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Geographia Opportuno Tempore

Universidade Estadual de Londrina


EISSN: 2358-1972
Volume 6, Número 2, 2020

A IMPORTÂNCIA DO MESSIANISMO PARA A GUERRA DO


CONTESTADO (1912 – 1916)

The importance of messianism for the Contestado War (1912 - 1916)

La importancia del mesianismo para la Guerra del Contestado (1912 - 1916)

Breno Conceição Neto1

Resumo
A Guerra do Contestado (1912 – 1916) foi considerada um massacre contra o povo sertanejo que
habitavam a região dos atuais estados do Paraná e Santa Catarina, grupo este que não conheciam armas
bélicas, mas criam nos monges que por essas localidades passou que inspirou os caboclos na guerra.
Objetivo dessa pesquisa é analisar a relevância do messianismo para a Guerra do Contestado. Para isto,
discutiu-se o que ocasionou a guerra e como a mesma se configurou nos aspectos políticos, territoriais e
econômicos e na sequência, a religião na guerra, que por meio das atuações dos monges, configuraram a
guerra como um movimento messiânico.

Palavras chave: Sertanejo. Messianismo. Monges.

Abstract
The Contestado War (1912 - 1916) was considered a massacre against the backcountry people who inhabited the region of
the current states of Paraná and Santa Catarina, a group that did not know war weapons, but believed in the monks who
passed through these locations that inspired the caboclos in the war. The objective of this research is to analyze the relevance of
messianism for the Contestado War. For this, it was discussed what caused the war and how it was configured in the
political, territorial and economic aspects and, subsequently, religion in war, which through the actions of the monks,
configured the war as a messianic movement.

Keywords: Backcountry. Messianism. Monks.

Resumen
La Guerra del Contestado (1912 - 1916) fue considerada una masacre contra las personas que habitaron la región de los
estados actuales de Paraná y Santa Catarina, un grupo que no conocía armas de guerra, pero creía en los monjes que pasaron
por estos lugares que Inspiró a los Caboclos en la guerra. El objetivo de esta investigación es analizar la relevancia del
mesianismo para la Guerra del Contestado. Para esto, se discutió qué causó la guerra y cómo se configuró en los aspectos
políticos, territoriales y económicos y, posteriormente, la religión en la guerra, que a través de las acciones de los monjes,
configuró la guerra como un movimiento mesiánico.

Palabras clave: Sertanejo. Mesianismo. Monjes.

1 Faculdade Dom Bosco.

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Breno Conceição Neto

INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, a Guerra do Contestado (1912 -1916), vem sendo observada sob
diversas perspectivas, sendo econômicas, políticas, histórias e religiosas. Nessa multiplicidade de
olhares, analisar a Guerra do Contestado numa perspectiva religiosa é algo de grande valia, pois
permite-nos compreendê-la a partir das razões que a processou, o desenrolar e as consequências
que permanecem até os dias atuais.
Para tanto, inicia-se uma discussão com objetivo de analisar Guerra do Contestado como
um movimento messiânico, isso em decorrência da passagem dos monges pela região que eclodiu
a guerra.
Para esse fim, é relevante questionar, quais razões provocaram a Guerra do Contestado?
Como a guerra pode ser configurada como um movimento messiânico? Quais agentes fizeram
com que a guerra tivesse tal caráter? Qual a reação do sertanejo aos monges?
Numa abordagem geográfica, a região contestada é estuda para entender as lutas sociais e
políticas que aconteceram anteriormente e como o messianismo foi um elemento importante
para os sertanejos.
Metodologicamente, este estudo e de cunho bibliográfico, com leituras feitas a partir das
obras de Araújo (2012), Fraga (2010;2012), Queiroz (1977), Tonon (2008), dentre outros. O
artigo divide-se em duas etapas, a primeira discute a Guerra do Contestado, partindo dos
pressupostos históricos, sociais e políticos que a ocasionou, a segunda dá ênfase no messianismo
na guerra, com foco a entender as ações dos monges em defesa do povo caboclo.

