da dinâmica capitalista, esta mesma dinâmica representa um
progresso objetivo na história da humanidade. Ou seja, indepen-
dentemente da forma como os sujeitos interpretam e avaliam
os resultados desse processo, “a crescente socialidade da pro-
dução se manifesta não simplesmente como aumento dos pro-
dutos, mas também como diminuição do trabalho socialmente
necessário para fabricá-los”, e isso representa um “traço obje-
tivamente ontológico da tendência evolutiva interna ao ser so-
cial” (LUKÁCS, 1979, p. 82). Ao conferir ao aumento das forças
produtivas um potencial ímpar, produzindo aumentos significa-
tivos de riqueza e de entrelaçamento entre os povos – e demons-
trar a existência objetiva desta dinâmica é um dos objetivos de
6
Os anos que vão do imediato pós-guerra até meados dos anos 1970, co-
nhecidos como a “era de ouro do capitalismo”, talvez nos ofereçam aqui o
exemplo mais emblemático. Apesar dos significativos aumentos de produ-
tividade, assiste-se durante este período a uma diminuição do desemprego
e melhoria nas condições de vida da população, especialmente nos países
capitalistas mais afortunados (HOBSBAWM, 1995, p. 253). O fato de que mais
trabalhadores estivessem empregados e em melhores condições não signifi-
ca, no entanto, que a subordinação da classe trabalhadora ao capital tenha
diminuído. Ao contrário, o fato de mais trabalhadores estarem submetidos à
relação salarial significa que o domínio do capital aumentou extensivamente,
se revestindo apenas de “formas suportáveis” (MARX, 2002, p. 720 e 721).
56
Marx –, amplia-se substancialmente a possibilidade de controle
coletivo sobre a vida social. O aumento da produtividade cria
a base material indispensável para livrar, ao menos em alguma
medida, a humanidade da escravidão pelo trabalho. Acentua as-
sim a possibilidade de a humanidade afastar-se de sua “prisão”
natural, do reino de suas necessidades (MARX, 1974, p. 941). Ao
exasperar esta dinâmica progressiva, o capitalismo cria e am-
plia as condições materiais de emancipação humana.
A análise não pode, no entanto, esgotar-se neste ponto, pois,
ao mesmo tempo que cria e amplia as condições da emancipa-
ção, o capital obstrui continuamente, ele mesmo, a realização
plena dessa possibilidade. Isso porque, como indicado ante-
riormente, por mais que contenha em si um “desenvolvimento
no sentido de níveis superiores”, a dinâmica capitalista envol-
ve a “ativação de contradições de tipo cada vez mais elevado,
cada vez mais fundamental” (LUKÁCS, 2007, p. 239). Conforme
sintetizado por Marx na passagem a seguir:
57
desenvolver a força produtiva social e criar o mercado
mundial apropriado, é ele ao mesmo tempo a contradi-
ção permanente entre essa tarefa histórica e as relações
sociais que lhe correspondem. (MARX, 1974, p. 288).
7
Conferir, por exemplo, Lukács (2007), Hobsbawm (2009), Mészaros (2002, p.
39), Cammack (2002, p. 197), Postone (1993), Medeiros (2007) e Duayer e Me-
deiros (2003).
58
capitalismo, ao mesmo tempo que “a capacidade e o conhe-
cimento da humanidade são acrescidos enormemente”, isso
ocorre “de uma forma alienada que oprime as pessoas e tende
a destruir a natureza” (p. 30).
Esse caráter contraditório (dialético) do desenvolvimen-
to capitalista é certamente um resultado da forma peculiar de
articulação do trabalho nesta sociedade. Como Marx revela
ainda nos primeiros capítulos de O capital, ao contrário de
produção diretamente social, os trabalhos privados, indepen-
dentes uns dos outros, somente atuam como parte constituti-
va do trabalho social por meio da troca. Assim, embora resulte
da interação entre as ações humanas, o trabalho articula-se
socialmente constituindo uma dinâmica semiautônoma com
relação a esses agires e às suas condições objetivas e subje-
tivas. Apesar de não ser essa a leitura convencional, muitos
marxistas julgam, em nosso juízo, acertadamente, que o gran-
de mérito de Marx foi justamente ter reconhecido – e posto em
primeiro plano na sua principal obra – esse caráter estranhado
ou alienado do trabalho que domina a sociedade capitalista.8
Em uma sociedade desse tipo, na qual os produtos do tra-
balho assumem a forma-mercadoria, o esforço de trabalho
aparece, em primeiro lugar, como uma propriedade das coi-
sas, como valor. Além disso, o trabalho humano, materializado
como propriedade das mercadorias, autonomiza-se e subjuga
seus produtores. E, na medida em que as relações sociais entre
as pessoas aparecem como relações entre coisas, o conjunto
das relações humanas aparece aos sujeitos como algo externo
a eles, que os constrange e domina. Daí a centralidade da ca-
tegoria valor para a compreensão dessa formação social. De
acordo com Duayer,
8
Como afirma Postone (1993, p. 30): “[...] uma marca central do capitalismo
é que as pessoas realmente não controlam sua própria atividade produtiva
ou o que elas produzem, mas são, em última instância, dominadas pelos
resultados desta atividade. Esta forma de dominação é expressa como uma
contradição entre indivíduos e sociedade e constituída como uma estrutura
abstrata.”
59
A categoria valor nada mais é [...] do que a expressão
social do fato de que nesta sociedade os sujeitos são
reduzidos a trabalho. O trabalho, se não é a única forma
de socialização, é a fundamental, básica, incondicional,
da qual todas as outras dependem, e sem a qual os su-
jeitos perdem não só a sua sociabilidade, mas também
a sua humanidade e, no limite, sua existência física. O
valor, na teoria de Marx, é esse poder exclusivo da espé-
cie humana, esse notável poder social de associação, o
trabalho social, que, emergindo na história nas circuns-
tâncias em que o fez – e que poderiam ter sido outras,
quem sabe – constitui-se em poder que escapa ao con-
trole dos sujeitos e, mais do que isso, os subordina à
sua lógica. E por isso tem de se apresentar como valor,
como poder das coisas, em lugar de força diretamente
social dos sujeitos. (DUAYER, 2008, p. 16)
9
Como afirma Mészáros (2002, p. 96 et seq.), “O capital não é simplesmente
uma ‘entidade material’ [...] mas é, em última análise, uma forma incontrolá-
vel de controle sociometabólico. [...] uma estrutura ‘totalizadora’ de controle à
qual tudo o mais, inclusive seres humanos, deve se ajustar.” E segue: “O preço
a ser pago por esse incomensurável dinamismo totalizador é, paradoxalmen-
te, a perda de controle sobre os processos de tomada de decisão. Isto não se
aplica apenas aos trabalhadores [...], mas até aos capitalistas mais ricos, pois,
não importa quantas ações controladoras eles possuam na companhia ou nas
companhias de que legalmente são donos como indivíduos particulares, seu
poder de controle no conjunto do sistema do capital é absolutamente insig-
nificante. Eles têm de obedecer aos imperativos objetivos de todo o sistema,
exatamente como todos os outros, ou sofrer as consequências de perder o
negócio.”
60
Para encerrar o argumento, gostaríamos de enfatizar uma
importante característica das leis até o momento apresenta-
das, fundamental para a compreensão da crítica que se pre-
tende fazer às teorias do desenvolvimento. Como mencionado
na seção de encerramento do primeiro capítulo, na medida
em que são sociais, as leis de que tratamos aqui não são to-
talmente independentes da atividade humana e não podem,
ao mesmo tempo, ser diretamente criadas por ela. Assim, por
aparecerem como pressuposto da sua atividade, na forma de
estruturas que condicionam a sua prática, os sujeitos perce-
bem essas leis como elementos da natureza, e as tomam, na
consciência, como condições naturais do seu agir. Ao assim
fazê-lo, assumem necessariamente uma postura conservadora
diante do mundo, confirmando e reproduzindo na sua prática
corrente as leis pelas quais são dominados.
Essa não é, no entanto, uma exclusividade das formas de cons-
ciência cotidianas: reflete-se também em formas científicas de
consciência. Isso porque, como vimos também no capítulo
anterior, analisar cientificamente determinado objeto significa
seguir caminho oposto ao desenvolvimento histórico real: “co-
meça-se depois do fato consumado, quando já estão concluídos
os resultados do processo de desenvolvimento” (MARX, 2002,
p. 97 et seq.). Quando a ciência econômica se empenha em
apreender o sentido das “formas que convertem os produtos
do trabalho em mercadorias”, estas já possuem a consistência
de “formas naturais da vida social”, transistóricas e imutáveis.
Assim, “fórmulas que pertencem, claramente, a uma formação
social em que o processo de produção domina o homem, e não
o homem o processo de produção, são consideradas pela cons-
ciência burguesa uma necessidade tão natural quanto o próprio
trabalho produtivo” (MARX, 2002, p. 102 e 103).
Quando tratarmos especificamente das teorias do desen-
volvimento ao longo da próxima parte deste livro, veremos
que, ainda que sejam de diversos tipos e incorporem de ma-
neira diferenciada os fundamentos teóricos que antecedem o
nascimento desse ramo específico, as teorias do desenvolvi-
mento compartilham essa visão de mundo. Como esperamos
61
demonstrar, mesmo aquelas teorias que por vezes reconhe-
cem o caráter histórico, e portanto passageiro, do modo de
produção capitalista tomam essa forma de sociabilidade, e
as possibilidades postas por ela, como pressuposto de suas
formulações.
Antes de realizar a inspeção das teorias do desenvolvimen-
to, no entanto, faz-se necessário analisar o funcionamento da
dinâmica capitalista em um nível ainda mais baixo de abstra-
ção. Por isso, dedicamos o próximo capítulo à apresentação de
alguns exemplos históricos que nos permitam mostrar como,
além das tendências gerais, o desenvolvimento capitalista é
marcado por particularidades que influenciam a forma concre-
ta de manifestação dessas leis gerais (ainda que, no fundo, as
características mais gerais sejam mantidas).
62
Apêndice II
Desenvolvimento capitalista e mercado mundial
10
Não por acaso, as formas primitivas (ou, para usar a expressão de Marx,
“antediluvianas”) de capital são justamente aquelas que surgem na esfera
63
Do ponto de vista analítico é possível mostrar ainda que a
simples articulação de unidades produtivas pela troca coloca
a necessidade da produção de riqueza material e valor em es-
cala crescente. Isso porque a participação na riqueza social a
que se tem acesso é uma alíquota que depende, ao menos po-
tencialmente, da magnitude da produção: a porção de riqueza
que se pode retirar do mercado é sempre proporcional à que
nele se lança, e quanto maior a parcela da riqueza que se tem
em mãos, maiores são as chances de acessar a riqueza social. E
uma vez estabelecida essa dinâmica, cada produtor tem neces-
sariamente de buscar uma produção crescente, sob pena de
ver cair sua parcela da riqueza social (isto é, de empobrecer re-
lativamente à riqueza total e aos outros produtores) (DUAYER;
MEDEIROS, 2008). Esse impulso para o aumento da riqueza,
que consiste em uma das determinações mais importantes da
dinâmica capitalista e já pode ser percebido (embora não de-
vidamente caracterizado, claro) a partir da análise da esfera
da circulação e do caráter mercantil da sociedade, ganha novo
ímpeto com o ingresso do capital na esfera da produção.
Nesse sentido, é preciso reconhecer, em segundo lugar, que
a colonização da esfera produtiva pelo capital e o consequente
advento da produção capitalista representam um salto qualita-
tivo, tanto em termos do desenvolvimento das forças produti-
vas, quanto do desenvolvimento das relações mercantis.11 Se
64
capital é valor que se movimenta em busca de sua valorização,
valor que procura acrescer ao seu corpo mais-valor, e a socie-
dade capitalista é a que possui esse impulso como determina-
ção geral (produção moldada desde a raiz para o imperativo do
crescimento da riqueza na dupla forma que ela adquire quando
destinada à troca), não fica difícil perceber como aquilo que é
inicialmente um pressuposto também se põe como resultado do
próprio desenvolvimento das relações de produção capitalistas.
Partindo, portanto, do conceito de capital, observamos,
por um lado, que mercado, comércio, circulação, relações de
troca e troca são pressupostos, pois ainda que a extração de
mais-valia (trabalho excedente) ocorra na esfera da produção,
ela não dispensa, em nenhum sentido, a esfera da circulação
(MARX, 2002, p. 196). Isso porque, em primeiro lugar, é na es-
fera da circulação que se encontram os elementos materiais
(meios de produção e força de trabalho) necessários à produ-
ção de mais-valor; e, em segundo lugar, é na esfera da circula-
ção que o valor produzido realiza-se como valor que se con-
serva e se expande. De acordo com os termos utilizados por
Marx (2011, p. 328) nos rascunhos que antecedem a redação
de O capital, é como se o capital, no momento em que deixa a
forma-dinheiro e assume a forma-mercadoria, passasse por um
processo de desvalorização: caso o circuito interrompa-se sem
a venda do produto final (transformação de mercadoria em di-
nheiro), não apenas um valor novo deixa de ser acrescido, mas
também se perde com isso o valor original.
Por outro lado, a circulação é posta pelo capital como re-
sultado, sempre de modo ampliado, pois a produção de valor
em escala crescente também exige circulação em escala cres-
cente, fazendo com que a tendência do capital à ampliação
do trabalho excedente venha acompanhada da tendência à
ampliação dos mercados. Como explicitado por Marx, nova-
mente, “o modo capitalista de produção supõe produção em
grande escala e necessariamente venda em grande escala [de
tal forma que] o comércio de mercadorias [...] é condição do
65
desenvolvimento da produção capitalista e com ela se desen-
volve cada vez mais” (MARX, 2000, p. 125).12
Sendo, portanto, dotado de uma tendência à expansão ima-
nente, o capital precisa incorporar áreas cada vez mais exten-
sas ao seu limite de operação; pela sua própria natureza, preci-
sa ir além de qualquer barreira espacial, criar condições objeti-
vas para ampliação das trocas e conquistar o mundo como seu
mercado (MARX, 2011, p. 445 et seq.). E faz isso, em parte, por
meio do desenvolvimento dos meios de comunicação e trans-
porte, realizando o que Marx chamou de aniquilação do espaço
pelo tempo. Nas palavras do autor: “Quanto mais desenvolvido
o capital, quanto mais distendido, portanto, o mercado em que
circula, tanto mais ele se empenha simultaneamente para uma
maior expansão especial do mercado e para uma maior des-
truição do espaço pelo tempo.”13
Nesse processo, o contato comercial de regiões nas quais
o capital comanda a produção com regiões onde ele ainda não
havia penetrado abre o caminho para a subordinação dessas
últimas às primeiras. Essa expropriação dos modos de produ-
ção pré-capitalistas ocorre, fundamentalmente, devido à maior
capacidade produtiva do capital e à operação de suas leis ima-
nentes, e mostra como, embora não dispense outros métodos
(extraeconômicos) de subordinação, o capital contém uma
arma própria, muitíssimo potente, típica da expansão capita-
lista e da competição mercantil: o preço (isto é, a maior pro-
dutividade). Na medida, portanto, em que o desenvolvimento
do comércio (e do capital mercantil) cria sobre esses modos
de produção a necessidade de aumento das forças produtivas
e estimula a ampliação da produção orientada para a troca (e
pelo valor-de-troca), desagrega as antigas relações sociais e
“exerce sempre ação mais ou menos dissolvente sobre as orga-
nizações anteriores da produção” (MARX, 1974, p. 382).
12
Cf., MARX, 2011, p. 332 e 333; 1974, p. 272; 384.
13
Um tratamento minucioso da tendência à aniquilação do espaço pelo tempo
e da discussão relacionada à produção capitalista do espaço pode ser encon-
trado nos trabalhos de David Harvey (1990, 2006).
66
Em suma, mesmo que ainda hoje se discuta o efetivo alcan-
ce da produção capitalista no mundo, não há dúvidas de que,
“pela primeira vez na história, o capitalismo cria uma efetiva
economia mundial, a ligação econômica de todas as comuni-
dades humanas entre si” (LUKÁCS, 1979, p. 148). De fato, não é
preciso ir muito longe para perceber como o planeta “outrora
povoado por inúmeras pequenas tribos, que frequentemente
não sabiam quase nada uma da outra, ainda que fossem vizi-
nhas”, hoje caminha para uma unidade econômica, “uma plena
e completa interdependência mesmo entre os povos mais afas-
tados entre si” (p. 147). Mais uma vez, essa ligação e interde-
pendência entre os povos representam um desenvolvimento/
progresso objetivo e ampliam as possibilidades da emancipa-
ção humana (que apenas sob o modo de produção capitalis-
ta adquire consciência genérica). Como já havia sido dito em
outro momento, no entanto, esse desenvolvimento vem acom-
panhado da ativação de contradições de tipo cada vez mais
elevado e/ou da operação das contradições inerentes ao modo
capitalista de produção em escala ampliada.
67
Capítulo 3
O desenvolvimento capitalista e suas
particularidades
70
especialmente aquelas particularidades relacionadas à mani-
festação fenomênica das leis gerais apresentadas no capítulo
anterior. Feito isso, dedicamos a segunda seção do capítulo ao
contraste entre a “Era de Ouro” e o período posterior à crise
dos anos 1970.
71
Diante desses resultados, alguns chegaram a acreditar
que o capitalismo havia finalmente entrado em uma nova era
de expansão ininterrupta. Como ressalta o historiador Eric
Hobsbawm (1995, p. 262), em sua consagrada análise sobre o
século XX: “todos os problemas que perseguiam o capitalismo
em sua era da catástrofe pareceram dissolver-se e desapare-
cer” e vozes mais otimistas “começaram a supor que, de algum
modo, tudo na economia iria para a frente e para o alto eterna-
mente” (p. 254). Segundo as previsões feitas por um destacado
político britânico em 1956, tudo levava a crer que, em cerca de
50 anos, a economia inglesa teria triplicado sua produção na-
cional (CROSLAND apud HOBSBAWM, 1995, p. 263). Ou ainda,
segundo relatório da ONU publicado em 1972: “Não há motivo
especial para duvidar que as tendências subjacentes de cres-
cimento no início e meados da década de 1970 continuarão em
grande parte como nas de 1960” (GLYN et al., 1990, p. 39). E
sobre esta crença na possibilidade de uma expansão contínua
e sustentada, David Landes (1994, p. 554) declara: “essa é uma
expressão de fé, revestida da aparência de uma previsão. Mas
é esse tipo de fé que ajuda a fazer com que as previsões se
realizem”.
As afirmações sobre a natureza deste período não são, no
entanto, de todo consensuais. Giovanni Arrighi (1996, p. 307),
por exemplo, faz a seguinte avaliação: “Não há dúvida de que,
nessa época, o ritmo de expansão da economia mundial ca-
pitalista como um todo foi excepcional, segundo os padrões
históricos. Se foi também a melhor de todas as épocas para o
capitalismo histórico, de modo a justificar sua denominação
de ‘a idade de ouro do capitalismo’, é uma outra questão”.
Mais do que isso, em poucos anos, aquelas grandes expecta-
tivas tornaram-se verdadeiras frustrações, pois, fosse ou não
a melhor de todas as épocas, por detrás da nova roupagem, o
capitalismo ainda continuava sendo o mesmo, regulado pelas
mesmas determinações gerais, que “necessariamente impli-
cam crises, exploração, pobreza, desemprego, destruição do
meio ambiente e da natureza, entre tantas formas destrutivas”
(ANTUNES, 2003, p. 34).
72
Conforme se entende aqui, é precisamente essa convicção,
a certeza de que se trata ainda do modo de produção capita-
lista, que permite observar esse período a partir da operação
das leis gerais identificadas anteriormente e, ao mesmo tem-
po, enxergar a existência de particularidades. Dizer que não há
qualquer diferença, como afirma David Harvey, é o mesmo que
1
Esse mesmo argumento pode ser visto, ainda que com algumas nuanças,
em Harvey (2005, p. 117), Bihr (1998, p. 35) e Hobsbawm (1995, p. 253), por
exemplo.
73
Sobre as mudanças no plano político-ideológico, pode-se
afirmar que o primeiro aspecto digno de nota está relacionado à
substantiva perda de espaço do liberalismo econômico e ascen-
são do ideário intervencionista. Essa ruptura com o liberalismo
e posterior consolidação de um “novo padrão de gerenciamento
da sociedade do capital”, no entanto, não podem ser compreen-
didas sem que se faça uma referência àquela que talvez tenha
sido a maior crise do modo de produção capitalista: a Grande
Depressão do entreguerras.2 Não pretendemos, e nem mesmo
seria possível, recompor o conjunto de fatores que conduziram
à crise ou apresentá-la em todos os seus detalhes, mas apenas
chamar a atenção para a sua profundidade e “sua incrível capa-
cidade de abalar os valores, crenças e estruturas sociais do sé-
culo XIX de forma praticamente instantânea e tão intensamente
a ponto de torná-los todos uma lembrança ameaçadora e inde-
sejável por cerca de cinquenta anos” (MEDEIROS, 2007, p. 154).
Observando as estatísticas do período, percebemos que,
apesar do indiscutível impacto sobre a produção e sobre os
“homens de negócios”, a crise tem uma capacidade particular
de afetar aqueles que, por pressuposto, não possuem o con-
trole sobre os meios de produção: a classe trabalhadora. Para
estes, ou seja, para a maior parcela da população, o principal e
primeiro significado da Grande Depressão foi o desemprego em
massa, “em escala inimaginável e sem precedentes, e por mais
tempo do que qualquer um já experimentara” (HOBSBAWM,
1995, p. 97 et seq.). Como mostram os assustadores dados
sobre o comportamento do emprego: “no pior período da
Depressão (1932-1933), 22% a 23% da força de trabalho britâni-
ca e belga, 24% da sueca, 27% da americana, 29% da austríaca,
31% da norueguesa, 32% da dinamarquesa e nada menos que
44% da alemã não tinha emprego. [...] Não houvera nada seme-
lhante a essa catástrofe econômica na vida dos trabalhadores
até onde qualquer um pudesse lembrar”.
2
Hobsbawm (1995, p. 99) chega a caracterizar este como “[...] o mais trágico
episódio da história do capitalismo.” Como afirma o autor: “[...] entre as
guerras, a economia mundial capitalista parecia desmoronar e ninguém sa-
bia exatamente como se poderia recuperá-la” (p. 91).
74
No que diz respeito especificamente ao papel desempe-
nhado pela crise no descrédito sofrido pela ideologia libe-
ral, Hobsbawm (1995, p. 99) sintetiza em uma única frase: “a
Grande Depressão destruiu o liberalismo econômico por meio
século”, e isso se deve a pelo menos dois motivos fundamen-
tais. Em primeiro lugar, depois de certo tempo, já não havia
mais dúvidas de que a Grande Depressão fora em parte resul-
tado do fracasso das políticas de livre mercado. Voltaremos
a este argumento mais adiante, ainda nesta seção. Por ora,
basta ressaltar que, independentemente do grau de responsa-
bilidade sobre a crise, a aplicação do receituário tipicamente
liberal também não se mostrou capaz de oferecer uma saída à
Depressão.3
Em segundo lugar, como já havia sido mencionado no ca-
pítulo anterior, é preciso lembrar que o desemprego em larga
escala e o consequente aumento da quantidade de pobres e
miseráveis representavam uma ameaça à estabilidade social
e política. Por um lado, havia a possibilidade de radicaliza-
ção à direita, cujo exemplo mais emblemático talvez fosse a
Alemanha nazista, que conseguiu superar a Grande Depressão
de maneira mais rápida e mais bem-sucedida que qualquer ou-
tro país. Por outro lado, havia a possibilidade de radicalização
à esquerda: “afinal, as previsões do próprio Marx pareciam es-
tar concretizando-se [...] e, de maneira ainda mais impressio-
nante, a URSS parecia imune à catástrofe” (HOBSBAWM, 1995,
p. 111).4 Por fim, é preciso lembrar que o relativo sucesso da
3
Como propõe Hobsbawm (1995, p. 106 e 107): “Até onde se podia confiar
nos economistas, por mais brilhantes que fossem, quando demonstravam,
com grande lucidez, que a Depressão em que eles mesmos viviam não podia
acontecer numa sociedade de livre mercado propriamente conduzida, pois
(segundo uma lei econômica com o nome de um francês do início do século
XIX) não era possível nenhuma superprodução que logo não se corrigisse?”
