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Colaborou com este manual:

Fotografias — Éden Nascimento da Silva — CB BM

Copyright (c) 2011 — 6º Subgrupamento de Bombeiros do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul. É

garantida a permissão para copiar, distribuir e/ou modificar este documento sob os termos da Licença de Documentação Livre GNU (GNU

Free Documentation License), Versão 1.2 ou qualquer versão posterior publicada pela Free Software Foundation; sem Seções Invariantes,

com os textos da capa da frente sendo Manual de Atendimento Pré-Hospitalar do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Mato Grosso do

Sul, e sem Textos de Quarta Capa. Uma cópia da licença é incluída na seção intitulada “Licença de Documentação Livre GNU” (pág. 423).
Dedicatória

À minha esposa Gislaine, pelo carinho, compreensão, dedica-

ção, apoio e principalmente pelo amor que me tem ofertado, me conce-

dendo a força e coragem necessária para a conclusão deste importante

trabalho, inclusive abdicando de momentos ímpares de convivência

familiar e a Deus, por permitir que tudo isso se realizasse.

Dedico ainda este trabalho a todos os que, direta ou indireta-

mente, vêm contribuindo para o salvamento de vítimas.


Prólogo

“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo,

não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se co-

nhece mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha

sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o ini-

migo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas...” (Sun Tzu)


Apresentação

E
especialização, de graduação, de cabos, de sargentos e de oficiais.
Não importa como, se autodidata, ou matriculados em cursos,
m trinta e três anos de vida e dezesseis de profis- nossos bravos socorristas estão cada vez melhores, cada vez mais
são, pude perceber, talvez até prematuramente, o técnicos, cada vez mais excelentes naquilo que fazem.
quão necessária é a evolução do conhecimento humano. Uma evolu- Assim como tais militares, este modesto manual simboliza
ção que consequentemente acarreta benefícios a todos os segmentos uma evolução daquilo que inicialmente foi concebido como uma
da sociedade. E assim não poderia ser diferente em relação aos socor- apostila para um curso de pré-hospitalar nível intermediário, com
ristas do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do carga-horária de sessenta e duas horas aulas. No ano 2002, o então
Sul. É notória a evolução do conhecimento desses que praticam a comandante do 2º Grupamento de Bombeiros determinou à seção de
técnica do pronto socorrismo na Corporação. ensino da unidade, a qual eu chefiava, que providenciasse o referido
Lembro-me bem quando cheguei da Escola de Formação e curso, para que fosse aplicado aos bombeiros militares que não pos-
Aperfeiçoamento de Oficiais do Estado do Rio de Janeiro. Naquele suíssem o curso de Resgate.
momento, o Governo Estadual estava adquirindo novas viaturas de Missão dada, missão cumprida. Passadas algumas semanas,
atendimento pré-hospitalar para as unidades do Corpo de Bombeiros. com o apoio de minha equipe, à época o cabo Lima e o soldado De
Tratavam-se das memoráveis UTE — Unidades Táticas de Emer- Almeida, hoje sargento e cabo, respectivamente, conseguimos apre-
gência, que atualmente não se encontram mais nos quartéis da Cor- sentar uma apostila adequada ao Curso de Atendimento Pré-
poração. Hospitalar.
Recordo-me ainda que naquela época, no que se refere à distri- Algumas turmas foram formadas, e qual foi nossa surpresa, ao
buição dos atendimentos, toda Campo Grande era contemplada por saber que o material produzido ali na 3ª Seção do 2° Grupamento se
apenas dois quartéis, a sede do 1° GB (Grupamento de Bombeiros) espalhava por várias unidades do Estado. Aquidauana, Campo Gran-
na avenida Costa e Silva, e o 2° Subgrupamento do 1° GB, no bairro de, vários instrutores passaram a adotá-la como referência em suas
Coronel Antonino. aulas de APH. Até que chegou ao CFAP — Centro de Formação e
Minha memória não é lá aquelas coisas, mas naquele ano de Aperfeiçoamento de Praças, e após algum tempo, foi adotada no
1998, quando ainda era aspirante a oficial, lembro-me de ter partici- Curso de Resgate e Atendimento Pré-hospitalar, tanto nas turmas
pado dos treinamentos para operação de um novo equipamento que formadas em Campo Grande, como em Dourados.
havia recentemente sido entregue pelo fabricante à Corporação, cuja A verdade é que esta Corporação não possuía um Manual de
finalidade era o desencarceramento de vítimas presas em ferragens, Atendimento Pré-Hospitalar oficial que servisse de parâmetro e dou-
ainda até hoje conhecido como Aparelho Lukas. trina para o ensino e aprendizado das guarnições. Lembro-me bem
Ainda aproveitando este momento nostálgico, lembro-me dos quando fiz o Curso de Resgate no ano dois mil, recebemos como
cursos de socorristas que havia naquele tempo, cuja duração era de material didático uma cópia da cópia do manual do Estado do Para-
uma carga-horária inferior à metade que atualmente é oferecida aos ná, o qual inclusive fora a principal fonte bibliográfica para a apostila
alunos dos cursos atuais. que posteriormente confeccionamos em Dourados.
O ano é dois mil e onze, e treze anos após ter iniciado os traba- O fato é que o material inicialmente preparado para um curso
lhos nesta corporação, percebo o quanto evoluímos; percebo como intermediário tornara-se a referência para o ensino de Atendimento
nos tornamos melhores naquilo que efetivamente fazemos; onde para Pré-Hospitalar nos cursos oferecidos na Corporação. E esse fato,
muitos pode ser simples, mas para outros simboliza uma nova chan- além, claro, de muita alegria, trouxe-nos uma responsabilidade ainda
ce de vida: assistir o próximo! Salvar vidas! Resgatar pessoas! maior, uma necessidade veemente de melhorar e atualizar a primeira
Hoje, os tempos são outros. Evoluímos. As viaturas tripuladas edição da apostila de APH.
pelos socorristas são sensivelmente melhores que as antigas UTEs. Como referenciado no início destas palavras, nossos socorris-
Com equipamentos modernos, os quais nos permitem atender com tas buscam a constante evolução do conhecimento, e percebeu-se que
excelência àqueles que nos aguardam por todo este imenso Estado. muitas das técnicas de atendimento vinham sofrendo, após estudos
Os aparelhos de desencarceramento se fazem presentes em todas as científicos na comunidade internacional, algumas importantes modi-
unidades desta Corporação. Campo Grande dispõe de quase uma ficações, que fez com que o material confeccionado em dois mil e
dezena de unidades operacionais. E quanto ao curso de pronto- dois viesse a ficar desatualizado.
socorrismo, que atualmente leva o nome de Resgate e Atendimento Em razão disso, não se restou outra alternativa, a não ser bus-
Pré-Hospitalar, possui carga-horária equivalente a um curso de pós- carmos o aprimoramento do material inicial. Buscar as atualizações,
graduação, tendo formado turmas cada vez mais qualificadas para o pesquisar as mudanças, reuni-las e levá-las aos socorristas. Passados
exercício da profissão. dezesseis meses de pesquisas realizadas por este Oficial e três anos
Percebo que muitos de nossos socorristas têm tido a preocupa- de análises pela comissão responsável pela sua aprovação, aqui está o
ção do aprimoramento, da constante reciclagem dos conhecimentos resultado. Após considerável sacrifício e várias horas laborais, quase
adquiridos. Alguns se matriculam em faculdades, em busca de mais e que totalmente cumpridas no aconchego do lar, finalmente apresento
mais conhecimento. Outros se aprimoram em cursos internos de este Manual de Atendimento Pré-hospitalar que, sem dúvida, vai
colaborar com a constante evolução do conhecimento dos socorris-
tas do CBMMS.
Desta vez, como não poderia deixar de ser, a principal base
bibliográfica e fonte de pesquisa foi a tradução da sexta edição do
Livro PHTLS — Prehospital Trauma Life Support — obra produzi-
da pelo Comitê do PHTLS da National Association of Emergency
Medical Technicians (NAEMT), em cooperação com o Comitê de
Trauma do Colégio Americano de Cirurgiões. Obra esta considera-
da pelos profissionais de saúde como o livro de cabeceira de todo
socorrista.
Muito manteve-se da primeira edição. Entretanto, novos pro-
tocolos de procedimentos de emergência, estabelecidos pela comu-
nidade científica, foram agregados a esta obra. Enfim, reuniu-se em
pouco mais de quatrocentas páginas, um material adequado para os
treinamentos e atualizações de todos os socorristas e bombeiros.
Tentou-se assim, de alguma forma, contribuir para essa atividade
que, por muitos e muitos anos, continuará sendo a “menina dos
olhos”, não apenas desta honrosa Corporação, mas também deste
que escreve, e de você caro leitor, que se chegou até aqui, é porque
nutre grande paixão pela nobre missão de salvar vidas.
Sinto-me honrado em contribuir com a formação de inúmeros
profissionais que nunca mourejam na árdua missão de vidas e rique-
zas salvar. Devemos todos ter em mente que somos passageiros,
mas esta Corporação será eterna.
O Manual é de livre uso, sendo permitido copiar, distribuir e/
ou modificá-lo, sob os termos da Licença de Documentação Livre
GNU, devendo permanecer em constante evolução. Para tanto, con-
tamos com a colaboração de todos que enviem sugestões de altera-
ção e/ou correção para o email majorflavio@globo.com, lembrando
sempre de citar eventuais fontes bibliográficas originárias das suges-
tões.
Este Manual foi escrito e vem a lume, assim, sob a influência
da seriedade e do bem, por isso, que seja utilizado com sabedoria.
Desejo profundamente que o seja proveitoso, tornando maior o pra-
zer em caminhar pela fascinante estrada do conhecimento.

Naviraí-MS, 07 de setembro de 2011.

O coração entendido buscará


o conhecimento, mas a boca dos
tolos se apascentará de estultícia.
(Provérbios 15:14).
Acrônimos
ABIQUIM Associação Brasileira da Indústria Química
ADM Armas de Destruição em Massa
AESP Atividade Elétrica Sem Pulso
AHA American Heart Association
AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
ALS Advanced Life Support
AMBU Airway Maintenance Breathing Unit
AMPLA Alergias, Medicações, Passado Mórbido, Líquidos e Última Refeição, Ambiente
AMV Acidentes com Múltiplas Vítimas
ANSI American National Standards Institute
APH Atendimento Pré-hospitalar
ARAC Aparelhagem de Respiração Autocontida
ARC Comitê Australiano em Ressuscitação
ATP Trifosfato de Adenosina
AVE Acidente Vascular Encefálico
BLS Basic Life Support
BM Bombeiro Militar
BPM Batimentos Por Minuto
BVM Bolsa-Valva-Máscara
CBMDF Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal
CCE Cuidados Cardiovasculares de Emergência
CFM Conselho Federal de Medicina
CIT Centro de Informações Toxicológicas
CN Gás Cianeto
CO Monóxido de Carbono
CO2 Dióxido de Carbono
CRA Centro de Recuperação de Afogados
CVM Colisão de Veículo Motorizado
CTB Código de Trânsito Brasileiro
DC Débito Cardíaco
DEA Desfibrilador Externo Automático
DEPT Distúrbio do Estresse Pós-Traumático
DPOC Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
ECG Eletrocardiograma
EMS Emergency Medical Services
EPA Environmental Protection Agency
EPI Equipamento de Proteção Individual
ERC Conselho Europeu em Ressuscitação
ESV Extra-sístoles Ventriculares
EUA Estados Unidos da América
FB Fósforo Branco
FC Frequência Cardíaca
FV Fibrilação Ventricular
GCS Escala de Coma de Glasgow
GLP Gás Liquefeito de Petróleo
HIC Hipertensão Intracraniana
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
IAM Infarto Agudo do Miocárdio
ICC Insuficiência Cardíaca Congestiva
ILCOR Aliança Internacional dos Comitês em Ressuscitação
INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
IRA Insuficiência Renal Aguda
KED Kendrick Extrication Device
LCR Líquido Cefalorraquidiano
LCT Lesão Cerebral Traumática
LNCF Lesão Não Congelante pelo Frio
LPM Litros por Minuto
MRPM Movimentos Respiratórios Por Minuto
MS Mato Grosso do Sul
NC Nível de Consciência
NFPA National Fire Protection Association
NIOSH National Institute of Occupational Safety and Health
OBM Organização Bombeiro Militar
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
OVACE Obstrução de Vias Aéreas por Corpo Estranho
PAM Pressão Arterial Média
PaO2 Pressão Parcial do Oxigênio
PAS Pressão Arterial Sistólica
PASG Calça Pneumática Antichoque
PCR Parada Cárdio Respiratória
PCS Parada Cardíaca Súbita
PIC Pressão Intracraniana
PM Polícia Militar
PREC Postura para Reduzir o Escape de Calor
PS Pronto Socorro
PTS Escore de Trauma Pediátrico
PVS Estado Vegetativo Persistente
RAS Respirador de Ar Suprido
RCP Reanimação Cardiopulmonar
RN Recém-nascido
RPA Respirador de Purificação do Ar
RPAE Respirador de Purificação do Ar Elétrico
RPM Respirações por Minuto
RVP Resistência Vascular Periférica
SAMDU Serviço de Atendimento Médico Domiciliar de Urgência
SAMU Serviço de Atendimento Médico de Urgência
SaO2 Saturação de Oxigênio
SARA Síndrome da Angústia Respiratória Aguda
SAV Suporte Avançado de Vida
SBV Suporte Básico de Vida
SCI Sistema de Comando do Incidente
SME Serviço Médico de Emergência
SNC Sistema Nervoso Central
SNG Sonda Nasogástrica
SOBRAMFA Sociedade Brasileira de Medicina de Família
SRA Síndrome da Radiação Aguda
SRA Sistema Reticular Ativador
START Simple Triage and Rapid Treatment
SUS Sistema Único de Saúde
TC Tomografia Computadorizada
TCE Traumatismo Crânio Encefálico
TGI Trato Gastrointestinal
TRM Traumatismo Raquimedular
TV Taquicardia Ventricular
UR Unidade de Resgate
VPP Ventilação por Pressão Positiva
VS Volume Sistólico
Sumário
Capítulo 1 — Sistemas de Atendimento Pré-hospitalar e Perfil do Socorrista.................................................................................... 21

1. O serviço de APH no mundo............................................................................................................................................ 21


2. O serviço de APH no Brasil.............................................................................................................................................. 22
3. Regulação Médica............................................................................................................................................................. 23
4. Centrais de Regulação....................................................................................................................................................... 24
5. O Serviço de APH no MS................................................................................................................................................. 24
6. Missão dos Sistemas de APH........................................................................................................................................... 24
7. Perfil do Socorrista ............................................................................................................................................................ 24
8. Aptidões Necessárias......................................................................................................................................................... 25
9. Competências dos Socorristas........................................................................................................................................... 25

Capítulo 2 — Ética e Humanização...................................................................................................................................................... 29

1. Humanização: Um Abrandamento do Caráter Técnico da Medicina........................................................................................ 29

Capítulo 3 — Equipamentos para o APH ............................................................................................................................................ 31

1. Classificação dos Equipamentos ...................................................................................................................................... 31


2. Definição dos Equipamentos e Materiais......................................................................................................................... 31

Capítulo 4 — Biossegurança................................................................................................................................................................. 37

1. Definições.......................................................................................................................................................................... 37
2. Processos Infecciosos ........................................................................................................................................................ 38
3. Principais Doenças Infecciosas ......................................................................................................................................... 38
4. Precauções Padrão............................................................................................................................................................. 39
5. Classificação das Áreas..................................................................................................................................................... 41
6. Classificação dos Artigos .................................................................................................................................................. 41
7. Classificação dos Meios.................................................................................................................................................... 41
8. Conceitos ........................................................................................................................................................................... 41
9. Soluções de Desinfecção................................................................................................................................................... 42
10. Processamento dos Artigos............................................................................................................................................. 43
11. Processamento de Superfícies......................................................................................................................................... 44
12. Descontaminação de Tecidos Vivos............................................................................................................................... 44
13. Procedimentos com Alguns Materiais............................................................................................................................ 45

Capítulo 5 — Anatomia e Fisiologia .................................................................................................................................................... 47

1. Termos Anatômicos Gerais .............................................................................................................................................. 47


2. Divisão Do Corpo Humano.............................................................................................................................................. 48
3. Vias Aéreas........................................................................................................................................................................ 48
4. Aparelho Respiratório — Tórax ....................................................................................................................................... 49
5. Aparelho Circulatório........................................................................................................................................................ 51
6. Neurológico ....................................................................................................................................................................... 52
7. Abdome e Pelve ................................................................................................................................................................ 53
8. Sistema Músculo-Esquelético........................................................................................................................................... 54

Capítulo 6 — Direção Defensiva.......................................................................................................................................................... 59

1. Direção e Segurança.......................................................................................................................................................... 59
2. Elementos de Direção Defensiva...................................................................................................................................... 59
3. Direção em Condições Adversas .............................................................................................................................................. 60
4. Orientações para Evitar o Desgaste Físico ao Dirigir.............................................................................................................. 61
5. Inspeção Veicular ........................................................................................................................................................................ 62
6. Velocidade e Tempo de Reação................................................................................................................................................ 62
7. Como Parar .................................................................................................................................................................................. 63
8. Distância Segura.......................................................................................................................................................................... 64
9. Dirigindo uma Viatura de Resgate............................................................................................................................................ 64

Capítulo 7 — Cinemática do Trauma ............................................................................................................................................................ 67

1. Leis da Física................................................................................................................................................................................ 67
2. Fases da Cinemática do Trauma................................................................................................................................................ 69
3. Transferência de Energia entre um Objeto Sólido e o Corpo Humano ................................................................................ 69
4. Cavitação ...................................................................................................................................................................................... 70
5. Trauma Fechado e Penetrante.................................................................................................................................................... 71
6. Colisões Automobilísticas.......................................................................................................................................................... 71
7. Colisões Motociclísticas ............................................................................................................................................................. 77
8. Atropelamentos............................................................................................................................................................................ 79
9. Quedas .......................................................................................................................................................................................... 80
10. Lesões por Explosão ................................................................................................................................................................. 81
11. Ferimentos por Arma Branca (FAB)...................................................................................................................................... 81
12. Ferimentos por Arma de Fogo (FAF)..................................................................................................................................... 81
13. Efeitos Regionais dos Ferimentos Penetrantes ...................................................................................................................... 83
14. O Uso da Biomecânica na Avaliação ..................................................................................................................................... 84

Capítulo 8 — Sinais Vitais............................................................................................................................................................................... 85

1. Pulso.............................................................................................................................................................................................. 85
2. Respiração .................................................................................................................................................................................... 86
3. Pressão Arterial............................................................................................................................................................................ 87
4. Temperatura ................................................................................................................................................................................. 88

Capítulo 9 — Abordagem Inicial—Exame Primário .................................................................................................................................. 89

1. Avaliação da Cena....................................................................................................................................................................... 89
2. Avaliação do Paciente................................................................................................................................................................. 90
3. Estabelecimento de Prioridades................................................................................................................................................. 91
4. Exame Primário (Avaliação Inicial).......................................................................................................................................... 91
5. Impressão Geral........................................................................................................................................................................... 92
6. Vias Aéreas e Controle Cervical................................................................................................................................................ 93
7. Respiração (Ventilação).............................................................................................................................................................. 93
8. Circulação..................................................................................................................................................................................... 94
9. Estado Neurológico..................................................................................................................................................................... 95
10. Exposição................................................................................................................................................................................... 96
11. Reanimação ............................................................................................................................................................................... 97

Capítulo 10 — Abordagem Secundária......................................................................................................................................................... 99

1. Sinais Vitais.................................................................................................................................................................................. 99
2. Cor da Pele ................................................................................................................................................................................... 99
3. Temperatura ................................................................................................................................................................................. 100
4. Umidade ....................................................................................................................................................................................... 100
5. Tempo de Enchimento Capilar.................................................................................................................................................. 100
6. Histórico Ampla .......................................................................................................................................................................... 100
7. Cabeça........................................................................................................................................................................................... 100
8. Pescoço ......................................................................................................................................................................................... 100
9. Tórax............................................................................................................................................................................................. 101
10. Abdome...................................................................................................................................................................................... 102
11. Pelve............................................................................................................................................................................................ 102
12. Dorso........................................................................................................................................................................................... 102
13. Extremidades ............................................................................................................................................................................. 103
14. Exame Neurológico .................................................................................................................................................................. 104
15. Escore de Trauma Revisado .................................................................................................................................................... 105

Capítulo 11 — Controle e Desobstrução de Vias Aéreas ............................................................................................................................ 109

1. Fisiologia ...................................................................................................................................................................................... 109


2. Fisiopatologia............................................................................................................................................................................... 110
3. Controle das Vias Aéreas ........................................................................................................................................................... 111
4. Desobstrução das Vias Aéreas................................................................................................................................................... 113

Capítulo 12 — Reanimação Cardiopulmonar............................................................................................................................................... 117

1. Morte Clínica e Morte Biológica............................................................................................................................................... 117


2. Parada Respiratória...................................................................................................................................................................... 118
3. Parada Cardíaca ........................................................................................................................................................................... 118
4. Sinais de Parada Cardiopulmonar ............................................................................................................................................. 118
5. Delineação da Idade .................................................................................................................................................................... 118
6. Corrente da Sobrevivência para Adultos .................................................................................................................................. 118
7. Procedimentos para RCP............................................................................................................................................................ 119
8. RCP em Adultos.......................................................................................................................................................................... 120
9. RCP em Crianças ........................................................................................................................................................................ 123
10. RCP em Bebês........................................................................................................................................................................... 124
11. RCP em Neonatos..................................................................................................................................................................... 124
12. Complicações na RCP.............................................................................................................................................................. 125
13. Desfibrilador Externo Automático.......................................................................................................................................... 125
14. Tratamento Pós-ressuscitação.................................................................................................................................................. 127
15. Quando Interromper a RCP ..................................................................................................................................................... 128
16. Quando não Iniciar a RCP ....................................................................................................................................................... 129
17. RCP para Leigos ....................................................................................................................................................................... 129
18. Treinamentos ............................................................................................................................................................................. 129

Capítulo 13 — Hemorragias e Estados de Choque ...................................................................................................................................... 131

1. Coração......................................................................................................................................................................................... 131
2. Vasos Sanguíneos........................................................................................................................................................................ 132
3. Sangue........................................................................................................................................................................................... 132
4. Hemorragia................................................................................................................................................................................... 132
5. Controle de Hemorragias............................................................................................................................................................ 133
6. Choque.......................................................................................................................................................................................... 136
7. Definição de Choque .................................................................................................................................................................. 136
8. Classificação do Choque ............................................................................................................................................................ 136
9. Tipos de Choque.......................................................................................................................................................................... 136
10. Avaliação.................................................................................................................................................................................... 139
11. Exame Primário......................................................................................................................................................................... 140
12. Estado Neurológico................................................................................................................................................................... 141
13. Exposição do Corpo/Ambiente ............................................................................................................................................... 142
14. Exame Secundário .................................................................................................................................................................... 142
15. Fatores de Confusão.................................................................................................................................................................. 143
16. Tratamento ................................................................................................................................................................................. 144
17. Transporte Prolongado ............................................................................................................................................................. 146
18. Anafilaxia................................................................................................................................................................................... 147

Capítulo 14 — Ferimentos, Curativos e Bandagens .................................................................................................................................... 1144497

1. Classificação Geral dos Ferimentos .......................................................................................................................................... 149


2. Atendimento às Vítimas de Ferimentos.................................................................................................................................... 150
3. Cuidados nos Diversos Tipos de Ferimentos........................................................................................................................... 151
4. Resumo do Atendimento à Vítima de Ferimentos.................................................................................................................. 151
5. Curativos e Bandagens ............................................................................................................................................................... 151
6. Aplicações .................................................................................................................................................................................... 152
7. Bandagem em Rolo ou Atadura de Crepe ............................................................................................................................... 155
8. Considerações na Utilização de Ataduras ................................................................................................................................ 156

Capítulo 15 — Traumatismos Músculo Esqueléticos.................................................................................................................................. 157

1. Anatomia e Fisiologia................................................................................................................................................................. 157


2. Avaliação...................................................................................................................................................................................... 157
3. Mecanismo de Trauma............................................................................................................................................................... 158
4. Exames Primário e Secundário.................................................................................................................................................. 159
5. Lesões Músculo Esqueléticas Específicas................................................................................................................................ 160
6. Amputações ................................................................................................................................................................................. 168
7. Paciente Crítico com Trauma de Múltiplos Sistemas ............................................................................................................. 168
8. Síndrome Compartimental......................................................................................................................................................... 169
9. Síndrome de Esmagamento ....................................................................................................................................................... 169
10. Membro Destroçado................................................................................................................................................................. 170
11. Entorses ...................................................................................................................................................................................... 170
12. Transporte Prolongado ............................................................................................................................................................. 170
13. Observações Importantes ......................................................................................................................................................... 171

Capítulo 16 — Lesão Cerebral Traumática................................................................................................................................................... 173

1. Anatomia ...................................................................................................................................................................................... 173


2. Fisiopatologia............................................................................................................................................................................... 175
3. Avaliação...................................................................................................................................................................................... 177
4. Exame Primário........................................................................................................................................................................... 178
5. Exame Secundário....................................................................................................................................................................... 178
6. Lesões Específicas....................................................................................................................................................................... 179
7. Tratamento ................................................................................................................................................................................... 182

Capítulo 17 — Traumatismo Raquimedular................................................................................................................................................. 185

1. Anatomia da Medula Espinhal .................................................................................................................................................. 185


2. Fisiopatologia............................................................................................................................................................................... 186
3. Avaliação...................................................................................................................................................................................... 188
4. Atendimento................................................................................................................................................................................. 191
5. Transporte Prolongado................................................................................................................................................................ 193

Capítulo 18 — Traumatismo Torácico .......................................................................................................................................................... 195

1. Classificação................................................................................................................................................................................. 195
2. Mecanismos de Lesão................................................................................................................................................................. 195
3. Avaliação...................................................................................................................................................................................... 196
4. Fraturas de Costelas..................................................................................................................................................................... 196
5. Tórax Instável .............................................................................................................................................................................. 196
6. Contusão Pulmonar..................................................................................................................................................................... 197
7. Pneumotórax................................................................................................................................................................................ 197
8. Hemotórax.................................................................................................................................................................................... 200
9. Contusão Cardíaca ...................................................................................................................................................................... 200
10. Tamponamento Cardíaco......................................................................................................................................................... 201
11. Comoção Cardíaca.................................................................................................................................................................... 202
12. Ruptura Traumática de Aorta .................................................................................................................................................. 202
13. Ruptura de Traquéia/Brônquios .............................................................................................................................................. 203
14. Asfixia Traumática.................................................................................................................................................................... 204
15. Ruptura de Diafragma .............................................................................................................................................................. 204

Capítulo 19 — Traumatismo Abdominal...................................................................................................................................................... 205

1. Fisiopatologia............................................................................................................................................................................... 205
2. Avaliação...................................................................................................................................................................................... 206
3. Tratamento ................................................................................................................................................................................... 208
4. Considerações Especiais............................................................................................................................................................. 208

Capítulo 20 — Traumatismo Facial ............................................................................................................................................................... 211

1. Etiologia........................................................................................................................................................................................ 211
2. Cuidados de Emergência............................................................................................................................................................ 211
3. Traumatismo Ocular ................................................................................................................................................................... 212
4. Traumatismo do Ouvido ............................................................................................................................................................ 213
5. Traumatismo do Nariz................................................................................................................................................................ 215
6. Traumatismo na Boca................................................................................................................................................................. 215

Capítulo 21 — Emergências Obstétricas ....................................................................................................................................................... 217

1. Definições..................................................................................................................................................................................... 217
2. Estruturas Próprias da Gravidez................................................................................................................................................. 217
3. Parto Normal................................................................................................................................................................................ 217
4. Passos Finais no Parto de Emergência...................................................................................................................................... 220
5. Partos Dificultosos....................................................................................................................................................................... 221
6. Abortamento ................................................................................................................................................................................ 222
7. Trauma na Gestação.................................................................................................................................................................... 222
8. Cesariana no Pré-hospitalar........................................................................................................................................................ 223

Capítulo 22 — Afogamento............................................................................................................................................................................ 225

1. Definição ...................................................................................................................................................................................... 225


2. Epidemiologia.............................................................................................................................................................................. 226
3. Fatores de Submersão ................................................................................................................................................................. 226
4. Mecanismo de Lesão .................................................................................................................................................................. 227
5. Sobrevivendo a uma Submersão em Águas Geladas ............................................................................................................. 227
6. Classificação do Afogamento .................................................................................................................................................... 228
7. Prognóstico................................................................................................................................................................................... 228
8. Avaliação...................................................................................................................................................................................... 228
9. Tratamento ................................................................................................................................................................................... 229
10. Prevenção ................................................................................................................................................................................... 230
11. Salvamento................................................................................................................................................................................. 230
12. Atendimento .............................................................................................................................................................................. 231
Capítulo 23 — Queimaduras........................................................................................................................................................................... 237

1. Anatomia ...................................................................................................................................................................................... 237


2. Características da Queimadura .................................................................................................................................................. 237
3. Profundidade da Queimadura .................................................................................................................................................... 238
4. Bolhas ........................................................................................................................................................................................... 239
5. Estimativa do Tamanho da Queimadura.................................................................................................................................. 239
6. Tratamento Inicial da Queimadura............................................................................................................................................ 240
7. Exame Primário e Reanimação ................................................................................................................................................. 240
8. Exame Secundário....................................................................................................................................................................... 241
9. Transporte..................................................................................................................................................................................... 241
10. Queimaduras Elétricas.............................................................................................................................................................. 242
11. Inalação de Fumaça .................................................................................................................................................................. 242
12. Abuso Infantil ............................................................................................................................................................................ 243
13. Queimaduras por Radiação...................................................................................................................................................... 244
14. Queimaduras Químicas............................................................................................................................................................ 245
15. Controle da Contaminação....................................................................................................................................................... 246
16. Transporte Prolongado ............................................................................................................................................................. 246

Capítulo 24 — Traumas Ambientais — Calor e Frio .................................................................................................................................. 247

1. Anatomia ...................................................................................................................................................................................... 247


2. Fisiologia ...................................................................................................................................................................................... 247
3. Homeostase.................................................................................................................................................................................. 249
4. Fatores de Risco na Doença Relacionada ao Calor................................................................................................................. 249
5. Desidratação................................................................................................................................................................................. 250
6. Distúrbios Relacionados ao Calor ............................................................................................................................................. 251
7. Prevenção dos Distúrbios Relacionados ao Calor nos Socorristas........................................................................................ 255
8. Instruções para a Aclimatação ao Calor.................................................................................................................................... 256
9. Lesões Provocadas pelo Frio...................................................................................................................................................... 258
10. Distúrbios Relacionados ao Frio.............................................................................................................................................. 258
11. Instruções para o Tratamento dos Distúrbios Relacionados ao Frio ................................................................................... 264
12. Prevenção das Lesões Relacionadas ao Frio.......................................................................................................................... 265
13. Transporte Prolongado ............................................................................................................................................................. 265

Capítulo 25 — Eletricidade ............................................................................................................................................................................. 267

1. Efeitos da Corrente Elétrica sobre o Organismo...................................................................................................................... 267


2. Atendimento................................................................................................................................................................................. 268
3. Atendimento de Vítimas Expostas à Radiação Ionizante....................................................................................................... 268
4. Atendimento................................................................................................................................................................................. 268
5. Raios.............................................................................................................................................................................................. 268
6. Lesões Causadas por Raios ........................................................................................................................................................ 270
7. Avaliação...................................................................................................................................................................................... 271
8. Tratamento ................................................................................................................................................................................... 271
9. Prevenção ..................................................................................................................................................................................... 271

Capítulo 26 — Intoxicações Exógenas, Envenenamentos e Acidentes com Animais Peçonhentos ..................................................... 273

1. Abordagem e Primeiro Atendimento à Vítima de Envenenamento ..................................................................................... 273


2. Monóxido de Carbono................................................................................................................................................................ 273
3. Depressores do Sistema Nervoso Central ................................................................................................................................ 274
4. Estimulantes do Sistema Nervoso Central ............................................................................................................................... 274
5. Acidentes com Animais Peçonhentos ...................................................................................................................................... 274
Capítulo 27 — Emergências Clínicas e Psiquiátricas................................................................................................................................... 279

1. Doenças Cardiovasculares ......................................................................................................................................................... 279


2. Infarto Agudo do Miocárdio (IAM).......................................................................................................................................... 279
3. Dispnéia........................................................................................................................................................................................ 280
4. Síncope ......................................................................................................................................................................................... 280
5. Coma............................................................................................................................................................................................. 280
6. Acidentes Vasculares Encefálicos (AVE) ................................................................................................................................ 281
7. Crise Convulsiva ......................................................................................................................................................................... 281
8. Diabetes Mellitus......................................................................................................................................................................... 282
9. Abdome Agudo........................................................................................................................................................................... 283
10. Emergências Psiquiátricas........................................................................................................................................................ 283
11. Situações mais Frequentes Responsabilizadas por Provocarem Crises.............................................................................. 284
12. Fases da Crise ............................................................................................................................................................................ 284
13. Sinais de Alto Risco de Suicídio.............................................................................................................................................. 285

Capítulo 28 — Emergências Geriátricas........................................................................................................................................................ 287

1. Anatomia e Fisiologia do Envelhecimento .............................................................................................................................. 287


2. Avaliação...................................................................................................................................................................................... 289
3. Mecanismo do Trauma............................................................................................................................................................... 289
4. Tratamento ................................................................................................................................................................................... 290

Capítulo 29 — Emergências Pediátricas........................................................................................................................................................ 293

1. A Criança Traumatizada............................................................................................................................................................. 293


2. Fisiopatologia............................................................................................................................................................................... 295
3. Avaliação...................................................................................................................................................................................... 296
4. Tratamento ................................................................................................................................................................................... 300
5. Lesões Específicas....................................................................................................................................................................... 301
6. Transporte Prolongado................................................................................................................................................................ 304
7. Triagem Pediátrica em Desastres: JumpSTART .................................................................................................................... 304
8. Abuso e Negligência Infantil...................................................................................................................................................... 308

Capítulo 30 — Rotinas Operacionais ............................................................................................................................................................. 311

1. Eventos Afetos ao Corpo de Bombeiros .................................................................................................................................. 311


2. Procedimentos e Funções........................................................................................................................................................... 311
3. Locais de Crime........................................................................................................................................................................... 320

Capítulo 31 — Catástrofes e Acidentes com Múltiplas Vítimas ................................................................................................................ 321

1. AMV — Acidentes com Múltiplas Vítimas............................................................................................................................ 321


2. Estrutura de Comando ................................................................................................................................................................ 321
3. Armadilhas Comuns na Resposta a um Desastre.................................................................................................................... 322
4. Resposta a um Desastre .............................................................................................................................................................. 323
5. Resposta Psicológica aos Desastres........................................................................................................................................... 328
6. Educação e Treinamento para Desastres .................................................................................................................................. 329

Capítulo 32 — Produtos Perigosos................................................................................................................................................................. 331

1. Zonas de Controle da Cena ........................................................................................................................................................ 331


2. Descontaminação ........................................................................................................................................................................ 332
3. Classificação dos Produtos Perigosos ....................................................................................................................................... 334
4. Tipos de Lesão Ocasionada por Produtos Perigosos.............................................................................................. 335
5. Identificação do Produto............................................................................................................................................ 335
6. Equipamento de Proteção Individual....................................................................................................................... 336
7. Avaliação e Atendimento.......................................................................................................................................... 337
8. Ameaças Específicas Selecionadas.......................................................................................................................... 338
9. Acidentes Radiológicos ............................................................................................................................................. 339

Capítulo 33 — Remoção e Transporte......................................................................................................................................... 343

1. Noções de Mecânica................................................................................................................................................. 343


2. Extricação................................................................................................................................................................... 343
3. Regras Gerais de Imobilização da Coluna Vertebral ............................................................................................. 343
4. Imobilização com Colar Cervical............................................................................................................................ 344
5. Imobilização na Prancha Rígida.............................................................................................................................. 346
6. Remoção de Vítimas de Veículos ........................................................................................................................... 355
7. Retirada de Capacete................................................................................................................................................. 366
8. Conclusão................................................................................................................................................................... 367

Capítulo 34 — Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar ......................................................................................... 369

1. Por que o Traumatizado Morre................................................................................................................................ 369


2. Os Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado .......................................................... 370

Glossário ......................................................................................................................................................................................... 377

Referências Bibliográficas ............................................................................................................................................................ 391

Anexo I — Decreto Nº 5.055, de 27 de abril de 2004................................................................................................................ 393

Anexo II — Resolução CFM Nº 1.671, de 09 de julho de 2003 .............................................................................................. 395

Anexo III — Portaria GM/MS Nº 1.863, de 29 de setembro de 2003......................................................................................405

Anexo IV — Portaria GM/MS Nº 2.048, de 05 de novembro de 2002 .................................................................................. 407

Anexo V — Portaria GM/MS Nº 373, de 27 de fevereiro de 2002 ......................................................................................... 411

Anexo VI — Resolução CFM Nº 1.718, de 16 de abril de 2004 ............................................................................................. 413

Anexo VII — Resolução CFM Nº 1.643, de 07 de agosto de 2002......................................................................................... 415

Anexo VIII — Resolução CFM Nº 1.627, de 23 de outubro de 2001......................................................................................417

Anexo IX — Parecer CFM Nº 44, de 21 de novembro de 2001.............................................................................................. 419

Anexo X — Portaria Nº 737/GM, de 16 de maio de 2001........................................................................................................ 421

Anexo XI — Resolução CFM Nº 1.672, de 09 de julho de 2003 ........................................................................................... 423

Anexo XII — Resolução CFM Nº 1.451, de 10 de março de 1995......................................................................................... 425

Anexo XIII— Licença de Documentação Livre GNU.............................................................................................................. 427


Introdução

O
forma eficiente, retirar o paciente do local do incidente e transportá-
lo rapidamente para o hospital apropriado mais próximo.
atendimento às urgências e emergências não Ratificamos que nossos pacientes não nos escolhem. Em vez
deve ser visto como espetáculo cinematográfico, disso, eles chegam até nós por causa de alguma emergência e neces-
mas como um momento de cuidados, atenção, competência técnica, sitam de nosso atendimento. Nós escolhemos socorrer nossos paci-
de respeito e preservação dos direitos da pessoa. entes. Poderíamos ter escolhido outra profissão, mas não o fizemos.
Hoje é consenso no mundo todo que muito se pode fazer no Aceitamos a responsabilidade de cuidar de pacientes e, algumas
atendimento às urgências antes da porta dos hospitais para diminuir vezes, nas piores condições: quando estamos cansados ou com frio,
o sofrimento, aumentar as possibilidades de sobrevivência, e reduzir quando está chuvoso e escuro e, frequentemente, quando as condi-
seqüelas físicas e emocionais. Existem condições de oferecer solida- ções são imprevisíveis. Devemos aceitar essa responsabilidade ou
riedade no momento de crise, que é como toda urgência é sentida desistir dela. Devemos oferecer a nossos pacientes o que há de me-
pelo cidadão, seus familiares e amigos, assim como oferecer os cui- lhor em nós — não com equipamento sem prévia conferência, não
dados mais apropriados e necessários em todas e quaisquer circuns- com suprimentos incompletos, não com um conhecimento ultrapas-
tâncias. Para isto tem-se de observar o princípio da equidade, garan- sado e não com indiferença. Sem ler e aprender todos os dias, não
tido através da Constituição Federal, que deve ser seguido pelas poderemos saber qual o conhecimento técnico mais atualizado e
instituições que prestam atendimento de emergência. O atendimen- nem estarmos prontos para tratar dos pacientes. O presente manual
to, variável com a natureza do pedido, poderá se manifestar igual- contribui para enriquecer o conhecimento do socorrista e, ainda mais
mente de diversas maneiras, adaptadas a cada situação e que podem importante, beneficiar o paciente. Ao fim de cada jornada de traba-
variar desde um conselho ao demandante, assim como poderá se lho, devemos sentir que nosso paciente recebeu o melhor que temos
manifestar no envio de uma viatura, onde o atendimento será presta- a oferecer.
do e o transporte será efetuado até a unidade hospitalar de referência. Neste manual, daremos ênfase aos princípios de atendimento,
Ao nos tornarmos socorristas de atendimento pré-hospitalar, não a preferências. Ao enfatizar os princípios do bom atendimento
precisamos aceitar a responsabilidade de cuidar do paciente da me- ao paciente, estimula-se o raciocínio crítico. O Comitê Executivo da
lhor forma possível. Isto não pode ser feito se não tivermos conheci- Divisão PHTLS da NAEMT (National Association of Emergency
mento suficiente sobre o assunto. Não podemos esquecer que o Medical Technicians) acredita que, tendo uma boa base de conheci-
paciente não optou por se envolver em uma situação traumática. O mento, o socorrista pode tomar as decisões adequadas no atendi-
socorrista, no entanto, escolheu estar ali para atendê-lo. O socorrista mento do paciente. Processos mnemônicos fixados às custas de
é obrigado a dar tudo de si durante o atendimento de cada vítima. O repetição são desencorajados. Além disso, não existe uma “maneira
paciente pode ter tido “um dia ruim”, mas o socorrista, não. Ele deve padrão” de realizar uma determinada técnica. Ensina-se o princípio
estar sempre atento e preparado na luta do paciente contra a morte e por trás da técnica e, depois, é apresentado um método aceitável de
contra a enfermidade. realizar a técnica que está de acordo com o princípio. Entende-se que
A vítima é a pessoa mais importante no local de uma emer- não existe nenhum método único que possa ser aplicado em todas as
gência. Não há tempo para pensar sobre a sequência em que deve inúmeras situações concretas que ocorrem no pré-hospitalar.
ser feita a avaliação do paciente nem sobre que procedimentos de- Como citado na apresentação deste trabalho, a principal base
vem ter prioridade sobre os outros. Não há tempo para treinar uma bibliográfica deste manual é a tradução da 6ª edição do PHTLS,
técnica antes de a utilizar em um determinado paciente. Não há tem- cujos autores e editores adotaram uma abordagem “baseada em
po para pensar onde se encontra determinado equipamento ou mate- evidências”, o que inclui referências da literatura médica que susten-
rial dentro da mochila. Não há tempo para pensar para onde trans- tam os princípios fundamentais. Inclusive com documentos que
portar a vítima. Todas essas informações e outras mais devem estar marcam a posição sobre determinado assunto, tendo sido publicados
memorizadas e todos os equipamentos e suprimentos devem estar pelas respectivas organizações nacionais.
nas mochilas ao chegar ao local do incidente. Sem o conhecimento e
o equipamento adequado, o socorrista pode deixar de realizar proce- Urgência e Emergência
dimentos que poderiam aumentar a chance de sobrevivência do
paciente. As responsabilidades de um socorrista são grandes demais Antes de entrarmos no conteúdo específico de atendimento
para que ele possa cometer tais erros. pré-hospitalar, convém inicialmente conceituarmos as tão faladas
Todos os que trabalham no pré-hospitalar são membros da terminologias “urgência” e “emergência”.
equipe de atendimento ao paciente traumatizado, tanto quanto os
enfermeiros e os médicos do pronto-socorro, do centro cirúrgico, da Conceito Formal: segundo o Conselho Federal de Medicina
unidade de terapia intensiva, da enfermaria e do serviço de reabilita- (CFM), em sua resolução n° 1451, de 10/03/1995, temos:
ção. Os socorristas devem estar bem treinados para poderem, de
Urgência: ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou
sem risco potencial de morte, cujo portador necessita de assistência
médica imediata.
Emergência: constatação médica de condições de agravo à
saúde que impliquem em risco iminente de morte ou sofrimento
intenso, exigindo, portanto, tratamento médico imediato.
Conceito ampliado: segundo o professor Le Coutour, “o con-
ceito de urgência difere em função de quem a percebe ou sente”.
Para os usuários e seus familiares, pode estar associada a uma
ruptura de ordem do curso da vida. É do imprevisto que tende a vir a
urgência: “eu não posso esperar”.
Para o socorrista, a noção de urgência repousa não sobre a
ruptura, mas sobre o tempo, com prognóstico vital em certo interva-
lo: “ele não pode esperar”.
Para as instituições, a urgência corresponde a uma perturbação
de sua organização, é “o que não pode ser previsto”.
Assim, adotamos para fins organizacionais o abaixo exposto:
Emergências: são situações que apresentam alteração do
estado de saúde, com risco iminente de morte. O tempo para resolu-
ção é extremamente curto, normalmente quantificado em minutos.
Tais como: perda de consciência sem recuperação, dificuldade respi-
ratória de forma aguda acompanhada de cianose, chiado, dor intensa
súbita no peito acompanhada de suor frio, falta de ar e vômitos;
dificuldade de movimentação ou de fala repentina; grande hemorra-
gia; quadro alérgico grave com placas vermelhas, tosse, falta de ar e
edema; movimentos descoordenados em todo o corpo ou parte dele
acompanhado de desvio dos olhos, repuxo da boca com salivação
excessiva (baba); aumento súbito da pressão arterial, acompanhado
de dores de cabeça de forte intensidade. Acidentes domésticos gra-
ves com fraturas e impossibilidade de locomoção do enfermo, queda
de grandes alturas, choque elétrico, afogamentos e intoxicações
graves, e outros.
Urgências: são situações que apresentam alteração do estado
de saúde, porém sem risco iminente de morte, que por sua gravida-
de, desconforto ou dor, requerem atendimento médico com a maior
brevidade possível. O tempo para resolução pode variar de algumas
horas até um teto de vinte e quatro horas. Tais como: dores de cabe-
ça súbitas de forte intensidade, não habituais e que não cedem aos
medicamentos rotineiros; dor lombar súbita muito intensa acompa-
nhada de náuseas, vômitos e alterações urinárias; febre elevada em
crianças de causa não esclarecida e rebelde a antitérmicos, e outros.
Capítulo 1
Sistemas de Atendimento Pré-hospitalar e Perfil do Socorrista

S
repasse de conhecimentos de primeiros socorros com qualidade.
Posteriormente, essa idéia desencadeou a criação de vários Serviços
istema é o conjunto de partes integradas com uma de Emergências Médicas nos Estados Unidos, os EMS —
finalidade comum. O conceito de sistema traz as “Emergency Medical Services”, operacionalizados pelos Corpos de
relações entre as partes e o todo, permitindo a compreensão de toda Bombeiros, o que influenciou os serviços pré-hospitalares de outros
e qualquer atividade complexa, sendo os sistemas constituídos de países, incluindo-se os do Brasil.
conjuntos de componentes que se interagem, se inter-relacionam, se Algumas exigências legais para o serviço pré-hospitalar nos
transformam e atuam entre si na execução de um objetivo global. Estados Unidos com direcionamento para os Corpos de Bombeiros
Estes conjuntos poderão ser assumidos como subsistemas ou pro- provocaram a extinção dos antigos serviços tradicionais de ambulân-
cessos, com funções e objetivos próprios, os quais afetam o compor- cia, anteriormente prestados por hospitais, funerárias ou empresas
tamento do conjunto como um todo. Qualquer ação de uma parte, privadas, que abandonaram este tipo de prestação de serviço.
necessariamente, provocará uma reação das demais
(CHURCHMAN, 1975; MELO, 1987; ACKOFF apud ARAÚJO, 1.1. Modelos
1994).
Qualquer sistema é concebido como um todo unificado, com- O modelo francês nasceu da necessidade sentida dos médicos
posto de partes interdependentes; sendo que a sua estruturação se “anestesistas — reanimadores”, responsáveis pelo atendimento às
deve aos padrões de relações (Lawrence J. Henderson). Na saúde urgências, que começaram a sair nas ambulâncias, pois perceberam
temos: “é a constituição de uma rede integrada de pontos de atenção que tanto nos casos clínicos como no trauma, se medidas terapêuti-
à saúde que permite prestar uma assistência contínua a determinada cas fossem tomadas no local, as chances de sobrevida e redução de
população — no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo e sequelas aumentavam.
com a qualidade certa — e que se responsabiliza pelos resultados Este tem como pilar o médico, tanto na regulação do sistema
sanitários e econômicos relativos a esta população” (Eugênio Vilaça como no atendimento e monitoramento do paciente, até a recepção
Mendes). hospitalar, e é um serviço ligado ao sistema de saúde, hierarquizado
e regionalizado, sempre ligado aos centros hospitalares.
1. O SERVIÇO DE APH NO MUNDO O modelo americano trabalha com paramédicos, que tem um
programa de formação extenso (três anos após o término do ensino
Desde os tempos mais remotos o homem transporta seus feri- médio). A guerra do Vietnã resultou em uma grande experiência
dos e necessitados de variadas formas, iniciando-se pelo transporte para os EUA na formação de paramédicos, por ser uma guerra de
manual, por meio de varas improvisadas, depois utilizando animais guerrilha, e ser, portanto, impossível contar com profissionais em
domésticos, como o cavalo. Por volta do ano 1000, os povos anglo- todas as frentes de combates. Soldados foram treinados no primeiro
saxões passaram a efetuar o transporte de feridos em carruagens, que atendimento, foram delegadas ações até então exclusivamente médi-
apesar de realizado sem conhecimentos técnicos agilizou o atendi- cas, e equipamentos de fácil transporte também foram desenvolvi-
mento às vítimas. dos.
Em 1675, o Dr. Dominique-Jean Larrey idealizou a ambulân- Atualmente, o serviço de atendimento pré-hospitalar
cia voadora — uma carruagem com capacidade de transportar várias nos Estados Unidos é sequencial e integrado à comunidade,
vítimas, puxada por cavalos, com equipe médica treinada, concebida iniciando-se por vezes com a intervenção dos membros trei-
para ser utilizada pelas tropas de Napoleão na campanha da Prússia, nados da comunidade, efetivado posteriormente por Técni-
iniciando-se a era do tratamento pré-hospitalar. Essa carruagem cos em Emergências Médicas, finalizando-se na emergência
evoluiu para carroças de duas rodas, mais rápidas e posteriormente dos hospitais. Os Estados Unidos possuem três níveis de
para ambulâncias motorizadas, que eliminaram o desconforto causa- profissionais em seu sistema pré-hospitalar, sendo eles os
do por um transporte demorado e reduziram os riscos de transmissão Técnicos em Emergências Médicas Básico ou de Ambulân-
de doenças entre pacientes. cia, responsáveis por manobras de suporte básico; os Técni-
A Segunda Guerra Mundial, a da Coréia e a do Vietnã de- cos em Emergências Médicas Intermediário, que efetuam
monstraram que técnicos não médicos poderiam aumentar a sobre- manobras de suporte básico e algumas manobras invasivas e
vida de vítimas do trauma, iniciando-se desde então o tratamento pré os Técnicos em Emergências Médicas Paramédicos, que
-hospitalar por equipes não compostas por médicos. As técnicas efetuam suporte básico, manobras invasivas e ministram
desenvolvidas nas guerras passaram a ser aplicadas à população drogas sob supervisão médica.
americana no final da década de 60, quando J.D. Deke Farington Os serviços de atendimento pré-hospitalar nos princi-
desenvolveu o primeiro programa EMT para civis — “Emergency pais países do mundo, como a Inglaterra, Alemanha e Japão,
Medical Technician” (Técnico em Emergências Médicas), com entre outros, seguiram o modelo norte-americano, com a
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

participação dos Corpos de Bombeiros na sua fase operacio- do seus serviços de atendimento pré-hospitalar, com varia-
nal; atuando diferentemente quanto às estruturas e modelos das denominações, estruturas e formas de atuação.
de atendimentos, podendo estar ou não centralizados admi- Em 1991, o Ministério da Saúde, por intermédio do
nistrativamente a uma unidade controladora; possuindo ou Programa de Enfrentamento às Emergências e Trauma, ten-
não médicos e paramédicos na fase de operacionalização do tou especificar um padrão nacional mínimo para os profis-
serviço. sionais, viaturas e equipamentos ligados ao serviço de aten-
Para a população leiga e infelizmente também profis- dimento pré-hospitalar. Foi elaborado e aplicado um treina-
sionais de saúde, os termos “resgate”, “ambulância”, mento básico uniforme para os socorristas, por meio de
“atendimento pré-hospitalar”, “socorro”, entre muitos ou- multiplicadores formados no Distrito Federal. Após dois
tros, são utilizados indiscriminada e aleatoriamente, eviden- anos da idéia inicial, o programa foi extinto, por problemas
ciando não uma confusão meramente semântica, mas um políticos, entretanto, os Corpos de Bombeiros Militares vis-
total desconhecimento sobre como, o que, e quem procurar lumbraram a possibilidade de atuação na área pré-
em determinadas situações de segurança ou agravos à saú- hospitalar, o que ocorreu a mercê da falta de embasamento
de. legal para os seus serviços.
A ação de resgatar, ou seja, de ocupar-se em libertar as Antecipando-se ao Ministério da Saúde, o Conselho
pessoas de algo que as prenda como acidentes automobilís- Federal de Medicina (CFM) elaborou a resolução CFM nº
ticos, ou situações ameaçadoras e na prevenção de situações 1.529, de 28 de agosto de 1998, que considerou o Sistema
que podem piorar sua segurança individual, assim como os de Atendimento Pré-Hospitalar como um serviço médico
demais que se encontram à sua volta, exercida de forma quanto à coordenação, regulação e supervisão direta e à
constitucional pelos bombeiros, profissionais da segurança distância, aprovando ainda a “Normatização da Atividade
pública, é frequentemente confundida com as ações dos Médica na Área de Urgência — Emergência na sua Fase
profissionais da saúde, que trabalham no que diz respeito Pré-Hospitalar”. Havia ainda na Resolução recomendações
apenas à saúde do indivíduo e coletividade. sobre veículos, materiais, equipamentos e funcionamento
Analisando estas ações, diferenciadas, porém comple- dos serviços de atendimento pré-hospitalar do Brasil, fican-
mentares, entendemos que devam atuar de forma integrada do reconhecida à necessidade de atuação dos socorristas
em benefício do cidadão, respeitados os distintos papéis de com a escolaridade necessária, supervisionados por médi-
cada um. cos, com especificação das competências. Em 09 de Julho
de 2003, tal resolução foi revogada, instituindo-se a resolu-
2. O SERVIÇO DE APH NO BRASIL ção CFM nº 1.671, de 09 de julho de 2003, que além do
contexto da resolução anterior, estabeleceu que “as ações de
O transporte e atendimento de vítimas diversas no Bra- atendimento pré-hospitalar possibilitassem a realização de
sil aprimoraram-se a partir de 1808, com a chegada da famí- diagnóstico imediato nos agravos ocorridos com a conse-
lia real portuguesa, que passou a funcionar nos mesmos quente terapêutica”, bem como afirmou ainda que “todo
moldes do existente na Europa, por meio de carruagens. serviço de atendimento pré-hospitalar deverá ter um res-
Desde então o Estado procurou responsabilizar-se pela mis- ponsável técnico médico, com registro no Conselho Regio-
são do transporte de vítimas e acidentados para os hospitais. nal de Medicina da jurisdição onde se localiza o serviço, o
Na República, o Governo Federal associou seu sistema de qual responderá pelas ocorrências de acordo com as nor-
transporte de vítimas e acidentados aos hospitais públicos e mas legais vigentes”.
conveniados, coordenado inicialmente pelo Serviço de A- Em 1999, por meio da Portaria nº 824, de 24 de junho,
tendimento Médico Domiciliar de Urgência (SAMDU), do Ministério da Saúde, publicada no Diário Oficial da Uni-
seguido pelo Instituto Nacional de Previdência Social ão n.º 120, de 25 de junho de 1999, foi aprovada a normati-
(INPS), Instituto Nacional de Assistência Médica e Previ- zação do atendimento em nível pré-hospitalar no Brasil,
dência Social (INAMPS) e, a partir do advento da Constitui- sendo um aprimoramento da Resolução CFM n.º 1.529/98.
ção Federal de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS), sen- A Portaria nº 824/99 especificava as diretrizes para o fun-
do executado pelos três níveis de assistência à saúde cionamento dos serviços de atendimento pré-hospitalar no
(Secretarias Municipais de Saúde, Secretarias Estaduais de Brasil e os Corpos de Bombeiros deveriam adaptar-se às
Saúde e Ministério da Saúde) em parceria com os Corpos de mesmas, para minimizarem-se os transtornos administrati-
Bombeiros de gestão estadual por convênios de cooperação vos.
ou atuação conjunta. Em 2001, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº
A partir de 1981 os Corpos de Bombeiros Militares do 814, de 1º de junho, reforçando-se as determinações já cons-
Brasil passaram a prestar o atendimento pré-hospitalar, ini- tantes na Portaria n.º 824/99 do Ministério da Saúde, acres-
ciando-se pelo CBMDF, após assinatura de convênio de centando outras, em função das necessidades que surgiram
cooperação mútua com a Secretaria de Saúde do Distrito com a execução da atividade pré-hospitalar, como a implan-
Federal. Ano após ano os estados do país foram implantan- tação de uma política nacional de atenção integral às urgên-

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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
22 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 1 - Sistemas de APH e Perfil do Socorrista

cias, organização dos sistemas regionalizados, do processo Como resposta positiva a esse processo, a população
de regulação médica baseado em Centrais de Regulação francesa veio a assumir a conduta de telefonar previamente
Médica de Urgências nos níveis regional, estadual e munici- para um número de acesso público, buscando orientação e
pal, que deverão ser observados pelos serviços de atendi- ajuda, antes de se dirigir a um serviço de urgência.
mento pré-hospitalar das corporações, para que continuem Dentro dos princípios do Sistema Único de Saúde e de
credenciados junto aos SUS e possam continuar obtendo os maneira a estruturar e operacionalizar os sistemas de urgên-
recursos provenientes dos atendimentos executados. cia, temos como conceito de regulação médica de urgência
Hoje em dia o que regula a normatização do serviço de que “Regulação Médica é um neologismo criado para de-
Atendimento Pré-Hospitalar é a portaria 2048 de 05 de no- signar uma forma organizada de responder a toda situação
vembro de 2002, que substituiu a 814/01. de urgência que necessite de cuidados médicos, de forma
Atualmente, as estruturas dos serviços de atendimento harmônica, proporcional, equânime, de acordo com as di-
pré-hospitalar do Brasil ainda são diferenciadas, com várias retrizes do SUS, evitando o uso inadequado de recursos”.
identificações, atuações, atividades, competências, dificul-
tando a formação de uma doutrina nacional para os Corpos 3.1. Regulação Médica das Urgências
de Bombeiros. Mas paulatinamente vem ocorrendo uma
adequação e padronização das estruturas dos serviços pré- Regulação Médica das Urgências, baseada na implan-
hospitalares com a vigência da Portaria 2048/02. tação de suas Centrais de Regulação, é o elemento ordena-
No Brasil, a “atenção pré-hospitalar” foi exercida de dor e orientador dos Sistemas Estaduais de Urgência e E-
forma incipiente, fragmentada e desvinculada da saúde, mergência. As Centrais, estruturadas nos níveis estadual,
tradicionalmente pelos bombeiros militares, que foram his- regional e/ou municipal, organizam a relação entre os vários
toricamente reconhecidos como responsáveis por esta práti- serviços, qualificando o fluxo de pacientes no Sistema e
ca, em decorrência da inexistência de política pública da geram porta de comunicação aberta ao público em geral,
área da saúde nesta área. através da qual os pedidos de atendimento de urgência são
recebidos, avaliados e hierarquizados (Portaria 2048/GM).
3. REGULAÇÃO MÉDICA Regular constitui-se operacionalmente em estabelecer
um diagnóstico telemédico da real necessidade e do grau de
A regulação da assistência, como vem sendo denomi- urgência de uma situação; classificar e estabelecer priorida-
nada o tipo de regulação que tem como prioridade o atendi- des entre as demandas urgentes, definir e enviar recursos
mento às necessidades de saúde da população, alicerça-se mais adaptados às necessidades do solicitante, no menor
no conhecimento dos recursos disponíveis, uma triagem e intervalo de tempo possível, acompanhar a atuação da equi-
classificação de necessidades e uma tomada de decisão para pe no local e providenciar acesso aos serviços receptores de
racionalizar os recursos existentes e, atendendo de forma forma equânime dentro de um Sistema de Saúde.
diferenciada e individualizada a cada demanda, de acordo Cabe ao médico regulador ouvir, qualificar, classificar
com a necessidade, dar equidade ao SUS. a demanda e designar o recurso mais adaptado às suas ne-
O termo Regulação Médica teve origem na reorganiza- cessidades, incluindo endereçá-la ao serviço mais adequado
ção da atenção às urgências na França, através dos SAMU no momento, para a continuidade do tratamento, de forma a
franceses, que começaram pela detecção das urgências ne- respeitar as capacidades operacionais de cada serviço e ga-
cessitando de cuidados intensivos fora do hospital, e neces- rantir a distribuição racional dos casos nos serviços hospita-
sitavam, num primeiro momento uma triagem para avaliar a lares disponíveis.
real necessidade das solicitações feitas. Além disto, quando A esta tarefa chama-se Regulação Médica que, portan-
um atendimento era prestado no domicílio ou na via pública to, apresenta duas dimensões: uma dimensão técnica que diz
e havia necessidade de remoção para um hospital, não havi- respeito à decisão quanto ao tipo de recurso a ser enviado e
a, até o advento da regulação médica de urgência, quem a realização dos procedimentos de suporte básico e avança-
decidisse para onde encaminhar e nem quem preparasse a do de vida no local da ocorrência e durante o transporte, na
recepção do paciente/vítima na unidade receptora. A regula- atenção pré-hospitalar.
ção médica de urgência começou a realizar esta tarefa, auxi- Uma outra dimensão, denominada gestora, refere-se ao
liando as equipes de atendimento externo e, tendo por uma uso racional do sistema de saúde hierarquizado, estabele-
necessidade de organizar os fluxos e equilibrá-los dentro da cendo qual tipo de serviço em determinado momento está
rede de saúde. Fazia uma prévia constatação dos recursos mais bem preparado e em melhores condições de receber
disponíveis, diariamente e, através de uma grade de especia- determinado paciente para que ele possa ser mais bem aten-
lidades, hospitais, unidades de saúde, médicos generalistas, dido e dar resolubilidade ao seu problema.
etc., tomava uma decisão de encaminhamento que atendesse Se entendermos as necessidades imediatas da popula-
de forma mais adequada e adaptada às necessidades do pa- ção, ou necessidades agudas ou de urgência, como pontos
ciente de decidir para onde encaminhar. de pressão por respostas rápidas e tendo em vista seu poten-

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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
23 Diretoria de Ensino e Instrução 23
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

cial desorganizador sobre o funcionamento geral do sistema, ou seja, não dispõe de médico para a triagem dos chamados,
dando visibilidade aos seus sucessos ou fracassos, podere- embora a Portaria 2048/2002 do Ministério da Saúde deter-
mos equacionar uma oferta resolutiva para as urgências que mine que os serviços realizados pelos Corpos de Bombeiros
determine a progressiva normalização da oferta programá- devam ter responsabilidade e regulação médica. Ocorre que
vel. os médicos da Central de Regulação ora existentes na capi-
Então, as portas de urgência do sistema, sua real porta tal regulam o encaminhamento das vítimas atendidas pelas
de entrada, passariam a acolher a clientela, prestando-lhe guarnições de bombeiros da capital, onde na prática o bom-
atendimento e direcionando-a aos locais adequados à conti- beiro militar repassa ao médico regulador o estado clínico
nuidade do tratamento, transformando estas portas que hoje da vítima, e este indica o centro médico que deverá receber
funcionam como verdadeiros “pára-raios” do sistema em o paciente, de acordo com o grau de resolutividade.
“placas distribuidoras” do mesmo.