A Guerra do Contestado
Ocorrida entre nos anos de 1912 a 1916, a Guerra do Contestado foi marcada pela
disputa territorial dos Estados de Santa Catarina e Paraná, caracterizou-se por ser um conflito de
crueldade envolvendo soldados militares do governo brasileiro e os habitantes daquela localidade,
os sertanejos. Esse embate resultou em muitas pessoas mortas e feridas.
Alguns estudiosos afirmam que a guerra do Contestado foi um movimento messiânico,
pois estava vinculado à crença do povo caboclo em um dos grandes ícones da guerra, o monge
João Maria, que aconselhava, curava os doentes e transmitia uma mensagem de coragem. Sabe-se
que, foram três monges que peregrinavam pela região do Contestado, o primeiro João Maria de
Agostini “o santo”, o segundo João Maria de Jesus “político” e o último, José Maria “o
guerreiro”. (FRAGA, et al., 2012).
Segundo Fraga (2010, p.116), “a Guerra do Contestado é um episódio complexo, pois é
alimentado por vários fatores que se entrelaçam, seja de ordem social, política, econômica,

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cultural, sejam de ordem religiosa”. A região do Contestado, foi marcada por um dos maiores
massacres humanos dentro do território brasileiro. A guerra envolveu tropas do governo e
caboclos, povos que já habitavam a região desde tempos remotos.
Os habitantes daquela região, segundo Bittencourt (2012, p. 25), estavam “[...] perdidos
no tempo escuro da história, ainda não conta, formou-se da miscigenação do indígena com o
branco português e espanhol migrante originário das expedições exploratórias, de conquista e das
missões religiosas”. Segundo Engelmann (2012, p.235-236) habitavam aquela localidade: “[...] a
muito tempo, de forma espalhada, usufruindo da posse da terra; [...] isolados nos sertões e nas
matas de araucárias, onde colhiam a erva-mate, cultivavam roçados e criavam pequenos animais,
como, por exemplo, porco.
Pode-se dizer que o povo sertanejo tinha uma vida sossegada, isto é, antes da guerra,
sobreviviam da agricultura, extração da erva mate e da madeira, da criação de animais, realizam
festas religiosas, procissões, sendo eles seguidores de um catolicismo rústico (LIMA; TONON,
2013).
De acordo com Benzak (2012) os caboclos eram considerados pobres, vivendo em
pequenas propriedades em habitações muito precárias feitas com pequenos troncos e cobertas
com folhas de bambus, alguns possuíam alguns animais como o cavalo e armas de fogo, porém
em comparação aos colonos eram considerados inferiores. Temendo as transformações, lutaram
bravamente contra as tropas do governo brasileiro em defesa de sua terra.
Diante disso, têm-se as principais questões que geraram esse conflito, entre as causas
destacam-se o Monge João Maria, que deu à guerra uma característica de movimento messiânico,
pois os caboclos o tinham como um líder religioso. A luta pela terra foi outro fator determinante
para o estopim da guerra, por meio da construção da linha férrea, que ocasionou a expulsão do
povo caboclo do seu território. Outro fator que também contribuiu para estourar a guerra do
Contestado foi à disputa interestadual que envolveu os Estados do Paraná e Santa Catarina pela
aquisição da região em litígio (FRAGA, 2010).
Vale ressaltar que entre os principais fatos que contribuíram para a guerra, foi a
construção da linha férrea, pois no ano de 1888 foi traçado onde seriam assentados os trilhos de
uma estrada de ferro, que ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul, e consequentemente, a linha
férrea atravessaria Paraná e Santa Catarina (FRAGA, 2010).
Neste contexto de integração entre os Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, o
ministro catarinense, Lauro Muller convidou o norte-americano Percival Farquhar para vir ao
Brasil, ele foi quem fundou a Brazil Railway, a empresa:

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Objetivando rapidamente colonizar as terras que havia obtido em pagamento


pela construção da estrada de ferro, [...], em 1911, tratou de coloca para fora de
seus domínios todas às pessoas que ocupavam terras e que não possuíam títulos
de propriedade (FRAGA, 2010, p. 123).