4
Ainda sobre o desempenho da URSS durante esse período, afirma Hobsbawm
(1995, p. 100): “O trauma da Grande Depressão foi realçado pelo fato de que
um país que rompera clamorosamente com o capitalismo pareceu imune a
ela: a União Soviética. Enquanto o resto do mundo, ou pelo menos o capi-
talismo liberal ocidental, estagnava, a URSS entrava numa industrialização
ultrarrápida e maciça sob seus novos Planos Quinquenais. De 1929 a 1940, a
produção industrial soviética triplicou, no mínimo dos mínimos. Subiu de 5%
dos produtos manufaturados do mundo em 1929 para 18% em 1938, enquanto
75
resposta à crise, alcançado nesses dois modelos alternativos
de sociedade, estava ancorado no planejamento e na aberta in-
tervenção do Estado na economia, contribuindo, também por
esse motivo, para o descrédito do liberalismo e a crença na
virtude do planejamento.
Assim, fosse para afastar o perigo de retorno à Grande
Depressão, ou para conter o avanço do comunismo ou do na-
zifacismo, consolidava-se a convicção de que um retorno ao
laisser-faire estava fora de questão. Como ressalta Hobsbawm:
76
período precedente, promovendo um crescimento controla-
do do comércio internacional. Os termos dessa nova ordem
supranacional, estabelecidos, em linhas gerais, na confe-
rência de Bretton Woods (1944), eram basicamente os se-
guintes: (1) criação do padrão dólar-ouro, que transforma a
moeda norte-americana em moeda de curso internacional e
conversível em ouro; (2) instituição de um regime de câmbios
fixos atrelados ao padrão dólar; e (3) criação de organismos
multilaterais como o Banco Mundial (originalmente chamado
Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento)
e o Fundo Monetário Internacional (COGGIOLA, 2002, p. 371).
No âmbito nacional, testemunha-se a emergência e a disse-
minação dos primeiros Estados de bem-estar social, preocu-
pados fundamentalmente com a administração keynesiana da
demanda agregada, a provisão de serviços públicos essenciais
(como educação, saúde, transportes etc.) e a universalização
da seguridade social (garantindo ao cidadão benefícios como
aposentadoria, auxílio-desemprego, entre outros).5 O resulta-
do, como confirmam diversos analistas, foi a “incomum com-
binação keynesiana de crescimento econômico numa econo-
mia capitalista baseada no consumo de massa de uma força de
trabalho plenamente empregada e cada vez mais bem paga e
protegida” (HOBSBAWM, 1995, p. 276).
Sobre as mudanças na estrutura produtiva, observamos
que o pós-guerra foi marcado pela disseminação de dois prin-
cípios gerais de organização do trabalho, princípios estes que
começaram a ser introduzidos ainda no final do século XIX e
início do século XX. O primeiro deles, conhecido como taylo-
rista, baseia-se na nítida separação entre “as tarefas de con-
cepção e execução, acompanhadas de uma parcelização das
últimas, devendo cada operário, em última análise, executar
apenas alguns gestos elementares” (BIHR, 1998, p. 39 et seq.).
O segundo, conhecido como fordista, define-se essencialmente
5
Apesar de trabalharmos aqui com uma definição bastante ampla de Estado
de bem-estar, existem inúmeras controvérsias a respeito de sua origem, pe-
riodização e principais características. Para uma exposição detalhada das
diferentes interpretações, conferir Gough (1989) e Esping-Andersen (1990).
77
pela mecanização do processo de trabalho, ou seja, pela cria-
ção de “um verdadeiro sistema de máquinas que garante a
unidade (a recomposição) do processo de trabalho parcelado,
ditando a cada operário seus gestos e sua cadência (sendo
sempre a cadeia de montagem a forma extrema desse princí-
pio)”. A combinação desses dois princípios acentua as seguin-
tes tendências: (1) a perda do controle direto sobre o processo
de produção pelo trabalhador e (2) o aumento da intensidade
e produtividade do trabalho.6
Como visto no capítulo anterior, essas seriam característi-
cas de um período de acumulação predominantemente inten-
siva, no qual diminui a participação relativa do capital variável
na totalidade do capital. Esse mecanismo seria ainda responsá-
vel pela produção de uma superpopulação relativa e, ao privar
parte da população da capacidade de consumo, salienta o ca-
ráter contraditório da dinâmica capitalista. Para muitos auto-
res, um dos elementos importantes para explicar a eclosão da
crise em 1929 seria justamente a inexistência de um aumento
da demanda compatível com a expansão da produção durante
a década de 1920. Segundo Bihr (1998, p. 41), nessa primeira
onda de expansão dos métodos tayloristas e fordistas, a pro-
dutividade do trabalho cresceu, nas economias capitalistas
ocidentais, em média 6% ao ano, os lucros chegaram a atingir
picos históricos de 35%, enquanto o crescimento médio dos
salários não ultrapassou os 2% ao ano. Ou seja:
6
Uma caracterização semelhante pode ser vista em Antunes (2006, p. 25), que
entende o fordismo, fundamentalmente, “como a forma pela qual a indústria
e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos ele-
mentos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através
da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle
dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em
série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das
funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de tra-
balho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e
pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo
fabril, entre outras dimensões”.
78
ficando para trás, os lucros cresceram desproporcio-
nalmente, e os prósperos obtiveram uma fatia maior do
bolo nacional. Mas como a demanda de massa não podia
acompanhar a produtividade em rápido crescimento do
sistema industrial nos grandes dias de Henry Ford, o re-
sultado foi superprodução e especulação. Isso, por sua
vez, provocou o colapso. (HOBSBAWM, 1995, p. 104).
7
Esse aumento na capacidade de consumo estendia-se, muitas vezes, inclu-
sive para os bens de luxo: “[...] o compromisso político de governos com
o pleno emprego e – em menor medida – com a redução da desigualdade
econômica, isto é, um compromisso com a seguridade social e previden-
ciária, pela primeira vez proporcionou um mercado de consumo de massa
para bens de luxo que agora podiam passar a ser aceitos como necessida-
79
É claro que a realização de lucros altos durante esse perí-
odo foi essencial à manutenção desse arranjo. Como mostram
os dados apresentados por Brenner (2003, p. 46), a taxa mé-
dia de lucro líquido do grupo de países conhecido como G7
(Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália
e Canadá) foi de 26,2% durante o período 1950-1970, em com-
paração com a taxa de 15,7% no período posterior (1970-1973).
Ou seja, o aumento dos salários não chegou a comprometer os
lucros presentes ou afetar as perspectivas futuras de lucros,
pois era com base nessas expectativas que se efetuavam os
“enormes investimentos, sem os quais o espetacular cresci-
mento da produtividade da mão-de-obra da Era de Ouro não
poderia ter ocorrido” (HOBSBAWM, 1995, p. 276).8
Vale notar, no entanto, que as condições do problema são
relativamente mais complexas. Apesar de depender, em parte,
da manutenção de taxas elevadas de lucro, as possibilidades
de expansão da economia capitalista não podem ser concebi-
das exclusivamente em termos de uma única determinação.
Partindo dos motivos anteriormente explicitados e da análise
desenvolvida por Marx, especialmente nos Livros II e III de O
capital, percebemos que a capacidade de expansão do capital
depende de inúmeros outros fatores. Voltaremos a tratar mais
detalhadamente desse assunto adiante, em Apêndice deste ca-
pítulo. Por ora, basta ressaltar que, assim como o progresso do
capital na “Era de Ouro” não pode ser explicado somente pela
taxa de lucro, também a crise da década de 1970 não pode ser
entendida somente por sua queda, como será mostrado na pró-
xima seção.
des. Quanto mais pobres as pessoas, maior a proporção da renda que têm
de gastar em produtos essenciais, como comida (uma observação sensata
conhecida como ‘Lei de Engel’). Na década de 1930, mesmo nos ricos Esta-
dos Unidos, cerca de um terço dos gastos domésticos ainda se destinava à
comida, mas no início da década de 1980 esse índice era de apenas 13%. O
resto ficava disponível para outras despesas. A Era de Ouro democratizou o
mercado” (HOBSBAWM, 1995, p. 264).
8
O historiador Robert Brenner (2003, p. 47) chega mesmo a afirmar que “[...] a
chave para o longo boom pós-guerra do final da década de 1940 até inícios da
de 1970 foi a trajetória da taxa de lucro. O que propiciou a expansão econô-
mica sem precedentes do período pós-guerra foi a capacidade das economias
capitalistas avançadas de realizarem e sustentarem altas taxas de lucro.”
80
Seção 3.2 A crise dos anos 1970
e a contrarrevolução conservadora
81
tomadores de decisão em geral vangloriavam-se por finalmen-
te se haver encontrado a forma adequada de gerenciamento
da sociedade do capital. Mas, não tardou muito, a história en-
carregou-se de demonstrar o equívoco dessa interpretação. A
partir da década de 1970, a economia mundial entra inegavel-
mente em uma longa fase de recessão e, na tentativa de ofere-
cer respostas à crise, observa-se uma série de reorientações
importantes, tanto no plano político-ideológico quanto na es-
trutura produtiva. Assim como no caso da “Era de Ouro”, acre-
dita-se aqui que essas reorientações influenciaram a forma de
manifestação das principais tendências da dinâmica capitalis-
ta e não podem ser entendidas sem que se faça uma referência
aos motivos que conduziram a economia a esse longo período
de recessão.
Em retrospectiva, é possível afirmar que os primeiros si-
nais de crise já começam a manifestar-se em meados da déca-
da de 1960, mas “até a década de 1980 não estava claro como
as fundações da Era de Ouro haviam desmoronado irrecupe-
ravelmente” (HOBSBAWM, 1995, p. 393 et seq.). Durante certo
período, não havia sinais claros de catástrofe, pois “o cresci-
mento no mundo capitalista desenvolvido continuou, embora
num ritmo visivelmente mais lento do que durante a Era de
Ouro.” Como nos dados apresentados por Brenner (2003, p.
93): a média de crescimento do produto interno bruto (PIB)
no “grupo dos sete” passou de 5,1%, no intervalo entre 1960-
1969, para 3,6% em 1969-1979, 3,0% em 1979-1990 e 2,5% em
1990-1995.
Parecia, portanto, apenas uma onda de leves recessões
temporárias, nada comparáveis à Grande Depressão dos anos
1930, decorrentes, em grande medida, da inusitada conjunção
de fatores exógenos e inesperados. Ou seja, para os mais oti-
mistas, a economia havia saído dos trilhos devido ao “inco-
mum acúmulo de perturbações infelizes, sem probabilidade
de se repetir na mesma escala, cujo impacto foi agravado por
alguns erros inevitáveis” (MCCRACKEN, 1977, p. 14). E a mais
mencionada das “perturbações infelizes”, que normalmente
ocupa papel de destaque nas explicações sobre a crise, foi, sem
82
dúvidas, a elevação no preço do barril de petróleo, que passou
de aproximadamente US$ 3,5 para US$ 11,5 em 1973-1974.
É claro que não duvidamos aqui do importante papel de-
sempenhado pelo aumento no preço do petróleo no aprofun-
damento da crise (e, para compreender este ponto, basta lem-
brar que durante a “Era de Ouro” houve uma explosão no uso
do petróleo e derivados e que este representa ainda hoje um
dos principais componentes da matriz energética de vários pa-
íses). Mais do que o aumento nos preços de um produto espe-
cífico, esse período também foi marcado por uma inflação ge-
neralizada que, quando combinada com o baixo crescimento
do produto, produziu um fenômeno que se tornou quase uma
marca registrada dessa crise: a estagflação.9
No entanto, diferentemente das explicações que privilegiam
os choques exógenos, entendemos que a crise é resultado do
desenvolvimento das próprias tensões internas ao modo de
produção capitalista, do desenvolvimento de suas próprias
contradições; “não resulta da negação das tendências do pe-
ríodo de expansão, mas do seu desenvolvimento exacerbado”
(COGGIOLA, 2002, p. 385). Como indicado anteriormente, essas
contradições acabam gerando uma produção excessiva de ca-
pital ante as suas possibilidades de valorização, e é por esse
motivo que as “duas formas clássicas de manifestação desse
fenômeno no capitalismo” são “reduções das taxas de lucro e
superacumulação/superprodução de capital” (CARCANHOLO,
2010, p. 2).
Vale notar que não são poucas as teorias, dentro e fora da
tradição marxista, que enxergam a queda na lucratividade e a
9
Como mostram os dados sistematizados por Carcanholo (2010, p. 3): “A in-
flação mundial média, medida pelos preços ao consumidor, é de 10% ao ano
no período 1973-1979 e 8,1% no período 1979-1984, sendo que em 1950-1973
havia sido de apenas 4%.” Se observarmos atentamente as médias anuais
de crescimento dos preços e do produto nos Estados Unidos e Reino Unido,
por exemplo, vemos ainda que os períodos de inflação mais acentuada coin-
cidiram com os períodos de queda mais acentuada no produto: 1974-1975
e 1980-1981 (BANCO MUNDIAL, 2010). Analisando também a relação entre
inflação e desemprego, percebemos que, para o período 1961-1987, tanto
nos Estados Unidos quanto nos países da Europa, os anos de aumentos mais
significativos da inflação foram precisamente os anos de aumento mais sig-
nificativo do desemprego (HARVEY, 2005, p. 141).
83
superprodução como manifestações mais gerais da incapacida-
de do capitalismo em manter o padrão de acumulação respon-
sável pelo crescimento do período anterior.10 Por vezes, no en-
tanto, parte dessas teorias acaba, em suas explicações sobre
a dinâmica capitalista, reduzindo a complexidade do problema
ao movimento da taxa de lucro, especialmente em momentos
de crise. Uma análise mais detalhada do papel efetivo da taxa
de lucro, bem como dos diversos outros fatores que podem
influenciar as condições de acumulação, será realizada adian-
te, em Apêndice. Por ora, interessa-nos particularmente fazer
dois registros. Em primeiro lugar, a despeito das diferenças
pontuais, concorda-se no geral que os primeiros sinais da crise
começam a manifestar-se antes mesmo de 1973 (o que nos per-
mite com alguma facilidade descaracterizar as explicações que
tomam o choque do petróleo como ponto de partida).
Em segundo lugar, ainda que haja divergências sobre a pro-
fundidade das reorientações experimentadas após a crise e a
dimensão de suas consequências, não há dúvidas de que as
reorientações existiram e geraram impactos sobre a dinâmica
capitalista. À medida que a crise aparecia fundamentalmente
como uma crise do “compromisso fordista-keynesiano”, teste-
munha-se o declínio do keynesianismo e a ascensão do neoli-
beralismo e a substituição dos métodos de trabalho fordistas
por métodos mais flexíveis. Como afirma Carcanholo (2008a, p.
252), “reestruturação produtiva e neoliberalismo são duas in-
terfaces de uma mesma resposta do capital à sua própria crise
nos anos 1970” e, em linhas gerais, essas duas reorientações
atuaram da seguinte maneira:
10
No caso específico da crise dos anos 1970, destacam-se, por exemplo, aque-
las interpretações veiculadas pela Escola da Regulação (GLYN et al., 1990),
por Brenner (1999; 2003), Arrighi (1996), Harvey (2005; 2010), Antunes
(2003), entre outros. Um apanhado crítico de algumas dessas teorias sobre o
mundo contemporâneo pode ser visto em Postone (2008).
84
(desregulamentação e flexibilização dos mercados –
principalmente o de trabalho) e externa (pressão por
desregulamentação e abertura dos mercados comer-
ciais e financeiros). (CARCANHOLO, 2008a, p. 252).
11
Vale notar que este movimento foi formado, inicialmente, por um grupo
seleto de economistas, historiadores e filósofos, defensores fervorosos do
liberalismo, que se agruparam em torno de Friedrich von Hayek para criar a
Sociedade Mont Pèlerin. O nome do grupo é uma referência ao local na Suíça
onde ocorreu a primeira reunião (em 1947), e entre os mais notáveis mem-
bros destacam-se Ludwig von Mises, Milton Friedman, Karl Popper, Lionel
Robbins, Michael Polanyi, entre outros.
85
lucratividade do setor privado através da estabilização da eco-
nomia, do saneamento das contas públicas (por meio de corte
de impostos e gastos, privatizações etc.) e das já mencionadas
flexibilização do mercado de trabalho, abertura comercial e
desregulamentação e liberalização do mercado financeiro.
Diante da crise, portanto, os neoliberais viram não apenas
o que julgavam ser a comprovação de suas profecias, mas tam-
bém encontraram terreno fértil para a disseminação de suas
ideias e práticas. Como afirma explicitamente Milton Friedman,
definindo, ainda em 1962, as linhas gerais da agenda neocon-
servadora no seu consagrado Capitalismo e liberdade:
86
Ainda que os países latino-americanos tenham oferecido,
durante os anos 1970, os primeiros “laboratórios” para a apli-
cação dessa doutrina,12 a efetiva consagração do programa ne-
oliberal demoraria aproximadamente uma década e não pode
ser compreendida sem que se faça referência a ao menos três
eventos significativos. O primeiro foi a eleição quase simultâ-
nea de dois governos declaradamente empenhados em pôr
em prática o programa neoliberal, em duas grandes potências
mundiais: Reino Unido e Estados Unidos. De fato, as vitórias
de Margareth Thatcher, em 1979, e de Ronald Reagan, no ano
seguinte, cumpriram um papel fundamental na penetração do
neoliberalismo na América do Norte e em quase toda a Europa
ocidental. Como afirma Anderson (1995, p. 12), “os anos 1980
viram o triunfo mais ou menos incontrastado da ideologia neo-
liberal nessa região do capitalismo avançado”.
O segundo evento digno de nota, particularmente importante
para compreender a consolidação do neoliberalismo nas regiões
“menos afortunadas”, foi a construção, no final dos anos 1980, da-
quilo que ficou conhecido como Consenso de Washington. Após
o fracasso das experiências neoliberais nos países da América
Latina (que ainda não haviam conseguido conter o processo in-
flacionário e estavam mergulhados em gigantescas dívidas ex-
ternas), membros dos organismos multilaterais, funcionários do
governo americano e economistas desses países reuniram-se
para discutir e redefinir os rumos de sua estratégia. Como re-
sultado dessa conferência, o economista John Williamson (1990)
apresenta, de maneira bastante didática, uma lista com dez ins-
trumentos de política econômica considerados indispensáveis
12
Entre as primeiras experiências de implementação do receituário neoliberal
na América Latina, destacam-se particularmente os casos chileno e bolivia-
no. O primeiro é bastante emblemático não apenas pelo pioneirismo, mas
também pelo fato de comprovar que “a democracia em si mesma – como
explicava incansavelmente Hayek – jamais havia sido um valor central do
neoliberalismo” (ANDERSON, 1995, p. 19 e 20 et seq.). O segundo, por sua
vez, nos mostra que “há um equivalente funcional ao trauma da ditadura
militar como mecanismo para induzir democrática e não coercitivamente
um povo a aceitar políticas neoliberais das mais drásticas. Este equivalente
é a hiperinflação.” Para mais informações sobre estas experiências, conferir
Klein (2008).
87
à saúde daquelas economias e que, como disse o autor alguns
anos depois, constituem “o núcleo comum de sabedoria aceito
por todos os economistas sérios” (WILLIAMSON, 1994, p. 18).
A partir de então, os organismos multilaterais (especial-
mente FMI e Banco Mundial) são explicitamente transformados
em “centros de propagação de implementação do ‘fundamen-
talismo do livre mercado’ e da ortodoxia neoliberal”, (HARVEY,
2008, p. 38) oficialmente colonizados pela Escola de Chicago.
Ou seja, aquelas instituições que haviam sido criadas como
parte do acordo de Bretton Woods, baseadas na convicção de
que a regulação da economia deveria ir além do plano nacio-
nal, condicionavam agora a concessão de auxílio financeiro à
aplicação das reformas pró-mercado, ampliando significativa-
mente o poder de expansão do receituário neoliberal, não ape-
nas na América Latina, mas também sobre o continente africa-
no.13 Como sintetiza Klein:
13
“O princípio era simples: os países que estavam em crise precisavam deses-
peradamente de ajuda emergencial para estabilizar suas moedas. Quando
a privatização e as políticas de livre-comércio são empacotadas junto com
o socorro financeiro, os países têm pouca escolha além de aceitar o pacote
completo” (KLEIN, 2008, p. 198).
88
Por fim, mas não menos importante, destaca-se a sequên-
cia de eventos históricos que se inicia com a queda do Muro
de Berlim, em 1989, e se encerra com a dissolução da União
Soviética, em 1991, marcando o fim do socialismo real no
Leste Europeu. Esse episódio é particularmente importan-
te, em primeiro lugar, pois abriu um novo e promissor cam-
po para a expansão da doutrina neoliberal.14 Como ressalta
Anderson (1995),
89
segundos, parecia confirmar o triunfo do capitalismo (em sua
versão liberal) sobre qualquer possibilidade de um projeto
alternativo de sociedade.15 Não por acaso, é desse período a
disseminação das teses conservadoras sobre o fim da história,
que enxergavam na derrota do socialismo as condições para a
eternização do capitalismo.16 A partir de então, pode-se dizer
que, no plano político-ideológico,
15
Um interessante contraponto a essa perspectiva é apresentado, por exem-
plo, por Robert Kurz (1993). Partindo da análise do sistema mundial de pro-
dução de mercadorias em seu conjunto, sistema do qual os países do Leste
eram parte constitutiva, Kurz entende que, ao contrário de marcar a vitória
do capitalismo sobre o socialismo, a derrocada do Leste Europeu foi parte
da própria crise do capitalismo em escala global, que se iniciou no Terceiro
Mundo, atingiu de maneira avassaladora os países do Leste Europeu e, final-
mente, penetrou no centro do “sistema mundial produtor de mercadorias”.
Para mais informações sobre este argumento, conferir também Antunes
(2006, p. 107).
16
Essa tese foi disseminada, sobretudo, a partir do trabalho de Francis Fukuya-
ma, cujas ideias centrais foram apresentadas pela primeira vez, em 1989, em
palestra proferida na Universidade de Chicago, e aprofundadas três anos
depois no livro O fim da história e o último homem.
90
na atividade produtiva. Em seu conjunto, essas reestrutura-
ções deram origem a uma “nova ordem produtiva”, cujas ca-
racterísticas básicas seriam difusão, fluidez e flexibilidade.