4. CENTRAIS DE REGULAÇÃO

As centrais de regulação desempenham o papel de


receber e direcionar a demanda por serviços, a partir do
conhecimento da capacidade de produção instalada, como
também identificar os déficits e as falhas do sistema.
As centrais de regulação compreendem uma série de
atividades específicas e determinadas de acordo com o per-
fil epidemiológico, organização do modelo assistencial da
região, natureza do que regula e do território de sua abran-
gência.
Deverão dispor em tempo real de informações das
condições de oferta, haja vista, que a informação atualizada Fig. 1: O Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso do Sul é o único
é um instrumento fundamental no processo de regulação. É órgão de atendimento pré-hospitalar que atende em toda a extensão
uma atividade permanente e dinâmica para possibilitar a geográfica do Estado, inclusive nas rodovias federais e estaduais, áreas
urbanas ou rurais.
tomada de decisões de forma consistente, eficaz e eficiente.
As centrais interligadas entre si constituem o verdadei-
6. MISSÃO DOS SISTEMAS DE APH
ro complexo regulador da assistência, cujo objetivo é a ga-
rantia do acesso do usuário ao sistema de acordo com prin-
Os sistemas de atendimento pré-hospitalar têm por
cípios de equidade e de racionalização de recursos.
missão, diminuir o intervalo terapêutico para os pacientes
vítimas do trauma e urgências clínicas, possibilitando maio-
5. O SERVIÇO DE APH NO MS
res chances de sobrevida, diminuição das sequelas, e garan-
tir a continuidade do tratamento encaminhando os pacientes
O serviço de resgate e atendimento pré-hospitalar no
nos diferentes serviços de saúde de acordo com a complexi-
nosso Estado é prestado pelo Corpo de Bombeiros Militar
dade de cada caso, de forma racional e equânime. Utiliza-se
através do fone 193, onde na central de operações de cada
para tal de uma frota de ambulâncias devidamente equipa-
região é feita uma triagem da chamada e encaminhada para
das, com profissionais capacitados capazes de oferecer aos
o local a unidade de resgate mais próxima.
pacientes desde medicações e imobilizações até ventilação
Em Campo Grande, Dourados e Três Lagoas já se faz
artificial, pequenas cirurgias (SAV — Suporte Avançado de
presente o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência –
Vida), monitoramento cardíaco, desfibrilação, que permitam
SAMU, com regulação médica, instituído através do Decre-
a manutenção da vida até a chegada nos serviço de destino,
to Federal nº 5.055, de 27 de abril de 2004. Campo Grande
distribuindo os pacientes de forma organizada e equânime
foi o primeiro município do estado a contar com a regulação
dentro do sistema regionalizado e hierarquizado.
médica das urgências e emergências, sendo operacionaliza-
da através da Central de Regulação Médica de Urgências e
7. PERFIL DO SOCORRISTA
Emergências.
No Corpo de Bombeiros Militar, a viatura de resgate é
O salvamento de vidas é um assunto sério e deve ser feito por
tripulada por três bombeiros socorristas com treinamento es-
pessoal treinado e qualificado. Em muitas situações, apenas alguns
pecífico de resgate e atendimento pré-hospitalar, não reali-
conhecimentos de primeiros socorros são suficientes para garantir a
zando, no entanto, procedimentos invasivos.
segurança e o conforto da vítima; em outras, entretanto, torna-se
Não havendo ainda profissionais médicos nas fileiras
indispensável a participação de profissionais bem qualificados.
da Corporação, o serviço pré-hospitalar não é medicalizado,
Na qualificação pessoal, além do estudo e do treinamento, a
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24 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 1 - Sistemas de APH e Perfil do Socorrista

satisfação pessoal com o serviço é indispensável. Todas as pessoas escala de coma e trauma.
vinculadas a um serviço médico de emergência ou unidade de resga- 8. Identificar situações de gravidade em que a tentativa de
te são responsáveis pelo seu sucesso. estabilização do paciente no local deve ser evitada face à urgência da
Um bom relacionamento com o público que usa e mantém o intervenção hospitalar (exemplo: ferida perfurante de tórax).
serviço é extremamente importante. Os serviços da equipe são avali- 9. Colher informações do paciente e da cena do acidente,
ados através da conduta e eficiência individual de cada socorrista. procurando evidências de mecanismo de lesão.
Portanto é imperativo que os socorristas sejam selecionados e prepa- 10. Manter vias aéreas permeáveis com manobras manuais e
rados com extremo cuidado. Entretanto, nenhum processo de sele- não invasivas com os equipamentos disponíveis nas viaturas de
ção ou de treinamento substitui a participação autônoma e criativa emergência (cânulas orofaríngeas e aspirador).
do indivíduo, responsável por sua própria qualidade. 11. Administrar oxigênio e realizar ventilação assistida utili-
zando os equipamentos disponíveis nas viaturas de emergência
8. APTIDÕES NECESSÁRIAS (cânulas, máscaras, ambu, cilindro de oxigênio).
12. Promover circulação artificial pela técnica de compressão
1. Coordenação motora para administrar cuidados de emer- torácica externa.
gência aos feridos, remover e transportar as vítimas. 13. Controlar o sangramento externo evidente, através das
2. Destreza manual e física no transporte, levantamento, reti- técnicas de hemostasia, utilizando curativos e bandagens.
rada, escalagem, içamento e outras manobras similares, de maneira a 14. Combater o choque: controlar sangramento externo, elevar
não prejudicar a vítima, os companheiros e a si mesmo. membros inferiores, evitar perda de calor, administrar oxigênio.
3. Habilidade para dar e receber instruções e orientações 15. Mobilizar e remover pacientes com proteção da coluna
verbais e escritas. cervical, utilizando colares cervicais, pranchas e outros equipamen-
4. Disponibilidade para se submeter a um processo de educa- tos de imobilização e transporte.
ção continuada. 16. Remover pacientes de lugares restritos (automóveis, es-
5. Disposição pessoal e capacidade física e mental para a combros, etc).
atividade. 17. Realizar o exame secundário.
6. Equilíbrio emocional e autocontrole. 18. Aplicar curativos e bandagens, incluindo-se curativos em
7. Capacidade de trabalhar em equipe. queimaduras e nos olhos.
8. Disposição para cumprir ações orientadas. 19. Imobilizar traumatismos esqueléticos, utilizando os equi-
9. Disponibilidade para a capacitação prevista na ementa do pamentos disponíveis no veículo de emergência.
curso de especialização de resgate e atendimento pré-hospitalar, bem 20. Prestar primeiro atendimento a intoxicações exógenas, de
como para a re-certificação periódica. acordo com protocolos padronizados pela corporação ou por orien-
tação do médico regulador.
O socorrista é um profissional habilitado para realizar mano- 21. Oferecer o primeiro atendimento aos traumatismos especí-
bras de suporte básico de vida. Faz intervenção conservadora (não ficos.
invasiva) no atendimento pré-hospitalar do traumatizado, sob super- 22. Reconhecer os períodos do parto, dar assistência ao parto
visão médica direta ou à distância, fazendo uso de materiais e equi- normal em período expulsivo e prestar os primeiros cuidados ao
pamentos especializados. recém-nato.
23. Oferecer o primeiro atendimento às gestantes e às crianças
9. COMPETÊNCIAS DOS SOCORRISTAS traumatizadas.
24. Fazer intervenção em crises e oferecer atendimento a paci-
1. Avaliar a cena do evento, identificando as circunstâncias e entes especiais (epiléticos, doentes mentais, alcoólatras e suicidas).
as possíveis situações de risco existentes. 25. Idealmente, ser portador de habilitação para dirigir a ambu-
2. Estabelecer a segurança da área de operação e orientar a lância.
movimentação da equipe. 26. Conhecer e saber operar todos os equipamentos e materiais
3. Garantir sua segurança pessoal e das vítimas no local do pertencentes à viatura de atendimento.
atendimento. 27. Conhecer e usar os equipamentos de bioproteção individu-
4. Realizar manobras de desencarceramento e extração ma- al.
nual ou com emprego de equipamentos. 28. Saber realizar triagem de múltiplas vítimas, quando neces-
5. Realizar o exame primário, avaliando condições da vítima: sário.
responsividade, vias aéreas, respiração, circulação e estado neuroló-
gico. Chegando ao hospital, deve entregar o(s) paciente(s) ao médi-
6. Observar sinais diagnósticos: cor da pele, tamanho das co de plantão, acompanhando do(s) respectivo(s) relatório(s) de
pupilas, reação das pupilas à luz, nível de consciência, habilidade de atendimento, solicitando a assinatura de recebimento do paciente na
se movimentar e reação à dor. via que retorna ao serviço. Caso seja necessário, deixar com o(s)
7. Medir e avaliar sinais vitais e situar o estado da vítima na paciente(s) equipamentos pertencentes ao serviço.

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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
25 Diretoria de Ensino e Instrução 25
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Conferir todo o material utilizado no atendimento, proceder à localidade, a fim de que possa situar rapidamente o destino para o
limpeza e armazenagem nos seus respectivos lugares; encaminhar qual é despachado.
ao almoxarifado materiais e equipamentos destinados à lavagem e 4. Conhecer a localização de todos os estabelecimentos de
esterilização. saúde integrados ao sistema de atendimento local.
Realizar a limpeza e desinfecção da unidade de resgate depois 5. Ao soar do alarme, dirigir-se imediatamente à viatura e
de concluído o atendimento, conforme protocolo específico e provi- tomar posição para a partida.
denciar junto ao almoxarifado a reposição dos materiais. 6. Conduzir a viatura dentro dos princípios de direção defensi-
Acondicionar o lixo em sacos identificados como “lixo hospi- va, de modo a não comprometer a segurança da guarnição, dos de-
talar” e dar-lhes a destinação convencionada. mais veículos e seus ocupantes e dos pedestres, de acordo com as
Além das competências ordinárias de socorrista, cabe ao chefe normas de trânsito em vigor.
da guarnição: 7. Utilizar adequadamente o sistema de sinalização da viatura.
1. Comandar as ações da guarnição, determinando tarefas a 8. Obedecer à ordem que deva ocupar seu veículo em compo-
cada um dos integrantes, com o objetivo de: sição de comboio durante o deslocamento, salvo se receber orienta-
a. Facilitar a saída imediata da unidade de resgate; ção específica da central de operações.
b. Preparar a viatura para receber pacientes, deixando a 9. Estacionar a viatura em local seguro e de forma a facilitar o
superfície das macas completamente livres; acesso ao interior do salão de atendimento:
c. Facilitar o uso dos materiais e equipamentos, de acordo a. Com a porta traseira voltada para o local onde se encon-
com os procedimentos técnicos apropriados, zelando pela conserva- tra a vítima;
ção e guarda ordenada dos mesmos; b. Com o cano de escape direcionado para longe da vítima;
d. Garantir a qualidade da comunicação com a central de c. Isolar o local, proporcionando maior segurança para as
operações e o cumprimento de suas determinações; vítimas e demais membros da guarnição durante o atendimento e
e. Certificar-se do correto preenchimento dos documentos evitando a interferência de populares.
adotados para o registro do atendimento pré-hospitalar;
f. Certificar-se de que a viatura, os equipamentos e materi- 10. Participar do atendimento desenvolvendo as seguintes
ais sejam vistoriados e conferidos no início de cada plantão. atividades:

2. Responsabilizar-se pela entrega dos pacientes ao médico de a. Transportando os equipamentos e materiais necessários;
plantão no hospital apropriado, acompanhados dos respectivos do- b. Prestando atendimento direto à vítima;
cumentos. c. Transportando a vítima para a viatura.
3. Providenciar a reposição do material utilizado no atendi-
mento, bem como encaminhar ao almoxarifado as cautelas de equi- 11. Estabelecer comunicação com a central de operações,
pamentos deixados nos hospitais. repassando, assim que possível, e não estando guiando a viatura, em
4. Zelar pela sua segurança, de sua equipe e dos pacientes linguagem técnica e precisa, as informações solicitadas ou forneci-
atendidos pela guarnição, evitando todo e qualquer risco desnecessá- das pela central ou pela guarnição.
rio. 12. Recolher os pertences de vítimas.
5. Manter-se em contato com a central de regulação e centro 13. Recolher, vistoriar e acondicionar todos os equipamentos e
de operações do Corpo de Bombeiros, repassando as informações materiais utilizados no atendimento.
sobre a situação da cena e do paciente ao médico regulador e coor- 14. Utilizar o caminho menos acidentado e mais direto no
denador de operações BM, para decisão e monitoramento do atendi- deslocamento ao hospital determinado pela central de operações.
mento. 15. Chegando ao hospital, estacionar adequadamente a viatura
6. Repassar as informações do atendimento à equipe de supor- garantindo a máxima segurança; auxiliar na retirada e transporte da
te avançado quando esta comparecer ao local. vítima para o interior do hospital.
16. Entregar os pertences da vítima a familiares desta ou ao
9.1. Ao motorista da guarnição cabe: funcionário designado pelo hospital.
17. Concluído o atendimento, retornar ao posto de origem,
1. Conferir e testar a viatura no que diz respeito à manutenção comunicando o retorno à central de operações.
de primeiro escalão: combustível, sistemas de ignição, frenagem,
direção, suspensão, eletricidade, carroceria, pneus (inclusive estepe, 9.2. Aos pilotos de veículos aeromédicos cabem:
triângulo, chave de roda), água e óleo, comunicação e equipamentos
de segurança, desencadeando providências que se mostrem necessá- 1. Estar devidamente habilitado à operação de aeronaves,
rias, logo no início do plantão. segundo as normas e regulamentos vigentes do Comando da Aeron-
2. Portar os documentos referentes a sua habilitação profissio- áutica/Código Brasileiro de Aeronáutica/Departamento de Aviação
nal. Civil, para atuação em ações de atendimento pré-hospitalar móvel e
3. Conhecer o sistema viário e as principais referências da transporte inter-hospitalar sob a orientação do médico da aeronave,

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26 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 1 - Sistemas de APH e Perfil do Socorrista

respeitando as prerrogativas legais de segurança de vôo, obedecendo


aos padrões de capacitação e atuação previstos na Portaria MS/2048,
de 05 de novembro de 2002.
2. Cumprir os requisitos e normas constantes da legislação
vigente no país (Lei nº 7.183, de 5 de abril de 1984; Lei nº 7.565, de
19 de dezembro de 1986, retificada através de publicação em DOU
em 16 de dezembro de 1988; e Portaria nº 3.016, de 5 de fevereiro
de 1988 – do Comando da Aeronáutica).
3. Cumprir as normas e rotinas operacionais vigentes no servi-
ço a que está vinculado.
4. Conduzir veículo aéreo destinado ao atendimento de urgên-
cia e transporte de pacientes.
5. Acatar as orientações do médico da aeronave.
6. Estabelecer contato radiofônico (ou telefônico) com a cen-
tral de regulação médica ou central de operações BM e seguir suas
orientações.
7. Conhecer a localização dos estabelecimentos de saúde inte-
grados ao sistema assistencial que podem receber aeronaves.
8. Auxiliar a equipe de atendimento nos gestos básicos de
suporte à vida.
9. Auxiliar a equipe nas imobilizações e transporte de vítimas.
10. Realizar medidas de reanimação cardiorrespiratória básica.
11. Identificar todos os tipos de materiais existentes nas aero-
naves de socorro e sua utilidade, a fim de auxiliar a equipe de atendi-
mento.

Os socorristas devem ainda:

Participar de todas as atividades de educação continuada pro-


gramadas pelo Núcleo de Educação.

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27 Diretoria de Ensino e Instrução 27
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

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28 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 2
Ética e Humanização

T
ção do serviço.
A competência ética no atendimento pré-hospitalar é formada
oda pessoa é dotada de uma consciência moral por quatro vertentes de relacionamento, sendo elas:
que a faz distinguir entre o certo e o errado, entre o  Socorrista e outros militares.
bem e o mal, capacitando-a a avaliar suas ações no contexto que é  Socorrista e profissionais de saúde.
solicitado, ou seja, é capaz de nortear suas atitudes pela ética, a qual  Socorrista e vítima.
se pode dizer é um conjunto de valores, que se tornam deveres em  Socorrista e parentes/conhecidos/outros envolvidos.
determinadas culturas ou grupos, sendo expressos em ações.
A ética é, normalmente, uma norma de cunho moral que obri- As relações dos socorristas com outros militares e profissio-
ga a conduta de uma determinada pessoa, sob pena de sanção espe- nais de saúde não trazem muitos problemas, pois a formação militar
cífica, mas pode também regulamentar o comportamento de um facilita o relacionamento. Resta-nos analisar e fundamentar os prin-
grupo particular de pessoas, como, por exemplo, bombeiros, polici- cípios para um relacionamento ético entre bombeiros e vítimas, e
ais, médicos, enfermeiros, etc. A partir deste momento, estamos nos bombeiros e parentes/conhecidos/outros envolvidos no trauma. Es-
referindo à ética profissional, mais conhecida como deontologia, tes dois tipos de relacionamentos estão baseados em três princípios
que se caracteriza como conjunto de normas ou princípios que têm fundamentais:
por fim orientar as relações profissionais entre pares, destes com os  Respeito à pessoa.
cidadãos, com sua guarnição de serviço, com as instituições a que  Solidariedade.
servem, entre outros.  Sentimento do dever cumprido.
Como a sua margem de aplicação é limitada ao círculo profis-
sional, faz com que estas normas sejam mais específicas e objetivas, Tendo por base estas três premissas, o socorrista saberá pautar
gerando o advento dos Códigos de Ética elaborados por associações suas atitudes e considerar as alterações emocionais decorrentes do
trauma. Não se deixará influenciar pela conduta social da vítima
de classe, como, por exemplo, o Código de Ética Médica Brasileiro.
incorrendo num julgamento errôneo (fará um atendimento imparci-
A deontologia militar é constituída pelo elenco de valores e al), atentará para os cuidados com a exposição da vítima, terá aten-
deveres éticos, traduzidos em normas de conduta, que se impõem ção especial com crianças, e terá a seriedade como base para uma
para que o exercício da profissão militar atinja plenamente os ideais postura profissional que se espera.
de realização do bem comum, através da preservação da ordem Um atendimento perfeito ocorre quando, mesmo com o su-
pública. Assim como a atividade do médico e do enfermeiro possu- cesso do emprego de todas as técnicas dominadas pelo socorrista,
em codificações próprias, o bombeiro militar também tem sua con- atende-se a dignidade da pessoa humana em todo seu alcance, anga-
riando o respeito e a admiração da vítima e outras pessoas envolvi-
duta pesada em código próprio, que o obriga a prestar seu serviço de
das, pelo elevado grau de profissionalismo existente na corporação.
atendimento pré-hospitalar calcado em valores e deveres militares,
não menos importantes, que o dos códigos dos profissionais de saú- 1. HUMANIZAÇÃO: UM ABRANDAMENTO DO
de. CARÁTER TÉCNICO DA MEDICINA
Ao longo dos cursos de socorristas, são ensinadas normas
técnicas que indicam fórmulas de ações, que são apenas meios de A Portaria GM/MS n.º 1.863, de 29 de setembro de 2003,
capacitação, levando o homem a atingir resultados. Todavia a técni- trata da “Política Nacional de Atenção às Urgências” trazendo novos
ca não deve perder sua correlação natural com as normas éticas, que elementos conceituais, como o princípio da humanização.
atenuam o sofrimento da vítima e humanizam o atendimento. Parece estranho falar de humanização num campo em que
O socorrista deve saber equilibrar os dois pratos da balança deveria ser implícito o “amor ao próximo”, como é o caso da medi-
que formam seu caráter profissional: o lado técnico e o lado emocio- cina. Todavia, com o advento da vida moderna, a explosão demo-
nal. Caso haja uma prevalência de qualquer um dos lados, o atendi- gráfica e os parcos recursos e investimentos na área da saúde, fazem
mento pode ser comprometido tanto pelo lado humano, quanto pelo com que o profissional, muitas vezes, tenha uma sensação de impo-
lado científico. O bombeiro militar que tenha completo domínio do tência frente ao sofrimento de milhares de pessoas, e, com isso faz
atendimento pré-hospitalar, mas que não tenha o discernimento crescer no seu íntimo, mesmo que de modo imperceptível, mecanis-
necessário para atuar com atenção especial nos casos que assim mos de defesa em que cria uma verdadeira “casca”, não vendo na
requeiram, não possui o caráter ético-profissional para ser socorrista. vítima uma pessoa, mas um objeto que necessita de seus cuidados
O mesmo se aplica àquele que possua um equilíbrio emocional e profissionais, visto que não tem a solução para todas as mazelas
não saiba as técnicas pré-hospitalares. criadas por falta de políticas públicas de saúde.
Para um atendimento pré-hospitalar satisfatório o socorrista Necessário foi ao Ministério da Saúde humanizar o serviço,
deve possuir, além do equilíbrio emocional e da competência técni- através de um programa próprio, visando atenuar os efeitos desuma-
co-científica, uma competência ética, fundamental para a humaniza- nizantes, que retira da pessoa humana seu mais importante valor: a
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

dignidade. Humanizar também é, além do atendimento fraterno e


No caso do atendimento pré-hospitalar, o conhecimento cien- humano, procurar aperfeiçoar os conhecimentos continuada-
tífico deveria ser, por si só, motivo de sucesso para um resultado mente; é valorizar, no sentido antropológico e emocional,
todos os elementos implicados no evento assistencial. Na
positivo quando no socorro à vítima. O que se tem observado recen-
realidade, a humanização do atendimento, seja em saúde ou
temente é que este fator, somado à estressante rotina dos numerosos não, deve valorizar o amor ao próximo, prestigiando a me-
atendimentos diários nos grandes centros, bem como a fragilidade lhoria nos relacionamentos entre pessoas em geral.
do ser humano, tanto do paciente como do socorrista (ambos envol- Ao nos tornarmos socorristas de atendimento pré-
vidos com sentimentos de respeito, simpatia, empatia, angústia, hospitalar, precisamos aceitar a responsabilidade de cuidar
raiva, medo, compaixão), o que tem gerado problemas no atendi- do paciente da melhor forma possível. Isto não pode ser
mento à vítima. Deixamos de ver nele muitas vezes o ser humano feito se não tivermos conhecimento suficiente sobre o as-
que está necessitado, hora pelo enfoque direto no trauma, hora pela sunto. Não podemos esquecer que o paciente não optou por
banalização do acidente. se envolver em uma situação traumática. O socorrista, no
Necessário, então, é falar em humanização no atendimento pré entanto, escolheu estar ali para atendê-lo. O socorrista é
-hospitalar. Então: o que é humanização? Podemos entendê-la como obrigado a dar tudo de si durante o atendimento de cada
valor, na medida em que resgata o respeito à vida humana, levando- vítima. O paciente pode ter tido “um dia ruim”, mas o so-
se em conta as circunstâncias sociais, éticas, educacionais e psíqui- corrista, não. Ele deve estar sempre atento e preparado na
cas presentes em todo relacionamento humano. luta do paciente contra a morte e contra a enfermidade.
Humanizar o atendimento não é apenas chamar a vítima pelo A vítima é a pessoa mais importante no local de uma
nome, nem ter um sorriso nos lábios constantemente, mas também emergência. Não há tempo para pensar sobre a sequência
compreender seus medos, angústias e incertezas, dando-lhe apoio e em que deve ser feita a avaliação do paciente nem sobre que
atenção permanente. tratamentos devem ter prioridade sobre os outros. Não há
O profissional humanizado deve apresentar algumas caracte- tempo para treinar uma técnica antes de a utilizar em um
rísticas que tornam o atendimento a um traumatizado mais digno: determinado paciente. Não há tempo para pensar onde se
 Focalizar não somente o objeto traumático, mas também encontra determinado equipamento ou material dentro da
os aspectos globais que envolvem o paciente, não se limitando ape- mochila. Não há tempo para pensar para onde transportar a
nas às questões físicas, mas também aos aspectos emocionais. vítima. Todas essas informações e outras mais devem estar
 Manter sempre contato com a vítima, buscando uma em- memorizadas e todos os equipamentos e suprimentos devem
patia por parte da mesma. estar nas mochilas ao chegar no local do incidente. Sem o
 Prestar atenção nas queixas do paciente, tentando sempre conhecimento e o equipamento adequado, o socorrista pode
que possível aliviar a sua dor. deixar de fazer procedimentos que poderiam aumentar a
 Manter a vítima, sempre que possível, informada quanto chance de sobrevivência do paciente. As responsabilidades
aos procedimentos a serem adotados. de um socorrista são grandes demais para que ele possa
 Respeitar o modo e a qualidade de vida do traumatizado. cometer tais erros.
 Respeitar a privacidade e dignidade do paciente, evitando Todos os que trabalham no pré-hospitalar são mem-
expor o mesmo sem necessidade. bros da equipe de atendimento ao paciente traumatizado
Os profissionais da área da saúde e não oriundos da área da tanto quanto os enfermeiros e os médicos do pronto socorro,
saúde, como os bombeiros militares, por sua formação, dedicam-se do centro cirúrgico, da unidade de terapia intensiva, da en-
ao atendimento humanitário. E, assim sendo devem ter sempre uma fermaria e do serviço de reabilitação. Os socorristas devem
conduta humanista, no entender de Pablo González Blasco1: estar bem treinados para poderem, de forma rápida e efici-
ente, retirar o paciente do local do incidente e transportá-lo
"humanista é o homem que define atitudes concretas
rapidamente para o hospital mais próximo.
diante da vida, fruto da sua reflexão e como
conseqüência de uma filosofia que norteia sua existência.
Se este homem humanista é médico, essas atitudes que
envolvem a sua própria vida atingirão as outras vidas,
aquelas que ele tem que cuidar, portanto implicarão uma
postura concreta diante da vida humana, da vida doente,
do sofrimento e da dor, da vida que se acaba".
1
Diretor Científico da SOBRAMFA – Sociedade Brasileira
de Medicina de Família. Coordenador do Programa
Eletivo em Medicina de Família do Centro de História e
Filosofia das Ciências da Saúde — EPM, UNIFESP.
Membro Internacional da Society of Teachers of Family
Medicine (STFM).

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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
30 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 3
Equipamentos para o Atendimento Pré-hospitalar

N
sendo capazes de identificar chamadas possuindo entre 16 a 64 ca-
nais. Possuem scan com prioridade dupla e grande visor alfanuméri-
o atendimento a uma situação de emergência é co de 14 caracteres.
essencial que todo o equipamento e material
necessário a oferecer assistência pré-hospitalar à vítima esteja dispo- b) Equipamentos de comunicação portátil – rádios
nível na viatura de atendimento e em perfeitas condições. Além VHF/FM:
disso, todo o pessoal destacado para a viatura deve estar perfeita-
mente treinado para o uso dos mesmos, com conhecimento profun- Rádios portáteis para comunicação entre a viatu-
do quanto à identificação rápida dos equipamentos e materiais, bem ra e os socorristas que estão trabalhando à distância são
como, das técnicas de utilização dos mesmos, tornando assim o de enorme utilidade. Tais equipamentos possui várias
atendimento ágil e eficiente. opções e características que destacam seu desempe-
nho, sendo utilizados no Corpo de Bombeiros mode-
1. CLASSIFICAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS los que possuem desde 16 até 64 canais, sem visor, ou
com visor alfanumérico de 8 caracteres, várias faixas
Para fins didáticos, estaremos classificando os equipamentos e de freqüência PL/DPL, VOX integrada e múltiplas
materiais da seguinte forma: opções de baterias.
 Equipamentos de comunicação móvel e portátil. Fig.3: Rádio Portátil.
 Equipamentos para segurança no local do acidente.
 Equipamentos de reanimação e administração de oxigênio. 2.2. Equipamentos de Segurança
 Equipamentos de imobilização e fixação de curativos.
 Materiais utilizados em curativos. Este conjunto de equipamentos destina-se ao controle de situa-
 Materiais de uso obstétrico. ções que possam interferir no trabalho dos socorristas e a garantir a
segurança das guarnições no local do acidente, bem como, das víti-
 Equipamentos para verificação de sinais vitais.
mas envolvidas e da população em geral; destacam-se entre esses
 Macas e acessórios.
materiais os cones de sinalização, lanternas, fitas para isolamento e
extintores de incêndios. Permitem a iluminação da cena, o isolamen-
2. DEFINIÇÃO DOS EQUIPAMENTOS E MATERI-
to da área, o controle de pequenos incêndios e a proteção individual
AIS
da equipe.
Incluem-se refletores e lanternas, cordões de isolamento, pelo
2.1. Equipamentos de Comunicação Móvel e Portátil
menos um extintor de incêndio químico (seco), capacetes e óculos
a) Equipamentos de comunicação móvel, - rádios VHF/
FM:

É essencial a existência de rádio no veículo para comunicação


no deslocamento, definição de rotas, notificação ao setor de emer-
gência do hospital, direcionamento e orientações pela Central de
Operações e comunicações cruzadas com bombeiros e outros veícu-
los. Esses equi-
pamentos são os
mais utilizados
no Corpo de
Bombeiros,

Fig.2: Rádio Móvel. Fig 4: Equipamentos de Segurança.


Manual de Atendimento Pré-hospitalar

de proteção, luvas descartáveis, avental, bandeirolas para desvio do quadas porque permitem observar a presença de vômito ou secre-
trânsito, etc. ções que possam comprometer a ventilação. O ressuscitador deve
dispor de dispositi-
2.3. Equipamentos de Proteção Individual vo para ser conecta-
do a um suprimento
Este conjunto de equipamentos destina-se à proteção do socor- de oxigênio e ser de
rista e da vítima, objetivando evitar a contaminação do socorrista, fácil limpeza e des-
seja pelo contato com a pele ou através da contaminação das muco- c on t a m i n a ç ã o.
sas; materiais de uso obrigatório no atendimento às vítimas: luvas Equipamento dis-
descartáveis e/ou de raspa, máscara de proteção facial, óculos de ponível nos tama-
proteção e capacetes (em locais de risco iminente de acidentes). nhos adulto e infan-
til.
Fig. 7: Reanimadores Ventilatórios.

c) Equipamento para Administração de Oxigênio

A oxigenação faz parte do suporte básico de vida do traumati-


zado, o que torna indispensável a presença de equipamentos apropri-
ados na viatura de atendimento.
Dois suprimentos de oxigênio devem estar disponíveis: um
fixo instalado no carro (figura 8) e outro portátil (figura 9).
A unidade portátil, com 300 litros de capacidade, equipada
com medidor de
pressão e fluxômetro
Fig.5: EPIs. (equipamento desti-
nado a controlar e
2.4. Equipamentos para Reanimação e Administração de dosar a administra-
Oxigênio ção de oxigênio e ar
comprimido medici-
a) Cânula Orofaríngea ou Cânula de Guedel nal) (figura 10), tubo
de saída e máscara,
Equipamento usado para garantir a permeabilidade das vias deve ser capaz de
aéreas em vítimas inconscientes devido à queda da língua contra as liberar pelo menos 12
estruturas do palato, promovendo a passagem de ar através da orofa- litros de oxigênio por
ringe. Devem estar disponíveis nos tamanhos para lactentes, crianças minuto. É desejável
e adultos. dispor-se de um ci-
lindro extra. As más-
caras de oxigênio
devem ser semi-
abertas, sem válvu- Fig. 8: Unidade fixa de oxigênio.

las, transparentes, e
nos tamanhos adulto e
infantil.
A unidade fixa
instalada na viatura
possui capacidade maior
Fig.6: Cânula Orofaríngea.
de armazenamento e
b) Reanimador Ventilatório Manual ou Ambu possibilita a continuação
da administração de
O ambu — airway maintenance breathing unit é um equipa- oxigênio durante o des-
mento utilizado para estabelecer ventilação artificial manual. Consti- locamento até a unidade
tuído de uma bolsa para a insuflação de ar e máscaras destinadas a hospitalar.
cobrir hermeticamente a face da vítima, garantindo assim eficiente
Fig. 9: Unidade portátil de oxigênio.
insuflação de ar para dentro dos pulmões e maior concentração de
oxigênio para a vítima. As máscaras transparentes são as mais ade-

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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
32 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 3 - Equipamentos para o Atendimento Pré-hospitalar

d) Equipamentos para Aspiração 2.5. Equipamentos de Imobilizações e Fixação de Curati-


vos
No atendimento inicial do traumatizado, a aspiração de san-
gue, vômitos e secreções que obstruam a passagem de oxigênio Os seguintes materiais devem ser transportados pela viatura de
através da via aérea é medida indispensável e insubstituível no su- emergência para a adequada imobilização nos casos de diagnósticos
porte básico de vida, justificando-se a inclusão de equipamentos ou suspeita de traumatismos:
apropriados na viatura de atendimento pré-hospitalar. Para tanto,
deve-se dispor de equipamentos de aspiração de secreções da cavi- a) Tala articulada de madeira: para imobilização de mem-
dade oral. bros inferiores e/ou superiores, composta de duas chapas de madeira
articuladas entre si e que permitam a regulagem da posição e o tama-
nho da imobilização, através de um fecho metálico.

b) Tala de papelão: picotada nas laterais para permitir a dobra


desejada para o caso.

c) Tirantes de fixação: cintos flexíveis e resistentes que se


destinam a prender a vítima junto à prancha de imobilização.

Fig. 10: Fluxômetro e manômetro.


Dois modelos devem
estar disponíveis: um
fixo instalado no veí-
culo de emergência e
outro portátil (figura
12). O aspirador deve
dispor de extensão de
silicone sem dobras e Fig. 13:Equipamentos de imobilização de membros e fixação de
curativos.
de uma ponta de aspi-
ração rígida (as pontas d) Bandagens triangulares e ataduras de crepom: destina-
flexíveis são inadequa- das à imobilização de fraturas, luxações e fixação de talas e curati-
das à aspiração da via vos.
aérea do paciente trau-
matizado). Deverá
oferecer vácuo e fluxo
adequados para a aspi-
ração da via aérea
Fig. 11: Saída de O2 fixa na vtr. superior.
Todo equipamento de aspiração deve estar facilmente à mão
dos socorristas e a extensão deve alcançar o paciente, não importan-
Fig. 14:Bandagens para fixação de curativos.
do sua posição no veículo.
O equipamento portátil será utilizado sempre que a aspiração e) Tala para tração de fraturas de fêmur: construída em
for necessária alumínio ou aço inox, com regulagem de comprimento, dispondo de
na cena do apoios de borracha ou espuma e tirantes utilizados para fixação da
atendimento, tala. Usada para suporte e fixação dos membros inferiores, tracio-
fora do veículo. nando o fêmur fraturado por meio de um sistema de catraca com
O equipamento fixação no tornozelo (figura 15). Pode também ser utilizada apenas
deve estar lim- para estabilização do membro, quando não houver necessidade ou
po e desconta- haja alguma contra-indicação em se tracionar o fêmur, como, por
minado. exemplo, em casos de fraturas abertas.
Fig.12: Aspirador portátil.
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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
33 Diretoria de Ensino e Instrução 33
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 15: Tala de tração femoral. Fig. 19: Tirantes de fixação.

f) Colete de estabilização dorsal (KED): equipamento desti- i) Pranchas Rígidas para imobilizações: destinadas à imobi-
nado à retirada de vítimas do interior de veículos que estiverem sen- lização da vítima para transporte deitada, de modelos adulto e infan-
tadas, objetivando a imobilização da coluna cervical, torácica e lom- til, longas e curtas, possuindo aberturas para fixação de tirantes e
bar superior. Sua fixação dá-se através de tirantes flexíveis fixos e imobilizadores de cabeça.
móveis (figura 16).

Fig. 16: Colete de estabilização dorsal – KED.

g) Colar cervical:
destinado à imobili-
zação da coluna
cervical quanto a
movimentos axiais. Fig. 20: Pranchas rígidas para imobilização.

Confeccionado em
polietileno, dobrá- 2.6. Materiais Utilizados em Curativos
vel, de modelos e
tamanhos variados. A unidade de resgate deve dispor de material indispensável na
limpeza superficial de ferimentos e contenção de hemorragias, em
Fig.17: Colares cervicais de todos os tamanhos.
h) Estabilizadores número suficiente para atender a demanda do serviço, tais como:
de cabeça: destinado pacotes de gaze estéril, tesoura, esparadrapo, ataduras de crepom,
à imobilização total bandagens, soro fisiológico para limpeza, além de luvas de látex
da cabeça da vítima (figura 21).
acidentada. Confec-
cionado em espuma 2.7. Material para Atendimento Obstétrico
revestida de um mate-
rial impermeável e A viatura de emergência deve dispor de um conjunto de mate-
lavável, devendo riais necessários à assistência ao parto. Conhecido como “kit parto”,
permitir radiografias é composto dos seguintes itens:
ou ainda tomografias
sem afetar a qualidade 01 Lençol descartável estéril (2,00 x 0,90 m );
da imagem. 01 Lençol descartável estéril (1,00 x 0,90 m);
Fig. 18: Estabilizadores de cabeça.
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34 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 3 - Equipamentos para o Atendimento Pré-hospitalar

Um oxímetro de pulso
(figura 26) com sensores que
possuem a finalidade de monito-
rar a saturação periférica de oxi-
gênio e pulso periférico.
O Desfibrilador Externo
Automático – DEA – tornou-se
peça fundamental nas viaturas de
Fig. 26: Oxímetro de pulso.
suporte básico de vida com o
advento da corrente da sobrevivência (a ser estudada no capítulo 12),
onde se destina à verificação de arritmias ventriculares (taquicardia e
fibrilação), que se confirmadas através da obediência aos comandos
Fig.21: Materiais para curativos. emanados, resultará na aplicação de choques buscando a reversão do
quadro apresentado.
02 Corte Clamps umbilicais em plástico; A classificação do DEA neste grupo deve-se ao mesmo atuar
01 Absorvente hospitalar; também como monitor cardíaco, identificando o padrão de atividade
02 Pares de luvas cirúrgicas esterilizadas; elétrica do coração, é um material de uso de pessoal treinado, mas
01 Bisturi descartável número 22; não necessariamente de profissional de saúde, o que o diferencia do
01 Saco plástico de 20 litros; cardioversor.
01 Envelope com 10 (dez) unidades de gaze esterilizadas;
02 Envelopes com álcool (gel);
01 Par de luvas descartáveis estéril.

Fig.27: Desfibrilador Externo Automático.

2.9. Macas e Acessórios


Fig.22: Kit parto.

2.8. Equipamentos a) Maca Retrátil: Equipamento destinado ao transporte da


para Verificação de vítima, sendo confeccionado em alumínio, com mecanismo de tra-
Sinais Vitais vamento, possibilitando que a maca aumente ou diminua a altura.
Cobertores e lençóis são acessórios que devem ser levados no
Toda viatura de emer- veículo e sujeitos a um sistema de troca periódica, garantindo dispo-
gência deve dispor nibilidade de itens sempre limpos.
obrigatoriamente de Cobertores e lençóis são acessórios que devem ser
pelo menos um esfig- levados no veículo e sujeitos a um sistema de troca periódi-
Fig. 23: Esfigmomanômetro. ca, garantindo disponibilidade de itens sempre limpos.
momanômetro (figura
23) e um estetoscópio (figura 24), usados para aferir a pressão arteri-
al da vítima, ou então, equipamento digital apropriado (figura 25).

Fig. 24: Estetoscópio. Fig. 25: Aparelho digital. Fig.28: Maca retrátil.
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35 Diretoria de Ensino e Instrução 35
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

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36 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 4
Biossegurança

A
e da hepatite C (VHC) e o HIV.

ntes do reconhecimento da síndrome da imuno- 1. DEFINIÇÕES


deficiência adquirida (AIDS) no início dos anos
de 1980, os profissionais de saúde estavam pouco preocupados com Infecção: estado patológico determinado pela ação de agentes
a exposição ao sangue e aos fluidos corporais. Embora se saiba há patogênicos microscópicos, que liberam no organismo do hospedei-
muito tempo que o sangue transmite determinados vírus da hepatite, ro toxinas capazes de desencadear processos infecciosos.
socorristas e outros profissionais envolvidos no atendimento de e- Microrganismos: são micróbios ou germes capazes de pro-
mergência frequentemente encaravam o contato com o sangue de duzir ou não um estado patológico no indivíduo. Os microrganismos
um paciente como um aborrecimento, e não como um risco ocupa- que produzem doença no indivíduo são denominados germes pato-
cional. Por causa da alta taxa de mortalidade associada à AIDS e da gênicos, e os que não produzem são denominados não patogênicos.
descoberta que o vírus da imunodeficiência humana (HIV), o agente Para sabermos se determinada doença é causada por um ger-
etiológico da AIDS, podia ser transmitido pelo sangue, os profissio- me específico, existe a necessidade de isolá-lo do organismo do
nais de saúde ficaram bem mais conscientes sobre o paciente como hospedeiro e cultivá-lo em laboratório; após o cultivo, será inoculado
um vetor de doença. num animal sadio e este deverá desenvolver a mesma doença.
O termo Biossegurança designa a segurança do tecido vivo, Os microrganismos penetram no organismo pelas chamadas
ou segurança da vida. Quando falamos em técnicas de Biosseguran- portas de entrada: nasofaringe, pulmões, uretra, intestino, ou outras
ça, falamos das técnicas que nos asseguram a integridade corporal, portas existentes ou produzidas. Por isso se fazem necessários a
física e mental, bem como a vida. prevenção e o controle de infecções por meio de medidas como
Atualmente o desafio de se criarem condições de trabalho conscientização da equipe de trabalho, inspeção periódica e rigorosa
mais seguras é agravado pelos sistemas de tratamento complexos dos locais de tratamento dos materiais e equipamentos utilizados,
que cada área profissional apresenta. “desgermação” das mãos antes e após o atendimento de vítimas e
Ao se falar do profissional Bombeiro Militar, capacitado para controle de produtos utilizados.
a função de socorrista, este desafio também existe, e como em qual- Bactérias: microrganismos unicelulares, visíveis apenas em
quer outra área deve ser trabalhado da melhor maneira possível. microscópio. Encontra-se uma variedade muito grande no meio
Isto porque faz parte do cotidiano deste profissional a exposi- ambiente. Podem apresentar diferenças nas formas celulares, sendo
ção a situações de risco, como o contato com secreções orgânicas, esféricas (cocos), bastonetes (bacilos), ou espirais (espirilos). Algu-
com portadores de doenças infecciosas e outras situações. mas vivem em matéria orgânica morta, (saprófitas), outras vivem
Reduzir a contaminação por microorganismos é uma necessi- em tecidos vivos e, portanto são parasitas. Podem ser Gram-
dade imperiosa; daí a necessidade de medidas destinadas à preven- positivas e Gram-negativas, de acordo com a coloração. Podem ser
ção e ao controle de infecções. móveis ou imóveis, encapsuladas ou não, produzir esporos ou não.
Para tanto se faz necessário o conhecimento de algumas doen- Vírus: são os microrganismos patogênicos mais comuns,
ças infecciosas, de sua transmissão, e das técnicas de segurança ne- constituídos por apenas um núcleo. Este microrganismo não conse-
cessárias, não só a infecção do profissional como da própria vítima a gue se multiplicar sem as células vivas do hospedeiro. São classifica-
ser resgatada e transportada. dos por seu tamanho e formato (esféricos, cilíndricos ou cúbicos), ou
Dados epidemiológicos demonstram que os profissionais de pelo mecanismo de transmissão, (respiratória, fecal, oral, ou sexual).
saúde têm uma probabilidade bem maior de contrair doenças adqui- Fungos: são microrganismos de paredes rígidas com seus
ridas pelo sangue de seus pacientes do que os pacientes têm de con- núcleos envoltos por uma membrana. Ocorrem como “leveduras”,
trair doenças dos profissionais de saúde. A exposição ao sangue ou em “mofos”, presentes em quase todos os pontos da terra, na
pode ser percutânea ou mucocutânea. A exposição percutânea ocor- água, solo, animais, plantas e outros. Podem ser benéficos ou preju-
re quando um indivíduo se pica ou se corta com um objeto perfuro- diciais.
cortante contaminado, como uma agulha ou um bisturi, e o risco de Protozoários: microrganismos unicelulares, maiores que as
transmissão está diretamente relacionado tanto com o agente conta- bactérias, simples do reino animal. Classificam-se de acordo com
minante quanto com o volume de sangue infectado introduzido pela seu meio de locomoção, com a presença ou ausência de cílios ou
lesão. A exposição mucocutânea tem tipicamente menor probabili- flagelos. A maioria destes microrganismos tem vidas livres e são
dade de causar transmissão e inclui a exposição de sangue à pele não encontrados no solo e na água. Alguns causam doenças como a
íntegra, como, por exemplo, uma lesão de partes moles (p. ex., abra- Giardíase (Giardia lamblia), Tricomoníase (Trichomonas vagina-
são, laceração superficial) ou uma patologia cutânea (p. ex., acne), lis), e outras.
ou a mucosas (p. ex., conjuntiva ocular). As infecções primárias Parasitos: organismos pluricelulares que vivem na superfície
transmitidas através do sangue incluem o vírus da hepatite B (VHB) ou dentro de organismos e deles retiram seus nutrientes. Ex: helmin-
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

tos e artrópodes. Podem provocar infecção e destruição das células bora a maioria dos pacientes com hepatite se recupere sem proble-
do hospedeiro. mas sérios, uma pequena percentagem desenvolve insuficiência
hepática aguda fulminante e pode morrer. Um número significativo
2. PROCESSOS INFECCIOSOS daqueles que se recuperam desenvolve um estado de portador assin-
tomático, no qual o sangue pode transmitir o vírus.
A epidemiologia é a ciência que estuda a história e a ocorrên- Como ocorre com o VHB, a infecção pelo VHC pode variar
cia das doenças. de uma evolução leve, assintomática, até insuficiência hepática e
A continuação de uma doença infecciosa exige certa sequên- morte. O período de incubação do VHC é um pouco mais curto do
cia de acontecimentos, que se assemelha a elos de uma cadeia: que o do VHB, tipicamente seis a nove semanas. Infecções crônicas
Agente causal ou etiológico: microorganismos capazes de pelo VHC são bem mais comuns do que pelo VHB, e cerca de 80%
produzir uma infecção ou doença infecciosa: vírus, bactérias, fun- a 85% das pessoas que contraem o VHC desenvolvem função hepá-
gos, protozoários, helmintos. tica persistentemente anormal, tendo risco aumentado de carcinoma
Fonte de infecção ou portador: pessoa ou animal infectado hepatocelular. A hepatite C é transmitida essencialmente através do
que alberga agente específico de uma doença sem apresentar sinais sangue, ao passo que a hepatite B pode ser transmitida através do
ou sintomas clínicos referentes a ela. sangue ou por contato sexual. Aproximadamente dois terços dos
Reservatório: depósito natural de um determinado agente usuários de drogas intravenosas foram infectados com o VHC. An-
infeccioso, podendo ser humano, animal, ou não animal. O elo se- tes de se tornar rotina o teste do sangue doado quanto à presença de
guinte é o modo de saída do agente desse reservatório. VHB e VHC, a transfusão sanguínea era a fonte principal de hepati-
Vias de eliminação: vias por onde os reservatórios eliminam te. A hepatite pode ser transmitida aos profissionais de saúde através
os agentes infecciosos, como aparelho respiratório (tosse), aparelho de picadas de agulha e exposições mucocutâneas pela pele não-
digestivo (fezes), trato geniturinário (urina) e sangue. íntegra.
Após a saída do microorganismo de seu reservatório, ele só Uma vacina derivada do antígeno de superfície da hepatite B
será perigoso caso encontre um meio de atingir o hospedeiro; este é (AgHBs) pode imunizar os indivíduos contra o VHB. Antes do
o modo de transmissão, ou seja, a forma de transferência direta ou desenvolvimento dessa vacina, mais de 10 mil profissionais de saú-
indireta de um agente etiológico da fonte primária para outro ser de se infectavam com VHB anualmente, e várias centenas morriam
(pessoa ou animal). Outro elo é o modo de entrada e inclui o apare- todo o ano em decorrência de hepatite grave ou de complicações da
lho respiratório, digestivo, infecção direta de mucosas ou infecção infecção crônica pelo VHB.
por feridas na pele. No momento, não existe imunoglobulina nem vacina para
Hospedeiro suscetível: indivíduo de resistência orgânica insu- proteger os profissionais de saúde da exposição ao VHC, o que enfa-
ficiente para deter o avanço do agente infeccioso, tornando-se sujeito tiza a necessidade da utilização das precauções-padrão.
à infecção e à doença e constituindo o propósito de todas as medidas
de saúde pública. 3.2. Meningite:

3. PRINCIPAIS DOENÇAS INFECCIOSAS Trata-se da inflamação das meninges, (membranas que circun-
dam o cérebro e a medula espinhal). Pode ser causada por microrga-
As doenças contagiosas representam grande problema de nismos virais, bacterianos e fúngicos. É classificada como asséptica,
saúde pública para a maior parte do mundo. séptica ou tuberculosa. A meningite asséptica é de causa viral, já as
Nos países industrializados, cerca de 70% das mortes decor- sépticas, por bactérias.
rem de doenças degenerativas e acidentes. No entanto, nos países A meningite começa com a infecção da orofaringe e é acom-
em desenvolvimento, as doenças infecciosas e parasitárias figuram panhada por septicemia, que se estende às meninges. Os fatores
como as principais causas de morte. predisponentes são: infecções do trato respiratório superior, otite
média, anemias, procedimentos neurocirúrgicos, traumatismos cra-
3.1. Hepatite Viral nianos e outros.

Embora tenham sido identificados diversos vírus da hepatite, o Modo de transmissão: contato íntimo, com secreções corpo-
VHB e o VHC são os vírus que mais preocupam os profissionais de rais do doente, via oral.
saúde que sofrem exposição ao sangue. A hepatite viral causa infla- Incubação: 1 a 10 dias após a transmissão.
mação aguda do fígado, frequentemente produzindo dor no qua- Período de transmissão: por via oral, de 48 a 72 horas após o
drante superior direito, fadiga, perda do apetite, náuseas, vômitos e tratamento com a antibioticoterapia.
alteração da função hepática. Icterícia, uma coloração amarelada da Medidas de controle: cuidados rigorosos com secreções da
pele, é causada pelo aumento do nível de bilirrubina na corrente vítima, uso de luvas, máscara facial e jaleco, se necessário. Desinfec-
sanguínea. O período de incubação, da exposição até a manifestação ção rigorosa da viatura e equipamentos.
dos sintomas, é geralmente de 60 a 90 dias. Até 30% das pessoas Sinais e sintomas:
infectadas pelo VHB podem ter uma evolução assintomática. Em-  Geralmente febre e dor de cabeça ou alteração no estado

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38 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 4 - Biossegurança

mental. Modo de transmissão:


 Os pacientes com meningite bacteriana frequentemente
apresentam uma história de infecção recente do trato respiratório  Uso comum de agulhas contaminadas (usadas por viciados
superior, pneumonia ou otite. Os sintomas incluem febre, dor de em drogas intravenosas).
cabeça, rigidez na nuca, vômitos e mialgias. O paciente pode evoluir  Sangue e produtos de sangue contaminados em transfusão.
até a confusão mental e, finalmente, o coma.  Contato sexual penetrante (vaginal, anal ou oral).
 Os sintomas da meningite viral geralmente têm início súbi-  Sangue e hemoderivados do indivíduo contaminado, em
to: febre alta, rigidez na nuca, mialgias e artralgia. Dura cerca de 3 a contato com feridas ou cortes em outros indivíduos.
5 dias, com sequelas neurológicas graves, duradouras e incomuns.  Mãe para filho antes, durante ou logo após o nascimento.
 A meningite por tuberculose pode apresentar-se com sinto-  Leite materno.
mas que evoluem por várias semanas, como dor de cabeça, febre,
rigidez na nuca. Período de transmissão: desde o momento de infecção.
Período de incubação: pode durar anos.
Atenção redobrada: uso de EPIs e desinfecção de materiais, Medidas de controle: cuidados com materiais perfurocortan-
equipamentos e viaturas. tes, uso de luvas, desinfecção rigorosa dos equipamentos e da viatu-
ra.
a) Meningite Meningocócica Principais sintomas:

Causa mais comum de meningite bacteriana em adultos. Paci-  Cansaço persistente não-relacionado a esforço físico.
entes imunocomprometidos são responsáveis por 10 a 25% dos  Grande perda de peso sem motivo aparente.
casos (anemia falciforme, alcoolismo e ausência de baço).  Febre persistente acompanhada por calafrios e suores no-
turnos que se prolongam por várias semanas.
b) Meningite Viral  Diarréia freqüente.
 Gânglios linfáticos aumentados por todo o corpo.
Ocorre habitualmente durante a primavera ou verão, em forma
 Tosse seca, com duração maior do que aquela que acom-
de epidemia, geralmente com prognóstico muito melhor do que o da
panha resfriados e diferente da provocada pelo hábito do cigarro.
meningite bacteriana.
 Ferimentos ou lesões esbranquiçadas causadas por fungos,
em grande quantidade.
c) Meningite Tuberculosa

Meios de Proteção:
Tipicamente menos abrupta em seu aparecimento do que a
meningite bacteriana ou virótica; os pacientes têm apenas manifesta-
Até agora a educação e a conscientização são as medidas mais
ções gerais de infecção por 2 a 3 semanas antes do desenvolvimento
efetivas de prevenção. Algumas ações, contudo, devem ser tomadas
de irritação meningeal. A meningite tuberculosa e a fúngica são
pelas autoridades governamentais ou de saúde, como, por exemplo,
vistas nos hospedeiros imunodeprimidos (AIDS, por exemplo) e
triagem adequada do sangue doado para detectar sangue contamina-
podem desenvolver-se como resultado de infecção disseminada, de
do pelo vírus HIV, que previne sua disseminação.
semanas a meses após a infecção inicial.
A mais importante ação preventiva depende do indivíduo, pela
adoção de práticas sexuais seguras, devendo ainda evitar outras ativi-
3.3. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS):
dades que possam transmitir a doença.
Até o momento não há tratamento definitivo para a AIDS.
Esta síndrome é causada pela infecção e ação do vírus HIV, o
Apenas as infecções oportunistas contraídas pelo doente é que rece-
qual desencadeia no portador a doença da AIDS. Este vírus é mutan-
bem cuidados.
te, interfere na resposta imunológica do paciente por preferir atacar
inicialmente as células do sistema de defesa (leucócitos, linfócitos)
4. PRECAUÇÕES PADRÃO
do organismo humano, partindo para células de outros sistemas
como do sistema nervoso. Torna o indivíduo imunologicamente
Considerando que o exame clínico não pode identificar de
indefeso e suscetível a contrair qualquer infecção, além de desenca-
forma confiável todos os pacientes que sejam uma ameaça potencial
dear o que se chamam de doenças oportunistas, provocadas por
aos profissionais de saúde, foram desenvolvidas as precauções-
vírus, fungos, bactérias e outros. Um indivíduo infectado pelo HIV
padrão para evitar que os profissionais de saúde entrem em contato
pode passar meses ou anos sem ser doente de AIDS, ou seja, sem
direto com o sangue ou com o fluido corporal de um paciente (p. ex.,
desencadear a síndrome, porém permanece sempre transmitindo. O
saliva, vômito). As precauções-padrão consistem de barreiras físicas
diagnóstico é feito pelo exame de sangue, onde é possível detectar o
ao sangue e aos fluidos corporais e à exposição, além de práticas de
soropositivo.
manipulação segura para objetos perfurocortantes. Uma vez que os
pacientes traumatizados frequentemente têm hemorragia externa e o
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39 Diretoria de Ensino e Instrução 39
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

sangue é um fluido corporal de risco elevadíssimo, devem ser utili- Prevenção de Lesões Perfurocortantes. Como observado
zados dispositivos de proteção no atendimento aos pacientes. anteriormente, a exposição percutânea ao sangue ou fluido corporal
de um paciente constitui uma forma importante de transmissão de
4.1. Barreiras Físicas infecções virais para os profissionais de saúde. Muitas exposições
percutâneas são produzidas por lesões decorrentes de objetos perfu-
Luvas. As luvas devem obrigatoriamente ser utilizadas quan- rocortantes. Sempre tente eliminar materiais perfurocortantes desne-
do se toca a pele não-íntegra, mucosas ou áreas contaminadas por cessários.
sangue ou outros fluidos corporais. No atendimento ao paciente, é
comum a ocorrência de perfurações nas luvas; portanto, elas devem Gerenciamento da Exposição Ocupacional. Cada exposição
ser examinadas regularmente em busca de defeitos e trocadas imedi- deve ser documentada cuidadosamente através de comunicação
atamente caso seja observado qualquer problema (figura 29). interna, incluindo o tipo de lesão e a estimativa do volume inocula-
do. Caso um profissional de emergência tenha exposição mucocutâ-
nea ou percutânea ao sangue, ou apresente uma lesão produzida por
um objeto perfurocortante, devem ser tomadas medidas para evitar
infecção bacteriana, incluindo tétano e infecção por VHB e HIV.
Atualmente, não há nenhum tratamento profilático aprovado ou
disponível que evite a infecção por VHC.

4.2. Precauções com Secreções — Lesões

Observar o uso de técnicas adequadas ao manusear lesão com


secreções, bem como de material de curativos (pinças) e luvas. Pro-
ceder à lavagem das mãos antes e depois de lidar com o paciente.
Fig.29: No mínimo, o equipamento de proteção individual dos socorristas
deve consistir em luvas, máscaras e proteção ocular. 4.2.1. Precaução com Secreções Orais

Máscaras e Protetores Faciais. As máscaras servem para Acondicionar os artigos utilizados em sacos impermeáveis
proteger a mucosa oral do profissional de saúde da exposição a a- fechados e identificados antes de serem levados para limpeza ou
gentes infecciosos. Caso as máscaras ou os protetores faciais fiquem colocados no lixo.
úmidos ou sujos, devem ser trocados imediatamente.
4.2.2. Precaução com Excretas
Proteção Ocular. A proteção ocular deve ser utilizada sempre
que houver a possibilidade de respingos de gotículas de fluido infec- No caso das hepatites por vírus A e B.
tado, como ocorre com um paciente que tenha sangue na orofaringe.
Os óculos comuns não são considerados adequados, pois não forne- 4.2.3. Precaução com Pele e Feridas
cem proteção lateral.
Preferencialmente em quarto individual; uso de máscaras,
Equipamentos de Reanimação. Os profissionais de saúde luvas, aventais e óculos de proteção são indicados.
devem ter acesso a bolsa-valva-máscara (conhecida como ambu)ou As considerações seguintes são aplicáveis nos cuidados de
bocais para protegê-los do contato direto com a saliva, sangue e todos os pacientes com infecções transmissíveis ou suspeitos delas:
vômito do paciente.
 Lavar as mãos.
Lavagem das mãos. A lavagem das mãos é um princípio  Aventais.
fundamental para controle de infecção. As mãos devem ser lavadas  Máscaras.
com sabão e água corrente sempre que ocorrer contaminação gros-
 Luvas de látex ou estéreis.
seira com sangue ou fluido corporal. Anti-sépticos à base de álcool
 Óculos de proteção.
são úteis para evitar a transmissão de muitos agentes infecciosos,
 Instrumental e equipamento submetidos à desinfecção e
mas não são adequados quando as mãos estiverem muito sujas; no
esterilização.
entanto, podem limpar e proporcionar um efeito protetor em situa-
 Controle do ambiente - limpeza/desinfecção de superfí-
ções em que não há água corrente ou sabão. Após a remoção das
cies.
luvas, as mãos devem ser lavadas com água e sabão ou com um anti
-séptico à base de álcool.  Para a lavagem dos materiais, dos equipamentos e da
viatura, luvas de borracha de cano alto, óculos e máscaras.