A intenção da Brazil Railway era expandir seus domínios nas terras do Contestado, que
há tempos os sertanejos ocupavam. Com a construção da ferrovia, a empresa Brasil Railway teve
a função de explorar as terras, consequentemente acabando com os recursos vitais do sertanejo,
que eram as matas e os ervais, causando danos no setor econômico e ambiental, trazendo um
grave problema de exclusão social (BENZAK, 2012).
A finalidade do governo de 1888 era interligar o Brasil Sul ao Brasil Centro-Leste,
cortando com a construção da estrada de ferro no interior de Santa Catarina e do Paraná,
objetivando ocupar essas terras e colocar pra fora dela todos os seus moradores que não
possuíssem nenhum documento que comprovasse que as terras por eles habitadas eram deles. O
intento era dominar e explorar as terras com a extração de madeiras que em meados da Primeira
Guerra Mundial foi um produtor gerador de um lucro significativo, pois seu preço estava em alta
no mercado internacional, sendo estabelecidas nessas localidades serrarias ligadas diretamente às
empresas que construíram a estrada férrea, uma delas a Lumber, considerada a maior madeireira
da América do Sul (FRAGA, 2010).
Com o término da construção da estrada férrea, os pequenos agricultores que moravam
por dezenas de anos naquelas terras se sustentando e morando foram expulsos por uma força
paramilitar da empresa Lumber, sendo eles mais ágeis do que o exército Brasileiro, tanto os
sertanejos como esse grupo armado, integrantes foram mortos, sendo o princípio de tudo
(FRAGA, 2010).
A construção da estrada de ferro causou grandes problemas para a população sertaneja
das terras contestadas.

Para desalojar o posseiro e o pequeno proprietário, a Lumber organizou uma


força paramilitar, mais ágil que a Justiça brasileira. Fortemente armado, o grupo
vasculhou os pinheirais da empresa para expulsar e até matar. De ambos os
lados pessoas morreram, outras sobreviveram [...]. A posse da terra perdida e o
pinheiro roubado desesperavam milhares de caboclos que não tinham para
onde se dirigir, pessoas sem um lugar para morar e logo para se sustentar [...]
(FRAGA, 2010, p.127).

Em meio a tanto pavor, os camponeses formaram um bravo exército com armas


rústicas e não bélicas, contendo crianças, adultos, homens, mulheres, ex-funcionários da Estrada
de Ferro, foragidos da justiça e outros mais agregados apegados a terra em que viviam e extraíram
seu sustendo lutaram pela sobrevivência e por sua terra, porém o grande Exército Brasileiro com

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uso de aparelhos de guerra, tais como canhões, metralhadoras, bombas, fuzis entre outros
instrumentos de combate foram impor ordem e lei, espantar cruelmente o povo que ali morava e
conhecia a natureza e seus segredos, prevalecendo no primeiro momento da guerra (FRAGA,
2010).
Vê-se que no caso da guerra do Contestado, o povo tinha um conhecimento geográfico
não institucionalizado, porém útil para vencer alguns combates, o caboclo criou o seu próprio
território, nisso, não aceitaram um novo domínio, unindo forças locais para lutar conta uma
ordem desigual e em defesa de seu território.
É de suma importância destacar que a Guerra também teve como motivo de causa, os
problemas de limites entre Santa Catarina e Paraná, a região leva o nome de Contestado, pois a
área era de litígio e os atuais estados do Paraná e de Santa Catarina lutavam para ter aquela parte
em seus territórios, motivo esse que gerou muitas discussões encaminha para o Supremo
Tribunal Federal (STF), que com decisões e insatisfações entre os estados o STF aprovou a
demarcação dos limites territoriais no ano de 1916 (FRAGA, 2010).
No aspecto econômico, refere-se à extração da madeira e sua venda no exterior, o social
é marcado pela pelas terras que os camponeses perderam, em âmbito cultural, a guerra teve um
caráter religioso. Em meio as discussões e controvérsias de delimitação territorial entre os estados