A primeira característica está relacionada à inversão do
processo de concentração produtiva originado pelo fordismo
que, depois de ultrapassado certo limite, ao contrário de ga-
rantir as economias de escala previstas, passou a gerar custos
excedentes.17 Assim, assiste-se ao “enxugamento” das unida-
des produtivas e ao surgimento de fábricas mais difusas, que
externalizam parte das funções produtivas e/ou administra-
tivas, mantendo apenas uma “unidade central que coordena,
planifica, organiza a produção de toda uma rede de unidades
periféricas, que podem atingir o número de várias centenas, e
até de vários milhares” (BIHR, 1998, p. 88).18
Por um lado, aproveitando a já mencionada flexibilização
do mercado de trabalho e do desmantelamento do sistema de
benefícios conquistados pela classe trabalhadora no período
anterior, o esquema de “subcontratação” ou “terceirização”
possibilita a utilização de formas precarizadas de trabalho,
como, por exemplo, o trabalho em domicílio, o trabalho clan-
destino, o trabalho temporário, em tempo parcial etc. Como
destaca Harvey (2005),
17
Vale notar que a “inversão do processo de concentração” aqui mencionada
não significa uma inversão da tendência à concentração de capital identifi-
cada por Marx e apresentada no capítulo anterior. Ao contrário, os proces-
sos de difusão, fluidez e flexibilização reforçaram, em conjunto, as tendên-
cias à concentração e centralização do capital, ainda que isso ocorra, por
vezes, por meio da descentralização das operações. Sobre o tema conferir,
por exemplo, Chesnais (1996). Também é importante ressaltar que esta “in-
versão” é apenas parcial, pois os processos de produção do tipo fordista
continuaram a existir em determinados setores.
18
De acordo com Antunes (2003, p. 50; 54 e 55), este processo também ficou
conhecido na literatura econômica como liofilização e, em termos quanti-
tativos, pode ser apresentado da seguinte maneira: “enquanto na fábrica
fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no seu interior”, a
nova fábrica difusa “é responsável por somente 25% da produção, tendência
que vem se intensificando ainda mais. Essa última prioriza o que é central
em sua especialidade do processo produtivo (a chamada ‘teoria do foco’)
e transfere a ‘terceiros’ grande parte do que antes era produzido dentro de
seu espaço produtivo”.
91
a subcontratação organizada abre oportunidades para
a formação de pequenos negócios e, em alguns casos,
permite que sistemas mais antigos de trabalho domés-
tico, artesanal, familiar (patriarcal) e paternalista [...]
revivam e floresçam, mas agora como peças centrais,
e não mais apêndices do sistema produtivo. (HARVEY,
2005, p. 145).19
19
Segundo as estatísticas apresentados por Harvey (2005, p. 144), “na Ingla-
terra, os ‘trabalhadores flexíveis’ aumentaram em 16 por cento, alcançando
8,1 milhões entre 1981 e 1985, enquanto os empregos permanentes caíram
em 6 por cento, ficando em 15,6 milhões. Mais ou menos no mesmo período,
cerca de um terço dos dez milhões de novos empregos criados nos EUA
estavam na categoria ‘temporário’.”
92
intracorporativo (40% do comércio dos Estados Unidos e do
Japão), e sobretudo do nível dos suprimentos internacionais
em produtos semielaborados e produtos acabados, organi-
zados com base em terceirização internacional” (CHESNAIS,
1996, p. 26). Oferecendo um contraponto à perspectiva veicu-
lada pelos ideólogos da globalização, que acreditam que esse
processo é tanto inevitável quanto bom, Chesnais argumenta
ainda que essas mudanças na forma de internacionalização
são fruto das próprias políticas de abertura comercial, libera-
lização e desregulamentação financeira e das transformações
no modo predominante de organização do trabalho, e geram
consequências trágicas sobre a classe trabalhadora, especial-
mente dos países pobres, como veremos adiante.
O segundo processo, de aumento da fluidez, está ligado ao
crescimento da “gestão informatizada dos fluxos produtivos”,
cujo objetivo central é “otimizar a combinação, no espaço e
no tempo, das matérias-primas, das energias, dos equipamen-
tos, dos homens, da informação etc., reduzindo ao mínimo os
tempos mortos no encadeamento das operações produtivas”.
Isso assegura ao capital, “além de novos ganhos de intensida-
de e de produtividade, economia de capital constante (tanto
fixo quanto circulante) por unidade produzida” (BIHR, 1998, p.
89 et seq.). Mas a introdução desse tipo de tecnologia avança-
da depende, em parte, também de mudanças significativas na
organização do trabalho, com o “abandono da organização do
trabalho em postos fixos e especializados”. Assim, em lugar da
“relação operário especializado/máquina especializada, célula
da organização fordista”, predomina na fábrica fluida “a rela-
ção equipe polivalente/sistema de máquinas automatizadas
(e, portanto, também polivalentes)”, em que cada trabalhador
deve ser capaz de intervir em várias máquinas diferentes ao
mesmo tempo. As “responsabilidades de elaboração e controle
de qualidade da produção, anteriormente realizadas pela ge-
rência científica” são agora “interiorizadas na própria ação dos
trabalhadores” (ANTUNES, 2003, p. 56).
Como ressalta Antunes (2003, p. 48; 52; 56), à medida que
este tipo de organização exige um “trabalhador mais qualificado,
93
participativo, polivalente, dotado de maior realização no espaço
de trabalho”, algumas leituras mais otimistas chegaram a enca-
rar esta como uma superação da própria contradição capital-
-trabalho. Esse envolvimento maior do trabalhador no processo
de trabalho, no entanto, “preserva, na essência, as condições do
trabalho alienado e estranhado”. Mais do que isso, o processo
de produção fluido vem acompanhado de uma “intensificação da
exploração do trabalho, quer pelo fato de os operários trabalha-
rem simultaneamente com várias máquinas diversificadas, quer
pelo ritmo e a velocidade da cadeia produtiva”.
Por fim, assiste-se ao processo de flexibilização da unidade
produtiva, com a substituição das economias de escala (gran-
de marca da produção fordista de massa) pelas economias de
escopo: produção de uma variedade crescente de bens em
uma mesma linha, a preços baixos e em pequenos lotes, ajus-
táveis às variações na demanda, mais flutuante e diversificada
(HARVEY, 2005, p. 148). Essa maior flexibilidade dependia, em
grande medida, da própria existência de difusão que, como vis-
to anteriormente, está associada ao “afrouxamento das con-
dições jurídicas que regem contrato de trabalho, implicando
especialmente a possibilidade de se recorrer facilmente ao tra-
balho em tempo parcial e ao trabalho temporário” (BIHR, 1998,
p. 92). Como reforça Bihr (1998, p. 92): “aqui, flexibilidade rima
diretamente com instabilidade”. Além disso, o sucesso desse
tipo de produção dependia da organização mais flexível do tra-
balho, associada diretamente ao aumento da fluidez também
mencionado anteriormente. Por fim, a utilização de métodos
mais flexíveis esteve significativamente articulada às próprias
mudanças no mercado consumidor. Como destaca Harvey:
94
pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o
espetáculo, a moda e a mercadificação de formas cultu-
rais. (HARVEY, 2005, p. 148).
95
processo foi funcional para a acumulação de capital, à medi-
da que possibilitou uma aceleração das atividades produtivas,
permitindo a maior acumulação global de capital, a redução do
tempo de rotação e, portanto, o aumento da taxa de lucro por
período (CARCANHOLO, 2008a, p. 260). Por outro lado, no en-
tanto, a expansão desenfreada de sua lógica gerou uma série de
disfuncionalidades e aumento da instabilidade, que explicam
em parte, por exemplo, o fato de a recomposição nas condições
de acumulação não ter sido acompanhada por uma recupera-
ção no ritmo de crescimento das economias. Como ressalta
Anderson (1995, p. 16), “a desregulamentação financeira, que
foi um elemento tão importante do programa neoliberal, criou
condições muito mais propícias para a inversão especulativa
do que produtiva”, de modo que,
96
Desenvolvimento Econômico]. Dos ritmos apresentados
durante o longo auge, nos anos 1950 e 1960, resta somen-
te uma lembrança distante. (ANDERSON, 1995, p. 15).
97
reconhecidos, em alguma medida, dentro e fora do âmbito
acadêmico, por diversos comentadores, dos mais aos menos
críticos.21 Conforme entendemos aqui, tais fenômenos são um
reflexo das próprias contradições inerentes ao desenvolvimen-
to capitalista, apresentadas no capítulo anterior e sintetizadas
no enunciado da lei geral. Ou seja, enquanto durante a “Era de
Ouro” a manifestação empírica de tendências gerais foi obsta-
da por determinações particulares (discutidas ao longo da pri-
meira seção), mudanças nas próprias condições particulares
no período posterior aos anos 1970 abriram o caminho para
que essas mesmas tendências gerais predominassem na pro-
dução de eventos.
21
No caso específico do pensamento conservador, a preocupação crescente
com as chamadas “mazelas sociais” se evidencia, por exemplo, na prolife-
ração de estudos e relatórios publicados pelos organismos multilaterais,
preocupados em encontrar a melhor estratégia para “atacar a pobreza” e
minimizar os crescentes danos causados ao meio ambiente, respeitando
o status quo. Como ressalta Medeiros (2007, p. 179), “não seria exagero,
de fato, retratar a circulação de estudos econômicos do ‘bem-estar’ social
entre instituições e autores assumidamente conservadores no último quar-
to de século como uma febre compulsiva, uma verdadeira fixação com o
altruísmo”.
98
uma nova configuração [...] envolve um processo de mudança
(nova configuração) e de continuidade (capitalismo)”. Mais do
que isso, a “dialética complexa, de mudança e reprodução, pela
qual os elementos centrais do capitalismo produzem mudança
e, ao mesmo tempo, reproduzem-se” baseia-se “na distinção
entre superfície e estrutura profunda no capitalismo e torna
acessível a possibilidade de um futuro para além do capital,
mesmo ao reproduzir o núcleo básico do presente e, por meio
disso, obstruir a realização do futuro”.
Em segundo lugar, a análise aqui sugerida nos permite
afirmar, mais uma vez, que estudar o desenvolvimento capi-
talista, a partir de uma perspectiva marxista, significa (1) ter
consciência da processualidade que caracteriza esse sistema,
(2) apreender as leis gerais de movimento da sociedade e (3)
conhecer as condições concretas de manifestação de tais leis.
Nesse sentido, independentemente das consequências dessas
leis gerais e de suas condições concretas (sejam elas detestá-
veis ou adoráveis), o que importa para a análise do desenvol-
vimento em si é saber se, na passagem de um período a outro,
o funcionamento do capitalismo tornou-se mais ou menos ade-
quado à lógica interna do capital.
Dentro dessa perspectiva, portanto, podemos dizer que o
capital é tanto mais desenvolvido, quanto mais ampla a sua
atuação. Ou seja, por mais contraintuitivo que pareça, o fato
de o capital ampliar seu alcance territorial (tendência à forma-
ção do mercado mundial), penetrar nas mais distintas esferas
da vida social (como, por exemplo, as artes, esportes, relações
familiares, de afeto etc.) e atuar em um número maior de se-
tores (como, por exemplo, aqueles originalmente conduzidos
pelo Estado, nos quais a lucratividade é relativamente diminu-
ta e o retorno é mais demorado), imprimindo, em todos esses
casos, a sua lógica de funcionamento, significa que o capital se
desenvolveu (MARX, 2011, p. 438).
Por fim, temos clareza de que essa não é a forma como as
teorias do desenvolvimento analisam o capitalismo. Em lugar
do desenvolvimento em si da sociedade, tais teorias em geral
se atêm a determinadas expressões empíricas, utilizadas como
99
critério para julgar o desenvolvimento capitalista como bom ou
ruim. No primeiro caso, de julgamento positivo, as teorias apa-
recem não raramente como apologia do capital. No segundo,
de julgamento negativo, as teorias soam como uma denúncia
sobre o caráter desumano do capital (esquecendo, por vezes,
que o capitalismo não tem sentido humano!). Como as teorias
não são inócuas, mas, ao contrário, são formas refinadas de
conceber a vida humana, formas que movem a prática social,
que têm efeitos práticos, a questão que se coloca é: como e por
que tais teorias adquiriram ou perderam legitimidade? É preci-
samente esta a pergunta que pretendemos responder ao longo
da próxima parte que compõe o presente estudo.
100
Apêndice III
Notas sobre a complexidade da dinâmica capitalista
101
A expansão do valor depende de inúmeros fatores, dos quais
citaremos apenas alguns mais evidentes.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar, como advertido por
Marx (2002, p. 657) ainda no Livro I de O capital, que o lucro
é apenas uma fração da mais-valia e que a fragmentação da
mais-valia em lucro, juros, ganhos comerciais, aluguéis, impos-
tos etc. influencia as condições de desenvolvimento do capital.
Essa relação entre lucro e mais-valia vai depender, entre outros
fatores, da relação entre os diferentes capitalistas que exercem
diferentes funções no conjunto da produção social (represen-
tantes do capital produtivo, capital mercantil, capital usurário,
proprietários de terra etc.) e da relação desses capitalistas
com o Estado, como explorado mais sistematicamente pelo
autor ao longo do Livro III.
Em segundo lugar, também devemos recordar que, além da
taxa de lucro, importa para a dinâmica capitalista a sua massa.
Dessa forma, assim como um decréscimo na taxa de mais-valia
pode ser compensado pelo aumento na massa de mais-valia
(possibilitado por uma expansão extensiva do capital que su-
pere a lógica de acumulação intensiva), também um decrésci-
mo na taxa de lucro pode ser compensado por um acréscimo
na massa de lucro, bastando, para tanto, que o decréscimo re-
lativo da parcela variável do capital total venha acompanhado
de um acréscimo em termos absolutos (MARX, 1974, p. 219).
Em terceiro lugar, além das massas de mais-valia e lucro
produzidas por período de rotação, importa sua massa anual,
isto é, o quanto um capital é capaz de gerar de lucro nos suces-
sivos períodos de rotação em que é empregado. Esse tempo
de rotação do capital, por sua vez, depende tanto do tempo de
produção (determinado por fatores organizacionais e tecnoló-
gicos) quanto do tempo de circulação (determinado por con-
dições de oferta e demanda, pelo tamanho dos mercados, grau
de desenvolvimento dos meios de comunicação, de transporte
etc.). Assim, quanto maior a velocidade de rotação do capital,
ou seja, quanto menor o tempo entre o adiantamento do ca-
pital em forma-dinheiro e seu retorno à figura primitiva, mais
favoráveis as condições de acumulação (MARX, 2000, p. 337).
102
Por fim, além dos fatores “econômicos”, ligados fundamen-
talmente à produção e circulação, há ainda a influência de fa-
tores “extraeconômicos” sobre a acumulação de capital, pois,
como as determinações “econômicas” não existem fora do con-
texto social mais amplo, as tendências que lhes são próprias
em meio a esse contexto necessariamente são atravessadas
por determinações particulares e mesmo gerais não ligadas
ao campo econômico propriamente dito. Assim, além da in-
fluência de determinações próprias à esfera econômica sobre
as tendências e suas formas de manifestação, é preciso consi-
derar que, apesar de Marx ter centrado as atenções nos pro-
cessos de produção e circulação (abstração necessária para
estudar uma sociedade cuja dinâmica emana da economia), o
fato de a economia, no capitalismo, adquirir uma hipertrofia
não significa que não possa ser decisivamente atravessada por
determinações “extraeconômicas”.
Partindo ainda da análise da questão tal como apresentada
por Marx, é preciso deixar claro que, assim como a taxa de
lucro não figura como a única categoria na explicação da dinâ-
mica capitalista, a sua queda não deve, tampouco, ser imedia-
tamente identificada com a necessidade de crises. Como Marx
adverte diversas vezes ao longo do capítulo em que trata da
tendência à queda na taxa de lucro, esta queda decorre do de-
créscimo relativo (e não absoluto!) da parte variável do capital
em relação à parte constante. Isso significa que
103
Assim, tomando como exemplo o período posterior à cri-
se dos anos 1970 e o comportamento decrescente da taxa de
lucro nas últimas três ou quatro décadas (em contraponto às
décadas posteriores à crise de 1929, marcadas pelo cresci-
mento significativo da taxa média de lucro), poderíamos ser
levados a concluir (não sem propósito) que o capitalismo vem
passando por uma longa fase de estagnação. No entanto, con-
siderando tudo o que foi dito até o momento, também temos
motivos para acreditar que, apesar da possível compressão
das taxas de lucro, as particularidades desse período (extensa-
mente analisadas ao longo do capítulo terceiro) possibilitaram
a redução significativa dos tempos de produção e circulação,
aumentando a velocidade de rotação do capital e, portanto,
a valorização anual por unidade de capital aplicado. Também
não podemos ignorar os processos de concentração e centrali-
zação do capital e o papel desempenhado pelo crédito durante
esse período.
Enfim, não pretendemos transformar esta em uma lista
interminável de particularidades ou realizar uma análise mi-
nuciosa de todas elas. Considerando os propósitos do presen-
te estudo, esperamos apenas ter chamado a atenção para a
complexidade da dinâmica capitalista, mostrando, a partir do
estudo desses casos concretos, como, além da taxa de lucro,
são inúmeros os fatores que podem influenciar o desenvolvi-
mento capitalista e que as condições específicas desse desen-
volvimento vão depender de determinações particulares, que
favorecem algumas causas em detrimento de outras.
104
Parte II
Teorias do desenvolvimento:
por uma crítica ontológica
105
utilizado para designar uma condição de baixo grau (ou mes-
mo ausência) de desenvolvimento. Nesse período, passaram a
ser chamadas de subdesenvolvidas aquelas regiões material-
mente menos favorecidas (também conhecidas como Terceiro
Mundo), que não foram capazes de acompanhar determinado
padrão de desenvolvimento socioeconômico, atribuído aos
países capitalistas pioneiros no processo de industrialização
(também conhecidos como Primeiro Mundo).
Apesar da diversidade de teorias que marca esse período
de grande efervescência do debate sobre desenvolvimento,
algumas características gerais ainda podem ser identificadas.
Em primeiro lugar, ainda que a origem do subdesenvolvimen-
to fosse explicada de maneiras distintas, o desenvolvimento
foi entendido predominantemente como sinônimo de cresci-
mento do produto (per capita), associado à crença de que o
crescimento do produto é também capaz de gerar melhores
condições de vida para a população, em geral. Em segundo lu-
gar, ainda que não tenha havido de fato um consenso em tor-
no da estratégia para a superação do subdesenvolvimento (se
capitaneada pelo Estado ou deixada ao sabor das forças do
mercado), a ênfase recaía, também de forma predominante, na
necessidade de industrialização das economias ainda agrárias
ou mercantis.
Naquele contexto, portanto, as teorias do desenvolvimento
surgem como formulação científica de compreensão e admi-
nistração da dinâmica social capitalista, consolidando o ar-
gumento segundo o qual, somente através deste expediente,
seria possível promover uma convergência (ou, no mínimo,
uma aproximação) entre as trajetórias de crescimento das di-
ferentes nações (ou conjunto de nações). Como se pretende
argumentar, tratava-se de transformar o progresso presumida-
mente automático que caracteriza esta sociedade num projeto
presumidamente dirigido (pelo Estado).
Pode-se dizer que esta foi a visão dominante até meados
dos anos 1970, quando, acompanhando a crise econômica que
se espalhou pelo mundo durante essa década e a seguinte, a
pretensão de dirigir o capitalismo entrou em colapso. Além
106
disso, assiste-se durante esse período à proliferação de de-
núncias sobre a devastação do meio ambiente, resultante do
processo de industrialização e crescentes exigências de que
os benefícios do aumento da riqueza sejam apropriados e dis-
tribuídos de modo mais equitativo. Nesse contexto, portanto,
as teorias do desenvolvimento vestem uma nova roupagem,
geralmente associada à incorporação de novos critérios à de-
finição do desenvolvimento e a redefinições estratégicas. Que
se trata de novas teorias, no sentido de teorias diversas, não
resta qualquer dúvida. Mas é possível e necessário indagar se
essas teorias, a despeito de sua diversidade interna e com re-
lação ao conjunto teórico que lhes antecede, constituem, de
fato, uma novidade. Ou seja, se são novas teorias, no sentido
de delinear de fato uma nova visão de desenvolvimento (isto é,
uma imagem efetivamente diferente da sociedade em seu está-
gio “desenvolvido”).
Na tentativa de responder a essas questões, a Parte II en-
contra-se dividida em quatro capítulos. Considerando a estrei-
ta relação entre as temáticas do desenvolvimento e do cres-
cimento (especialmente no período que antecede a crise dos
anos 1970), inicia-se, no quarto capítulo, com um panorama
geral dos modelos de crescimento econômico no período pré-
1970. Para tanto, utiliza-se como ilustração as formulações pio-
neiras de Harrod e Domar, seguidas do contraponto sugerido
por Solow. O exame das teorias “clássicas” do desenvolvimen-
to, produzidas no mesmo período, encontra-se no quinto capí-
tulo, que resgata algumas formulações (especialmente aquelas
produzidas por Rosenstein-Rodan, Nurkse, Myrdal, Hirschman
e Rostow) que tratam das regiões subdesenvolvidas, em geral;
o sexto capítulo resgata, ainda, formulações que tratam espe-
cificamente do caso latino-americano (especialmente gestadas
no âmbito da Cepal). O sétimo capítulo, por fim, busca apre-
sentar as principais reorientações observadas no debate sobre
desenvolvimento no período posterior à década de 1970.
Em linhas gerais, espera-se ao longo desses capítulos reunir
elementos comuns que permitam comprovar que tais teorias
geralmente abordam a questão do desenvolvimento de forma
107
maniqueísta e positiva porque a temática do desenvolvimento é
lida como algo necessariamente bom e o subdesenvolvimento
(ou seja, a ausência de desenvolvimento) como algo necessa-
riamente ruim, clivagem esta que pressupõe a eleição ad hoc
de determinados critérios (crescimento da renda per capita,
expectativa de vida, nível de escolaridade etc.); e positiva por-
que a temática do desenvolvimento sempre se refere às con-
dições imediatamente dadas e às possibilidades que podem
se pôr (também imediatamente) a partir dessas condições (a
crítica das condições e das possibilidades não é realizada).
108
Capítulo 4
Os modelos “prototípicos” de crescimento
econômico: Harrod, Domar e Solow
109
conhecidas pela formalização matemática, de inspiração neo-
clássica. Assim, mesmo quando buscam inspiração em fontes
diversas (isto é, seja em Keynes ou em Ricardo), os modelos de
crescimento pressupõem um modo particular de se fazer ciên-
cia, que se tornou hegemônico na ciência econômica apenas
depois da chamada “revolução marginalista”, no final do sécu-
lo XIX.
Por fim, observamos que, seguindo o mesmo critério de cien-
tificidade, os modelos de crescimento pretendem ser um “cor-
po de conhecimento sistematizado referente ao que é”, e não
um “corpo de conhecimento sistematizado relativo ao critério
do que deveria ser e referido, portanto, ao ideal como algo dis-
tinto do atual” (KEYNES, 1999, p. 22). No entanto, mesmo que
não tenham sido formulados com conteúdo explicitamente
normativo, os modelos de crescimento podem ser (e são, ge-
ralmente) utilizados como base para prescrições e formulação
de políticas econômicas.
Na tentativa de oferecer um panorama geral dos modelos de
crescimento econômico no período pré-1970, o presente capítu-
lo encontra-se dividido em três seções. Na primeira, apresenta-
mos as linhas gerais dos modelos pioneiros de Harrod e Domar,
formulados em 1939 e 1946, respectivamente. Considerando
que são ambos modelos de inspiração keynesiana, dedicamos
a segunda seção à exposição do modelo de Solow, construído
em 1956 como contraponto aos modelos anteriores e tomado
aqui como representante dos modelos de inspiração neoclássi-
ca. Por fim, encerramos o capítulo com algumas considerações
gerais sobre os modelos discutidos.