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Capítulo 4 - Biossegurança

 Os panos utilizados na limpeza devem ser lavados ainda 6.1. Artigos Críticos
com o uso de luvas, de máscaras e óculos, a fim de prevenir conta-
minação por respingos de secreção ou por soluções químicas. São todos os objetos, instrumentos ou equipamentos que en-
tram em contato com tecidos estéreis, ou seja, tecido sub-epitelial,
4.3. Procedimento para Calcar Luvas Estéreis sistema vascular e outros isentos de flora microbiana própria. Estes
artigos deverão estar totalmente livres de microorganismos, necessi-
 Abrir o invólucro de papel que as protege e expô-las. De tando esterilização.
modo que os punhos fiquem voltados para si.
 Calçar a luva esquerda segurando-a pela dobra do punho 6.2. Artigos Semicríticos
com a mão direita.
 Introduzir os dedos da mão esquerda sob a dobra do pu- São todos os objetos, instrumentos ou equipamentos que en-
nho e calçá-la desfazendo a dobra do punho. tram em contato apenas com mucosa íntegra, requerendo somente
 Colocar os dedos da mão direita na dobra do punho que desinfecção para ficarem isentos de microorganismos, como por
está na mão esquerda e repetir a técnica. exemplo, a cânula de Guedel.
Consideramos exceção os cateteres traqueais e vesicais, por-
Finalmente, se faz necessário que a equipe de socorrista tenha que embora entrem em contato com mucosa íntegra, devem ser
clareza dos princípios científicos, e que possam discernir os procedi- esterilizados, devido à alta incidência de infecções urinárias e respi-
mentos adequados mantendo principalmente a sua saúde, em prol da ratórias associadas ao uso de cateter.
vida de cada vítima socorrida.
6.3. Artigos Não Críticos
5. CLASSIFICAÇÃO DAS ÁREAS
São todos aqueles que não entram em contato direto com o
5.1. Áreas Críticas paciente ou os que apenas entram em contato com pele íntegra, con-
siderada uma barreira para a maioria dos organismos virulentos.
São aquelas que reúnem mais pacientes graves, maior número Esses artigos necessitam apenas de limpeza com água e sabão, ad-
de procedimentos invasivos e, portanto, maior número de infecções, mitindo-se a presença de microorganismos em número baixo. Entre-
a saber: sala de cirurgia e parto, unidade de terapia intensiva, isola- tanto, os artigos não críticos contaminados com agentes de doenças
mentos, salas de pequenas cirurgias, laboratórios e algumas ambu- infecto-contagiosas requerem desinfecção, mesmo que seu uso de-
lâncias. termine apenas limpeza. Ex: estetoscópio, termômetro, e outros.

5.2. Áreas Semicríticas 7. CLASSIFICAÇÃO DOS MEIOS

São aquelas onde se encontram internados pacientes onde o a) Meio Séptico: aquele onde podem estar presentes microor-
risco de transmissão de infecção e o grau de complexidade de proce- ganismos patogênicos.
dimentos são menores, ou seja: enfermarias em geral, ambulatórios,
unidades de emergência, pronto atendimento, banheiros, viaturas de b) Meio Asséptico: aquele onde os microorganismos estão
emergência, expurgo. ausentes.

5.3. Áreas Não Críticas Para tornar um meio séptico em um meio asséptico são neces-
sárias a limpeza, a desinfecção ou a esterilização dos artigos.
São todas as áreas onde não há risco de infecção: almoxarifa-
do, escritórios, salas de aula, secretarias. 8. CONCEITOS

As áreas críticas requerem limpeza e desinfecção diárias, a) Assepsia: consiste na utilização de procedimentos para
enquanto que as áreas semicríticas e não críticas apenas limpeza. impedir a chegada de microorganismos patogênicos a um meio
A desinfecção nestas duas últimas só é recomendada quando houver asséptico.
contaminação com sangue, pus, vômitos, urina, fezes ou secreções
orgânicas. b) Limpeza: consiste na remoção de sujidade visível nos arti-
gos, através de ação mecânica e consequente retirada de carga mi-
6. CLASSIFICAÇÃO DOS ARTIGOS crobiana. Estudos comprovam que a matéria orgânica é capaz de
diminuir a atividade dos desinfetantes; assim, os artigos devem estar
As exigências de descontaminação diferem significativamente limpos e secos antes de serem submetidos aos desinfetantes ou ao
conforme a área e os artigos considerados, a saber: processo de esterilização.

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c) Descontaminação: é a eliminação de uma parte dos micro- PVC; componentes metálicos de endoscópios de alto risco.
organismos. Materiais porosos, como os de látex, podem reter o glutaralde-
ído, caso não haja bom enxágue; não misturar artigos de metais
d) Desinfecção: é o processo de destruição de microrganis- diferentes, pois pode haver corrosão no caso de contato entre eles.
mos patogênicos ou não, na forma vegetativa (não-esporulada), de É uma solução aquosa a 2%, possui pH ácido e precisa ser
artigos semicríticos, pelo uso de meios físicos e químicos. Divide-se ativado para se tornar alcalino e poder apresentar a ação biocida.
em desinfecção de alto nível, nível intermediário, baixo nível, de Após sua ativação sua validade é de 14 a 28 dias considerando o
acordo com o tipo de artigo. correto armazenamento desta solução. Para desinfecção o material
 Artigo crítico: desinfecção de alto nível. deve ter passado por uma limpeza prévia, e ser imerso em solução
 Artigo semicrítico: desinfecção de alto e médio nível. por 10 a 20 minutos, de acordo com o nível da desinfecção. É irri-
 Artigo não crítico: desinfecção de baixo nível. tante à pele e mucosas, principalmente às vias aéreas superiores e à
região ocular. Deve ser manipulado com os devidos EPIs: máscara,
e) Enxágue: este processo deve ser realizado em todos os luvas de borracha cano alto e óculos. Tem também ação esterilizante
materiais que passaram por limpeza e desinfecção. Deve ser feito de com a permanência do material por 10 horas em solução.
forma rigorosa, para que não fique resquício de substâncias quími-
cas. Formaldeído: tem ação desinfetante e esterilizante, na forma
líquida e gasosa; age desativando os microrganismos.
f) Secagem: a secagem é o processo realizado depois da lim- É encontrado na concentração de 10% em solução aquosa e
peza, desinfecção e descontaminação, antes da esterilização. Deve 8% em solução alcoólica. A esterilização é feita conforme o tempo
ser rigorosa para não prejudicar a esterilização. de exposição, orientada pelo fabricante. O tempo mínimo para expo-
sição do material é de 30 minutos para desinfecção e de 18 horas
g) Esterilização: é a completa eliminação ou destruição de para esterilização.
todas as formas de vida microbiana, principalmente na forma vege- Serve para todos os tipos de materiais, como o glutaraldeído.
tativa. Pode ser: química, física e físico-química. Usar a solução em recipiente de vidro ou plástico, proteger o
fundo com compressa, manter os recipientes tampados; não deixar a
 Física: autoclave, estufa, radiação cobalto 60. solução em temperaturas superiores a 25°C e descartar a solução ao
 Química: glutaraldeído, formaldeído, ácido peracético. final do dia, ou antes, se ela sofrer alteração em seu aspecto.
 Físico-química: óxido de etileno, peróxido de hidrogênio, A esterilização por meio químico pode ser feita por processo
vapor baixa temperatura e formaldeído (VBTF). gasoso, que utiliza o óxido de etileno, meio bastante caro.
Embora considerado desinfetante/esterilizante, seu uso é limi-
h) Estocagem: após submeter os artigos ao processamento tado pelos vapores irritantes, odor desagradável e comprovado po-
mais adequado, estocá-los em área separada, limpa, em armários tencial carcinogênico. Deve ser utilizado e manipulado com todos os
fechados, livre de poeiras. EPIs acima citados.

9. SOLUÇÕES DE DESINFECÇÃO Hipoclorito de Sódio: indicado para descontaminação de


superfícies e desinfecção de nível médio de artigos e superfícies,
Os produtos químicos utilizados na limpeza são os detergen- podendo ser utilizado em materiais de borracha, silicone e plásticos.
tes (agentes tensoativos). É tóxico, de odor forte, irritante de pele e mucosas. O uso é limitado
pela presença de matéria orgânica, capacidade corrosiva e descolo-
Os germicidas são substâncias ou produtos capazes de destru- rante. Devem ser utilizados na concentração de 1,0%. Os artigos
ir indiscriminada ou seletivamente microorganismos à temperatura submetidos à concentração de até 0,02% não necessitam de enxá-
ambiente. gue. Não utilizá-lo em metais e mármore, pela ação corrosiva.

Os desinfetantes podem ser definidos como substâncias quí- Quaternário de Amônia: Para desinfecção de baixo nível,
micas capazes de destruir todas as formas vegetativas de bactérias, indicado para superfícies e equipamentos em áreas de alimentação.
fungos e vírus.
Álcool: amplamente utilizado como anti-séptico e desinfetan-
Os anti-sépticos são germicidas químicos formulados para a te, tanto o álcool etílico, a 70%, como o isopropílico a 92%, por
utilização em pele e tecidos. terem ação bactericida, tuberculicida, fungicida e viruscida, menor
custo e pouca toxicidade. É recomendado para desinfecção concor-
Glutaraldeído: desinfetante usado nos três níveis de desinfec- rente de superfícies e/ou materiais, não devendo ser utilizados em
ção, para esterilização de artigos termorresistentes como segunda borrachas, plásticos e lentes.
opção, sendo a primeira por meio físico. Artigos a serem submeti- Álcool 70% glicerinado: anti-séptico e desinfetante com ação
dos: instrumentos metálicos, tubos de borracha, silicone, náilon ou bactericida tuberculicida, fungicida e viruscida. Propriedade umec-

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Capítulo 4 - Biossegurança

tante para a pele, devido à adição de 1 a 2% de glicerol. Indicado 10.5. Desinfecção


para a anti-sepsia das mãos.
a) Por Meio Físico Líquido:
10. PROCESSAMENTO DOS ARTIGOS
 Máquina própria com monitoração da temperatura e tem-
Recomenda-se que todo processamento de artigos seja centra- po de exposição dos artigos; secar os artigos caso a máquina não o
lizado por motivos de custo, eficiência de operacionalização, facili- faça, acondicioná-los em invólucro adequado, isto é, em recipientes
dade de manutenção do padrão de qualidade e aumento do tempo de limpos e desinfetados, secos e fechados. É necessária validação dos
vida útil dos mesmos. processos.
O manuseio de artigos requer que cada procedimento seja  Água em ebulição — ferver água durante 10 minutos,
acompanhado da indicação do Equipamento de Proteção Individual sem os artigos; imergir o artigo quando a água estiver em ebulição,
(EPI) específico, em relação à natureza do risco a que o pessoal se de modo a cobri-lo cerca de 2,5 cm por 30 minutos.
expõe.  Os artigos submetidos à descontaminação deverão ser
Independentemente do processo a ser submetido, todo artigo retirados da água após o término do tempo, com auxílio de pinça,
deverá ser considerado como “contaminado”, sem levar em conside- secos e guardados em recipiente limpo, desinfetado e seco.
ração o grau de sujidade presente.
Passos sequenciais: limpeza, descontaminação, enxágue, de- b) Por Meio Químico:
sinfecção e/ou esterilização e estocagem.
É necessário classificar o artigo de acordo com o risco potenci- Imergir o artigo em solução desinfetante ou friccioná-lo com
al de infecção envolvido em seu uso e definir o tipo de processamen- pano embebido. Na impossibilidade de imersão, utilizar EPI, preen-
to a que será submetido (desinfecção e/ou esterilização). cher o interior de tubos e reentrâncias, evitando formação de bolhas
de ar; observar e respeitar tempo de exposição ao produto, enxaguar
10.1. Limpeza várias vezes o artigo, inclusive o interior das tubulações com água
potável, secar e acondicioná-lo em invólucro adequado.
A limpeza de artigos poderá ser feita por qualquer das alterna-
tivas: Os produtos que podem ser utilizados são:

 Fricção mecânica com água, sabão, com auxílio de esco-  Glutaraldeído.


va, pano, esponja.  Formaldeído.
 Máquina de limpeza com jatos de água quente ou deter-  Álcool etílico.
gente.  Solução de iodo.
 Máquinas de ultra-som com detergentes/desencrostantes.  Fenol sintético.
 Outros compostos (hipoclorito de sódio/cálcio/lítio; qua-
10.2. Descontaminação ternário de amônia).

A descontaminação de artigos poderá ser feita por meio de 10.6. Esterilização


uma das seguintes alternativas:
a) Por meio físico:
 Fricção com esponja, pano, escova, etc., embebidos com
produto para esta finalidade.  Acondicionar os artigos em invólucros de grau cirúrgico e
 Imersão completa do artigo em solução desinfetante a- outros para este fim, adequados ao tipo de processamento escolhido.
companhada ou não de fricção com escova/esponja.  Submeter os artigos à máquina esterilizadora.
 Validar e monitorar o processo.
10.3. Enxágue
A esterilização por meio físico se realiza por:
Para o enxágue após a limpeza e/ou descontaminação a água
deve ser potável e corrente.
 Autoclave: equipamento que se utiliza de vapor saturado
para realizar o processo de esterilização; meio mais econômico para
10.4. Secagem
materiais termorresistente.
 Estufa — forno de Pasteur — recomendado somente para
Objetiva evitar a interferência da umidade nos processos e
esterilização de óleos e caixas de instrumental.
produtos posteriores, feita por uma das seguintes alternativas: pano
limpo e seco, secadora de ar quente ou frio ou estufa.

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

b) Por meio químico:  Proceder à limpeza com água e sabão no restante da su-
perfície.
 Soluções adequadas à imersão do artigo a ser descontami-
nado. Áreas que permaneçam úmidas ou molhadas albergam e re-
 Utilizar EPI e garantir farta ventilação do local. produzem germes gram-negativos e fungos; áreas empoeiradas
 Com auxílio de seringa, evitar a formação de bolhas de ar podem albergar gram-positivos, microbactérias e outros. Daí a ne-
no interior das tubulações. cessidade de secar muito bem as superfícies e os artigos e de proibir
 Observar e respeitar o tempo de exposição indicado, man- a VARREDURA SECA nas áreas de atendimento. Panos de limpe-
tendo o recipiente tampado. za e de chão, escovas e baldes deverão ser sempre lavados após o
 Enxaguar artigos submetidos, inclusive o interior das uso.
tubulações, com água esterilizada e técnica asséptica.
 Secar os artigos, acondicionar em recipiente ou invólucro 12. DESCONTAMINAÇÃO DE TECIDOS VIVOS
adequado e estéril e destinar ao uso imediato.
A descontaminação dos tecidos vivos depende de dois pro-
10.7. Armazenamento cessos: “desgermação” e anti-sepsia.
Desgermação é a remoção de detritos e impurezas deposita-
O armazenamento do material esterilizado deve ser feito em dos sobre a pele. Sabões e detergentes sintéticos, graças às suas pro-
armários fechados, com portas de vidro ou acrílico que permitem a priedades de umidificação, penetração, emulsificação e dispersão,
visualização do material, evitando-se a abertura e manipulação des- removem mecanicamente a maior parte da flora microbiana existen-
necessária do material. Deve também manter o controle do tempo de te nas camadas superficiais da pele, mas não conseguem remover
validade de esterilização, sendo de 7 a 15 dias, esterilizado em auto- aquela que coloniza as camadas mais profundas.
clave, envolto em papel manilha, ou em campo de tecido de algo- Anti-sepsia é a destruição de microorganismos existentes nas
dão. camadas superficiais ou profundas da pele, mediante a aplicação de
um agente germicida. Esses agentes são classificados como anti-
11. PROCESSAMENTO DE SUPERFÍCIES sépticos.
Os anti-sépticos devem exercer atividade germicida sobre a
As superfícies fixas (pisos, paredes, tetos, portas, mobiliários) flora cutâneo-mucosa em presença de sangue, soro, muco ou pus,
não representam risco significativo de transmissão de infecção. sem irritar a pele ou as mucosas. Atualmente, os anti-sépticos mais
A desinfecção localizada é indicada quando há presença de utilizados são aqueles à base de iodo, álcool ou hexaclorofeno.
respingo ou deposição de matéria orgânica, secreção, descarga de Rotina para uso do álcool 70 %: lavar a superfície com água e
excreta ou exsudação. Nessas condições, os locais necessitam de sabão antes de usar o álcool, quando houver presença de sangue,
descontaminação antes ou concomitante à limpeza. fezes ou pus. Friccionar com álcool o local por 30 segundos.
A descontaminação pode ser feita das seguintes formas Rotina para uso do álcool 70 % glicerinado: lavar as mãos
(hipoclorito de sódio 1%, primeiros minutos): com água e sabão, enxaguar em água corrente, enxugar e friccionar
as mãos com álcool glicerinado por 30 segundos.
11.1. Primeiro Processo
12.1. Higiene e Anti-sepsia das Mãos
 Com uso de luvas, retirar o excesso da carga contaminan-
te com papel absorvente. A lavagem das mãos é a técnica mais simples, sendo a mais
importante na prevenção e controle de doenças, tanto para o profis-
 Desprezar o papel em saco plástico de lixo.
sional, como para a vítima. Deve ser realizada regularmente por
 Aplicar sobre a área atingida o desinfetante e deixá-lo pelo
todos os profissionais de saúde, antes e após qualquer atendimento,
tempo necessário.
antes do manuseio de material esterilizado, antes de alimentar-se,
 Remover o desinfetante com pano molhado.
após defecar, urinar ou assuar o nariz.
 Proceder à limpeza.
Consiste em abrir a torneira e friccionar toda a superfície das
mãos, inclusive o dorso e entre os dedos, por 30 segundos; remover
11.2. Segundo Processo
os detritos depositados sob as unhas, depressões digitais e palmares;
enxaguar em água corrente; enxugar em toalha limpa de papel; fe-
 Aplicar o produto sobre a matéria orgânica e esperar o
char a torneira com o papel toalha; secar as mãos sem abanar.
tempo de ação. Na higiene das mãos, podemos utilizar soluções detergentes.
 Remover o conteúdo descontaminado com auxílio de Sabão em pedra deve ser conservado seco.
papel absorvente. Faz-se anti-sepsia após o ato de lavar e secar as mãos, friccio-
 Desprezá-lo no lixo. nando álcool 70% glicerinado por 30 segundos.

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44 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 4 - Biossegurança

12.2. Anti-sepsia de Feridas, Queimaduras e Mucosas O sistema de esgoto das torneiras, tanques ou pias deve apre-
sentar um tratamento específico para a água que escorre da viatura e
Um dos itens importantes na anti-sepsia são as medidas usadas para todo o material lavado.
para a prevenção e combate das infecções. Essas medidas reduzem a
incidência de contaminação e o risco de complicações na evolução
de estado da vítima.
Mesmo na emergência, conduzir o atendimento tendo em
vista a prevenção de infecções. Dessa forma, estar atento às feridas,
às lesões de mucosa e às queimaduras.
A aplicação de anti-séptico em ferimentos está contra-
indicada, pois os germicidas lesam tanto os microorganismos quan-
to as células de defesa do indivíduo, comprometendo o processo de
cicatrização. A remoção de corpos estranhos e tecidos necrosados, a
manutenção da circulação local e a irrigação com solução fisiológica
(soro fisiológico) são mais importantes do que o uso de anti-sépticos
para a profilaxia de infecções.

13. PROCEDIMENTOS COM ALGUNS MATERIAIS

 Ambu: limpeza com água e sabão, e álcool a 70%.


 Máscara inalatória: limpeza, com água e sabão e imersão
em hipoclorito de sódio a 1% durante 10 a 20 minutos.
 Extensões de borracha e silicone: limpeza com água e
sabão, imersão em hipoclorito de sódio a 1%, durante 20 minutos.
 Umidificador: limpeza com água e sabão e desinfecção
com hipoclorito a 1% durante 20 minutos.
 Frasco de aspiração: limpeza e desinfecção de alto nível
com glutaraldeído ou hipoclorito a 1% durante 20 minutos.
 Extensão de silicone, limpeza com água corrente em jato,
sabão e desinfecção em hipoclorito a 1% durante 20 minutos.
 Sonda para aspiração: desprezar após o uso.
 Luvas: desprezar após o uso.
 Colar cervical: quando em contato com secreção orgâni-
ca, lavagem com solução enzimática adequada. Quando ausente de
secreção após o uso, aplicação de álcool a 70 %.
 Estabilizador de cabeça: limpeza com água e sabão, e
fricção com álcool 70% por três vezes.
 Maca: desinfecção com álcool 70 %, fricções fortes.
 Colchão: limpeza com pano umedecido com água e sa-
bão, desinfecção com álcool 70%.

Os procedimentos de desinfecção de todo mobiliário devem


ser realizados após cada atendimento às vítimas. Em caso de presen-
ça de sangue na viatura deve-se proceder imediatamente à lavagem
e desinfecção da mesma.

Viatura: A limpeza e a desinfecção do veículo de emergência


devem seguir orientações dos princípios científicos: sempre iniciar a
limpeza de cima para baixo, do fundo para a porta. Em movimentos
únicos, sem fazer “vai e vem”. O local de desinfecção da viatura
deve ser apropriado, com escoamento da água para um ralo que leve
diretamente para o esgoto.

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45 Diretoria de Ensino e Instrução 45
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

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46 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 5
Anatomia e Fisiologia

A
1. TERMOS ANATÔMICOS GERAIS

anatomia é a ciência que estuda a estrutura do O estudo da anatomia exige o conhecimento da posição em
corpo humano e a fisiologia o seu funciona- que o corpo humano é descrito. Utiliza-se a posição anatômica, acei-
mento; ambas são essenciais para quem trabalha no atendimento a ta internacionalmente: indivíduo em posição ereta, de frente para o
vítimas de trauma ou problemas clínicos. O conhecimento de anato- observador, membros superiores ao longo do corpo com as palmas
mia é utilizado para classificar e descrever as lesões de acordo com das mãos voltadas para frente (figura 30).
sua localização, para prever lesões de órgãos internos baseando-se A superfície do corpo de frente para o examinador é a superfí-
na localização externa da lesão e para aplicar corretamente técnicas cie anterior ou ventral, a superfície das costas é a posterior ou
de exame e de tratamento da vítima. O conhecimento de fisiologia é dorsal (figura 31).
importante para se entender as alterações no funcionamento normal Para efeitos de estudo utilizam-
do organismo decorrentes do trauma e as medidas que são tomadas se vários planos de divisão do corpo,
para se tentar reverter tais alterações. O socorrista que se propõe a os chamados planos anatômicos:
atender vítimas de trauma e não conhece anatomia e fisiologia é 1. Plano sagital mediano – é
como um mecânico que quer consertar automóveis sem conhecer um plano imaginário que passa longi-
suas partes e o seu funcionamento. tudinalmente através do corpo e o
Este capítulo expõe os conhecimentos básicos de anatomia e divide em metades direita e esquerda;
fisiologia necessários para o bom desempenho da atividade de so- o plano sagital mediano atravessa as
corrista; aprofunda-se nos tópicos mais importantes, mas é superfici- superfícies ventral e dorsal do corpo
al em tópicos considerados secundários no atendimento pré- nas chamadas linha mediana ou mé-
hospitalar, não pretende, portanto, esgotar o assunto. O aprendizado dia anterior e linha mediana ou
de ambas as ciências é um processo contínuo que não se encerra no média posterior, respectivamente.
final de um curso, mas que se mantém por toda a vida profissional 2. Plano frontal ou coronal – é
do socorrista. todo plano que intercepta o plano sagi-
tal mediano em ângulo reto e divide o
corpo em metades anterior e posterior.
3. Plano transversal ou hori-
zontal – todo plano que divide o corpo
em metades superior e inferior.
Vários termos são utilizados
Fig.31: Superfícies do corpo
para se descrever as posições dos ele- humano.
mentos anatômicos e também a posi-
ção de lesões. O termo medial significa mais próximo à linha medi-
ana e lateral mais afastado dele. Como exemplos: na mão, o polegar
é lateral ao dedo mínimo enquanto que no pé o hálux (dedo grande),
é medial ao dedo mínimo; na perna a
face correspondente à tíbia é a face
medial e a correspondente à fíbula a
face lateral; um ferimento do tórax
medial ao mamilo está localizado entre
o mamilo e a linha média anterior e um
ferimento lateral ao mamilo está locali-
zado entre o mamilo e a linha axilar.
O termo proximal significa mais
próximo da raiz do membro ou origem
do órgão e distal mais afastado (figura
32).
Assim, no membro superior, o
Fig. 32: Regiões proximal e
cotovelo é proximal ao punho e distal distal.
Fig. 30: Planos anatômicos do corpo humano. ao ombro; a articulação interfalangeana
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

proximal é a mais próxima da base do dedo e a interfalangeana distal O corpo humano possui um par de membros superiores e
a mais próxima da ponta do dedo; se existem dois ferimentos em um um de membros inferiores. As lesões de membros estão entre as
membro, por exemplo, na coxa, o mais próximo ao quadril (ou seja, mais frequentes e possuem risco de morte se envolverem vasos
à raiz do membro) é o ferimento proximal e o mais distante o feri- sanguíneos calibrosos.
mento distal. Superior significa mais próximo da extremidade supe- Com fins didáticos, abordaremos a anatomia e fisiologia na
rior e inferior mais próximo da extremidade inferior. Assim, temos mesma sequência utilizada na avaliação e manejo inicial das vítimas
o lábio superior e o inferior; a pálpebra superior e a inferior; se exis- de trauma, ou seja: vias aéreas, aparelho respiratório, aparelho circu-
tem dois ferimentos em determinada parte do corpo, na parede torá- latório, sistema nervoso e exposição (restante da anatomia e fisiolo-
cica, por exemplo, um ferimento no terceiro espaço intercostal é gia relevantes). Como a anatomia e a fisiologia são intimamente
superior a um ferimento no quinto espaço intercostal. relacionadas, falaremos algumas vezes sem separá-las.
O organismo humano consiste em um complexo conjunto de
2. DIVISÃO DO CORPO HUMANO órgãos agrupados em aparelhos ou sistemas. Os órgãos são forma-
dos por pequenas unidades vivas chamadas células. Todas as células
O corpo humano divide-se em cabeça, tronco e membros. do organismo humano necessitam de um suprimento de oxigênio e
A cabeça é dividida em duas partes: crânio e face. Uma linha outros nutrientes para obter energia, para manter sua integridade
imaginária passando pelo topo das orelhas e dos olhos é o limite estrutural e para sintetizar as substâncias essenciais à sua função e a
aproximado entre estas duas regiões. O crânio contém o encéfalo no do organismo. A produção de energia, a regulação da atividade celu-
seu interior, na chamada cavidade craniana. As lesões crânio encefá- lar e a síntese de substâncias são realizadas através de reações quími-
licas são as causas mais frequentes de óbito nas vítimas de trauma. A cas; o conjunto destas reações químicas que ocorrem no organismo
face é a sede dos órgãos dos sentidos da visão, audição, olfação e é chamado de metabolismo. As reações químicas intracelulares
paladar. Abriga as aberturas externas do aparelho respiratório e di- produzem substâncias (resíduos ou catabólitos), entre as quais o
gestivo. As lesões da face podem ameaçar a vida devido ao sangra- dióxido de carbono, que necessitam ser eliminadas porque o seu
mento e obstrução das vias aéreas. acúmulo leva à disfunção celular e finalmente à morte celular. Tanto
O tronco é dividido em pescoço, tórax, abdome, e pelve. O o suprimento de oxigênio e nutrientes quanto à retirada dos resíduos
pescoço contém várias estruturas importantes. É suportado pela é feita pelo sangue. O sangue se abastece de oxigênio e se desfaz do
coluna cervical que abriga no seu interior a porção cervical da medu- dióxido de carbono nos pulmões e se abastece de nutrientes através
la espinhal. As porções superiores do trato respiratório e digestório da absorção de alimentos digeridos no tubo digestivo. Certas células
passam pelo pescoço em direção ao tórax e abdome. Contém tam- são mais dependentes de um suprimento contínuo de oxigênio do
bém vasos sanguíneos calibrosos responsáveis pela irrigação da que outras: as fibras musculares cardíacas toleram apenas alguns
cabeça. As lesões do pescoço de maior gravidade são as fraturas da segundos sem oxigênio e os neurônios cerebrais de 4 a 6 minutos.
coluna cervical com ou sem lesão medular, as lesões do trato respira- Algumas outras células podem passar períodos maiores sem oxigê-
tório e as lesões de grandes vasos com hemorragia severa. nio e ainda assim sobreviverem como as células musculares e da
O tórax contém no seu interior, na chamada cavidade toráci- pele, por exemplo. A falta de oxigênio por um tempo acima do tole-
ca, a parte inferior do trato respiratório (vias aéreas inferiores), os rável leva à morte celular que, por conseguinte, leva à morte de ór-
pulmões, o esôfago, o coração e os grandes vasos sanguíneos que gãos e finalmente à morte do organismo.
chegam ou saem do coração. É sustentado por uma estrutura óssea
da qual fazem parte a coluna vertebral torácica, as costelas, o esterno, 3. VIAS AÉREAS
as clavículas e a escápula. As lesões do tórax são a segunda causa
mais frequente de morte nas vítimas de trauma. O caminho que o oxigênio faz do meio ambiente até a célula é
O abdome está separado internamente do tórax pelo músculo longo e se inicia pelas vias aéreas. As vias aéreas se dividem em
diafragma e contém basicamente órgãos do aparelho digestório e superiores e inferiores.
urinário, portanto, da digestão e excreção. Possui no seu interior
grandes vasos que irrigam as vísceras abdominais e os membros 3.1. Vias aéreas superiores
inferiores. É sustentado pela coluna vertebral posteriormente e por
uma resistente camada músculo-aponeurótica anterior e lateral. As São compostas pela cavidade nasal, cavidade oral e faringe. O
lesões do abdome podem levar a graves hemorragias devido a lesões ar passa inicialmente através das cavidades nasais onde é filtrado,
de grandes vasos ou de vísceras bastante vascularizadas como o aquecido e umedecido. A faringe se localiza posteriormente às cavi-
fígado, baço e rins e a infecções pelo vazamento do conteúdo conta- dades nasal e oral e se divide em uma porção superior ou nasofarin-
minado das vísceras ocas para o interior da cavidade abdominal. ge, uma porção média ou orofaringe e uma porção inferior ou hipo-
A pelve liga o abdome aos membros inferiores e contém, na faringe. A cavidade oral, a orofaringe e a hipofaringe são passagens
chamada cavidade pélvica, a porção distal do tubo digestivo e do comuns ao aparelho digestório e respiratório. Nos indivíduos incons-
aparelho urinário e o aparelho reprodutor masculino e feminino. As cientes, a base da língua pode se projetar posteriormente, obstruindo
fraturas da pelve óssea são frequentes e muitas vezes graves devido a orofaringe e consequentemente dificultando ou bloqueando a pas-
à intensa hemorragia interna ou externa resultante. sagem de ar. Na porção distal da hipofaringe o trato respiratório e o

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48 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 5 - Anatomia e Fisiologia

aéreas e pelos pulmões. O ser humano possui dois pulmões: um


direito e um esquerdo, localizados dentro do tórax. O tórax é um
cilindro oco formado por doze pares de costelas que se articulam
posteriormente com a coluna vertebral e anteriormente com o ester-
no. Os pulmões ocupam as porções laterais da cavidade torácica. A
porção central do tórax é chamada de mediastino e contém a traquéi-
a, os brônquios principais, o esôfago torácico, o coração e os grandes
vasos torácicos. Todas estas estruturas podem ser lesadas nos trau-
matismos torácicos.
Fisiologia — A respiração é o processo biológico através do
qual ocorre a troca de oxigênio e gás carbônico entre a atmosfera e
as células do organismo. Possui dois componentes: a ventilação e a
perfusão. A ventilação é o processo mecânico através do qual o ar
rico em oxigênio entra pelas vias aéreas até os pulmões e o ar rico
em dióxido de carbono segue o caminho inverso. A perfusão consis-
te na passagem do sangue pelos capilares alveolares pulmonares
Fig. 33: Corte sagital através da cavidade nasal e da faringe, vistas do lado para captar o oxigênio do ar alveolar e liberar o dióxido de carbono
medial. para ser excretado.
digestório se separam. Posteriormente se encontra a abertura superi-
or do esôfago e anteriormente a laringe, que é a primeira parte das Ventilação pulmonar: é dividida em duas fases: a inspiração
vias aéreas inferiores. Os alimentos sólidos e líquidos que chegam à e a expiração. Durante a inspiração o diafragma e os músculos inter-
faringe passam ao esôfago e os gases passam para a laringe. Guar- costais se contraem fazendo com que o diafragma se rebaixe e se
dando a abertura superior da laringe existe uma membrana com retifique e a caixa torácica aumente de volume. Com o aumento de
mecanismo valvular chamada epiglote. Durante a deglutição a epi- volume da caixa torácica ocorre uma queda da pressão intratorácica
glote se abaixa fechando a laringe e direcionando os alimentos para para abaixo do nível da pressão atmosférica fazendo com que ocorra
o esôfago. Durante a inspiração e a expiração ela se eleva abrindo a fluxo de ar para dentro das vias aéreas e pulmões até que se equilibre
laringe para a passagem de gases. este gradiente de pressão. Durante a expiração o diafragma e os
músculos intercostais relaxam fazendo com que o diafragma se
3.2. Vias aéreas inferiores eleve e as costelas retomem a sua posição original, com isso o volu-
me da caixa torácica diminui e o ar é forçado para fora do pulmão e
São formadas pela laringe, traquéia, brônquios e bronquíolos. das vias aéreas. Se uma vítima apresenta várias fraturas de costela,
A laringe é uma estrutura complexa formada por osso e cartilagens e ela pode passar a respirar mais rápida e superficialmente devido à
contém as duas cordas vocais e os músculos responsáveis pelo seu dor.
funcionamento. A laringe não tolera a presença de qualquer corpo
estranho sólido ou líquido e responde com acesso de tosse ou espas- Perfusão: consiste na passagem do sangue através dos capila-
mo das cordas vocais. O edema de glote nas reações anafiláticas res pulmonares. Os capilares pulmonares estão em íntimo contato
ocorre neste nível das vias aéreas. O “Pomo de Adão” ou proemi- com os alvéolos pulmonares e, consequentemente, com o ar alveo-
nência laríngea corresponde à cartilagem tireóide que forma a parte lar. O sangue venoso chega aos capilares pulmonares, libera dióxido
anterior da laringe. Abaixo da cartilagem tireóide localiza-se um anel de carbono e capta oxigênio do ar alveolar, transformando-se em
cartilaginoso chamado de cartilagem cricóide. Abaixo da cartilagem sangue arterial rico em oxigênio. Esta troca de dióxido de carbono
cricóide se inicia a traquéia, composta por uma série de anéis cartila- por oxigênio nos pulmões é chamada de hematose.
ginosos que é facilmente palpável na linha média do pescoço. A
traquéia se divide em dois tubos dentro do tórax: o brônquio princi- Oximetria de pulso: é um método não-invasivo utilizado para
pal direito e o brônquio principal esquerdo, que se dirigem ao pul- se medir continuamente a porcentagem de hemoglobina saturada de
mão direito e esquerdo respectivamente. Estes brônquios por sua vez oxigênio presente no sangue arterial. Em situações normais a hemo-
vão se subdividindo em ramificações cada vez menos calibrosas até globina se satura através da ligação com o oxigênio, portanto, a me-
formarem os bronquíolos, que são a última parte das vias aéreas dida da saturação da hemoglobina nos dá uma medida indireta da
antes dos alvéolos. A aspiração de sangue e vômito normalmente oxigenação sanguínea. Idealmente, devemos aceitar como normais
causa obstrução ao nível dos brônquios menos calibrosos ou dos valores acima de 94%. A leitura do oxímetro de pulso é sujeita a
bronquíolos. interferência e pode mostrar valores errados nas seguintes situações:
excesso de movimento da vítima, excesso de luz ambiente, anemia
4. APARELHO RESPIRATÓRIO — TÓRAX severa, vasoconstricção periférica e hipotermia. Sempre que a leitura
não for compatível com o quadro clínico da vítima devemos checar
Anatomia — O aparelho respiratório é composto pelas vias se um destes fatores não está presente.

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 34: Órgãos do sistema respiratório: trato respiratório: trato respiratório superior e trato respiratório inferior.

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50 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 5 - Anatomia e Fisiologia

5. APARELHO CIRCULATÓRIO

O aparelho cardiovascular é o responsável pela circulação do


sangue através de todo o organismo. Seus componentes são: o san-
gue, o coração e os vasos sanguíneos.
O sangue circula através de dois circuitos paralelos: a circula-
ção pulmonar e a circulação sistêmica. A circulação sistêmica
(grande circulação) carrega o sangue oxigenado (arterial) desde o
ventrículo esquerdo para todas as regiões do organismo e traz de
volta o sangue pobre em oxigênio (venoso) até o átrio direito. A
circulação pulmonar (pequena circulação) leva o sangue pobre em
oxigênio desde o ventrículo direito até os pulmões e traz o sangue
oxigenado de volta até o átrio esquerdo.
Sangue: é um fluido complexo composto de uma parte líqui-
da e de elementos celulares. A parte líquida é chamada de plasma e
contém várias substâncias entre as quais os anticorpos e os fatores da
coagulação. Os elementos celulares são as hemácias (glóbulos ver-
melhos ou eritrócitos), os leucócitos (glóbulos brancos) e as plaque-
tas. O volume de sangue circulante corresponde de 7 a 8 % do peso
corporal. Assim, um indivíduo de 70 kg apresenta em média de 4,9 a
5,6 litros de sangue.
Coração: é a bomba que promove a circulação do sangue
através dos vasos sanguíneos. É um órgão oco, composto de um tipo
especial de músculo involuntário, o músculo estriado cardíaco, e do
tamanho aproximado de um punho fechado. A sua camada muscu-
Fig. 36: Sistema circulatório humano.
lar é chamada de miocárdio. Seu suprimento sanguíneo provém das
artérias coronárias; estas quando se ocluem levam à interrupção do através das veias cavas e desemboca no átrio direito. Do átrio direi-
fluxo sanguíneo para uma parte do miocárdio levando à morte por to o sangue passa ao ventrículo direto de onde será bombeado para
isquemia desta parte, fenômeno que é conhecido como infarto do os pulmões através das artérias pulmonares.
miocárdio, a ser mais bem detalhado no capítulo 27. No pulmão, o sangue sofre a hematose e retorna para o átrio
O coração localiza-se no tórax logo atrás do esterno e acima esquerdo através das veias pulmonares (pequena circulação). O
do diafragma. Uma parede chamada septo separa o coração em um ventrículo esquerdo recebe o sangue do átrio esquerdo e o bombeia
lado direito e um lado esquerdo que não apresentam comunicação para todo o organismo através da aorta (grande circulação).
direta entre si. Cada lado apresenta uma câmara superior chamada O coração bombeia em média cinco litros de sangue por mi-
de átrio e uma câmara inferior chamada de ventrículo. Os átrios nuto quando em repouso. O volume de sangue bombeado por cada
possuem a fun- lado do coração em um minuto é chamado de débito cardíaco.
ção de coletar o A contração dos ventrículos é chamada de sístole e o seu rela-
sangue e passar xamento de diástole.
aos ventrículos Vasos sanguíneos: são as artérias, arteríolas, capilares, vênu-
que são bem las e veias.
mais musculosos Artérias são os vasos que saem levando sangue do coração
e tem a função de para a circulação pulmonar ou sistêmica. A principal artéria do orga-
bombear o san- nismo é a aorta, que se origina do ventrículo esquerdo e termina no
gue para as circu- abdome, onde se bifurca formando as artérias ilíacas comuns que
lações sistêmica irrigam os membros inferiores. A aorta dá origem a vários ramos
e pulmonar. que irrigam praticamente todas as partes do corpo. A artéria pul-
O sangue monar se origina do ventrículo direito, se bifurca em um ramo direi-
venoso pobre em to e um ramo esquerdo que seguem para os respectivos pulmões.
oxigênio e rico Enquanto a aorta leva sangue oxigenado (arterial) para abastecer
em dióxido de todas as células do organismo, a artéria pulmonar leva o sangue
carbono e resí- pobre em oxigênio (venoso) para sofrer a hematose no pulmão.
duos do metabo- Perceba que apesar de ser uma artéria a artéria pulmonar carrega
lismo celular sangue venoso e não arterial como poderia se concluir à primeira
volta ao coração vista. Isto é porque se considera sangue venoso todo aquele que
Fig. 35: O coração e suas estruturas.

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Diretoria de Ensino e Instrução 51
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

esteja retornando das células em direção ao pulmão para ser oxige- principais: o cérebro, o cerebelo e o tronco encefálico.
nado e sangue arterial todo aquele que já tenha passado pelo pul- Medula espinhal: é um cilindro achatado que desce pelo
mão e esteja sendo levado para irrigar o organismo. interior da coluna vertebral (figura 37). Sua principal função é fazer a
As artérias vão se bifurcando e se ramificando até formarem intercomunicação entre o encéfalo e o corpo. Sua secção completa
as arteríolas que são os vasos arteriais de menor calibre antes de se corta toda a comunicação do encéfalo com os segmentos do corpo
chegar nos capilares. As arteríolas possuem na sua parede músculo localizados abaixo do nível da lesão medular, levando tanto a aneste-
liso que responde a estímulos nervosos ou endócrinos se contraindo sia quanto à paralisia irreversíveis. As secções parciais e contusões
ou relaxando. Sua contração diminui o calibre do vaso e é conhecida produzem quadros clínicos que variam de acordo com as fibras
como vasoconstrição e seu relaxamento aumenta seu calibre e é nervosas lesadas, podendo ser total ou parcialmente reversíveis.
conhecido como vasodilatação. Devido à gravidade das seqüelas físico psicossociais das lesões ra-
Capilares: são os vasos sanguíneos de menor calibre e sua quimedulares é que se enfatiza tanto o cuidado com a imobilização
parede pode ter apenas uma camada de células de espessura. Estão da coluna vertebral do indivíduo traumatizado.
distribuídos por todo o organismo formando uma rede que está em
íntimo contato com todas as células. Suas paredes finas permitem
que haja troca de substâncias entre as células dos tecidos e o sangue:
oxigênio e nutrientes são liberados para as células que por sua vez se
desfazem do dióxido de carbono e dos resíduos metabólicos.
Veias: após banharem todos os tecidos os capilares se agru-
pam formando veias de calibre diminuto chamadas de vênulas. As
vênulas vão se agrupando em veias cada vez mais calibrosas que
finalmente desembocam em uma das duas veias cavas.
A veia cava superior drena todo o sangue venoso da metade
superior do corpo e a veia cava inferior da metade inferior. Ambas
desembocam no átrio direito. As veias pulmonares drenam o san-
gue recém oxigenado nos pulmões para o átrio esquerdo, portanto
apesar de veias, transportam sangue arterial. A pressão no interior
das veias é bastante inferior à pressão arterial, por isso enquanto o
sangramento arterial se faz em jatos, o venoso se faz por derrama- Fig. 37: Medula espinhal.
mento.
Cérebro: é a parte mais volumosa do encéfalo. Divide-se em
6. NEUROLÓGICO metades direita e esquerda, os hemisférios cerebrais. Cada hemisfé-
rio comanda os movimentos voluntários da metade oposta do corpo.
O sistema nervoso se distribui por todos os tecidos do organis- Assim, uma lesão no hemisfério cerebral direito altera a motricidade
mo humano. É responsável pela regulação e integração da função do lado esquerdo do corpo e vice-versa. O hemisfério dominante é
dos órgãos, pela captação de estímulos do meio-ambiente e de todas aquele que contém o centro da linguagem. Esse é o hemisfério es-
as atividades mentais e comportamentais humanas. querdo em todos os indivíduos destros e em cerca de 85 % dos ca-
Anatomicamente é dividido em duas partes: o sistema nervo- nhotos. O cérebro é composto dos seguintes lobos:
so central e o sistema nervoso periférico. Funcionalmente o siste-  Frontal: contém os centros das emoções, da função moto-
ma nervoso é dividido em sistema nervoso somático e sistema ra e da expressão da fala no lado dominante.
nervoso autônomo. O sistema nervoso somático regula as ativida-  Parietal: responsável pela função sensitiva e pela orienta-
des sobre as quais há controle voluntário, enquanto o sistema nervo-
so autônomo regula as atividades involuntárias essenciais ao funcio-
namento do organismo, como a respiração, digestão, vaso dilatação
e vaso constrição, entre muitas outras. As células especializadas que
forma o tecido nervoso são chamadas de neurônios. Uma caracte-
rística dos neurônios é que eles apresentam uma baixa ou nula capa-
cidade de regeneração e reprodução no indivíduo adulto se compara-
dos a outras células do organismo.
Sistema Nervoso Central: é composto pelo encéfalo e pela
medula espinhal. O encéfalo está contido dentro da cavidade crania-
na enquanto a medula espinhal está contida dentro do canal medular
na coluna vertebral. É o órgão controlador do corpo. É o centro da
consciência, responsável por todas nossas atividades corporais vo-
luntárias, pela percepção, pela inteligência. É composto de três partes
Fig. 38: O cérebro e suas regiões.

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52 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 5 - Anatomia e Fisiologia

quência cardíaca e contração pupilar.

7. ABDOME E PELVE

O abdome contém os principais órgãos do aparelho digestório,


do aparelho urinário, parte do aparelho reprodutor e endócrino e
também grandes vasos arteriais e venosos. A cavidade abdominal
está separada da cavidade torácica pelo músculo diafragma e se
continua inferiormente com a cavidade pélvica. A separação entre a
cavidade pélvica e a abdominal é um plano imaginário que passa
pelo púbis e o sacro. Seus outros limites são os músculos da parede
antero lateral do abdome, a musculatura dos flancos e a coluna verte-
bral.
Os órgãos abdominais podem ser divididos em vísceras ocas e
Fig. 39: Meninges. Revestimentos meníngeos do cérebro. vísceras parenquimatosas. As primeiras são pertencentes ao aparelho
ção espacial. digestório, urinário e reprodutor e contém secreções intestinais ou
 Temporal: regula algumas funções da memória; contém a urina no seu interior. As lesões destas vísceras levam ao vazamento
área para recepção e integração da fala em todos os indivíduos des- de secreções no interior da cavidade abdominal. As secreções são
tros e na maioria dos canhotos. irritantes e produzem inflamação peritoneal (peritonite) e dor; algu-
 Occipital: contém o centro da visão. mas produzem irritação leve como a urina e outras produzem uma
irritação severa como o suco gástrico ácido ou fezes. Já as vísceras
Tronco Cerebral: é a porção inferior do encéfalo. Comunica- parenquimatosas (maciças) são bastante vascularizadas e suas lesões
se com a medula espinhal, com a qual está em continuidade. No produzem sangramentos abundantes. São o fígado, baço, pâncreas e
tronco se localizam os centros nervosos que controlam funções vi- rins.
tais como a respiração, frequência cardíaca, pressão arterial, além de A pelve está em continuidade com o abdome e sua cavidade, a
muitas outras funções corporais básicas. Lesões do Tronco Cerebral cavidade pélvica, é delimitada pelos ossos do quadril.
são, portanto, extremamente graves. Abriga a bexiga urinária, o reto e os órgãos internos do apare-
Cerebelo: localizado na região posterior da cavidade craniana lho reprodutor feminino. As paredes pélvicas são bastante vasculari-
logo abaixo do lobo occipital do cérebro. É responsável pelo equilí- zadas e são frequentemente fontes de hemorragias severas.
brio e pela coordenação dos movimentos do corpo. Fígado: é um órgão maciço e volumoso localizado abaixo do
Sistema Nervoso Periférico: é composto de 31 pares de ner- diafragma e sob o gradil costal do lado direito. Todo o sangue veno-
vos que saem da medula espinhal (nervos raquidianos), estes trazem so oriundo dos órgãos digestivos intra-abdominais passa pelo fígado
para a medula espinhal os impulsos sensitivos provindos da pele e antes de cair na veia cava inferior para ser filtrado e para que o fíga-
outros órgãos, além de levarem os impulsos da medula espinhal para do assimile as substâncias de que necessita para seu metabolismo.
os músculos e possuem também 12 pares de nervos que saem do Possui por este motivo um fluxo sanguíneo intenso e quando sofre
crânio (nervos cranianos), que apresentam, além de funções sensiti- lesões pode sangrar abundantemente.
vas e motoras comuns, outras funções como a transmissão dos im- Baço: localizado no hipocôndrio esquerdo, sob o diafragma e
pulsos sensitivos dos sentidos da visão, olfação e gustação e dos protegido pelo gradil costal esquerdo. Produz leucócitos e retira
impulsos motores para os olhos, língua, faringe e laringe. células sanguíneas envelhecidas da circulação, além de participar na
Divisão funcional: defesa do corpo contra infecções por determinados microorganis-
Sistema Nervoso Somático: controla as atividades volun- mos. É um órgão bastante vascularizado e relativamente friável. As
tárias do corpo. É responsável por praticamente todas as atividades lesões do baço são comuns, principalmente no trauma abdominal
musculares coordenadas, tais como: andar, escrever e comer. contuso, e causam hemorragia que pode levar a choque hipovolêmi-
Sistema Nervoso Autônomo: também conhecido como co. O ser humano pode viver sem o baço porque na sua ausência
sistema nervoso vegetativo ou involuntário. Controla as funções suas funções são assumidas pelo fígado.
vegetativas involuntárias do corpo humano, independentemente da
consciência e da vontade. Entre estas funções se encontram a regula- 7.1. Anatomia da superfície do abdome
ção do aparelho cardiovascular, do processo digestivo, da respiração
e do funcionamento renal. A fim de facilitar a descrição da localização das lesões e sinto-
O sistema nervoso autônomo exerce sua função reguladora mas abdominais, o abdome é dividido em algumas regiões usando-
através de dois subsistemas de função antagônica e complementar: o se para isto referências anatômicas externas facilmente identificá-
simpático, que é responsável pela constrição vascular, aumento da veis. Existem várias maneiras de se dividir o abdome. As regiões
frequência cardíaca e dilatação pupilar, entre muitas outras ações, e o laterais da parede abdominal são chamadas de flancos e as regiões
parassimpático, responsável pela vaso dilatação, diminuição da fre-

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 40: Vista anterior mostrando a localiza- Fig. 41: Vista anterior superficial do abdome.
ção das nove regiões abdominopélvicas.

posteriores de lombares. Apresentaremos a divisão anatômica a ser dos na parede da maioria dos órgãos tubulares do organismo como
considerada na emergência pré-hospitalar: os do tubo digestivo, aparelho urinário, vasos sanguíneos e brôn-
A região superior pode ser chamada de epigástrio no seu terço quios.
médio e hipocôndrios (direito e esquerdo) nos terços laterais, a regi- Músculo cardíaco: Tipo de músculo especial que também é
ão em volta da cicatriz umbilical pode ser chamada de periumbilical, involuntário. Está presente apenas no coração. A massa muscular
as regiões próximas aos ligamentos inguinais podem ser chamadas cardíaca recebe o nome de miocárdio e é responsável pela função de
de regiões inguinais e as regiões logo acima das inguinais de fossas bombeamento do coração.
ilíacas (direita e esquerda); a região superior a púbis pode ser chama-
da de hipogástrio. A figura 41 ilustra como a localização externa da
lesão pode nos levar a suspeitar quais órgãos internos possam ter
sido lesados.

8. SISTEMA MÚSCULO-ESQUELÉTICO

O corpo humano é um sistema bem estruturado cuja forma,


postura e movimentos são fornecidos pelo sistema músculo-
esquelético. As lesões do sistema músculo-esquelético estão entre as
mais comuns a serem manejadas pelos socorristas no ambiente pré-
hospitalar.
Existem três tipos de músculos no corpo humano: músculos
esqueléticos, lisos e músculo cardíaco. Cada tipo tem características
próprias e desempenha funções distintas.
Músculos esqueléticos: recebem este nome, pois estão ligados
aos ossos do esqueleto. Também são chamados de músculos volun-
tários por serem responsáveis pelos movimentos voluntários e de
estriados porque apresentam estriações quando vistos ao microscó-
pio. São controlados pelo sistema nervoso central. O cérebro envia
suas ordens aos músculos através de estímulos nervosos que seguem
pela medula espinhal e pelos nervos periféricos, onde então o mús-
culo se contrai ou relaxa dependendo do tipo de movimento deseja-
do. Os músculos estão ligados aos ossos através de segmentos de
tecido fibroso espesso chamados de tendões.
Músculos lisos: São também chamados de músculos involun-
tários por ser sua atividade independente de comando central consci- Fig. 42: Visão anterior do sistema muscular.
ente. Estão sob o controle do sistema nervoso autônomo. Encontra-

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54 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 5 - Anatomia e Fisiologia

8.2. Articulações

Qualquer junção entre dois ossos é chamada de articulação.


As partes ósseas que formam uma articulação são mantidas juntas
por uma estrutura de tecido fibroso chamada de cápsula articular;
esta cápsula articular recebe o reforço de tiras de tecido fibroso bas-
tante firme e espesso que auxiliam a manter a estabilidade articular
chamadas de ligamentos.

8.3. Partes do Esqueleto

O esqueleto se divide em esqueleto axial, formado pela cabeça


e tronco, e esqueleto apendicular, formado pelos membros e suas
cinturas de ligação com o esqueleto axial.

a) Esqueleto Axial:

CABEÇA: dividida em crânio e face.

O crânio é uma caixa óssea rígida que dá proteção ao encéfa-


lo. É composto de vários ossos que formam junturas imóveis. Sua
parte superior é convexa e recebe a denominação de calvária e sua
parte inferior é denominada base do crânio. Seus ossos são:
Pares: parietais e temporais.
Ímpares: frontal, occipital, etmóide e esfenóide.
Fig. 43: Visão posterior do sistema muscular.

TRONCO:
8.1. Ossos
Coluna vertebral: é o eixo principal de sustentação do corpo
O esqueleto humano é composto de 206 ossos. Os ossos estão humano. Compõe-se de 33 ossos chamados de vértebras. Está divi-
unidos formando uma estrutura que além de manter a forma corpo- dida em cinco regiões:
ral permite a sua movimentação.

O esqueleto fornece proteção aos órgãos internos do organis-


mo:

 O encéfalo situa-se dentro do crânio.


 Os pulmões, o coração e grandes vasos dentro do tórax.
 Parte dos órgãos abdominais, como o fígado e o baço,
encontra-se sob o gradil costal inferior.
 A medula espinhal aloja-se no interior da coluna vertebral.

Os ossos crescem durante a infância e a adolescência. Na cri-


ança, os ossos são mais flexíveis e, portanto, com uma tendência
menor às fraturas, somente na idade adulta adquirem sua rigidez
final. Na medida em que o indivíduo envelhece os ossos tornam-se
progressivamente mais frágeis, chegando frequentemente a um
estado de enfraquecimento ósseo generalizado conhecido como
osteoporose. A osteoporose é mais comum em mulheres após a
menopausa e torna os ossos frágeis e sujeitos a fraturas mesmo com
traumatismos leves, esta é uma das razões pelas quais ocorrem tan-
tas fraturas do colo do fêmur entre os idosos. Sempre que se atender
uma vítima idosa deve-se considerar sua maior propensão às fratu-
ras.
Fig. 44: Visão geral do esqueleto humano.

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 Torácica: 12 vértebras; na parte superior do tron co. Em


cada vértebra torácica se insere um par de costelas.
 Lombar: cinco vértebras; na parte inferior do tron co. São
sedes das tão frequentes dores nas costas conhecidas como lombal-
gias referidas pelos leigos como “dores nos rins”.
 Sacral: cinco vértebras fundidas formam o osso sac ro; está
firmemente unida aos ossos ilíacos através das articulações sacrilía-
cas e faz parte da pelve óssea.
 Coccígea: quatro vértebras fundidas forma o cóccix; é o
final da coluna vertebral. Podem ser fraturadas em quedas na posi-
ção sentada.
Fig. 45: Ossos da cabeça. Cada vértebra é denominada de acordo com a região a que
pertence. Por exemplo: primeira vértebra cervical ou C1, terceira
 Cervical: sete vértebras; localizadas no pescoço. Suas
vértebra torácica ou T3, segunda vértebra lombar ou L2. A parte
fraturas são tão importantes que a imobilização da coluna cervical é
anterior de cada vértebra é chamada de corpo vertebral e a parte
abordada junto com as vias aéreas no A do A, B, C, D e E.
posterior de arco vertebral.
A coluna vertebral não é uma haste reta, mas uma série de
blocos que são empilhados de modo a permitir várias inclinações e
curvas. Nas curvas, a coluna é mais vulnerável a fraturas; daí a ori-
gem da expressão “quebrar o S em uma queda”.
No interior da coluna vertebral há um túnel chamado de canal
vertebral onde se situa a medula espinhal e seus revestimentos. De
cada espaço intervertebral sai uma raiz nervosa que dá origem aos
nervos periféricos espinhais.

Tórax — caixa torácica — é feita por 12 pares de costelas


que se originam das vértebras torácicas posteriormente e se articu-
lam com o osso esterno anteriormente. Os primeiros sete pares de
costelas se articulam com o esterno diretamente através de uma
ponte de cartilagem e são chamadas de costelas verdadeiras. Os
seguintes três pares de costelas se articulam com uma estrutura carti-
laginosa comum que se articula com o esterno e são chamadas de
costelas falsas. Os últimos dois pares são chamados de flutuantes por
não se articularem com o esterno. O osso esterno é dividido em três
partes: o manúbrio (porção superior), o corpo (atrás do qual está o
mediastino) e o apêndice xifóide (sentido onde as margens costais se
encontram no epigástrio).

Fig. 47: Caixa torácica.

b) Esqueleto Apendicular:

Dividido em um par de membros superiores e um par de


Fig. 46: Coluna vertebral.

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56 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 5 - Anatomia e Fisiologia

membros inferiores que se unem ao esqueleto axial através da cintu-


ra escapular e cintura pélvica respectivamente.

Membros superiores: a porção proximal do membro superi-


or chama-se cintura escapular e promove a ligação do membro su-
perior com o esqueleto axial. É composta pelas escápulas e clavícu-
las. As clavículas servem de suporte ao membro superior; sua por-
ção medial se insere firmemente ao esterno e sua porção lateral se
articula com o acrômio da escápula. A escápula é um osso volumo-
so rodeado por uma forte musculatura que o mantém fixo ao dorso;
articula-se com a clavícula e possui uma cavidade, a fossa glenóide,
onde se aloja a cabeça do úmero formando a articulação glenoume-
ral (articulação do ombro).
O úmero é o osso do braço, articula-se no cotovelo com os
dois ossos do antebraço: o rádio e a ulna. O punho é a região onde se
articulam os ossos do antebraço e da mão. A mão (figura 48) é divi-
Fig. 50: Pelve masculina.
dida em três partes: carpo, composto por oito ossos, metacarpo,
composto por cinco ossos e dedos ou quirodáctilos compostos por
14 ossos (falanges).
Membros inferiores: a porção proximal dos membros
inferiores é chamada de cintura pélvica (quadril ou pelve
óssea). O quadril (figuras 49 e 50) é formado pela junção dos
ossos ilíacos, ísquios e púbicos. Além das articulações sacras
ilíacas, posteriormente o quadril apresenta anteriormente a
sínfise púbica, que é a junção dos dois ossos púbicos. O
quadril é uma estrutura rígida e estável, protegida por
ligamentos fortes; para ser fraturado requer traumatismo de
grande energia.
A cavidade onde a cabeça femoral se articula com o
quadril é chamada de acetábulo.

Fig. 48: Ossos da mão.

Fig. 49: Pelve feminina.


Fig. 51: Ossos dos membros inferiores.

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O fêmur situa-se na coxa e é o maior osso do corpo humano;


articula-se superiormente com o quadril e inferiormente com os
ossos da perna, a tíbia e fíbula, formando o joelho. Anteriormente à
articulação do joelho há um osso chamado de patela que se situa
dentro do tendão de inserção do quadríceps femoral e que protege a
articulação do joelho contra traumatismos. Os ossos da perna se
articulam com o pé na região chamada de tornozelo, local frequente
de lesões.
O pé é dividido em três partes: o tarso composto por sete os-
sos, o metatarso por cinco ossos e os pododáctilos (artelhos) por 15
ossos.

Fig. 52: Ossos do pé.

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58 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 6
Direção Defensiva

A
2.1. Conhecimento

maioria dos socorristas mortos ou feridos em É o ato de estar sempre consciente das noções exigidas para a
serviço está envolvida em incidentes relaciona- habilitação, os conteúdos do CTB (Código de Trânsito Brasileiro) e
dos com veículos motorizados. Embora a maior parte desses inci- as informações sobre os riscos, além da melhor forma de evitá-los.
dentes esteja relacionada com colisões diretas de ambulâncias duran- Embora a experiência seja uma fonte importantíssima de conheci-
te a ocorrência, um subconjunto dessas fatalidades e lesões ocorre mento, demonstra-se que o programa de treinamento aumenta em
durante a atuação na cena de uma colisão com veículos motorizados. muito a capacidade defensiva do motorista.
Muitos fatores podem fazer com que os socorristas sejam feridos ou
mortos na cena de um acidente de trânsito. Alguns fatores, como as 2.2. Atenção
condições climáticas (p, ex., granizo, chuva, nevoeiro) e o design da
rodovia (p. ex., estradas de acesso limitado ou estradas rurais) não Enquanto dirige, o motorista tem que estar alerta o tempo
podem ser alterados; no entanto, o socorrista deve estar ciente da todo, zelando pela sua própria segurança, dos passageiros e da víti-
existência dessas condições e deve atuar de forma apropriada para ma que está transportando, bem como pelos demais presentes no
minimizar a situação. trânsito. Estar alerta significa estar com a atenção concentrada todo o
tempo no ato de dirigir, sem distrações, vendo tudo o que se passa à
Como motorista de uma viatura de resgate, além de dominar frente, atrás (espelhos retrovisores) e nas laterais do veículo. O pen-
todas as habilidades indispensáveis à prática da direção segura de samento deve ocupar-se exclusivamente do ato de dirigir e não de
veículos em geral, você deverá estar familiarizado com conceitos outros assuntos. Atento, o motorista pode reconhecer situações de
próprios da condução de uma vítima e da equipe que lhe oferece perigo potencial, reagir em tempo e agir de modo a prevenir aciden-
atendimento, pois na qualidade de motorista você é responsável pela tes.
sua própria vida e das outras pessoas presentes no trânsito. Além
disso, você é responsável pela segurança da sua equipe de socorris- 2.3. Previsão
tas e pelo bem estar da vítima conduzida no interior da viatura.
É a capacidade de antecipar ou antever situações e eventos;
1. DIREÇÃO E SEGURANÇA são muitas vezes frações de segundos, porém, tendo em mente uma
atitude de previsibilidade, será suficiente para tentar uma reação
A maioria dos acidentes de trânsito decorrem em sua maioria positiva, evitando um acontecimento. Se o motorista vistoria o veí-
de erros humanos, pelos seguintes motivos: culo antes de assumir o serviço, programa o itinerário, reduz a velo-
cidade próximo a áreas de risco como cruzamentos, escolas, hospi-
♦ Desrespeito às leis, normas e regulamentos de trânsito. tais, etc., se o motorista, ao ver uma criança brincando na calçada,
♦ Abuso dos limites operacionais de segurança do veículo. antevê a possibilidade de que ela possa atravessar a rua repentina-
♦ Pressa excessiva para chegar ao local da ocorrência e mente e diminui a velocidade, terá melhores condições de frenagem
posteriormente ao hospital. ou desvio do veículo caso o inesperado aconteça.
♦ Descortesia no trânsito: ser cortês alivia o stress do trânsi-
to, demonstra alto nível de educação e elevação social. 2.4. Decisão
♦ Irresponsabilidade, agindo com negligência, imprudência
ou imperícia. É a possibilidade da ação de decidir diante de uma situação de
♦ Condição física do condutor, como cansaço, sonolento e risco. É saber escolher dentre as opções possíveis a de maior segu-
sob efeito de drogas em geral (álcool, medicamentos, etc). rança naquele momento específico.