[...] já se incendiara o estopim nos campos do Irani – a guerra e genocídio nas


terras contestadas haviam iniciado. E, naquele momento, do lado paranaense, a
imprensa incitava os ânimos, o bairrismo se exaltava e se usava argumentos
como criminalidade no território catarinense do Contestado. (FRAGA, 2010,
p.118).

Percebendo a gravidade do problema em questão, o presidente da época, Wenceslau


Braz, interferiu na questão, convidando os governadores para propor uma solução, onde o
próprio presidente tomou a decisão da divisão do território em guerra. E, no dia 20 de outubro
de 1916 foi assinado o acordo de limites pelos representantes dos dois Estados (FRAGA, 2010).
Com o acordo assinado, a guerra foi finalizada, mas no ano de 1917 foi o ano da
“limpeza”, segundo o que descreve Fraga (2010). A intenção foi de expulsar e matar os posseiros
da região. Com enorme violência, assassinatos e destruições, e a morte do monge José Maria no
início dos conflitos no ano de 1912, nos Campos do Irani, a guerra se desencadeou com
proporções maiores (FRAGA, 2010). Por conseguinte, até os dias atuais o monge é lembrado e
cultuado por seus devotos. O mesmo ressuscitou na mente de várias pessoas que acreditam nos
milagres realizados. A seguir, serão apresentados os três monges do contestado, destacando de
forma geral sua atuação na Guerra do Contestado.

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Os Monges e Seu Papel Messiânico na Região Contestada


Nos redutos do Contestado imperava a religião católica rústica, propagada pelos
monges, que faziam rezas, benzimentos, casamentos e ritos de cura, assim os mesmos foram
ganhando a confiança de um povo simples e carente de assistência religiosa, pois era quase
inexistente a presença de sacerdotes católicos, raramente estes passavam pelas regiões do
Contestado.
Por estas razões, Guerra do Contestado é considerada um movimento messiânico, pois:

“Para que um movimento caracterize-se como messiânico, deve contar as


propostas básicas da crença popular na volta do Messias. O Contestado foi
também um movimento tido como messiânico. Os responsáveis pela
caracterização desse movimento foram os monges que deixaram, por onde
passaram registros em todo Sul do País.” (FRAGA, 2010, p.129).

Neste aspecto, a Guerra do Contestado caracteriza-se como um movimento messiânico,


pois o povo caboclo acreditava nos monges, que por ali passaram, antes de acontecer o conflito.
Eles traziam ao povo uma mensagem de esperança e encorajamento, que para o povo sertanejo
acabaram se tornado heróis (FIRMINO; DEPIERI, 2009).
Um movimento messiânico:

É todo aquele que em um número maior ou menor de pessoas, em estado de


grande exaltação emotiva, provocada pelas tensões sociais. Reúnem-se no culto
a um indivíduo considerado portador de poderes sobrenaturais, e se mantém
reunidas na esperança mística de que serão salvas de uma catástrofe universal
[...] (QUEIROZ, 1977, p.251)