Vale destacar, desde já, que não pretendemos com isso
analisar os pormenores dos modelos em questão, discutir o
modo como o grau de sofisticação foi aumentando ao longo do
tempo, que hipóteses foram “relaxadas” ou abandonadas etc.
Considerando os objetivos do presente estudo, interessa-nos
mostrar, em primeiro lugar, como esses modelos acabam por
dar inteligibilidade científica a um dos principais elementos da
dinâmica capitalista (seu caráter inerentemente expansivo). Em
segundo lugar, pretendemos explicar também como, naquele
110
contexto histórico específico, os modelos de crescimento termi-
nam por responder a questões levantadas pela própria dinâmica
de acumulação de capital em nível global e oferecer, a despeito
da sua pretensa neutralidade, um instrumental útil à reprodução
desta dinâmica.
111
Seção 4.1 Crescimento equilibrado e instabilidade
nos modelos de Harrod e Domar
1
Para a apresentação das concepções de Harrod e Domar nos valemos, além
dos textos originais, das sistematizações elaboradas por Jones (1979) e
Thirlwall (2005).
2
Em virtude das semelhanças entre os modelos, é bastante comum encon-
trar nos livros-texto de Economia a referência a um único modelo “Harrod-
-Domar”.
112
(1) S = sY
(2) I = C∆Y
(3) S=I
s
GA =
Cp
113
total do produto (∆K/∆Y), ou ainda, o incremento de capital
por unidade adicional de produto efetivamente produzido.
De acordo com essa formulação, portanto, só seria possí-
vel alcançar uma trajetória de crescimento equilibrado quando
a taxa verdadeira coincidisse com a taxa garantida de cresci-
mento (GA = GW).4 Como sintetizado por Jones (1979),
114
distintos, não havendo qualquer mecanismo que garantisse
essa coincidência – se ela de fato se verificasse, seria por ques-
tões meramente casuais. De acordo com Jones (1979, p. 65),
esta conclusão, também conhecida como primeiro problema
de Harrod, pode ser entendida como “uma versão dinâmica da
alegação central keynesiana de que o equilíbrio com desem-
prego é possível numa economia capitalista”.
Dando sequência ao argumento, Harrod (1939, p. 22) bus-
ca mostrar como, além de pouco provável, o crescimento
equilibrado a pleno emprego dos fatores é altamente instável.
Isso porque desvios da trajetória de equilíbrio (dinâmico), ao
contrário de “autocorretivos”, são “autoagravantes” (conclu-
são também conhecida como segundo problema de Harrod).
De acordo com o autor, se a taxa verdadeira for menor que a
taxa garantida (GA < GW), a relação capital-produto efetiva será
maior que a requerida (Cp > C), induzindo os empresários a re-
duzir os investimentos, reduzindo ainda mais a taxa de cres-
cimento. Por outro lado, se a taxa verdadeira for maior que a
taxa garantida (GA > GW), a relação capital-produto efetiva será
menor que a requerida (Cp < C), induzindo os empresários a
aumentar os investimentos, aumentando ainda mais a taxa de
crescimento. Assim, no que tange à terceira questão, em vez
da reaproximação entre as taxas GA e GW, o que se verifica é o
crescente distanciamento entre elas.
115
(P) permaneçam em igualdade é preciso que ambos cresçam
com as mesmas taxas (∆Y e ∆P, respectivamente), definidas
pelo autor da seguinte maneira:
⎛ 1 ⎞
ΔY = ⎜ ⎟ΔI
⎝ s ⎠
ΔP = σI
Onde s é a propensão marginal a poupar; I, o fluxo de inves-
timento; σ, a “produtividade social potencial média do inves-
timento” (que, como veremos adiante, aproxima-se, em certo
sentido, da relação capital-produto requerida (C) de Harrod).
Combinando de maneira simples as equações acima apresen-
tadas, temos que:
⎛ 1 ⎞
σI = ⎜ ⎟ΔI
⎝ s ⎠
Ou ainda:
ΔI
= sσ
I
116
tumultuada de crescimento econômico. Elaborados sob a at-
mosfera de duas guerras entremeadas por uma grande depres-
são, suas conclusões mostravam-se razoavelmente compatí-
veis com as próprias evidências do período. Por outro lado, as
experiências bem-sucedidas de crescimento econômico que
teriam lugar nas décadas posteriores seriam igualmente utili-
zadas por parte dos críticos como prova da incompatibilidade
entre o modelo Harrod-Domar e os “fatos”.5
Assim, como geralmente observado nas disputas teóricas
internas à ciência econômica, o critério de adequação empí-
rica foi determinante na reorientação dos modelos de cresci-
mento econômico. Construídos como contraponto direto aos
trabalhos de Harrod e Domar, os principais desenvolvimentos
teóricos posteriores caminharam justamente no sentido de
demonstrar que o crescimento econômico estável com pleno
emprego era não apenas possível, mas também provável.
No campo keynesiano, os esforços constituídos especial-
mente através dos trabalhos de Robinson, Kaldor, Pasinetti,
entre outros, concentraram-se na análise dos fatores deter-
minantes da formação de poupança, do ponto de vista da di-
nâmica econômica. Sugeria-se que, por um lado, a poupança
dependia mais dos lucros que dos salários e que, por outro,
os lucros variavam na mesma direção da renda nacional (cres-
ciam em período de expansão econômica e decresciam duran-
te as recessões). O resultado era que se, por exemplo, a taxa
de crescimento fosse superior à garantida, a própria expansão,
à medida que permitisse lucros maiores, favoreceria a eleva-
ção da taxa de poupança e mudaria a própria taxa garantida
de crescimento, aproximando novamente as duas – o inverso
ocorrendo caso a taxa natural se encontrasse aquém da taxa
garantida (THIRLWALL, 2005, p. 26 e 27).
Alternativamente, no campo neoclássico, um dos princi-
pais problemas apontados pelos críticos foi a já mencionada
5
De acordo com Jones, esse tipo de crítica poderia ser rebatido pela utili-
zação do seguinte argumento: “os problemas de Harrod não emergiram no
período do pós-guerra por causa da aplicação sistemática das políticas key-
nesianas de estabilização econômica” (JONES, 1979, p. 79).
117
hipótese de uma relação capital-produto constante (que indi-
caria a impossibilidade de substituir os fatores de produção,
capital e trabalho). De acordo com este argumento, levantado
inicialmente por Solow e Swan, a hipótese das “proporções fi-
xas” seria não apenas incompatível com um modelo que pre-
tende realizar análises de longo prazo, como também seria fa-
tor determinante na conclusão a respeito da instabilidade do
crescimento. Portanto, como pretendemos mostrar na seção
seguinte, é tomando como ponto de partida a flexibilização des-
sa hipótese que os modelos neoclássicos pretendem demons-
trar a existência de estabilidade no crescimento econômico.
6
No intuito de facilitar a apresentação deste modelo, utilizamos também as
sínteses realizadas por Jones (1979) e Jones (2000).
118
a noção de ‘fio da navalha’ de crescimento instável parece ter
o mesmo destino”.7
(1) Y = F ( K , L) = K α L1−α
(2) •
K = sY − dK
Onde Y é a renda; K, o capital; L, o trabalho; α é qualquer
�
número entre 0 e 1; K é a variação no estoque de capital; s,
a propensão marginal a poupar; d, a taxa de depreciação do
capital. Na primeira equação, um α maior ou menor nos diz se
a tecnologia utilizada é mais ou menos intensiva em capital. Na
segunda equação, observamos que, quanto maior o nível de
investimento e quanto menor a depreciação, maior a taxa de
variação do capital.
Como os fatos que o modelo de Solow busca explicar en-
volvem também o produto por trabalhador ou o produto per
7
A noção de “fio da navalha”, utilizada por Solow (1956, p. 65) para descrever
“a conclusão característica e poderosa da linha de pensamento Harrod-Do-
mar”, foi explicitamente rejeitada por Harrod (1973, p. 33; 32) anos depois.
Segundo o autor, esta nomenclatura “soa profundamente irrealista e, mes-
mo, um tanto ridícula”, sendo mais apropriada a comparação do sistema
econômico com “uma bola sobre uma declividade gramada. É necessário
um chute forte para movê-la. Mas, uma vez movida, ela pode ir bem mais
longe – especialmente se a encosta é abrupta – do que um chute inicial de
igual força a faria ir sobre um campo plano”.
119
capita (y = Y/L), podemos dividir ambos os lados das equações
(1) e (2) por L e obter os seguintes resultados:
(3) y = kα
(4) •
k = sy − (n + d )k
Onde n representa a taxa de crescimento da população
(considerada, por hipótese, igual à taxa de crescimento da for-
ça de trabalho), que também passa a atuar como fator redutor
da taxa de variação do estoque de capital.
Uma vez apresentadas as “equações fundamentais” do
modelo, Solow afirma que uma economia qualquer estará em
equilíbrio quando o investimento per capita for do tamanho ne-
cessário para manter constante o montante de capital por tra-
balhador, compensando os efeitos negativos da depreciação e
do crescimento da força de trabalho – situação na qual a taxa
de crescimento do capital per capita iguala-se a zero. Assim,
combinando as equações (3) e (4), e supondo a condição de
equilíbrio, temos que:
(5) 1
* � s �1�a
k =� ÷
�n + d �
(6) a
* � s �1�a
y =� ÷
�n + d �
120
estacionário.8 A Figura 1, baseada em Solow (1956, p. 70), sin-
tetiza as conclusões até aqui apresentadas. Sendo as curvas
expressões dos dois termos da equação (4), o ponto (y*, k*) de-
nota a situação de equilíbrio, que anula a taxa de crescimento
do capital per capita.
8
Vale enfatizar: a situação descrita como estado estacionário não implica a
inexistência de crescimento econômico. Implica, sim, que o produto cresça
à mesma taxa que a população, garantindo uma relação “produto/trabalho”
estável.
121
Seção 4.3 Considerações finais
123
condição da economia (e, por seu intermédio, da sociedade)
ao crescimento do produto; ambos concebem o crescimento
como dependente da poupança; ambos associam o crescimen-
to do produto ao crescimento populacional (numa reedição
da lógica de Malthus e Ricardo), entre outras semelhanças. As
principais diferenças entre estas formulações residem basica-
mente nas conclusões sobre o caráter estável ou não do cresci-
mento e sobre a possibilidade de que a economia equilibre-se
ou não em condições de pleno emprego.
Em termos mais amplos, essa distinção pode ser entendida
como resultado da filiação a uma de duas posições: a posição
liberal clássica, que considera que o mercado é capaz de atin-
gir, por si mesmo, uma situação econômica não apenas orde-
nada como produtiva, e a posição identificada com a crítica de
Keynes, que nega esta possibilidade e reclama uma participa-
ção mais ativa do Estado na vida econômica. O discurso oscila,
então, entre a defesa, em geral implícita, do capitalismo liberal
e a defesa, em geral aberta, do capitalismo “regulado”. Livre
ou “regulado”, é sempre o capitalismo que se projeta para o
futuro. Veremos nos capítulos seguintes como as teorias do
desenvolvimento reeditam, de algum modo, esse debate pen-
dular entre configurações diversas da mesma formação social.
124
Capítulo 5
Teorias clássicas do desenvolvimento (I):
estratégias de industrialização
para as regiões subdesenvolvidas, em geral
1
A seleção dos textos a serem analisados nesta primeira seção tomou como
base a famosa coletânea de artigos organizada por Agarwala e Singh (2010),
A economia do subdesenvolvimento, publicada pela primeira vez em 1958 e
que se tornou referência mundial para o debate sobre desenvolvimento.
126
desenvolvimento acima apresentada (com ênfase, inclusive,
no debate sobre a convergência da riqueza mundial), Rodan
afirma que, além de interessar às “áreas deprimidas” em geral,
a industrialização desses países é conveniente para o mundo
como um todo, visto ser o único “meio para que se alcance
uma distribuição de renda mais equitativa entre diferentes
partes do mundo pela elevação da renda nas regiões deprimi-
das a uma taxa mais alta que nas regiões ricas” (ROSENSTEIN-
RODAN, 2010, p. 265 et seq.).
Além do pioneirismo e do fato de ser um dos representantes
fiéis da perspectiva dominante do período, resgatamos aqui o
trabalho de Rodan por diversos outros motivos. Em primeiro
lugar, Rodan inaugura uma série de teorias que, partindo do
arcabouço teórico clássico ou keynesiano, irão caracterizar o
subdesenvolvimento (e explicar as baixas taxas de crescimen-
to nessas regiões) a partir do “excesso de população agrária”
e consequente subemprego rural. Diante dessa constatação,2
Rodan apresenta duas soluções alternativas: (1) levar a mão de
obra excedente até o capital através da emigração ou (2) levar
o capital, por meio da industrialização, até onde há excesso de
trabalho. Considerando que ambas são equivalentes “do ponto
de vista da maximização da renda mundial” e que a primeira é
difícil de realizar-se em grande escala, “em sua maior parte o
problema terá de ser resolvido pela industrialização”.
Em segundo lugar, no que diz respeito à estratégia de indus-
trialização, é bastante emblemático que Rodan tenha escrito,
ainda durante a Segunda Guerra Mundial, especificamente so-
bre aqueles países situados entre a União Soviética e a Europa
Ocidental e que posteriormente passariam a compor o conjun-
to de “países socialistas” (também conhecidos como Segundo
Mundo). Nesse contexto, Rodan foi um dos autores a defender
2
Constatação empírica, tomada como hipótese inicial do trabalho. Nas pa-
lavras do autor: “As hipóteses no caso em estudo são as seguintes: existe
um ‘excesso de população agrária’ na Europa do Leste e do Sudeste, que
corresponde de 20 a 25 milhões de habitantes para uma população total
de 100 a 110 milhões; ou seja, cerca de 25% da população se encontra total
ou parcialmente desempregada (‘desemprego disfarçado’)” (ROSENSTEIN-
-RODAN, 2010, p. 265).
127
explicitamente uma estratégia de desenvolvimento que se
contrapõe diretamente ao chamado “modelo russo” (ou “au-
tárquico”) de industrialização.3 De acordo com o autor, essa
modalidade de industrialização caracteriza-se pela busca da
autossuficiência (por meio da integração vertical), envolven-
do uma série de sacrifícios que poderiam ser evitados caso os
países optassem por uma industrialização “ajustada” à econo-
mia mundial. Nesse caso, os países deveriam seguir os “sólidos
princípios da divisão internacional do trabalho [que] postulam
técnicas intensivas de mão-de-obra – isto é, indústrias leves
para as regiões subdesenvolvidas”, suprindo o restante das
necessidades (especialmente daqueles bens produzidos por
“indústrias pesadas”) através da importação. Segundo o autor,
esta estratégia de industrialização “preservaria as vantagens
da divisão internacional do trabalho, produzindo, portanto,
mais riqueza para todos ao final do processo”.
Assim, para Rodan, a superação do subemprego rural (ca-
racterístico das economias subdesenvolvidas) deve passar
pela adoção de uma estratégia de industrialização integrada,
que insira a região na economia mundial, preservando as van-
tagens da divisão internacional do trabalho. Além do respeito
aos desígnios das vantagens comparativas, o sucesso da estra-
tégia depende, em primeiro lugar, do treinamento e habilitação
da mão de obra (que permita transformar camponeses em tra-
balhadores industriais), e, em segundo lugar, do planejamento
em grande escala que possibilite a criação de um sistema de
indústrias complementares (especialmente aquelas que pro-
duzem a maioria dos bens adquiridos com salários).
Essa estratégia de industrialização, posteriormente conhe-
cida como estratégia de crescimento equilibrado, teria ainda
outra grande vantagem: “a criação planejada de um sistema
de indústrias complementares desse tipo reduziria o risco de
insuficiência de procura e, visto que o risco pode ser conside-
rado um custo, reduziria os custos. É, nesse sentido, um caso
3
Veremos adiante o exemplo mais emblemático e explícito: Rostow e seu ma-
nifesto não-comunista.
128
especial de ‘economias externas’”.4 Considerando que os tra-
balhadores não gastam seus salários em um único produto, o
emprego de toda a mão de obra excedente em uma única in-
dústria produziria um desequilíbrio nesse setor e nos demais
(excesso de oferta no primeiro e de demanda nos demais).
Tais desequilíbrios poderiam, eventualmente, ser corrigi-
dos pelo mecanismo de mercado (por meio do movimento de
preços, como previsto pela Lei de Say), mas poderiam ser evi-
tados através do investimento maciço em diversas indústrias
complementares, de modo coordenado.5 Essa coordenação fa-
ria com que o aumento da oferta em diversas indústrias crias-
se sua própria demanda, promovendo “uma expansão da pro-
dução mundial com um mínimo de perturbação do mercado in-
ternacional”. Como, para Rodan, nos países subdesenvolvidos
é mais fácil prever a demanda da população, o planejamento
em larga escala também seria facilitado.
Uma abordagem bastante similar, e, em grande medida, ins-
pirada no antecessor, também pode ser vista nos trabalhos de
Ragnar Nurkse, que apresenta a formação de capital como o
fator capaz de diferenciar países desenvolvidos e subdesen-
volvidos.6 Segundo o autor, esta formação de capital estaria
4
Rosenstein-Rodan (2010, p. 269 et seq.) cita ainda dois outros tipos de “eco-
nomias externas” que podem surgir a partir da criação de um sistema de
indústrias complementares: (1) as economias externas à firma e internas à
indústria e (2) as economias externas à indústria. Por esse motivo, o autor
ficou conhecido como um dos primeiros a utilizar a divergência entre “re-
torno privado” e “retorno social” dos investimentos como justificativa para
a coordenação de projetos integrados de industrialização. Mais adiante, no
entanto, veremos como o mesmo argumento será utilizado para defender a
estratégia de crescimento desequilibrado. Uma síntese do debate pode ain-
da ser vista nos textos de Fleming (As economias externas e a doutrina do
crescimento equilibrado) e Scitovsky (Dois conceitos de economias externas),
também presentes na coletânea de Agarwala e Singh (2010).
5
Como aparece na sistematização realizada por Scitovsky (2010, p. 324): “Daí
a ideia de que falta um planejamento centralizado do investimento ou al-
gum sistema de comunicação adicional que suplemente o sistema de preços
como dispositivo de sinalização.”
6
Ou seja, “as chamadas ‘áreas subdesenvolvidas’, em confronto com as avan-
çadas, são aquelas que se encontram subequiparadas de capital em relação
à sua população e recursos naturais” (NURKSE, 1957, p. 3 et seq.). Vale notar
que a palavra capital comparece na frase, e na concepção do autor em geral,
no sentido limitado (e mistificador, como demonstrou Marx) de máquinas,
equipamentos e materiais indispensáveis à produção.
129
sujeita à ação de forças circulares (tanto do lado da oferta,
quanto do lado da demanda) que manteriam as economias em
um “estado de equilíbrio de subdesenvolvimento”.7 Este meca-
nismo, também conhecido como círculo vicioso da pobreza, foi
exemplificado por Nurkse da seguinte maneira:
7
Em relação aos fundamentos teóricos dessa formulação, o próprio Nurkse
(1957, p. 14) faz questão de enfatizar que o estado de equilíbrio de subde-
senvolvimento seria “um tanto análogo ao ‘equilíbrio de subemprego’, cuja
possibilidade nos países industrialmente avançados nos foi apontada por
Keynes”.
130
de crescimento equilibrado, também conhecida como “grande
impulso” (ou big push), possível apenas através “de uma aplica-
ção de capital mais ou menos sincronizada numa ampla gama
de indústrias diferentes” (NURKSE, 2010, p. 278). O resultado
desse investimento “sincronizado” também seria mais ou me-
nos o mesmo:
131
Desenvolvimento econômico com oferta ilimitada de mão-de-
-obra, de 1954.8 Diferentemente dos teóricos anteriores, no en-
tanto, Lewis é mais explícito ao afirmar que, enquanto uma te-
oria inspirada no arcabouço teórico keynesiano prevê a possi-
bilidade de equilíbrio com subemprego dos diversos fatores de
produção, em uma situação de subdesenvolvimento somente a
mão de obra é excedente.9 Se o contingente populacional não
oferece, portanto, nenhuma restrição objetiva ao crescimento,
o “problema do desenvolvimento econômico” estaria na “escas-
sez de capital”.
Tomando como ponto de partida a análise de uma “econo-
mia fechada”, Lewis procura demonstrar como o desenvolvi-
mento, na medida em que está sujeito à quantidade de capital
disponível, depende, em última instância, da quantidade de
poupança (aceitando, em grande medida, um dos postulados
que sustentam a Lei de Say, ou seja, a ideia de que a poupança
deve preceder o investimento). Nesse sentido, Lewis define o
“problema central da teoria do desenvolvimento econômico”
da seguinte maneira:
8
Assim como outros teóricos do desenvolvimento, Lewis viria a receber (25
anos após essa publicação) o prêmio Nobel de Economia, “pela pesquisa
pioneira sobre desenvolvimento econômico com particular atenção
aos problemas dos países em desenvolvimento”. Disponível em: <www.
nobelprize.org>.
9
Por esse motivo, como o próprio Lewis faz questão de enfatizar nas páginas
iniciais de seu artigo, a perspectiva por ele defendida estaria mais próxima
da teoria clássica, utilizada explicitamente como fundamento da sua for-
mulação. Nas palavras do autor: “Este artigo foi escrito segundo a tradição
clássica, aceitando suas suposições e formulando suas questões” (LEWIS,
2010, p. 413 et seq.). E mais adiante: “O propósito desse artigo é, portanto,
descobrir o que se pode aproveitar do marco clássico para resolver os pro-
blemas da distribuição, acumulação e crescimento, em primeiro lugar numa
economia fechada e, depois, numa economia aberta.”
132
ou mais. Este é o problema central porque a questão
principal do desenvolvimento econômico é a rápida
acumulação de capital (incluindo aí os conhecimentos e
especializações). Nenhuma revolução “industrial” pode
ser explicada (como pretendiam alguns historiadores
econômicos) enquanto não se puder explicar por que
aumentou relativamente a poupança em relação à renda
nacional. (LEWIS, 2010, p. 428).
10
Estamos nos referindo aqui, mais especificamente, à noção ricardiana de es-
tado estacionário, descrita pelo autor como a situação na qual deixa de haver
incentivo a novos investimentos. No caso de Ricardo (1996), no entanto, essa
tendência está associada a duas premissas básicas: (1) a teoria malthusiana
do crescimento populacional e (2) a ideia de que o preço dos produtos agríco-
las é regulado pelo trabalho necessário à produção nas terras menos férteis.
Assim, à medida que o crescimento populacional fosse tornando necessária a
produção em terras menos férteis, geraria um aumento no preço dos alimen-
tos com consequente aumento de salários e queda dos lucros.
133
desfavorável” (p. 448), e isso, à medida que diminui o incentivo
a novos investimentos, gera problemas para o desenvolvimen-
to da economia.
No entanto, é precisamente nesse ponto que a análise da
“economia fechada” deve, segundo Lewis (2010), ser substitu-
ída pela “economia aberta”, a partir da qual se torna possível
vislumbrar uma saída para o problema. Isso porque “os países
que atingiram a escassez de trabalho se veem cercados por
outros que têm trabalho em abundância”, e enquanto conti-
nuar a existir excedente de mão de obra disponível a salário
de subsistência, em outros países, o problema pode ser resol-
vido de duas formas diferentes: incentivando-se a imigração
ou exportando o capital. Após analisar as duas alternativas,
Lewis (2010) chega a uma conclusão similar àquela defendida
por Rosenstein-Rodan: a segunda solução (exportação de ca-
pital) é muito mais factível que a primeira, “visto que os sin-
dicatos trabalham eficientemente contra a imigração, sendo,
no entanto, muito menos eficazes no controle à exportação
de capital” (p. 449).