2. ELEMENTOS DE DIREÇÃO DEFENSIVA 2.5. Habilidade

Direção defensiva é dirigir de modo a evitar acidentes, apesar É o requisito desenvolvido através do aprendizado e do treina-
das ações incorretas de outros motoristas e das condições adversas mento. Conduzir um veículo de socorro é um ato de muita responsa-
que encontramos nas vias de trânsito. bilidade, muitas vezes a emergência, a adrenalina e o stress tendem a
dominar a situação, porém o bom motorista se mantém paciente e
Existem alguns elementos fundamentais para a boa prática da calmo, não deixando-se dominar por sensações que tendem a alterar
direção defensiva, sendo que com a observação dos mesmos o risco seu estado psicológico e as funções mecânicas do corpo físico. O
é consideravelmente diminuído, são eles: motorista precisa desenvolver a habilidade de realizar manobras
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entre veículos, ultrapassagens, cruzamentos, canaletas de expresso, ne em local seguro, acione as luzes de alerta, e aguarde que o tempo
entre outros. Mas, com condições, é fundamental demonstrar as suas melhore.
ações para os outros motoristas, o que pretende fazer, qual a atitude
que pretende tomar, lembre-se que as outras pessoas não são obriga- 3.3. Aquaplanagem
das a adivinhar seu pensamento.
É quando o veículo flutua na água, perdendo a aderência do
3. DIREÇÃO EM CONDIÇÕES ADVERSAS pneu com o solo. O motorista perde totalmente o controle do veícu-
lo, podendo ocorrer em qualquer tipo de pista.
Algumas condições climáticas e naturais afetam as condições
de trânsito. Sendo fatores, ou combinações de fatores que contribu- 3.3.1. Atitudes Defensivas do Motorista
em para aumentar as situações de risco no trânsito, podendo com-
prometer a segurança. Sob estas condições, o motorista da viatura, ♦ Observar com atenção presença de poças de água sobre a
deverá adotar atitudes preventivas que garantam, como já foi dito, a pista, mesmo não havendo chuva.
segurança da equipe, da vítima e dos demais usuários das vias públi- ♦ Reduzir a velocidade antes de entrar na área empoçada.
cas. ♦ Quando o veículo estiver na poça, não utilize os freios,
segure firmemente o volante, procurando mantê-lo reto com a pista,
3.1. Condições Climáticas/Iluminação até conseguir novamente a aderência do veículo.
♦ Sempre verifique a profundidade dos sulcos dos pneus da
Muitos atendimentos a acidentes de trânsito ocorrem em con- viatura.
dições climáticas adversas e à noite. Essas condições climáticas
variam de acordo com a localização geográfica e com o período do 3.4. Vento
ano. Algumas áreas se defrontam com nevoeiro. Tempestades são
comuns na maioria das cidades. Os motoristas dos carros que pas- Produzido por condições climáticas ou pela passagem de ou-
sam podem não ver ou não conseguir parar a tempo de evitar os tros veículos, pode deslocar o seu veículo, reduzindo e ocasionando
veículos de emergência ou os profissionais parados no local do aci- a perda de estabilidade e o descontrole do veículo.
dente.
3.4.1. Atitudes Defensivas do Motorista
3.2. Chuva
♦ Acostume-se a olhar a vegetação ao redor da pista, é um
Reduz a possibilidade de ver e ser visto de todos os conduto- bom indicativo da velocidade dos ventos e sua direção.
res, seja pelo acúmulo de água nos pára-brisas ou pelo embaçamento ♦ Ao perceber um grande veículo em sentido contrário ou
dos vidros no carro fechado, causado pela respiração de seus ocu- ultrapassando-o, reduza a velocidade.
pantes. Além disso, deposita-se uma lâmina de água sobre a pista, o
♦ Tome o controle firme do volante, afaste-se um pouco para
que modifica a aderência dos pneus, dificultando a frenagem e favo-
a direita.
recendo derrapagens, proporcionando a ocorrência de hidro ou aqua-
♦ Cuidado especial com pontes e viadutos.
planagem.
3.5. Neblina ou Cerração
3.2.1. Atitudes Defensivas do Motorista
3.5.1. Atitudes Defensivas do Motorista
♦ Conserve e revise constantemente os limpadores de pára-
brisas e seu sistema de acionamento e fusíveis.
♦ Ligue os faróis baixos (a luz alta causa o fenômeno da
♦ Ao dirigir, redobre os cuidados e a atenção.
reflexão, causando ainda menos visibilidade), ou a luz de neblina se
♦ Reduza a velocidade para aumentar a aderência dos pneus houver.
ao solo, evitando derrapagens e favorecendo as ações dos freios.
♦ Redobre a atenção e o cuidado, diminuindo a velocidade.
♦ Aumente a distância com o veículo à frente, e evite ficar
♦ Evite realizar ultrapassagens.
ao lado de outros veículos.
♦ Caso não haja condições mínimas de segurança e visibili-
♦ Se possível, deixe dois centímetros das janelas abertas,
dade, estacione, e aguarde melhores condições de dirigibilidade.
para evitar o embaçamento e acione os dispositivos desembaçadores
♦ Caso seja absolutamente necessário dirigir, procure seguir
disponíveis.
um veículo maior como caminhão ou ônibus, com certa distância
♦ Acenda os faróis baixos.
segura.
♦ Não freie bruscamente, acione o freio suave e gradativa-
♦ Atenção com frenagens bruscas ou até mesmo paradas
mente.
repentinas dos veículos à frente.
♦ Em caso de chuva torrencial ou chuva de granizo, que
impeçam a direção com segurança e a perda de visibilidade, estacio-

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60 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 6 - Direção Defensiva

3.6. Iluminação 3.8. Uniformes Refletores

A intensidade da luz modifica a possibilidade de ver e ser Na maioria dos casos em que os socorristas são atingidos por
visto. A luz em excesso ofusca a visão e a penumbra oculta as pesso- veículos próximos, os motoristas afirmam que não viram o socorris-
as e outros veículos. ta na estrada. Embora não seja a finalidade deste texto estabelecer
padrões para um vestuário adequado (p. ex., colete de segurança) em
3.6.1. Atitudes Defensivas do Motorista um atendimento em vias urbanas ou rurais, o bom senso indica que
os socorristas estejam tão bem ou mais bem protegidos do que traba-
♦ Em condições de iluminação inadequada reduza a veloci- lhadores que sinalizam o tráfego em locais em obras. Recomenda-se
dade. que os uniformes utilizados por socorristas obedeçam pelo menos
♦ Havendo excesso de luz, abaixe o tapa sol, em certos aos padrões de classe 2 ou 3 do American National Standards Insti-
casos use óculos escuros (crepúsculo matutino ou vespertino). tute (ANSI). Esses padrões podem ser observados pela colocação de
♦ Desvie o olhar da fonte luminosa e busque referências, material refletor no colete externo ou pela utilização de coletes refle-
como o meio fio ou o traçado lateral da via. tores aprovados.
♦ À noite, use faróis baixos ao cruzar veículos e desvie o
olhar do foco dos faróis que cruzam com você. 4. ORIENTAÇÕES PARA EVITAR O DESGASTE
♦ Em condições de penumbra deixe as luzes do veículo FÍSICO AO DIRIGIR
acessas, facilitando ser visto.
♦ Dirija com os braços e pernas ligeiramente flexionados e
3.7. Condições Adversas da Via relaxados, evitando tensões.
♦ Apóie o corpo junto ao banco o mais próximo de um ân-
O motorista da viatura deve estar atento às inúmeras alterações gulo de 90º.
das condições das vias, que são muito variáveis nos atendimentos ♦ Procure manter a cabeça junto ao encosto, sem forçar a
das ocorrências, como: musculatura do pescoço.
♦ A posição das mãos sobre o volante deve estar na posição
♦ Largura insuficiente. do relógio, às 09 horas e 15 minutos.
♦ Ponte estreita. ♦ Procure manter os calcanhares apoiados sobre o assoalho,
♦ Trechos escorregadios. evite manter os pés sobre os pedais quando não estiver usando-os.
♦ Má conservação da pista. ♦ Nunca dirigir ao fazer uso de bebidas alcoólicas ou drogas.
♦ Falta de acostamento. ♦ Nunca dirigir fumando ou falando ao telefone celular.
♦ Curvas mal dimensionadas. ♦ Nunca dirigir se estiver utilizando remédios que modifi-
♦ Força centrífuga. quem o comportamento psicofísico, de acordo com o seu médico.
♦ Falta de placas de sinalização. ♦ Evite dirigir após ter participado de discussões com seus
♦ Vegetação muito alta e muito próxima da pista. familiares ou no trabalho.
♦ Drenagem insuficiente. ♦ Evite dirigir sob forte tensão, ou acometido de forte emo-
ção.
3.7.1. Design das Auto-Estradas ♦ Evite dirigir quando estiver com sono, quando ficar muito
tempo sem dormir, dormir pouco ou quando dormir mal.
As auto-estradas de alta velocidade, com acesso limitado, ♦ Evite dirigir logo após realizar refeições muito pesadas,
tornaram possível a movimentação de um grande volume de tráfego que induzem ao sono.
de forma eficiente nas áreas urbanas, mas, quando ocorre uma coli- ♦ Certificar-se que não há nenhum objeto que possa ser des-
são, o engarrafamento resultante e a curiosidade dos motoristas cri- locado quando em movimento.
am situações perigosas para os socorristas. Muitas vezes é interes- ♦ Dirigir com roupas confortáveis, e adequadas à temperatu-
sante que se mantenha o fluxo de veículos, embora isso pareça trazer ra ambiente, para não sentir muito frio e nem muito calor.
mais perigo aos socorristas, pode evitar colisões na traseira de veícu- ♦ Sempre faça check-up completo para constatar problemas,
los causadas por engarrafamentos. como histórico de problemas cardiovasculares, pressão arterial fora
dos padrões normais, com suspeita de epilepsia, ou qualquer outro
Estradas rurais apresentam outros problemas. Elas podem não que possa colocar em risco as seguras condições de direção. Ao
ter uma manutenção tão adequada quanto as de áreas urbanas, ge- constatar alguma alteração, solicite imediatamente afastamento das
rando condições escorregadias até muito tempo depois de urna tem- funções de motorista, desde que comprovadamente orientado por
pestade, pegando os motoristas desprevenidos. médico responsável.
♦ Esteja sempre em dia com os exames oftalmológicos, para
uso de óculos ou lentes corretivas.

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Diretoria de Ensino e Instrução 61
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

♦ Enquanto dirige converse apenas o indispensável com a romper as mesmas.


equipe de serviço. ♦ Verificar visualmente as correias, atenção para a quilome-
♦ Quando a viatura estiver em movimento, o rádio deverá tragem recomendada pelo fabricante para troca.
ser acionado por outro integrante da equipe.
Importante anotar todas as alterações encontradas, repassar
5. INSPEÇÃO VEICULAR imediatamente ao responsável para que providencie a imediata subs-
tituição, avise sempre durante a passagem de serviço, mostrando a
Todo veículo, inclusive a viatura de resgate, dispõe de equipa- ficha de apontamentos para o motorista que estará assumindo a via-
mentos e sistemas importantes para evitar situações de perigo que tura; quando houver qualquer alteração das peças acima, bem como
possam levar a acidentes, como pneus, sistema de freios, ilumina- a troca ou complemento do óleo e da água, também deverá ser ano-
ção, suspensão, direção, e outros. tado para controle. Percebendo qualquer tipo de situação anormal
Todos os componentes e equipamentos do veículo se desgas- com a viatura, barulhos que não são normais, falhas de acionamento
tam com o uso. O desgaste de um componente pode prejudicar o elétrico ou do motor, sons estranhos, etc., comunicar e documentar
funcionamento de outros e comprometer a segurança. Isso deve ser imediatamente, para evitar que o problema se agrave. Não se esque-
evitado, observando-se a vida útil e a durabilidade definida pelos ça que a vítima pode ser você. Assim você estará fazendo a sua par-
fabricantes dos componentes, dentro de condições específicas de te, cuidando do bem público e aumentando a vida útil do veículo.
uso.
É de responsabilidade do motorista, em toda passagem de 6. VELOCIDADE E TEMPO DE REAÇÃO
serviço, ao assumir a viatura, realizar a manutenção preventiva e
verificar o funcionamento de itens obrigatórios. A observação é Do ponto de vista da segurança devemos estar sempre muito
simples, seja pela inspeção do painel ou inspeção visual/manual. atentos na condução de um veículo, pois a qualquer momento pode
Realizar uma ficha de vistoria da viatura, para facilitar o acom- ser necessário tomar uma ação rápida para evitar envolver-se em um
panhamento das manutenções e as condições gerais da ambulância, acidente de trânsito. Quando um motorista precisar frear bruscamen-
onde deverá conter: identificação da viatura, quilometragem, data, te, o seu automóvel deve ter uma distância mínima do veículo que
nome do motorista, além de deixar um espaço para anotar observa- segue à frente para garantir a sua segurança e a dos outros.
ções apontadas pelo motorista que está saindo de serviço. Mesmo que as condições do motorista, do automóvel, dos
Deverá ainda verificar obrigatoriamente: freios, dos pneus e do asfalto sejam as melhores possíveis, existe um
♦ Indicador do nível de combustível. determinado tempo para que o motorista possa reagir a uma situação
♦ Observar os reservatórios do nível de óleo do motor, do de risco. Esse tempo é denominado tempo de reação que varia de
sistema de freio, direção hidraúlica e sistema de transmissão pessoa para pessoa (mais ou menos de 0,75 a 1,5 segundo) e é de-
(câmbio). corrente de um estímulo e uma reação efetiva do condutor
♦ Certifique-se que não há vazamentos presentes, ou sinais (resposta). Já a distância de reação é o espaço percorrido pelo veícu-
de consumo excessivo. lo no instante em que o motorista percebeu uma situação de risco
♦ Aferir as condições dos filtros de ar e óleo; marcar na ficha potencial à sua frente, até o momento em que ele acionou o sistema
de apontamentos a quilometragem para a troca destes itens. de freios do seu veículo. Do momento em que o motorista acionou o
♦ Verificar o nível do reservatório da água do radiador e do pedal de freios até o ponto em que o veículo parou — nesse segmen-
reservatório do limpador do pára-brisa. to, que varia segundo o estado dos freios, dos pneus, das condições
da via pública (seca, rugosa, lisa, molhada, aclive, declive) — essa
♦ Palhetas do limpador do pára-brisa. Se estiverem danifica-
distância percorrida pelo veículo é chamada de distância de frena-
das ou ressecadas, solicite a substituição, faça-o inclusive por escrito.
gem. Para sabermos qual é o espaço necessário para parar o veículo,
♦ Funcionamento das luzes dos faróis, luzes baixa, média e
deve-se somar a distância de reação à distância de frenagem.
alta.
Quando estamos logo atrás de outro veículo é indispensável
♦ Funcionamento dos piscas, das luzes traseira, de ré e de
que exista uma distância de segurança que nos permita imobilizar o
freio.
automóvel sem colidir com o veículo da frente, em caso de uma
♦ Verificar sirene e luzes de emergência.
freada ou manobra brusca. Essa distância varia de acordo com a
♦ Pneus: verifique as condições gerais, desgastes, profundi-
velocidade desenvolvida e a permitida para o local. A tabela 6.1 nos
dade dos sulcos, existência de deformidades. proporcionará uma idéia dos tempos de reação, distância de reação e
♦ Calibragem: deve ser feita pelo menos uma vez a cada três de velocidade, necessários para um veículo parar em diferentes velo-
dias, siga as recomendações do fabricante para as libras de pressão cidades.
necessárias (não esqueça do estepe). Existem vários tipos de colisão que podem acontecer com o
♦ Verifique os cintos de segurança, freio de mão, espelhos seu veículo, e os comportamentos perigosos dos condutores nas vias
retrovisores e extintor de incêndio. também são bem variados, mas o fator mais comum nos acidentes é
♦ Verificar as mangueiras (combustível, óleo e água), procu- não ter conseguido desviar ou parar a tempo o seu veículo, evitando
rando por vazamentos, ressecamentos e encaixes, os quais podem a colisão.

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Capítulo 6 - Direção Defensiva

Velocidade (km/h) Distância de reação ¾ s (m) Distância de frenagem (m) Distância de parada (m)

40 8,33 7 15,33
50 10,41 13 23,41
60 12,50 18 30,5
70 14,58 25 39,58
80 16,67 33 49,67
90 18,75 41 59,71
100 20,83 51 71,83
110 22,91 62 84,91
120 25,00 74 99
130 27,08 87 114,08
140 29,16 100 129,16
150 31,24 115 146,24
160 33,32 131 164,32
170 35,41 149 184,41
180 37,48 167 204,48
Tabela 6.1: Tabela comparativa entre velocidade e distância de parada para automóveis

7. COMO PARAR outro. O ideal é manter a distância de aproximadamente dois segun-


dos em relação a um ponto fixo.
Você, condutor defensivo, deve conhecer os tipos de paradas
do veículo, tempo e distância necessários para cada uma delas Distância de reação — É a distância percorrida pelo veículo,
(figura 53). desde o momento que o motorista vê a situação de perigo, até o
Distância de seguimento — É aquela que o condutor deve momento em que pisa no freio. Ou seja, desde o momento em que
manter entre o seu veículo e o que vai à frente, de forma que se pos- se tira o pé do acelerador até colocá-lo no freio. Varia de pessoa para
sa parar, mesmo numa emergência, sem colidir com a traseira do pessoa, mas no geral está entre 0,75 e 1,5 segundo.

Fig. 53: Esquema de distâncias de parada do veículo.

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Distância de frenagem — É aquela que o veículo percorre Para desempenhar bem o seu papel o motorista da unidade de
depois que o motorista pisa no freio até o momento total da parada. emergência deve:
Sabemos que o veículo não para imediatamente.
Distância de parada — É aquela que a viatura percorre desde ♦ Ser habilitado. Atualmente o CTB exige a categoria “D”,
o momento em que o perigo é avistado até a parada total da viatura, para ser motorista de ambulâncias.
ficando a uma distância segura do outro veículo, pedestre ou qual- ♦ Ter feito pelo menos um curso de direção defensiva.
quer objeto na via. Ou seja, é a soma da distância da reação com a ♦ Conhecer a cidade e dominar seu sistema viário, conhecen-
distância da frenagem. do as principais referências para se situar em qualquer bairro.
♦ Saber situar com rapidez o destino para o qual é despacha-
8. DISTÂNCIA SEGURA do e saber obter informações adicionais da central de operações, via
rádio, para melhor localizar o destino exato.
Para você saber se está a uma distância segura dos outros veí- ♦ Decidir-se pelo caminho mais rápido e seguro e dirigir-se
culos, vai depender das condições climáticas (sol ou chuva), da velo- diretamente para o local.
cidade, das condições da via, dos pneus e do freio do carro, da visibi- ♦ Dirigir com a rapidez possível, dando prioridade total à
lidade e da sua capacidade de reagir rapidamente. segurança da viatura e sua equipe, dos demais veículos e seus ocu-
Existem tabelas e fórmulas para você calcular essa distância, pantes e dos pedestres.
principalmente nas rodovias, mas como elas variam muito, e depen-
♦ Estacionar a viatura cuidadosamente e em segurança.
dem além do tipo e peso do veículo, de outros fatores que também
♦ Participar do atendimento da vítima. O ideal é que o moto-
variam muito, o melhor é manter-se o mais longe possível (dentro de
rista também seja socorrista.
um juízo de bom senso), para garantir a sua segurança.
♦ Conhecer as lesões apresentadas pela vítima e o tipo de
Porém, para manter uma distância segura entre os veículos nas
atendimento que deverá receber em rota, dirigindo de modo compa-
rodovias, sem a utilização de cálculos, fórmulas ou tabelas, vamos
tível com a segurança.
lhe ensinar a usar “o ponto de referência fixo”:
♦ Cuidados com freadas bruscas, lombadas, deformações na
pista, evitando agravar as lesões já existentes na vítima.
♦ Observe a estrada à sua frente e escolha um ponto fixo de
♦ Usar o caminho menos acidentado e mais direto para o
referência (à margem) como uma árvore, placa, poste, casa, etc.
hospital destinado a receber a vítima.
♦ Quando o veículo que está à sua frente passar por este
♦ Usar de modo apropriado as sinalizações luminosas e so-
ponto, comece a contar pausadamente: mil e um, mil e dois (mais ou
noras da viatura.
menos dois segundos).
♦ Administrar seu tempo de folga garantindo repouso pesso-
♦ Se o seu veículo passar pelo ponto de referência antes de
al adequado a um desempenho seguro.
contar (mil e um, mil e dois), deve-se aumentar a distância, diminu-
indo a velocidade, para ficar em segurança.
9.2. Sinalização da Viatura
♦ Se o seu veículo passar pelo ponto de referência após você
ter efetuado a contagem, significa que a sua distância é segura.
A sinalização da viatura tem por finalidade assinalar aos de-
♦ Este procedimento o ajudará a se manter longe o suficiente
mais motoristas e pedestres a presença de um veículo deslocando-se
dos outros veículos em trânsito, possibilitando fazer manobras de
em regime de urgência, seja para chegar a um local onde um atendi-
emergência ou paradas bruscas necessárias, sem o perigo de uma
mento foi requisitado, seja por estar transportando uma pessoa em
colisão.
estado crítico, necessitando chegar a um hospital no menor tempo
possível, com segurança máxima. Somente nestes casos está indica-
do e justificado o uso das sinalizações especiais do veículo.
A sinalização tem limitações no seu alcance, não garante que
todos a perceberão, nem tampouco garante que aqueles que percebe-
ram vão colaborar e lhe darão passagem. Ou seja, embora usando
toda a sinalização disponível, ainda assim o condutor da viatura deve
Fig. 54: Esquema de distância segura.
tomar todos os cuidados prescritos pela prática da direção defensiva.
A luz vermelha é mais eficaz como sinalização dirigida para
9. DIRIGINDO UMA VIATURA DE RESGATE os veículos que transitam em sentido oposto. A sirene é mais efetiva
para alertar os motoristas dos veículos à frente da viatura, devendo
9.1. Responsabilidade do Motorista de uma Viatura ser ligada com antecedência, para ser ouvida de longe. Acionar a
sirene logo atrás do veículo da frente pode assustar o motorista, fa-
No atendimento pré-hospitalar a vítimas de emergências, o zendo-o frear bruscamente, com risco de colisão. O comportamento
papel do motorista da equipe reveste-se de especial importância, sem desejado, e nem sempre produzido, é de que o condutor do veículo à
ele a unidade de atendimento não se desloca e dele depende a segu- frente libere a passagem, retirando seu veículo o mais para a direita
rança do conjunto “socorrista-vítima”, adotado em sua cidade. possível e parando até que o veículo de emergência ultrapasse.
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Capítulo 6 - Direção Defensiva

Quando mais de um veículo de emergência está em deslocamento, a


distância mínima entre eles deve ser de 100 metros. Veículos de
emergência não devem se ultrapassar, a menos que seja determinado
pelo militar mais antigo.

9.3. Transportando uma Vítima

Poucas emergências exigem o deslocamento urgente para o


hospital. Entre elas destacam-se os casos de código 3. Mesmo nestes
casos entretanto, a segurança continua tendo prioridade sobre a e-
mergência, uma vez que um acidente envolvendo a viatura produzi-
rá considerável atraso na chegada da vítima ao seu destino.
Nas emergências em que o diagnóstico pré-hospitalar da víti-
ma não seja muito grave (código 1 e 2), portanto em que a urgência
seja relativa, o deslocamento suave impede que as lesões apresenta-
das pela vítima sofram agravos secundários, decorrentes de solavan-
cos, deslizamentos e deslocamentos, sendo de todo desejável. Isto é
particularmente verdadeiro se a vítima apresenta fraturas, especial-
mente aquelas com lesão associada de vasos sanguíneos e nervos.
Nos pacientes com problemas cardiológicos, o transporte deve
ser o menos turbulento possível. São pacientes que experimentam
uma aguda sensação de morte iminente, que pode ser acentuada pela
remoção tumultuada. Em princípio, está contra indicado o uso da
sinalização da viatura, especialmente a sirene. Se o paciente encontra
Fig. 55: Posicionamento correto do veículo de emergência.
-se em parada cardiorrespiratória, é claro que há urgência em se
chegar ao hospital. Entretanto, a equipe não pode manter uma RCP de sinalização na cena deve ser avaliado; muitas luzes servem ape-
adequada se a viatura estiver se deslocando em alta velocidade, o nas para confundir os motoristas. Muitos lugares usam sinais de
que impede manobras efetivas. aviso com os dizeres “acidente adiante” para avisar os motoristas do
Pacientes psiquiátricos também se sentem melhor e mais coo- ocorrido com bastante antecedência. Podem ser colocadas tochas
perativos se transportados sem a sinalização sonora. para sinalizar e dirigir o fluxo de tráfego; no entanto, deve-se tomar
Nas emergências obstétricas, o transporte também deve ser cuidado com seu uso no tempo seco, para não pegar fogo na vegeta-
calmo e cuidadoso. Se o parto se desencadeia, o melhor a fazer é ção. Cones refletores são bons dispositivos para afastar o f1uxo de
estacionar a viatura em segurança e ajudar na realização do mesmo e tráfego da pista ocupada pelo atendimento de emergência (figura
no cuidado do recém-nato, após o que pode-se prosseguir até o hos- 56).
pital. O direcionamento do tráfego, caso necessário, deve ser reali-
zado com muita atenção. Dar instruções confusas ou contraditórias
9.4. Posicionamento do Veículo e Dispositivos de Sinaliza- aos motoristas só aumenta os riscos de segurança. As melhores situ-
ção ações são aquelas em que o tráfego não fica impedido e o fluxo nor-
mal pode ser mantido em torno do atendimento de emergência.
O posicionamento do veículo no local de uma ocorrência é de Locais em obras constituem um bom exemplo de fluxo de tráfego
fundamental importância. O comandante do socorro deve assegurar em torno de obstruções. Essas questões relacionadas com o tráfego
que os veículos de atendimento estejam colocados nas melhores podem ser gerenciadas praticamente do mesmo modo; os socorristas
posições para proteger os socorristas. É importante que os primeiros podem observar locais em obras para aprenderem como o fluxo de
veículos de emergência ao chegarem ao local “assumam a pista” do tráfego pode funcionar melhor em uma ocorrência BM.
acidente (figura 55). O posicionamento da ambulância atrás do local,
embora não facilite a remoção do paciente, protege os socorristas e 9.4.1. Sequência de Procedimentos ao Estacionar a Viatura
pacientes do tráfego local. À medida que chegam mais veículos de
emergência, em princípio eles devem se posicionar do mesmo lado ♦ Aproximar-se do local da emergência com cautela.
da estrada que o incidente. Esses veículos devem ser posicionados ♦ Avaliar a área de estacionamento a ser utilizada.
bem afastados do incidente para que sejam percebidos com antece- ♦ Observar as condições de risco do local para pessoas e
dência pelos carros que passam. objetos.
Os faróis dianteiros, especialmente o farol alto, devem ser ♦ Decidir sobre o local de estacionamento com base no em-
desligados a fim de não ofuscar os motoristas que passam, exceto se prego da viatura, facilitando o embarque da vítima.
estiverem sendo utilizados para iluminar o local. O número de luzes ♦ Avisar a central de operações de sua chegada ao local da

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 56: Colocação de dispositivos de sinalização de tráfego. 66

ocorrência e das condições encontradas.


♦ Estacionar de forma que se permita, se possível, a fluidez do
trânsito, deixando espaço para outras viaturas.
♦ Posicionar as viaturas de forma a proteger as guarnições.
♦ Calçar a viatura e estabilizá-la quando for o caso.
♦ Sinalizar a viatura e o local escolhido.
♦ Isolar a área.
♦ Informar a central de operações sobre as áreas de estaciona-
mento, e qualquer informação que auxilie as outras viaturas que pode-
rão ser deslocadas ao sinistro.

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66 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 7
Cinemática do Trauma

O
ser tratadas de forma a dar o atendimento adequado ao paciente e
“não causar mais dano”.
trauma, mais do que uma grave doença, tem Lesões não tão evidentes podem ser fatais por não serem trata-
sido considerado um sério problema social e das no local nem a caminho do centro de trauma ou do hospital a-
comunitário e, sem dúvida, constitui hoje um dos mais significativos propriado. Saber onde examinar e como avaliar se há ou não lesões é
problemas de toda a área da saúde. As mortes ocasionadas por trau- tão importante quanto saber o que fazer depois que as lesões forem
mas ocupam entre a segunda ou terceira posição geral na morbidade encontradas. Um histórico completo e preciso do evento traumático
dos países, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares e bem como uma interpretação adequada dessas informações podem
neoplasias. Porém, entre os indivíduos das faixas etárias inferiores a fazer com que o socorrista antecipe a maioria das lesões antes de
40 anos é a principal causa de morte. examinar a vítima.
Trauma — Definição: Embora existam vários mecanismos de trauma, os mais co-
“Lesão ou ferimento físico ou químico causado por força ou muns relacionam-se com o movimento, respondendo pela maioria
violência externa podendo ser auto-infligido”. Dicionário Médico das mortes por trauma.
Taber, 2000. Este capítulo discute os princípios gerais e os princípios mecâ-
Enquanto a morte por afecção cardíaca ou câncer tira em mé- nicos envolvidos na biomecânica do trauma; seções sobre os efeitos
dia 10 a 15 anos de vida do cidadão, a decorrente do trauma chega a regionais do trauma fechado e dos ferimentos penetrantes abordam a
tirar 30 a 40 anos de uma vida altamente produtiva. fisiopatologia das lesões locais. Os princípios gerais são as leis da
Na história natural do mundo, a violência tem sido um meca- Física que governam a transferência de energia e os efeitos gerais
nismo de defesa, e indivíduos, povos e nações se digladiaram na luta dessa transferência. Os princípios mecânicos abordam a interação do
pela sobrevivência. Na realidade, o trauma é um reflexo da história corpo humano com os componentes da colisão trauma fechado (por
da humanidade. exemplo: veículos motorizados, veículos com três e duas rodas,
Com o passar dos séculos até a nossa atualidade, o homem se quedas), nos ferimentos penetrantes e nas explosões. Colisão é a
preocupou em descobrir e aprender técnicas aplicáveis às situações transferência de energia que ocorre quando uma troca de energia,
diversas de traumatismos, viabilizando um melhor atendimento às normalmente um objeto sólido, colide com o corpo humano. Não é
vítimas e aumentando consequentemente a taxa de sobrevida dos apenas a colisão de um veículo motorizado, mas também a colisão
indivíduos traumatizados. de um corpo em queda com o chão, o impacto de um projétil de
Hoje, com um amplo material didático baseado em pesquisas, arma de fogo nos tecidos do corpo e a onda de pressão e os estilha-
podemos aprimorar nossos conhecimentos para alcançarmos suces- ços de uma explosão. Todos esses eventos envolvem transferência
so em nosso cotidiano. de energia. Todos envolvem lesões. Todos envolvem condições
Cada vítima de trauma aparenta ter suas próprias apresenta- potencialmente fatais. Todos exigem um atendimento pré-hospitalar
ções de lesões, mas na verdade muitos pacientes possuem métodos correto pelo socorrista bem preparado e criterioso.
similares de traumatismos. O conhecimento destes mecanismos de
lesões permitirão ao socorrista um rápido diagnóstico, ou pelo me- 1. LEIS DA FÍSICA
nos a suspeita das lesões através de métodos usuais.
No atendimento inicial do traumatizado devemos apreciar Podemos definir a Cinemática do Trauma como o processo
criteriosamente os mecanismos que produziram os ferimentos. En- de análise e avaliação da cena do acidente, com o escopo de se esta-
tendendo os mecanismos de trauma e mantendo um alto grau de belecer um diagnóstico o mais precoce possível das lesões resultan-
suspeita, o socorrista ganha em aptidão para diagnosticar os ferimen- tes da energia, força e movimentos envolvidos. Através da cinemáti-
tos ocultos e um precioso tempo na instituição do tratamento. Todo ca do trauma, o socorrista pode informar ao médico intervencionista
ferimento potencialmente presente deve ser investigado, tendo em e/ou regulador dados de suma importância para o tratamento mais
vista o mecanismo de trauma em questão. adequado a ser dispensado na fase hospitalar, e também guiar seu
Quando o socorrista, em qualquer fase do atendimento, não próprio atendimento pré-hospitalar. Esta ciência é baseada em prin-
compreende os princípios da biomecânica ou os mecanismos envol- cípios fundamentais da física.
vidos, as lesões podem passar despercebidas. A compreensão desses Cinética: “As forças que atuam sobre o corpo durante o mo-
princípios aumentará o nível de suspeita, com base no padrão das vimento e as interações da sequência de movimentos com relação
lesões provavelmente associadas ao exame do local da ocorrência, ao tempo e às forças presente”. Dicionário Médico Taber, 2000.
logo ao chegar. As informações adequadas e as lesões suspeitadas Primeira Lei de Newton: “Todo corpo permanece em seu
podem ser transmitidas aos médicos no pronto-socorro. No local da estado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta, a me-
ocorrência e no trajeto até o hospital, essas lesões suspeitadas podem nos que seja obrigado a mudar seu estado por forças impostas a ele.”
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Princípio da Inércia: Mesmo que um carro colida e pare, as ela para. Essa mudança assume a forma de dano no veículo e lesão
pessoas no seu interior continuam em movimento até colidirem com na pessoa que está dentro dele, a menos que a energia possa assumir
o painel, direção, pára-brisa, etc. alguma forma menos prejudicial, como ser dissipada pelo cinto de
Mas, por que este repentino início ou parada de movimento segurança ou pelo air bag.
resulta em trauma ou lesões? Esta questão é respondida por um se- Qual o fator, entretanto, que possui maior efeito na quantidade
gundo princípio da Física: de energia cinética produzida: a massa ou a velocidade? Considere
“A energia pode ser transformada de uma forma em outra em uma pessoa de 72 kg a 50 km/h:
um sistema isolado, mas não pode ser criada ou destruída; a energi-
a total do sistema sempre permanece constante”. Considerando-se o Ec = 72 x 50² Ec = 72 x 2.500
movimento de um carro como uma forma de energia (energia cinéti- 2 2
ca), quando o carro colide, esta forma de energia é transformada em Retornando ao exemplo anterior de uma pessoa de 68 kg,
outras: mecânica, térmica, elétrica, química. porém aumentando a velocidade em 10 km/h:
Considerando que:
Ec = Massa X Velocidade² Ec = 68 x 60² Ec = 68 x 3.600
2 2 2
Conclui-se que quanto maior a velocidade, maior a troca de
energia resultando assim em maiores danos aos organismos envolvi- Ec = 122.400 unidades
dos.
Para que um objeto em movimento perca velocidade é neces- Esses cálculos mostram que o aumento da velocidade eleva
sário que sua energia de movimento seja transmitida a outro objeto. mais o aumento da taxa de produção de energia cinética do que a
Esta transferência de energia ocorre quando, por exemplo, um objeto massa. Ocorre maior transferência de energia, havendo portanto,
em movimento colide contra o corpo humano ou quando o corpo mais dano no ocupante, no veículo ou em ambos em uma colisão
humano em movimento é lançado contra um objeto parado, os teci- em alta velocidade do que em uma colisão em baixa velocidade.
dos do corpo humano são deslocados violentamente para longe do Embora a velocidade seja exponencial, e a massa linear, isso
local do impacto pela transmissão de energia, criando uma cavidade, pode ser crítico quando há uma grande disparidade de massa entre
este fenômeno chama-se cavitação. A avaliação da extensão da dois objetos. Em uma colisão entre um carro pequeno e um cami-
lesão tecidual é mais difícil quando não existe penetração cutânea do nhão, ou entre um carro e um pedestre, a vantagem vai para aquele
que quando há uma lesão aberta. Por exemplo, um soco desferido no com o maior momento (força).
abdome pode deformar profundamente a parede abdominal sem
deixar marcas visíveis externamente, mas com lesão de órgãos ab- Massa x aceleração = força = massa x desaceleração
dominais internos. Por isso é obrigatório pesquisar a história do e-
vento traumático. Outro fator importante em uma colisão é a distância de para-
Analisando o mecanismo de trauma é possível ao socorrista da. Um veículo que para contra uma parede de concreto ou quando
estimar o tamanho da cavidade no momento do impacto, assim os freios são aplicados dissipa a mesma quantidade de energia, só
como as demais lesões decorrentes do mesmo. que de forma diferente e ao longo de uma distância diferente. No
Assim, a colisão de um veículo contra outro objeto provoca primeiro caso, a energia é absorvida pela deformação do chassi do
danos no veículo, e conforme a velocidade em que este veículo está veículo. No segundo caso, a energia é absorvida pelo calor dos frei-
o dano proporcional é maior ou menor. Com o impacto do carro, a os. O movimento para a frente do ocupante do veículo (energia) é
vítima sofre também a desaceleração brusca, podendo provocar absorvido no primeiro caso pelas lesões de partes moles e ossos do
lesões em órgãos internos, cabeça, coluna vertebral e membros. ocupante. No segundo caso, a energia é dissipada pelos freios, junta-
Quando a velocidade é maior, o indivíduo sofre lesão maior. mente com a energia do veículo.
Observemos o cálculo da energia cinética em que incide em uma Essa relação inversa entre distância de parada e lesão também
pessoa que pesa 70 kg e sofre um acidente automobilístico a 50 km/ se aplica nas quedas. A pessoa tem maior probabilidade de sobrevi-
h: ver a uma queda se cair em uma superfície compressível, como uma
Ec = 70 x 50² Ec = 70 x 2.500 camada espessa de neve fina. A mesma queda em superfície dura,
2 2 como o concreto, pode causar lesões mais graves. O material com-
pressível (por exemplo, a neve) aumenta a distância de parada e
Ec = 175.000 Ec = 87.500 unidades absorve pelo menos parte da energia, em vez de permitir que toda
2 ela seja absorvida pelo corpo. O resultado é uma diminuição da
Para os objetivos desta discussão, nenhuma unidade física lesão no corpo. Esse princípio também se aplica a outros tipos de
específica de medida (como cm/kg ou joules) é dada. A fórmula é colisões. Além disso, o motorista não-contido é mais gravemente
usada apenas para ilustrar a mudança de energia. Conforme mostra- traumatizado que o motorista contido, porque o sistema de conten-
do, uma pessoa de 70 kg a 50 km/h possui 87.500 unidades de ener- ção, mais do que o corpo, absorve uma porção significativa da
gia cinética a serem convertidas em outra forma de energia quando “energia de lesão”.

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Capítulo 7 - Cinemática do Trauma

Portanto, uma vez que um objeto esteja em movimento e pos- parte da fase pré-colisão, como doenças agudas ou preexistentes,
sua uma energia específica de movimento, para que ele pare com- ingestão de substâncias “recreativas” (ilegais e medicamentos pres-
pletamente, deve perder toda a sua energia, convertendo-a em outra critos, álcool) ou o estado mental da vítima.
forma de energia, ou transferindo-a para outro objeto. Se, por exem-
plo, um automóvel atingir um pedestre, o pedestre é arremessado 2.2. Colisão
para longe, conforme mostra a figura 57.
A segunda e talvez a mais importante fase na anamnese do
trauma é a fase da “colisão propriamente dita”; fase esta que começa
quando um objeto colide com outro e ocorre uma transmissão de
energia entre eles. Os objetos podem estar em movimento ou um
deles estacionado, e qualquer um dos objetos ou ambos, podem ser
um corpo humano. Esta fase começa pelo início das trocas e trans-
formações energéticas entre os corpos e termina quando a ação ener-
gética se extingue ou deixa de atuar sobre o organismo da vítima.
Na maioria dos traumas ocorrem três impactos:

1. O impacto dos dois objetos.


2. O impacto dos ocupantes com o veículo.
3. O impacto dos órgãos dentro dos ocupantes.

Por exemplo: quando um automóvel colide com uma árvore,


o primeiro impacto é a colisão do veículo na árvore. O segundo
impacto é o ocupante do veículo atingindo o volante ou o pára-brisa.
Fig. 57: A transferência de energia de um veículo em movimento para um Se a vítima estiver contida, ocorre impacto entre o ocupante e o cinto
pedestre esmaga tecidos e transfere velocidade e energia ao pedestre, arre-
messando-o para longe do ponto de impacto. A lesão do paciente pode ocor-
de segurança. O terceiro impacto ocorre entre os órgãos internos do
rer no ponto de impacto com o carro e quando ele é atirado ao chão ou paciente e a parede torácica ou abdominal.
contra outro veículo. Em uma queda, ocorrem apenas o segundo e o terceiro impac-
Embora a velocidade do veículo seja de certa forma reduzida tos.
pelo impacto, a maior força do veículo transmite bem mais acelera- São considerações importantes para o atendimento:
ção ao pedestre, que é mais leve do que a velocidade que o veículo  A direção na qual a variação de energia ocorreu.
perde.  Quantidade de energia transmitida.
A energia de aceleração transmitida ao pedestre é bem maior  Forma com que estas forças afetaram o paciente. Ex: altu-
do que a redução da velocidade do veículo. As partes mais moles do ra da queda, calibre da arma, tamanho da lâmina.
corpo do pedestre contra as partes mais duras do corpo do veículo
também implicam mais danos no pedestre do que no veículo. 2.3. Pós-colisão

2. FASES DA CINEMÁTICA DO TRAUMA Durante esta fase, o socorrista usa a informação colhida duran-
te as fases de colisão e pré-colisão para tratar uma vítima. Essa fase
Na avaliação da cinemática do evento que possa causar trau- começa tão logo a energia da colisão é absorvida e o paciente é trau-
matismos em um indivíduo, podemos dividir sua evolução em três matizado. O início das complicações do trauma que ameaçam a vida
fases: pré-colisão, colisão e pós-colisão. Lembrando que o termo pode ser lento ou rápido (ou essas complicações podem ser preveni-
colisão não se refere necessariamente à colisão de veículo automo- das ou reduzidas significativamente), dependendo, em parte, das
tor. Tanto a colisão de um veículo automotor com um pedestre medidas tomadas pelo socorrista. Na fase pós-colisão, o entendi-
quanto aquela de um projétil com o abdome ou a de um trabalhador mento da biomecânica do trauma, o índice de suspeita a respeito das
de construção com o asfalto, ao cair, são todas colisões. Em todos os lesões e a boa avaliação, todos se tornam cruciais para a evolução
casos, ocorre transferência de energia entre o objeto em movimento final do paciente.
e o tecido da vítima ou entre a vítima em movimento e o objeto
parado. 3. TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA ENTRE UM OB-
JETO SÓLIDO E O CORPO HUMANO
2.1. Pré-colisão
Quando o corpo humano colide com um objeto sólido, ou vice
Inclui todos os eventos que precede o incidente, como a inges- -versa, o número de partículas do tecido atingidas pelo impacto de-
tão de álcool ou drogas. Condições anteriores ao incidente, e que são termina a quantidade de transferência de energia e, portanto, a quan-
importantes no tratamento das lesões do paciente, também fazem tidade de dano resultante. O número de partículas do tecido atingidas

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é determinado (1) pela densidade (partículas por volume) do tecido e golpear com muita força um tambor de aço com um taco de beise-
(2) pelo tamanho da área de contato no impacto. bol, produz-se um entalhe, ou uma “cavidade”, na sua parte lateral.
Golpeando, com a mesma força e o mesmo taco de beisebol, uma
3.1. Densidade massa de espuma de borracha, do mesmo tamanho e formato do
tambor de aço, não se produzirá entalhe quando o taco for removido
Quanto mais denso o tecido (medido em partículas por volu- (figura 58). A diferença é a elasticidade;a espuma de borracha é
me), maior o número de partículas atingidas por um objeto em mo- mais elástica do que o tambor de aço. O corpo humano é mais seme-
vimento. Dar um soco em um travesseiro de penas e fazer o mesmo, lhante à espuma do que ao tambor de aço. Se golpear com o punho o
com a mesma velocidade, em uma parede de tijolos produz efeitos abdome de outra pessoa, você sente o punho comprimir o abdome.
diferentes na mão. O punho absorve mais energia ao colidir com a Porém, quando você retira o punho, não ficará entalhe. Do mesmo
parede de tijolos, mais densa, do que com o travesseiro de penas, modo, um taco de beisebol golpeando o tórax não deixará cavidade
menos denso. evidente na parede torácica, mas causará lesão. A história do inci-
De modo simplista, o corpo tem tecidos com três tipos diferen- dente e a sua interpretação permitirão ao socorrista determinar o
tes de densidade: do ar (a maior parte do pulmão e parte do intesti- tamanho aproximado da cavidade no momento do impacto e prever
no), da água (músculo e a maioria dos órgãos sólidos, como fígado e as lesões com exatidão.
baço) e do osso. Portanto, a quantidade de energia transferida (e a
lesão resultante) dependerá do tipo de órgão que sofre impacto.

3.2. Área de Contato

A área de superfície pode ser modificada pelo tamanho do


objeto, por seu movimento dentro do corpo e pela fragmentação.
Exemplos dessa variação da área de contato com o corpo humano
incluem a parte dianteira de um automóvel, um bastão de beisebol e
um projétil de arma de fogo, com uma área muito pequena. A quan-
tidade de energia transferida que causaria danos no paciente depen-
de, assim, da energia do objeto e da densidade do tecido no trajeto da
transferência de energia.

4. CAVITAÇÃO

A mecânica básica da transferência de energia é relativamente


simples. O impacto do objeto sobre as partículas do tecido acelera
estas partículas, afastando-as do ponto de impacto. Os próprios teci-
dos podem tornar-se objetos em movimento e colidir com outras
partículas de tecido, produzindo um “efeito dominó”. Fig. 58: O golpe de um taco de beisebol em um tambor de aço deixa
Quando um objeto sólido atinge o corpo humano, ou quando um entalhe ou cavidade em sua lateral. Já em um pedaço de espuma
não resultará uma cavidade permanente.
o corpo humano está em movimento e atinge um objeto estacioná-
rio, as partículas de tecido do corpo humano são deslocadas de sua Quando o gatilho de uma arma carregada é puxado, ele atinge
posição normal, criando um orifício ou uma cavidade. Por isso, esse a cápsula de percussão e produz uma explosão no cartucho. A ener-
processo é chamado cavitação. gia criada por esta explosão é transferida para o projétil, que sai em
São criados dois tipos de cavidades. Uma cavidade temporária velocidade pela boca do cano da arma. O projétil agora tem energia,
forma-se no momento do impacto; parte ou toda a cavidade retorna ou força (aceleração x massa = força).
à sua posição prévia. A quantidade que retorna depende da compres- Após a transmissão dessa força, o projétil não pode
são das partículas de tecido no local do impacto e da elasticidade do desacelerar-se até sofrer a ação de uma força externa
tecido. Essa cavidade pode não ser visível quando o socorrista ou o
médico examinam o paciente posteriormente. Uma cavidade tempo-
rária é causada por estiramento. Uma cavidade permanente também
se forma no momento do impacto e é causada por compressão ou
laceração de tecidos. Também é causada, em parte, por estiramento,
porém, como não retorna à sua forma original, pode ser vista mais
tarde.
A diferença de tamanho entre as duas cavidades está relacio- Fig. 59: À medida que um projétil atravessa um tecido, sua energia ciné-
nada com a elasticidade dos tecidos envolvidos. Por exemplo, ao tica é transferida para o tecido com o qual entra em contato, afastando-o
do projétil.

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Capítulo 7 - Cinemática do Trauma

Fig. 60: O dano ao tecido é maior do que a cavidade permanente que permanece após uma lesão por projétil. Quanto mais rápido ou pesado for o projétil,
maior será a cavidade temporária e maior será a zona de lesão tecidual.

(primeira lei do movimento de Newton). Para que o projétil acelerados. No trauma penetrante, as lesões são produzidas à medida
pare dentro do corpo humano, deve ocorrer nos tecidos uma que os tecidos são esmagados e separados ao longo do trajeto do
explosão equivalente à explosão ocorrida na arma objeto penetrante. Ambos os tipos criam cavidade, afastando os
(aceleração x massa = força = massa x desaceleração) tecidos de sua posição normal.
(figura 60). Essa explosão é o resultado da transferência de O trauma fechado cria tanto lacerações por cisalhamento
energia que acelera as partículas de tecido para fora de sua quanto cavitação. A cavitação é com frequência apenas uma cavida-
posição normal, criando uma cavidade. de temporária, que afasta os tecidos do ponto de impacto. O trauma
Considerando-se, portanto, a relevância do movimento nos penetrante cria tanto uma cavidade permanente quanto uma tempo-
mecanismos de trauma, é obrigatória a análise clínica da vítima fo- rária. A energia de um objeto em movimento rápido com área de
cada nos aspectos relacionados à cinemática dos corpos envolvidos superfície frontal pequena será concentrada numa única área e pode-
na cena do acidente. rá exceder a força extensível do tecido e penetrar nele. A cavidade
O conhecimento da ocorrência de permuta de energia e de temporária que é criada afasta os tecidos do caminho desse projétil
suas variáveis pela equipe de resgate tem grande importância prática. nas direções frontal e lateral.
Isto pode ser evidenciado quando se compara duas equipes que No trauma fechado, há dois tipos de forças envolvidas no
atendem um motorista que se chocou violentamente contra o volan- impacto: cisalhamento e compressão. Cisalhamento é o resultado da
te. A que conhece cinemática do trauma, mesmo não reconhecendo variação mais rápida de velocidade de um órgão ou de uma estrutura
lesões externas, saberá que ocorreu uma cavitação temporária e uma (ou parte de um órgão ou de uma estrutura) em relação a outro órgão
grande desaceleração suspeitando de lesões de órgãos intratorácicos. ou estrutura (ou parte de um órgão ou de uma estrutura). Compres-
Com isso, a conduta será mais agressiva, minimizando a morbi- são é o resultado da pressão direta sobre um órgão ou uma estrutura
mortalidade dos pacientes. Já a que não tem estes conhecimentos, (ou parte de um órgão ou de uma estrutura) por outros órgãos ou
não suspeitará de lesões de órgãos intratorácicos, retardando o diag- estruturas. A lesão pode ser o resultado de qualquer tipo de impacto,
nóstico e conduta das mesmas, influenciando diretamente na sobre- como colisões de veículos motorizados (automóvel ou motocicleta),
vida dos pacientes. colisões de pedestres com veículo, quedas, lesões por esportes ou
por explosões. Todos esses mecanismos serão discutidos separada-
5. TRAUMA FECHADO E PENETRANTE mente, seguidos pelos resultados dessa transferência de energia so-
bre a anatomia específica em cada uma das regiões do corpo.
Em geral, o trauma é classificado como fechado ou penetrante.
Entretanto, a transferência de energia e a lesão produzida são seme- 6. COLISÕES AUTOMOBILÍSTICAS
lhantes em ambos os tipos de trauma. A única diferença real é a
penetração da pele. Se toda a energia de um objeto for concentrada Existem muitos tipos de trauma fechado, mas as colisões de
em uma única área pequena da pele, provavelmente a pele será lace- veículos motorizados — incluindo colisões de motocicletas — são
rada e o objeto entrará no corpo e criará uma transferência de energia as mais comuns. As observações em uma colisão que fornecem
mais concentrada. Isso poderá resultar em uma força destruidora pistas sobre os padrões das lesões, a gravidade dessas lesões e os
maior em uma única área. Um objeto maior, cuja energia se dispersa órgãos potencialmente envolvidos são: (1) a direção do impacto; (2)
por uma área muito maior da pele, pode não penetrar na pele. O os danos externos no veículo; (3) os danos internos (por exemplo:
dano será distribuído por uma área maior do corpo e o tipo de lesão intrusão no compartimento de passageiros, deformação do volante e
será menos localizado. da coluna de direção, pára-brisa quebrado em bull’s eye, espelhos
A transferência de energia está diretamente relacionada com a danificados, marcas do impacto dos joelhos no painel).
densidade e o tamanho da área frontal no ponto de contato entre o
objeto e o corpo da vítima. No trauma fechado, as lesões são produ- As colisões automobilísticas podem ser divididas em cinco
zidas à medida que os tecidos são comprimidos, desacelerados ou tipos:

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1. Impacto frontal. Na figura 62, a frente do carro parou contra um barranco, mas
2. Impacto posterior. a parte de trás não parou até a energia ser absorvida pela deformação
3. Impacto lateral. do chassi. Esse padrão é similar ao que ocorre no tórax. À medida
4. Impacto angular. que o esterno interrompe seu movimento para a frente contra o pai-
5. Capotamento. nel, a parede posterior do tórax continua, até a energia ser absorvida
pela flexão e possível fratura das costelas.
Embora existam variações em cada padrão, a identificação
cuidadosa dos cinco padrões facilitará a compreensão de outros tipos
semelhantes de colisões.
Em colisões automobilísticas e em outros mecanismos com
desaceleração rápida, como quedas de altura, ocorrem três colisões:
(1) o veículo colide com um objeto ou com outro veículo; (2) o ocu-
pante não-contido colide com a parte interna do veículo; (3) os ór-
gãos internos do ocupante colidem uns com os outros ou com a
parede da cavidade que os contém.
Um automóvel que bate contra uma árvore serve como exem-
plo. A primeira colisão ocorre quando o automóvel colide com a
árvore. Embora o veículo pare, o motorista não-contido continua
movendo-se para a frente (de acordo com a primeira lei do movi-
mento de Newton). A segunda colisão ocorre quando o motorista Fig. 62: O veículo pára repentinamente contra um barranco.
colide com a direção e o pára-brisa. Embora o motorista interrompa
seu movimento para a frente, muitos órgãos internos continuam a se 6.1. Impacto Frontal
mover (novamente a primeira lei de Newton) até se chocarem contra
outro órgão ou parede de cavidade ou serem repentinamente parados No impacto frontal de um veículo automotor, como o carro
por um ligamento, fáscia, vaso ou músculo. Essa é a terceira colisão. que bate contra um muro, a primeira colisão ocorre quando o carro
Uma maneira fácil de estimar o padrão de lesão do ocupante é atinge a parede, resultando em dano na frente do carro. A intensida-
olhar para o carro a fim de determinar qual dos cinco tipos de colisão de do estrago no carro indica sua velocidade aproximada no mo-
ocorreu. O ocupante recebe o mesmo tipo de força que o veículo e mento do impacto. Quanto maior o afundamento da frente do veícu-
na mesma direção. A quantidade de energia transferida para o ocu- lo, maior a velocidade no momento do impacto. Quanto maior a
pante é reduzida pela absorção de energia pelo veículo. A transferên- velocidade do veículo, maior a transferência de energia e maior a
cia de energia e a direção em que ela ocorre são semelhantes. Na probabilidade de que os ocupantes tenham lesões graves.
figura 61, por exemplo, o centro do carro bateu contra um poste. O Embora no impacto frontal o veículo pare de repente, o ocu-
ponto de impacto interrompeu seu movimento para a frente, mas o pante continua a mover-se e segue um dos dois caminhos possíveis:
resto do carro continuou indo para a frente até a energia ser absorvi- por cima ou por baixo. O uso do cinto de segurança e o acionamento
da pela deformação do carro. O mesmo tipo de lesão ocorre com o do air bag absorverão um pouco ou a maior parte da energia, redu-
motorista, quando a coluna de direção atinge o centro do esterno. O zindo, assim, as lesões da vítima.
carro continuou seu movimento para a frente, ficando muito defor-
mado; com o tórax do motorista ocorre o mesmo. 6.2. Trajetória por Cima

Nesta sequência, o movimento do corpo para a frente leva-o


para cima, sobre o volante (figura 63). A cabeça é geralmente a parte
do corpo que colide com o pára-brisa ou com sua borda, ou com o
teto. A cabeça interrompe o movimento para a frente. O tronco con-
tinua em movimento até que sua energia/força seja absorvida pela
coluna. A coluna cervical é o segmento menos protegido da coluna.
O tórax ou o abdome, dependendo da posição do tronco, colidem
com a coluna de direção. O impacto do tórax sobre a coluna de dire-
ção produz lesões da caixa torácica, do coração, dos pulmões e da
aorta. O impacto do abdome sobre a coluna de direção pode compri-
mir e esmagar os órgãos parenquimatosos, causar lesões por hiper-
Fig. 61: Com a colisão de um veículo contra um poste, a frente do carro
pressão, especialmente no diafragma, e romper órgãos ocos. Os rins,
para, mas a parte de trás do veículo continua indo para a frente, causando o baço e o fígado também sofrem lesões por cisalhamento quando o
deformação no veículo. abdome colide com o volante e para abruptamente. Um órgão pode
ser esgarçado de seus ligamentos e tecidos de sustentação. Por e-

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Capítulo 7 - Cinemática do Trauma

xemplo, a continuação do movimento dos rins, depois que a coluna O pé pode torcer, se estiver apoiado no assoalho ou no pedal
vertebral já parou, leva a esgarçamento da fixação desses órgãos no do freio, e se o joelho estiver estirado, enquanto o movimento conti-
pedículo dos vasos. Esses grandes vasos estão aderidos tão firme- nuado do tronco causa a torção e a fratura da articulação do tornoze-
mente à parede abdominal posterior e à coluna vertebral que o movi- lo. Na maioria dos casos, entretanto, os joelhos já estão dobrados, e a
mento contínuo dos rins para a frente pode estirar os vasos renais até força não é direcionada ao tornozelo. Por isso, eles se chocam contra
o ponto da ruptura. O mesmo pode acontecer com a aorta, na transi- o painel.
ção entre o arco aórtico, que é mais solto, e a aorta descendente, O joelho possui dois possíveis pontos de impacto contra o
firmemente aderida à coluna. painel: o fêmur e a tíbia. Se a tíbia colidir com o painel e parar pri-
meiro, o fêmur permanece em movimento e ultrapassa a tíbia. Isso
resulta em luxação do joelho, com ruptura dos ligamentos, tendões e
outras estruturas de sustentação. Como a artéria poplítea está intima-
mente ligada à articulação do joelho, a luxação da articulação com
frequência provoca a lesão desse vaso. A artéria poplítea pode rom-
per-se completamente, ou pode haver lesão apenas no revestimento
interno (íntima) da artéria (figura 65). Em qualquer dos casos pode-
se formar um coágulo no vaso lesado, levando à redução significati-
va do fluxo sanguíneo nos tecidos da perna abaixo do joelho. O

Fig. 63: A configuração do assento e a posição do ocupante podem direcio-


nar a força inicial sobre a região superior do tronco, e a cabeça movimen-
ta-se para frente.

6.3. Trajetória por Baixo

Na trajetória por baixo, o ocupante continua a mover-se para


baixo em direção ao assento e para a frente em direção ao painel ou
à coluna da direção (figura 64). A importância de compreender a
biomecânica pode ser ilustrada pelo que acontece com o joelho nes-
se trajeto. Muitas das lesões são de difícil identificação, caso não
haja suspeita, pelo mecanismo de trauma.
Fig. 65: A artéria poplítea situa-se muito próximo à articulação, firmemen-
te aderida ao fêmur, acima, e à tíbia, abaixo. O afastamento desses ossos
estira, dobra e rompe a artéria.

reconhecimento precoce da possibilidade de lesão da artéria poplítea


alertará os médicos para a necessidade de avaliar esse vaso.
A identificação e o tratamento precoces de uma lesão da arté-
ria poplítea diminui significativamente as complicações decorrentes
da isquemia distal do membro. A perfusão dessa área deve ser resta-
belecida dentro de cerca de seis horas. Pode ocorrer atraso, porque o
socorrista não reconheceu a biomecânica da lesão ou porque não
percebeu indícios importantes durante a avaliação do paciente.
Embora a maioria dessas vítimas apresente evidência de lesão
no joelho, uma marca no painel no lugar de impacto do joelho é o
principal indicador de que energia significativa foi focalizada nessa
articulação e estruturas adjacentes (figura 66).
Fig. 64: O ocupante e o veículo vão juntos para a frente. O veículo para e Quando o fêmur é o ponto de impacto, a energia é absorvida
o ocupante não contido continua para a frente até que algo interrompa seu na diáfise do osso, que pode-se quebrar (figura 67). A continuação
movimento.
do movimento da pelve para a frente, sobre o fêmur que permanece

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O reconhecimento dessas lesões potenciais e a transmissão


dessas informações para os médicos do pronto-socorro podem trazer
benefícios de longo prazo para o paciente.

