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Antonio Paim: Uma

homenagem ao grande
historiador do liberalismo
brasileiro
Por Paulo Roberto de Almeida
Conselheiro Acadêmico do Livres
A trajetória intelectual de Antonio Ferreira mais aconselhável à sociedade consiste em
Paim, nascido na Bahia em 1927, é ímpar na tentar reduzir as funções do Estado, cuidando
cultura e na história das ideias políticas e de retirá-lo da economia e de todas as esferas
filosóficas no Brasil, tendo emergido no em que não seja imprescindível” (p. 20).
marxismo – com curso de filosofia na
Universidade do Brasil e depois na Nesse mesmo livro, ela já recusava a
Universidade de Moscou –, e realizado ao caracterização de “capitalista” para a
longo da vida uma guinada política e filosófica formação econômica e social do Brasil, assim
que o levou ao liberalismo. como tentava interpretar o fracasso da
construção de um sistema representativo no
Numa primeira etapa de sua carreira país e se propunha traçar uma “estratégia
acadêmica, empreende estudos sobre as para enfraquecer o patrimonialismo e
ideias filosóficas no Brasil, seguindo as favorecer o capitalismo” (capítulo VII, pp.
correntes de pensamento desde a fase 193-200).
colonial até a atualidade, trajetória que ele
reconstitui em dois de seus primeiros livros: No plano puramente teórico e conceitual,
História das Ideias Filosóficas no Brasil Paim acreditava que se deveria “obter algum
(1867) e O estudo do Pensamento Filosófico arejamento na Universidade e conseguir
Brasileiro (1979). quebrar o monólito da dominação
marxista-positivista” nela existente (p. 194).
Nessa primeira fase já se ocupa Entre as tarefas básicas desse
igualmente da questão do estatismo na desmantelamento do patrimonialismo no
formação da nação brasileira. Em seu livro A Brasil, ele sugeria algumas que, em grande
querela do estatismo (1978), debate a medida, se confundiam com as preleções
formação do Estado brasileiro como Estado liberais de Roberto Campos:
patrimonial, notadamente através da obra de
Oliveira Vianna e pelo estudo das influências 1. “Eliminar todas as burocracias estatais
devotadas aos programas oficiais de combate
pombalinas e positivistas sobre as elites
à pobreza”, na medida em que essas políticas,
dirigentes. Notadamente, ele adota o conceito
“como tudo mais, transformaram-se em mero
difundido por Simon Schwartzman de pretexto para justificar a voracidade fiscal e
“patrimonialismo modernizador”, que teria permitir ao patrimonialismo apropriar-se de
sido o da era Vargas e do regime militar, verbas sem o menor controle da opinião
mesmo se a burocracia tradicional tenha pública” (pp. 195-6).
conseguido manter sua supremacia sobre as
elites técnicas mais identificadas com os 2. “Levar a bom termo o programa de
privatização, empenhando-se no sentido de
militares e outros impulsionadores do
transformá-lo num novo projeto de
progresso econômico.
desenvolvimento” (p. 196).
Na segunda edição desse seu livro sobre o
3. Efetuar um “reexame específico da estrutura
estatismo (1994), Paim se afirma mais dos vários órgãos integrantes da União”, que
conclusivo e argumenta que “a estratégia

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atendem “precisamente ao jogo do melhor estruturado. (A querela do estatismo,
patrimonialismo” e do empreguismo (p. 196). 2ª. edição, 1994, pp. 197-8)