Antecipando possíveis críticas, Lewis se apressa em afir-
mar que esse não é o único fator que explica a exportação de
capital:
134
Seção 5.2 Causação circular acumulativa
e estratégia de crescimento desequilibrado
135
a ignorância, a superstição, as más condições de habi-
tação, as deficiências sanitárias, a sujeira, o mau cheiro
[sic], a indisciplina, a instabilidade das relações familia-
res e a criminalidade dos negros estimulam e alimentam
a antipatia dos brancos. (MYRDAL, 1972, p. 38).
136
mudança social é acumulativo e opera em ambas as direções
faz parte da própria sabedoria popular e é utilizada, ainda que
de modo implícito, por “todo homem de negócio bem sucedi-
do [...] na sua forma de resolver problemas práticos; de outro
modo não obteria êxito” (MYRDAL, 1972, p. 44).
Também no campo da política econômica, os “efeitos cumu-
lativos” deveriam ser levados em conta e poderiam ser apro-
veitados em benefício público caso houvesse um bom conhe-
cimento da relação entre as variáveis.13 Para tanto, partindo de
uma concepção particular de “ideal científico”, Myrdal (1972,
p. 42) defende que esse conhecimento deva assumir a forma
“de um conjunto de equações quantitativas interdependentes,
que descrevessem o movimento do sistema estudado sob as
várias influências em jogo, e as mudanças internas”, ainda que
uma formulação desse tipo, “completamente quantitativa e
verdadeira”, esteja além de suas pretensões.
Para dar fundamento à sua formulação, Myrdal recorre ain-
da aos estudos empíricos realizados pela Comissão Econômica
das Nações Unidas para a Europa durante a década de 1950,
que extraem das análises dos dados as seguintes conclusões:
(1) as desigualdades são maiores nos países ricos do que nos
países pobres e (2) as desigualdades tendem a se tornar me-
nores nos países ricos e maiores nos países pobres (MYRDAL,
1972, p. 61 e 62). Segundo o autor, esse fenômeno explica-se,
pois, quanto mais alto o nível de desenvolvimento de um país,
mais fortes são os “efeitos positivos” e maior a capacidade de
neutralizar os “efeitos negativos”, enquanto nos países subde-
senvolvidos observa-se o contrário. Assim, a afirmação tau-
tológica de Nurkse de que “um país é pobre porque é pobre”
teria de ser substituída pelas seguintes proposições: (1) um
país rico tende a tornar-se mais rico e (2) um país pobre tende
a tornar-se cada vez mais pobre.
13
“Quanto mais conhecermos a maneira pela qual os diferentes fatores se
inter-relacionam – os efeitos que a mudança primária de cada fator provoca-
rá em todos os outros – mais seremos capazes de estabelecer os meios de
obter a maximização dos resultados de determinado esforço político, desti-
nado a mover e alterar o sistema social” (MYRDAL, 1972, p. 43).
137
Para impedir, ainda que temporariamente, a continuidade
dessa tendência, o Estado deveria atuar através da coordena-
ção e planejamento, proteção do mercado interno e das indús-
trias nascentes etc. Além disso, os países deveriam trabalhar,
sempre que possível, para transformar seus Estados nacionais
em Estados de bem-estar social. Nas palavras do autor:
138
economia desenvolvida, supõe que os setores cresceram efeti-
vamente na mesma proporção durante o período revisto. Para
o autor, ao contrário, “o desenvolvimento equilibrado, que se
revela nos dois instantes fotográficos, tirados em dois perío-
dos de tempo diferentes, representa o resultado final de uma
série de avanços desiguais de um setor, seguido pelos outros
setores que o procuram alcançar” (HIRSCHMAN, 1961, p. 102).
Assim, essa teoria não seria capaz de explicar o proces-
so através do qual as economias transitam do estado inicial
de “equilíbrio do subdesenvolvimento” ao “equilíbrio de de-
senvolvimento” nem de oferecer uma solução prática para o
problema. Como comprova a experiência (empírica), a “so-
lução simultânea” se mostraria “especialmente inaplicável
pelo fomentador de decisões, nos países subdesenvolvidos”
(HIRSCHMAN, 1961, p. 9), impraticável e antieconômica, quer
ou não o governo viesse em auxílio. Sobre esse ponto, ressalta
o autor:
139
afirmam os teóricos do desenvolvimento, “os países subdesen-
volvidos [possuem] efetivamente reservas ocultas [...] não ape-
nas de mão de obra, mas de poupanças, capacidade empresarial
e outros recursos”. Assim, se o problema não consiste na falta
de recursos, a solução não deve ser procurada na “importação”
dos recursos faltantes (seja capital, conhecimento técnico, es-
pírito empreendedor etc.): trata-se, na verdade, de “provocar e
mobilizar, com propósito desenvolvimentista, os recursos e as
aptidões, que se acham ocultos, dispersos ou mal empregados”
(HIRSCHMAN, 1961, p. 19).
Para mobilizar esses recursos de forma “eficiente”, Hirschman
(1961, p. 9; 102) defende, ao contrário de Rodan e Nurkse, uma
estratégia de crescimento desequilibrado, que determine “pon-
tos estratégicos básicos”, assinalando “prioridades de áreas ou
setores ou a modalidade de esforço de industrialização a ser
conseguido”. E, assim como sugerido por Myrdal em sua tese
da causação acumulativa, Hirschman acredita que um impulso
inicial em determinados setores tenderia a se espalhar para os
demais, produzindo “progressos adicionais”.
14
Parte das polêmicas foi sistematizada e respondida pelo autor no prefácio e
no apêndice (Os críticos e as evidências) incorporados à segunda edição do
livro, dez anos depois.
140
autor incorpora elementos da teoria do crescimento equili-
brado e antecipa argumentos posteriormente defendidos pe-
los teóricos do crescimento desequilibrado. Mais do que isso,
entendemos que o tratamento dado por Rostow à temática do
desenvolvimento é bastante emblemático e sintetiza a noção
de toda essa geração de trabalhos produzidos no período an-
terior à crise dos anos 1970.15
Em termos bastante sumários, Rostow (1974, p. 16 et seq.)
busca nesse trabalho oferecer uma teoria geral da história, to-
mando como ponto de partida a observação e generalização
de diversos casos e experiências nacionais de industrializa-
ção. Com isso, o autor chega a um conjunto de cinco etapas de
desenvolvimento, dentro das quais qualquer formação social
poderia ser enquadrada: a sociedade tradicional, as precondi-
ções para o arranco, o arranco, a marcha para a maturidade,
e, por fim, a era de consumo em massa.16 De acordo com esta
formulação, o subdesenvolvimento seria uma simples imagem
do passado das economias desenvolvidas, sendo o trânsito de
uma etapa a outra acessível a qualquer país que reunisse as
condições necessárias para tanto.17
Começando com a primeira etapa, Rostow define a socieda-
de tradicional como “aquela cuja estrutura se expande dentro
de funções de produção limitadas, baseadas em uma ciência
15
Como pretendemos mostrar no Capítulo 7, alguns aspectos da noção de
desenvolvimento aqui apresentada foram, inclusive, recentemente resga-
tados como base para a formulação de alternativas à estratégia neoliberal
de desenvolvimento, dominante no período pós-1970, sendo uma das mais
conhecidas tentativas de resgate aquela proposta por Ha-Joon Chang (2004)
no livro Chutando a escada.
16
Com essa formulação, Rostow (1974, p. 14) pretende oferecer “uma alternativa à
teoria de Karl Marx sobre a História”, dividida em quatro etapas: o feudalismo,
o capitalismo burguês, o socialismo e o comunismo. Uma apresentação siste-
mática das semelhanças e diferenças entre as duas perspectivas foi realizada
pelo autor e pode ser vista no capítulo intitulado “Marxismo, comunismo e
etapas do desenvolvimento”.
17
Embora essa supersimplificação do processo histórico, característica do
etapismo defendido por Rostow, tenha sido negada por grande parte dos
teóricos do período, uma versão mais branda do etapismo encontra-se pre-
sente, ainda que não explicitamente, em toda a teoria clássica do desenvol-
vimento (à medida que o subdesenvolvimento é encarado, em última instân-
cia, como uma etapa prévia ao desenvolvimento). Uma apresentação crítica
desse argumento pode ser vista, por exemplo, em Marini (1992, p. 72).
141
e tecnologia pré-newtonianas, assim como em atitudes pré-
-newtonianas diante do mundo físico”. Porém, o ponto central
capaz de caracterizar qualquer uma destas sociedades tradi-
cionais é o fato de estarem todas sujeitas a um teto máximo de
produção per capita – e isto se justifica pelo não conhecimento
das potencialidades que ciência e tecnologia viriam desvendar
mais tarde.18
As precondições para o arranco são definidas como “a era
de transição em que a sociedade se prepara – ou é prepara-
da por forças externas – para o desenvolvimento sistemático”
(ROSTOW, 1974, p. 30). As mudanças que então operam sobre
as economias decorrem fundamentalmente da influência sobre
o processo produtivo da ciência moderna em avanço, em para-
lelo à expansão do mercado mundial e, consequentemente, da
concorrência internacional. Nas palavras do autor:
18
“Em termos de História, pois, com o nome ‘sociedade tradicional’ nós englo-
bamos todo o mundo pré-newtoniano; as dinastias da China; a civilização
do Oriente Médio e do Mediterrâneo; o mundo da Europa medieval. E ainda
adicionamos as sociedades pós-newtonianas que, por certo tempo, perma-
neceram intatas ou indiferentes à nova capacidade do homem para manipu-
lar regularmente o meio ambiente tendo em vista seu proveito econômico”
(ROSTOW, 1974, p. 18). Nessa definição de “sociedade tradicional”, podemos
observar um exemplo claro de anacronismo, comum a diversas teorias do
período, do qual falaremos mais detalhadamente na próxima seção.
142
Porém, ressalta Rostow, muito tempo se passa até que es-
tejam postas estas condições, e essa lentidão deve-se ao fato
de as economias permanecerem limitadas pelos métodos tra-
dicionais, pela estrutura social, valores e instituições políticas
ainda remanescentes do período anterior. Principalmente so-
bre esse aspecto político, Rostow afirma ser imprescindível
ao arranco a constituição de um Estado nacional centralizado,
“aspecto decisivo do período das precondições”.
Terminado este estado transitório, estaria posto, portanto,
o arranco, momento “decisivo da história de uma sociedade
em que o desenvolvimento passa a ser sua condição normal”
(ROSTOW, 1974, p. 52).19 Apresentando uma noção de desen-
volvimento plenamente compatível com aquela defendida
pelos demais autores do período, Rostow (2010) define esta
fase como
19
Note-se que esta etapa, também conhecida como decolagem (ou take-off), é
bastante similar ao grande impulso (ou big push) de Nurkse: enquanto, para
Nurkse, uma economia, ao libertar-se das amarras do círculo vicioso da po-
breza, ingressa em uma situação de crescimento equilibrado, para Rostow,
o estímulo que detona o arranco faz com que o crescimento passe a ser o
estado normal da economia.
20
Um quadro com os registros dos períodos de decolagem de alguns países
que chegaram à etapa do crescimento autossustentado pode ser visto em Ros-
tow (2010, p. 187; 1974, p. 54).
143
depende não apenas do aumento da renda per capita, mas tam-
bém de uma mudança na “disposição dos fluxos de renda” em
favor da “classe poupadora”, sendo esta “uma das ideias mais
antigas e básicas da Economia”. Além disso, defendendo uma
estratégia de desenvolvimento um tanto similar à estratégia de
crescimento desequilibrado, Rostow (1974, p. 55 e 56) insiste
que o aumento expressivo da taxa de investimento com rela-
ção ao produto nacional (até 10% do produto nacional líquido,
aproximadamente) deve ser direcionado especialmente para
alguns setores manufatureiros básicos, com elevados índices
de crescimento, capazes de gerar estímulos sobre os demais
setores da economia. Estes setores, chamados pelo autor de
“líderes”, “devem ser tais que sua expansão e sua transforma-
ção técnica induzam, para o aumento de sua capacidade, uma
cadeia de necessidades [...] e o potencial de novas funções de
produção em outros setores, ao que a sociedade deve respon-
der progressiva e eficazmente” (ROSTOW, 2010, p. 205 et seq.).
Em síntese:
144
em última análise, para criar novos setores líderes
quando começa a diminuir o impulso inicial dos setores
líderes na decolagem.
145
não encontrando nenhuma aplicação digna para suas energias,
talentos, e o instinto para atingir a imortalidade?”.
Tomando por referência a última questão, a resposta de
Rostow é não, por enquanto. Antes que os “habitantes de paí-
ses bem governados e bem administrados” sejam acometidos
pelo tédio, os países desenvolvidos deveriam se empenhar na
resolução de dois problemas diferentes: o primeiro, relaciona-
do à “existência de armas modernas de destruição em massa
que, se não forem domadas e controladas, poderão solucionar
este e todos os outros problemas da raça humana, de uma vez
por todas”, e o segundo, relacionado ao “fato de que toda a me-
tade austral do globo, mais a China, está envolvida ativamente
na etapa das precondições para o arranco ou no arranco pro-
priamente dito”. Assim,
21
Mesmo não havendo uma referência explícita ao trabalho de Smith, o ca-
ráter marcadamente etapista da teoria de Rostow também pode ser visto
146
uma versão radicalizada do ideal de desenvolvimento compar-
tilhado por grande parte das teorias do pós-guerra.
Como veremos no Capítulo 7, a possibilidade de realiza-
ção desse ideal de sociedade e consequente expansão do pa-
drão de consumo norte-americano para as demais regiões do
globo foram questionadas no próprio âmbito das teorias do
desenvolvimento (que, particularmente preocupadas com a
evidente degradação ambiental decorrente desse modelo de
desenvolvimento, passaram a dar tratamento mais sistemático
a questões de cunho ecológico). Mas, antes de falar sobre o
surgimento dessa e de outras novas perspectivas, encerramos
o capítulo com algumas conclusões que podem ser extraídas
da análise das teorias clássicas do desenvolvimento.
como uma herança dos autores clássicos. Em A riqueza das nações, por
exemplo, tratando das despesas com a defesa nacional, Smith (1996, p. 173)
apresenta e compara a sociedade de caçadores, de pastores, de agricultores
e, finalmente, a sociedade comercial. Para mais informações sobre o tema,
conferir ainda Brewer (2008).
147
produzido. Como só mercadoria tem valor, esta noção de de-
senvolvimento pressupõe que o produto tenha forma mercan-
til, ou seja, pressupõe a mercadoria como forma elementar da
riqueza.
Mais do que isso, como destacado no Apêndice do Capítulo
2, a generalização da forma-mercadoria e, consequentemente,
da articulação de unidades produtivas por meio da troca co-
loca a necessidade da produção de riqueza material e valor
em escala crescente. As teorias do desenvolvimento, portanto,
terminam por projetar sobre toda a história e sociedades as
formas de riqueza e trabalho que são historicamente específi-
cas do capitalismo, dando inteligibilidade científica ao impulso
ao aumento da riqueza (uma das determinações mais impor-
tantes da dinâmica capitalista).
Em segundo lugar, observamos que essas teorias comparti-
lham um mesmo ideal de desenvolvimento (isto é, de crescimen-
to do produto, associado ao aumento da capacidade de consu-
mo e do bem-estar da população), profundamente influenciado
pelo período de prosperidade e expansão posterior à Segunda
Guerra Mundial, também conhecido como “Era de Ouro do ca-
pitalismo”. Como discutido na primeira seção do Capítulo 3, as
particularidades deste período (associadas a reorientações de
cunho político-ideológico e no âmbito da estrutura produtiva,
posteriormente conhecidas como fordista-keynesianas) permiti-
ram aos países capitalistas desenvolvidos manter índices eleva-
dos de crescimento do produto, da produtividade, do emprego,
dos salários etc., garantindo melhorias nas condições de vida
da população, em geral. Não é estranho, portanto, que, diante
desse contexto, tenha se disseminado entre a opinião pública,
em geral, e entre os cientistas, em particular, a crença na pos-
sibilidade de levar as condições privilegiadas das nações mais
ricas para as nações mais pobres (e que a própria condição de
pobreza tenha sido associada não ao capitalismo em si, mas a
um momento ainda não desenvolvido desse sistema).
Por fim, também não causa estranheza que o anúncio das
práticas “corretas” necessárias à realização de tal projeto fosse
plenamente compatível com o (e, por vezes, uma cópia fiel do)
148
padrão de intervenção e planejamento adotado pelos países
“bem-sucedidos”. Por mais difícil que a tarefa tenha parecido
a alguns, a convicção de que seria possível levar o conjunto
de práticas “corretas” (juntamente com os recursos, em alguns
casos) para os países subdesenvolvidos pode ainda ser explica-
da, em parte, pelo evidente sucesso do Plano Marshall no que
tange à reconstrução da Europa ocidental arrasada pelas guer-
ras.22 Ainda que o esforço de reconstrução fosse evidentemente
reconhecido como uma situação particular, acreditava-se que
os países subdesenvolvidos poderiam, ao menos, aproveitar o
aparato institucional disponível e, combinando ajuda externa e
planejamento, obter o almejado crescimento da riqueza – assim
como se fez, em muitos casos. Esta tarefa mostrava-se ainda
mais urgente por causa da “ameaça” (suposta ou concreta, pou-
co importa) de avanço do “bloco comunista” sobre os países
que seriam objeto das políticas de desenvolvimento.
Como, de fato, a disparidade entre os níveis de desenvolvi-
mento (tal como definido anteriormente) das nações capitalistas
tem o potencial de provocar contraditórios e não raramente per-
niciosos efeitos econômicos e políticos – tais como crises eco-
nômicas internacionais, acirramento da competição, guerras,
ocupação colonialista – , seria surpreendente se a consciência
científica permanecesse alheia aos problemas trazidos por tal
disparidade. Num mundo em que há países considerados pobres
e outros considerados ricos, a ciência não pode se furtar a dis-
cutir por que uns são pobres e outros, ricos, nem deixar de lado
a pergunta a respeito da melhor maneira de fazer dos pobres,
ricos. E como visto ao longo do capítulo, a resposta oferecida pe-
las teorias em análise – exatamente como a resposta das teorias
apresentadas no capítulo anterior e no que se segue – foi basica-
mente a seguinte: a recriação nos países pobres das estruturas
das sociedades afluentes, seja lá como elas forem concebidas.
22
Sem falar no verdadeiro espanto provocado pela acelerada modernização
da Rússia e dos demais países que compuseram a União Soviética.
149
Capítulo 6
Teorias clássicas do desenvolvimento (II):
em defesa da industrialização na América Latina
1
Que no mesmo período criou Comissões Econômicas para a Europa, Ásia,
Extremo Oriente e, posteriormente, para a África.
2
Para mais informações sobre os propósitos e atividades realizados pela Ce-
pal, conferir o sítio da instituição (www.eclac.org).
3
A seção introdutória do documento, escrita por Raúl Prebisch (2000), que
ganhou circulação independente sob o título O desenvolvimento econômico
da América Latina e alguns de seus problemas principais, tornou-se uma re-
ferência do pensamento cepalino do período e também será aqui utilizada
como base para a exposição do argumento.
151
entre países desenvolvidos (exportadores de manufaturas) e
subdesenvolvidos (exportadores de produtos primários) gera-
va resultados positivos para os primeiros e negativos para os úl-
timos. Nesse sentido, tanto em virtude das diferenças na estru-
tura produtiva, quanto em função dos diferentes papéis desem-
penhados na divisão internacional do trabalho, a Cepal passou a
chamar esses países de centrais e periféricos, respectivamente.
Apesar das inegáveis peculiaridades da teoria cepalina,
destrinçadas adiante, é possível também identificar algumas
semelhanças entre o entendimento veiculado pela institui-
ção e aquele encontrado nas demais teorias do desenvolvi-
mento produzidas no imediato pós-guerra. Em primeiro lu-
gar, observamos que a noção de desenvolvimento compar-
tilhada (embora nem sempre explicitada) por essas teorias
é essencialmente a mesma: aumento da renda per capita,
na medida em que contribui para o aumento do “padrão de
vida das massas”, ou ainda, do “bem-estar mensurável da
coletividade” (PREBISCH, 2000, p. 72; p. 110). Também na
teoria cepalina veremos como, ainda que por motivos distin-
tos, a promoção do desenvolvimento deve necessariamente
passar pela industrialização (tida, nesse caso, como o único
mecanismo através do qual seria possível alterar a estrutura
da divisão internacional do trabalho, responsável pela per-
petuação do estado de subdesenvolvimento).
Voltado exclusivamente à apreciação crítica da teoria do
desenvolvimento formulada pela Cepal no período pré-1970, o
presente capítulo encontra-se dividido em três seções. A seção
a seguir busca esclarecer como o subdesenvolvimento é carac-
terizado a partir do “sistema centro-periferia” e da tendência
à “deterioração dos termos de troca”. Na segunda, trataremos
do papel desempenhado pela industrialização na estratégia de
superação do subdesenvolvimento proposta pela Cepal. Na
terceira e última seção, resgatamos alguns pontos indispensá-
veis à compreensão do argumento aqui defendido, chamando
a atenção, mais uma vez, para o vínculo existente entre as teo-
rias do desenvolvimento, o modo de produção capitalista em
geral e o contexto histórico em particular.
152
Seção 6.1 O “sistema centro-periferia”
e a deterioração dos termos de troca
4
Segundo Bielschowsky (2000, p. 21), este método de análise tornar-se-ia uma
das marcas distintivas do pensamento da Cepal. Uma descrição minucio-
sa do estruturalismo latino-americano pode ser vista ainda em Rodríguez
(1981; 2009).
5
Como consta no documento de 1949, a formação dos grandes centros indus-
triais teria sido resultado de um movimento que se iniciou “na Grã-Bretanha,
prosseguiu com graus variáveis de intensidade no continente europeu, ad-
quiriu um impulso extraordinário nos Estados Unidos e finalmente abrangeu
o Japão, quando este país se empenhou em assimilar rapidamente os modos
de produção ocidentais” (CEPAL, 2000a, p. 139). Uma análise similar sobre
o marco histórico do processo desenvolvimento-subdesenvolvimento também
pode ser vista em Sunkel (1973).
153
progresso técnico só se dá em setores exíguos de sua imen-
sa população, pois, em geral, penetra unicamente onde se faz
necessário para produzir alimentos e matérias-primas a custo
baixo, com destino aos grandes centros industrializados”.
Tanto em função da posição relativamente privilegiada
de que partem os países centrais, quanto em função do me-
canismo de difusão do progresso técnico no interior dos paí-
ses, consolidam-se estruturas produtivas bastante diferentes
nos países centrais e periféricos: diversificadas e homogêneas
nos primeiros e especializadas e heterogêneas nos últimos.6
Associado a isso, assiste-se também à consolidação de uma
estrutura de divisão internacional do trabalho dentro da qual
caberia “à América Latina, como parte da periferia do sistema
econômico mundial, o papel específico de produzir alimen-
tos e matérias-primas para os grandes centros industriais”
(PREBISCH, 2000, p. 71).