6.4. Impacto Posterior

As colisões com impacto posterior ocorrem quando um veícu-


lo ou um objeto em movimento lento ou parado é atingido por trás
por um veículo em maior velocidade. Para facilitar a compreensão, o
veículo que se move mais rapidamente é chamado “veículo-projétil”
e o veículo mais lento ou parado é chamado “veículo-alvo”. Nessas
condições, a energia do impacto é convertida em dano para os dois

Fig. 66: O ponto de impacto do joelho contra o painel indica tanto a traje-
tória por baixo quanto a grande absorção de energia ao longo da extremi-
dade inferior.
intacto, pode
fazer com que a
bacia ultrapasse
a cabeça desse
osso, causando a
luxação posteri-
or da articulação
do acetábulo
(figura 68).
Fig. 69: Uma colisão com impacto posterior empurra o tronco
Após o im-
para a frente. Se o encosto da cabeça não estiver posicionado
pacto dos joe- corretamente, a cabeça será hiperestendida por cima do encosto
lhos, a parte da cabeça.

superior do cor- veículos e em aceleração para o veículo-alvo. Quanto maior for a


po vem para a diferença entre a velocidade dos dois veículos, maior será a força do
Fig. 67: Quando o ponto de impacto é o fêmur, a ener-
frente em dire- impacto inicial e maior será a energia disponível para provocar o
gia é absorvida na diáfise do osso, que pode-se quebrar. ção à coluna da dano e a aceleração.
direção ou ao No impacto, o veículo da frente é acelerado para a frente. Tu-
painel. A vítima pode, então, sofrer muitas das lesões descritas ante- do o que estiver fixado ao chassi também se moverá para a frente e
riormente para a trajetória por cima. na mesma velocidade. Os objetos soltos no interior do veículo, inclu-
indo os ocupantes, só começarão o movimento para a frente depois
que alguma coisa em contato com o chassi começar a transmitir a
energia do movimento do chassi a esses objetos ou ocupantes. Co-
mo exemplo, o tronco é acelerado pelo assento depois de parte da
energia ter sido absorvida pelas molas do assento. Se o encosto da
cabeça não estiver bem posicionado para mover a cabeça junto com
o tronco, então o corpo em contato com o carro será acelerado antes
da cabeça. Isso pode provocar a hiperextensão do pescoço. Pode
ocorrer ruptura dos ligamentos e das estruturas anteriores de susten-
tação do pescoço (figura 69). Se o encosto da cabeça estiver posicio-
nado adequadamente, a cabeça se moverá praticamente ao mesmo
tempo que o tronco, não ocorrendo hiperextensão (figura 70).
Se o carro puder mover-se para a frente sem interferência até
parar, o ocupante provavelmente não sofrerá lesões, porque a maior
parte do movimento do corpo é suportada pelo assento, à semelhan-
ça do que acontece quando o astronauta é lançado em órbita. Entre-
tanto, se o carro colidir com outro veículo ou objeto, ou se o motoris-
ta pisar no freio e o carro parar abruptamente, os ocupantes serão
Fig. 68: A continuação do movimento da bacia para a frente pode
fazer com que a bacia ultrapasse a cabeça do fêmur, levando à arremessados para a frente, seguindo os padrões característicos da
luxação posterior da articulação do acetábulo.

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Capítulo 7 - Cinemática do Trauma

Fig. 70: Se o encosto da cabeça estiver levantado, a


cabeça se moverá para a frente junto com o tronco,
evitando a lesão cervical.

colisão com impacto frontal. Portanto, a colisão envolve dois impac-


tos, o posterior e o frontal. O duplo impacto aumenta a probabilidade
de lesão.
Fig. 71: A compressão contra a parede lateral do tórax e do abdome pode
6.5. Impacto Lateral fraturar costelas e lesar o baço, fígado e rim subjacentes.

Os mecanismos do impacto lateral ocorrem quando o veículo


se envolve em uma colisão em um cruzamento ou quando o veículo
sai da pista e bate em um poste, uma árvore ou em outro obstáculo
nas margens da estrada. Caso a colisão ocorra em um cruzamento, o
veículo-alvo é impulsionado pelo impacto na direção oposta à força
gerada pelo veículo-projétil. A lateral do veículo ou a porta é empur-
rada contra o ocupante. Os ocupantes podem sofrer lesões ao serem
deslocados lateralmente ou com a deformação interna do comparti-
mento do passageiro pela intrusão da porta. As lesões causadas pelo
movimento do veículo serão menos graves se o ocupante estiver
contido e se movimentar junto com o veículo.

Quatro regiões do corpo podem sofrer lesão no impacto late-


ral:

1. Tórax. A compressão da parede torácica pode causar fratu-


Fig. 72: A compressão do ombro contra a clavícula provoca fratura do
ra de costelas, contusão pulmonar ou lesão por compressão de ór-
terço médio desse osso.
gãos sólidos dentro da caixa torácica, mas abaixo do diafragma,
além de lesões por hiper-pressão (p. ex., pneumotórax) (figura 71).
Lesões da aorta por cisalhamento podem ser causadas por acelera-
ção lateral (25 % das lesões da aorta por cisalhamento ocorrem em
colisões com impacto lateral). A clavícula pode ser comprimida e
fraturada se o impacto for contra o ombro (figura 72).
2. Abdome e Pelve: A intrusão comprime e fratura a bacia e
empurra a cabeça do fêmur contra o acetábulo (figura 73). Os ocu-
pantes do lado do motorista são vulneráveis a lesões de baço, porque
o baço está do lado esquerdo do corpo, ao passo que os ocupantes do
lado do passageiro têm maior probabilidade de sofrer lesão de fíga-
do.
3. Pescoço: Nas colisões laterais, o tronco pode mover-se,
deixando de ficar debaixo da cabeça, como ocorre nos impactos
posteriores. O ponto de fixação da cabeça é posterior e inferior ao
centro de gravidade da cabeça; portanto, o movimento da cabeça em
relação ao pescoço é de flexão lateral e rotação. Isso pode fraturar as Fig. 73: O impacto lateral sobre o fêmur empurra sua cabeça através do
vértebras ou, com maior probabilidade, levar à sobreposição de face- acetábulo ou fratura a pelve.
tas articulares e possíveis luxações (figura 74).

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Fig. 74: O centro de gravidade do crânio situa


-se na frente e acima do ponto de apoio entre
o crânio e a coluna cervical. Durante um
impacto lateral, quando o tronco é acelerado
rapidamente sob a cabeça, esta gira em dire-
ção ao ponto de impacto, nos ângulos lateral e
ântero-posterior. Esse movimento separa os
corpos vertebrais do lado oposto ao impacto e
afasta-os por rotação. Como consequência,
pode ocorrer sobreposição de facetas articu-
lares, laceração de ligamentos e fraturas por
compressão lateral.

4. Cabeça: A cabeça pode sofrer impacto contra a estrutura da mento do capotamento. As forças são semelhantes às de um carros-
porta. sel. Embora os ocupantes estejam seguros por dispositivos de con-
Impactos no lado mais próximo produzem mais lesões do que tenção, os órgãos internos ainda se movem e podem ser lacerados
impactos no lado distante. nas áreas de tecido conjuntivo. Lesões mais graves ocorrem como
resultado da falta de contenção. Na maioria dos casos, ocupantes são
6.6. Impacto Rotacional ejetados do veículo enquanto ele capota e/ou são esmagados à medi-
da que o veículo capota em cima deles, ou sofrem lesões pelo im-
Colisões com impacto rotacional ocorrem quando um canto pacto com o chão. Se os ocupantes forem ejetados para a pista, po-
do carro atinge um objeto imóvel, o canto de outro veículo ou um dem ser atingidos por outro veículo.
veículo em movimento mais lento ou na direção oposta ao primeiro
veículo. Seguindo a primeira lei do movimento de Newton, esse 6.8. Cintos de Segurança
canto do carro para, enquanto o restante do carro continua seu movi-
mento para a frente até que sua energia seja totalmente transforma- Nos mecanismos de trauma anteriormente descritos, assumiu-
da. se que as vítimas não estavam contidas. Nos Estados Unidos, segun-
Colisões com impacto rotacional resultam em lesões que são do a Administração Nacional de Segurança de Tráfico Rodoviário
uma combinação daquelas vistas em colisões com impacto frontal e — NHTSA, 67 % dos ocupantes não utilizam o cinto de segurança.
lateral: a vítima continua a mover-se para a frente e, então, é atingida A ejeção de pessoas do interior de veículos é responsável por cerca
pela face lateral do carro (como se fosse uma colisão lateral), à medi- de 25 % das mortes por colisões automobilísticas. Cerca de 75 %
da que o carro roda em redor do ponto de impacto. Lesões mais dos ocupantes de carros de passeio que foram totalmente ejetados
graves são vistas na vítima mais próxima do ponto de impacto. morreram. Uma de cada 13 vítimas de ejeção sofre fratura de colu-
na. Depois de ejetado do veículo, o corpo é submetido a um segundo
6.7. Capotamento impacto, ao atingir o solo (ou outro objeto) fora do carro. Esse se-
gundo impacto pode resultar em lesões mais graves do que as causa-
Durante um capotamento, o carro pode sofrer muitos impactos das pelo impacto inicial. O risco de morte das vítimas ejetadas é seis
em vários ângulos diferentes, assim como o corpo e os órgãos dos vezes maior do
ocupantes não-contidos (figura 75). Podem ocorrer traumatismos e que o das vítimas
lesões em cada um desses impactos. Em colisões com capotamento, não ejetadas. Defi-
uma vítima contida frequentemente sofre lesões do tipo cisalhamen- nitivamente, os
to por causa das forças significativas criadas pelo veículo no mo- cintos de seguran-
ça salvam vidas.
Mas, o que
acontece quando
as vítimas estão
contidas? Se o
cinto de segurança
estiver posiciona-
do adequadamente
(figura 76), a pres-
são do impacto é
absorvida pela
Fig. 76: O cinto de segurança bem posicionado deve
pelve e pelo tórax, ficar abaixo da espinha ilíaca ântero-superior de
Fig. 75: Durante um capotamento, o ocupante não contido pode ser total resultando em cada lado, acima do fêmur, e estar suficientemente
ou parcialmente ejetado para fora do veículo, ou pode bater violentamente
no seu interior. Essa ação produz lesões múltiplas e um tanto imprevisíveis nenhuma ou pou- apertado para permanecer nessa posição. A pelve
protege os órgãos intra-abdominais, que são frágeis.
que geralmente são graves.

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76 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
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Capítulo 7 - Cinemática do Trauma

cas lesões graves. O uso apropriado dos dispositivos de contenção da estrada em direção a uma árvore, o air bag não protege mais. Os
transfere a força do impacto do corpo do paciente para o cinto de air bags laterais aumentam a proteção dos ocupantes.
segurança e o sistema de contenção. Com a utilização de dispositi- Quando os air bags
vos de contenção, a probabilidade de sofrer lesões com risco de são acionados, podem
morte diminui consideravelmente. produzir lesões, pequenas
Para que sejam eficientes, os dispositivos de contenção devem mas perceptíveis, que
ser usados adequadamente. Um dispositivo de contenção usado devem ser tratadas pelo
inadequadamente pode não proteger na eventualidade de colisão, socorrista. Essas lesões
podendo até mesmo provocar lesão. Quando os cintos são utilizados incluem abrasões de bra-
e deixados frouxos, ou são posicionados acima das cristas ilíacas ços, tórax e face (figura
anteriores, podem ocorrer lesões por compressão de órgãos intra- 78); corpo estranho na
abdominais parenquimatosos. Lesões por compressão de órgãos face e nos olhos; e lesões
intra-abdominais parenquimatosos (baço, fígado e pâncreas) ocor- causadas pelos óculos do
rem em consequên- ocupante (figura 79).
cia da compressão Mesmo os air bags que
entre o cinto de não foram acionados po-
Fig. 78: Abrasões do antebraço são secun-
segurança e a pare- dem ser perigosos para a dárias à expansão rápida do air bag, quan-
de abdominal pos- vítima e para o socorrista. do as mãos estão firmes contra o volante.
terior (figura 77). O
aumento da pressão
intra-abdominal
pode produzir rup-
tura diafragmática e
herniação de órgãos
abdominais. Podem
também ocorrer
fraturas por com-
Fig. 77: Um cinto de segurança posicionado
pressão anterior da
incorretamente acima da borda da pelve permite coluna lombar, à
que os órgãos abdominais fiquem presos entre a medida que as par-
parede posterior em movimento e o cinto de segu-
rança. Em consequência, pode haver lesão de tes superiores e
pâncreas e de outros órgãos retroperitoneais, inferiores do tronco Fig. 79: A expansão do air bag contra os ócu-
bem como ruptura, por explosão, do intestino los causa abrasões.
delgado e do cólon. giram em torno das
vértebras T12, L1 e Os air bags devem ser desativados por um especialista treina-
L2, que estão fixas. Muitos ocupantes de veículos ainda utilizam o do para fazê-lo da maneira adequada e segura. Essa desativação não
cinto diagonal por baixo da axila e não sobre o ombro. deve retardar o atendimento da vítima nem a retirada de vítima gra-
À medida que foram promulgadas leis de uso obrigatório do ve.
cinto de segurança, a gravidade geral das lesões diminuiu e o núme- Verificou-se que os air bags do banco da frente são perigosos
ro de colisões fatais tem tido uma redução significativa. para crianças e adultos pequenos, especialmente quando as crianças
são colocadas em posições incorretas no banco da frente ou quando
6.9. Air Bags são instaladas incorretamente nas cadeirinhas. Crianças até 12 anos
devem usar sempre o dispositivo de contenção adequado para o seu
Air bags devem ser sempre usados em combinação com cintos tamanho e estar no banco de trás.
de segurança para obter proteção máxima. Originalmente, os siste- Os motoristas devem ficar sempre pelo menos a 25 cm da
mas de air bag para o motorista e o passageiro do banco da frente cobertura do air bag, e os passageiros do banco da frente, pelo me-
foram projetados para amortecer o movimento para a frente apenas nos a 45 cm. Na maioria dos casos, quando são utilizadas condições
dos ocupantes desses bancos. Eles absorvem lentamente a energia, e distâncias corretas do assento, as lesões por air bag se limitam a
aumentando a distância de parada do corpo. São muito eficientes na simples abrasões.
primeira colisão de impactos frontais e quase frontais (65% a 70%
das colisões que ocorrem dentro de 30 graus dos faróis). Como mui- 7. COLISÕES MOTOCICLÍSTICAS
tos air bags desinflam logo após o impacto, não são eficientes em
colisões com impactos múltiplos nem em colisões posteriores. Um Colisões de motocicleta são responsáveis por um número
air bag infla e desinfla dentro de 0,5 segundo. Se o carro desviar significativo de mortes todo o ano. As leis da física são as mesmas,
para a trajetória de outro carro que está vindo em sua direção ou sair mas o mecanismo de trauma é um pouco diferente do mecanismo

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das colisões automobilísticas. Essas variações ocorrem nos seguintes


tipos de impacto: frontal, angular ou com ejeção.

7.1. Impacto Frontal

A colisão frontal contra um objeto sólido interrompe o movi-


mento da motocicleta porque seu centro de gravidade se encontra
acima e atrás do eixo da frente, que é o ponto fixo nessa colisão. A
motocicleta tomba para a frente e o motociclista colide com o gui-
dão. O motociclista pode sofrer lesões no crânio, tórax, abdome ou
pelve, dependendo da parte do corpo que colidir com o guidão. Se
os pés do motociclista permanecerem nos pedais e as coxas colidi-
rem com o guidão, o movimento para a frente será absorvido pela
diáfise do fêmur, resultando, frequentemente, em fratura bilateral de
fêmur (figura 80).

Fig. 81: Se a motocicleta não colidir de frente com um objeto, ela


se fechará como uma tesoura, prendendo a extremidade inferior do
motociclista entre o objeto atingido e a motocicleta.

cete oferece a melhor proteção. Ele é construído à semelhança do


crânio: é forte e protetor externamente e capaz de absorver energia
Fig. 80: O corpo movimenta-se para a frente e sobre a motocicleta, na face interna. A estrutura do capacete absorve grande parte do
fazendo com que as coxas e os fêmures colidam com o guidão. O impacto, reduzindo, assim, a lesão de face, crânio e cérebro. O capa-
motociclista também pode ser ejetado.
cete oferece pouca proteção para a região cervical, mas não provoca
7.2. Impacto Angular trauma cervical. Já está demonstrado que a não utilização do capace-
te aumenta a incidência de lesões de crânio em mais de 300%. As
Na colisão com impacto angular, a motocicleta atinge o objeto leis que obrigam a usar capacete funcionam.
em ângulo. A motocicleta cai sobre o motociclista, ou o prensa entre “Deitar a motocicleta”é uma manobra de proteção usada pelos
o veículo e o objeto atingido. Podem ocorrer lesões nos membros motociclistas com o intuito de separá-los da motocicleta quando
superiores ou inferiores, resultando em fratura e lesão extensa de uma colisão é iminente (figura 82). Nessa manobra, o condutor deita
partes moles (figura 81). Em consequência da transferência de ener- a motocicleta de lado e arrasta a face lateral da perna no chão. Tal
gia, podem ocorrer lesões de órgãos da cavidade abdominal.

7.3. Impacto com Ejeção

Por não estar contido, o motociclista pode ser ejetado. Ele


continua voando até que sua cabeça, braços, tórax, abdome ou per-
nas atinjam outro objeto, como um veículo motorizado, um poste ou
o chão. Muitos motociclistas não utilizam proteção adequada (p. ex.,
capacetes). A lesão ocorre no ponto de impacto, irradiando-se para o
resto do corpo à medida que a energia é absorvida.

7.4. Prevenção de Lesão

Os equipamentos para proteção do motociclista incluem botas, Fig. 82: Para evitar que fique preso entre dois pedaços de aço (motocicleta
e automóvel), o motociclista “deita”a motocicleta para dissipar a lesão.
roupas de couro e capacetes. Dentre esses três dispositivos, o capa- Isso causa abrasões (“queimaduras do asfalto”) à medida que a velocidade
do motociclista diminui sobre o asfalto.

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Capítulo 7 - Cinemática do Trauma

manobra reduz mais a velocidade do motociclista do que a da moto- 8. ATROPELAMENTOS


cicleta, de tal forma que a motocicleta e o condutor se separam. O
motociclista desliza sobre o pavimento, mas não fica preso entre a Existem três etapas distintas na colisão entre pedestres e veícu-
motocicleta e o objeto que está sendo atingido. Esses motociclistas lo motorizado. Cada etapa possui seu próprio padrão de lesão:
geralmente sofrem abrasões (“queimaduras do asfalto”) e pequenas 1. O impacto inicial é nas pernas e às vezes nos quadris (figura
fraturas, porem evitam lesões graves associadas a outros tipos de 84).
impacto (figura 83). 2. O tronco rola sobre o capô do carro (figura 85).
3. A vítima cai do carro no asfalto, geralmente de cabeça, com
possível trauma da coluna cervical (figura 86).
No atropelamento, as lesões variam conforme a altura da víti-
ma. Imagine os pontos de impacto em uma criança e um adulto que
estão na frente de um carro. Por serem mais baixas, as crianças são
atingidas inicialmente em região mais alta do corpo, em comparação
com os adultos (figura 87). O primeiro impacto ocorre, em geral,
quando o pára-choque atinge as pernas da criança (acima dos joe-
lhos) ou a pelve, lesando o fêmur ou a cintura pélvica. O segundo
impacto ocorre quase logo depois: quando a frente do capô do veícu-
lo continua a mover-se para a frente atingindo o tórax da criança. O
crânio e a face colidem com a frente ou a parte superior do capô do
veículo (figura 88). Em consequência do menor tamanho e peso da
criança, ela pode não ser atirada longe do veículo, como em geral
acontece com o adulto. Em vez disso, a criança pode ser arrastada,
Fig. 83: Queimaduras do asfalto após uma colisão de motocicleta sem
roupas de proteção. ficando com uma parte do corpo sob a frente do carro (figura 89). Se
a criança cair de lado, os membros inferiores também podem ser
atropelados pelas rodas da frente. Se a criança cair de costas ficando
completamente sob o carro, pode sofrer qualquer tipo de lesão (p.

Fig. 85: Fase 2. O tronco do pedestre rola sobre o capô do veículo.

Fig. 84: Fase 1. Quando um pedestre é atingido por um veículo, o impacto


inicial ocorre nas pernas e, às vezes, nos quadris. Fig. 86: Fase 3. A vítima cai do veículo e atinge o solo.

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ex., ser arrastada, atingida por saliências ou atropelada por uma ro- Para complicar ainda mais essas lesões, a criança provavel-
da). mente se vira para o carro por curiosidade, expondo a parte anterior
Se os pés estiverem fixados no chão no momento do impacto, do corpo e a face às lesões, enquanto o adulto tenta escapar e é atin-
a criança recebe uma transferência de energia na parte superior da gido nas costas ou de lado.
perna, nos quadris e no abdome. Isso faz com que o s quadris e o Os adultos são geralmente atingidos primeiro pelo pára-
abdome sejam afastados do ponto de impacto. A parte superior do choque, na porção inferior das pernas, fraturando a tíbia e a fíbula e
tronco vem depois, bem como os pés, que estão fixados. A angula- deslocando as pernas de sob a pelve e o tronco. À medida que a
ção acentuada que ocorre no ponto de impacto pode provocar fratu- vítima se dobra para a frente, a bacia e a porção superior do fêmur
ras na coluna e no fêmur. são atingidas pela frente do capô. Como o abdome e o tórax também
caem para a frente, batem na parte de cima do capô. Essa segunda
colisão, que é significativa, pode provocar fraturas da porção superi-
or do fêmur, da bacia, das costelas e da coluna, bem como causar
lesões intra-abdominais ou intratorácicas graves. Nesse momento, a
lesão de crânio e face vai depender da habilidade de a vítima se pro-
teger com os braços. Se a cabeça da vítima colidir com o capô, ou
se a vítima continuar a mover-se para cima, sobre o capô, de modo a
atingir o pára-brisa, podem ocorrer lesões na face, no crânio e na
coluna.
O terceiro impacto ocorre quando a vítima cai de cima do
veículo, atingindo o chão. A vítima pode sofrer contusão significati-
va sobre o quadril, ombro e crânio, em um lado do corpo. O trauma
crânio-encefálico deve ser sempre considerado e ocorre, em geral, na
colisão da cabeça com o carro ou com o chão. Do mesmo modo, o
Fig. 87: O impacto inicial na criança ocorre quando o veículo atinge a socorrista deve sempre presumir a existência de instabilidade de
parte superior das pernas ou pelve. coluna, porque os três impactos produzem movimento violento e
abrupto de tronco, pescoço e crânio. A avaliação do mecanismo de
trauma deve também incluir a determinação de se a vítima, após ter
caído no chão, foi atingida por um segundo veículo que trafegava ao
lado ou atrás do primeiro.
À semelhança dos adultos, qualquer criança atropelada por um
carro, em geral, sofre trauma crânio-encefálico. Em consequência
das forças violentas e repentinas que atuam sobre crânio, pescoço e
tronco, o socorrista deve presumir que a criança apresenta instabili-
dade da coluna.
O conhecimento da sequência específica dos vários impactos
do atropelamento e o entendimento das múltiplas lesões que pode
causar são os pontos mais importantes para a realização da avaliação
inicial e a determinação do atendimento adequado da vítima.
Fig. 88: O segundo impacto ocorre quando a cabeça e a face da criança
atingem a frente ou a parte de cima do capô do veículo.
9. QUEDAS

Vítimas de queda também podem sofrer lesões causadas por


impactos múltiplos. Estimar a altura da queda, avaliar a superfície
sobre a qual a vítima caiu e determinar que parte do corpo bateu em
primeiro lugar fazem parte da avaliação da biomecânica da queda.
Vítimas que caem de grandes alturas apresentam maior incidência
de lesão, porque a velocidade da queda aumenta à medida que elas
caem. De modo geral, quedas de altura superior a três vezes a altura
da vítima são consideradas graves. O tipo de superfície sobre a qual
a vítima caiu e, particularmente, o grau de compressibilidade
(capacidade de se deformar pela transferência de energia) também
influenciam a distância de parada.
O tipo de queda na qual os pés são a primeira parte do corpo
Fig. 89: A criança pode não ser atirada para longe do veículo, mas pode da vítima a atingir o solo é chamado de síndrome de Don Juan. No
ficar presa e ser arrastada pelo veículo.

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Capítulo 7 - Cinemática do Trauma

entanto, só nos filmes é que o personagem Don Juan pula da sacada, 11. FERIMENTOS POR ARMA BRANCA (FAB)
cai de pé e sai andando sem dor. Na vida real, muitas vezes essa
síndrome associa-se à fratura bilateral do calcâneo (osso do calca- Conhecidas como armas de baixa energia, pois são usadas
nhar), fratura do tornozelo ou fraturas distais da tíbia e da fíbula. com a mão. Essas armas produzem lesão somente com as pontas
Depois que os pés tocam o chão e param de se mover, as pernas são afiadas ou bordas cortantes. Uma vez que as lesões são de baixa
as próximas estruturas do corpo a absorver energia. Podem ocorrer energia, estão geralmente associadas a trauma menor secundário
fraturas de joelhos, de ossos longos e de quadril. Como a cabeça e o (isto é, ocorre menor cavitação). A lesão nas vítimas pode ser previs-
tronco ainda se encontram em movimento, o corpo é forçado a fletir- ta analisando-se a trajetória da arma no corpo. Se a arma tiver sido
se, podendo ocorrer fratura por compressão da coluna torácica e removida, sempre que possível o socorrista deve identificar o tipo de
lombar. Em cada dobra da forma de “S” da coluna ocorre hiperfle- arma usada e o sexo do agressor. Homens possuem tendência de
xão, podendo haver lesão. Pode-se dizer que a vítima tende a que- esfaquear com a lâmina voltada para o lado do polegar e com o im-
brar o seu “S”. pulso para cima, ao passo que mulheres tendem a esfaquear para
Se a vítima cair para a frente sobre as mãos espalmadas, o baixo e seguram a lâmina voltada para o lado do dedo mínimo.
resultado pode ser fratura bilateral de Colles, nos punhos. Se a vítima O agressor pode esfaquear a vítima e girar a faca dentro do
não cair em pé, o socorrista deve avaliar a parte do corpo que colidiu corpo. Um ferimento de entrada simples pode, portanto, dar falsa
primeiro, bem como o trajeto de dissipação de energia e determinar sensação de segurança ao socorrista. O ferimento de entrada pode
o padrão de lesão. ser pequeno, mas a lesão interna pode ser extensa. A extensão de
Se a vítima cair de cabeça, com o corpo quase alinhado, como movimento da lâmina inserida representa a área de provável lesão
acontece em geral em lesões por mergulho em água rasa, toda a (figura 90).
força e o peso do tronco, da bacia e das pernas em movimento com- É importante a avalia-
primem a cabeça e a coluna cervical. Pode ocorrer fratura da coluna ção do paciente à procura de
cervical, como na trajetória por cima da colisão com impacto frontal. lesões associadas. Por exem-
plo, durante a expiração
10. LESÕES POR EXPLOSÃO profunda, o diafragma pode
chegar até o nível da linha do
Essas lesões, antes relacionadas somente aos períodos de guer- mamilo. Um ferimento por
ra, estão tornando-se cada vez mais comuns no mundo civilizado, arma branca na região inferi-
visto acontecerem em refinarias, lojas de fogos de artifício, estalei- or do tórax pode lesar estru-
Fig. 90: A lesão produzida por uma faca
ros, indústrias, minas e também em domicílios, pela explosão de turas torácicas bem como depende do movimento da lâmina dentro
botijões de gás. Explosões podem ferir 70% das pessoas que se en- intra-abdominais. da vítima.
contram nas vizinhanças, ao passo que uma arma automática, usada A gravidade dos ferimentos por arma branca depende das
contra um grupo semelhante de pessoas, pode ferir somente 30% regiões anatômicas atingidas, da extensão da lâmina e do ângulo de
delas. penetração, lembrando que o ferimento no abdome superior pode
A explosão tem três fases: atingir o tórax, e ferimentos abaixo do quarto espaço intercostal,
podem penetrar o abdome.
1. Primária. Causada pela onda de pressão proveniente da É fundamental, no atendimento pré-hospitalar de ferimentos
explosão, atinge particularmente órgãos ocos ou contendo ar, como por arma branca, cuja lâmina ainda se encontre alojada no corpo,
pulmões e aparelho gastrointestinal. Podem ocorrer sangramento não remover o objeto e, sim, imobilizá-lo junto ao corpo e transpor-
pulmonar, pneumotórax, perfuração de órgãos do aparelho digestó- tar rapidamente a vítima ao hospital.
rio. A onda de pressão rompe a parede de pequenos vasos sanguí- A lâmina pode estar promovendo compressão das extremida-
neos e também lesa o sistema nervoso central. A vítima morre sem des vasculares, o que contém hemorragias, só devendo ser removida
que se observem lesões externas. O socorrista, sempre atento a essas em ambiente hospitalar.
possibilidades, pesquisa sinais de queimadura nas áreas descobertas
do corpo. 12. FERIMENTOS POR ARMA DE FOGO (FAF)

2. Secundária. Em vítima atingida por estilhaços e outros As armas de fogo dividem-se em dois grupos: média e alta
materiais provenientes da explosão, é possível encontrar lacerações, energia. As armas de média energia são os revólveres e alguns rifles.
fraturas, queimaduras e perfurações. À medida que aumenta a quantidade de pólvora contida no cartucho,
a velocidade da bala e, portanto, a sua energia cinética também au-
3. Terciária. Se a vítima é lançada contra um objeto, haverá mentam.
lesões no ponto do impacto e a força da explosão se transfere a ór- Em geral, armas de média e alta energia lesam não apenas os
gãos do corpo. Elas são aparentes e muito similares àquelas das tecidos diretamente no seu trajeto, como também os tecidos de cada
vítimas ejetadas de veículos ou que sofrem queda de grandes alturas. lado do trajeto. As variáveis de perfil, rolamento e fragmentação
influenciam na extensão e na direção da lesão. A pressão sobre as

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partículas de tecido, que são mobilizadas para fora da trajetória direta Outra consideração na avaliação das lesões decorrentes de
do projétil, comprime e estira o tecido ao redor. Uma cavidade tem- ferimentos por arma de fogo é o raio ou a distância de onde a arma
porária está sempre associada a armas de média ou alta energia. Essa (tanto de média como de alta energia) foi disparada. A resistência do
cavidade é três a seis vezes o tamanho a da área de superfície frontal ar diminui a velocidade do projétil; portanto, aumentando-se a dis-
do projétil (figura 91). tância, diminui-se a velocidade no momento do impacto, o que pro-
duz menos lesão. A maioria dos disparos de revólver ocorre a curta
distância, de tal forma que existe grande probabilidade de provocar
lesões graves.

12.1. Orifícios de Entrada e de Saída

A lesão tecidual ocorre no local de entrada do corpo, no trajeto


do projétil e no local de saída do corpo. O conhecimento da posição
da vítima, da posição do agressor e da arma utilizada é essencial para
a determinação do trajeto lesado.
Fig. 91: Um projétil esmaga os tecidos que se encontram direta- A avaliação dos locais dos ferimentos fornece informações
mente em seu trajeto. Uma cavidade é criada no rastro da bala. A valiosas para guiar o atendimento do paciente e orientar o hospital
parte esmagada é permanente. A expansão temporária também
pode produzir lesão.
que receberá a vítima. Dois orifícios no abdome da vítima indicam
que um único projétil entrou e saiu ou que ainda há dos projéteis no
As armas de alta energia são as armas de combate, os rifles de corpo? O projétil cruzou a linha média (em geral provocando lesões
caça e outras armas que disparam projéteis com alta velocidade. Tais mais graves) ou permaneceu no mesmo lado da entrada? Qual a
projéteis não criam somente um rastro permanente, mas produzem direção do projétil? Que órgãos provavelmente se encontram no
uma cavidade temporária muito maior do que os projéteis de baixa trajeto do projétil?
velocidade. Essa cavidade temporária expande-se muito além dos Ferimentos de entrada e de saída produzem padrões identificá-
limites do rastro verdadeiro do projétil, lesando uma área mais am- veis de lesão de partes moles. O ferimento de entrada do projétil de
pla do que aparece na avaliação inicial. A lesão tecidual é muito arma fogo é feito contra o tecido subjacente, mas o ferimento de
mais extensa quando produzida por um objeto penetrante de alta saída não tem sustentação. O primeiro ferimento é redondo ou oval,
energia do que por um de média energia. O vácuo criado pela cavi- e o último é estrelado (explosão em estrela) (figura 94). Como o
dade aspira roupas, bactérias e outros fragmentos de áreas próximas projétil está girando em torno de seu eixo, quando penetra na pele,
para o interior da ferida. deixa uma pequena área de abrasão (1 a 2 mm de tamanho), que é
rósea (figura 95). Não existe abrasão no orifício de saída. Se a boca
da arma de fogo por colocada diretamente contra a pele no momento
do disparo, os gases em expansão penetram no tecido e produzem
crepitação ao exame físico (figura 96).
Os gases queimam a pele em uma extensão de 5 a 7 cm, a
fumaça adere à pele na extensão de 5 a 15 cm, e as partículas de
pólvora tatuam a pele, deixando pequenas regiões (1 a 2 mm) quei-
madas em uma área de 25 cm (figura 96).

Fig. 92: Ferimento tangencial no couro cabeludo por projétil de


alta velocidade. Não houve penetração do crânio.

Fig. 93: Ferimento causado por projétil de alta velocidade na Fig. 94: O orifício de entrada é redondo ou oval, e o orifício de
perna, evidenciando a grande cavidade permanente. saída é estrelado ou linear.

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13.1. Cabeça

Depois que o projétil penetra na calota craniana, sua energia é


distribuída dentro de um espaço fechado. As partículas aceleradas
para longe do projétil são empurradas contra a calota craniana rígida,
que não se pode expandir como a pele. Portanto, o tecido cerebral é
comprimido contra a face interna da calota craniana, produzindo
mais lesão do que se ela pudesse se expandir livremente. Se as for-
ças forem suficientemente fortes, a calota craniana pode explodir de
dentro para fora.
Se entrar em determinado ângulo e não tiver força para sair, a
bala pode seguir a curvatura do interior da calota craniana. Essa
trajetória pode produzir lesões importantes (figura 98). Esse tipo de
lesão é característico de projéteis de média velocidade, como as
Fig. 95: A borda com abrasão indica que o projé- pistolas calibre 22 e 25, que por essa razão foram chamadas de
til apresentou uma trajetória de cima para baixo
e da direita para a esquerda.
“armas assassinas”.

Fig. 96: Os gases quentes provenientes da boca Fig. 98: O projétil pode seguir a curvatura do crânio.
da arma de fogo mantida próxima à pele produ-
zem queimaduras de segundo e de terceiro grau.
13.2. Tórax

Existem três grupos importantes de estruturas dentro da cavi-


dade torácica: os pulmões, o sistema vascular e o trato gastrointesti-
nal.

13.3. Pulmões

Como o tecido pulmonar é menos denso que o sangue, os


órgãos sólidos ou os ossos, um objeto penetrante causa menos lesão
no pulmão que nos outros tecidos torácicos. Como a maior parte da
área percorrida pelo projétil é ocupada por ar, existem menos partí-
culas atingidas e menos energia a ser transferida, portanto a lesão
Fig. 97: A rotação e a compressão na entrada produzem orifícios redondos
produzida é menor. Entretanto, a lesão pulmonar pode ter importân-
ou ovais. Na saída, o ferimento é alargado. cia clínica (figura 99).

13. EFEITOS REGIONAIS DOS FERIMENTOS PE- 13.4. Sistema Vascular


NETRANTES
Pequenos vasos não aderidos à parede torácica podem ser
A seguir, discutiremos as lesões que ocorrem nas várias partes empurrados lateralmente sem que sofram lesão importante. Entre-
do corpo nos ferimentos penetrantes. tanto, se grandes vasos, como a aorta e a cava, forem atingidos, eles

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não poderão mover-se com facilidade lateralmente, tornando-se


mais suscetíveis à lesão.
Quando o
projétil atraves-
sa o miocárdio,
ocorre disten-
são seguida de
contração,
ficando um
pequeno defei-
to. A espessura
do músculo
pode controlar
um ferimento Fig. 100: Os próprios fragmentos ósseos tornam-se
Fig. 99: Lesão pulmonar causada pela cavidade, distan- penetrante de projéteis secundários, causando lesão pelo mesmo
te do ponto de impacto. baixa energia, mecanismo que o objeto penetrante original.

como os causa- 14. O USO DA BIOMECÂNICA NA AVALIAÇÃO


dos por faca ou por munição de calibre 22, evitando exsanguinação
A avaliação da vítima traumatizada deve envolver o conheci-
imediata e dando tempo para transportar a vítima para o hospital
mento da biomecânica. Por exemplo, um motorista que se choca
apropriado.
com o volante (trauma fechado) terá uma grande cavidade no seu
tórax no momento do impacto. No entanto, o tórax retorna rapida-
13.5. Trato Gastrointestinal
mente à sua forma original, ou quase, quando se afasta do volante.
Se dois socorristas examinarem o paciente separadamente — um
O esôfago, o segmento do trato gastrointestinal que atravessa a
que entende a biomecânica e outro que não — o que tem conheci-
cavidade torácica, pode ser perfurado deixando vazar seu conteúdo
mento de biomecânica se ocupará apenas da abrasão visível no tórax
para a cavidade. Os sinais e sintomas dessa lesão podem demorar
da vítima. O socorrista que conhece a biomecânica reconhecerá a
várias horas ou vários dias para aparecer.
presença de uma grande cavidade no momento do impacto; que as
costelas tiveram de se dobrar para dentro para que se formasse a
13.6. Abdome
cavidade; e que o coração, os pulmões e os grandes vasos foram
comprimidos pela formação da cavidade. Portanto, o socorrista pre-
O abdome contém estruturas de três tipos: preenchidas por ar,
parado suspeitará de lesões do coração, dos pulmões, dos grandes
sólidas e ósseas. A penetração por projétil de baixa energia pode não
vasos e da parede torácica. O outro socorrista nem se preocupará
causar lesão importante; somente 30% dos ferimentos por arma
com essas possibilidades.
branca na cavidade abdominal requerem exploração cirúrgica para
O socorrista competente avaliará as lesões, cuidará da vítima e
corrigir lesões. Lesão de média energia (p. ex., ferimento por revól-
iniciará o transporte com mais rapidez, suspeitando de lesões intrato-
ver) produz mais lesão — 85% a 95% necessitam de tratamento
rácicas mais graves em vez de tratar o que parece ser apenas uma
cirúrgico. Entretanto, mesmo com as lesões provocadas por projéteis
pequena contusão de partes moles. Identificação precoce, compreen-
de média energia, o dano às estruturas sólidas e vasculares podem
são adequada e tratamento apropriado da lesão adjacente influencia-
não causar exsanguinação imediata. O controle temporário da he-
rão significativamente no resultado, isto é, se o paciente irá sobrevi-
morragia pode ser feito indiretamente por compressão, com enfaixa-
ver ou morrer.
mento ou pneumática, usando a calça pneumática antichoque
Em todos os casos descritos, deve-se atender a vítima empre-
(PASG). Isso permite ao socorrista transportar o paciente para o
gando os protocolos de avaliação inicial: ABCDE; exame primário e
hospital a tempo de ser submetido à intervenção cirúrgica eficiente.
secundário, e aplicar os tratamentos adequados às lesões existentes.
Muitas vezes a vítima apresenta dois ou três tipos de lesões conco-
13.7. Extremidades
mitantes.
Nos casos em que a vítima não está utilizando o cinto de segu-
Ferimentos penetrantes de extremidades podem causar lesões
rança ou o veículo possui somente o cinto de segurança de dois pon-
ósseas, musculares ou vasculares. Quando os ossos são atingidos,
tos, a gravidade das lesões pioram e a velocidade também é o fator
seus fragmentos tornam-se projéteis secundários que laceram tecidos
importante para tal.
vizinhos (figura 100). Os músculos são afastados do trajeto do projé-
Nos casos em que a vítima é arremessada para fora do veículo,
til,ocorrendo hemorragia. Os vasos sanguíneos podem ser perfura-
aumenta-se a chance de lesões graves em 400%.
dos pelo projétil, ou, quando o projétil passa de raspão, ele pode lesar
Todas as informações colhidas na cena do acidente são impor-
o revestimento interno do vaso, provocando coagulação e obstrução,
tantes para a equipe médica. Ao entregar a vítima no hospital, essas
que pode ocorrer em minutos ou horas.
informações deverão ser repassadas à equipe intra-hospitalar.

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Capítulo 8
Sinais Vitais

S inais vitais são indicadores das funções vitais do


corpo e podem orientar o diagnóstico inicial como
também acompanhar a evolução do quadro clínico da vítima.
A verificação dos sinais vitais é essencial na avaliação da víti-
1.1. Taquicardia

Taquicardia é o aumento da frequência cardíaca (acima de 100


bpm nos adultos). Em vítimas de trauma pode ocorrer por hipóxia
ou hipovolemia. Pode estar associada também a derrame pericárdico
ma. É realizada simultaneamente à história e exame físico. São mais ou a outras causas, como por exemplo: febre, medo, sepse e exercí-
significativos quando obtidos em série, possibilitando o acompanha- cios físicos. A taquicardia sem uma causa óbvia pode indicar um
mento de suas variações, e seus valores devem ser analisados con- evento cardíaco primário. Embora a ansiedade e a dor possam cau-
forme a situação clínica. sar taquicardia, em vítimas de trauma, até prova em contrário, deve-
Na obtenção dos sinais vitais (pressão sanguínea, temperatura, mos julgar que ela seja decorrente de hipóxia ou choque hipovo-
frequência respiratória e pulso) devemos considerar algumas varia- lêmico ou cardiogênico.
ções que são: A taquicardia aumenta a carga de trabalho do coração. O débi-
 Condições ambientais, tais como temperatura e umidade to cardíaco diminui na taquicardia extrema devido a um tempo ina-
do local; dequado para o enchimento diastólico.
 Condições pessoais, como exercício físico recente, tensão
emocional e alimentação; 1.2. Bradicardia
 Condições do equipamento. Devem ser apropriados e
calibrados regularmente. O socorrista deve estar atento, pois o uso de Bradicardia é a diminuição da frequência cardíaca (abaixo de
equipamentos inapropriados ou descalibrados podem resultar em 60 bpm nos adultos). Nas vítimas de trauma pode estar associada a
valores falsos. choque neurogênico. Pode estar associada também a doenças primá-
rias do coração ou doenças da tireóide.
1. PULSO
1.3. Locais para Obtenção do Pulso
Pulso é a onda provocada pela pressão do sangue contra a
parede arterial cada vez que o ventrículo esquerdo se contrai. Em Os melhores locais para se palpar o pulso são onde artérias de
locais onde as artérias de grosso calibre se encontram próximas à grosso calibre se encontram próximas à superfície cutânea e possam
superfície cutânea, pode ser sentido à palpação. Cada onda de pulso ser comprimidas contra uma superfície firme (normalmente um
sentida é um reflexo do débito cardíaco, pois a frequência de pulso osso). As artérias radiais, ao nível dos punhos, são mais comumente
equivale à frequência cardíaca. Débito cardíaco é o volume de san- usadas na checagem do pulso em vítimas conscientes. As artérias
gue bombeado por cada um dos lados do coração em um minuto. carótidas, ao nível do pescoço, são normalmente usadas para palpa-
A determinação do pulso é parte integrante de uma avaliação ção do pulso em vítimas inconscientes. Pode-se também sentir o
cardiovascular. Além da frequência cardíaca (número de batimentos pulso palpando as seguintes artérias: femoral na raiz da coxa, braqui-
cardíacos por minuto), os pulsos também devem ser avaliados em al no braço, axilar na axila e pedioso no dorso do pé.
relação ao ritmo (regularidade dos intervalos — regular ou irregular)
e ao volume (intensidade com que o sangue bate nas paredes arteri- 1.4. Procedimentos para Palpação do Pulso
ais — forte e cheio ou fraco e fino). O pulso fraco e fino, também
chamado filiforme, geralmente está associado à diminuição do volu- 1) Relaxe a vítima. Para palpar o pulso radial, mantenha o
me sanguíneo (hipovolemia). braço da vítima descansando confortavelmente, preferencialmente
Sob circunstâncias normais, existe um relacionamento com- cruzando a parte inferior do tórax. Para o pulso carotídeo, palpe a
pensatório entre a frequência cardíaca e o volume sistólico. Esta cartilagem tireóide no pescoço (Pomo de Adão) e deslize os dedos
compensação é vista claramente no choque hipovolêmico, no qual lateralmente até sentir o pulso.
um volume sistólico diminuído é equilibrado por uma frequência 2) Use dois ou três dedos para encontrar e sentir o pulso. Use
cardíaca aumentada e o débito cardíaco tende a permanecer constan- somente a ponta dos dedos e nunca o polegar (usando o polegar o
te. examinador poderá sentir seu próprio pulso digital).
Podem ser considerados normais os seguintes índices de fre- 3) Evite muita pressão. Pressionando forte poderá interromper
quência cardíaca (em batimentos por minuto): o pulso da vítima.
Adultos — 60 a 100 bpm; 4) Sinta e conte o pulso durante 30 ou 60 segundos (se contar
Crianças — 80 a 120 bpm; por 30 segundos, multiplique por dois). Use relógio que marque os
Bebês — 100 a 160 bpm. segundos.
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

5) Anote a frequência, o ritmo e o volume do pulso, bem co- tando várias fraturas de costela, com 40 mrpm, mobilizando 100 ml
mo a hora da medição. Exemplo: Pulso: 72, regular, cheio, de ar em cada movimento respiratório, mobilizaria quatro litros de ar
10h50min. por minuto.
Em vítima com doença cardíaca, o ideal é medir o pulso du- Podem ser encontradas as seguintes alterações nos padrões
rante um minuto. Sentir o pulso de uma criança muito pequena é respiratórios:
difícil: o pescoço de comprimento curto e, algumas vezes rico em  Apnéia — Cessação intermitente (10 a 60 segundos) ou
gordura, torna difícil localizar o pulso carotídeo, sendo recomendá- persistente (parada respiratória) das respirações;
vel que seja pesquisado o pulso braquial. Com o crescimento, torna-  Bradipnéia — Respiração lenta e regular;
se possível a palpação dos vasos periféricos. Ao atender uma criança  Taquipnéia — Respiração rápida e regular;
pesquise os diversos locais de pulso até encontrar aquele mais aces-  Dispnéia — Respiração difícil que exige esforço aumenta-
sível. do e uso de músculos acessórios.
 Ortopnéia — Impossibilidade de respirar em outra posição
2. RESPIRAÇÃO senão a em que o tórax esteja ereto.

Respiração é o 2.1. Procedimentos para Análise da Respiração


processo através
do qual ocorre 1) Se possível, estando a vítima consciente, coloque o braço da
troca gasosa entre mesma cruzando a parte inferior do tórax. Segure o pulso da mesma
a atmosfera e as enquanto estiver observando a respiração, como se estivesse palpan-
células do organis- do o pulso radial.
mo. É composta 2) Aproxime sua face do rosto da vítima, olhando para o seu
pela ventilação e tórax. Com o tato da pele do seu rosto e com a sua audição você vai
pela hematose. Na perceber o movimento da corrente de ar mobilizada pela respiração
ventilação ocorre a e com a visão você irá observar os movimentos de subida e descida
Fig. 101: Hematose. entrada de ar rico do tórax e/ou do abdome.
em oxigênio para os pulmões (inspiração) e a eliminação de ar rico 3) Conte os movimentos respiratórios durante um minuto (use
em dióxido de carbono para o meio ambiente (expiração). A hema- relógio com marcação de segundos). Ao mesmo tempo observe o
tose consiste na liberação de dióxido de carbono e captação de oxi- caráter e o ritmo da respiração.
gênio feita pelas hemácias durante a perfusão pulmonar. Perfusão 4) Anote a frequência respiratória, o caráter, o ritmo e a hora.
pulmonar é a passagem do sangue pelos capilares pulmonares, que Exemplo: Respiração superficial, silenciosa, 16 mrpm, 10h50min.
por sua vez estão em íntimo contato com os alvéolos pulmonares. Em crianças muito pequenas o movimento torácico é menos
A avaliação da respiração inclui: frequência respiratória evidente que nos adultos e, usualmente, ocorre próximo ao abdome.
(movimentos respiratórios por minuto — mrpm), caráter (superficial A mão colocada levemente sobre a parte inferior do tórax e superior
ou profunda; silenciosa ou ruidosa) e ritmo (regular ou irregular). do abdome pode facilitar a contagem da atividade respiratória. Por
Deve ser avaliada sem que a vítima perceba, preferencialmente en- causa do pequeno volume e da reduzida força do fluxo de ar, em
quanto se palpa o pulso radial, para evitar que a vítima tente consci- crianças também é quase impossível ouvir a respiração normal ou
entemente controlar a respiração. Avalie a frequência respiratória sentir a movimentação do ar através da boca e do nariz.
tendo em vista os sinais e sintomas de comprometimento respirató-
rio: cianose, inquietação, dispnéia, ortopnéia, sons respiratórios anor-
mais.
A frequência respiratória pode variar com a idade:
 Adultos — 12 a 20 movimentos respiratórios por minuto
(mrpm);
 Crianças — 20 a 30 mrpm;
 Bebês — 30 a 60 mrpm.
Outros fatores podem alterar a respiração como exercícios
físicos, hábito de fumar, uso de medicamentos e fatores emocionais.
Em um adulto em repouso a profundidade da respiração ou o
volume de ar inalado é aproximadamente 500 ml por inspiração.
Uma frequência respiratória rápida não significa, necessariamente,
que a vítima está movimentando maior quantidade de ar. Por exem-
plo: um adulto em condições normais, com 16 mrpm, mobilizaria Fig. 102: Verificação da respiração.
oito litros de ar por minuto, enquanto uma vítima de trauma apresen-

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Capítulo 8 - Sinais Vitais

3. PRESSÃO ARTERIAL A pressão sanguínea é difícil de ser obtida em crianças. O


manguito deve ter largura de dois terços em relação ao comprimento
A pressão arterial (PA) é a pressão exercida pelo sangue no da porção da extremidade onde será medida a PA (manguitos maio-
interior das artérias. Depende da força desenvolvida pela sístole res dão leituras falsamente baixas e manguitos menores dão leituras
ventricular, do volume sanguíneo e da resistência oferecida pelas falsamente elevadas). Os dois métodos a seguir descritos (palpatório
paredes das artérias. e auscultatório) são usados para obter a PA em crianças. O este-
O sangue sempre está sob pressão no interior das artérias. toscópio deve ter um diafragma pequeno o suficiente para cobrir
Durante a contração do ventrículo esquerdo (sístole) a pressão está apenas a área sobre o ponto do pulso (estetoscópios pediátricos são
no seu valor máximo, sendo chamada pressão sistólica ou máxima. úteis).
Durante o relaxamento do ventrículo esquerdo (diástole) a pressão
está no seu valor mínimo ou basal, sendo chamada pressão diastólica 3.1.1. Método Auscultatório
ou mínima.
A pressão arterial é medida em milímetros de mercúrio 1) Posicione a vítima com o braço apoiado ao nível do cora-
(mmHg). O primeiro número, de maior valor, corresponde à pressão ção. Use sempre que possível o braço não traumatizado.
sistólica, enquanto o segundo, de menor valor, corresponde à pres- 2) Localize o manômetro de modo a visualizar claramente os
são diastólica. Não há um valor preciso de pressão normal, mas, em valores da medida.
termos gerais, diz-se que o valor de 120/80 mmHg é o valor consi- 3) Selecione o tamanho da braçadeira para adultos ou crianças.
derado ideal para um adulto jovem, entretanto, medidas até 140 A largura do manguito deve corresponder a 40% da circunferência
mmHg para a pressão sistólica e 90 mmHg para a diastólica também braquial e seu comprimento a 80%.
podem ser aceitas como normais. 4) Localize a artéria braquial ao longo da face interna superior
Valores médios de pressão arterial considerados ideais de do braço palpando-a.
acordo com a idade: 5) Envolva a braçadeira, suave e confortavelmente, em torno
 04 anos — 85/60 mmHg; do braço, centralizando o manguito sobre a artéria braquial. Mante-
 06 anos — 95/62 mmHg; nha a margem inferior da braçadeira 2,5cm acima da dobra do coto-
 10 anos — 100/65 mmHg; velo. Encontre o centro do manguito dobrando-o ao meio.
 12 anos — 108/67 mmHg; 6) Determine o nível máximo de insuflação palpando o pulso
 16 anos — 118/75 mmHg; radial até seu desaparecimento, registrando o valor (pressão sistólica
 Adultos — 120/80 mmHg; palpada) e aumentando mais 30 mmHg.
7) Desinfle rapidamente o manguito e espere de 15 a 30 se-
 Idosos — 140 a 160/90 a 100 mmHg.
gundos antes de insuflá-lo novamente.
A posição em que a vítima se encontra (em pé, sentado ou 8) Posicione o estetoscópio sobre a artéria braquial palpada
deitado), atividade física recente e manguito inapropriado também abaixo do manguito na fossa antecubital. Deve ser aplicado com
podem alterar os níveis da pressão. leve pressão assegurando o contato com a pele em todos os pontos.
Vítimas particularmente sob o risco de alteração dos níveis 9) Feche a válvula da pêra e insufle o manguito rapidamente
tensionais são aquelas com doença cardíaca, doença renal, diabetes, até 30 mmHg acima da pressão sistólica palpada registrada.
hipovolemia ou com lesão craniana ou coluna espinhal. 10) Desinfle o manguito de modo que a pressão caia de 2 a 3
O local mais comum de verificação da pressão arterial é no mmHg por segundo.
braço, usando como ponto de ausculta a artéria braquial. Os equipa- 11) Identifique a pressão sistólica (máxima) observando no
mentos usados são o esfigmomanômetro e o estetoscópio. manômetro o ponto correspondente ao primeiro batimento regular
Uma pressão sanguínea normal não deve ser considerada audível.
como uma clara indicação de estabilidade. Os pacientes saudáveis e 12) Identifique a pressão diastólica (mínima) observando no
jovens são particularmente propensos a compensar o déficit de volu- manômetro o ponto correspondente ao último batimento regular
me. audível.
13) Desinfle totalmente o aparelho com atenção voltada ao
3.1. Procedimentos para Medir a Pressão Arterial completo desaparecimento dos batimentos.
14) Retire
Em casos de longa duração do atendimento pré-hospitalar o aparelho do
(resgates em locais de difícil acesso e remoção), medir a PA a cada 5 braço e guarde-o
minutos, anotando cada horário de tomada e respectivos valores. cuidadosamente
Deve-se explicar para a pessoa o que será realizado. É comum afim de evitar
entre profissionais de saúde ocultar da vítima o valor medido. Isto danos.
costuma resultar em grande ansiedade para a pessoa e, algumas
vezes, em desconforto afetivo para ambos. O mais correto é, se a
vítima perguntar o valor da pressão, informá-lo de forma neutra e
imparcial. Fig. 103: Esfigmomanômetro.
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15) Anote a PA e a 4. TEMPERATURA


hora. Exemplo PA.
126 X 84, 10h55min. Existem vários fatores que influenciam no controle da tempe-
ratura corporal, sendo influenciada por meios físicos e químicos e o
3.1.2. Método Palpa- controle feito através de estimulação do sistema nervoso. A tempera-
tório tura reflete o balanceamento entre o calor produzido e o calor perdi-
do pelo corpo.
Este método de medir A temperatura do corpo é registrada em graus Celsius
a PA aplica-se somente (centígrados). O termômetro clínico de vidro, mais usado, tem duas
à pressão sistólica e partes: o bulbo e o pedúnculo. O bulbo contém mercúrio; um metal
não é muito preciso. líquido, o qual se expande sob a ação do calor e sobe pelo interior do
Fig. 104: Aparelho digital de verificação da PA. Em um veículo em pedúnculo, indicando a temperatura.
movimento, todavia, ele poderá ser o único método viável, permitin- Normalmente, os termômetros clínicos são calibrados em
do observar a tendência geral da pressão sistólica que, a rigor, é a graus e décimos de graus, na faixa de temperatura de 35ºC a 42ºC.
que realmente importa no atendimento pré-hospitalar do traumatiza- Não é necessária uma faixa de temperatura mais ampla, pois rara-
do. mente o ser humano sobrevive com temperatura corporal fora desta
1) Coloque as pontas dos dedos no pulso radial. Sinta o pulso. faixa.
2) Infle o manguito até ultrapassar um valor em que cesse o O índice normal de temperatura é de 37ºC, admitindo-se varia-
pulso. ções de até 0,6ºC para mais ou para menos. As crianças têm tempe-
3) Vagarosamente esvazie o manguito, olhando o mostrador raturas mais altas que os adultos, porque seu metabolismo é mais
ou a coluna de mercúrio. acelerado. Tem-se observado que a temperatura do corpo é mais
4) Quando perceber o retomo do pulso, leia a pressão sistólica baixa nas primeiras horas da manhã, e mais alta no final da tarde ou
aproximada. no início da noite.
5) Anote a PA, hora e método usado. Exemplo: PA 120 A temperatura corporal pode se elevar em situações de infec-
(palpação), 10h55min. ção, trauma, medo, ansiedade, etc. Exposição ao frio e choque são
causas frequentes de temperatura abaixo do normal.
3.2. Causas de Resultados Incorretos na Medida da Pres-
são Arterial 4.1. Procedimentos e Locais para Verificação da Tempera-
tura
3.2.1. Causas Relacionadas ao Equipamento
O termômetro deve estar seco (se necessário enxugue com
 Aparelhos descalibrados ou inadequadamente calibrados algodão ou gaze) e marcando temperatura inferior a 35ºC (se neces-
ou testados. sário sacudi-lo cuidadosamente até que a coluna de mercúrio desça).
 Defeitos do esfigmomanômetro: orifício de ar obstruído, A temperatura corporal pode ser medida nos seguintes locais:
manguito incompletamente vazio, tubulação defeituosa, sistema de Boca — Temperatura Oral: Colocar o termômetro de vidro
inflação ou válvula de escape, mercúrio insuficiente no reservatório sob a língua da vítima, na bolsa sublingual posterior. Fazer com que
ou indicador zero errado. a vítima mantenha o termômetro no local por 3 a 8 minutos com
 Estetoscópio danificado. lábios fechados. O método é conveniente, mas é contra-indicado
 Tamanho da braçadeira em desacordo com o tamanho do para crianças pequenas; em pacientes com estado mental alterado,
braço. Circunferência do membro em relação à variação da largura trauma facial ou distúrbio convulsivo; após fumar ou beber líquidos
da braçadeira maior ou menor que 2,5 produz leituras de pressão quentes ou frios; durante administração de oxigênio por cânula ou
indireta falsamente altas ou baixas respectivamente. máscara; e na presença de sofrimento respiratório.
Canal anal — Temperatura Retal: Para o adulto, inserir três
3.2.2. Causas Relacionadas ao Examinador centímetros do termômetro lubrificado no ânus. Não forçar o termô-
metro. Mantê-lo no local por 2 a 4 minutos. O método oferece tem-
 Braço da vítima sem apoio incorrem em pressões falsa- peratura central e é indicado para aqueles que respiram pela boca
mente altas. com suspeita de infecção grave. É contra-indicado após cirurgia ou
 O examinador posiciona o instrumento acima ou abaixo ferimento no reto e em pacientes com hemorróidas. Esta medição
do coração ou comprime o estetoscópio demasiadamente firme não é usual no ambiente pré-hospitalar.
sobre o vaso. Axila — Temperatura axilar: Mais utilizado, tendo em vista a
facilidade. Colocar o termômetro no centro da axila, mantendo o
 Mãos do examinador e equipamento frios provocam au-
braço da vítima de encontro ao corpo, e mantê-lo ali por 3 a 8 minu-
mento da pressão sanguínea.
tos.
 Interação entre examinado e examinador pode afetar a
leitura da pressão arterial.