4. Examinar concretamente as ações de que Considerando-se que a primeira edição do


poderia resultar a dignificação do servidor, por livro (1978) foi publicada em plena vigência
um lado, e profissionalizar as FFAA, reduzindo do “patrimonialismo modernizador” do regime
suas dimensões (p. 197).
militar, e que o prefácio à sua segunda edição
(1993) vem datado da grande deterioração
Não obstante a boa análise de Paim
inflacionária da redemocratização, pode-se
quanto aos fundamentos do atraso brasileiro,
argumentar que a análise acadêmica de Paim
a partir da consolidação do patrimonialismo
carece de uma percepção mais realista a
(ainda que modernizador), ele parece
respeito da extrema dependência desses
acreditar na existência de uma classe
“capitalistas” das políticas setoriais
empreendedora sinceramente comprometida
desenhadas pelos dirigentes políticos, mais
com a construção de um capitalismo
exatamente pelas corporações estatais, que
competitivo no Brasil, o que parece
constituem precisamente o cerne e o coração
desmentido por quase dois séculos de
do patrimonialismo conservador no Brasil.
extrema subserviência desses “capitalistas”
(se o termo se aplica) ao Estado onipotente e
A partir dessa época, justamente, Paim se
onipresente. Nas próprias palavras de Paim,
dedica a compendiar, analisar e sintetizar o
registre-se que ele está
pensamento político brasileiro, contribuindo
para tornar mais conhecidos de
...naturalmente supondo que a liderança
empresarial brasileira estaria convencida de pesquisadores acadêmicos e da opinião
que só tem a ganhar se conseguir obstar a pública bem informada um conjunto
atuação do patrimonialismo e lograr que o importante de pensadores brasileiros (e
capitalismo alcance um novo patamar. Estaria portugueses), inserindo suas teses e
voltada para pactuar com aquelas forças que, propostas analíticas no contexto de um outro
no interior do Estado, se dispusessem a conjunto de pensadores estrangeiros, aqueles
abdicar das tradições patrimonialistas – isto é, que, nos dois últimos séculos, influenciaram
de estabelecer a tutela do Estado sobre a
os estudos e as discussões políticas e
sociedade –, aceitando o penoso caminho de
constitucionais no Brasil.
buscar a constituição do Estado Liberal de
Direito. (...)
Nos anos 1990, Paim publicou
Ao enfrentar a questão do patrimonialismo praticamente um livro por ano, sempre sobre
brasileiro cumpre-nos reconhecer francamente seus temas preferidos: o pensamento político
que as tradições culturais prevalecentes em brasileiro, a trajetória e a agenda do
nosso país são francamente desfavoráveis ao liberalismo, no mundo e no Brasil, assim
capitalismo. (...) como cursos de introdução a esses grandes
temas, em colaboração com colegas e
A tradição liberal é débil e descontínua e sofreu
mestres nas mesmas áreas: Francisco
tão fortes constrangimentos, sob a República,
Martins de Souza, Ricardo Vélez Rodríguez,
que a afetariam mesmo se se tratasse de algo