De acordo com a interpretação dominante, compartilhada
por grande parte das teorias do desenvolvimento e amparada,
ainda que nem sempre de modo explícito, na teoria ricardiana
das vantagens comparativas, essa especialização seria benéfi-
ca para todas as partes envolvidas. Isso porque, se cada país
se especializasse naquela atividade em que possui vantagens
relativas, o comércio internacional terminaria por distribuir os
frutos do progresso técnico pelos diferentes países, de manei-
ra equitativa, através da queda dos preços (e correspondente
aumento do poder de compra), promovendo uma convergên-
cia da riqueza das nações.
6
Apenas para enfatizar, a estrutura produtiva periférica era entendida como
especializada porque se amparava, quase que exclusivamente, no setor li-
gado aos produtos de exportação, “com baixo grau de diversificação e com
complementaridade intersetorial e integração vertical extremamente redu-
zidas” (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 32). Uma vez que apenas aquele setor (e
alguns poucos a ele associados) conseguia absorver tecnologias modernas,
configurava-se igualmente uma fratura da estrutura produtiva, marcada pela
coexistência de setores modernos e atrasados, conformando a chamada he-
terogeneidade estrutural. Como observam Bielschowsky (2000) e Rodríguez
(1981, p. 50), no entanto, ainda que se aplique à formulação cepalina dos
anos 1950, o conceito de “heterogeneidade estrutural” só seria utilizado
pela primeira vez por Aníbal Pinto, na década de 1960.
154
Assim, se as variações nos preços efetivamente acompa-
nhassem as variações de produtividade, um aumento de pro-
dutividade mais intenso nas indústrias dos países centrais do
que nos setores primários periféricos deveria vir acompanha-
do de uma queda nos preços dos produtos manufaturados
superior à queda nos preços dos produtos primários. Nesse
caso, “a relação de preços entre ambos teria melhorado persis-
tentemente em favor dos países da periferia, à medida que se
desenvolvesse a disparidade das produtividades” (PREBISCH,
2000, p. 80 e 81 et seq.), indicando que, com a mesma quanti-
dade de produtos primários, seria possível adquirir uma quan-
tidade maior de produtos manufaturados. Não haveria, portan-
to, qualquer incentivo à industrialização na América Latina:
“antes, haveria uma perda efetiva, enquanto não se alcançasse
uma eficiência produtiva igual à dos países industrializados”.
No entanto, não era esse o comportamento revelado pelos
dados sobre a relação entre os preços dos produtos primários
e os dos artigos finais da indústria, divulgados em um dos re-
latórios publicados pela ONU, também em 1949, extensamen-
te utilizados pela Cepal. Ao contrário da variação de preços
em favor da periferia, os dados mostraram que, entre o final
do século XIX e meados do século XX, houve uma variação de
preços em benefício dos países centrais – fenômeno também
conhecido como deterioração dos termos de troca.7 Assim, além
de não receber parte do fruto da maior produtividade dos pa-
íses centrais, os países periféricos não teriam sido capazes de
“reter para si todo o benefício do seu próprio progresso técni-
co, por terem tido que ceder uma parte dele aos produtores
industriais” (CEPAL, 2000a, p. 143 e 144). De acordo com argu-
mento defendido pela instituição, portanto, o que se observa
ao longo do tempo é uma transferência dos ganhos de produti-
vidade das regiões periféricas para as regiões centrais, promo-
vendo disparidades crescentes, em vez da homogeneização da
riqueza mundial.
7
Uma ideia muito similar foi apresentada de modo independente, também em
1949, por Hans Singer no artigo The distribution of gains between investing
and borrowing countries.
155
Apesar da tendência geral à deterioração dos termos de tro-
ca, também era possível perceber que o movimento de cessão
dos benefícios do progresso técnico não seguia um padrão uni-
forme, mudando de direção e intensidade, em função de diver-
sos fatores explorados pela Cepal ao longo do relatório. Para
compreender esse ponto, no entanto, é preciso ter em mente
as já mencionadas diferenças das estruturas produtivas cen-
trais e periféricas, os diferentes papéis desempenhados por
essas economias na divisão internacional do trabalho e, a par-
tir disso, observar a forma como cada uma delas se comporta
diante das flutuações cíclicas.
Como visto anteriormente, os países centrais seriam aque-
les dotados de estruturas produtivas diversificadas e homogê-
neas, exportadores de produtos industrializados, e os países
periféricos, caracterizados pela estrutura produtiva especiali-
zada e heterogênea e pela exportação de produtos primários.
Considerando ainda que produção industrial e primária pos-
sui efeitos dinâmicos bastante distintos – ou seja, que o au-
mento da atividade industrial é capaz de fomentar a atividade
primária, enquanto o inverso não se verifica (argumento que
também será utilizado na defesa da industrialização), as fases
ascendentes do ciclo, de aquecimento das atividades econômi-
cas no centro terminariam por aumentar a demanda por pro-
dutos primários (alimentos e matérias-primas). Durante essa
fase, portanto, o crescimento da demanda em relação à oferta
geraria uma pressão “altista” sobre preços, lucros e salários,
tanto no centro, quanto na periferia. Quando, nesse processo,
o aumento dos preços dos produtos primários superasse o au-
mento dos preços dos produtos finais (tendência que, de acor-
do com a Cepal, poderia ser efetivamente observada nas fases
cíclicas ascendentes), teríamos uma transferência de lucros do
centro para a periferia (PREBISCH, 2000, p. 86 et seq.).
Ainda segundo esse argumento, os desajustes nos termos
de intercâmbio aconteceriam no momento de reversão do
ciclo. Isso porque, se os “preços primários sobem com mais
rapidez do que os finais na fase ascendente, [...] também des-
cem mais do que estes na fase descendente, de tal forma que
156
os preços finais vão se distanciando progressivamente dos
primários através dos ciclos”. Tal fenômeno seria, em termos
gerais, um reflexo da rigidez em relação à baixa dos preços dos
produtos industrializados nas fases descendentes dos ciclos,
determinada, fundamentalmente, pela resistência à queda dos
salários. Essa resistência à queda dos salários, por sua vez,
seria resultado do maior poder de organização da classe traba-
lhadora nos países centrais, capaz não só de conseguir ganhos
salariais significativos nas fases ascendentes, mas também de
impedir a queda do seu padrão de vida nas fases descendentes.
Na periferia, ao contrário, “a desorganização característi-
ca das massas trabalhadoras na produção primária, especial-
mente na agricultura [...], impede-as de conseguirem aumentos
salariais comparáveis com os que vigoram nos países indus-
trializados, ou de mantê-los com amplitude similar”. Assim,
considerando a menor resistência à contração de renda (sejam
lucros ou salários) nos países periféricos e o fato de ser a pró-
pria demanda por produtos primários dependente da deman-
da por produtos industrializados, os países centrais acabariam
encontrando maior facilidade para “deslocar a pressão cíclica
para a periferia, obrigando-a a contrair sua renda mais acen-
tuadamente do que nos centros”. Em suma:
157
desigualdade. Como esperamos mostrar na próxima seção, no
entanto, essa não seria, para a Cepal, uma situação de todo
irremediável: a superação do subdesenvolvimento e da condi-
ção periférica poderia, a despeito de todas as dificuldades, ser
alcançada por meio da industrialização.
158
do desenvolvimento na América Latina, tornavam-se cada vez
mais evidentes as dificuldades envolvidas nesse processo.
Sobre os primeiros passos no caminho da industrialização
trilhados pelos países latino-americanos, é preciso chamar a
atenção, em primeiro lugar, para o fato de terem sido impulsio-
nados, grosso modo, pelas restrições ao comércio internacional
impostas pelas duas Grandes Guerras e pela Grande Depressão
dos anos 1930. Diante desses eventos, portanto, países até en-
tão marcados por uma dinâmica de desenvolvimento voltada
para fora, isto é, estimulada predominantemente pelo cresci-
mento das exportações, foram impelidos a adotar um novo
padrão de desenvolvimento voltado para dentro, ou seja, mar-
cado pela ampliação e diversificação da atividade industrial e
pelo fortalecimento do mercado interno. Essa primeira etapa
de industrialização espontânea, resultado da reação das eco-
nomias periféricas aos sucessivos desequilíbrios no balanço
de pagamentos, também ficaria conhecida como industrializa-
ção via substituição de importações (expressão presente já nos
primeiros documentos produzidos pela Cepal, mas consagra-
da a partir da publicação do trabalho de Maria da Conceição
Tavares (1973), no início dos anos 1960).
Em segundo lugar, a industrialização via substituição de im-
portações não deve ser confundida com um ataque à produção
primária, com a busca da autossuficiência ou repúdio ao co-
mércio internacional. Ao contrário, na medida em que o cres-
cimento da produção primária voltada para a exportação era
responsável pelo fornecimento de parte dos recursos neces-
sários ao crescimento da indústria, em um contexto de escas-
sez de divisas internacionais, o aperfeiçoamento desse setor
deveria ser visto, nos termos de Prebisch (1983, p. 73), como
“uma das condições essenciais para que o desenvolvimento da
indústria [pudesse] ir cumprindo o objetivo social de elevar
o padrão de vida.” Apenas para reforçar o entendimento da
perspectiva acima apresentada: “a solução não está em cres-
cer à custa do comércio exterior, mas em saber extrair, de um
comércio exterior cada vez maior, os elementos propulsores
do desenvolvimento”.
159
Na formulação proposta por Tavares (1973, p. 34 e 35), a
mesma questão poderia ser colocada nos seguintes termos:
ainda que o processo de industrialização tenha sido respon-
sável por um deslocamento do eixo dinâmico da economia –
da variável exógena “exportação”, para a variável endógena
“investimento” –, setor exportador e comércio internacional
continuariam a desempenhar um papel relevante, contribuin-
do para a diversificação da estrutura produtiva através das
importações. No entanto, de acordo com Tavares (1973), seria
preciso ainda chamar a atenção para o caráter parcial e fecha-
do das transformações operadas nos países periféricos duran-
te esse período: parcial, pois a sobrevivência de uma “base
exportadora precária e sem dinamismo” foi responsável, em
grande medida, pela manutenção do estrangulamento exter-
no; e fechado, pois as mudanças na divisão social do trabalho
não foram em absoluto acompanhadas por simultânea trans-
formação na divisão internacional do trabalho. Nos termos da
autora, o processo de substituição de importações deve ser
entendido, portanto, “como um processo de desenvolvimento
‘parcial’ e ‘fechado’ que, respondendo às restrições do comér-
cio exterior, procurou repetir aceleradamente, em condições
históricas distintas, a experiência de industrialização dos pa-
íses desenvolvidos”.
Sobre esse último ponto, é importante ressaltar que o re-
conhecimento dos contrastes e disparidades entre o proces-
so tardio de industrialização na América Latina e aquele ex-
perimentado pelos países hoje centrais, quando consolidaram
suas indústrias no final do século XIX, desempenhou um papel
central na definição da estratégia de industrialização e serviu,
em conjunto com outros motivos, como amparo para a defesa
da intervenção do Estado na economia proposta pela Cepal.
Apenas para oferecer um panorama geral, os principais
contrastes e disparidades poderiam ser agrupados em torno
de um problema fundamental: a dificuldade de incorporação
das técnicas modernas de produção pelos países latino-ame-
ricanos. Entre as dificuldades mais ressaltadas nos documen-
tos produzidos pela instituição, destaca-se, em primeiro lugar,
160
aquela relacionada à escassez de poupança.8 Isso porque, en-
quanto no período inicial do processo de industrialização dos
países centrais a pouca disponibilidade de recursos (deter-
minada pela baixa renda per capita) mostrava-se compatível
com a quantidade (também baixa) de capital exigida para o
emprego das técnicas existentes, a incorporação das técnicas
modernas pelos países da América Latina, à medida que exigia
uma quantidade considerável de recursos, tropeçava constan-
temente na escassez de poupança (decorrente do baixo nível
de renda per capita) (CEPAL, 2000a, p. 163).
Além disso, no caso dos países periféricos, a produção em
grande escala também esbarraria em limites impostos pelo lado
da demanda. Isso porque, enquanto nos países centrais “a renda
originalmente exígua coincidiu com formas de produção de es-
cala proporcionalmente reduzida” – havendo tempo para que o
aumento da renda acompanhasse o aumento de produtividade
e garantisse a absorção do aumento de produção –, nos países
que incorporam tardiamente as técnicas industriais modernas,
“a demanda é baixa porque a produtividade é pequena, e esta
o é porque a demanda exígua se opõe, por sua vez, juntamente
com outros fatores à utilização de elementos de técnica mais
avançada” (CEPAL, 2000a, p. 164).9 Sobre o lado da demanda,
poderia ser mencionado ainda o conhecido “efeito demonstra-
ção”, que produz na população periférica o desejo de manter
um padrão de consumo equivalente ao padrão de consumo dos
países centrais e gera impactos negativos sobre a poupança e o
balanço de pagamentos.
8
Não poderia deixar de notar com certa estranheza o fato de a Cepal ter in-
corporado em sua formulação, nesse ponto particular, um dos axiomas fun-
damentais de toda teoria ortodoxa: a ideia de que o investimento tem por
pressuposto a poupança. Vale ressaltar, inclusive, que este talvez tenha sido
um dos pontos centrais da crítica dirigida por Tavares e Serra (1973, p. 159)
a Celso Furtado, evidenciada quando afirmam que “Furtado parece ter ves-
tido a ‘camisa de força’ de um modelo neoclássico de equilíbrio geral – ele-
gante, mas ineficaz para explicar a dinâmica de uma economia capitalista”.
9
Essa é uma tese muito difundida a partir do trabalho clássico de Alexander
Gerschenkron (1962) sobre o perfil diferenciado dos países de industrializa-
ção retardatária. No caso da industrialização brasileira, um estudo clássico
sobre a especificidade que explica e provoca o “atraso” no processo de in-
dustrialização é aquele oferecido por João Manuel Cardoso de Mello (1982).
161
Por fim, a incorporação de técnicas modernas também es-
barraria, no caso dos países periféricos, no excesso de popula-
ção. Como se sabe, o progresso técnico implica normalmente
a substituição de técnicas mais intensivas em mão de obra por
técnicas mais intensivas em capital (e poupadoras de mão de
obra), tanto nos países centrais, quanto nos países periféricos.
Nos países centrais, no entanto, o florescimento das indústrias
de bens de capital acabaria servindo como “poderoso elemen-
to de absorção da mão-de-obra desempregada”. Como nos pa-
íses periféricos geralmente o setor de bens de capital é inci-
piente (ou inexistente), não apenas o mecanismo de absorção
de mão de obra deixaria de funcionar, mas também a demanda
por bens de capital “passa a provocar efeitos na economia dos
centros industrializados, onde esses bens de capital são pro-
duzidos”. Além disso, considerando o nível baixo de salários
encontrado nos países periféricos, nem sempre a introdução
de novas tecnologias se mostraria economicamente interes-
sante (CEPAL, 2000a, p. 167 e 168).
Nesse sentido, ainda que a Cepal (2000a, p. 164) tenha re-
conhecido as vantagens de “encontrar nos grandes centros
uma técnica que custou a estes muito tempo e sacrifício”, as
inúmeras “desvantagens inerentes ao fato de acompanharem
tardiamente a evolução dos acontecimentos” tornavam a atu-
ação deliberada do Estado na promoção do desenvolvimento
ainda mais importante no caso dos países periféricos. Além de
produzir a já mencionada deterioração dos termos de troca
(responsável pela manutenção da condição periférica), no pla-
no internacional, o livre jogo das forças de mercado também
não seria capaz de corrigir os problemas acima enunciados.
Nos termos de Prebisch (1983, p. 1083),
as mudanças estruturais inerentes à industrialização re-
querem racionalidade e visão de uma política governa-
mental e investimento em infraestrutura para acelerar
o crescimento econômico, obter uma relação adequada
entre a indústria e a agricultura e outras atividades, e
reduzir a vulnerabilidade externa. Portanto, [há] fortes
razões em favor do planejamento.
162
Seção 6.3 Considerações finais
163
Considerando, no entanto, que a Cepal articulava uma ima-
gem de futuro que tinha também como contraponto o ideal
construído em torno do “socialismo realmente existente”, não
fica difícil concluir que se trata de mais uma instância de uma
visão de mundo conservadora. Enquadrando essas ideias no
contexto mais amplo do mundo bipolarizado do pós-guerra,
não fica difícil perceber o papel desempenhado por parte das
comissões regionais (criadas todas naquele mesmo período)
na “domesticação ideológica” do Terceiro Mundo (MARINI,
1992, p. 73 e 74). Como já havíamos indicado, o objetivo da
Cepal e das demais comissões era estudar os problemas es-
pecíficos de cada uma das regiões e propor políticas para a
promoção do desenvolvimento capitalista, respondendo, com
isso, às inquietações provocadas pela emergência de inúmeros
novos Estados nacionais e à percepção das enormes desigual-
dades de renda no plano internacional.
Portanto, o fato de se constituir como crítica do ideário li-
beral-conservador não deve levar à conclusão de que as ideias
cepalinas conformam uma crítica da sociedade capitalista en-
quanto tal. Como já ressaltado, a crítica científica pode assu-
mir diversas feições e se expressar em diversos planos – sen-
do possível até mesmo afirmar que todas as teorias, inclusive
as mais conservadoras, constroem-se como críticas (seja do
senso comum formado sobre um determinado objeto, seja de
interpretações científicas concorrentes). No entanto, quando
nos referimos a alguma perspectiva autenticamente “crítica”
neste estudo, tomamos por referência teorias que dirigem suas
colocações explicitamente não apenas contra outras ideias,
mas também contra as formas de existência objetiva que as
reclamam como ideias correntes, necessárias.10
Se a teoria cepalina atende ao primeiro critério, pois recusa
as concepções econômicas ortodoxas e procura demonstrar sua
falsidade, não se pode afirmar que atende ao segundo, porque
10
O melhor exemplo de crítica científica autêntica, tomada como referência
no presente estudo, é certamente aquela dirigida por Marx à ciência econô-
mica, que aparece em diversos dos seus trabalhos, mas ganha forma mais
bem-acabada em O capital. Uma explicação sintética do caráter peculiar da
crítica de Marx pode ser encontrada em Duayer (2001).
164
jamais se pergunta se as concepções ortodoxas são ou foram
concepções necessárias à reprodução do capitalismo num pe-
ríodo determinado. Não é por outra razão que os autores ins-
pirados nas ideias cepalinas tomam as teorias ortodoxas como
produção científica de menor valor, mesmo quando a ortodoxia
demonstra-se de fato ortodoxa, isto é, hegemônica.
Para quem observa os dois conjuntos teóricos desde uma
perspectiva externa, entretanto, suas divergências no plano te-
órico, e mesmo no plano político-ideológico, podem ser toma-
das como a expressão de condições concretas da reprodução
sistêmica, que se alteram ao longo do tempo. Por isso, podem
ser minimizadas, ainda que não negligenciadas, na compreen-
são do processo de desenvolvimento das próprias ideias. Essa
é justamente a perspectiva assumida neste estudo, razão pela
qual julgamos pertinente dirigir à Cepal e ao seu antagonista
direto (a explicação convencional do desenvolvimento) uma
única e mesma crítica.
165
Capítulo 7
As tendências do debate sobre desenvolvimento
no pós-1970
1
Além da saída de Prebisch, em 1963, a inflexão ocorrida no âmbito da Cepal
se faz sentir, especialmente, nos trabalhos de Anibal Pinto (Chile, um caso
Por outro lado, observa-se o surgimento de toda uma nova
literatura decidida a provar que o fracasso na promoção do
desenvolvimento não deriva da impossibilidade de realização
do projeto em si, mas das estratégias adotadas para promovê-
-lo (especialmente aquelas focadas na industrialização com
intervenção do Estado na economia). Na verdade, esse expe-
diente crítico pode ser visto como reflexo de uma mudança
mais ampla no plano político-ideológico, marcada pelo enfra-
quecimento do keynesianismo e ressurgimento da ideologia
liberal (renovada sob a roupagem do neoliberalismo). Nesse
sentido, além da tentativa de demonstrar os equívocos das
estratégias de desenvolvimento baseadas na intervenção e no
planejamento, as principais contribuições nesse campo enten-
dem que a resolução de problemas característicos dos países
subdesenvolvidos depende, fundamentalmente, da ampliação
da liberdade de mercado.
Finalmente, esse contexto também é marcado pelo surgi-
mento de teorias que acreditam que o problema do desenvol-
vimento não está no seu caráter “mitológico” ou nos equívocos
estratégicos, mas na própria definição de desenvolvimento.
Assim, embora diversos autores continuem a tratar o desenvol-
vimento econômico como sinônimo de crescimento do produ-
to – como pode ser visto, por exemplo, nos novos modelos de
168
crescimento que utilizam aparatos matemáticos e estatísticos
cada vez mais sofisticados –, ganha força durante esse período
a perspectiva segundo a qual o desenvolvimento não pode ser
entendido como sinônimo de crescimento do produto.
Uma reorientação bastante significativa no debate sobre
desenvolvimento, portanto, está relacionada à alteração mais
profunda na noção de desenvolvimento. Com a constatação
de que o processo de intensa industrialização do período an-
terior, além de produzir evidentes danos ambientais, não foi
capaz de conduzir a uma situação considerada suficientemen-
te igualitária e promover a desejada convergência da riqueza
das nações, novas dimensões foram sendo progressivamente
incorporadas à ideia de desenvolvimento, que se torna mais
“fragmentada”: não bastaria mais falar naquele “desenvolvi-
mento econômico” medido somente em termos da produção
nacional (preferencialmente a produção per capita, incapaz de
revelar as desigualdades distributivas) e que teria como meta
diminuir as disparidades de renda entre as nações, mas de um
desenvolvimento que é sustentável em sentido amplo, ou seja,
baseado em uma sustentabilidade física (ecológica), econômi-
ca (de durabilidade ao longo do tempo) e social (inclusiva).
Além da incorporação das novas temáticas (especialmente
da equidade e da sustentabilidade) no debate sobre desenvol-
vimento, é possível perceber também que a derrocada do “so-
cialismo” real fez praticamente desaparecerem as discussões
sobre o caráter histórico do capitalismo e as possibilidades de
pensar o desenvolvimento para além dos marcos desse modo
de produção. O resultado é que, nas formulações mais recen-
tes, o grau de confiança no poder dos mercados e do Estado
passa a ser o alvo exclusivo das disputas. Ou seja, enquanto as
teorias dominantes sustentam a precedência do irrestrito fun-
cionamento do mercado sobre o dirigismo estatal (sem ignorar
a eventual necessidade do Estado, especialmente na garantia
do bom funcionamento dos mercados), as teorias heterodoxas
defendem uma participação mais ativa do Estado (sem negar,
no entanto, a importância do mercado forte). O debate, enfim,
gira em torno do grau de intervenção do Estado necessário
169
para objetivar a sociedade projetada pelas diferentes teorias
do desenvolvimento.
Na tentativa de oferecer um panorama geral da forma como
o desenvolvimento é tratado a partir da década de 1970, o pre-
sente capítulo divide-se em duas seções. Na primeira, serão
apresentadas algumas das principais temáticas incorporadas
ao debate sobre desenvolvimento, com especial ênfase na
contribuição de Amartya Sen para a redefinição do conceito.