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Capítulo 9
Abordagem Inicial—Exame Primário

O socorrista tem três prioridades na chegada ao local:


1. A primeira prioridade para todos os envolvidos em
ouvindo e processando o máximo de informação possível, incluindo
os mecanismos de trauma, a situação atual e o grau geral de segu-
rança.
um incidente de trauma é a avaliação da cena. Avaliação da cena Da mesma forma que as condições do paciente podem melho-
significa assegurar-se de que a cena esteja segura e considerar cuida- rar ou se deteriorar, o mesmo pode ocorrer com as condições da
dosamente a natureza exata da situação. A avaliação da segurança e cena. Quando se avalia a cena inicialmente e depois não se verifica
da situação da cena pode ser iniciada no trajeto até o local com base se houve alguma alteração, pode haver sérias consequências para o
em informações fornecidas pela central quando a unidade do serviço socorrista e para o paciente.
de emergência chega ao local e quando os socorristas se aproximam A avaliação da cena inclui os seguintes dois componentes
do paciente; no entanto, os aspectos identificados nessa avaliação principais:
devem ser considerados antes do início da avaliação individual dos 1. Segurança. A primeira preocupação ao aproximar-se de
qualquer cena é a segurança da equipe. Ninguém deve tentar um
pacientes. Em algumas situações, como em combate ou em situa-
salvamento a menos que esteja treinado para fazê-lo. Quando o
ções táticas, isso se torna ainda mais crítico e pode alterar a forma de
socorrista se torna uma vítima, ele não estará mais apto a atender
aplicar os princípios de atendimento do paciente.
outras pessoas e aumentará o número de vítimas, diminuindo o
2. Uma vez realizada a avaliação da cena, deve-se voltar a
número de socorristas. O atendimento ao paciente deve aguardar até
atenção para a avaliação de cada paciente. A avaliação da cena in-
que a cena esteja segura.
clui uma forma resumida de triagem, de modo que os pacientes
A segurança da cena não diz respeito apenas à segurança do
mais graves sejam avaliados primeiro. A ênfase em ordem de priori-
socorrista, mas também à do paciente. Todo o paciente em situação
dades deve ser: (a) condições que possam resultar em perda da vida; perigosa deve ser retirado para uma área segura antes de se inicia-
(b) condições que possam resultar em perda de membros; (c) todas rem a avaliação e o tratamento. Os riscos para a segurança de paci-
as outras condições que não ameacem a vida ou os membros. entes ou socorristas incluem fogo, fios elétricos caídos, explosivos,
3. Se a cena envolver mais de um paciente, a situação é classi- materiais perigosos (incluindo sangue ou fluidos corporais), tráfego
ficada ou como incidente com várias vítimas ou como incidente de veículos, inundações, armas (p. ex., revólveres, facas) e condi-
com múltiplas vítimas (desastre). Em uma situação de desastre, a ções ambientais. Além disso, pode haver ainda um agressor no local
prioridade muda: em vez de dirigir todos os recursos para o paciente e ele pode interferir, ameaçando o paciente, os socorristas ou outras
mais grave, deve-se dirigi-las para o salvamento do maior número pessoas.
possível de vítimas, isto é, fazer o melhor pelo maior número. O 2. Situação. A avaliação da situação vem depois da avaliação
capítulo 31 abordará com maior ênfase essa questão. da segurança. O que realmente aconteceu? Por que foi solicitada
ajuda? Qual foi o mecanismo de trauma (biomecânica) e que forças
1. AVALIAÇÃO DA CENA e energias provocaram as lesões nas vítimas? (Ver Capítulo 7.)
Quantas pessoas estão envolvidas e quais são suas idades? São ne-
A avaliação do paciente inicia-se bem antes de o socorrista cessárias mais unidades para tratamento ou transporte? É necessária
chegar ao mesmo. O despacho inicia o processo, fornecendo infor- ajuda mútua? São necessários outros recursos ou pessoal (p. ex.,
mação acerca do incidente e da vítima, com base em relatos das polícia, Suporte Avançado de Vida — SAV, companhia elétrica)? É
testemunhas ou em informações fornecidas por outras unidades que necessário equipamento especial para salvamento ou retirada de
chegaram antes ao local. O processo de obtenção de informações no ferragens? É necessário transporte aéreo? O fator que levou ao trau-
local começa imediatamente à chegada. Antes de fazer contato com ma pode ter sido um problema clínico (p. ex., uma colisão de veícu-
o paciente, o socorrista deve avaliar a cena, (1) observando familia- los resultante de um ataque cardíaco do motorista)?
res e circunstantes, (2) pesquisando as consequências do incidente e Questões relacionadas com a segurança e com a situação so-
(3) obtendo uma impressão geral da situação. Grande parte das le- brepõem-se bastante; muitos tópicos de segurança também são es-
sões pode ser prevista com base na compreensão da biomecânica e pecíficos para certas situações, e certas situações trazem vários ris-
seus efeitos sobre os pacientes. cos de segurança.
Dedicar algum tempo para se preparar mentalmente para um
chamado e praticar princípios básicos de comunicação entre colegas 1.1. Violência
pode fazer a diferença entre uma ocorrência bem conduzida e uma
Os socorristas devem-se lembrar de que todo o atendimento
confrontação hostil (ou uma agressão física). Boa observação, per-
pode ter um ambiente emocionalmente delicado. O paciente, a famí-
cepção e capacidade de comunicação são as melhores ferramentas.
lia e os demais circunstantes podem não ter a capacidade de enfrentar
A aparência do local cria uma impressão que influencia toda a
avaliação. Por isso, é fundamental avaliar a cena corretamente. Há a situação de forma racional. Esses indivíduos podem pensar que o
uma profusão de informações a ser colhida simplesmente olhando, tempo de resposta da equipe foi muito longo, podem estar muito
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

sensíveis a palavras ou ações e podem compreender mal a aborda- de retirada) podem ser perdidas.
gem “normal” da avaliação do paciente. Uma atitude confiante e
profissional demonstrando ao mesmo tempo respeito e preocupação, 1.1.3. Regras de Segurança em uma Cena Violenta
é importante para ganhar a confiança do paciente e ter controle da
situação. 1. Fique fora. Ao atender a uma cena sabidamente violenta,
É importante que os profissionais de emergência aprendam a fique em um local seguro até que a cena seja considerada segura
“observar” a cena, e não apenas a “olhar” para ela. Aprendam a per- pelos policiais e o atendimento seja liberado.
ceber o número de pessoas e onde elas estão quando chegam na 2. Retire-se do local. Caso existam ameaças ao chegar ao
cena, o movimento dos espectadores entrando ou saindo da cena, os local, retorne à viatura e saia do local. Permaneça em um lugar segu-
indicadores de estresse ou de tensão, as reações inesperadas ou anor- ro e comunique à Central de Operações.
mais à presença dos profissionais de emergência, ou ter outras 3. Quebre a tensão. Caso a cena fique perigosa durante o
“intuições” sobre o que pode estar ocorrendo ao redor: observar as atendimento, utilize técnicas de comunicação verbal para reduzir a
mãos das pessoas; buscar volumes incomuns nas bolsas ou roupas tensão e a agressividade do ambiente (enquanto se prepara para dei-
grandes demais que poderiam facilmente esconder uma arma. xar o local).
Caso perceba uma ameaça em potencial, comece imediata- 4. Defenda-se. Como último recurso, o socorrista pode achar
mente a se preparar para deixar a cena. Pode ser que uma avaliação necessário defender-se. Prioritariamente o objetivo é desvencilhar-se
ou um procedimento deva ser finalizado na viatura. A segurança e sair do local. A decisão de perseguir ou dominar a parte agressora
dos socorristas é prioritária. deve ser tomada com muita cautela, somente se a guarnição tiver os
meios adequados para tal. Assegure-se de que as forças policiais
1.1.1. Cenário de Segurança tenham sido avisadas e de que estejam a caminho. Novamente, a
segurança dos socorristas é prioritária.
Você e sua guarnição estão na sala de estar da casa do pacien-
te. Enquanto um colega verifica a pressão arterial do paciente, um 2. AVALIAÇÃO DO PACIENTE
indivíduo aparentemente intoxicado entra na sala vindo dos fundos
da casa. Ele aparenta estar furioso e você percebe o que parece ser a A avaliação é a pedra fundamental para o melhor tratamento
coronha de um revólver saindo de sua cintura. Seu colega não perce- do paciente. Para a vítima traumatizada, bem como para outras víti-
be essa pessoa entrar na sala, pois está concentrado no paciente. A mas de emergência, a avaliação é a base para todas as decisões de
pessoa suspeita começa a questionar sua presença, e seu uniforme atendimento e transporte. A primeira meta na avaliação é determinar
deixam-na extremamente agitada. Coloca e retira as mãos da cintura a condição atual do paciente. Desenvolve-se uma impressão geral do
várias vezes. Ele vem em sua direção e resmunga. O que você faz? estado do paciente, e estabelecem-se valores basais para os estados
respiratório, circulatório e neurológico da vítima. Em seguida, são
rapidamente encontradas as condições com risco de morte, e iniciam
1.1.2. Sugestões de Segurança
-se intervenção urgente e reanimação. São identificadas e atendidas
quaisquer condições que necessitam de atenção antes que a vítima
A equipe pode utilizar a estratégia de pelo menos um socorris-
possa ser removida. Se o tempo permitir, mais frequentemente quan-
ta ficar livre enquanto os outros atuam, bem como usar palavras-
do o transporte está sendo efetuado, é feita uma avaliação detalhada
código e sinais manuais pré-combinados, para situações de emergên-
de lesões sem risco de morte ou lesões que comprometem algum
cia. O papel daqueles que atuam é assumir a avaliação do paciente, membro.
dando-lhe a atenção necessária. O socorrista livre fica de fora
Todas essas etapas são realizadas com rapidez e eficiência,
(enquanto não for necessário) para observar a cena, interagir com a com o intuito de minimizar o tempo gasto na cena. Não se pode
família ou com os circunstantes, coletar as informações necessárias e permitir que pacientes graves permaneçam no local do trauma para
criar as melhores condições de acesso e de saída. Em princípio, o outro cuidado que não o de estabilizá-los para transporte, a menos
socorrista que está livre monitora a cena e “cobre” a retaguarda dos que estejam presos ou existam outras complicações que impeçam o
demais. Uma palavra-código e sinais manuais pré-combinados per- transporte imediato. Aplicando os princípios aprendidos neste manu-
mitem que a equipe se comunique sobre uma possível ameaça, sem al, o socorrista será capaz de minimizar a demora na cena e de levar
alertar outras pessoas sobre o fato. rapidamente os pacientes para serviços de atendimento médico apro-
Em muitas situações, a tensão e a ansiedade são reduzidas priado. Avaliação e intervenção bem-sucedidas necessitam de uma
imediatamente quando um socorrista atencioso começa a interagir base de conhecimento sólida da fisiologia do trauma e um plano
com o paciente e avaliá-lo. No entanto, se todos os socorristas tive- bem estudado para que o atendimento seja rápido e eficiente.
rem sua atenção focada no paciente, a cena pode tornar-se rapida- Em toda a literatura sobre atendimento do trauma é feita men-
mente ameaçadora e algumas dicas precoces (além da oportunidade ção constante da necessidade de levar o paciente traumatizado para
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Capítulo 9 — Abordagem Inicial—Exame Primário

tratamento cirúrgico definitivo dentro de um mínimo de tempo, após 3. ESTABELECIMENTO DE PRIORIDADES


o estabelecimento da lesão. Isso porque um paciente traumatizado
grave que não responde ao tratamento inicial está provavelmente O socorrista tem três prioridades quando da sua chegada na
com sangramento interno. Essa perda de sangue continua até que a cena:
hemorragia possa ser controlada. Com exceção aos casos de sangra- 1. Como abordado na seção 1, a primeira prioridade para todos
mento externo mais simples, o controle da hemorragia só pode ser os envolvidos em um incidente de trauma é a avaliação da cena.
obtido no centro cirúrgico.
As principais preocupações para avaliação e atendimento da Segurança do Local:
vítima traumatizada são as seguintes, em ordem de importância: (1)
via aérea; (2) ventilação; (3) oxigenação; (4) controle da hemorragia; Antes de iniciar o atendimento propriamente dito, a equipe de
(5) perfusão; (6) função neurológica. Essa sequência protege a habili- socorro deve garantir sua própria condição de segurança, a das víti-
dade de o organismo ser oxigenado e a habilidade das hemácias em mas e a dos demais presentes. De nenhuma forma qualquer membro
levar oxigênio para os tecidos. O controle da hemorragia, que é tem- da equipe deve se expor a um risco com chance de se transformar em
porário na cena, mas permanente no centro cirúrgico, depende de vítima, o que levaria a deslocar ou dividir recursos de salvamento
transporte rápido pelos socorristas e da presença de uma equipe de disponíveis para aquela ocorrência.
trauma imediatamente disponível na chegada ao hospital.
O médico americano R. Adams Cowley desenvolveu o concei- Mecanismo de Trauma:
to da “Hora de Ouro” no trauma. Ele acreditava que é crucial o tem-
po decorrido entre a ocorrência do trauma e o tratamento definitivo. Enquanto se aproxima da cena do acidente, o socorrista exami-
Durante esse período, quando o sangramento não está controlado e na o mecanismo de trauma (ver capítulo 7), observando e colhendo
ocorre oxigenação tecidual inadequada devida à circulação reduzida, informações pertinentes. Em uma colisão entre dois veículos, por
está havendo lesão em todo o corpo. Se o sangramento não for con- exemplo, deve-se avaliar o tipo de colisão (frontal, lateral, traseira), os
trolado e a oxigenação restaurada dentro de uma hora após o trauma, veículos envolvidos, os danos nos veículos, o número de vítimas, as
as chances de sobrevivência do paciente diminuem muito. posições dos veículos e das vítimas, etc.
Este capítulo está centrado no pensamento crítico necessário ao
Essa “Hora de Ouro” é agora chamada de “Período de Ouro”,
socorrista para aprender a conduzir uma avaliação apropriada, inter-
porque, para alguns pacientes, deve-se gastar menos de uma hora
pretar os achados e determinar as prioridades para o tratamento ade-
para dar o tratamento, ao passo que, para outros, pode-se gastar mais
quado do paciente.
tempo. O socorrista é o responsável pelo transporte do paciente o
mais rápido possível para um hospital onde o tratamento definitivo 4. EXAME PRIMÁRIO (AVALIAÇÃO INICIAL)
pode ser realizado. A fim de levar a vítima traumatizada para trata-
mento definitivo, o socorrista deve rapidamente identificar a gravida- No paciente traumatizado multissistêmico grave, a prioridade
de da condição do paciente, realizando somente o tratamento essenci- máxima é a identificação e o atendimento rápidos de condições com
al para salvar a vida no local do incidente e providenciar transporte risco de morte (Quadro 9-1). Mais de 90% das vítimas traumatiza-
rápido para um serviço de atendimento médico apropriado. Em mui- das têm somente ferimentos simples que envolvem apenas um siste-
tos sistemas médicos de emergência urbanos, o tempo médio entre a ma (p. ex., uma fratura isolada de membro). Para esses pacientes, há
ocorrência do incidente e a chegada do socorrista na cena é de oito a tempo para fazer tanto o exame primário quanto o secundário com-
nove minutos. Outros oito a nove minutos serão gastos no transporte pletos. Para vítimas traumatizadas graves, o socorrista nunca
do paciente ao hospital. Se o tempo na cena é mantido em apenas dez pode fazer mais que um exame primário. A ênfase é na avaliação
minutos, terão passados trinta minutos do “Período de Ouro” até o
momento em que o paciente chegue no serviço de emergência. Cada Quadro 9-1: Paciente traumatizado multissistêmico
minuto a mais gasto na cena é tempo adicional em que a vítima está versus de sistema único
sangrando, e tempo valioso é tirado do “Período de Ouro”. Para tratar
dessa questão de atendimento de trauma grave, é essencial que o  O paciente traumatizado multissistêmico tem lesões que afetam
objetivo principal seja a avaliação e o atendimento rápido e eficiente mais de um sistema do corpo, incluindo os sistemas pulmonar,
circulatório, neurológico, gastrointestinal, musculoesquelético e
do paciente. O tempo na cena não deve exceder dez minutos. Na tegumentar. Um exemplo seria um paciente envolvido em uma
verdade, quanto menor, melhor. Quanto mais a vítima é mantida no colisão automobilística com lesão cerebral traumática, contusões
local do trauma, mais sangue é perdido, e a probabilidade de sobrevi- pulmonares, uma lesão esplênica com choque e uma fratura de
vência diminui. Esses parâmetros de tempo mudam com retirada de fêmur.
ferragens demorada, transporte retardado e outras circunstâncias  O paciente traumatizado em um único sistema tem lesões ape-
nas em um sistema do corpo. Um exemplo seria um paciente
inesperadas.
com uma fratura simples do tornozelo, sem evidências de perda
sanguínea ou de choque.

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rápida, começando a reanimação e o transporte ao hospital. Isso não função respiratória. Uma verificação rápida do pulso radial no punho
exclui a necessidade do atendimento pré-hospitalar, que significa: permitirá ao socorrista avaliar a presença, a qualidade e a frequência
faça-o mais depressa, faça-o mais eficientemente e faça-o a cami- (muito rápido, muito lento ou normal) da atividade circulatória. O
nho do hospital. socorrista pode sentir simultaneamente a temperatura e a umidade da
Deve ser automático estabelecer as prioridades e realizar a pele enquanto verifica a cor e o enchimento capilar. A resposta ver-
avaliação inicial das lesões com risco de morte. Portanto, os compo- bal do paciente indica o nível de consciência e a atividade mental. O
nentes dos exames primário e secundário devem ser memorizados socorrista, então, examina cuidadosamente o paciente da cabeça aos
por meio do entendimento da progressão lógica da avaliação e trata- pés, procurando por sinais de hemorragia enquanto coleta todos os
mento com base nas prioridades. O socorrista deve pensar na fisio- dados preliminares para o exame primário. Durante esse tempo, o
patologia das lesões e nas condições do paciente — não se pode socorrista já terá dado uma olhada geral rápida pela vítima, fazendo
perder tempo em lembrar o que deve vir a seguir. nos primeiros poucos segundos um exame global de sua condição e
A base das lesões com risco de morte é mais frequentemente a uma avaliação da possibilidade de risco de morte. O socorrista pode
falta de oxigenação adequada do tecido, levando ao metabolismo classificar todas as informações de acordo com as prioridades, classi-
(produção de energia) anaeróbio (sem oxigênio). Essa condição é ficar a gravidade das lesões e as condições da vítima e identificar
conhecida como choque. Três componentes são necessários para o qual lesão ou condição que precisa ser atendida em primeiro lugar.
metabolismo normal: (1) oxigenação dos glóbulos vermelhos no Durante quinze a trinta segundos, o socorrista terá tido uma impres-
pulmão, (2) oferta dos glóbulos vermelhos para as células teciduais são geral da condição global do paciente.
por todo o corpo e (3) entrega de oxigênio aos tecidos. As atividades Essa parte do exame primário estabelece se a vítima está atual-
envolvidas no exame primário são dirigidas à identificação e à corre- mente na iminência de condição grave, e a condição sistêmica global
ção dos dois primeiros componentes. da vítima foi rapidamente avaliada. A impressão geral fornece todas
A abordagem inicial é realizada sem mobilizar a vítima de sua as informações necessárias que o socorrista precisa para determinar
posição inicial, salvo em situações especiais que possam comprome- se podem ser necessários recursos adicionais de suporte avançado
ter a segurança ou agravar o quadro da vítima, tais como: para atender o paciente. Se for apropriado por exemplo, um transpor-
 Situações climáticas extremas: geada, chuva, frio, calor; te aero médico para um centro de trauma, frequentemente esse é o
 Risco de explosão ou incêndio; momento para tomar a decisão de solicitá-lo. Atraso na decisão de
 Risco de choque elétrico; quais recursos adicionais são necessários apenas estende o tempo no
 Risco de desabamento. local do incidente. A tomada de decisão precoce tem o objetivo de
encurtar o tempo na cena. Uma vez que essa impressão geral da
Só se justifica mobilizar a vítima de sua posição inicial na condição da vítima tenha sido determinada, o exame primário pode
abordagem primária quando a situação de risco não possa ser afasta- ser completado imediatamente, a menos que haja uma complicação
da. Por exemplo: havendo risco de choque elétrico e sendo possível que requer mais cuidado ou avaliação.
a interrupção da passagem de energia, não há necessidade de mobili- As cinco etapas envolvidas no exame primário e sua ordem de
zar a vítima. prioridade para pacientes responsivos são as que se seguem:
A (Airway) – Vias aéreas com controle cervical;
5. IMPRESSÃO GERAL B (Breathing) – Respiração;
C (Circulation) – Circulação com controle de hemorragias;
O exame primário começa com uma visão simultânea ou glo- D (Disability) – Estado neurológico sucinto;
bal dos estados respiratório, circulatório e neurológico do paciente E (Exposure) – Exposição da vítima.
para identificar quaisquer problemas externos significativos óbvios,
com respeito à oxigenação, à circulação, à hemorragia ou a deformi- Caso a vítima não responda aos estímulos, o socorrista deverá
dades flagrantes. À medida que o socorrista aborda a vítima, aquele alterar a ordem metodológica acima descrita. A prioridade passa a
pode ver se este está respirando efetivamente, se está acordado ou ser a refutação ou confirmação de uma parada cardiopulmonar
sem resposta, se consegue sustentar-se e apresenta movimentação (PCR). Assim, o socorrista deve checar o pulso carotídeo (em até
espontânea. O socorrista deve ajoelhar-se ao lado da vítima ao nível dez segundos) e a ausência de respiração. Confirmada a PCR, um
de seus ombros, estimulá-la verbalmente e tocá-la levemente no socorrista inicia as compressões cardíacas. Após executadas as com-
ombro para avaliar resposta. Pergunte ao paciente “você está me pressões, outro socorrista (ou o mesmo, caso esteja sozinho) abre as
ouvindo? O que aconteceu?”. Qualquer resposta da vítima indica a vias aéreas e inicia as ventilações, enquanto que um terceiro socor-
ausência de PCR, vítima viva. Se o paciente emitir frases completas, rista prepara a desfibrilação cardíaca (se disponível). O detalhamento
o socorrista poderá concluir que o paciente está com as vias aéreas das manobras de RCP será apresentado no capítulo 12 deste manual,
liberadas, apresenta funções respiratórias suficientes que permitem a onde também veremos que a sequência normal do exame primário
fala, perfusão cerebral adequada e funcionamento neurológico razo- (A-B-C) é mantida em pacientes neonatos.
ável (se as frases forem coerentes); ou seja, provavelmente não há Os demais pontos de nossa discussão sobre exame primário
um risco de morte imediato para o paciente. abordará seus componentes específicos e a ordem de prioridades
Havendo resposta da vítima, prossiga com as perguntas (p. ex., para um atendimento ideal do paciente.
“Onde você se machucou?”), avalie a liberação das vias aéreas e a
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Capítulo 9 — Abordagem Inicial—Exame Primário

6. VIAS AÉREAS E CONTROLE CERVICAL remoção, por exemplo. Entretanto, salienta-se que nestas situações,
o colar cervical somente poderá ser utilizado após a finalização do
6.1. Vias Aéreas exame primário, com todas as etapas completas e satisfatórias. Em
uma vítima com PCR, por exemplo, não se deve perder tempo com
As vias aéreas devem ser rapidamente verificadas para assegu- a inserção do colar cervical, bastando apenas o controle manual.
rar que estão abertas e limpas (patentes) e que não existe perigo de Vale lembrar que o controle cervical deve ser exercido, especial-
obstrução. Se as vias aéreas estiverem comprometidas, o socorrista mente em toda vítima de trauma, seja ele com o uso de equipamen-
terá que abri-las usando métodos manuais (levantamento do queixo tos ou manualmente.
ou tração da mandíbula) e retirar sangue ou secreções, se necessário.
À medida que equipamento e tempo estão disponíveis, o atendimen- 7. RESPIRAÇÃO (VENTILAÇÃO)
to das vias aéreas pode progredir para meios mecânicos (cânulas oro
ou nasofaringes).
O socorrista deve fornecer oxigênio eficazmente aos pulmões
do paciente para iniciar o processo metabólico. A hipóxia é resultan-
te de ventilação inadequada dos pulmões e falta de oxigenação nos
tecidos da vítima. Uma vez que a via aérea está pérvia, a qualidade e
quantidade da ventilação do paciente devem ser avaliadas como se
segue:
1. Estime a frequência ventilatória e a profundidade para deter-
minar se o paciente está movimentando ar suficientemente e acesse
a oxigenação. Assegure que o ar inspirado contenha ao menos 85%
de oxigênio.
2. Observe a elevação do tórax, e, se a vítima estiver conscien-
te, capaz de falar, ouça-a para observar se é capaz de falar uma frase
inteira sem dificuldade.
3. As manobras de ventilação assistida devem ser efetuadas
com máscara facial associada a um balão dotado de válvula unidire-
Fig. 106: Verificação das vias aéreas com controle cervical. cional com oxigênio suplementar.
4. Assegure que a via aérea do paciente esteja patente, conti-
6.2. Controle da Coluna Cervical
nue a ventilação assistida e prepare a inserção de cânula oro ou naso-
faringe.
Conforme o socorrista aprendeu em seu programa de treina-
mento inicial, para cada vítima traumatizada com um mecanismo
A frequência ventilatória pode ser dividida em cinco níveis:
significativo de trauma, ele deve suspeitar de lesão na medula espi-
nhal até que tenha sido finalmente excluída. Portanto, quando per-
meabilizar a via aérea, o socorrista deve lembrar que existe a possi- 1. Apneia. O paciente não está respirando.
bilidade de lesar a coluna cervical. O movimento excessivo pode 2. Lenta. Uma frequência ventilatória muito lenta pode indicar
tanto causar quanto agravar lesões neurológicas, porque pode ocor- isquemia (suprimento deficiente de oxigênio) do cérebro. Se a fre-
rer compressão óssea se a coluna estiver fraturada. A solução é ter quência ventilatória caiu a doze ventilações por minuto ou menos
certeza de que o pescoço foi manualmente mantido em posição (bradipneia), o socorrista deve assistir a ventilação ou assumir total-
neutra durante a abertura das vias aéreas e a realização da ventilação mente a ventilação do paciente com uma máscara facial associada a
necessária. Isso não significa que os procedimentos de manutenção um balão dotado de válvula unidirecional, que inclua oxigênio su-
das vias aéreas descritos não podem ou não devem ser conduzidos. plementar com uma concentração mínima de 85% ou uma fração de
Significa que devem ser feitos enquanto se protege a coluna de mo- oxigênio inspirado (FiO2) de 0,85 ou maior (Tabela 9-1).
vimento desnecessário. Uma vez que o socorrista tenha imobilizado
3. Normal. Se a frequência ventilatória está entre doze e vinte
o pescoço a fim de proteger a coluna cervical, deverá, então, imobili-
respirações por minuto (eupneia, uma frequência normal para um
zar toda a coluna do paciente. Logo, todo o corpo do paciente deverá
adulto), o socorrista deve observar o paciente com atenção. Embora
ser alinhado e imobilizado.
o paciente aparente estabilidade, oxigênio suplementar deve ser
Como veremos no capítulo 10, embora a colocação do colar
considerado.
cervical seja recomendada apenas após a realização do exame se-
4. Rápida. Se a frequência ventilatória está entre vinte e trinta
cundário da cabeça e do pescoço, o socorrista poderá lançar mão do
incursões por minuto (taquipneia), o socorrista deve também obser-
equipamento nas situações em que o controle manual da coluna
var com atenção o paciente. Deve determinar se o mesmo está me-
cervical seja insuficiente, ou se o lançamento desta opção oferecer
lhorando ou piorando. A condição determinante da frequência venti-
maior segurança à vítima durante uma manobra de mobilização ou
latória aumentada é acúmulo progressivo de dióxido de carbono
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(CO2) no sangue ou diminuição do nível de oxigênio sanguíneo


(O2). Quando um paciente apresenta uma frequência ventilatória
anormal, o socorrista deve investigar o porquê. Uma frequência
rápida indica que não há aporte suficiente de oxigênio no tecido. A
falta de oxigênio inicia metabolismo anaeróbio e, consequentemen-
te, aumento no CO2. O sistema de detecção do organismo reconhece
o nível elevado de CO2 e alerta o sistema ventilatório para aumentar
a frequência e exalar esse excesso. Logo, uma frequência ventilató-
ria aumentada pode indicar que o paciente necessita de melhor per-
fusão ou oxigenação, ou ambos. A administração de oxigênio suple-
mentar com concentração de 85% ou maior (FiO2 de 0,85 ou maior)
é indicada para esse paciente, no mínimo até que seu estado geral
seja determinado. O socorrista deve suspeitar da capacidade de o
paciente manter ventilação adequada e deve permanecer alerta para
qualquer deterioração na sua condição geral.
5. Muito rápida. Uma frequência ventilatória acima de trinta Fig. 107: Verificação da respiração.
ventilações por minuto (taquipneia grave) indica hipóxia, metabolis- Embora chamada de frequência respiratória, o termo mais
mo anaeróbio, ou ambos, com resultante acidose. O socorrista deve adequado seria frequência ventilatória. Ventilação refere-se ao pro-
imediatamente iniciar ventilação assistida com máscara facial asso- cesso de inspiração e expiração, ao passo que respiração descreve
ciada a um balão dotado de válvula unidirecional com oxigênio melhor o processo fisiológico de troca de gases entre as artérias e o
suplementar com concentração de 85% ou maior (FiO2 de 0,85 ou alvéolo. Este texto utiliza o termo frequência ventilatória, em vez de
maior). A busca da causa da frequência ventilatória elevada deve frequência respiratória.
iniciar de imediato. É um problema de oxigenação ou oferta inade-
quada de células sanguíneas? Uma vez identificada a causa, o socor- 8. CIRCULAÇÃO
rista deve intervir imediatamente.
Com ventilação anormal, o socorrista deve expor, observar e A avaliação do comprometimento ou da falência do sistema
palpar o tórax rapidamente. Lesões que podem impedir a ventilação circulatório é a próxima etapa no cuidado com o paciente. A oxige-
incluem pneumotórax hipertensivo, lesão raquimedular, ou lesão nação dos glóbulos vermelhos sem que sejam encaminhados às
traumática cerebral. Essas lesões devem ser identificadas durante o células do tecido não traz nenhum benefício à vítima. Na avaliação
exame primário, e o suporte ventilatório, iniciado de imediato. inicial do paciente traumatizado, o socorrista deve identificar e con-
Na avaliação do estado ventilatório do paciente traumatizado, trolar a hemorragia externa.
o socorrista deve abordar tanto a profundidade quanto a frequência O socorrista deve identificar e tratar a hemorragia externa no
ventilatória. Um paciente pode respirar com uma frequência normal exame primário. O controle da hemorragia é incluído na circulação
de dezesseis vezes por minuto, mas com grande diminuição de pro- porque, se um grande sangramento não for controlado de imediato,
fundidade. Em contraposição, um paciente pode ter uma profundi- o potencial de morte da vítima aumenta muito.
dade normal, porém com grande aumento ou diminuição da fre- O controle da hemorragia é prioritário, pois cada hemácia é
quência ventilatória. A profundidade e a frequência ventilatória importante. O rápido controle da perda sanguínea é um dos objeti-
combinam-se para produzir o volume corrente do paciente. vos mais importantes no atendimento de um paciente traumatizado.
O exame primário só pode prosseguir após o controle de hemorragi-
Tabela 9-1: Atendimento das Vias Aéreas com
Base na Frequência Ventilatória Espontânea as.
Frequência ventilatória Avalie a presença, a qualidade e a regularidade do pulso. A
(ventilações/min) Atendimento presença de pulso periférico palpável também fornece uma estimati-
Lenta (< 12) Ventilação assistida ou va da pressão arterial. Essa verificação rápida mostrará se a vítima
total com ≥ 85% de oxi- tem taquicardia, bradicardia ou ritmo irregular. Também pode reve-
gênio (FiO2 ≥ 0,85) lar a pressão arterial sistólica. Se o pulso radial não for palpável em
Normal (12-20) Observação; considerar uma extremidade não lesada, o paciente provavelmente entrou na
oxigênio suplementar fase descompensada de choque, um sinal tardio da condição grave.
Muito rápida (20-30) Administração ≥ 85% de No exame primário, não é necessária a determinação da fre-
oxigênio (FiO2 ≥ 0,85) quência de pulso exata. Em vez disso, uma estimativa aproximada é
Anormalmente rápida (> 30) Ventilação assistida rapidamente obtida, e o exame prossegue para outras avaliações
(FiO2 ≥ 0,85) preliminares. A frequência de pulso real será calculada mais tarde no
processo. Se o paciente não possui pulso carotídeo ou femoral, então
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está em parada cardiorrespiratória, fato este que deve ser apurado tão para determinar o nível de consciência. É um método simples e rápi-
logo se aborde o paciente. do para determinar a função cerebral e é preditivo da sobrevida do
paciente, especialmente da melhor resposta motora. Também forne-
ce a função cerebral basal para avaliações neurológicas seriadas. A
Escala de Coma de Glasgow é dividida em três seções: (1) abertura
ocular, (2) melhor resposta verbal, (3) melhor resposta motora
(OVM). O socorrista pontua o paciente em um escore de acordo
com a melhor resposta para cada componente da OVM (Quadro 9-
2). Por exemplo, se o olho direito de um paciente está tão edemacia-
do que ele não consegue o abrir, mas o olho esquerdo abre esponta-
neamente, então o paciente recebe um “4” para a melhor abertura
ocular. Se o paciente não abre espontaneamente os olhos, o socorris-
ta deve usar um comando verbal (“Abra os olhos!”). Se o paciente
não responde ao estímulo verbal, um estímulo doloroso pode ser
aplicado, como comprimir o leito ungueal com uma caneta ou com-
primir de cima para baixo o osso esterno.
A resposta verbal deve ser avaliada usando-se uma questão,
Fig. 108: Verificação da circulação no pulso carotídeo.
como “O que aconteceu com você?”. Se o paciente estiver orienta-
9. ESTADO NEUROLÓGICO do, responderá coerentemente. De outro modo, a resposta pode ser
confusa, inapropriada, ininteligível, ou pode não haver resposta. Se o
Tendo avaliado e corrigido, na medida do possível, os fatores paciente está intubado, a Escala de Coma de Glasgow possui apenas
envolvidos no transporte do oxigênio aos pulmões e na sua circula- a abertura ocular e resposta motora, e um “T” é acrescentado para
ção pelo corpo, a próxima etapa do exame primário é a medida da assinalar a incapacidade de avaliar a resposta verbal (como, “8T”).
função cerebral, que é uma medida indireta da oxigenação cerebral. O terceiro componente é o escore motor. Deve ser dada uma
O objetivo é determinar o nível de consciência da vítima e inferir o ordem clara e simples para o paciente, como “Mostre dois dedos!”
potencial de hipóxia. ou “Faça positivo!”. Um paciente que torce ou agarra os dedos do
Um paciente agressivo, combativo ou que não coopera, deve examinador pode apenas estar demonstrando um reflexo de
ser considerado como estando em hipóxia até prova em contrário. A “agarrar” e não seguindo um comando propositalmente. Se o paci-
maioria dos pacientes solicita ajuda quando suas vidas estão amea-
çadas. Se a vítima recusa ajuda, o motivo deve ser questionado. Por Quadro 9-2: Escala de Coma de Glasgow
que o paciente se sente ameaçado pela presença do socorrista no Abertura Ocular Pontos
local do incidente? Se o paciente parece sentir-se ameaçado pela Abertura ocular espontânea 4
própria situação, o socorrista deve fazer algo para estabelecer uma Abertura ocular sob comando verbal 3
relação tal que a vítima confie nele. Se não há nada na situação que Abertura ocular com estímulo doloroso 2
pareça ser ameaçador, deve-se considerar que o motivo seja fisioló- Sem abertura ocular 1
gico e, portanto, identificar e tratar as causas reversíveis. Durante o Melhor Resposta Verbal
exame, o socorrista deve determinar pelo histórico se o paciente
Respostas adequadas (orientado) 5
perdeu a consciência em qualquer momento desde que ocorreu o Respostas confusas 4
trauma, quais as substâncias tóxicas que podem estar envolvidas e se Respostas inadequadas 3
a vítima tem algumas condições preexistentes que podem ter produ- Sons ininteligíveis 2
zido a diminuição de nível de consciência, ou o comportamento Sem resposta verbal 1
anormal.
Melhor Resposta Motora
Um nível de consciência diminuído deve alertar o socorrista
Obedece a comandos 6
para quatro possibilidades:
Localiza estímulos dolorosos 5
1. Oxigenação cerebral diminuída (devida à hipóxia e/ou à Retirada do estímulo doloroso 4
hipoperfusão). Responde com flexão anormal aos
2. Lesão do sistema nervoso central (SNC). estímulos dolorosos (decorticação) 3
Responde com extensão anormal aos
3. Intoxicação por drogas ou álcool. estímulos dolorosos (descerebração) 2
4. Distúrbio metabólico (diabetes, convulsão, parada cardíaca). Sem resposta motora 1

Total
A Escala de Coma de Glasgow é uma ferramenta utilizada

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Fig. 110: Verificação das pupilas quanto à reação à luz.

Fig. 109: Avaliação neurológica: teste de reação à dor. combinado com um exame pupilar anormal, pode indicar a presença
ente não segue um comando, pode-se tentar um estímulo doloroso de uma lesão cerebral potencialmente letal.
como já descrito (figura 109), e a melhor resposta motora do pacien- Em algumas literaturas, podemos encontrar referências ao
te é anotada. Se ele tenta afastar a mão que provoca o estímulo, con- acrônimo AVDI, que significa A (Alerta), V (responde a estímulo
sidera-se que localiza a dor. Outras respostas à dor possíveis são: Verbal), D (responde a estímulo de Dor), I (Inconsciente). Essa
retirada ao estímulo, flexão anormal (postura de decorticação) ou abordagem, embora muito simples, não informa como o paciente
extensão (postura de descerebração) da extremidade superior, ou responde aos estímulos verbais ou dolorosos. Em outras palavras, se
ausência de função motora. Evidências recentes indicam que o com- o paciente responde aos questionamentos verbais, ele está orientado,
ponente motor da Escala de Coma de Glasgow isoladamente é es- confuso ou murmurando palavras incompreensíveis? Da mesma
sencialmente tão bom na avaliação de um paciente quanto o escore forma, quando o paciente responde aos estímulos dolorosos, ele
inteiro. tenta retirar o estímulo, ou apresenta uma postura de decorticação ou
O escore máximo na Escala de Coma de Glasgow é quinze, descerebração? Por ser pouco preciso, o uso do acrônimo AVDI
indicando um paciente sem dano neurológico, e o menor escore, de deve ser abandonado. Embora a Escala de Coma de Glasgow seja
três é, em geral, um sinal de péssimo prognóstico. Um escore menor mais difícil de ser memorizada do que o AVDI, a prática acaba tor-
que oito indica uma lesão grave; nove a doze, lesão moderada; e nando essa avaliação útil, um hábito.
treze a quinze, lesão mínima. Um escore igual ou inferior a oito é
indicação para intubação do paciente. O socorrista pode calcular 10. EXPOSIÇÃO
facilmente o escore e deve incluí-lo no relato verbal no hospital bem
corno no prontuário do paciente. Sempre que na avaliação da Escala
Finalmente, no passo “E”, expor a vítima à procura de lesões.
de Coma de Glasgow, o estado neurológico for avaliado como igual
Entretanto, em nível pré-hospitalar, as roupas da vítima só serão
ou menor que nove, torna-se necessário o acionamento do SAV para
removidas para expor lesões sugeridas por suas queixas ou reveladas
o local da ocorrência (quando disponível), independentemente de
pelo exame segmentar, respeitando seu pudor no ambiente público.
pertencer a outro órgão de socorro público. Para tanto, o comandante
Somente as partes necessárias do paciente devem ser expostas. No
da guarnição de SBV deverá estimar o tempo de chegada da viatura
hospital, ao contrário, é imperdoável deixar de despir completamen-
de SAV ao local da ocorrência, a partir do seu acionamento, bem
te a vítima antes de iniciar a abordagem secundária.
como o tempo de deslocamento da viatura de SBV à unidade hospi-
O cuidado deve ser redobrado quando partes íntimas do paci-
talar mais próxima. Caso o tempo de chegada do SAV for igual ou
ente necessitarem ser expostas. Nos casos de trauma, essas regiões
inferior ao tempo de deslocamento do SBV à unidade hospitalar, o
só devem ser expostas nos seguintes casos: sugestão de lesão ofere-
SAV deverá ser acionado.
cida pelo mecanismo do trauma, sangramentos ou indicação de dor
Se o paciente não está acordado, orientado e capaz de obede-
relatada pela vítima.
cer a comandos, devem ser rapidamente avaliadas as pupilas (figura
Pode também acontecer que o sangue se acumule dentro da
110). Se estão iguais e redondas, foto reagentes? As pupilas são
roupa e ser absorvido por ela, e assim passar despercebido.
iguais umas às outras? Cada pupila está redonda com aparência
A quantidade de roupa da vítima que deve ser retirada durante
normal, e reage apropriadamente à luz, se contraindo, ou está sem
uma avaliação irá variar, dependendo das condições ou das lesões
resposta e dilatada? Um escore menor que 14 na Escala de Glasgow,
encontradas. A regra geral é remover a quantidade de roupa necessá-
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Capítulo 9 — Abordagem Inicial—Exame Primário

ria para determinar a presença ou a ausência de uma condição ou choque (metabolismo anaeróbio), se necessário.
lesão. O socorrista não deve ter medo de remover a roupa se este for Quadro 9-4: Avaliação Simultânea
o único meio pelo qual podem ser apropriadamente completados a
avaliação e o tratamento. O paciente pode ter sofrido vários meca- Na discussão do processo de avaliação simultânea, tratamento
nismos de lesão, como uma colisão automobilística após ter sido e tomada de decisão, as informações devem ser apresentadas em
baleado. Lesões potencialmente letais podem passar despercebidas formato linear (p. ex., etapa A seguida pela etapa B seguida pela
se o paciente não for bem examinado. Lesões não podem ser trata- etapa C, etc.). Embora a apresentação das informações dessa forma
das se não forem primeiro reconhecidas. Devemos ter atenção espe- torne a explanação mais fácil e talvez faça com que os conceitos
cial ao cortar e remover as roupas da vítima de um crime (Quadro 9- sejam aprendidos com mais facilidade pelo aluno, não é assim que
3). o mundo real funciona. O cérebro do socorrista é como um compu-
tador que pode receber dados de várias fontes ao mesmo tempo
(multitarefa cerebral). O cérebro pode avaliar os dados recebidos
11. REANIMAÇÃO
simultaneamente. Ele também é capaz de priorizar as informações
provenientes de várias fontes, classificando-as ordenadamente a
A reanimação descreve as etapas de tratamento para corrigir fim de efetuar a tomada de decisão.
problemas com risco de morte, identificados no exame primário. A O cérebro pode reunir a maior parte dos dados em cerca de
avaliação do APH é baseada em uma filosofia de “trate à medida quinze segundos. O processamento simultâneo desses dados e a
que encontrar”, onde o tratamento é iniciado assim que cada ameaça priorização correta pelo socorrista podem identificar o componente
à vida é identificada, ou. então, o mais cedo possível. que deve ser tratado primeiro. Embora a abordagem do ABCDE
descrita neste capítulo possa não ser necessariamente a ordem em
11.1. Intervenção Limitada na Cena que o socorrista coleta ou recebe as informações, ela serve para
estabelecer prioridades para o atendimento.
A identificação de uma parada cardíaca é a mais alta priorida- O exame primário identifica condições potencialmente fatais.
de e deve ser constatada ou refutada logo na abordagem do paciente, O exame secundário do paciente identifica possíveis lesões que
iniciando-se compressões no tórax, se necessário. Caso seja descar- ameaçam os membros, bem como outros problemas menos graves.
tada uma RCP, o tratamento dos problemas das vias aéreas vem a 11.2. Transporte
seguir. Se a via aérea está aberta mas a vítima não respira, deve-se
iniciar o suporte ventilatório. Isso inclui a administração de altas
Se alguma condição de risco de morte é identificada durante o
concentrações de oxigênio (85% ou maior; FiO2 de 0,85 ou maior)
exame primário, o paciente deve ser rapidamente imobilizado para
assim que possível. Se o paciente apresenta sinais de sofrimento
transporte após o início da intervenção na cena. O transporte de víti-
respiratório e pequena troca de ar (expansão torácica diminuída), a
mas traumatizadas graves para o hospital mais adequado e mais
assistência ventilatória deve incluir uso de máscara facial associada a
próximo deve ser iniciado logo que possível (Quadro 9-4). Exceto
um balão dotado de válvula unidirecional. Deve-se, então, controlar
por circunstâncias excepcionais, o tempo de permanência na cena
hemorragia externa exanguinante. No paciente com via aérea e res-
deve ser limitado a dez minutos ou menos para esses pacientes. De-
piração adequadas, devem ser rapidamente corrigidos a hipóxia e o
ve ser entendido que limitar o tempo em cena e iniciar o transporte
Quadro 9-3: Evidências Forenses rapidamente ao hospital mais adequado e mais próximo, de prefe-
Infelizmente, alguns pacientes traumatizados são vítimas de cri- rência um centro de trauma, são aspectos fundamentais da reanima-
mes violentos. Nessas situações, os socorristas têm a responsabili- ção do trauma no atendimento pré-hospitalar.
dade de ajudar a preservar evidências para as autoridades policiais Por outro lado, pode ser cogitada a possibilidade de aciona-
investigatórias. Ao cortar as roupas da vítima de um crime, deve- mento do SAV para o local da ocorrência (quando disponível), inde-
mos ter cuidado para não cortarmos através de orifícios feitos por pendentemente de pertencer a outro órgão de socorro público. Para
projéteis, facas ou outros objetos, pois isso pode comprometer tanto, o comandante da guarnição de SBV deverá estimar o tempo
provas forenses valiosas. Caso a roupa da vítima de um crime de chegada da viatura de SAV ao local da ocorrência, a partir do seu
potencial tenha que ser removida, é recomendável que seja colo- acionamento, bem como o tempo de deslocamento da viatura de
cada em um saco de papel (e não de plástico) e entregue às autori- SBV à unidade hospitalar mais próxima. Caso o tempo de chegada
dades policiais na cena, antes de o paciente ser removido. Qual- do SAV for igual ou inferior ao tempo de deslocamento do SBV à
quer arma, droga ou pertence pessoal encontrado durante a avalia- unidade hospitalar, o SAV poderá ser acionado.
ção do paciente também deve ser entregue às autoridades polici-
ais, além de ser cuidadosamente documentado no boletim da 11.3. Atendimento Básico
ocorrência. Se a condição do paciente exigir a sua remoção antes
da chegada das autoridades policiais, esses itens serão levados Quanto ao atendimento básico, as etapas-chave na reanimação
com o paciente até o hospital, e a Central de Operações da Polícia da vítima traumatizada grave incluem: (1) controle imediato de he-
deve ser contatada e informada sobre o hospital de destino.
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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

morragia externa importante; (2) acondicionamento rápido do paci-


ente para iniciar o transporte; (3) transporte rápido e seguro da vítima
para o lugar apropriado mais próximo. Se o tempo de transporte for
prolongado, pode ser necessário acionar apoio de suporte avançado
para encontro no caminho. Evacuação aero médica, caso disponível,
pode ser outra opção. Tanto o suporte avançado quanto o transporte
aéreo serão capazes de prover o manejo definitivo da via aérea, o
suporte ventilatório ou a reposição volêmica precoce.

Quadro 9-5: O Paciente Traumatizado Grave

Limite sua presença na cena em dez minutos ou menos em


qualquer das seguintes situações de risco de morte:
 Via aérea inadequada ou em risco.
 Ventilação comprometida, demonstrada por:
- Frequência ventilatória anormalmente rápida ou lenta;
- Hipóxia (SpO2 < 95%, mesmo com oxigênio suplementar);
- Dispneia;
- Pneumotórax aberto ou tórax instável;
- Suspeita de pneumotórax.
 Hemorragia externa significativa ou suspeita de hemorragia
interna.
 Estado neurológico anormal:
- Escore na Escala de Coma de Glasgow ≤ 13;
- Convulsão;
- Déficit sensitivo ou motor.
 Trauma penetrante na cabeça, no pescoço ou no tronco, ou pro-
ximal ao cotovelo e ao joelho nas extremidades.
 Amputação ou quase amputação proximal aos dedos dos pés ou
das mãos.
 Qualquer trauma na presença de:
- História de condições clínicas graves (p. ex., doença coronaria-
na, doença pulmonar obstrutiva crônica, distúrbio da coagulação;
- Idade acima de 55 anos;
- Hipotermia;
- Queimaduras;
- Gravidez.

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Capítulo 10
Abordagem Secundária—Exame Secundário

O
OUVIR

exame secundário é a avaliação da cabeça aos  Observe se há algum som incomum quando o paciente
pés do paciente. O socorrista deve completar o inspira ou expira.
exame primário, identificar e tratar todas as lesões de risco de morte,
e iniciar a reanimação antes de começar o exame secundário. Seu SENTIR
objetivo é identificar lesões ou problemas que não foram identifica-
dos durante o exame primário. Já que um exame primário bem feito  Mova cuidadosamente cada osso na região. Observe se
identifica todas as condições com risco de morte, o exame secundá- isso produz crepitação, dor ou movimento incomum.
rio, por definição, trata de problemas menos sérios. Portanto, a víti-  Palpe com firmeza todas as partes da região. Verifique se
ma traumatizada grave deve ser transportada tão logo quanto possí- há alguma coisa movendo que não deveria fazê-lo, ou se sente algo
vel após a conclusão do exame primário e não deve permanecer na “mole e úmido”, onde são sentidos os pulsos, se há alguma pulsação
cena para a realização do exame secundário. que não deveria estar lá, e se todas as pulsações estão presentes.
No exame secundário, a abordagem “ver, ouvir e sentir” é
usada para avaliar a pele e tudo que ela contém. Em vez de olhar o 1. SINAIS VITAIS
corpo inteiro de uma vez, e finalmente voltar para palpar todas as
áreas, o corpo é “explorado”. As lesões são identificadas, e os acha- O socorrista deve reavaliar constantemente a qualidade do pul-
dos físicos são correlacionados região por região, começando pela so e a frequência ventilatória e os outros componentes do exame
cabeça e prosseguindo pelo pescoço, tórax e abdome até as extremi- primário porque mudanças significativas podem ocorrer rapidamen-
dades, concluindo-se com um exame neurológico detalhado. As te. Deve ser feita medição quantitativa dos sinais vitais e avaliação
seguintes frases captam a essência do processo inteiro de avaliação: motora e sensitiva nas quatro extremidades assim que possível, em-
 Veja, não apenas olhe. bora isso, em geral, não seja concluído até o final do exame primá-
 Ouça, não apenas escute. rio. Dependendo da situação, um segundo socorrista pode obter os
 Sinta, não apenas toque. sinais vitais enquanto o primeiro completa o exame primário a fim
A definição da palavra ver é “perceber com o olho” ou de não haver demora adicional. Contudo, “valores” exatos de fre-
“descobrir”, ao passo que olhar é definido como “exercitar o poder quência de pulso, ventilação ou pressão arterial não são cruciais no
da visão”. Escutar é definido como “monitorar sem participação”, e tratamento inicial do traumatizado grave. A determinação dos valo-
ouvir é definido como “escutar com atenção”. Enquanto examina o res exatos pode ser retardada até a finalização das principais etapas
paciente, o socorrista deve usar todas as informações disponíveis da reanimação e estabilização.
para formular um plano de atendimento à vítima. Um socorrista O conjunto completo de sinais vitais inclui pressão arterial,
deve fazer mais do que somente dar à vítima transporte ao hospital; frequência e qualidade do pulso, frequência ventilatória, temperatura
ele deve fazer tudo que possa ser feito para assegurar a sua sobrevi- e cor da pele. Deve ser obtido e registrado um conjunto completo de
vência. sinais vitais a cada 3 a 5 minutos, tanto quanto possível, ou a cada
mudança na condição ou problema médico. Mesmo quando há um
VER aparelho automático não-invasivo para o monitoramento da pressão
arterial, a medida inicial da pressão arterial deve ser feita manual-
 Examine toda a pele de cada região. mente. Aparelhos automáticos podem ser imprecisos em pacientes
 Esteja atento para hemorragia externa ou sinais de hemor- muito hipotensos.
ragia interna, como tensão exagerada em uma extremidade ou he-
matoma expansivo. 2. COR DA PELE
 Observe se há alguma massa ou inchaço ou deformidade
de ossos que não deveria estar presente. Perfusão adequada produz coloração rosada na pele. A pele
 Observe a presença de lesões de pele, como escoriações, torna-se pálida quando o sangue é desviado de alguma área. Colora-
queimaduras, contusões, hematomas, lacerações e ferimentos pene- ção azulada indica oxigenação incompleta, ao passo que coloração
trantes. pálida está associada à perfusão deficiente. A coloração azulada é
 Observe se a pele tem entalhes anormais, bem como a sua devida à falta de sangue ou de oxigênio naquela região do corpo.
cor. Pele pigmentada torna, em geral, essa determinação difícil. O exame
 Observe se há qualquer coisa que não “ pareça certa” . da cor do leito ungueal e das mucosas serve para superar esse desafi-
o porque as mudanças de coloração aparecem inicialmente nos lá-
bios, nas gengivas ou nas extremidades dos dedos.
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3. TEMPERATURA Só se inicia a abordagem secundária depois de completada a


abordagem primária. Examinar todos os segmentos do corpo, sem-
Assim como outras partes da avaliação da pele, a temperatura pre na mesma ordem (exame segmentar): crânio, face, pescoço,
é influenciada por condições ambientais. Pele fria indica perfusão tórax, abdome, quadril, membros inferiores, membros superiores e
diminuída, independentemente da causa. O socorrista deve avaliar a dorso.
temperatura da pele tocando o paciente com o dorso da mão; logo,
uma determinação apurada pode ser difícil por estar calçando luvas. 7. CABEÇA
A temperatura normal da pele é morna ao toque, nem fria, nem
quente. Em geral, os vasos sanguíneos não estão dilatados e, portan- O exame visual da cabeça e da face revelará contusões, abra-
to, não trazem o calor do corpo à superfície da pele. sões, lacerações, assimetria óssea, hemorragia, defeitos ósseos da
face e da caixa craniana e anormalidades do olho, pálpebras, ouvido
4. UMIDADE externo, boca e mandíbula. O socorrista deve:
Palpar todo o couro cabeludo com os polegares fixos na região
Pele seca indica boa perfusão. Pele úmida está associada a frontal, mantendo o controle cervical, em busca de qualquer lesão de
choque e à perfusão diminuída. Essa queda na perfusão é devida ao partes moles.
desvio do sangue por meio da vasoconstrição periférica para outros Inspecionar cor e integridade da pele da face, hemorragia e
órgãos do corpo. liquorragia pelo nariz e ouvidos (escoamento do líquido que banha o
sistema nervoso central em decorrência de fraturas no crânio). A
5. TEMPO DE ENCHIMENTO CAPILAR drenagem de líquor pelos ouvidos ou pelo nariz evidencia a presença
de fratura de base do crânio, considerada lesão grave. Não se deve
Uma rápida verificação do tempo de enchimento capilar é interromper a drenagem de líquor com curativos compressivos.
realizada pressionando-se o leito ungueal. Isso remove o sangue do Verificar a presença de hematoma retro-auricular (sugestivo de fra-
leito capilar visível. A taxa de retorno do sangue aos leitos capilares tura de coluna cervical alta ou base de crânio), simetria da face, he-
(de enchimento) é uma ferramenta útil para estimar o fluxo sanguí- morragia e laceração dos olhos.
neo através dessa parte mais distal da circulação. Tempo de enchi- Retirar corpos estranhos (lentes de contato e próteses dentárias
mento capilar maior que 2 segundos indica que os leitos capilares móveis) eventualmente remanescentes.
não estão recebendo perfusão adequada. Entretanto, o enchimento Checar as pupilas para reatividade à luz, tamanho, igualdade,
capilar é um mau indicador do estado de choque por si só, pois é acomodação ou formato irregular (não a valorize em olho traumati-
influenciado por muitos outros fatores. Por exemplo, doença vascu- zado).
lar periférica (arteriosclerose), temperaturas baixas, uso de vasodila- Palpar cuidadosamente os ossos da face e crânio para identifi-
tadores ou vasoconstritores farmacológicos ou presença de choque car crepitação, desvios, depressão ou mobilidade anormal (é muito
neurogênico podem distorcer o resultado. Nesses casos, torna-se importante na avaliação não-radiográfica de lesões da cabeça).
uma verificação menos útil da função cardiovascular. O tempo de A figura abaixo revisa a estrutura anatômica normal da face e
enchimento capilar tem lugar como método para avaliar a adequa- do crânio.
ção circulatória, mas deve sempre ser usado em conjunto com outros
achados do exame físico, da mesma forma como se usam outros
indicadores (como pressão arterial).

6. HISTÓRICO AMPLA

Deve ser obtido um histórico rápido do paciente. Essas infor-


mações devem ser documentadas no prontuário da vítima e repassa-
das à equipe médica no hospital. O método mnemônico AMPLA
serve como lembrança de seus componentes-chave:
 Alergias: Principalmente a medicamentos.
 Medicações: Drogas prescritas ou não que o paciente usa
regularmente.
Fig. 111: Estrutura atômica normal da face e do crânio.
 Passado médico e antecedente cirúrgico: Problemas médi-
cos importantes para os quais o paciente recebe tratamento; inclui
cirurgias prévias. 8. PESCOÇO
 Líquido e alimentos: Muitos pacientes traumatizados ne-
cessitarão de cirurgia, e alimentação recente pode aumentar o risco O exame visual do pescoço para identificar contusões, abra-
de vômito e aspiração durante a indução da anestesia. sões, lacerações e deformidades alertarão o socorrista sobre possibi-
 Ambiente: Eventos que levaram ao trauma. lidade de lesões subjacentes. A palpação pode revelar enfisema sub-

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100 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 10 — Abordagem Secundária

Fig. 113: Colocação do colar cervical.

Fig. 112: Anatomia normal do pescoço.

cutâneo de origem traqueal, pulmonar ou laríngea. Crepitação da


laringe, rouquidão e enfisema subcutâneo compõem a tríade clássica
indicadora de fratura da laringe. A ausência de dor na coluna cervi-
cal pode ajudar a descartar fraturas cervicais (combinado com crité-
rios estritos), ao passo que dor à palpação pode ajudar frequente-
mente a identificar presença de fratura, luxação ou lesão ligamentar.
Tal palpação deve ser realizada com cuidado, tendo certeza de que o
pescoço permanece em posição linear neutra.
Inspecionar o alinhamento da traquéia e a simetria do pescoço.
Fig. 114: Exame do tórax.
Palpar a cartilagem tireóide e a musculatura bilateral. Inspecionar as
veias jugulares: se ingurgitadas, principalmente com piora na inspi- Outros sinais para os quais o socorrista deve ficar especial-
ração, preocupar-se com lesão intratorácica grave (derrame de san- mente atento são posições de defesa contra dor, excursão torácica
gue no pericárdio, impedindo os movimentos normais do coração: bilateral desigual e saliência ou retração intercostal, supra-esternal ou
hemopericárdio com tamponamento cardíaco). Palpar as artérias supraclavicular.
carótidas separadamente e a coluna cervical, verificando alinhamen- A contusão sobre o esterno, por exemplo, pode ser a única
to, aumento de volume, crepitação e rigidez muscular. Completado indicação de uma contusão miocárdica. Um ferimento perfurante
o exame, colocar o colar cervical.
A figura 112 mostra a anatomia normal do pescoço.

9. TÓRAX

O tórax é muito forte, flexível e elástico. Por essa razão, pode


absorver uma quantidade significativa de trauma. O exame visual de
perto para identificar simetria anatômica e funcional, respiração
paradoxal, áreas de palidez, eritema ou hematoma (sinais de contu-
são) e ferimentos. Palpar as clavículas separadamente, buscando dor
e crepitação; a seguir, coloque o colar cervical (figura 113). Palpar os
arcos costais e esterno em busca de rigidez muscular, flacidez, crepi-
tação, deformidades, contusões e abrasões é necessário para encon-
trar lesões subjacentes. Examinar até a linha axilar posterior. (figura
114).

Fig. 115: Visão lateral da posição do diafragma em expiração completa.


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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

perto do esterno pode indicar tamponamento cardíaco. Uma linha que o posicionamento incorreto do cinto de segurança pode ter cau-
traçada anteriormente a partir do quarto espaço intercostal, lateral- sado lesões subjacentes. Quase 50% das vítimas com esse sinal apre-
mente ao sexto espaço intercostal e posteriormente até o oitavo espa- sentam lesões de vísceras ocas no abdome. Uma alta incidência de
ço intercostal define a excursão para cima do diafragma na expira- fraturas da coluna lombar também está associada ao “sinal do cinto
ção completa (figura 115). Um ferimento penetrante que ocorre de segurança”.
abaixo dessa linha ou cuja trajetória poderia tê-lo levado para baixo O exame do abdome também inclui palpação de cada qua-
dessa linha deve ser considerado como tendo atravessado tanto a drante para verificar se há dor, distensão, mobilidade, posição de
cavidade torácica como a abdominal. defesa do músculo abdominal ou massas. Quando palpar, verifique
Uma pequena área de fratura de costela pode indicar uma se o abdome está mole e se existe rigidez (abdome em tábua) ou
contusão pulmonar subjacente grave. Qualquer tipo de lesão por posição de defesa. Não há necessidade de continuar palpando o
abdome depois que a sensibilidade ou a dor tiverem sido identifica-
das. Nenhuma informação adicional altera o atendimento pré-
hospitalar, e o exame abdominal continuado provoca mais descon-
forto ao paciente e atraso no transporte ao centro de trauma.

11. PELVE

A pelve é avaliada pela observação e palpação. O socorrista


deve procurar abrasões, contusões, lacerações, fraturas expostas e
sinais de distensão. Fraturas pélvicas podem produzir hemorragia
interna maciça, resultando em deterioração rápida da condição do
paciente.
A pelve deve ser palpada uma só vez, à procura de insta-
bilidade, durante o exame secundário. Já que a palpação pode agra-
var a hemorragia, não se deve repetir essa etapa do exame. A palpa-
ção é realizada fazendo-se pressão suave antero-posterior na sínfise
púbica e, então, pressão medial nas cristas ilíacas bilateralmente,
Fig. 116: Uma lesão por compressão do tórax pode causar fratura de cos- avaliando-se a dor e o movimento anormal. Deve-se suspeitar de
tela e subsequente pneumotórax. hemorragia se for encontrada alguma evidência de instabilidade.
compressão do tórax pode resultar em pneumotórax (figura 116). A região genital também deve ser avaliada, sugerindo haver
Deve-se ainda palpar o tórax para perceber enfisema subcutâneo. lesão conforme as queixas da vítima, sangramento ou o mecanismo
de trauma.
10. ABDOME

O exame abdominal inicia-se com a avaliação visual, assim


como com as outras partes do corpo. Abrasões e equimoses indicam
a possibilidade de lesão subjacente. A área abdominal perto do um-
bigo deve ser examinada cuidadosamente à procura de uma contu-
são característica, localizada transversalmente no abdome, indicando

Fig. 118: Exame da cintura pélvica.

12. DORSO

A região posterior do tronco deve ser examinada para evidên-


cia de lesão. O exame é realizado quando o paciente é lateralizado
para realizar o rolamento a noventa graus para a prancha rígida. A
coluna deve ser palpada em toda a extensão, à procura de edema,
Fig. 117: Exame do abdome.
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102 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 10 — Abordagem Secundária

Fig. 119: Exame do dorso.


hematoma, crepitação, sensibilidade e deformidade, além de ser Fig. 122: Exame dos pés (motricidade).
inspecionado seu alinhamento e simetria das duas metades do dorso.
extensão e rotação de todas as articulações. Palpar pulsos em torno-
13. EXTREMIDADES
zelos e pés, ou radiais. Testar sensibilidade, motricidade e enchimen-
O exame das extremidades deve ser iniciado na clavícula na to capilar. Verificar a simetria da força muscular nas mãos.
extremidade superior e na pelve na extremidade inferior e prosseguir Se houver qualquer suspeita de fratura, deve-se imobilizar a
em direção à porção mais distal de cada membro. Cada osso e arti- extremidade até que seja possível a confirmação radiográfica dessa
culação individuais devem ser avaliados por exame visual à procura fratura. A verificação da circulação e da função dos nervos motores
de deformidade, hematomas ou equimose, e por palpação para de- e sensitivos também deve ser realizada na parte distal de cada extre-
terminar se há crepitação, dor, sensibilidade ou movimento inco- midade. Se uma extremidade estiver imobilizada, pulsos, movimen-
mum. Retirar calçados e meias. Examinar a mobilidade articular tos e sensibilidade devem ser novamente verificados após a imobili-
ativa e passiva. Executar movimentos suaves e firmes de flexão, zação.

Fig. 120: Exame da perna. Fig. 123: Exame dos membros superiores.