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Ubiratan Borges de Macedo, José Guilherme Argentina só decaiu durante praticamente 80
Merquior, Gilberto de Mello Kujawski, Carlos anos seguidos porque em 1930 se derrocou
Henrique Cardim e Leonardo Prota, entre uma república “oligárquica” para inaugurar um
outros. O objetivo comum de todos esses ciclo de governos autoritários, e depois
intelectuais sempre foi a busca das bases populistas, supostamente identificados com a
morais de um amplo consenso nacional em “soberania” do país e “projetos nacionais” de
torno de um sistema político liberal desenvolvimento, geralmente alinhados ao
representativo e de um regime econômico protecionismo e à industrialização
dotado das mais amplas liberdades substitutiva, como o Brasil, aliás.
competitivas, propenso à inserção do país na
interdependência global. Mas a sombra do Pois bem, sem fazer qualquer história
patrimonialismo se interpõe de maneira virtual do Brasil, Antonio Paim, um dos
obstinada a essa conformação de uma grandes pensadores da nacionalidade,
democracia de mercado no país. examina no seu livro Momentos Decisivos da
História do Brasil (2000) três momentos
Aliás, países não são exatamente decisivos de nossa história, quando
condomínios, onde vizinhos se conhecem e poderíamos, teoricamente, ter “escolhido” um
podem se reunir para discutir benfeitorias na caminho melhor, mas falhamos, terrivelmente
propriedade comum. Nações não costumam – ou nossas elites falharam –, em adotar
reunir-se em assembleia, de tempos em aquela via que poderia ter nos levado a um
tempos, para debater tranquilamente qual estágio mais elevado de desenvolvimento
caminho adotar em face de ofertas econômico e social, a um sistema político
igualmente interessantes quanto às melhores mais representativo e a uma organização
políticas para guiar o seu processo de institucional menos conspurcada pelo
desenvolvimento, frente às quais cabe decidir patrimonialismo tradicional.
sobre as de menor custo relativo e de maior
retorno possível. Isso só acontece em Não tenho certeza de que o Brasil, como
momentos de ruptura, guerras, revoluções, nação, tenha tido essas chances, essas
golpes, quando uma nova elite sobe ao poder, janelas abertas às suas elites, para debater,
e precisa adotar condições mínimas de de forma consciente e deliberada, essas vias
governabilidade, para assentar as bases mais “progressistas”, mas cabe mencionar as
ou menos aceitáveis de sua legitimidade “teses” de Antonio Paim, para verificar, o que
política (ou não). Existem também fases perdemos como oportunidades históricas.
menos felizes, quando um país pode sair de
A primeira, ainda na fase colonial, foi o fato
um tipo de dominação racional-legal, para
de ter constituído precocemente uma
usar a terminologia weberiana, para
economia florescente, ligada ao açúcar e
descambar numa administração de tipo
outras atividades paralelas, que poderia ter
carismática, que nos remete aos piores
sido a base de um desenvolvimento ulterior
exemplos da tradição latino-americana de
mais estruturado. Tendo sido mais rico do que
caudilhos e golpes de estado; por sinal, a
as colônias inglesas na América do Norte nos

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séculos XVI a XVII, em grande parte devido produziu alguns delírios sobre o “caráter da
aos cristãos novos, judeus portugueses revolução brasileira” pelos representantes
convertidos forçadamente, que se tornaram dessa corrente.
os grande financistas do comércio
internacional do açúcar, a chance perdida se Já na queda da monarquia, o Brasil perdeu
explica pelo papel da Contra Reforma e da a oportunidade de constituir um “Estado
Inquisição na repressão desses “capitalistas liberal de Direito”, enveredando depois pelas
mercantis”, o que bloqueou, portanto, a “oligarquias dos estados”, mais até que a
possibilidade de uma economia vinculada de chamada “política dos governadores”. Mas o
maneira mais “decisiva” – o termo se aplica – castilhista Getúlio Vargas conseguiu
aos mercados internacionais. implantar um Estado nacional unitário, ao
mesmo tempo em que fixou o
A segunda oportunidade perdida foi no patrimonialismo, no conceito weberiano da
século XIX, com a nação independente e já na palavra, realidade já estudada por Simon
fase de construir seu estado nacional, quando Schwartzman. O feito de Vargas, resumido por
Paim acredita que as elites trataram de Paim, foi “retomar o projeto formulado no
assegurar a unidade nacional, com certo Império, de constituição do Estado Nacional,
sucesso até (comparativamente à completa abdicando de dar-lhe a feição
desagregação da hispano-América, por democrático-representativa e dele fazendo
exemplo), mas a um alto custo, perdendo, no um autêntico Estado patrimonial. O projeto
mesmo movimento, a iniciativa de consolidar Vargas seria retomado pela Revolução de 64”
um sistema representativo eficiente. O (p. 217-18).
Regresso, nos anos 1840, e, mais tarde, as
teses positivistas, inspiradas em Comte, O último capítulo desse livro de Paim tem
“conspiraram” para manter o Brasil um por título, de forma otimista, “Como sair do
sistema político pouco funcional tanto para patrimonialismo”, mas não devemos esquecer
fins da “ordem”, quanto do “progresso”. As que o livro deve ter sido terminado em 1999
frequentes intervenções militares desde o para ser publicado no ano seguinte.
início da República se encarregam de eliminar Apoiando-se na experiência das privatizações
a possibilidade de constituição de uma “moral daquela década, ele concorda com Roberto
social de tipo consensual”, que nunca tivemos Campos em que “o problema reside na
entre nós, nas palavras de Paim. adequada formulação das políticas” (p. 315),
e não só econômicas. Quinze anos depois, no
A terceira, em pleno século XX, foi a entanto, no livro que ele organizou e publicou,
consolidação, que ele chama de com colaborações de Paulo Kramer e de
“estruturação”, do Estado patrimonial, sob Ricardo Vélez-Rodríguez, O patrimonialismo
Getúlio Vargas, e o abandono do sistema brasileiro em foco (Campinas: Vide Editorial,
representativo. Nessa terceira parte de sua 2015), ele tem de constatar, tristemente, a
obra, Paim é bastante crítico daquilo que ele “sobrevivência da estatização brasileira”, e se
chama de “lixo historiográfico”, a maior parte pergunta como enfrentá-la (capítulo II, p.
de extração pretensamente marxista, que 35-43).