Na segunda, trataremos das tentativas de redefinição das es-
tratégias de desenvolvimento centradas no debate Estado x
Mercado. Para tanto, começamos com a ofensiva neoliberal sis-
tematizada na agenda do Consenso de Washington, seguida de
perspectivas mais “conciliadoras”, como aquelas contidas na
agenda do Pós-Consenso e da Nova Cepal, por exemplo. Feito
isso, utilizamos a contribuição de Ha-Joon Chang como ilustra-
ção de um movimento mais recente de surgimento de perspec-
tivas que, partindo de uma crítica às “boas políticas” prescritas
pelo Consenso de Washington, resgatam as teorias “clássicas”
do desenvolvimento e, junto com elas, a velha noção de desen-
volvimento (associada ao planejamento e industrialização).
170
nas condições de vida da população, por vezes explicitamente
mencionada como o objetivo último do desenvolvimento. No
entanto, considerando as experiências “bem-sucedidas” dos
chamados países desenvolvidos e a disseminação da crença
segundo a qual o aumento na qualidade de vida seria um resul-
tado quase inexorável do crescimento do produto, a renda per
capita serviu durante aqueles anos como o principal critério
de mensuração e avaliação dos diferentes graus de desenvol-
vimento das nações.
Diante dos resultados pouco animadores decorrentes da
implementação de estratégias de superação do subdesenvol-
vimento, das inúmeras denúncias sobre a devastação do meio
ambiente resultante do processo de industrialização e da cons-
tatação de que esse processo não havia se traduzido em uma
distribuição mais equitativa da renda, assiste-se à proliferação
de questionamentos sobre o caráter positivo do processo de
desenvolvimento, tal como concebido até então. Assim, espe-
cialmente durante as décadas de 1980 e 1990, entram subita-
mente em cena novas formulações argumentando que o de-
senvolvimento deve envolver a realização de objetivos mais
amplos, como, por exemplo, equidade, sustentabilidade, me-
lhoria no acesso a bens como saúde, educação etc. Estas for-
mulações não chegam a negar a importância do crescimento
econômico para o desenvolvimento, mas tratam o primeiro
como apenas um aspecto do último (ou ainda, como condição
necessária, mas não suficiente).
Uma das tentativas mais emblemáticas de redefinir a noção
de desenvolvimento, utilizada aqui para ilustrar essa impor-
tante tendência do debate no período pós-1970, talvez tenha
sido aquela promovida por Amartya Sen, laureado Nobel de
Economia em 1998. Isso porque, além da significativa produção
teórica voltada à exposição do seu enfoque das capacidades e
à defesa do desenvolvimento como liberdade (cujos contornos
pretendemos delinear adiante), Sen atuou como colaborador
direto do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), sendo um dos responsáveis pela elaboração do índice
de desenvolvimento humano (IDH).
171
Construído com base na convicção de que desenvolvimen-
to deve ir além do simples aumento da renda per capita, o ín-
dice foi apresentado no primeiro Relatório de Desenvolvimento
Humano (RDH) em 1990, cuja mensagem central representa
fielmente a mudança de perspectiva característica do período:
“enquanto o crescimento da produção nacional (PIB) é absolu-
tamente necessário para alcançar todos os objetivos humanos
essenciais, o importante é estudar como esse crescimento se
traduz – ou falha em se traduzir – em desenvolvimento huma-
no em várias sociedades” (PNUD, 1990, iii). Nesse sentido, na
tentativa de oferecer uma forma de mensuração do desenvolvi-
mento que não se restrinja apenas ao rendimento nacional per
capita, mas que também incorpore elementos relacionados às
condições de vida da população, o IDH conjuga indicadores de
renda, esperança de vida e nível de escolaridade, cujos dados
se encontram disponíveis para a maioria dos países.
Como explicitamente reconhecido pelos formuladores do
IDH já no momento de sua criação, e reafirmado no balanço
realizado no vigésimo RDH, publicado em 2010, a simplicidade
do novo indicador poderia ser vista, ao mesmo tempo, como
uma virtude e um defeito. Por um lado, a simplicidade do IDH
poderia ser encarada como um “ponto forte”, pois permitiria
que o indicador fosse utilizado como uma alternativa ao PIB
per capita e despertasse o interesse do público em geral pe-
las outras variáveis analisadas ao longo do relatório. Por ou-
tro lado, o fato de basear-se em médias nacionais tornava o
indicador insensível às assimetrias distributivas, não havendo
também uma “medida quantitativa de liberdade humana” que
pudesse ser a ele incorporada (PNUD, 2010, p. 4). Nos termos
de Sen (2010, p. 6), portanto, “os limites estreitos do IDH” não
devem ser confundidos com a “enorme amplitude da aborda-
gem do desenvolvimento humano” ou com a reorientação por
ele proposta (ainda que, carregado de méritos, o indicador sir-
va como uma boa aproximação).
Como pode ser visto, por exemplo, no artigo publicado por
Sen no início dos anos 1980 e intitulado Development: which
way now?, o autor busca, por um lado, oferecer um contraponto
172
ao ceticismo que naquele momento declarava morta e enterra-
da a discussão sobre desenvolvimento e, por outro, opor-se
àquelas perspectivas preocupadas em retomar o debate sobre
desenvolvimento exclusivamente com base em reformulações
estratégicas. Diferentemente de ambas, a formulação propos-
ta por Sen toma como ponto de partida uma reafirmação das
principais teses e estratégias defendidas pelas teorias “clássi-
cas” do desenvolvimento (exercício realizado pelo autor por
meio da análise de algumas experiências concretas), acompa-
nhada da tentativa de agregar a essas teorias novas dimensões
e responder, com isso, aos anseios de ampliação da noção de
desenvolvimento.
Nesse sentido, assim como a perspectiva defendida no RDH
reafirma a importância do crescimento econômico para o de-
senvolvimento (refletida na própria manutenção da renda per
capita como um dos elementos componentes do IDH), o pon-
to central do argumento de Sen não consiste na negação do
crescimento ou na rejeição dos meios propostos pelas teorias
“clássicas” do desenvolvimento com vistas a esse objetivo. A
“real limitação da economia do desenvolvimento tradicional”
residiria, segundo Sen (1983, p. 753 et seq.), no “reconhecimen-
to insuficiente de que o crescimento econômico não é mais que
um meio para outros objetivos”. Ou seja, “o ponto não é dizer
que o crescimento não importa. Ele pode ter grande relevân-
cia, mas, se tem, é por causa de alguns benefícios a ele associa-
dos, que se realizam no processo de crescimento econômico”.
De acordo com Sen (1983), portanto, ao contrário do foco
na “produção nacional, renda agregada ou oferta de determi-
nados produtos”, as teorias do desenvolvimento deveriam
preocupar-se com os intitulamentos [entitlements] e com as ca-
pacidades [capabilities] geradas por tais intitulamentos. Estes
devem ser entendidos como o “conjunto de diferentes paco-
tes de mercadorias que uma pessoa pode comandar em uma
sociedade, utilizando a totalidade de direitos e oportunidades
que estão diante dela”. O conceito de funcionamento, por sua
vez, expande o campo da avaliação do bem-estar para além
dos limites da reprodução material (economia), refletindo “as
173
várias coisas que uma pessoa pode considerar valioso fazer
ou ter. Os funcionamentos valorizados podem variar dos ele-
mentares, como ser adequadamente nutrido e livre de doenças
evitáveis, a atividades ou estados pessoais muito complexos,
como poder participar da vida da comunidade e ter respeito
próprio” (SEN, 2000, p. 95).
As capacidades, finalmente, são entendidas como o conjun-
to de funcionamentos disponíveis aos indivíduos dada a tota-
lidade de seus recursos, ou seja, a capacidade de uma pessoa
“consiste nas combinações alternativas de funcionamentos
cuja realização é factível para ela. Portanto, a capacidade é um
tipo de liberdade: a liberdade substantiva de realizar combina-
ções alternativas de funcionamentos (ou, menos formalmen-
te expresso, a liberdade para ter estilos de vida diversos)”. A
ideia é que, se se considerar todo o conjunto de combinações
de funcionamentos disponíveis aos indivíduos (o que Sen de-
nomina “conjunto capacitário”), pode-se formar um juízo dos
estilos de vida à sua disposição e da liberdade que alcançaram
para escolher a vida que se deseja levar (SEN, 2001, p. 80).
Em linhas gerais, portanto, a teoria do desenvolvimento
proposta por Sen defende que, ao contrário do crescimento do
produto, o processo de desenvolvimento deve envolver a am-
pliação das liberdades individuais (capacidades). Considerando
ainda a “relação funcional entre os intitulamentos das pessoas
sobre bens e suas capacidades, uma caracterização útil – ainda
que derivada – do desenvolvimento econômico é em termos da
expansão dos intitulamentos” (SEN, 1983, p. 755). Como siste-
matizado, sobretudo, no ciclo de palestras proferido no Banco
Mundial nos anos de 1996/1997 e posteriormente publicado no
livro Desenvolvimento como liberdade, a “expansão da liberda-
de é vista, por essa abordagem, como o principal fim e o prin-
cipal meio do desenvolvimento” (SEN, 2000, p. 10).
Ainda que tenham sido poucas as categorias aqui recolhidas
do trabalho de Sen, acredita-se que já são suficientes para de-
linear sua concepção de desenvolvimento e, portanto, deixar
clara a sua diferença em relação às teorias do desenvolvimento
do período anterior. Já as convergências entre a teoria seniana
174
e todas as demais (abordadas neste capítulo e nos últimos) se-
rão tratadas no momento oportuno (isto é, na conclusão deste
capítulo e na conclusão geral do livro). Seria um desperdício,
no entanto, se não fossem indicados de pronto os elementos
de seu raciocínio que expõem de modo relativamente claro a
perspectiva político-ideológica a que se filia.
Em primeiro lugar, no que diz respeito à forma como Sen
trata a relação entre as liberdades substantivas (fins) e instru-
mentais (meios), é preciso notar que, assim como os intitula-
mentos não significam apenas as rendas reais disponíveis para
os sujeitos, a expansão dos intitulamentos, entendida pelo au-
tor como um dos meios para alcançar o desenvolvimento, não
deve ser confundida com a simples melhoria na distribuição
de renda.2 Isso porque os usos que os indivíduos podem “dar
a um dado pacote de mercadorias ou, de um modo mais geral,
a um dado nível de renda” são bastante distintos e “dependem
crucialmente de várias circunstâncias contingentes, tanto pes-
soais como sociais” (SEN, 2000, p. 90).
De acordo com Sen, portanto, existiriam ao menos “cinco
fontes distintas de variação entre nossas rendas reais e as van-
tagens – o bem-estar e a liberdade – que delas obtemos”: (1)
heterogeneidades pessoais, (2) diversidades ambientais, (3)
variações no clima social, (4) diferenças de perspectivas rela-
tivas, e (5) distribuição na família. Em primeiro lugar, as “hete-
rogeneidades pessoais” seriam aquelas “características físicas
díspares relacionadas a incapacidade, doença, idade ou sexo”
que fazem com que as necessidades dos indivíduos sejam dife-
renciadas. As “diversidades ambientais” incluiriam, por exem-
plo, “circunstâncias climáticas (variações de temperatura,
níveis pluviométricos, inundações etc.)” que também “podem
influenciar o que uma pessoa obtém de determinado nível de
renda”. As “variações no clima social”, por sua vez, incluiriam
“os serviços públicos de educação” e/ou a “prevalência ou
2
Ainda que reconheça méritos nas tentativas, bastante comuns no período
pós-1970, de mudar o foco para as questões distributivas, Sen (1983, p. 760)
entende que “suplementar dados sobre o PNB per capita com informação
sobre distribuição de renda é bastante inadequado para dar conta dos re-
querimentos da análise do desenvolvimento”.
175
ausência de crime e violência na localidade específica”. No que
diz respeito às “diferenças de perspectivas relativas”, Sen afir-
ma que “as necessidades de mercadorias associadas a padrões
de comportamento estabelecidos podem variar entre comuni-
dades, dependendo de convenções e costumes”. Finalmente, a
“distribuição na família” trataria do fato de que “as rendas au-
feridas por um ou mais membros de uma família são compar-
tilhadas por todos – tanto por quem a ganha como por quem
não a ganha” (SEN, 2000, p. 90 e 91).
Considerando os propósitos do presente estudo, a análise
da forma como Sen refere-se às “características distintivas dos
seres humanos” (misturando diferenças individuais e sociais) é
particularmente importante, pois, como sugere Medeiros (2007,
p. 72 et seq.), é nesse momento que “Sen fornece os primeiros
indícios para revelar um aspecto marcante – e raramente expli-
citado – de sua abordagem: o seu caráter aistórico, restrito ao
âmbito da ordem social vigente”. Isso porque, na medida em que
“características pessoais irredutíveis (genotípicas e fenotípicas)”
e “aspectos históricos (resultantes do desenvolvimento social)”
são colocados no mesmo plano (“o das diversidades dos seres
humanos, [...] como se a diversidade entre estas diversidades
inexistisse ou fosse absolutamente irrelevante”), características
inerentemente sociais como, por exemplo, a divisão de classes
são naturalizadas “e a crítica dirigida a qualquer distinção her-
dada da história (entre escravos e libertos, por exemplo) passa
a ter o mesmo estatuto de ataques criminosos à diversidade hu-
mana (como o nazismo e o racismo)”.
No que diz respeito ao caráter instrumental da liberdade
(ou seja, ao fato de que a liberdade em uma determinada di-
mensão, digamos política, seja meio para ampliar a liberdade
em outra dimensão, digamos econômica), Sen (2000, p. 55) lis-
ta cinco tipos diferentes de liberdade que teriam esse caráter
pronunciado: (1) liberdades políticas, (2) facilidades econômi-
cas, (3) oportunidades sociais, (4) garantias de transparência
e (5) segurança protetora. Para os propósitos do presente ar-
gumento, concentremos as atenções nas “facilidades econô-
micas”, que, segundo o autor, são “as oportunidades que os
176
indivíduos têm para utilizar recursos econômicos com propó-
sitos de consumo, produção ou troca”. Trata-se, enfim, para
dizê-lo resumidamente, da “liberdade de participar irrestrita-
mente de todos os mercados” (MEDEIROS, 2007, p. 219).
Mesmo de um leitor distraído chamaria a atenção o fato de
que a liberdade de mercados seja considerada não apenas cons-
titutiva do desenvolvimento (liberdade), mas um meio poderoso
para alcançá-lo. Essa é sem dúvida uma defesa do livre merca-
do não apenas explícita, mas talvez ainda mais contundente do
que a realizada por autores de renome do pensamento liberal,
inclusive Smith, pois, embora muitos liberais tenham afirmado
que o laissez-faire é condição para alcançar o desenvolvimento
(instrumento), poucos chegaram a afirmar que ele é por si mes-
mo um atributo definidor da nação desenvolvida. Trata-se, em
suma, não apenas de uma proposição conservadora, mas, em
tempos neoliberais, de uma proposição radicalmente conserva-
dora, como o autor parece fazer questão de deixar claro na pas-
sagem seguinte:
177
Seção 7.2 O dilema “Estado x Mercado”
178
(primeiro momento), precondição para as reformas estruturais
(segundo momento) necessárias à retomada do investimento e
crescimento (terceiro momento). A estabilização seria, assim,
um dos pilares da estratégia (mas não o maior, conforme co-
mumente se afirma), e a forma de se alcançar a estabilidade e
operar a sequência das reformas dependeria das especificida-
des de cada país. No entanto, a lógica seria sempre a mesma: a
estabilidade aparece como uma precondição para as reformas
e as reformas como uma precondição para a retomada do in-
vestimento e do crescimento.
Esse projeto de desenvolvimento foi sistematizado, sobre-
tudo, na agenda do chamado Consenso de Washington – resul-
tado de um encontro realizado no fim da década de 1980 que
buscava averiguar o andamento das reformas neoliberais já em
curso na América Latina e, mesmo diante dos resultados pou-
co animadores, enfatizar a necessidade de dar prosseguimen-
to a sua implementação. Embora tenha sido construído com
vistas especificamente às circunstâncias latino-americanas, o
Consenso apresentava um conjunto de reformas que se supu-
nha necessário a quaisquer países e amplamente aceito por
todos os “economistas sérios”4 (WILLIAMSON, 1994, p. 18). As
reformas assim propostas deveriam, de modo geral, estar vol-
tadas para a abertura comercial, a desregulamentação e libera-
lização do sistema financeiro e a mudança do papel do Estado
na economia. Em suma, tratava-se de implementar reformas
“pró-mercado” que garantissem a esta instituição o papel prin-
cipal na alocação dos recursos econômicos. Por isso seria ne-
cessário garantir o saneamento das contas públicas (por meio
de corte de gastos, privatizações etc.) para criar um ambiente
favorável aos investimentos e à lucratividade do setor privado
(WILLIAMSON, 1990).
4
Diante das controvérsias suscitadas pelo caráter pretensioso da expressão
Consenso de Washington, Williamson (2004b, p. 285) observa ainda que:
“Um dos debatedores de meu trabalho, Richard Feinberg, argumentou que
ela deveria ter sido chamada ‘convergência universal’, porque (1) a mudan-
ça no pensamento econômico que ela resumia era de âmbito mundial, em
lugar de confinada a Washington; e (2) a extensão do acordo ficava muito
aquém do consenso. É claro que Feinberg estava correto em ambos os pon-
tos, mas era tarde demais para mudar o nome de marca.”
179
No que diz respeito ao debate sobre desenvolvimento, essa
proposta recebeu inúmeras (e acertadas) críticas, especialmen-
te após a avaliação do desempenho econômico dos países sub-
desenvolvidos na década de 1990 (conhecida, no caso latino-
-americano, como a “década mais que perdida”). De um lado,
parte dos críticos tentava ressaltar a necessidade de resgatar
o Estado como agente promotor do desenvolvimento, sem com
isso negar a relevância do mercado. De outro, os defensores da
agenda neoliberal tratavam de afirmar (1) a necessidade de com-
pletar as “reformas de primeira geração” (especialmente pro-
movendo a desregulamentação do mercado de trabalho), (2) a
necessidade de implementar as “reformas de segunda geração”
(voltadas especialmente para o fortalecimento das instituições)
e (3) a necessidade de combinar crescimento e equidade social.
Em linhas gerais, portanto, a agenda focada especialmente
nos pontos (2) e (3) (também conhecida na literatura econô-
mica sob o título de Pós-Consenso de Washington) não propõe
a reversão das reformas, mas uma espécie de gerenciamento
e direcionamento dos efeitos da abertura comercial e da libe-
ralização financeira externa, obtidos particularmente através
do fortalecimento das instituições, necessário à retomada do
crescimento acelerado e de melhorias na distribuição de ren-
da.5 Nas palavras de Williamson:
5
Um detalhamento das “reformas de segunda geração” constitutivas do Pós-
-Consenso pode ser visto em Williamson e Kuczynski (2004).
180
Uma postura que se pretende alternativa à proposta neoli-
beral foi defendida no âmbito da Cepal explicitamente a partir
da década de 1990. Esse período ficou conhecido por uma mu-
dança de rumos no pensamento cepalino, desde então identifi-
cado com a postura neoestruturalista, e que tem como marco a
publicação do documento Transformação produtiva com equi-
dade: a tarefa prioritária do desenvolvimento da América Latina
e do Caribe nos anos noventa. Tomando como ponto de partida
a constatação de que os anos 1980 não foram muito generosos
com as economias latino-americanas e os desafios postos para
a década de 1990,6 a perspectiva neoestruturalista busca defi-
nir uma nova estratégia de desenvolvimento para a região que
se situe no meio-termo entre os argumentos neoclássicos, em
favor dos benefícios advindos de uma economia de mercado, e
o argumento das teorias “clássicas” do desenvolvimento, par-
ticularmente da teoria “clássica” cepalina, em favor da adoção
de uma estratégia de desenvolvimento com recurso à interven-
ção do Estado na economia.
Assim, a postura adotada pela Cepal após a década de 1990
pode ser encarada como um exemplo de propostas conciliado-
ras, bastante em voga nos dias de hoje, e que se apoiam sobre
um diagnóstico de que os “novos tempos de abertura e glo-
balização” não deixam espaço para pensar o desenvolvimento
fora de uma economia de mercado.7 Não obstante, o mercado é
6
Como consta no documento: “o produto real per capita no final de 1989 não
retrocedeu ao que fora registrado dez anos antes, mas ao nível de treze anos
antes, e até mais do que isso, no caso de algumas economias. Por conse-
guinte, os países da região estão iniciando a década de 1990 com o peso
da inércia recessiva dos anos 1980, com o passivo representado por sua
dívida externa, e com a presença de uma inadequação fundamental entre es-
truturas da demanda internacional e a composição das exportações latino-
-americanas e caribenhas” (CEPAL, 2000b, p. 889).
7
Essa seria, em parte, uma das características de inúmeras intervenções
identificadas como novo-desenvolvimentistas, que têm como fundamento a
tentativa de atribuir novamente um papel mais ativo do Estado nas estraté-
gias de desenvolvimento, mas que, por outro lado, não consegue se desven-
cilhar da retórica pró-mercado. Como pode ser visto, por exemplo, no texto
de apresentação do livro Novo-desenvolvimentismo – um projeto nacional
de crescimento com equidade social: “Os termos novo-desenvolvimentismo e
neo-estruturalismo retomam a ideia da necessidade de um desenvolvimento
endógeno, mas não deixam de lado a necessidade do livre comércio para al-
181
também enxergado como uma instituição que, mesmo quando
funcionando em completa liberdade, pode ser pouco sensível
aos chamados “problemas sociais” (e também ambientais),
sobretudo no curto prazo. Dessa forma, as propostas neoes-
truturalistas (e correlatas) passam a defender a ideia de que
o Estado deveria atuar como gerenciador de políticas e refor-
mas pró-mercado, de modo a ampliar a concorrência, garantir
a eficiência econômica e estimular a incorporação de novas
tecnologias (isto é, realizar uma transformação produtiva),
e atuar como instância responsável pela distribuição mais
equitativa (e ambientalmente responsável) dos frutos dessa
transformação.
Apesar de se pretender alternativa, portanto, essa postura
guarda diversas semelhanças com a proposta neoliberal, parti-
cularmente na versão do Pós-Consenso de Washington – quan-
do se torna clara, mesmo para certas alas mais conservadoras,
a necessidade da atuação do Estado no gerenciamento e admi-
nistração das condições de reprodução sistêmica.8
Para encerrar a presente seção, gostaríamos de mencionar
ainda um tipo de intervenção relativamente recente que, par-
tindo de uma crítica às “boas políticas” prescritas pelo chama-
do Consenso de Washington, busca construir uma estratégia
de desenvolvimento alternativa ao projeto neoliberal através
de um resgate mais incisivo das teorias do desenvolvimento
formuladas nos anos 1940/1950. Como indicado na introdução,
um exemplo bastante emblemático de reorientação nesse sen-
tido é oferecido pelo economista sul-coreano Ha-Joon Chang,
especialmente no livro Chutando a escada: a estratégia de de-
senvolvimento em perspectiva histórica – um título que alude à
182
expressão utilizada por Friedrich List, economista alemão do
século XIX, defensor da proteção à indústria nascente.