Fig. 121: Exame da articulação do joelho. Fig. 124: Exame da motricidade das mãos.
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Diretoria de Ensino e Instrução 103
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14. EXAME NEUROLÓGICO a extensão da coluna, e, então, no restante do corpo. É necessário o


uso de prancha rígida, colar cervical, coxim para a cabeça e tirantes.
A avaliação neurológica no exame secundário, como as outras Não se deve imobilizar somente a cabeça; se o corpo não esti-
avaliações já descritas, é conduzida muito mais detalhadarnente do ver imobilizado, qualquer mudança na posição por elevação ou
que no exame primário. Deve-se incluir o cálculo escore da Escala movimento da viatura causará movimento do corpo e não da cabeça,
de Coma de Glasgow, a avaliação da função motora e sensitiva e a potencializando o risco de lesão adicional à medula espinhal. A
observação da resposta pupilar. Ao examinar a pupila do paciente, o proteção integral da medula espinhal é necessária em todas as situa-
socorrista deve verificar a igualdade da resposta e do tamanho. Uma ções.
parte pequena mas significativa da população tem pupilas de tama- Parestesia, anestesia, paresia e paralisia: tratam-se de altera-
nhos diferentes como condição normal (anisocoria). Entretanto, ções provocadas por traumas no sistema nervoso central ou nos
mesmo nessa situação, as pupilas devem reagir à luz de modo seme- nervos periféricos. Devem-se examinar os lados direito e esquerdo
lhante. As pupilas que reagem em velocidades diferentes à exposi- do corpo. Quanto à sensibilidade, a sensação de formigamento indi-
ção da luz são consideradas desiguais. Pupilas desiguais na vítima ca parestesia, já a perda da percepção dos estímulos táteis ou dolo-
traumatizada inconsciente podem indicar aumento de pressão intra- rosos é chamada de anestesia. Com relação aos movimentos, pare-
craniana ou pressão no terceiro nervo intracraniano, causada por sia é a diminuição da força muscular e paralisia é a completa ausên-
edema cerebral ou hematoma intracraniano que se expande rapida- cia de movimentos musculares.
mente (figura 125). Trauma direto no olho também pode fazer com Modificações dos dados vitais: em virtude de lesões cranianas,
que as pupilas fiquem desiguais. Se a pupila permanece dilatada pode ocorrer hipertensão intracraniana com aumento da pressão
quando submetida à luz, encontra-se em midríase paralítica, normal- arterial sistêmica; além disso, pode haver o comprometimento do
mente observada em pessoas inconscientes ou em óbito. Pupilas funcionamento de funções vitais, tais como irregularidades no pulso
contraídas (miose) em presença de pouca luz podem indicar intoxi- (arritmias e bradicardia) e na respiração.
cação por drogas ou doença do sistema nervoso central. O registro evolutivo do quadro neurológico tem grande valor.
O exame preliminar da capacidade e resposta sensitiva deter- A vítima que não apresenta alterações neurológicas num dado mo-
mina a presença ou ausência de fraqueza ou perda da sensação nas mento, mas passa a apresentá-las progressivamente apresenta-se
extremidades e identifica áreas que necessitam de exame mais deta- seguramente mais grave que uma outra vítima, cujo exame inicial
lhado. O paciente deve ser totalmente imobilizado, no início em toda mostra algumas alterações que, entretanto, permanecem estáveis no
tempo.

Fig. 125: A, Midríase — pupilas dilatadas. B, Miose — pupilas contraídas.


C, Anisocoria — pupilas desiguais. D, Pupilas normais.

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104 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 10 — Abordagem Secundária

15. ESCORE DE TRAUMA REVISADO rádio, mas não se espera dos socorristas que o computem antes da
chegada ao hospital.
O Escore de Trauma (TS, Trauma Score), desenvolvido origi- Interpretação do resultado da escala de trauma:
nalmente pelo cirurgião Howard Champion et al., é um bom índice
de sobrevida para pacientes vítimas de trauma fechado. O Escore de  Trauma grave: 0 a 6;
Trauma Revisado (RTS, Revised Trauma Score), publicado em  Trauma moderado: 7 a 10;
1989, eliminou dois componentes do antigo Escore de Trauma e é  Trauma mínimo: 11 a 12.
igualmente útil como índice de sobrevida para lesões graves. O RTS
é composto da Escala de Coma de Glasgow, pressão arterial sistólica Sempre que na avaliação da Escala de Trauma, for obtido
e frequência ventilatória (tabela 10-1). Cada um dos três componen- resultado menor que 9 (nove), torna-se necessário o acionamento do
tes recebe notas que variam de 4 (melhor) a 0 (pior). O escore com- SAV no local da ocorrência.
binado indica a condição do paciente. A menor combinação possí- Durante a abordagem secundária, o socorrista deva reavaliar o
vel, de 0, é obviamente a mais crítica; a maior, de 12, a menos críti- ABCD quantas vezes forem necessárias, principalmente em vítimas
ca. O escore combinado é valioso para analisar o tratamento a ser inconscientes.
dado ao paciente, mas não é necessariamente uma ferramenta de Durante toda a abordagem da vítima (abordagem primária e
triagem pré-hospitalar. Em muitos sistemas, o escore é calculado e secundária), o controle cervical deve ser mantido!
anotado no hospital baseando-se nas informações repassadas pelo

Tabela 10-1: Escore de trauma revisado (RTS).


Escore Início do Transporte Final do Transporte
A. Frequência ventilatória 10-29/min 4
> 29/min 3
6-9/min 2
1-5/min 1
0 0

B. Pressão arterial sistólica > 89 mmHg 4


76-89 mmHg 3
50-75 mmHg 2
1-49 mmHg 1
Sem pulso 0

C. Escore na Escala de Coma de Glasgow 13-15 4


9-12 3
6-8 2
4-5 1
3 0

Escore de trauma total: A + B + C

Um escore de trauma pode ser calculado numericamente a caminho do hospital. Essa informação é extremamente útil na preparação do
atendimento ao paciente.
(Modificado de Champion HR, Sacco WJ, Copes WS, ET AL: A revision of the trauma score, J. Trauma 29(5):624,1989.)

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

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106 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 10 — Abordagem Secundária

Observações para o Algoritmo de Avaliação:


6
1 Considerar PASG para: PA sistólica < 60 mmHg; suspeita
Seguir as técnicas de Controle das Vias Aéreas (cap. 11).
de fratura pélvica; suspeita de hemorragia intraperitoneal;
2
Controle da hemorragia externa: suspeita de hemorragia retroperitoneal com choque descom-
pensado (PA sistólica < 90 mmHg).
 Pressão direta/curativo de pressão.
7
O tempo na cena deve se limitar a 10 minutos ou menos para
 Torniquete.
pacientes com lesões com risco de morte, exceto em condi-
3
Choque: taquicardia; pele fria. úmida e pálida; ansiedade; ções excepcionais.
pulsos periféricos ausentes ou diminuídos. 8
AMPLA: alergias, medicações, história médica/cirúrgica
4
Verificar rapidamente outras condições potencialmente fa- pregressa, líquidos e alimentos ingeridos e ambiente e eventos
tais; cobrir o paciente para manter a temperatura corporal. que causaram a lesão.
9
5
Ver indicações para algoritmo de Imobilização da Coluna Imobilizar as fraturas e colocar curativos, se necessário.
(cap. 17).
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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

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108 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 11
Controle e Desobstrução de Vias Aéreas

O
ço morto. O ar contido nesse espaço não é utilizado para oxigenação
porque não alcança os alvéolos.
atendimento pré-hospitalar da vítima de trau- No processo de cada respiração, o ar entra nos pulmões.
ma tem por objetivo, após rápida verificação do Quando o ar atmosférico chega aos alvéolos, o oxigênio passa dos
mecanismo de trauma e das condições de segurança no local, prestar alvéolos, através da membrana alveolocapilar, para as hemácias. O
sistema circulatório então leva as hemácias carregadas de oxigênio
suporte básico e avançado de vida, iniciando-se com a avaliação de
para as células do organismo, onde o oxigênio é usado como com-
vias aéreas (A). Esse processo denominado avaliação primária ou
bustível para o metabolismo.
“ABCD” prioriza a abordagem das vias aéreas que, se estiverem
Enquanto o oxigênio é transferido dos alvéolos para as hemá-
comprometidas, de imediato afetam as funções vitais – respiração cias, o dióxido de carbono é trocado na direção oposta, do plasma
(B) e circulação (C). para os alvéolos. O dióxido de carbono, transportado no plasma, não
O controle das vias aéreas ocupa necessariamente um lugar de nas hemácias, passa da corrente sanguínea, através da membrana
destaque no atendimento do paciente traumatizado. A sua importân- alveolocapilar, para os alvéolos, de onde pode ser eliminado na expi-
cia é muito mais reconhecida atualmente do que no passado. Quan- ração (figura 126). Ao final dessa troca, as hemácias ricas em oxigê-
do não se mantém a oxigenação e a ventilação, ocorre uma lesão nio e o plasma com baixa quantidade de gás carbônico retornam
cerebral secundária, agravando a lesão cerebral primária causada para o lado esquerdo do coração de onde são bombeados para todas
pelo trauma inicial. Assegurar a patência das vias aéreas e manter a as células do organismo.
oxigenação e a ventilação de suporte do paciente, quando necessária,
são etapas cruciais na redução da lesão cerebral global e no aumento
da probabilidade de um bom prognóstico.
A oxigenação cerebral e a oferta de oxigênio para os demais
órgãos, proporcionada pelo controle adequado das vias aéreas e da
ventilação, continuam sendo um dos aspectos mais importantes do
atendimento pré-hospitalar. Em virtude do surgimento de novas
técnicas e equipamentos e da sua contínua evolução, é importante
manter-se constantemente a par dessas mudanças.
Um processo de pensamento organizado e condicionado refe-
rente aos passos da avaliação primária, impedirá o socorrista de ter
sua atenção voltada para alterações mais evidentes e menos urgen-
tes, como ferimentos e fraturas, despercebendo-se de alterações nas
vias aéreas, principalmente em se tratando de vítima inconsciente.
O sistema respiratório desempenha três funções primárias:

1. Fornece oxigênio às hemácias, que o carregam para todas


as células do organismo.
2. No metabolismo aeróbio, essas células usam o oxigênio
como combustível para a produção de energia.
3. Remove o dióxido de carbono (CO2) do organismo.

A incapacidade de o sistema respiratório fornecer oxigênio às


células, ou de as células usarem o oxigênio fornecido resulta no
metabolismo anaeróbio e pode levar rapidamente à morte. A falha
em eliminar o dióxido de carbono pode levar ao coma.

1. FISIOLOGIA

A cada inspiração, um adulto de porte médio inala cerca de


Fig. 126: O oxigênio (02) passa dos alvéolos para as hemácias. O 02 é trans-
500 ml de ar. Cerca de 150 ml ficam nas vias aéreas, nunca atingin- ferido para os tecidos na molécula de hemoglobina. Após deixar a molécula
do os alvéolos para participar do processo fundamental da troca de hemoglobina, o 02 difunde-se nas células. O dióxido de carbono (C02 )
percorre o sentido inverso, mas não na molécula de hemoglobina. É trans-
gasosa. O espaço no qual esse ar fica retido é conhecido como espa- portado no plasma como C02.
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Uma vez nas células, as hemácias liberam o oxigênio que as quando se avalia a capacidade de o paciente realizar a troca gasosa.
células utilizam como combustível no metabolismo aeróbico. O Um erro comum é admitir que um paciente com frequência ventila-
dióxido de carbono, um subproduto do metabolismo aeróbio, é libe- tória alta esteja hiperventilando. É muito melhor quantificar a elimi-
rado no plasma. As hemácias pobres em oxigênio retornam para o nação de dióxido de carbono, o que pode ser feito com a utilização
lado direito do coração. O sangue é bombeado para os pulmões, de monitores de CO2.
onde é reabastecido com oxigênio, e o dióxido do carbono é elimi- A avaliação pré-hospitalar da função ventilatória deve incluir
nado por difusão. uma avaliação da capacidade de o paciente inalar, difundir e liberar o
Os alvéolos devem ser constantemente reabastecidos com ar oxigênio. Se não houver aporte e processamento adequado do oxi-
fresco, que contenha quantidade adequada de oxigênio. Essa renova- gênio, ocorrerá metabolismo anaeróbio. Além disso, a ventilação
ção de ar, conhecida como ventilação, é essencial para a eliminação deve ser eficiente. O paciente pode ter ventilação adequada, hipo-
do dióxido de carbono. A ventilação é mensurável. O volume de ventilar ou nem ventilar. Os socorristas devem ter atuação agressiva
cada ventilação, chamado de volume corrente, multiplicado pela ao avaliar e tratar os problemas de oxigenação e ventilação.
frequência ventilatória por minuto é chamado de volume minuto: A avaliação e o controle das vias aéreas se fazem mediante
condutas rápidas e simples, não exigindo inicialmente qualquer e-
Vol. minuto = vol. corrente X frequência ventilatória por minuto quipamento, bastando a aplicação de técnicas manuais de controle e
desobstrução, sem a necessidade de aguardar equipamentos ou pes-
Durante a ventilação normal em repouso, chegam aos pul- soal.
mões cerca de 500 ml de ar. Como mencionado anteriormente, parte
desse volume, 150 ml, fica nas vias aéreas como espaço morto e não 2. FISIOPATOLOGIA
participa da troca gasosa. Se o volume corrente de cada ventilação
for 500 ml e a frequência ventilatória for 14 ventilações/minuto, A vítima de trauma pode ter as vias aéreas comprometidas
então o volume minuto pode ser calculado da seguinte forma: direta ou indiretamente por mecanismos distintos, sendo os princi-
pais os enumerados a seguir:
Volume minuto = 500 ml X 14 ventilações/min
Volume minuto = 7.000 ml/min, ou 7 litros/min 2.1. Depressão da Função Neurológica

Portanto, em repouso, cerca de 7 litros de ar precisam entrar e A redução do volume minuto pode ser consequência de duas
sair dos pulmões a cada minuto para manter a eliminação de dióxido condições clínicas relacionadas com o comprometimento da função
de carbono e a oxigenação adequadas. Se o volume minuto cair neurológica — o relaxamento da língua e o rebaixamento do nível
abaixo do normal, a ventilação do paciente será inadequada, condi- de consciência.
ção chamada de hipoventilação. A hipoventilação leva ao acúmulo O relaxamento da língua, associado ao rebaixamento do nível
de dióxido de carbono no organismo. A hipoventilação é comum de consciência, permite que a língua caia conforme a gravidade (em
quando traumatismos craniencefálicos ou torácicos provocam altera- direção à região mais inferior do corpo). Se o paciente estiver em
ções no padrão respiratório ou incapacidade de movimentar ade- posição supina, a base da língua cai para trás e obstrui a hipofaringe.
quadamente a parede torácica. Por exemplo, um paciente com fratu- Geralmente é causada por trauma craniencefálico, choque ou situa-
ras de costelas que está respirando superficial e rapidamente por ções clínicas. Essa complicação frequentemente se apresenta como
causa da dor em decorrência da lesão pode ter um volume corrente roncos durante a respiração. Para prevenir que a língua oclua a hipo-
de 100 ml e uma frequência ventilatória de 40 ventilações/minuto. O faringe, o socorrista deve cuidar das vias aéreas de todos os pacientes
volume minuto desse paciente pode ser calculado assim: com diminuição do nível de consciência que estiverem em posição
supina, independentemente da existência de qualquer sinal de difi-
Volume minuto = 100 ml X 40 ventilações/min culdade ventilatória. Tais pacientes também podem precisar de aspi-
Volume minuto = 4.000 ml/min, ou 4 litros/min ração periódica das vias aéreas, pois secreções, saliva, sangue ou
vômito podem acumular-se na orofaringe.
Visto que são necessários 7 litros/min para permitir uma troca O rebaixamento do nível de consciência também compromete
gasosa adequada em uma pessoa não traumatizada, em repouso, o estímulo ventilatório e reduz a frequência ventilatória, a profundi-
então 4 litros/min está muito abaixo do que o organismo necessita dade da ventilação, ou ambos. Esta redução do volume pode ser
para eliminar eficientemente o dióxido de carbono, indicando hipo- temporária ou permanente. Tal condição também favorece o refluxo
ventilação. Além disso, são necessários 150 ml de ar para preencher do conteúdo gástrico seguido de broncoaspiração.
o espaço morto. Se o volume corrente for 100 ml, o ar oxigenado
nunca chegará aos alvéolos. Se não tratada, esta hipoventilação rapi- 2.2. Trauma Direto sobre as Vias Aéreas
damente levará à insuficiência respiratória grave e, no final, à morte.
No exemplo anterior, o paciente está hipoventilando apesar da Trauma direto sobre as vias aéreas, causando sangramento em
sua frequência ventilatória ser de 40 ventilações/minuto. Ambas, seu interior, compressão externa por edema e/ou hematomas e fratu-
frequência e profundidade da ventilação, devem ser consideradas

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Capítulo 11 — Controle e Desobstrução de Vias Aéreas

ras da árvore laringotraqueobrônquica, e/ou broncoaspiração de atento, pois a obstrução de vias aéreas e consequente parada respira-
dentes fraturados. tória rapidamente evolui para parada cardiopulmonar.
A obstrução das vias aéreas pode ser parcial (leve) ou total
2.3. Queimaduras em vias aéreas (grave). Na parcial, a vítima pode ser capaz de manter boa troca
gasosa, caso em que poderá tossir fortemente, apesar dos sibilos
Queimaduras em vias aéreas podem produzir inflamação e entre as tossidas. Enquanto permanecer uma troca gasosa satisfató-
edema de glote e de vias aéreas inferiores. ria, encorajar a vítima a persistir na tosse espontânea e nos esforços
respiratórios, sem interferir nas tentativas para expelir o corpo estra-
2.4. Obstrução de Vias Aéreas por Corpo Estranho nho.
(OVACE) A troca insuficiente de ar é indicada pela presença de tosse
ineficaz e fraca, ruídos respiratórios estridentes ou gementes, dificul-
Embora a perda de consciência seja a causa mais frequente de dade respiratória acentuada e, possivelmente, cianose. Neste ponto,
obstrução de vias aéreas, a obstrução por corpos estranhos pode ser iniciar o manejo da obstrução parcial como se houvesse obstrução
causa de perda de consciência e parada cardiopulmonar. A eventua- total.
lidade de corpos estranhos obstruírem vias aéreas em pessoas cons- Em adultos, a obstrução por corpo estranho deve ser suspeita-
cientes ocorre mais frequentemente durante as refeições, sendo a da em toda vítima que subitamente pare de respirar, tornando-se
carne a causa mais comum. Pode também ocorrer obstrução no cianótica e inconsciente, sem razão aparente. Deve-se tomar cuidado
momento do trauma, através de objetos que estavam na boca do na diferenciação de OVACE e parada cardiorespiratória (ver capítu-
paciente, como por exemplo: próteses dentárias, goma de mascar, lo 12 — Ressuscitação Cardiopulmonar).
tabaco, dentes e osso. Materiais externos, como vidro do pára-brisa Em crianças a OVACE deve ser suspeitada nos seguintes
quebrado ou qualquer objeto que esteja próximo à boca da vítima no casos: dificuldade respiratória de início súbito acompanhada de tos-
momento do trauma, podem pôr em risco a permeabilidade das vias se, respiração ruidosa, chiado e náusea. Se essa obstrução se tornar
aéreas. A obstrução das vias aéreas superiores e inferiores também completa, ocorre agravamento da dificuldade respiratória, cianose e
pode ser causada por fratura óssea ou por colapso de cartilagem, perda de consciência.
resultante de fratura de laringe ou traquéia, pela avulsão da mucosa
da língua ou hipofaringe, ou por trauma de face, no qual sangue e 2.5. Vítimas Conscientes
fragmentos ósseos ou de tecido podem causar obstrução.
A obstrução de vias aéreas pelo conteúdo regurgitado do estô- A obstrução total das vias aéreas é reconhecida quando a víti-
mago pode ocorrer durante a parada cardiopulmonar ou nas mano- ma está se alimentando ou acabou de comer e, repentinamente, fica
bras de reanimação cardiopulmonar. Pessoas com nível de consciên- incapaz de falar ou tossir. Pode demonstrar sinais de asfixia, agarran-
cia alterado também correm risco de obstrução de vias aéreas pela do o pescoço, apresentando cianose e esforço respiratório exagerado.
aspiração de material vomitado. O movimento de ar pode estar ausente ou não ser detectável. A
Em crianças, a principal causa de obstrução de vias aéreas é a pronta ação é urgente, preferencialmente enquanto a vítima ainda
aspiração de leite regurgitado ou de pequenos objetos. Outras causas está consciente.
frequentes são alimentos (balas, chicletes, etc.) e causas infecciosas
(epiglotite). Neste último caso, a presença do suporte avançado ou o 2.6. Vítimas Inconscientes
transporte imediato para o hospital se fazem imperiosos.
Os lactentes (até 1 ano de idade) são as principais vítimas de Quando um adulto for encontrado inconsciente por causa
morte por aspiração de corpo estranho na faixa etária pediátrica. desconhecida, suspeitar de parada cardiopulmonar por infarto, aci-
O tratamento das obstruções mecânicas das vias aéreas pode dente vascular ou hipóxia secundária à obstrução de via aérea. Ele
tomar-se um desafio. Corpos estranhos na cavidade oral podem será avaliado pensando-se em parada cardiopulmonar, deixando
alojar-se e criar oc1usões na hipofaringe ou na laringe. Podem ocor- para fazer o manejo de desobstrução de vias aéreas apenas se o fato
rer lesões por esmagamento na laringe e edema das cordas vocais. se evidenciar. Tratando-se de criança, devemos suspeitar imediata-
Pacientes com lesões faciais apresentam duas das mais comuns mente de OVACE.
obstruções por corpo estranho: sangue e vômito. O tratamento des-
ses problemas tem como objetivos o reconhecimento imediato da 3. CONTROLE DAS VIAS AÉREAS
obstrução e as medidas que devem ser tomadas para assegurar a
patência das vias aéreas. Assegurar uma via aérea pérvia é a primeira prioridade no
tratamento e reanimação do traumatizado. Nada é mais crucial du-
2.4.1. Reconhecimento rante o tratamento pré-hospitalar das vias aéreas do que a avaliação
adequada das mesmas. Independentemente da técnica de abordagem
O reconhecimento precoce da obstrução de vias aéreas é indis- das vias aéreas, o socorrista deve ter em mente a possibilidade de
pensável para o sucesso no atendimento. O socorrista deve estar lesão cervical. O uso de qualquer uma das técnicas de controle das
vias aéreas necessita de estabilização simultânea da coluna cervical

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em posição neutra até que o paciente tenha sido completamente anteriormente. Esta técnica tem como vantagens: tecnicamente é
imobilizado. O controle das vias aéreas pode ser desafiador, mas, na mais fácil de se executar, se comparada à manobra tríplice e o socor-
maioria dos pacientes, inicialmente, procedimentos básicos podem rista, mesmo sozinho, consegue manter a manobra, sem perder o
ser suficientes. controle cervical.
Técnica:
3.1. Métodos Manuais
1. Mantêm-se o controle cervical com uma das mãos posicio-
3.1.1. Manobra Tríplice ou Tração da Mandíbula (Jaw nada sobre a região frontal da vítima;
Thrust) 2. Posiciona-se o polegar da outra mão no queixo e o indica-
dor na face inferior do corpo da mandíbula;
Quando há suspeita de traumatismo craniano, cervical ou 3. Pinça-se e traciona-se anteriormente a mandíbula, promo-
facial, o socorrista deve manter a coluna cervical alinhada em posi- vendo movimento discreto de extensão da cabeça, o suficiente para
ção neutra. A manobra de tração da mandíbula permite ao socorrista liberar as vias aéreas.
abrir as vias aéreas com pouco ou nenhum movimento da cabeça e
da coluna cervical (figura 127), promovendo a desobstrução das vias Após a realização de uma das manobras citadas, o socorrista
aéreas por projetar a mandíbula anteriormente, deslocando também deve observar a cavidade oral e, caso visualize qualquer corpo estra-
a língua. nho, este deve ser removido.
Tecnicamente esta manobra é mais difícil de ser executada, se Ambas as técnicas resultam na movimentação da mandíbula
comparada à manobra modificada (citada a seguir), e não permite anteriormente (para cima) e ligeiramente caudalmente (em direção
que o socorrista (estando sozinho) continue com a avaliação da víti- aos pés), puxando a língua para a frente, para fora da via aérea, e
ma, visto que estará com as duas mãos envolvidas na manutenção abrindo a boca. A tração da mandíbula empurra a mandíbula para
da manobra. frente, ao passo que a elevação do queixo puxa a mandíbula. A tra-
Técnica: ção da mandíbula e a elevação do queixo são modificações da tração
da mandíbula e da elevação do queixo convencionais. As modifica-
1) Apoiar a região tenar da mão sobre a região zigomática do ções protegem a coluna cervical do paciente, ao mesmo tempo em
paciente, bilateralmente, estando posicionado na sua “cabeceira”; que abrem as vias aéreas ao deslocar a língua da faringe posterior.
2) Colocar a ponta dos dedos indicador e médio atrás do ângu-
lo da mandíbula, bilateralmente, exercendo força suficiente para 3.2. Métodos Mecânicos
deslocá-la anteriormente;
3) Apoiar os polegares na região mentoniana, imediatamente Quando as técnicas manuais falham ou quando é necessária a
abaixo do lábio inferior, e promover a abertura da boca. manutenção contínua das vias aéreas, o próximo passo é a utilização
de vias aéreas artificiais.

3.2.1. Cânula Orofaríngea

Também
conhecida como
cânula de Guedel
(figura 128), é um
dispositivo desti-
nado a manter
pérvia a via aérea
superior em víti-
mas inconscientes.
Fig. 128: Cânulas Orofaríngeas.
Introduzida em
vítima consciente ou em estupor,
Fig. 127: Manobra Tríplice — Jaw Thrust. pode produzir vômito ou laringoes-
pasmo. É necessário cuidado na
3.1.2. Manobra de Elevação do Mento (Chin Lift) colocação da cânula, porque a in-
serção incorreta pode empurrar a
A manobra de elevação do queixo no trauma é utilizada para língua para trás, na faringe, e pro-
aliviar uma variedade de obstruções anatômicas das vias aéreas em duzir obstrução de via aérea, mani-
pacientes que estão respirando espontaneamente. O mento e os inci- festada por troca insuficiente de ar,
sivos inferiores são apreendidos e elevados para puxar a mandíbula indicada por tosse ineficaz e fraca,
Fig. 129: Via aérea com cânula.

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Capítulo 11 — Controle e Desobstrução de Vias Aéreas

ruídos respiratórios estridentes, dificuldade respiratória acentuada e ção através da cavidade nasal. Bem lubrificada, introduzi-la numa
até mesmo cianose (cor azulada de pele, unhas e lábios). das narinas (naquela que aparentemente não esteja obstruída) e,
A cânula orofaríngea está disponível em medidas para recém- delicadamente, introduzi-la até a orofaringe. A cânula nasofaríngea é
natos, crianças e adultos. O melhor modo de identificar o tamanho preferível à orofaríngea na vítima consciente, por ser melhor tolerada
adequado da cânula é segurá-la ao lado da face da vítima, com a e menos propensa a induzir vômitos. Durante a inserção, encontran-
extremidade inferior tocando o ângulo da mandíbula, logo abaixo do do obstáculo na progressão da cânula, interromper imediatamente o
lóbulo da orelha e estender a outra extremidade até a comissura procedimento, tentando a seguir introduzi-la através da outra narina.
labial, conforme ilustra a figura 130.
4. DESOBSTRUÇÃO DAS VIAS AÉREAS

Os métodos de desobstrução de vias aéreas dividem-se em


dois tipos, conforme a natureza da obstrução: obstrução por líquido
ou obstrução por sólido.

4.1. Obstrução por Líquidos

4.1.1. Rolamento de 90º

Esta manobra consiste em lateralizar a vítima em monobloco,


trazendo-a do decúbito dorsal para o lateral, com o intuito de remo-
ver secreções e sangue das vias aéreas superiores.
Estando a vítima na cena do acidente, ainda sem intervenção
Fig. 130: Medição do tamanho adequado da cânula orofaríngea. do socorrista, ou seja, sem qualquer imobilização (colar cervical e
prancha), havendo a necessidade da manobra, esta deverá ser reali-
Inserir a cânula com a concavidade para cima, dirigindo sua zada com controle cervical manual.Estando a vítima já imobilizada
extremidade para o palato duro (“céu da boca”), logo atrás dos den- em prancha, proceder a manobra mediante a lateralização da própria
tes incisivos superiores. Não permitir que a cânula toque o palato, prancha.
aplicando um movimento de rotação helicoidal de 180º (em parafu-
so) sobre ela mesma, posicionando-a sobre a língua. Um abaixador
de língua pode ser útil para impedir que a cânula empurre a língua
para trás durante sua inserção.
Em crianças pequenas, a cânula de Guedel é inserida direta-
mente sobre a língua, com a concavidade para baixo, sem a rotação
de 180º. Dessa forma evita-se traumatizar dentes e palato.

3.2.2. Cânula Nasofaríngea

É um dispositivo confeccionado em látex, mais flexível e de


menor diâmetro que a cânula orofaríngea, em virtude de sua inser-

Fig. 132: Rolamento de 90º com 1 socorrista. Manobra de emergência para


remoção de líquidos das vias aéreas.

4.1.2. Aspiração

A vítima de trauma pode não ser capaz de eliminar de maneira


eficiente o acúmulo de secreções, vômito, sangue ou corpos estra-
nhos da traquéia. A aspiração é uma etapa importante na manuten-
ção da permeabilidade das vias aéreas, podendo ser realizada ainda
na cena do acidente, mediante uso de aspiradores portáteis, ou no
interior da viatura, pelo uso de aspiradores fixos. Os aspiradores
devem promover vácuo e fluxo adequado para sucção efetiva da
faringe, através de sondas de aspiração de vários diâmetros.

Fig. 131: Cânula Nasofaríngea inserida.


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A complicação mais importante é que a aspiração prolongada A técnica de remoção manual consiste em abrir a boca da
pode levar à hipoxemia, que pode manifestar-se como alterações vítima utilizando uma das manobras de controle de vias aéreas já
cardíacas (p. ex., taquicardia). A pré-oxigenação do paciente ajuda descritas e retirar o corpo estranho com o indicador “em gancho”,
na prevenção da hipoxemia. Além disso, durante um período pro- deslocar e retirar o corpo estranho. Estando o corpo estranho mais
longado de aspiração, podem ocorrer arritmias cardíacas por causa aprofundado, existe a alternativa de utilizar os dedos indicador e
da hipoxemia arterial, que leva à hipoxemia miocárdica ou estimula- médio “em pinça”. Em recém-nato e lactente, utilizar o dedo míni-
ção vagal secundária à irritação traqueal. A estimulação vagal inten- mo em virtude das dimensões reduzidas das vias aéreas. Somente
sa pode causar bradicardia grave e hipotensão. tentar a remoção se o corpo estranho estiver visível; caso contrário,
O paciente traumatizado não intubado pode precisar de uma está contra-indicada a procura do material com os dedos.
aspiração agressiva da via aérea superior. Quantidades bem maiores
de sangue e vômito podem localizar-se nas vias aéreas na chegada DESOBSTRUÇÃO DE VIAS AÉREAS EM ADULTOS
do socorrista, estando acima da capacidade de aspiração do equipa-
mento disponível. Quando isso ocorre, o paciente deve ser rolado a Para vítimas inconscientes deve ser aplicada a manobra de
90º, mantendo-se a estabilização da coluna cervical; com isso, a reanimação cardiopulmonar (figura 133), pois as compressões
gravidade irá ajudar a limpeza das vias aéreas. Os dispositivos utili- torácicas forçam a expulsão do corpo estranho e mantém a circula-
zados para aplicar a sucção podem ser rígidos ou flexíveis. Prefere- ção sanguínea, aproveitando o oxigênio ainda presente no ar dos
se uma sonda de aspiração rígida para limpar a orofaringe, devendo- pulmões.
se ter cuidado para evitar trauma da laringe.
Embora uma aspiração prolongada possa causar hipóxia, uma
via aérea totalmente obstruída impede a troca gasosa. São feitos uma
aspiração agressiva e um posicionamento correto do paciente, até
que as vias aéreas estejam pelo menos parcialmente desobstruídas.
Nesse momento, pode ser feita uma hiper-oxigenação seguida por
aspirações repetidas.
A unidade de sucção fixa instalada deve ter potência suficiente
para um fluxo de 30 litros por minuto na extremidade final do tubo
de entrada e um vácuo acima de 300 mmHg quando o tubo é fecha-
do. Controlar a pressão de sucção em crianças e vítimas intubadas.
Quando aspirar a boca ou a faringe, mover o cateter de sucção
de tal modo que atinja todas as áreas acessíveis, evitando que se fixe
na mucosa e perda sua eficácia.
A inserção pode ser continuada lentamente, com movimentos
rotatórios do cateter, enquanto houver material a ser aspirado. Apli-
car a sucção por períodos de no máximo 5 segundos de cada vez,
Fig. 133: Em vítimas inconscientes, devemos utilizar a técnica de RCP.
alternando-a com o suporte ventilatório.
O vácuo necessário pode ser produzido com gás comprimido Para vítimas conscientes utiliza-se uma das seguintes técnicas:
(O2 ou ar). Preferencialmente, não utilizar equipamentos que utili-
zem oxigênio para produzir o vácuo, em decorrência do seu custo 4.2.2. Compressão Abdominal
ser muito mais superior do que o ar.
Também chamada manobra de Heimlich, consiste numa série
4.2. Obstrução por Sólidos de quatro compressões sobre a região superior do abdome, no ponto
médio entre o apêndice xifóide e a cicatriz umbilical. Seu objetivo é
4.2.1. Remoção Manual expulsar o corpo estranho através da eliminação do ar residual dos
pulmões, criando uma espécie de tosse artificial.
Durante a avaliação das vias aéreas, o socorrista pode visuali-
zar corpos estranhos, passíveis de remoção digital. Somente remo- A) Vítima em Pé ou Sentada
ver o material que cause obstrução se for visível.
É difícil o uso dos dedos para remover corpos estranhos das 1) Posicionar-se atrás do paciente, abraçando-o em torno do
vias aéreas. Em muitos casos, é impossível abrir a boca da vítima e abdome;
inserir os dedos para esse propósito, a menos que a vítima esteja 2) A mão do socorrista que estiver em contato com o abdome
inconsciente. Em alguns casos, especialmente envolvendo crianças e da vítima deverá estar com o punho fechado e o polegar voltado
lactentes, um dedo adulto pode aprofundar o corpo estranho, causan- para dentro. A outra mão do socorrista é colocada sobre a primeira.
do a obstrução completa. 3) Aplicar quatro compressões, direcionadas para dentro e
para cima, como um “cabo de guarda-chuva”.

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114 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 11 — Controle e Desobstrução de Vias Aéreas

4) Estando o paciente DESOBSTRUÇÃO DE VIAS AÉREAS EM CRIANÇAS


em pé, ampliar sua base
de sustentação, afastan- A remoção manual de material que provoque obstrução sem
do as pernas, e posicio- ser visualizado não é recomendada.
nar uma das suas entre Para crianças maiores de um ano, aplicar a manobra de Hei-
as pernas da vítima, para mlich, de forma semelhante à do adulto; nos lactentes, uma combi-
evitar-lhe a queda caso nação de palmada nas costas (face da criança voltada para baixo)
fique inconsciente. (figura 137) e compressões torácicas (face voltada para cima) (figura
138), sempre apoiando a vítima no seu antebraço; mantenha-o com
B) Vítima Deitada a cabeça mais baixa que o tronco, próximo a seu corpo. Nessa faixa
etária, é desaconselhável a manobra de Heimlich, pelo risco de le-
1) Posicionar o paciente sões nos órgãos abdominais (principalmente fígado).
em decúbito dorsal;
2) Ajoelhar-se ao lado 1) Utilizar a região hipotenar das mãos para aplicar até cinco
da vítima, ou a cavaleiro palmadas no dorso do lactente (entre as escápulas);
Fig. 134: Técnica da compressão abdominal.
Para vítimas sentadas ou em pé. sobre ela no nível de 2) Virar o lactente segurando firmemente entre suas mãos e
suas coxas, com seus braços (em bloco);
joelhos tocando-lhe o corpo lateralmente; 3) Aplicar cinco compressões torácicas, como na técnica de
3) Posiciona-se a palma da mão (região tenar) sobre o abdome reanimação cardiopulmonar (comprima o tórax com dois dedos
do paciente, entre o apêndice xifóide e a cicatriz umbilical, manten- sobre o esterno, logo abaixo da linha mamilar).
do-se as mãos sobrepostas; Os passos da manobra de Heimlich para crianças maiores e os
4) Aplicam-se quatro compressões abdominais no sentido do da combinação de palmada nas costas com compressões torácicas
tórax. (figura 135). para lactentes devem ser repetidos até que o corpo estranho seja

Fig. 135: Técnica da compressão abdominal. Para vítimas deitadas e cons- Fig. 136: Inspeção visual das vias aéreas de lactente, a procura de corpos
cientes. estranhos.

Complicações

As principais complicações desta técnica são: lesões de vísce-


ras abdominais, como o fígado e o baço e a regurgitação de material
do estômago com broncoaspiração.

4.2.3. Compressão Torácica

A compressão torácica é utilizada quando a compressão abdo-


minal é inviável ou contra-indicada, como nos casos de obesidade
com circunferência abdominal muito larga e gestação próxima do
termo. Consiste em uma série de quatro compressões torácicas sobre
o terço inferior do esterno, logo acima do apêndice xifóide.
Fig. 137: Desobstrução de vias aéreas de lactente: cinco palmadas no
dorso, entre as escápulas.
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Diretoria de Ensino e Instrução 115
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 138: Desobstrução de vias aéreas em crianças menores de 1 ano –


compressões torácicas.

expelido ou a vítima fique inconsciente. Neste caso, proceder as


manobras de abertura de vias aéreas, repetir os passos de desobstru-
ção e iniciar manobras de RCP.

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116 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 12
Reanimação Cardiopulmonar

A reanimação tem sido uma aspiração humana há


séculos. No século passado, a reanimação foi
uma prática comum na Europa, pela técnica de rolar vítimas incon-
scientes sobre barris, na tentativa de mover o ar para dentro e para
Quadro 12.1 — Processo de Avaliação de Evidências
As diretrizes da AHA 2010 para RCP e ACE (atendimento cardio-
vascular de emergência) se baseiam em uma ampla revisão da lite-
ratura sobre ressuscitação e diversos debates e discussões com espe-
cialistas internacionais em ressuscitação e membros do Comitê e
fora dos pulmões. Foles também foram usados com o mesmo intuito. Subcomitês da AHA. O Consenso Internacional ILCOR 2010 sobre
No início do século XX, a técnica mais usada era o método de a Ciência da RCP e ACE com Recomendações de Tratamento,
pressão prona de Schafer, segundo a qual se pressionava clinicamen- simultaneamente publicado na Circulation2 e Resuscitation3, resu-
te a região lombar para movimentar o ar entre os pulmões e o ambi- me o consenso internacional que interpretou dezenas de milhares de
ente. Essa técnica permitia a manutenção das vias aéreas abertas pela estudos de ressuscitação revisados por pares. Esse processo interna-
ação da gravidade na base da língua. No entanto, essas e outras técni- cional de avaliação de evidências, ocorrido em 2010, envolveu tre-
cas não eram eficientes pela baixa ventilação alveolar que ofereciam. zentos e cinquenta e seis especialistas em ressuscitação de vinte e
Apesar da ventilação boca-a-boca estar descrita na Bíblia nove países, que analisaram, discutiram e debateram a pesquisa em
(usada em recém-nascidos por parteiras), somente no início dos anos ressuscitação em encontros presenciais, teleconferências e sessões
1950 ela foi redescoberta pelos Dr James Elam e Peter Safar nos on-line (“webinars”) durante um período de trinta e seis meses,
Estados Unidos. incluindo a Conferência do Consenso Internacional 2010 sobre a
Nos anos 1960, Kouwenhoven, Jude e Knickerbocker desen- Ciência da RCP e ACE com Recomendações de Tratamento, reali-
volveram e apresentaram a técnica de compressão torácica externa. zada em Dallas, no estado do Texas, no início de 2010. Especialistas
O acoplamento dessa técnica com a ventilação artificial boca-a-boca em planilhas produziram quatrocentas e onze revisões de evidências
é hoje largamente utilizada na reanimação cardiorrespiratória como científicas de duzentos e setenta e sete tópicos em ressuscitação e
suporte básico de vida. A simplicidade dessa técnica, que requer ACE. O processo incluiu a avaliação estruturada de evidências,
apenas duas mãos e ventilações na boca, tornou-a altamente popular. análise e catalogação da literatura. Incluiu, também, uma rigorosa
Em 1993, formou-se a Aliança Internacional dos Comitês em divulgação e gestão de possíveis conflitos de interesse. As diretrizes
Ressuscitação (ILCOR), pela American Heart Association (AHA), da AHA 2010 para RCP contêm as recomendações dos especialis-
pelo Conselho Europeu em Ressuscitação (ERC), e pelo Comitê tas para a aplicação do Consenso Internacional sobre a Ciência da
Australiano em Ressuscitação (ARC), com o intuito de realizar estu- RCP com Recomendações de Tratamento, considerando a eficácia,
dos a partir de evidências cientificas. a facilidade de ensino e aplicação e fatores dos sistemas locais.
No ano de 2000, o ILCOR realizou a primeira conferência para 1. MORTE CLÍNICA E MORTE BIOLÓGICA
um consenso em reanimação cardiopulmonar (RCP) e em conjunto
com a AHA lançou uma nova diretriz para RCP. Em 2005, após uma Ressuscitação cardiopulmonar é o conjunto de manobras reali-
nova conferência de consenso, a AHA lançou outra diretriz com zadas para restabelecer a ventilação pulmonar e a circulação sanguínea,
diversas mudanças para RCP baseadas em evidências científicas, tais como, respiração artificial e massagem cardíaca externa, manobras
dentre as quais, a principal é a alteração da taxa de compressão- essas utilizadas nas vítimas em parada cardiopulmonar (morte clínica).
A RCP é também uma aspiração médica, porque a morte clíni-
ventilação de 15:2 para 30:2.
ca não é seguida instantaneamente da morte biológica. Ou seja, no
No dia 18 de outubro de 2010, a AHA publicou novas diretri-
momento em que um paciente apresenta sinais de morte clínica
zes, recomendando que os três primeiros passos da ressuscitação
(inconsciência sem resposta a qualquer estímulo, ausência de movi-
cardiopulmonar sejam reordenados. No formato anterior, o A-B-C
mentos respiratórios e ausência de pulso), há ainda viabilidade bioló-
era utilizado para designar vias aéreas, insuflações e compressões
gica dos órgãos internos. Dessa forma, se for possível manter a oferta
torácicas. Pela nova diretriz, o primeiro passo da RCP passa a ser a
de oxigênio aos tecidos e recuperar a respiração e a circulação espon-
aplicação das compressões torácicas, em detrimento de se abrir
tâneas, antes da morte biológica dos tecidos, a reanimação é obtida
inicialmente as vias aéreas e aplicar insuflações. Essa nova metodo-
com sucesso.
logia se aplica a adultos, crianças e bebês, mas excluem os neonatos,
O quadro 12.2 mostra a evolução da morte clínica até a morte
os quais permaneceram no formato A-B-C.
biológica e os vários cenários possíveis após a RCP, segundo o
As diretrizes se baseiam em um processo internacional de
tempo decorrido entre a parada circulatória e a restauração do fluxo
avaliação de evidências, envolvendo centenas de especialistas em
sanguíneo espontâneo.
ressuscitação de todo o mundo que avaliaram, e debateram milhares
A viabilidade do cérebro é que define a vida humana. Na
de publicações revisadas por pares. O Quadro 12.1 traz informações
ausência de intervenção terapêutica, a morte clínica é rapidamente
sobre o processo de avaliação de evidências de 2010.
seguida de lesão biológica tecidual irreversível. Essa sequência é
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Quadro 12.2 — Evolução da RCP pelo tempo decorrido


TEMPO 5 MIN 10 MIN 15 MIN 20 MIN

Consciente Sonolento Inconsciente Inconsciente


Consequências Respiração espontânea Reanimação espontânea Respiração espontânea Apneia
Neurológico Normal Déficit Neurológico Estado Vegetativo Morte Encefálica

um processo que se estende de cinco a vinte minutos no cérebro, de Essas PCSs têm como principal causa o Infarto Agudo do Miocár-
vinte a trinta minutos no coração e por horas na pele. Devido à dio (IAM) e, durante o infarto, a grande maioria das vítimas apresen-
variação na longevidade dos diferentes tecidos corporais, a morte ta algum tipo de FV durante a parada.
encefálica tem sido considerada o indicador da morte biológica. Nenhum tipo de RCP consegue reverter este quadro, mas
Para alguns pacientes com parada cardiopulmonar e com garante a oxigenação dos tecidos até a chegada de um desfibrilador.
funções neurológica e cardiorrespiratória previamente preservadas, Uma RCP aplicada com alta qualidade pode dobrar ou triplicar as
a utilização rápida das técnicas de RCP, seguidas de cuidados mé- taxas de sobrevivência de PCS.
dicos definitivos, pode ser salvadora. O tempo disponível de viabi-
lidade dos tecidos antes da morte biológica é curto e o principal 4. SINAIS DE PARADA CARDIOPULMONAR
determinante do sucesso da RCP.
Muitas vítimas de PCS apresentam fibrilação ventricular São três os sinais que sugerem uma parada cardiopulmonar:
(FV) em algum momento durante a parada cardíaca, ou ainda ta-
quicardia ventricular (TV) sem pulso. O manejo da parada cardíaca  Inconsciência sem resposta a estímulo;
súbita (PCS) com FV ou TV necessita RCP precoce e aplicação de  Ausência de movimentos respiratórios, ou respiração agô-
choque com um desfibrilador. Uma RCP de alta qualidade, realiza- nica (gasping);
da por um socorrista, pode dobrar ou triplicar as taxas de sobrevi-  Ausência de pulso.
vência após uma parada cardíaca. Infelizmente, menos de um terço
das vítimas de PCS são submetidas à RCP, e menos ainda recebem 5. DELINEAÇÃO DA IDADE
RCP de alta qualidade. Um objetivo fundamental das diretrizes
AHA 2010 para RCP é melhorar a sobrevivência após uma parada Crianças não devem ser vistas como pequenos adultos, nem
por meio do aumento do número de vítimas de parada cardíaca que tão pouco podemos afirmar que uma criança de oito anos é igual
recebem RCP rápida e de alta qualidade. fisiologicamente a um bebê de menos de um ano. Com o objetivo de
aplicar as técnicas conforme a idade da vítima, é necessário definir
2. PARADA RESPIRATÓRIA tal situação:

A parada respiratória evolui em alguns minutos para uma  Adultos: vítimas que apresentam caracteres sexuais secun-
parada cardiopulmonar e, apesar de ser a menor causa de paradas, dários (pré-adolescentes);
possui resultados positivos quando aplicado RCP logo no início da
 Crianças: a partir de um ano de idade até a presença de
parada, principalmente em obstrução de vias aéreas ou afogamento. caracteres sexuais secundários (doze a quatorze anos);
São causas de parada respiratória por ordem de incidência:  Bebês ou lactentes: até um ano de idade;
 Neonatos ou recém-nascidos: das primeiras horas do parto
1. Choque elétrico;
até a saída do hospital.
2. Doenças do pulmão;
3. Trauma;
6. CORRENTE DA SOBREVIVÊNCIA PARA ADUL-
4. Obstrução de vias aéreas por inconsciência (queda da língua
em contato com as partes moles da boca); TOS
5. Obstrução de vias aéreas por corpo estranho (OVACE);
6. Acidente Cardiovascular (AVE); Como parte de um processo para diminuir as mortes por para-
da cardiopulmonar e tendo em vista que algumas pessoas são muito
7. Overdose por drogas;
jovens para morrer, apesar de alguma falha no coração, a AHA criou
8. Afogamento;
um fluxograma simples, baseada em uma corrente com cinco elos: a
9. Inalação de fumaça;
Corrente da Sobrevivência (figura 139).
10. Epiglotite e laringite.
Cada elo da Corrente de Sobrevivência significa:
3. PARADA CARDÍACA
1 — Reconhecimento imediato da PCR (parada cardiorrespi-
Doenças cardíacas é a principal causa de morte em todo o ratória) e acionamento rápido do SME (Suporte Médico de Emer-
mundo e em cerca de 60% destas mortes ocorre uma parada cardía- gência);
ca súbita. A PCS corresponde a 80% das paradas cardiopulmonares. 2 — RCP precoce, com ênfase nas compressões torácicas;
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Capítulo 12 — Reanimação Cardiopulmonar

Os elos na Corrente de Sobrevivência de adultos da AHA são:


1. Reconhecimento imediato da PCR e acionamento do SME;
2. RCP precoce, com ênfase nas com-
pressões torácicas;
3. Rápida desfibrilação;
4. Suporte avançado de vida eficaz;
5. Cuidados pós-PCR integrados.
Fig. 139: Corrente da Sobrevivência para adultos.

3 — Aplicação imediata de choque com um desfibrilador, nham de regulação médica.


assim que disponível;
4 — Suporte Avançado de Vida (SAV); 7. PROCEDIMENTOS PARA RCP
5 — Cuidados pós-PCR integrados.
Ressuscitação cardiopulmonar é o conjunto de manobras reali-
Quem presencia uma parada cardiopulmonar pode prover três zadas para restabelecer a ventilação pulmonar e a circulação sanguí-
dos cinco elos, se houver um desfibrilador disponível. Como esta nea, tais como: respiração artificial, massagem cardíaca externa e
ainda não é a realidade no Brasil, o ensino da corrente da sobrevivên- desfibrilação ventricular; manobras essas utilizadas nas vítimas em
cia é restrito àqueles que possam ter acesso a este tipo de equipa- parada cardiopulmonar.
mento, normalmente profissionais de emergência. A ressuscitação cardiopulmonar requer uma sequência de pro-
Caso a causa da parada cardiopulmonar derive de uma parada cedimentos parecida com o ABCD da avaliação inicial, com algumas
respiratória conhecida e o socorrista estiver sozinho, a aplicação de diferenças. Com as novas diretrizes de 2010, a sequência de procedi-
dois minutos ou cinco ciclos de RCP desde logo precede ao aciona- mentos (chave mnemônica) de suporte básico de vida de A-B-C
mento do SME, pois este procedimento pode retomar rapidamente a (abertura de vias aéreas, boa ventilação, circulação/compressões) foi
respiração e circulação quando feito sem demora. alterada para C-A-B (ou seja, circulação/compressões, abertura de
Ao chegar ao local da emergência, e constatada a PCR por uma vias aéreas, boa ventilação,) justificável por verificação de alta taxa
unidade de Suporte Básico de Vida (SBV), o acionamento do SAV de pessoas com PCR presenciada. Além disso, a letra D da RCP
— quando disponível na localidade — deve ser considerado, inde- refere-se à desfibrilação:
pendentemente de pertencer a outro órgão de socorro público. O
suporte avançado dispõe de melhores condições de atendimento ao C — Circulação: comprimir o tórax de forma a realizar uma
paciente, quando comparado ao suporte básico, consequentemente pressão intratorácica que faça o coração bombear sangue para os
aumentam-se as chances de sobrevida do paciente. órgão vitais;
Entretanto, para que o atendimento definitivo de uma vítima de A — Vias Aéreas: manter as vias aéreas permeáveis para a
PCR não seja demasiadamente protelado, a decisão de transporte passagem do ar;
pelo SAV ou SBV deverá ser tomada analisando-se o tempo resposta B — Respiração: ventilar os pulmões da vítima para garantir
um mínimo de troca de ar;
da viatura de SAV. Assim, o comandante da guarnição de SBV de-
D — Desfibrilação: aplicação de um choque no coração para
verá estimar o tempo de chegada da viatura de SAV ao local da ocor-
normalizar os batimentos cardíacos que entram em movimentos des-
rência, a partir do seu acionamento, bem como o tempo de desloca-
compassados, como a fibrilação ventricular e a taquicardia ventricu-
mento da viatura de SBV à unidade hospitalar mais próxima. Caso o lar.
tempo de chegada do SAV for igual ou inferior ao tempo de desloca-
mento do SBV à unidade hospitalar, o SAV deve ser acionado o É essencial que se iniciem rapidamente as compressões, a fim
quanto antes. de aumentar a sobrevida do paciente e não se perca tempo com as
Como será melhor explanado na Seção 13, independentemente ventilações, que, a partir do novo protocolo, se tornam secundárias no
de qual decisão será tomada (acionamento ou não do SAV), o paci- atendimento inicial. Com essas mudanças, as compressões terão iní-
ente não deve ser transportado anteriormente à avaliação cardíaca e cio mais cedo e as ventilações terão atraso mínimo.
possível desfibrilação ventricular oferecidas por um desfibrilador Na sequência A-B-C, as compressões torácicas, muitas vezes,
externo automático (DEA), quando disponível. são retardadas enquanto o socorrista abre a via aérea para aplicar
Caso a unidade de SAV chegue ao local, mesmo sem ter sido respiração boca-a-boca, recupera um dispositivo de barreira ou reúne
acionada pela equipe de SBV, o paciente passará a ser atendido pela e monta o equipamento de ventilação. Com a alteração da sequência
equipe do SAV. para C-A-B, as compressões torácicas serão iniciadas mais cedo e o
A decisão de se acionar ou não o SAV caberá ao comandante atraso na ventilação será mínimo (isto é, somente o tempo necessário
da guarnição exclusivamente em localidades que ainda não dispo- para aplicar o primeiro ciclo de trinta compressões torácicas, ou,
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aproximadamente, dezoito segundos; quando dois socorristas estive- tórax retornar ou elevar novamente após cada compressão, o fluxo
rem presentes para a ressuscitação do bebê ou da criança, o atraso sanguíneo será reduzido durante a próxima compressão, pois o cora-
será ainda menor). ção não terá sido preenchido com quantidade suficiente de sangue
antes da próxima compressão.
8. RCP EM ADULTOS Os especialistas da área querem simplificar as informações
sobre RCP, para que mais socorristas possam aprender, memorizar e
A grande maioria das mortes em adulto é causada pela PCS e melhor realizar a reanimação. Eles também querem garantir que
por mais bem feita que seja, a RCP não consegue reverter este qua- todos os socorristas apliquem séries mais longas de compressões
dro. Caso o socorrista testemunhe, sozinho, o colapso repentino de torácicas sem interrupções. Embora as pesquisas ainda não tenham
uma vítima, poderá presumir que esta sofreu uma PCR primária com identificado uma relação ideal compressão-ventilação, quanto mais
um ritmo chocável/desfibrilável, devendo acionar imediatamente o alta a relação compressão-ventilação, mais compressões torácicas
serviço de socorro de emergência, o qual poderá aplicar a desfibrila- são aplicadas em uma série durante a RCP. Esta modificação deve
ção. Somente após o acionamento é que o socorrista iniciará a RCP. aumentar o fluxo sanguíneo para o coração, o cérebro e outros ór-
A exceção fica para os casos de PCR asfíxica (OVACE, afoga- gãos vitais.
mento, etc.), em que a aplicação imediata de compressões torácicas Durante os primeiros minutos de uma PCS com FV, a ventila-
com ventilações de resgate tem prioridade sobre o acionamento do ção, ou seja, as respirações de resgate provavelmente não são tão
socorro. O socorrista, estando sozinho, deve então executar a RCP importantes quanto as compressões. A ventilação, contudo, é impor-
por cerca de cinco ciclos (aproximadamente dois minutos), antes de tante para vítimas de parada por hipóxia e após os primeiros minutos
acionar o serviço de emergência. de qualquer tipo de parada. Em sua maioria, os lactentes e as crian-
A seguir, verificamos a sequência da RCP conforme descrito ças e a maioria das vítimas de afogamento, de overdose de drogas e
de forma sucinta acima. de traumatismos que desenvolvem parada cardíaca estão em condi-
ções de hipóxia. Essas vítimas apresentam maior chance de sobrevi-
8.1. Compressão Torácica vência se receberem tanto compressões torácicas quanto ventilação.
Portanto, a RCP somente com compressão torácica não é recomen-
Constatados os sinais característicos de parada cardiopulmo- dada como a melhor técnica de RCP. A combinação de compressão
e ventilação é a técnica com maior probabilidade de surtir os melho-
nar, você deve iniciar os procedimentos de RCP. Para tanto, o pri-
res resultados para todas as vítimas de parada cardíaca.
meiro passo é garantir que a vítima esteja em decúbito dorsal, sobre
A RCP deve ser iniciada com as compressões torácicas. Embo-
uma superfície rígida.
ra nenhuma evidência em humanos ou animais publicada demonstre
Conforme as duas últimas diretrizes da AHA, as compressões
que iniciar a RCP com trinta compressões, em vez de duas ventila-
torácicas são enfatizadas. Na vigência de parada cardíaca, não existe
ções, leve a um melhor resultado, as compressões torácicas fornecem
fluxo sanguíneo. As compressões torácicas produzem uma pequena
fluxo sanguíneo vital ao coração e ao cérebro; ademais, estudos de
quantidade de fluxo sanguíneo para os órgãos vitais, como o cérebro
PCR extra-hospitalar em adultos mostram que a sobrevivência é
e o coração. Quanto melhor forem as compressões torácicas realiza-
maior quando as pessoas presentes fazem alguma tentativa de aplicar
das (ou seja, com frequência e profundidade adequadas e permitindo
a RCP, em vez de simplesmente não tentarem fazê-lo, mesmo que
o total retorno do tórax), maior será o fluxo sanguíneo que produ-
seja apenas realizando as compressões torácicas.
zem. As compressões torácicas demasiadamente superficiais ou
As compressões devem ser iniciadas quase imediatamente, ao
lentas não produzem um fluxo sanguíneo tanto quanto possível para
passo que posicionar a cabeça e obter um selo para a respiração boca
os órgãos vitais. Quando as compressões torácicas são interrompi-
-a-boca ou com bolsa-válvula-máscara/insuflador manual sempre
das, o fluxo sanguíneo cessa. Cada vez que as compressões torácicas
demoram certo tempo.
são reiniciadas, as primeiras compressões não são tão eficazes quan-
As ações de socorro durante uma RCP devem ser realizadas
to as aplicadas a seguir. Quanto mais interrupções das compressões
simultaneamente. Ao se constatar a necessidade de reanimação, um
torácicas, menor a chance de sobrevivência da vítima de uma PCR.
socorrista, por exemplo, iniciará imediatamente as compressões
Estudos de casos reais de ressuscitação demonstraram que
torácicas, enquanto outro socorrista busca um DEA e um terceiro
50% das compressões torácicas aplicadas pelos socorristas profissio-
abre a via aérea e aplica ventilações tão logo o primeiro complete a
nais são muito superficiais. Esses estudos também demonstraram
primeira série de compressões torácicas.
que as compressões torácicas são interrompidas com muita frequên-
Quer haja um ou mais socorristas presentes, o início da RCP
cia durante a RCP. Dados de animais demonstram que atrasos ou
com compressões torácicas garante que a vítima receba logo essa
interrupções nas compressões torácicas reduzem a sobrevivência;
intervenção crítica — e qualquer atraso nas ventilações de resgate
logo, tais atrasos ou interrupções devem ser minimizados ao longo
deve ser breve.
de toda a ressuscitação. O socorrista deve aplicar compressões torá-
cicas suficientemente rápidas e profundas.
8.1.1. Verificação do Pulso
O socorrista deve deixar o tórax retornar à posição normal após
cada compressão, pois, durante o retorno da parede torácica, o san-
A verificação do pulso em vítimas inconscientes sempre é
gue preenche novamente o coração. Se o socorrista não deixar o
realizada pela palpação da carótida (figura 140). Em cerca de 10%
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Capítulo 12 — Reanimação Cardiopulmonar

apêndice xifoide;
4) Coloque a outra mão sobre a primeira e entrelace os dedos
com esta, não aplique nenhuma pressão sobre as costelas, o término
do esterno, ou o abdome;
5) Posicione-se verticalmente sobre a vítima com os braços
retos e seus ombros sobre o peito do paciente e comprima o tórax de
forma que o peso de seu corpo auxilie na compressão (figura 143).

8.1.3. Técnica da Compressão

Para efetuar as compressões é importante lembrar de alguns


detalhes:
 Comprima trinta vezes o peito para cada duas ventilações na
vítima adulta, independente de estar em um ou dois socorristas;
A taxa de compressão deve ser de cem compressões por
Fig. 140: Verificação do pulso carotídeo.
minuto;
dos casos de vítimas sem pulso, os socorristas não são capazes de  Comprima rápido, comprima forte e permita o retorno com-
identificá-lo e acabam atrasando o início das compressões torácicas. pleto do tórax;
Caso você não tenha certeza de que a vítima tem pulso, mas sabe
que a mesma não respira, inicie as manobras de RCP com compres-
são torácica.
Para verificar o pulso carotídeo, localize a traqueia com dois
dedos e deslize-os suavemente entre a traqueia e os músculos late-
rais do pescoço, exercendo uma leve compressão sem obstruir a
artéria. Esta operação não deve demorar mais do que dez segundos.
O socorrista pode também procurar por pulso na artéria femoral da
vítima inconsciente.