Nota-se que o movimento messiânico está relacionado ao apego de um povo com um


ser sobrenatural que os poderá livrar que algo que está prestes a acontecer. Ou também o reunir
com alguém considerado um mensageiro ou intermediário dotado de poderes advindos do
sobrenatural (QUEIROZ, 1977).
Nos dizeres de Queiroz (1977), o surgir de um movimento messiânico está ligado há
motivos de revoltas “de escravos, de camponeses, de gente pobre ou de povos oprimidos”
(p.251). Diante dessa perspectiva, o povo caboclo apresentava fé e confiança nas palavras,
pregações e rituais religiosos como orações e benzimentos realizados pelo monge, e foram por
ele encorajados a lutar em defesa de suas terras.
Tonon (2008) considera o messianismo como um movimento que envolve a crença do
coletivo na vinda de um Messias, que irá acabar com a ordem que governa no momento e
estabelecer uma nova ordem de justiça e felicidade. As pessoas do movimento messiânico lutam
por justiça e igualdade, e há um personagem principal que leva uma mensagem de esperança a

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estes. Para afirmar o messianismo na Guerra do Contestado:

O messianismo, no movimento Contestado, encontrou sua força a partir da


morte do monge José Maria, no combate do Irani. A espera consolidou as
esperanças de seu retorno, e suscitou a formação das irmandades sertanejas. A
espera no retorno do monge transformou-se numa espécie de religião, que
sustentou pela fidelidade de seus adeptos ou crentes (BURGINSKI, 2012,
p.175).

O Monge José Maria foi uma pessoa notável na Guerra do Contestado, o mesmo foi um
líder religioso, no qual conduziu e morreu em batalha no Irani, porém deixou uma mensagem de
fé ao povo caboclo (ARAÚJO, 2012). Em decorrência, como já mencionado, da ausência de um
sacerdote católico, o monge tornou-se para aquele povo uma pessoa de grande importância no
âmbito religioso, pois era notável a presença de um catolicismo rústico quando a companhia
colonizadora chegou até o local trazendo alguns padres ou frades, os quais não foram bem
recebidos, pois o povo que ali estava, desconfiava da maneira em que eles procediam, pois
cobravam para realizar sacramentos, algo que o monge não realiza por dinheiro (ARAÚJO,
2012).
O monge João Maria foi mais admirado do que os oficiais da igreja, pois a população
sertaneja enaltecia a cultura popular por intermédio dele, qual trazia certo encantamento, até por
que ele tinha uma vida simples, sem cobrar pelos atos religiosos e não se hospedava em casa
alguma, porém repousava em baixo de árvores ou em grutas próximas a nascente de água,
percorrendo toda a região Sul.
Segundo Araújo (2012), existiram três monges: João Maria Agostini, João Maria de Jesus
e José Maria Agostini. Em 1851 surge o primeiro monge, benzia e curava as pessoas e
desapareceu no ano de 1890, o segundo percorria benzendo, batizando e casando, cabe ressaltar
que ele trazia informações para o povo falando sobre a chegada da ferrovia e do trem. Para os
crentes nele, ele não morreu e sim se encantou no Morro Taió, e desapareceu em 1908, o terceiro
é tido como um guerreiro reunia as pessoas para fazer leituras do livro do rei Carlos Magno e
seus Doze Pares de França.
João Maria de Agostini, o “santo” (Figura 1) era um homem simples, vivia isolado,
compartilhava da sua fé, solteiro de baixa estatura, de pele clara. Não se sabe exatamente quando
se deu sua chegada ao Brasil, pois segundo alguns autores o mesmo era italiano nascido em 1891,
viajou e percorreram vários Estados no Brasil, entre eles Pará, Rio de Janeiro e São Paulo
(FRAGA, et.al.2012).
Por onde passava fixava cruzes, o mesmo também perambulou por Santa Catarina e Rio
Grande do Sul, colando cruzes de cedro não falqueado com a intenção de levar o povo à fé cristã,

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e quando esses pedaços de madeira brotavam e tornava-se uma árvore as pessoas acreditavam ser
um milagre (QUEIROZ, 1977).

Figura 1: Monge João Maria de Agostini – O primeiro monge

Fonte: Neves, 2008a.