Com o debate pautado, mais uma vez, em evidências empí-
ricas, autores como Chang questionam o sucesso das políticas
neoliberais na promoção do desenvolvimento e, em movimen-
to semelhante ao da década de 1970, atribuem aos adversários
a culpa pelo desempenho econômico pífio de parte das econo-
mias subdesenvolvidas nas últimas décadas. Particularmente
no caso de Chang, o argumento utilizado no ataque ao libera-
lismo e defesa do intervencionismo também toma como base
o resgate histórico das políticas e instituições efetivamente
adotadas pelos “países atualmente desenvolvidos”, “quando
se achavam em processo de desenvolvimento” (CHANG, 2004,
p. 13 et seq.) – expediente analítico que, segundo Chang, se-
ria bastante comum entre os teóricos do desenvolvimento dos
anos 1940/1950.9
De acordo com o autor, portanto, ao observar historica-
mente a forma como os “países ricos enriqueceram de fato”, é
possível chegar à conclusão de que “eles não seriam o que são
hoje se tivessem adotado as políticas e as instituições que ago-
ra recomendam às nações em desenvolvimento”. Ou seja, ao
contrário do que normalmente se afirma, “o fomento à indús-
tria nascente [especialmente por meio de políticas industrial,
comercial e tecnológica intervencionistas] foi a chave do de-
senvolvimento da maioria das nações” – constatação esta que
leva o autor a acreditar que os “países atualmente desenvolvi-
dos” estariam agora “‘chutando a escada’ pela qual subiram ao
topo, impedindo as nações em desenvolvimento de adotarem
as políticas e instituições que eles próprios adotaram”.
9
Citando autores como Lewis, Rostow, Kuznets, Gerschenkron e Hirschman,
que “formularam suas teorias dos ‘estágios’ do desenvolvimento econômico
com base num conhecimento profundo da história da industrialização nos
países desenvolvidos”, Chang (2004, p. 20 e 21) procura mostrar como uma
das marcas distintivas do período de “auge da economia do desenvolvimen-
to” foi a proliferação de “ensaios explicitamente destinados a transmitir aos
países em desenvolvimento as lições extraídas da experiência histórica das
nações desenvolvidas” – perspectivas essas “abafadas pela predominância
da economia neoclássica, que rejeita categoricamente esse tipo de raciocí-
nio indutivo”.
183
Para utilizar a própria metáfora sugerida por Chang (2004,
p. 210; 24), não se trata de (1) questionar a existência de uma
escada (ou seja, questionar a possibilidade de se reproduzir
nos países subdesenvolvidos os padrões de desenvolvimen-
to dos países desenvolvidos, como presente nas formulações
mais céticas) ou (2) perguntar para onde leva a escada (ou
seja, questionar o próprio padrão de desenvolvimento dos paí-
ses desenvolvidos, movimento característico das tentativas de
requalificação do debate sobre desenvolvimento, apresenta-
das na seção anterior). Ao contrário, parte-se do pressuposto
de que a escada existe (“intervenção direta do Estado, sobre-
tudo na forma de políticas industrial, comercial e tecnológi-
ca”, ainda que não seja negada a importância, por exemplo, de
políticas para a manutenção da estabilidade macroeconômica)
e leva ao caminho correto (“crescimento econômico”, entendi-
do como “a chave do desenvolvimento econômico mais ampla-
mente definido”), restando aos teóricos do desenvolvimento
apenas a tarefa de colocá-la em pé novamente.
184
do Desenvolvimento, da relação existente entre essas formu-
lações e o contexto no qual foram formuladas e, finalmente,
da relação dessas teorias com o modo de produção capitalista
em geral. Nessa investigação, vimos que o desenvolvimento
foi tratado durante aquele período fundamentalmente como
sinônimo de crescimento do produto, que a estratégia de de-
senvolvimento foi associada à industrialização das economias
subdesenvolvidas, e o ideal de desenvolvimento, inspirado nas
experiências das economias capitalistas ditas desenvolvidas.
No presente capítulo, buscamos mostrar, através de alguns
exemplos, como o período posterior à crise dos anos 1970 foi
marcado por inúmeras tentativas de redefinição dos objetivos
e estratégias de desenvolvimento. Do ponto de vista dos obje-
tivos, a constatação de que o crescimento do produto vinha,
não raramente, acompanhado de efeitos perniciosos (como,
por exemplo, a má distribuição de renda e a degradação do
meio ambiente) lançou sobre as teorias do desenvolvimento
a necessidade de incorporar novos critérios à definição de
desenvolvimento (que permitissem ir além do simples cresci-
mento da renda). Ou seja, ainda que o fim da experiência do
socialismo real tenha sido entendido como a prova definitiva
de superioridade do capitalismo em relação a projetos alterna-
tivos de sociedade, as teorias do desenvolvimento permane-
cem desempenhando um papel importante na sustentação da
crença na possibilidade de que o desenvolvimento capitalista
não submeta a maioria da população a condições subumanas
de vida e (contrariando as previsões mais catastróficas) seja
compatível com a própria manutenção da vida no planeta.
Interessante também é notar como essas mudanças na con-
cepção de desenvolvimento se refletem nas distintas tentati-
vas de redefinição das estratégias de desenvolvimento, resumi-
damente expressas no debate liberalismo x intervencionismo.
Ou seja, salvo raríssimas exceções, é possível perceber como
as diferentes estratégias de promoção do desenvolvimento e/
ou superação do subdesenvolvimento, com maior ou menor
intervenção do Estado, com maior ou menor liberdade de
mercados, acabam por incorporar as temáticas da equidade
185
e sustentabilidade. Como já indicado, portanto, o debate ter-
mina girando em torno do grau de liberdade de mercado e
intervenção do Estado necessário para objetivar a sociedade
projetada pelas teorias do desenvolvimento.
Quando observamos mais atentamente os pressupostos
por detrás das formulações aqui apresentadas, no entanto,
percebemos que as mudanças são menos significativas do
que parecem à primeira vista. Mesmo no caso de propostas
de reorientação consideradas “radicais”, como, por exemplo,
a sugerida por Sen em seu Desenvolvimento como liberdade, as
teorias do desenvolvimento não abandonam o critério cresci-
mento do produto e não deixam de tratar o desenvolvimento ex-
clusivamente em termos da reprodução, em escala universal,
das relações sociais capitalistas. Socialmente justo, ambien-
talmente responsável, livre ou regulado: trata-se apenas de
projetar para o futuro configurações diversas de uma mesma
formação social (o capitalismo).
186
Conclusão
1
Um pouco antes, no mesmo parágrafo, Marx (2011, p. 438) afirma ainda: “To-
das as condições gerais de produção, tais como estradas, canais etc., seja
as que facilitam a circulação ou as que a tornam possível, seja igualmen-
te as que aumentam a força produtiva (como irrigações etc. realizadas pe-
los governos na Ásia e, de resto, também na Europa), tais condições, para
serem levadas a cabo pelo capital, em lugar do governo, que representa a
187
É nítido nesta passagem que Marx emprega o termo desen-
volvimento não para designar uma situação em que a socieda-
de capitalista atinge uma condição “mais humana” ou “melhor”
em qualquer sentido, mas sim para caracterizar um momento
da história dessa formação social no qual o capital adquiriu
extensão e força suficientes para dominar todos os momen-
tos da existência social, inclusive, no caso, o provimento de
infraestrutura. Ainda que fosse – como parece ser – possível
demonstrar que o monopólio privado, capitalista, do forneci-
mento de bens e serviços públicos essenciais cria toda sorte
de infortúnios àqueles que não podem dispensar o seu uso,
ainda assim tal situação poderia ser tida como um indício do
caráter desenvolvido do capitalismo.
Nessa passagem, como em muitas outras em sua obra, Marx
utiliza a categoria desenvolvimento para tratar tanto de uma for-
ma específica de sociedade (o capitalismo, por exemplo), quan-
to de qualquer objeto portador de um processo de mudança e
permanência (ou permanência na mudança, como diria Lukács),
incluindo o ser em geral. Falar em desenvolvimento, portanto,
significa antes e acima de tudo reconhecer o processo de trans-
formação de determinado objeto ao longo do tempo, seu movi-
mento para adiante, sua dinâmica de funcionamento.
Esse “movimento para adiante”, como se procurou demons-
trar, é governado por leis/tendências que regulam a dinâmica
de funcionamento do objeto e podem ser apreendidas cienti-
ficamente, de maneira objetiva. No caso da nossa existência
como seres naturais, por exemplo, sabe-se que (a despeito das
fábulas que descrevem um mundo no qual se pode ser eterna-
mente jovem ou dos próprios avanços na ciência que possibi-
litaram à humanidade aumentar significativamente sua expec-
tativa de vida) ela é regulada por ao menos uma determinação
geral: independentemente de classe, credo ou cor, todos deve-
mos nascer, crescer e morrer. Por menor que seja o desejo dos
188
sujeitos de se renderem a esta determinação geral, esta é uma
lei/tendência que regula o nosso desenvolvimento como seres
naturais e que pode ser objetivamente reconhecida, a despeito
das particularidades que fazem com que a vida de um sujeito A
seja diferente (melhor ou pior) da vida de um B qualquer.
Essa não é, no entanto, a dinâmica que regula a nossa exis-
tência como seres sociais. Para fazer uma brevíssima recapi-
tulação, identificamos ao menos três tendências que regulam
o desenvolvimento da sociedade, abstratamente considerada:
a crescente sociabilidade, a diminuição do tempo de trabalho
necessário à produção e reprodução das condições de vida
humana e a constituição da consciência genérica. No caso da
sociedade em forma especificamente capitalista, destacamos
especialmente aquelas tendências que, quando articuladas,
determinam o caráter expansivo e contraditório dessa forma-
ção social. Com isso, procuramos mostrar que, no modo de
produção capitalista, a esfera econômica (do trabalho) apre-
senta-se como a principal esfera de sociabilidade, a partir da
qual emana a dinâmica (de ampliação do trabalho) que subor-
dina os demais momentos e esferas da existência.
Por fim, buscamos mostrar como essas tendências gerais
manifestam-se de maneira distinta, em condições históricas
distintas, tomando como exemplo dois períodos nos quais o
desenvolvimento capitalista foi claramente atravessado por
determinações particulares: as quase três décadas posteriores
à Segunda Guerra Mundial e os anos posteriores à década de
1970. A opção por resgatar elementos dessas duas conjunturas
não foi meramente casual: esteve também relacionada ao fato
de serem esses os períodos nos quais se registram as produ-
ções no campo das teorias do desenvolvimento econômico (ser-
vindo, em ambos os sentidos, como bons contrastes).
Em suma, esperamos ter demonstrado, nos capítulos que
conformaram a Parte I deste estudo, que, desde uma perspec-
tiva marxista, estudar o desenvolvimento capitalista significa,
em primeiro lugar, ter consciência da historicidade e proces-
sualidade que caracterizam a sociedade; em segundo lugar,
apreender as leis de movimento da sociedade em geral e em
189
sua forma especificamente capitalista; e, em terceiro lugar, co-
nhecer as condições concretas de manifestação dessas leis.
Na análise do desenvolvimento em-si, portanto, o importante
é saber se (e de que forma), na passagem de um período a ou-
tro, o funcionamento do capitalismo tornou-se mais ou menos
adequado à lógica interna do capital. Pode-se dizer, então, que
uma sociedade capitalista é tanto mais desenvolvida quanto
mais ampla – e, considerando a sua lógica interna de funciona-
mento, mais bem-sucedida – for a atuação do capital (seja em
termos setoriais, territoriais, ou em sua capacidade de pene-
trar nas mais distintas esferas da vida social).
Em contraponto a essa perspectiva, buscamos, ao longo da
Parte II, traçar um panorama geral do modo como a questão
é encarada no campo da ciência econômica, especialmente no
interior das chamadas teorias do desenvolvimento. Nesse caso,
observamos que a análise do “desenvolvimento” envolve, re-
correntemente, a eleição de determinados critérios e parâme-
tros (“empiricamente observáveis”) que permitam quantificar
a condição de países ou regiões em momentos diversos de sua
história. Além disso, é normalmente com base na extrapolação
de um desses critérios que se afirma ou nega a superioridade
de povos e/ou países com relação a outros. Por fim, o conceito
de “desenvolvimento” é tratado, via de regra, como um juízo de
valor subjetivo: ou seja, o “desenvolvimento” é visto como algo
bom, viável e desejável (e que, portanto, deve ser promovido) e
a sua ausência como algo ruim (e que, seguindo a mesma lógica,
deve ser superado).
Tomando como ponto de partida o período de surgimento
e proliferação das teorias do desenvolvimento, vimos como o
critério central utilizado na comparação entre distintos graus
de “desenvolvimento” (ou “subdesenvolvimento”, por contra-
posição) foi predominantemente o aumento da riqueza, medi-
do pelo crescimento do produto per capita. Por esse motivo,
a análise crítica desse conjunto de teorias iniciou-se pelos
chamados modelos de crescimento, que, a seu modo, estiveram
preocupados com os determinantes do crescimento do pro-
duto ou da renda (oferecendo uma explicação possível para
190
a desigualdade de renda no plano mundial), expressando de
maneira bastante emblemática a orientação geral do período.
No caso das teorias do desenvolvimento propriamente di-
tas, mais focadas na tentativa de explicar as particularidades
por detrás do baixo crescimento do produto nos países subde-
senvolvidos e mais explicitamente propositivas, vimos como,
além da associação do “desenvolvimento” ao crescimento do
produto, as estratégias para a promoção do “desenvolvimen-
to” (ou superação do “subdesenvolvimento”) estiveram asso-
ciadas predominantemente à industrialização. A despeito das
especificidades – que impuseram, inclusive, a divisão dessas
teorias “clássicas” do desenvolvimento em dois grandes gru-
pos (aquelas que tratam das regiões “subdesenvolvidas” em
geral e aquelas que tratam particularmente do caso latino-
-americano) –, podemos perceber que todas compartilham, em
linhas gerais, as características acima apresentadas.
Já no período posterior à década de 1970, vimos como, dian-
te da crise e do reconhecimento cada vez mais amplo de “efei-
tos colaterais” (sobre a natureza ou sobre os seres humanos)
associados ao crescimento do produto, as teorias reagiram
pela incorporação de novos critérios à definição de “desen-
volvimento” (ainda que o crescimento do produto não tenha
sido totalmente abandonado). Essa “mudança” na concepção
de desenvolvimento (que talvez fique mais bem caracterizada
como “ampliação”) também se refletiu nas tentativas de rede-
finição de estratégias para a promoção do “desenvolvimento”
(ainda que o centro das controvérsias tenha sido a participa-
ção do Estado na economia).
Diante dessa caracterização geral, portanto, não podemos
deixar de reconhecer que uma das dificuldades de tomar as
teorias do desenvolvimento como objeto de estudo reside jus-
tamente na diversidade de formulações, seja essa diversidade
determinada pelo fato de terem sido produzidas em contextos
históricos muito distintos ou pelo fato de carregarem consigo
orientações teóricas diversas (liberal, keynesiana, schumpe-
teriana etc.). Essa diversidade, como se buscou ressaltar ao
longo da Parte II, também se manifesta de variadas maneiras,
191
seja (1) na noção de desenvolvimento, (2) no ideal de desen-
volvimento ou (3) na estratégia de desenvolvimento.
No entanto, a análise crítica dessas teorias demonstrou-
-se capaz de revelar que todas, sem qualquer exceção digna de
nota, tomam o capitalismo como pressuposto de suas formula-
ções. Considerando, por exemplo, a convergência em torno da
redução do desenvolvimento ao “crescimento do produto”, só
episodicamente rompida, fica bastante nítido o modo como as
teorias do desenvolvimento projetam sobre o passado e sobre
o futuro as formas de riqueza e trabalho que são específicas
do capitalismo, sem jamais indagar quais são os pressupostos
objetivos de um trabalho que adquire esse caráter de perma-
nente expansão. Com isso, as teorias não apenas naturalizam
processos históricos altamente complexos, não apenas se
apresentam como instrumentos a serviço dessa história “natu-
ralizada”, mas também, ao lhe fornecer inteligibilidade, compa-
recem objetivamente como formas de consciência indispensá-
veis à sua reprodução. Comparecem, portanto, como a ciência
deste desenvolvimento.
Mesmo as teorias usualmente encaradas como teorias
“críticas” (ou seja, aquelas capazes de reconhecer problemas
associados à dinâmica capitalista, especialmente seu caráter
“desumano”) acabam por admitir acriticamente os limites im-
postos ao exercício teórico e prático pelo objeto, em sua forma
imediatamente dada. Nesse caso, percebemos que, apesar de
a preocupação “humanitária” assegurar um acento crítico, es-
sas teorias hipostasiam a forma de trabalho correspondente
a essa forma de sociedade e podem, na melhor das hipóteses,
almejar uma “organização mais ‘humana’ do trabalho no ca-
pitalismo” (DUAYER, 2010, p. 2). Em síntese, para empregar a
expressão difundida por Duayer, podemos dizer que se trata,
quando muito, de uma crítica positiva. Nas palavras do autor:
192
a crítica positiva comparece, primeiro descrevendo o
mundo – positivamente – e, segundo, em conformidade
com tal descrição, prescrevendo as atitudes e práticas
possíveis dos sujeitos. E a crítica positiva, é preciso não
se iludir, pode ser de fato crítica à sua maneira. Pode
se insurgir sinceramente contra as infâmias desse mun-
do incontornável. E mobiliza instrumentos teóricos
sempre mais sofisticados para consertar os erros do
mundo, ou para desentortar o mundo, como imaginava
fazer Quixote. E arregimenta paixões, sinceras paixões,
sem as quais tais instrumentos restariam inertes, para
a reparação do mundo. Todavia, recorde-se, a crítica
positiva e as práticas que alimenta são sempre prisio-
neiras desse mundo, do mundo imediato, anistórico.
(DUAYER, 2010, p. 7).
2
Postone (1993, p. 63 e 64) também reconheceu e salientou a negatividade da
crítica de Marx: “Ao formular uma crítica do trabalho no capitalismo toman-
do como base da análise sua especificidade histórica, Marx transformou a
natureza da crítica social baseada na teoria do valor trabalho de uma crítica
‘positiva’ em uma crítica ‘negativa’ [...] – aquela que critica o que é sob as
bases do que poderia ser – que aponta para a possibilidade de outra forma-
ção social.”
193
Uma crítica como essa não tem qualquer compromisso a prio-
ri com o seu objeto de estudo, a sociedade capitalista, pois não
o toma por antecipação como uma forma de existência insupe-
rável, que, portanto, deve ser reparada ou amparada a qualquer
custo quando sua linha evolutiva geral demonstra-se desumana
(ou ameaçadora em termos ecológicos). Ao contrário, justamen-
te por não perder de vista a transitoriedade histórica possível
dessa formação social, por um lado, e por demonstrar o caráter
necessário de sua desumanidade, por outro, é que pode conver-
ter o conhecimento de suas leis de tendência numa proposta de
práxis orientada em favor da transição concreta para uma socie-
dade dotada de outra dinâmica evolutiva, de outra linha de de-
senvolvimento interno. Esse nexo entre a crítica social de Marx e
a sua proposta de práxis transformadora é enfatizado na passa-
gem de Postone, que nos permitimos citar extensamente abaixo:
194
Se, enfim, o esforço empreendido neste estudo é capaz de
confirmar a hipótese de que as concepções autointituladas
“teorias do desenvolvimento” constituem a ciência da preser-
vação do desenvolvimento capitalista, por outro lado, o mes-
mo esforço parece ser capaz de demonstrar que a intervenção
crítica de Marx rompe com o vínculo entre produção teórica
e prática conservadora não por se tornar mais “ideológica”,
menos científica. Justo ao contrário, esse vínculo é rompido
porque a teoria marxiana consegue projetar seu olhar para
além dos determinantes imediatos de seu objeto e encarar seu
desenvolvimento como aquilo que efetivamente é: a expressão
do modo de funcionamento de um objeto dinâmico.
Por isso, podemos concluir este estudo com uma constata-
ção que, embora evidente, raramente é trazida à consciência e/
ou devidamente enfatizada: se há um autor que escreveu uma
autêntica teoria do desenvolvimento capitalista, este autor foi
Marx; se há uma obra que fala do desenvolvimento capitalista,
esta obra é O capital. Isso, aliás, Marx fez questão de patentear
já no prefácio da primeira edição, que citamos na introdução
e recordamos novamente neste encerramento: “o objetivo final
desta obra é descobrir a lei econômica do movimento da socie-
dade moderna” (MARX, 2002, p. 18). Se Marx descobriu ou não
essa lei, isso é uma questão que estará sempre em aberto. Mas
que Marx procurou descobri-la, não é, de fato, possível negar.
195
196
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204
Agradecimentos
205
primeiro lugar, ao professor Mario Duayer, por ter “iluminado
meus caminhos” e me apresentado às discussões no campo da
filosofia da ciência, que serviram como fundamento para a rea-
lização deste trabalho; e também gostaria de deixar registrados
meus agradecimentos póstumos à professora Alice Werner, com
quem tive a primeira oportunidade de conhecer a obra de Marx.
Agradeço ainda ao professor Paulo Nakatani, pela leitura
atenta e pelos comentários ao trabalho; a todos os profes-
sores, funcionários e colegas do Programa de Pós-gradução
em Economia da UFF, além das queridas funcionárias da BEC
(Biblioteca da Faculdade de Economia).
A todos os colegas e amigos do Departamento de Economia
da UFF/Campos (sempre generosos e extremamente compreen-
sivos diante da minha necessidade de dedicar muito das qua-
renta horas semanais à redação deste trabalho), do Instituto de
Economia da UFU (onde fiquei por um período breve, mas muito
feliz), do Grupo de Pesquisa Teoria Social e Crítica Ontológica
e do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre
Marx e o marxismo (espaços de diálogo e aprendizado cons-
tantes). Mais uma vez, apesar da impossibilidade de mencionar
os nomes de todos aqueles que estiveram ao meu lado e con-
tribuíram com a realização deste projeto, gostaria de prestar
um agradecimento especial à amiga de todas as horas Lérida
Povoleri e, com enorme pesar, um agradecimento póstumo à
amiga Paula Nabuco, de quem sentirei muita saudade.
Por fim, agradeço a toda a minha família (avô, avós, tios, tias,
primos e primas), em especial ao meu pai Humberto (apoio e
presença constantes), à minha mãe Thereza Lucia (exemplo de
mãe, mulher e profissional, que ainda encarou, nos momentos
finais, a árdua tarefa de revisar todo o trabalho), à minha irmã
Luciana (minha luz) e ao meu sobrinho Theo (menino adorá-
vel). À família que adotei nos últimos anos (Eduardo, Madelaine,
Creuza, Elisa e demais membros da família Figueira), especial-
mente ao meu companheiro durante toda essa jornada, Hugo
Figueira, que esteve ao meu lado nos últimos 13 anos, me apoian-
do nos momentos mais difíceis, abrindo mão das suas próprias
questões para me auxiliar com as minhas, algo que só uma pes-
soa com coração tão grande e generoso é capaz de fazer. Com
ele, hoje divido o prazer de ver crescer o doce Benjamim, fruto
mais saboroso da nossa relação. Muito obrigada!
Niterói, setembro de 2015.
206
Título: Desenvolvimento em Marx e na teoria econômica: por uma crítica
negativa do desenvolvimento capitalista
Autora: Bianca Imbiriba Bonente
Série: Coleção Biblioteca, 78
Edição: 1ª
Editor responsável: Aníbal Bragança
Equipe de realização
Formato: 16 x 23 cm
Tipologia: ITC Cheltenhan, corpo 10
Papel: Pólen Soft 80 g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250 g/m2 (capa)
Número de páginas: 208
Tiragem: 500 exemplares
Impresso e acabado na
Nova Aliança - Av. Almirante Frontin, 381, Ramos, Rio de Janeiro, RJ
CEP 21030-040, em abril de 2016
Desenvolvimento em Marx
é previamente ajuizado como algo
menos) como figura inexorável do futuro da humanidade. Para, pri-
positivo (ou inexorável), mas sim
meiro, atestar e, depois, defender o nexo entre as teorias econô-