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Se formos ainda mais pessimistas, não há sem deixar de ser patrimonialista. Outras
como discordar do mesmo Ricardo duas razões desse relativo atraso e das
Vélez-Rodríguez, em seu livro A Grande dificuldades em superá-lo residem no
Mentira: Lula e o patrimonialismo petista “cientificismo” – que consiste na importação
(Campinas: Vide Editorial, 2015), em que o de um positivismo mal digerido – e no
patrimonialismo tradicional brasileiro foi “contra-reformismo”, que impede a mudança
transmutado, pelas mãos e pés dos de arraigadas tradições culturais (como o
companheiros, em um patrimonialismo de ódio ao lucro e à riqueza), de transformação
tipo criminoso. Como é mesmo que dizia muito lenta em função da persistência de
Lavoisier? Na natureza, nada se perde, nada hábitos longamente arraigados na população.
se cria, tudo se transforma. A despeito de
basicamente político, este último livro possui No primeiro quesito, o industrialismo
um importante capítulo sobre as “desgraças patrimonialista, sobressai-se o poderoso
do intervencionismo no Brasil”, que também intervencionismo do Estado na esfera
começa pelas desgraças de Mauá, aliás econômica, que antecede o próprio
recorrendo ao livro de Jorge Caldeira. keynesianismo como doutrina ou guia prático
a orientar a principais medidas regulatórias do
Os grandes obstáculos à conformação do Estado na vida econômica do país. Paim
capitalismo brasileiro continuaram a ser localiza num antigo manual do engenheiro
examinadas por Antonio Paim num pequeno Aarão Reis, Economia política, finanças e
livro publicado na passagem do milênio: O contabilidade (Rio de Janeiro: Imprensa
relativo atraso brasileiro e sua difícil Nacional, 1918, 2 vols.), adotado oficialmente
superação (2000). Em outros termos, o autor na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e que
reconhece que o Brasil ingressou durante longos anos constituiu a base do
decisivamente na Revolução industrial, ensino formal de economia no país. Antonio
processo notadamente acelerado a partir da Paim transcreve nada menos que 11
segunda metade do século XX, de forma que atribuições que cumpriria ao Estado observar
nas últimas décadas do século esse atraso (pp. 16-17), que se desdobrariam na era
tornou-se apenas relativo, sobretudo porque o Vargas e mais além, como prescrições
país não logrou superar sua histórica má incontornáveis a um processo de
distribuição de renda, assim como não desenvolvimento econômico, seguidos desde
conseguiu “estruturar a pesquisa científica, a implantação do Conselho Federal do
que corresponde ao motor do progresso Comércio Exterior, nos anos 1930, seguidos
ininterrupto” observado nos países avançados pelas ações do Estado Novo e, já na
(p. 10). redemocratização de 1946, pela Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos e seus corolários
O que ele procura argumentar nesse seu no BNDE, na criação de algumas estatais e no
livro é que o relativo atraso brasileiro é de Plano de Metas de JK. O regime militar
“difícil superação” porque o Brasil ainda não é representou a culminância desse processo,
um país capitalista, e sim patrimonialista, colocando o Brasil entre as maiores
tendo estruturado sua revolução industrial