É importante destacar que João Maria participava de missas, e ao termino das missas, se
reunia com outras pessoas e as aconselhava, sua passagem pelos Estados do Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul revelam uma vida voltada às pregações religiosas (FRAGA, et al.,
2012).
Queiroz (1977), destaca que os sertanejos consideravam João Maria como um curador,
o mesmo receitava aos enfermos chá de vassourinha, que para as pessoas o poder não estava na
planta, mas sim por ser receitada pelo monge, atribuindo a ele força mágica e milagrosa em tudo
que fazia ou tocava, às nascentes de água benzidas por ele era dada um poder de cura, pessoas
buscavam essa água acreditando ser curadas de qualquer mal.
Segundo Queiroz (1977), o monge João Maria vivia perambulando e procurava repousar
sempre próximo a uma nascente de água, e quando deixava o local o mesmo era atribuído
propriedades miraculosas, os caboclos o consideravam não apenas como um curador, mas lhe
davam um caráter de sacerdote e profeta, nisso o monge tem um papel singular no surgimento do
movimento messiânico. João Maria de Agostini tinha uma vida centralizada em longas orações, a
vida contemplativa, na ausência de pessoas e no isolamento (TOMAZI, 2010).
Já João Maria de Jesus “o político” (Figura 2), o segundo monge tinha algumas
características parecidas com a do primeiro monge, como não aceitar dinheiro e não repousava na
casa das pessoas. Este com características políticas apareceu por volta de 1893, para alguns

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pesquisadores, ele aprendeu muitas lições com João Maria de Agostini, conhecendo seus hábitos
e costumes, não era contemplativo, porém era homem ágil e percorreu regiões dos Estados de
Santa Catarina e Paraná, atuando contra a República e auxiliando a população rural do país
(FRAGA, et al., 2012).

Figura 2: Monge João Maria de Jesus – o segundo monge.

Fonte: Prudentópolis, 2015.

Este monge, de acordo com os escritos de Fraga, et al. (2012, p. 54) “[...] desapareceu
nos primeiros anos do século XX, por volta de 1908 [...].” Para alguns o monge “[...] morreu no
hospital de Ponta Grossa, no Paraná; outros dizem, que a sua sepultura fora cavada em Lagoa
Vermelha, no Rio Grande do Sul [...]”, mas o povo sertanejo da área acredita que “[...] ele apenas
havia se retirado [...] e que poderia aparecer novamente depois de ter desaparecido no morro
Taió.
O terceiro monge, José Maria (Figura 3), o guerreiro, de acordo como os estudos de
Araújo (2012, p. 229) “[...] atacava duramente a República e as populações abastadas, incitando a
revolta do povo”. Fez com que os sertanejos se revoltassem contra a Companhia da Estrada de
Ferro e a República, no primeiro combate José Maria foi morto pelo comando dos militares no
faxinal do Irani -SC, tornando-se um herói para os caboclos e caboclas (BURGINSKI,2012).
Ainda em estudo sobre o monge:

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“O monge José Maria já era respeitado e suas visitas arrastavam multidões. Em


suas histórias pregava o fim dos tempos estava chegando [...] Como o monge
João Maria era um desertor militar, sabia como prosseguir com táticas de guerra
[...].” (ARAÚJO, 2012, p. 230)

Figura 3: Monge José Maria e as virgens – o terceiro monge.

Fonte: Neanous, 2013

Nisso, observa-se que o monge José Maria era alguém que atendeu às necessidades de
um povo sofrido e em ameaça. Seu jeito em lidar com as pessoas fez com que ele se tornasse um
herói (FIRMINO; DEPIERI, 2009). Ele é considerado um guerreiro e curador para alguns, para
outros um criminoso. José Maria, segundo Fraga et al. (2012), usava um boné parecido com o de
João Maria, sendo para alguns identificado como irmão do monge que já havia passado pela
região, ele tinha comportamentos diferentes, pois não tinha o habito de se retirar para fazer suas
orações e se interligar com o Criador.
Sua fama percorreu a região contestada por causa do seu poder curador, alguns diziam
que ele ressuscitou uma menina, que possivelmente seria vítima de catalepsia, em outros casos de
cura recebia recompensas que por ele eram rejeitadas, a partir disso ele foi considerado como um
homem santo, tendo a missão de curar os enfermos e ajudar os menos favorecidos (FRAGA, et
al., 2012).
Com sua fama se espalhando, atraiu vários seguidores que com ele andavam vivendo
com os sertanejos do Irani - SC, agregou muitas pessoas que temendo a polícia por desordens e
mazelas interferiu e José Maria que foi avisado a tempo, consegue escapar (QUEIROZ, 1977).
Consequentemente, sua passagem pelos territórios do Contestado deixou marcas
simbólicas, de pessoas que atualmente acreditam, por meio da fé, no poder de cura que há no
local onde João Maria passou. Algumas cidades foram visitadas por eles, que em consequência
tem marcos de suas passagens, tais como grutas, olhos d’água, capelas, arvores, entre outros.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se nessa pesquisa, analisar a relevância do messianismo para a Guerra do
Contestado, destaque para os sertanejos que acreditavam de forma transcendente nas ações dos
monges do Contestado, pois a eles foram depositadas a confiança e a fé por conta a ausência de
uma religião institucionalizada na região.
Os monges pregavam um catolicismo rústico, visto que o catolicismo não era
institucionalizado no local, como também realizavam batismos, casamentos, benzimentos, entre
outros rituais religiosos, com isso o povo apegou-se as tais práticas. Em meio à guerra, os monges
atuaram de forma determinante transpassando aos sertanejos a esperança de mudanças e o fim do
conflito.
É importante salientar que os protagonismos dos monges foram tão relevantes que
mesmo após a morte do monge José Maria em meio ao conflito, o povo continuou resistido aos
ataques e acreditando que o mesmo desapareceu e poderia retornar.
E, ainda hoje o monge é lembrado e cultuado, pois por onde o mesmo passou deixou um
símbolo de sua passagem, que são espaços considerados sagrados pelos devotos ao monge, os
fiéis acreditam que nesses locais podem ter um contato íntimo com as forças transcendentais, por
essa e outras razões apresentadas considera-se a Guerra do Contestado como um movimento
messiânico.

REFERÊNCIAS

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luta pela vida. In. FRAGA, N. C. (Org.). Contestado em Guerra: 100 anos de massacre
insepulto do Brasil, 1912-2012. Florianópolis: Insular, p.219-232, 2012.

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TONON, E. (Org.). Centenário do Movimento do Contestado. União da Vitória: Gráfica e
Editora Kaygangue Ltda, p.187-191, 2012.

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uma visão holística. Joaçaba,2012.

BURGINSKI, S. M. O Conflito entre Santa Catarina e Paraná: Guerra do Contestado. In


TONON, E. (Org.). Centenário do Movimento do Contestado. União da Vitória: Gráfica e
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ENGELMANN, Sandra Andrea. Contestado - Uma guerra antes de tudo camponesa. In.
FRAGA, N. C. (Org.). Contestado em Guerra: 100 anos de massacre insepulto do Brasil,
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FELDHAUS, F. A região do contestado como espaço de representação do sagrado.


Dissertação (Mestrado em Geografia), Universidade Federal do Paraná, Curitiba, p. 167, 2008.

FIRMINO, L. A.; DEPIERI, B. L.V. A Guerra do Contestado: Um Conflito Social e Messiânico.


In: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA, 4, 2009. Anais... Maringá:
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In Fraga, N. C. (Org.) Contestado em Guerra: 100 anos de massacre insepulto do Brasil -1912 –
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Recebido em: dezembro de 2020.

Publicado em: dezembro de 2020.

Geographia Opportuno Tempore, Londrina, v.6, n. 2, p. 75 - 86, maio/agosto. 2020


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