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economias do mundo, mas agravando Simon Schwartzman, no livro Formação da
algumas distorções típicas de todo o período, comunidade científica no Brasil (São Paulo:
como a estatização de amplos setores da Companhia Editora Nacional, 1979), trata da
economia, o nacionalismo extremado, que questão da integração das escolas
ambos confirmaram e consolidaram o tradicionais – faculdades de Direito, Medicina,
patrimonialismo tradicional. escolas de Farmácia, Odontologia, Agronomia,
Politécnica – às novas universidades, o que
O cientificismo, por sua vez, está não se fez sem grandes dificuldades. Antonio
estreitamente vinculado à penetração e Paim volta a registrar a permanência do
difusão do pensamento positivista a partir de cientificismo pombalino, prolongado pelo
meados do século XIX, exemplificada por positivismo, como um dos obstáculos ao
Antonio Paim na obra de Luís Pereira Barreto desenvolvimento do espírito científico no
(1840-1923), que publica dois livros Brasil, e que para ele prolongou-se inclusive
correspondendo às três filosofias do mestre na formação de uma “versão positivista do
francês, nomeadamente Filosofia teológica marxismo”, que ele analisou em seu livro
(1874) e Filosofia metafísica (1876). História das Ideias Filosóficas no Brasil (5ª.
Posteriormente, em nome da Igreja positivista, ed.; Londrina: UEL, 1997). Para ele, o
Teixeira Mendes (1855-1927) também varguismo, pela ação de personalidades
demonstra preconceito contra as instituições como Francisco Campos, deformou o espírito
universitárias, o que reforçou, segundo propositor dos antigos pais fundadores da
Antonio Paim, as recomendações dos ABE, como explicitado por ele na passagem
positivistas, que “lograram influenciar a seguinte:
maioria dos componentes dos órgãos
decisórios e [que] por isso mesmo são Desse modo, a Universidade seria estruturada
responsabilizados diretamente pelo abandono como uma federação de escolas isoladas,
sistemático da ideia de implantar-se a voltadas para a formação profissional. O
projeto da ABE é inteiramente abandonado e as
Universidade, nos decênios iniciais da
Faculdades de Filosofia, desmembradas após
República” (p. 39).
1964, também são enquadradas na
consecução de tais objetivos limitados. Há
A oposição só começa a arrefecer a partir
casos extremos, como os cursos de Filosofia,
da criação da Associação Brasileira da
formalmente destinados a diplomar
Educação (ABE), nos anos 1920, em especial professores para o ensino secundário,
na década seguinte, com a criação da USP, em disciplina que deixou de existir naquele nível de
1934, e da Universidade do Distrito Federal, no ensino. Assim, a atividade está voltada para si
ano seguinte. O grande idealizador e fundador mesma, mesmo no que toca a pós-graduação,
dessas inovações é Anísio Teixeira transformada em simples exigência para as
(1900-1971), que luta por instituições promoções estatutárias.
claramente identificadas com objetivos
O marxismo positivista, por sua vez, não tem
práticos de formação de recursos humanos
interesse no desenvolvimento de qualquer
para o desenvolvimento nacional.
espécie de pesquisa, porquanto se trata apenas

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de enquadrar a realidade em determinados de prevalecer, sobretudo nas estatais que
esquemas, não obstante a circunstância de que vários deles comandaram durante o regime
sua obsolescência haja transitado em julgado. autoritário de 1964-1985.
(...)
No seu último capítulo, Paim indaga se
E assim, consagrou-se a vitória do
conseguiremos vencer o patrimonialismo, o
cientificismo, derrotando o projeto de estruturar
cientificismo e o contra-reformismo. Ele se
no país pesquisa científica digna de nome,
reconhecida internacionalmente... (O relativo revela moderadamente pessimista, por várias
atraso..., op. cit., pp. 58-59) razões, entre elas “porque a massa da
população não associa a péssima distribuição
No terceiro e penúltimo capítulo desse seu de renda à persistência do patrimonialismo”
importante pequeno livro, Paim aborda a (p. 122). A grande audiência de que dispõem
questão da persistência da moral os patrimonialistas no Brasil “é impeditiva do
contra-reformista, herdada de Portugal e que pleno florescimento do capitalismo, que seria
“atravessou sem percalços as centúrias a única forma de disseminar no país focos de
subsequentes” (p. 64), constituindo, ao que desenvolvimento econômico” (idem).
parece, uma das bases do ideário nacional,
em especial com respeito às questões da Paim termina essa sua pequena grande
pobreza, do lucro, do espírito capitalista. Em obra registrando o pensamento de uma
suas palavras: grande historiadora americana:

São muito eloquentes as evidências de que a Na seleção dos eventos que considerou no
moral contra-reformista tornou-se um dos magnífico livro intitulado A marcha da
ingredientes fundamentais de nossa insensatez, Barbar Tuchman (1912-1989)
moralidade social básica. O ódio ao lucro e à adotou como critério que o erro representado
riqueza são sentimentos amplamente por aquele passo tivesse sido denunciado
difundidos, sendo muito generalizada a antes de que a elite decidisse empreendê-lo.
condenação ao capitalismo. Defendê-lo, ainda Quando mais não seja, a nossa denúncia, se
hoje, não deixa de ser uma temeridade. (p. 75) não revelar maior eficácia, servirá ao menos
para evidenciar, perante o historiador do futuro,
Mesmo entre militares, politicamente que nem todos estavam cegos. Certamente
adversários do socialismo, a repugnância do que é pouco. Mas não deixa de representar
capitalismo, do espírito de lucro, não deixou mais um estímulo à nossa persistência. (p.
122)

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Paulo Roberto de Almeida

Conselheiro Acadêmico do Livres

Doutor em Ciências Sociais, Mestre em Planejamento Econômico e diplomata de carreira


desde 1977. Foi professor no Instituto Rio Branco e na Universidade de Brasília, diretor do
Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) e, desde 2004, é professor de Economia
Política no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito no Centro
Universitário de Brasília (Uniceub). Como diplomata, serviu nas embaixadas em Berna, Belgrado
e Paris, nas delegações em Genebra e Montevidéu e foi Ministro-Conselheiro na Embaixada em
Washington (1999-2003). Foi também Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República (2003-2007). De agosto de 2016 a março de 2019 foi Diretor do
Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE. É editor da Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, editor adjunto da Revista Brasileira de Política
Internacional e participa de comitês editoriais de diversas publicações acadêmicas. Tem
dezenas de obras e algumas centenas de artigos publicados. Dispõe de um site pessoal e de um
blog voltado para os mesmos temas que configuram seus interesses intelectuais, mas que
considera ser mais para divertissement e informação do que propriamente para a pesquisa.
Trabalhos e livros disponíveis nas plataformas Academia.edu e Research Gate.

CV Lattes.

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Obras de Antônio Paim
1. A filosofia da Escola do Recife. Rio de Janeiro: Saga, 1966

2. História das Ideias Filosóficas no Brasil. São Paulo: Grijalbo-USP, 1967 (5ª. ed.: 1997)

3. Cairu e o Liberalismo Econômico. RJ: Tempo Brasileiro, 1968

4. Tobias Barreto na Cultura Brasileira: Uma Reavaliação (com Paulo Mercadante). SP: Grijalbo-USP,
1972

5. Evolução histórica do Liberalismo (com Francisco Martins de Souza, Ricardo Vélez-Rodríguez, e


Ubiratan Borges de Macedo). 1977

6. A querela do estatismo: a natureza dos sistemas econômicos: o caso brasileiro. RJ: Tempo Brasileiro,
1978. 2ª ed.: 1994.

7. O estudo do pensamento filosófico brasileiro. RJ: Tempo Brasileiro, 1979.

8. História do Liberalismo Brasileiro (1ª ed. 1998; nova edição: SP: LVM, 2018)

9. Momentos Decisivos da História do Brasil (São Paulo: Martins Fontes, 2000)

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