8.1.2. Posição do Corpo e das Mãos

Verificado que a vítima não possui pulso, o socorrista deve


iniciar as compressões torácicas:
1) Certifique-se de que a vítima esteja em decúbito dorsal so-
bre uma superfície rígida; Fig. 142: Posicionamento da região tênar da mão direita do socorrista no
2) Ajoelhe-se ao lado do peito da vítima; esterno, dois dedos acima do apêndice xifoide.
3) Exponha o peito do paciente e coloque uma das mãos no
centro do peito na altura da linha mamilar, dois dedos acima do

Fig. 141: Localização do apêndice xifoide com o dedo indicador de uma Fig. 143: Posicionamento do socorrista. Note a posição dos braços.
das mãos, afastando dois dedos acima no sentido do esterno.`
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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

 Execute a compressão com uma profundidade de, no míni- servar o mesmo subir e descer a cada insuflação;
mo, cinco centímetros; 5) Manter as vias aéreas abertas para a expiração;
 Tempo de compressão e descompressão devem ser iguais;
6) Não demore mais do que dez segundos na aplicação das
 Limite as interrupções, a compressão torácica é o procedi-
mento mais importante para garantir uma sobrevida à vítima; ventilações;
 Após dois minutos ou cinco ciclos de RCP reavalie a víti- 7) Se a ventilação não elevar o tórax após algumas tentativas,
ma, não demore mais do que dez segundos nesta avaliação; inicie a compressão torácica;
 Se possível, a cada dois minutos troque o socorrista que 8) Havendo pulso, efetue uma ventilação a cada seis a oito
comprime o tórax; estudos comprovaram que mesmo sem referir segundos (oito a dez ventilações por minuto), sem compressões
cansaço, o socorrista perde eficiência em apenas dois minutos de torácicas;
compressão. 9) Evite a hiperventilação, pois isto pode causar uma distensão
gástrica reduzindo o débito cardíaco.
8.2. Abertura de Vias Aéreas
8.3.2. Ventilação Boca-Nariz
A seguir, efetue a abertura das vias aéreas, e caso a vítima
esteja somente em parada respiratória, esse procedimento poderá Recomendada quando não é possível ventilar boca a boca,
garantir o retorno da respiração. Se, ao verificar as vias aéreas, você como: trauma de face, boca disforme; ou boca-a-boca/nariz em lac-
encontrar qualquer objeto sólido ou secreções, promova a sua retira- tentes:
da (ver capítulo 11). Não retire dentaduras bem fixas da vítima, pois
1) Com a mão que está no queixo da vítima, feche a boca da
ela ajudam a manter os contornos da boca, auxiliando em uma boa
vítima;
vedação para a ventilação.
2) Respire normalmente, coloque os lábios ao redor do nariz
da vítima e ventile;
8.3. Ventilação
3) Deixe a vítima expirar passivamente, pode ser necessário
abrir a boca;
Durante a RCP, o fluxo de sangue para os pulmões é muito 4) Manter a mesma recomendação de ritmo anterior (boca-a-
menor que o normal, portanto, a vítima necessita menos ventilação boca).
que normalmente. As ventilações de resgate podem ser aplicadas
com segurança durante um segundo. Inclusive, durante os ciclos de
8.1.3. Ventilação Boca-Estoma
RCP, é importante limitar o tempo usado para aplicar as ventilações
de resgate, a fim de reduzirem-se as interrupções das compressões
torácicas. As ventilações de resgate aplicadas durante a RCP aumen- Estoma traqueal é uma abertura permanente na parte da frente
tam a pressão torácica. Essa pressão reduz a quantidade de sangue do pescoço em pessoas que tiveram sua laringe removida por cirur-
que enche o coração que, por sua vez, diminui o fluxo de sangue gia. A ventilação nestes casos é feita diretamente no estoma, da mes-
gerado pela próxima série de compressões torácicas. Por todas essas ma maneira do boca-a-boca. Não esqueça de permitir a saída de ar
razões, a hiperventilação (respirações em número excessivo ou com após cada ventilação.
um volume muito grande) não é necessária, e pode ser prejudicial
pois, na verdade, essa manobra pode reduzir o fluxo de sangue gera- 8.1.4. Ventilação Bolsa-Válvula-Máscara
do pelas compressões torácicas. Além disso, a aplicação de ventila-
ções longas e forçadas pode causar distensão gástrica e suas compli- A ventilação bolsa-válvula-máscara é o procedimento padrão
cações. para equipes de suporte de vida na aplicação da ventilação na RCP.
A maioria destes equipamentos é constituída por uma máscara que
8.3.1. Ventilação Boca-a-Boca garante a vedação da boca e nariz, uma válvula que impede a reina-
lação e uma bolsa com um volume aproximado de 1.600 ml. Assim
Para realizar a ventilação boca-a-boca: que possível, conecte também o reservatório com oxigênio para
garantir a entrega de 100% de oxigênio à vítima (exceção aos neo-
natos, ver seção 11.2.1); sem este equipamento, a entrega de oxigê-
1) Pince o nariz da vítima usando o polegar e o dedo indicador
nio fica em apenas 70%.
da mão que está na testa da vítima;
Para a ventilação bolsa-válvula-máscara, segure firmemente
2) Respire normalmente e coloque seus lábios na boca da víti-
com uma das mãos a máscara e um dos ângulos da mandíbula da
ma, vedando-a completamente, impedindo a fuga de ar;
vítima, com a outra mão comprima lentamente a bolsa até verificar
3) Ventile duas vezes (cerca de um segundo para cada ventila-
elevação visível do tórax. A ventilação com dois socorristas garante
ção), a cada trinta compressões torácicas;
uma maior efetividade, pois enquanto um comprime a bolsa, o outro
4) A ventilação deve provocar elevação visível do tórax; ob-
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122 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
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Capítulo 12 — Reanimação Cardiopulmonar

veda a máscara com as duas mãos, uma em cada ângulo da mandí- 1 — Prevenção nas causas de parada cardiorrespiratória;
bula. 2 — Aplicação de dois minutos ou cinco ciclos de RCP desde
logo;
8.1.5. Pressão Cricoide 3 — Acionamento rápido do SME;
4 — Suporte Avançado de Vida em Pediatria;
A pressão cricoide é uma técnica utilizada para aplicar pressão 5 — Cuidados pós-PCR integrados.
à cartilagem cricoide da vítima, de forma a empurrar a traqueia pos-
teriormente e comprimir o esôfago contra as vértebras cervicais Caso você tenha conhecimento de que a criança sofra de algu-
(figura 144). ma doença cardíaca, o acionamento do socorro de emergência é
A pressão cricoide pode impedir a distensão gástrica e reduzir prioritário à aplicação de RCP.
o risco de regurgitação e aspiração durante a ventilação com bolsa-
válvula-máscara/insuflador manual, mas também pode impedir a 9.2. Compressão Torácica
ventilação. Sete estudos aleatórios mostraram que a pressão cricoide
pode retardar ou impedir a colocação de uma via aérea avançada e
Para a compressão torácica em crianças, siga os seguintes pas-
que, a despeito da aplicação de pressão cricoide, pode ocorrer, ainda
sos:
assim, um pouco de aspiração. Além disso, é difícil treinar os socor-
1) Apalpe o pulso carotídeo em, no máximo, dez segundos, se
ristas de forma apropriada no uso da manobra. Por isso, o uso roti-
não estiver presente ou se estiver inconsciente, prepare-se para inici-
neiro de pressão cricoide em PCR não é mais recomendado a partir
ar as compressões.
das diretrizes 2010.
2) Certifique-se de que a vítima esteja em decúbito dorsal so-
bre uma superfície rígida.
3) Ajoelhe-se ao lado do peito do paciente.
4) Exponha o peito da vítima e coloque uma das mãos com o
braço reto sobre o centro do peito na altura da linha mamilar, se
achar necessário, é possível colocar as duas mãos.
5) Se estiver sozinho, comprima trinta vezes o peito, e em se-
guida, aplique duas ventilações.
6) Em dois socorristas, comprima quinze vezes e aplique duas
ventilações.
7) A taxa de compressão deve ser de cem compressões por
minuto.
8) Comprima rápido, comprima forte e permita o retorno com-
pleto do tórax.
Fig. 144: Pressão cricoide. 9) Execute a compressão com uma profundidade mínima equi-
valente a um terço do diâmetro anteroposterior do tórax, aproxima-
9. RCP EM CRIANÇAS damente cinco centímetros.
10)Tempo de compressão e descompressão devem ser iguais.
A RCP em crianças é quase a mesma para adultos, com algu- 11) Após dois minutos ou cinco ciclos de RCP, reavalie o paci-
mas variações devido às diferenças anatômicas e fisiológicas. ente; não demore mais do que dez segundos nesta avaliação.

9.1. Corrente da Sobrevivência 9.3. Abertura de Vias Aéreas

A corrente da sobrevivência para crianças e jovens (até vinte e O procedimento é o mesmo realizado para adultos.
um anos) apresenta uma diferença em relação à corrente para os
adultos. Como as mortes nesta faixa etária são mais comuns devido
9.4. Ventilação
ao trauma (acidentes de trânsito, afogamentos, queimaduras, FAB
(ferimento por arma branca), FAF (ferimento por arma de fogo), a
prevenção ganha em importância para estes casos, pois uma parada Após a abertura das vias aéreas, aplique duas ventilações efeti-
nestas situações só é revertida em 2 a 5 % dos casos e em sua maio- vas na criança. Devido ao tamanho da caixa torácica infantil ser
ria com alguma complicação neurológica. menor que do adulto, menos ar é necessário na respiração. Ao venti-
lar, forneça apenas ar suficiente para elevar o tórax da criança.
Os elos da Corrente da Sobrevivência para crianças são:
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10. RCP EM BEBÊS

Em bebês, (menos de um ano de idade), as causas mais co-


muns de parada cardiorrespiratória são: síndrome da morte súbita
em lactentes, doenças respiratórias, OVACE, afogamento e doenças
neurológicas. A ressuscitação nestes casos é extremamente difícil e
resultam muitas vezes em complicações neurológicas.
A corrente da sobrevivência para bebês é a mesma aplicada às
crianças, com a diferença de que a prevenção deve atuar mais nas
doenças acima.

10.1. Compressão Torácica Fig. 147: Compressão com polegares.

10.3. Ventilação
Principais diferenças na aplicação de compressões torácicas
em relação à criança:
A ventilação recomendada para bebês sem o uso de equipa-
mentos é a boca-a-boca e nariz, devido às diferenças anatômicas
1) Apalpe o pulso braquial em bebês. Se estiver ausente, ou se entre adulto e o bebê. Assim como para crianças, a ventilação forne-
o bebê estiver inconsciente, inicie a RCP; cida para bebês é menor do que a para adultos. Ao ventilar, forneça
2) Se estiver sozinho, o socorrista pode executar a RCP senta- apenas ar suficiente para elevar o tórax do bebê.
do com o bebê em seu braço, apoiado em uma das pernas, porém, a
superfície rígida é mais apropriada; 11. RCP EM NEONATOS
3) A aplicação da compressão é realizada logo abaixo da linha
mamilar;
Como a RCP em neonatos somente é aplicável nas primeiras
4) Comprima o tórax com dois dedos sobre o esterno (figura
horas após o parto, dificilmente uma equipe de socorristas a utilizará,
146), ou se possível, com os dois polegares, abraçando o peito da mas, como pode haver a ocorrência de um parto de emergência na
vítima com as mãos (figura 147). A profundidade mínima, assim viatura, o socorrista deve saber aplicá-la.
como na criança, deve ser equivalente a um terço do diâmetro ante-
As paradas cardiorrespiratórias em neonatos são predominan-
roposterior do tórax, aproximadamente quatro centímetros em be-
temente asfíxicas, motivo pelo qual deve ser utilizada a sequência de
bês.
ressuscitação A-B-C com relação compressão-ventilação de 3:1,
exceto quando há etiologia claramente cardíaca, situação esta em
10.2. Abertura de Vias Aéreas que deve ser efetuada uma relação maior (15:2).
Salienta-se que a relação compressão-ventilação ideal ainda
O procedimento é praticamente idêntico ao do adulto, com a permanece desconhecida. A relação 3:1 para recém-nascidos facilita
diferença de que em bebês é indicada a colocação de uma pequena a administração do volume-minuto adequado, considerada crítica
toalha sobre os ombros da criança para manter as vias aéreas abertas para a vasta maioria dos recém-nascidos que sofrem uma PCR as-
devido à relação da cabeça da criança com o tórax. fíxica. A consideração de uma relação 15:2 (com dois socorristas)
reconhece que os recém-nascidos com PCR de etiologia cardíaca
podem se beneficiar de uma relação compressão-ventilação mais
alta.

11.1. Abertura de Vias Aéreas

Procedimento semelhante ao da criança, com a diferença de


que logo após o parto se faz necessário aspirar as vias aéreas por
completo para retirar qualquer possibilidade de obstrução pelo líqui-
do amniótico.

11.2. Ventilação

Fig. 146: Compressão com dois dedos, abaixo da linha mamilar. Mesma ventilação recomendada para crianças deve ser aplica-
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da aos neonatos com a diferença de que, neste caso, somente deve ventilação boca-a-boca. Se mesmo assim, o socorrista relutar em
ser aplicada uma ventilação antes de iniciar as compressões. ventilar a vítima, este não deve atrasar o emprego das compressões
Uma vez iniciada a ventilação por pressão positiva ou a admi- torácicas que têm se mostrado mais importante do que as ventila-
nistração de oxigênio suplementar, sua avaliação deve envolver ções, em um curto prazo.
simultaneamente três características clínicas: frequências cardíaca e A interrupção das compressões deve ser evitada ao máximo.
respiratória e avaliação do estado de oxigenação (determinado, ide- Estudos têm mostrado que mesmo mantendo as compressões a um
almente, por oximetria de pulso, ao invés de avaliação da cor da ritmo de 100/min, devido às interrupções, esta taxa cai para 60/min
pele). A avaliação da cor é subjetiva. Há dados acerca das tendências prejudicando as chances de sobrevida da vítima.
normais em saturação de oxi-hemoglobina monitorada por oxime- A hiperventilação já não é mais recomendada, sendo até mes-
tria de pulso. mo prejudicial. A maior parte do ar entregue na ventilação acaba
indo para o estômago, ocorrendo uma distensão gástrica que prejudi-
11.2.1. Oxigenação Suplementar ca a pressão intratorácica aplicada pelas compressões e, principal-
mente, o retorno venoso para o coração. Pode ainda ocorrer regurgi-
Estudos evidenciaram que bebês saudáveis nascidos a termo tação e aspiração pulmonar, além da elevação do diafragma, que
partam de uma saturação de oxi-hemoglobina arterial inferior a 60% limita a expansibilidade pulmonar.
e possam levar mais de 10 minutos para atingir saturações superiores Barotrauma pulmonar, resultante da utilização de uma quanti-
a 90%. A hiperóxia pode ser tóxica, particularmente para bebês pré- dade excessiva de ar durante a ventilação, causando ruptura pulmo-
termos. nar e pneumotórax.
Em razão disso, a oximetria de pulso, com o sensor/eletrodo Algumas complicações podem surgir com a execução das
colocado na extremidade superior direita, deve ser usada para avaliar compressões: fratura de costelas, pneumotórax, hemotórax, contu-
qualquer necessidade de oxigênio suplementar. Para bebês nascidos sões pulmonares ou miocárdicas e lesões na região abdominal. Ape-
a termo, é melhor iniciar a ressuscitação com ar, em vez de oxigênio sar destas complicações, a compressão torácica não deve ser inter-
a 100%. A administração de oxigênio suplementar deve ser regulada rompida até que a vítima retorne, ou seja entregue ao suporte médi-
misturando-se oxigênio e ar. A quantidade a ser administrada deve co.
ter por guia a oximetria monitorada.
13. DESFIBRILADOR EXTERNO AUTOMÁTICO
11.3. Compressão Torácica
O uso do desfibrilador externo automático (DEA) tem se
Principais diferenças na aplicação de compressões torácicas difundido no Brasil, principalmente após a morte de Serginho,
em relação à criança: jogador do São Caetano, que faleceu em campo no ano de 2004,
devido a uma PCS. O uso do DEA é comum nos Estados Unidos e
tem demonstrado uma maior eficiência quando empregado por
1) Apalpe o pulso braquial em neonatos. Se estiver ausente, ou
socorristas leigos em locais de grande público, tais como aeropor-
se o recém-nascido estiver inconsciente, inicie a RCP;
tos, shoppings e estádios, do que quando empregado somente pelo
2) A aplicação da compressão é realizada logo abaixo da linha SME.
mamilar; O DEA é um aparelho capaz de analisar o ritmo cardíaco e
3) Comprima o tórax com os dois polegares, abraçando o peito aplicar o choque quando necessário. Para isso, o ritmo cardíaco
da vítima com as mãos (figura 147); apresentado pela vítima deve ser chocável, o que ocorre somente
4) Comprima três vezes o tórax para cada ventilação (um so- com a FV e a TV. Cerca de 70% das PCS apresentam FV em algum
corrista), ou quinze vezes (dois socorristas); momento da parada. Vítimas com parada devido a um trauma nor-
5) Comprima a uma taxa de cem compressões por minuto. malmente apresentam assistolia (sem ritmo).
Ao tentar promover a desfibrilação, todos os socorristas devem
12. COMPLICAÇÕES NA RCP aplicar um choque, seguido de RCP imediata, começando com com-
pressões torácicas. Visto que os DEAs são programados pelos fabri-
cantes, devem possibilitar aos socorristas a verificação do ritmo
Algumas complicações são encontradas na aplicação da RCP.
cardíaco a cada dois minutos.
Começa muitas vezes pela demora no início das manobras, cerca de
As equipes de SBV equipadas com o DEA não devem trans-
10% dos socorristas profissionais, ao verificar o pulso, pensam que o
portar o paciente para uma unidade hospitalar, realizando apenas
mesmo está presente, quando não está, atrasando a RCP.
RCP, sem a avaliação cardíaca e possível desfibrilação ventricular
Alguns socorristas podem ficar relutantes na entrega de venti-
oferecidas pelo equipamento.
lações sem equipamentos. A possibilidade de contrair uma doença é
pequena e somente alguns casos de tuberculose foram verificados na

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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul 125
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13.1. Aplicação do Choque para realizar a análise (figura 150).


4) Após a análise, o DEA indicará o choque ou não, se não for
Para a aplicação do choque, o socorrista deve observar os mes- indicado, avalie a vítima e inicie a RCP;
mo sinais de parada citados anteriormente: inconsciência sem respos- 5) Com o choque indicado, afaste todos da vítima e aplique o
ta a estímulos, ausência de movimentos respiratórios e ausência de choque (figura 151).
pulso. Verificado que a vítima está em parada, o socorrista deve se-
guir os seguintes passos:

1) Ligue o DEA. Se estiver na viatura em movimento, pare-a


para evitar interferências na análise (figura 148).
2) Exponha o peito da vítima e fixe as pás autoadesivas no
tórax, conforme o desenho indicativo que se encontra nas próprias
pás (figura 149).
3) Afaste-se da vítima e aguarde o DEA analisar o ritmo cardí-
aco. Alguns aparelhos requerem que o operador aperte um botão

Fig. 151: Aplicação do choque.

Após o choque, deve-se iniciar a RCP imediatamente, come-


çando com compressões torácicas. Os socorristas não devem inter-
romper as compressões torácicas para verificar a presença de circula-
ção sanguínea até cerca de cinco ciclos ou aproximadamente dois
minutos de RCP após o choque.
Com a maioria dos desfibriladores atualmente disponíveis, o
primeiro choque consegue reverter a FV em mais de 85% dos casos.
Naqueles em que o primeiro choque não obtenha sucesso, reiniciar a
Fig. 148: Ligue o DEA.
RCP sem reavaliar o pulso e sem retirar as pás; provavelmente se
obterá um resultado melhor que aplicar outro choque. Mesmo quan-
do um choque reverte a FV, demora vários minutos até o retorno a
um ritmo cardíaco normal e mais tempo ainda para o coração resta-
belecer um fluxo sanguíneo. Um breve período de compressões torá-
cicas pode fornecer oxigênio e fontes de energia para o coração,
aumentando sua probabilidade de ser capaz de bombear sangue efi-
cazmente, após a aplicação do choque. Não existem evidências de
que as compressões torácicas feitas imediatamente após a desfibrila-
ção possam provocar FV recorrente.
Fig. 149: Coloque as pás.
Acredita-se que os fabricantes de DEAs deverão reprogramar
os dispositivos, para se adaptarem a essa recomendação. A AHA
incentiva os fabricantes de DEAs a desenvolverem dispositivos que
possam analisar o ritmo cardíaco da vítima, sem precisar interromper
as compressões torácicas.
Nos casos em que o choque não é indicado, reinicie com com-
pressões e realize dois minutos ou cinco ciclos de RCP. Após isto,
reative o DEA para analisar novamente o ritmo cardíaco. Não é ne-
cessário retirar as pás durante a RCP.
Para o colapso súbito testemunhado em uma criança, recomen-
da-se utilizar o DEA assim que estiver disponível. Para casos de
parada cardíaca não testemunhada, em ambiente fora do hospital,
utilizar o DEA após cerca de cinco ciclos (aproximadamente dois
minutos) de RCP. O ideal seria comprovar (através de estudos publi-
cados) que o DEA reconhece os ritmos chocáveis em pacientes pedi-
Fig. 150: Afaste-se da vítima. átricos com precisão e confiabilidade e que são capazes de fornecer
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126 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
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Capítulo 12 — Reanimação Cardiopulmonar

uma dose “pediátrica” de energia. Alguns DEAs demons-


tram ser bastante precisos na identificação de ritmos chocá-
veis em pacientes pediátricos, e alguns são equipados para
fornecer doses de energia adequadas para crianças. Ao se
aplicar RCP em uma criança (com mais de um ano), se o
DEA disponível não dispuser de pás próprias para crianças
ou um sistema para fornecer uma dose menor, é preciso utili-
zar um DEA comum, com pás para adultos. O socorrista,
contudo, NÃO deve utilizar pás próprias para crianças em
adultos em parada cardíaca, dada a improbabilidade de se
produzir a desfibrilação em adultos.
Algumas complicações podem surgir devido ao ex-
Fig. 152: Os primeiros segmentos foram registrados quando o DEA foi ligado e fixa- cesso de pelos ou a presença de água no peito da vítima. Se o
do ao corpo da vítima (hora: 22:37:22). O ritmo cardíaco é classificado como “FV
grosseira”. DEA não conseguir analisar, arranque as pás com os pelos e
coloque outras no lugar, se não funcionar corte os pelos com
uma tesoura. Nunca aplique o DEA se a vítima estiver sub-
mersa, retire-a da água e seque o peito da vítima para conec-
tar as pás.
Ao lado, são apresentadas algumas séries de ECGs,
demonstrando o efeito negativo da demora na realização
compressões torácicas após a aplicação de choque. Esta série
contínua foi reproduzida de um DEA usado para ressuscita-
ção de uma vítima de parada cardíaca súbita, em um campo
de golfe. O ECG começa em 22:37:22, quando o DEA é
conectado, e continua até 22:39:01, quando a RCP é reinicia-
da. A vítima sobreviveu à PCS.

14. TRATAMENTO PÓS-RESSUSCITAÇÃO

Em caso de sucesso nas manobras de ressuscitação,


deve-se seguir um tratamento para restabelecer os sinais
vitais da vítima às condições normais. Investigue as causas
que levaram à parada para melhor tratá-la. Uma vez restabe-
Fig. 153: Nesta segunda série, recomenda-se a aplicação de um choque, o que é feito lecida a circulação, garanta a permeabilidade das vias aéreas
às 22:37:44 h, 22 segundos após a fixação das pás. O choque reverte a FV. O ritmo
pós-choque inicial é de assistolia. O DEA então analisa o ritmo após o primeiro e a ventilação adequada da vítima. Monitore a saturação arte-
choque.

Fig. 154: Este terceiro segmento de ECG revela o ritmo pós-choque


apresentado nos 21 segundos seguintes. Observa-se a presença de
assistolia, e o DEA está analisando o ritmo, portanto, não se realiza
RCP e não há fluxo sanguíneo.

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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul 127
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Fig. 155: Este quarto segmento apresenta nova fibrilação (às 22:38:09 h), 25 segundos após o primeiro choque ter
revertido a FV com sucesso. Note que durante os 25 segundos não foram aplicadas manobras de RCP. O DEA, en-
tão, analisa o ritmo e indica a necessidade de aplicação de um novo choque. O choque é aplicado (às 22:38:43 h),
com a presença de assistolia, e o DEA então analisa os ritmos. Finalmente, recomenda-se a realização de RCP, que
se inicia às 22:39:01 h, um total de 1 minuto e 17 segundos após o primeiro choque. A vítima sobreviveu!

rial da oxi-hemoglobina. O ideal é mantê-la a entre 94% e 99%.  RCP não administrada por nenhuma pessoa presente;
Ministre oxigênio umidificado de modo a manter a saturação arterial  Ausência de RCE após cuidados completos de SAV em
de oxi-hemoglobina em uma taxa superior a 94%. campo;
Estudos sugerem que a hiperoxemia acentua a lesão oxidativa  Nenhum choque aplicado.
observada após a reperfusão de isquemia, como ocorre após a res-
suscitação de uma PCR.
O risco de uma lesão oxidativa pode ser reduzido por meio do
monitoramento da saturação arterial de oxi-hemoglobina, sem dei-
xar de garantir o adequado, com a meta de se evitar hiperóxia, asse-
gurando-se a administração adequada de oxigênio.
Dados recentes de um estudo com adultos demonstram resul-
tados piores com hiperóxia após a ressuscitação de uma PCR. As-
sim, deve-se evitar a saturação de 100%, mantendo-a em níveis
superiores a 94%.
Em caso de trauma, os procedimentos para controle de hemor-
ragias e imobilização da vítima vêm na sequência. Se o caso for
clínico, a vítima deve ser colocada na posição de recuperação con-
forme a sequência das figuras 156 a 158. Evite a hipertermia Fig. 156: O socorrista cruza um braço da vítima, posicionando a mão
do paciente na face oposta ao braço cruzado.
(aquecimento) da vítima no ambiente pré-hospitalar, tratando a febre
de maneira intensiva após a ressuscitação.

15. QUANDO INTERROMPER A RCP?

Segundo a diretriz 2010 da AHA, para adultos que sofram


PCR extra-hospitalar e que estejam recebendo apenas SBV, foi esta-
belecida, a “regra de SBV para encerramento de ressuscitação”, que
considera o encerramento do SBV antes do transporte por ambulân-
cia, se todos os seguintes critérios forem atendidos:
 PCR não presenciada pelo profissional do SME ou pri-
meiro socorrista;
 Ausência de RCE (retorno da circulação espontânea) após
três ciclos completos de RCP e análises do DEA; Fig. 157: O socorrista flexiona a perna do mesmo lado em que cruzou o
 Nenhum choque aplicado com o DEA. braço da vítima.

Em situações em que as equipes de SAV do SME estiverem


presentes para fornecer cuidados para um adulto com PCR extra-
hospitalar, foi estabelecida uma “regra de SAV para encerramento
da ressuscitação”, que considera o encerramento dos esforços de
ressuscitação antes do transporte por ambulância, se todos os seguin-
tes critérios forem atendidos:
Fig. 158: O paciente então fica lateralizado, prevenindo-se uma bronco-
 PCR não presenciada (por qualquer pessoa); aspiração, como consequência de uma possível regurgitação.

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128 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
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Capítulo 12 — Reanimação Cardiopulmonar

A implementação destas regras envolve contatar o controle  Adultos: a partir de oito anos de idade;
médico por telefone (quando disponível), consoante os critérios  Crianças: a partir de um ano até oito anos de idade;
sejam atendidos. Os profissionais do serviço de emergência/urgência  Bebes ou lactentes: até um ano de idade;
devem receber treinamento sobre a sensibilidade de comunicação do  Neonatos ou recém-nascidos: para leigos, não há diferen-
resultado da ressuscitação para a família. ça entre bebês e neonatos.
As regras acima para encerramento da ressuscitação foram
validadas externamente em vários ambientes de SME nos Estados 17.3. Compressão Torácica
Unidos, no Canadá e na Europa. A implementação dessas regras
pode reduzir em 40% a 60% a taxa de transporte hospitalar desne- Leigos têm dificuldade de guardar várias taxas, por isso, uma
única taxa de compressão-ventilação de 30:2 para todas as faixas-
cessário, diminuindo, assim, os riscos rodoviários associados, que
etárias deve ser ensinada aos leigos.
colocam em risco as equipes de emergência e o público, expõem
inadvertidamente o pessoal de SME a possíveis riscos biológicos e 17.4. Abertura das Vias Aéreas
elevam o custo de preparação do serviço de emergência/urgência.
É importante salientar que nenhum desses critérios foi estabe- Ensine apenas a inclinação da cabeça e elevação do mento
para leigos. A tração da mandíbula realizada por leigos não é tão
lecido para a PCR pediátrica extra-hospitalar (neonatos, bebês ou eficiente e dificilmente consegue-se evitar a movimentação da cabe-
crianças), visto que nenhum preditor de resultado de ressuscitação ça e pescoço com esta manobra.
foi validado para a PCR extra-hospitalar nessa população. Nesses
casos, a decisão deverá ser tomada preferencialmente por profissio- 17.5. Ventilação
nal médico.
Diferenças entre RCP para profissionais e socorristas leigos:

16. QUANDO NÃO INICIAR A RCP? 1. Como os socorristas leigos não verificam o pulso, eles não
devem aplicar a ventilação artificial sem compressões torácicas;
2. Caso o leigo fique relutante em efetuar ventilações, ele deve,
A equipe de socorrista não deve iniciar a RCP, caso as seguin- ao menos, efetuar compressões torácicas.
tes situações estejam presentes:
 Rigidez cadavérica; 17.6. Corrente da Sobrevivência para Leigos
 Decapitação; A corrente da sobrevivência não é um método de ensino que
 Decomposição; deve ser aplicado no Brasil, pois não se encontram muitos DEAs
 Esmagamento do tórax; disponíveis em locais públicos. Aplique esta metodologia somente
 Quando a execução da RCP pode colocar o socorrista sob se houver DEA no local do ensino.
risco. Prefira o método: ligue para a emergência; RCP desde logo
para adultos; RCP por dois minutos e ligue para o SAV para crian-
ças e bebês.
17. RCP PARA LEIGOS Reconheça imediatamente a emergência, ligue para o serviço
de emergência médica: 193 ou 192.
Efetue duas ventilações, localize o centro do peito e posicione
Os bombeiros socorristas são atualmente os maiores difusores a mão sobre a linha mamilar.
de informações à população de procedimentos para o SBV. Após Comprima o peito por trinta vezes, comprima forte, comprima
uma avaliação sobre os métodos de ensino para leigos, a AHA deci- rápido e permita o retorno do tórax.
diu diferenciar o ensino da RCP para leigos.
18. TREINAMENTOS

17.1. Sinais de Parada Cardiopulmonar A qualidade do treinamento e a frequência de reciclagem do


socorrista são fatores críticos para melhorar a eficácia da ressuscita-
ção. É necessária uma renovação frequente das habilidades, com um
Leigos não conseguem identificar pulso e podem atrasar a
compromisso de manter uma certificação similar àquela adotada por
aplicação da RCP por este motivo, por isso somente estes dois sinais muitas organizações de credenciamento na área de saúde.
devem ser verificados: Instrutores e alunos devem estar cientes de que a conclusão
bem-sucedida de um curso de APH é apenas o primeiro passo para
1. Inconsciência sem resposta a estímulo; se atingir e manter a competência.
Os cursos de APH devem fazer parte de um processo maior de
2. Ausência de movimentos respiratórios. treinamento contínuo e melhoria permanente da qualidade que reflita
as necessidades e práticas de indivíduos e sistemas. Em razão disso,
17.2. Delineação da Idade a certificação do desempenho das habilidades do socorrista deve,
obrigatoriamente, ser avaliada a cada dois anos, fornecendo-se refor-
A delineação da idade também difere, pois leigos normalmen- ço, se necessário. Entretanto, é importante que as reciclagens não
te não sabem identificar caracteres sexuais secundários: fiquem limitadas a tão longo intervalo.
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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Manter o foco durante uma RCP nas características de fre- mas de PCR, inclusive vítimas que possam ainda estar com gasping,
quência, profundidade e retorno do tórax, bem como minimizar e incentivar tais pessoas a administrar a RCP, se for provável que
interrupções, é um desafio complexo, mesmo para profissionais ocorra uma parada.
altamente treinados, e, por isso, deve receber a devida atenção duran- Os atendentes/operadores podem instruir as pessoas presentes
te o treinamento. não treinadas a aplicar a RCP somente com as mãos (apenas com-
As diretrizes da AHA 2010 colocaram renovada ênfase em pressões).
assegurar que as compressões torácicas sejam executadas correta- Manequins com recursos realistas, como a capacidade de de-
mente. Simplesmente treinar para “comprimir com força e rapidez” monstrar expansão torácica e sons respiratórios, gerar pulso e pres-
pode não ser adequado para garantir compressões torácicas excelen- são arterial e falar podem ser úteis para a integração de conhecimen-
tes. O uso de dispositivos para RCP imediata e de feedback durante to, habilidades e comportamentos exigidos no treinamento.
o treinamento pode melhorar o aprendizado e a retenção do conteú- Não se devem usar exclusivamente avaliações escritas para
do, como parte de uma estratégia geral de melhoria da qualidade da avaliar a competência de um participante de um curso de APH; é
RCP em PCRs e ressuscitações reais. O treinamento da complexa necessário também avaliar o desempenho prático.
combinação de habilidades necessária para a adequada execução de A avaliação formal deve continuar sendo incluída nos cursos
compressões torácicas deve se concentrar em demonstrar perícia. de ressuscitação, tanto como método para avaliar o êxito do aluno
Os atendentes/operadores dos SMEs devem fornecer instru- em atingir os objetivos de aprendizado, quanto para avaliar a eficácia
ções por telefone para ajudar as pessoas presentes a reconhecer víti- do curso.

Quadro 12.3 — Resumo dos principais componentes de SBV para adultos, crianças, bebês e neonatos
RECOMENDAÇÕES
Componente Adultos Crianças Bebês Neonatos
Não responsivo (para todas as idades)
Reconhecimento Sem respiração ou com respiração Sem respiração ou apenas com gasping
anormal (isto é, apenas com gasping)
Sem pulso palpado em 10 segundos, para todas as idades (apenas para PE)
Sequência da RCP C-A-B A-B-C
Frequência de compres- No mínimo, 100/min
são
Profundidade da com- No mínimo, 1/3 do diâme-
No mínimo, 5 cm No mínimo, 1/3 do diâmetro AP (cerca de 4 cm)
pressão tro AP (cerca de 5 cm)
Retorno da parede torá- Permitir retorno total entre as compressões
cica PE, alternar as pessoas que aplicam as compressões, a cada 2 minutos
Interrupções nas com- Minimizar interrupções nas compressões torácicas
pressões Tentar limitar as interrupções a menos de 10 segundos
Vias aéreas Inclinação da cabeça, elevação do queixo (PE que suspeitarem de trauma: anteriorização da mandíbula)
3:1 (1 socorrista)
Relação compressão- 30:2 30:2 (1 socorrista) 15:2 (2 socorristas PE ou
ventilação (1 ou 2 socorristas) 15:2 (2 socorristas PE) quando houver etiologia
cardíaca)
Ventilações: quando so-
corrista não treinado ou Apenas compressões
treinado e não proficiente
Ventilações: quando so- 1 ventilação a cada 6 a 8 segundos (8 a 10 ventilações/min)
corrista treinado com pro- Cerca de 1 segundo por ventilação
ficiência Elevação visível do tórax
Colocar e usar o DEA assim que ele estiver disponível. Minimizar as interrupções nas compressões torácicas antes e
Desfibrilação após o choque; reiniciar a RCP começando com compressões imediatamente após cada choque.
Não transportar o paciente para uma unidade hospitalar antes de utilizar o DEA.
Unidades de SBV devem acionar o SAV (quando disponível na localidade, independente de pertencer a outro órgão
Acionamento do SAV de socorro público), quando o tempo de chegada do SAV ao local for maior ou igual ao tempo de deslocamento
do SBV à unidade hospitalar
Certificação PE devem renovar a certificação, no mínimo, a cada dois anos
Abreviações: DEA — desfibrilador automático externo; AP — anteroposterior; RCP — ressuscitação cardiopulmonar; PE — profissional de emergência..

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130 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 13
Hemorragias e Estados de Choque

P
ção do ventrículo esquerdo, ocorre uma elevação da pressão nos
vasos sanguíneos que é maior que a pressão normal de repouso. A
ara um melhor entendimento dos mecanismos da elevação súbita da pressão produz uma onda de pulso que empurra o
hemorragia e do choque faz-se necessário uma sangue pelo sistema. O pico de aumento de pressão é a pressão arte-
pequena revisão de alguns aspectos conceituais de anatomia e fisio- rial sistólica e representa a pressão do sangue produzida pela contra-
logia do sistema cardiovascular. Vejamos: ção ventricular (sístole). A pressão de repouso nas artérias entre as
contrações ventriculares é a pressão arterial diastólica e representa a
1. CORAÇÃO pressão residual que fica no sistema enquanto o coração está se en-
chendo (diástole). Representa uma estimativa indireta da resistência
É um órgão muscular oco que se contrai ritmicamente, impul- vascular. Assim, o socorrista pode obter mais informações se medir
sionando o sangue através de toda a rede vascular. Consiste em duas tanto a pressão arterial sistólica quanto a diastólica durante o exame
câmaras que recebem o líquido (os átrios) c duas câmaras que predo- secundário, auscultando com o estetoscópio. Contudo, às vezes, o
minantemente o bombeiam (os ventrículos). A função dos átrios é socorrista mede apenas a pressão arterial sistólica, pela palpação
receber e acumular o sangue, de tal modo que os ventrículos possam (sentindo o pulso com os dedos). A diferença entre a pressão sistóli-
ser enchidos rapidamente, minimizando a demora no ciclo de bom- ca e a diastólica é chamada pressão de pulso.
beamento. O átrio direito recebe o sangue das veias de todo o corpo A quantidade de líquido bombeada para o sistema a cada con-
e o bombeia para o ventrículo direito. Cada vez que ocorre uma tração do ventrículo é chamada de volume sistólico e a quantidade
contração do ventrículo direito, o sangue é bombeado para os pul- de sangue bombeada para o sistema em um minuto é chamada de
mões para ser oxigenado (figura 159). Depois, o sangue volta dos débito cardíaco. A fórmula do débito cardíaco (DC) é:
pulmões para o átrio esquerdo. Daí, passa para o ventrículo esquer-
do, que, então, o bombeia para as artérias de todo o corpo (figura Débito cardíaco (DC) =
160). À medida que o sangue é bombeado pelo sistema por contra- Frequência cardíaca (FC) x Volume sistólico (VS)

O débito cardíaco é representado em litros por minuto (LPM).


Não pode ser medido no atendimento pré-hospitalar. Contudo, a
compreensão do débito cardíaco e da sua relação com o volume
sistólico é um conceito importante para entender e tratar o choque.
Para que o coração trabalhe de forma efetiva, deve haver um
volume adequado de sangue na veia cava e nas veias pulmonares,
para encher os ventrículos. A lei de Starling exprime um conceito
importante que explica como funciona essa relação — quanto mais
os ventrículos se enchem, maior a força de contração do coração.
Essa pressão (pré-carga) que enche o coração distende as fibras do
músculo cardíaco fazendo com que o enchimento ventricular seja
Fig. 159: Em cada contração do ventrículo direito, o sangue é bombea-
do através dos pulmões. O sangue que volta dos pulmões penetra no adequado. A hemorragia significativa e a hipovolemia relativa dimi-
lado esquerdo do coração e é bombeado pelo ventrículo esquerdo para o nuem a pré-carga cardíaca, de modo que chega menos sangue ao
sistema vascular sistêmico.
coração e as fibras não têm uma distensão efetiva, o que leva à dimi-
nuição do volume sistólico. Se a pressão de enchimento do coração
for exageradamente elevada, as fibras do músculo cardíaco disten-
dem-se demais e não conseguem manter um volume sistólico satis-
fatório. É o que acontece com frequência na insuficiência cardíaca
congestiva (ICC).
O fato de o coração, sendo um órgão único, ter dois sub-
sistemas é um conceito importante para a compreensão do sistema
cardiovascular. O átrio direito, que recebe o sangue da circulação
sistêmica, e o ventrículo direito, que bombeia sangue para os pul-
mões, são chamados de “coração direito”. O átrio esquerdo, que
recebe o sangue dos pulmões, e o ventrículo esquerdo, que bombeia
Fig. 160: O sangue que volta dos pulmões é bombeado para fora do o sangue para a circulação sistêmica, são chamados de “coração
coração através da aorta para o resto do corpo pela contração do ven- esquerdo”. Na discussão e tratamento do choque, devem ser consi-
trículo esquerdo.
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

deradas a pré-carga e a pós-carga do sistema de bombeamento tanto largura de uma célula; assim, o oxigênio e os nutrientes transporta-
do coração direito (pulmonar) quanto do coração esquerdo dos pelas hemácias e pelo plasma são capazes de se difundir para as
(sistêmico) (figura 161). células através da parede dos capilares. Ao fluxo constante de san-
gue pelos capilares chamamos de perfusão, sendo ele essencial à
manutenção de vida nos tecidos.
Todas as células têm um revestimento membranoso chamado
de membrana celular. O líquido intersticial está localizado entre a
membrana celular e a parede do capilar. A quantidade de líquido
intersticial varia muito. Quando existe pouco líquido intersticial, a
membrana celular e a parede do capilar estão próximas e o oxigênio
pode difundir-se facilmente entre elas.
As artérias são os vasos que se afastam do coração levando o
Fig. 161: Embora o coração pareça ser um órgão único, funciona como se
fossem dois. O sangue não oxigenado é recebido no “coração direito”, sangue arterial para distribuí-lo a todos os órgãos do corpo. Suas
vindo das veias cavas superior e inferior, e é bombeado através da artéria paredes são grossas para melhor suportarem a pressão arterial; pul-
pulmonar até os pulmões, onde é oxigenado, retorna ao coração através da
veia pulmonar e é bombeado pelo ventrículo esquerdo. sam conforme a sístole cardíaca. Quando lesadas, a hemorragia se
faz por jatos intermitentes.
A circulação sistêmica contém mais capilares e uma extensão O sangue que sai do coração, por intermédio das artérias, re-
maior de vasos sanguíneos do que a circulação pulmonar. Portanto, torna ao mesmo pelas veias. Portanto, veias são os vasos sanguíneos
o sistema do coração esquerdo trabalha com maior pressão e suporta que trazem o sangue venoso dos diversos órgãos de volta ao cora-
uma carga maior do que o coração direito. Do ponto de vista anatô- ção. Como as veias convergem, são mais finas quanto mais distan-
mico, a musculatura do ventrículo esquerdo é mais espessa e mais tes, e mais calibrosas conforme se aproximam do coração. As pare-
forte do que a musculatura do ventrículo direito. des das veias, finas e delgadas, não pulsam.

2. VASOS SANGUÍNEOS 3. SANGUE

Os vasos sanguíneos contêm o sangue e levam-no para as O componente líquido do sistema circulatório, o sangue, con-
várias áreas e células do organismo. São as “rodovias” do processo tém não apenas hemácias, mas também fatores que combatem a
fisiológico da circulação. O único grande tubo de saída do coração, a infecção (leucócitos e anticorpos), plaquetas, fundamentais para a
Aorta, não pode servir cada célula individual do organismo e, por coagulação, proteínas para a reformulação celular, nutrientes na
isso, divide-se em vários vasos de tamanho decrescente, sendo os forma de glicose e outras substâncias necessárias para o metabolis-
menores os capilares (figura 162). Um capilar pode ter apenas a mo e a sobrevida. O volume de líquido dentro do sistema vascular
deve ser igual à capacidade dos vasos sanguíneos, de modo a preen-
cher o continente de forma adequada. Qualquer variação no tama-
nho do sistema vascular com relação à quantidade de líquido no
sistema afetará o fluxo do sangue, tanto positiva quanto negativa-
mente.
O sangue corresponde de 7 a 8% do peso corporal de uma
pessoa. Seu volume varia de uma pessoa para outra, conforme a
massa corporal. Por exemplo: uma pessoa de 75 kg tem um volume
de 5 a 6 litros de sangue. A perda de volume sanguíneo é importan-
te, principalmente pela perda de plasma. Todas as pessoas precisam
de um volume de sangue mínimo para manter o aparelho cardiovas-
cular trabalhando de modo eficiente à vida.

4. HEMORRAGIA

É o extravasamento de sangue dos vasos sanguíneos através


de ruptura nas suas paredes.

A hemorragia pode ser classificada em:

A) Hemorragia externa: visível porque extravasa para o


meio ambiente. Ex: ferimentos em geral, hemorragia das fraturas
expostas, epistaxe (hemorragia nasal).
Fig. 162: Principais artérias do corpo.
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132 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 13 — Hemorragias e Estados de Choque

B) Hemorragia interna: o sangue extravasa para o interior do fêmur perde facilmente até um litro de sangue, que fica confinado
próprio corpo, dentro dos tecidos ou cavidades naturais. Ex: trauma nos tecidos moles da coxa, ao redor da fratura.
contuso, ruptura ou laceração de órgãos de tórax e abdome, hemor- Outros sinais e sintomas que sugerem hemorragia severa:
ragia de músculo ao redor de partes moles.
 Pulso fraco e rápido.
4.1. Tipos de Hemorragia  Pele fria e úmida (pegajosa).
 Pupilas dilatadas com reação lenta à luz.
A) Arterial: Ocorre quando há perda de sangue de uma arté-  Queda da pressão arterial.
ria. O sangue tem coloração viva, vermelho claro, derramado em  Paciente ansioso, inquieto e com sede.
jato, conforme o batimento cardíaco, geralmente rápido e de difícil  Náusea e vômito.
controle.  Respiração rápida e profunda.
 Perda de consciência e parada respiratória.
B) Venosa: Ocorre quando há perda de sangue por uma veia.
 Choque.
Sangramento de coloração vermelho escuro, em fluxo contínuo, sob
baixa pressão. Pode ser considerada grave se a veia comprometida
5. CONTROLE DE HEMORRAGIAS
for de grosso calibre.
O controle de hemorragias externas óbvias deve ser feito ime-
C) Capilar: Ocorre quando há sangramento por um leito
diatamente após o controle das vias aéreas e o início da administra-
capilar. Flui de diminutos vasos da ferida. Possui coloração averme-
ção de oxigênio e de suporte ventilatório, ou simultaneamente com
lhada, menos viva que a arterial, e facilmente controlada.
essas etapas, caso haja ajuda suficiente. O reconhecimento e o con-
trole precoce do sangramento externo ajuda a preservar o volume
4.2. Fatores Determinantes da Gravidade da Hemorragia
sanguíneo, as hemácias e a perfusão tecidual do paciente traumatiza-
do. Até mesmo um pequeno gotejamento de sangue pode acrescen-
A) Volume de Sangue Perdido: A perda de pequeno volume
tar uma perda sanguínea substancial, caso seja ignorado por muito
em geral não produz efeitos evidentes; já a perda de 1,5 litro em
tempo. Dessa forma, no paciente politraumatizado, não existe san-
adulto ou 200 ml em criança pode ser extremamente grave, inclusive
gramento insignificante e cada hemácia é importante para assegurar
colocando a vida em risco.
uma perfusão contínua dos tecidos do corpo.
B) Calibre do Vaso Rompido: O rompimento de vasos prin-
5.1. Hemorragia Externa
cipais de pescoço, tórax, abdome e coxa provoca hemorragias seve-
ras, e a morte pode sobrevir em um a três minutos.
O controle da hemorragia externa deve ocorrer em etapas, pro-
gredindo à medida que as medidas iniciais não consigam controlar o
C) Tipo do Vaso Lesado: O sangramento arterial é conside-
sangramento.
rado de maior gravidade. As veias geralmente estão mais próximas
da superfície do corpo do que as artérias, sendo de mais fácil acesso.
5.1.1. Compressão Direta
O sangramento capilar é lento e, via de regra, coagula espontanea-
mente em seis a oito minutos. O processo de coagulação desencade-
A compressão direta aplicada sobre o local do sangramento é
ado em boa parte dos pequenos e médios sangramentos pode ser
a técnica inicial empregada para o controle de hemorragia externa. A
suficiente para controlar a hemorragia, e o coágulo formado age
como uma barreira, impedindo a saída de sangue.

D) Velocidade da Perda de Sangue: A perda rápida de 1 litro


de sangue pode colocar o indivíduo em risco de morte. Quando a
perda de sangue é lenta, o organismo desenvolve mecanismos de
compensação, suportando melhor a situação.

4.3. Sinais e Sintomas da Hemorragia

A hemorragia externa, por ser visualizada, é facilmente reco-


nhecida. A hemorragia interna pode desencadear choque hipovolê-
mico, sem que o socorrista identifique o local da perda de sangue.
As evidências mais comuns de sangramento interno são áreas ex-
tensas de contusão na superfície corpórea. Alguém com fratura de
Fig. 163: Compressão direta no local com chumaço.

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Diretoria de Ensino e Instrução 133
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

capacidade do corpo para responder e controlar um sangramento em 2) Caso as mãos estejam sendo usadas para a realização de
um vaso lacerado está em função (1) do tamanho do vaso, (2) da tarefas vitais, pode ser criado um curativo de pressão (compressão)
pressão dentro do vaso, (3) da presença de fatores da coagulação, e usando chumaços de gaze e uma bandagem elástica ou com a utili-
(4) da possibilidade de o vaso lesado entrar em espasmo. Os vasos, zação do manguito do aparelho de pressão, inflando-o até que a
especialmente as artérias, quando são completamente seccionados hemorragia pare. Esse curativo é colocado diretamente sobre o local
(que apresentam corte transverso), frequentemente se retraem e en- de sangramento.
tram em espasmo. Por isso, há frequentemente menos hemorragia Após controlar um sangramento de extremidade, certifique-se
na ponta de uma extremidade com uma amputação completa do que de que existe pulso distal; em caso negativo, reajuste a pressão da
em uma extremidade com trauma grave, com vasos sanguíneos bandagem para restabelecer a circulação.
danificados, mas não completamente seccionados. Para vasos san- Pressão direta é o método mais rápido e eficiente para o con-
guíneos danificados, a taxa de perda sanguínea está diretamente trole de hemorragias externas.
relacionada com o tamanho do orifício no vaso sanguíneo e com a
pressão transmural (diferença entre a pressão dentro do vaso e a 5.1.2. Torniquetes
pressão fora do vaso). Essa relação foi descrita pela primeira vez em
uma equação desenvolvida por Bernoulli, um matemático suíço. Os Até meados do ano de 2007, os torniquetes eram descritos
detalhes da equação não são tão importantes quanto a compreensão como a técnica do “último recurso”. A experiência militar dos ame-
do princípio básico — como o tamanho de um orifício e a pressão ricanos no Afeganistão e no Iraque, somada ao uso rotineiro e segu-
transmural se relacionam com a hemorragia — e como a compres- ro de torniquetes pelos cirurgiões, levaram os especialistas a reconsi-
são direta controla a perda sanguínea. derarem essa posição. Também era dada ênfase na elevação de uma
Imagine os vasos sanguíneos como encanamentos dentro de extremidade e na compressão sobre um ponto de pressão arterial
uma casa e o sangue dentro dos vasos como a água nos canos. Se o (proximal ao local do sangramento) como etapas intermediárias no
encanamento tiver um vazamento, a quantidade de água perdida controle de hemorragias. Nenhuma pesquisa científica foi publicada
estará diretamente relacionada com o tamanho do orifício e com a comprovando que a elevação de uma extremidade com sangramen-
pressão transmural dentro e fora do cano. Por exemplo, se o orifício to diminui ou não a hemorragia. Caso a extremidade esteja fraturada,
dentro do cano tiver um diâmetro de 2,5 cm e a pressão dentro do essa manobra pode potencialmente transformar uma fratura fechada
encanamento for de 100 psi, o vazamento de água será maior do que em uma aberta ou aumentar uma hemorragia interna. Da mesma
se o orifício tiver 2,5 cm e a pressão dentro do encanamento for de forma, o uso de pontos de pressão para controle de hemorragias não
50 psi. Da mesma forma, o fluxo sanguíneo que sai de um ferimento foi estudado. Dessa forma, na ausência de dados convincentes, essas
é proporcional à diferença entre o tamanho do orifício no vaso e a intervenções não são mais recomendadas para situações nas quais a
diferença entre as pressões intraluminal (dentro do vaso) e a extralu- compressão direta, ou um curativo de pressão, não conseguiu con-
minal (fora do vaso). trolar a hemorragia.
A compressão direta sobre o local de sangramento aumenta a Os torniquetes são muito eficazes no controle de hemorragia
pressão extraluminal e, portanto, reduz a pressão transmural, ajudan- externa grave e devem ser usados caso a pressão direta ou um curati-
do a diminuir ou parar o sangramento. A compressão direta também vo de pressão não consigam controlar a hemorragia de uma extremi-
tem uma segunda função igualmente importante. Diferentemente dade (figura 164). Os torniquetes haviam sido deixados de lado por
dos canos em uma casa, os vasos sanguíneos são compressíveis. A causa da preocupação sobre complicações potenciais, incluindo
compressão das laterais do vaso lesionado reduz o tamanho (área) da lesão dos nervos e vasos sanguíneos e a perda potencial do membro,
abertura e reduz ainda mais o fluxo sanguíneo que sai do vaso. Mes-
mo se a perda sanguínea não for completamente interrompida, ela
pode diminuir até o ponto em que o sistema de coagulação do san-
gue possa parar a hemorragia. É por isso que a compressão direta é
quase sempre bem sucedida no controle de sangramentos. Vários
estudos sobre hemorragia em locais de punção da artéria femoral
após cateterização cardíaca documentaram que a compressão direta
é uma técnica eficaz.
Dois pontos adicionais sobre a compressão direta devem ser
enfatizados:
1) Quando se cuida de um ferimento com um objeto empala-
do, a pressão deve ser aplicada em um dos lados do objeto, e não
sobre o objeto. Objetos empalados não devem ser removidos no
local, pois ele pode ter lesado um vaso, e o próprio objeto pode estar
tamponando o sangramento. A remoção do objeto causaria uma
hemorragia interna incontrolável. Fig. 164: Lesões graves nos membros inferiores sofridas por um pescador
atropelado por um barco a motor. Sua vida foi salva por torniquetes apli-
cados em ambas as coxas por profissionais que prestaram os primeiros
socorros.
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134 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 13 — Hemorragias e Estados de Choque

caso o torniquete seja deixado por um tempo prolongado. Embora Quadro 13-1: Protocolo para Aplicação de Torniquete
haja um pequeno risco de que uma parte ou todo o membro seja 1. Tentativas de controle da hemorragia por pressão direta
sacrificado, considerando a escolha de perder um membro ou salvar ou com curativo compressivo não obtiveram sucesso.
a vida do paciente, a decisão óbvia é preservar a vida. Dados da 2. Aplica-se um torniquete, seja com o manguito do apare-
experiência militar sugerem que torniquetes aplicados adequada- lho de pressão ou o torniquete em “cabresto espanhol” na
mente potencialmente poderiam evitar 7 de cada 100 mortes em extremidade, imediatamente proximal ao local de origem
do sangramento.
combate. Torniquetes que ocluem o influxo arterial foram ampla- 3. O torniquete é aplicado até que a hemorragia pare, e,
mente usados na sala de cirurgia por cirurgiões durante muitos anos. então, é fixado no lugar.
Usados adequadamente, os torniquetes não são apenas seguros, 4. A hora em que o torniquete foi aplicado é escrita em um
mas também salvam vidas. pedaço de esparadrapo, que é colocado no torniquete (“'TQ
21:45” indica que o torniquete foi aplicado às 9:25 da noi-
Opções de Dispositivos. Tradicionalmente, o torniquete foi te).
5. O torniquete deve ficar descoberto para que o local pos-
projetado a partir de uma gravata dobrada em uma largura de cerca
sa ser monitorado quanto a uma recidiva do sangramento.
de 10 cm e enrolada duas vezes em torno da extremidade — o 6. Idealmente, o paciente deve ser transportado para um
“cabresto espanhol”. É feito um nó na bandagem, e um bastão de hospital com instalações cirúrgicas.
metal ou de madeira é colocado sobre o nó, sendo feito um segundo
nó. O bastão é torcido até que a hemorragia cesse e é fixado no lu- do que esse período. Em geral, um torniquete colocado no atendi-
gar. Devem ser evitados torniquetes estreitos e em faixa. Torniquetes mento pré-hospitalar deve permanecer até que o paciente chegue ao
mais largos são mais eficazes no controle de sangramentos, uma vez local do tratamento definitivo no hospital mais próximo. Uma exce-
que eles controlam a hemorragia em uma pressão mais baixa. Há ção potencial a esse princípio é em situações de transporte demorado
uma relação inversa entre a largura do torniquete e a pressão neces- (veja discussão mais à frente).
sária para ocluir o fluxo arterial. Uma faixa muito estreita também Caso seja necessária a aplicação de um torniquete, pro-
tem maior probabilidade de causar danos às artérias e aos nervos vavelmente o paciente precisará de uma cirurgia de emergência para
superficiais. O manguito do aparelho de pressão representa outra controlar a hemorragia. Dessa forma, o hospital que for receber esse
alternativa e pode ser usado como torniquete. paciente deve ter instalações cirúrgicas. O Quadro 13-1 fornece uma
amostra de protocolo para aplicação de torniquete.
Local de Aplicação. O torniquete deve ser aplicado imediata-
mente proximal ao ferimento hemorrágico. Tradicionalmente, os 5.2. Hemorragia Interna
torniquetes não eram colocados distalmente com relação ao joelho
ou ao cotovelo por causa do risco de lesar mais nervos e vasos su- Para suspeitar que a vítima esteja com hemorragia interna, é
perficiais. Isso, no entanto, tem a desvantagem de que mais tecido do fundamental conhecer o mecanismo de lesão. Os traumas contusos
membro fica isquêmico, especialmente se o ferimento for próximo são as principais causas de hemorragias internas (acidentes de trânsi-
do punho ou do tornozelo. Uma vez aplicado, o local do torniquete to, quedas, chutes e explosões). Se existe essa suspeita, o socorrista
não deve ser coberto para que possa ser monitorado quanto à recor- deve rapidamente expor o abdome do paciente para inspecionar e
rência de hemorragia. palpar procurando sinais de lesão e rigidez abdominal. Deve tam-
bém palpar a pelve porque fraturas pélvicas são fonte de grande
Força da Aplicação. O torniquete deve ser apertado o sufici- sangramento intra-abdominal.
ente para bloquear o fluxo arterial. Um torniquete que oclua apenas a Outros sinais de alerta para suspeitar de hemorragia interna:
saída do fluxo venoso do membro irá, na verdade, aumentar a he- fratura de ossos longos (braços ou coxa), área de equimose em tórax
morragia causada pelo ferimento. Há uma relação direta entre a e abdome, ferida penetrante em crânio, tórax ou abdome.
intensidade da pressão necessária para controlar a hemorragia e o Deve-se lembrar, também, do sangramento interno nos locais
tamanho do membro. Dessa forma, na média, o torniquete terá que de fratura. A manipulação de uma extremidade lesada sem o devido
ser colocado mais apertado na perna para se controlar a hemorragia cuidado pode não só transformar uma fratura fechada em fratura
do que no braço. exposta, como também aumentar muito o sangramento interno das
extremidades ósseas, do tecido muscular adjacente ou de vasos lesa-
Limite de Tempo. Para minimizar o dano tecidual, muitos es- dos. Todas as extremidades com suspeita de fratura devem ser imo-
pecialistas recomendam o afrouxamento do torniquete para que haja bilizadas, num esforço para minimizar a hemorragia. Deve gastar-se
perfusão do tecido distal ao dispositivo. Uma vez que ainda não algum tempo para imobilizar separadamente as diversas fraturas, se
houve o controle do sangramento, essa prática pode resultar no au- o paciente não apresentar evidência de lesões com risco de morte.
mento da hemorragia e no risco de uma hemorragia mortal. Torni- Contudo, se o exame primário mostrar que a vítima corre risco de
quetes arteriais podem ser usados com segurança por até 120 a 150 morrer, ele deve ser rapidamente imobilizado em prancha rígida,
minutos na sala de cirurgia, sem lesões nervosas ou musculares imobilizando-se, assim todas as extremidades de uma forma anatô-
significantes. Até mesmo em ambientes suburbanos e rurais, muitas mica, e transportado para o hospital. Para pacientes com choque
vezes o tempo de transporte do paciente até o hospital é bem menor descompensado (hipotensão) e suspeita de hemorragia intra-

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Diretoria de Ensino e Instrução 135
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

abdominal ou uma suspeita de fratura pélvica, a PASG pode tampo- os leva para todas as células do organismo. Depois disso, retira o gás
nar a hemorragia interna, como detalhado mais adiante. carbônico e detritos celulares da intimidade dos tecidos, levando-os
O tratamento definitivo de hemorragia interna é cirúrgico. No para os órgãos responsáveis pela excreção (pulmões, rins, fígado
ambiente pré-hospitalar, é fundamental garantir a respiração da víti- etc.). A esse processo, que ocorre em nível de capilares, dá-se o no-
ma e administrar oxigênio em altas concentrações durante o trans- me de perfusão tecidual.
porte. Os determinantes principais desse processo são: o coração
Resumindo, para se detectar hemorragia interna, deve-se co- (que atua como a bomba ou o motor do sistema), o volume de líqui-
nhecer o mecanismo de lesão, observar lesões que possam provocar dos (que atua como o fluido hidráulico), os vasos sanguíneos (que
sangramento interno e estar permanentemente atento aos sinais e servem como os condutos ou encanamentos) e, finalmente, as célu-
sintomas que a vítima apresentar. las do corpo. Com base nesses componentes do sistema de perfusão,
o choque pode ser classificado nas seguintes categorias:
6. CHOQUE 1) Hipovolêmico, essencialmente hemorrágico no paciente
traumatizado, relacionado com a perda de volume sanguíneo circu-
Embora o choque em consequência de trauma seja reconheci- lante. É a causa mais comum de choque no paciente traumatizado.
do há mais de três séculos, as definições, em 1872, de Samuel Gross 2) Distributivo (ou vasogênico), relacionado com as alterações
como “um desarranjo grosseiro da maquinaria da vida”, e de John do tônus vascular decorrentes de várias causas diferentes.
Collins como “uma pausa momentânea no ato da morte”, enfatizam 3) Cardiogênico, relacionado com a interferência na função de
seu papel central contínuo como causa importante de morbidade e bombeamento do coração.
mortalidade no paciente traumatizado. Um diagnóstico imediato, as Com a diminuição de perfusão tecidual, os órgãos terão sua
manobras de reanimação e o tratamento definitivo são fatores essen- função prejudicada basicamente pela falta de oxigênio, nutrientes e
ciais para a determinação do prognóstico de um paciente após cho- acúmulo de resíduos. A falha na circulação cerebral leva à diminui-
que causado por trauma. O socorrista enfrenta desafios importantes ção do nível de consciência da vítima, os rins diminuem o débito
em todas essas ações essenciais para o tratamento do choque. Para urinário e o coração aumenta a frequência de batimentos, num esfor-
aumentar a sobrevida após o choque, é essencial uma compreensão ço para manter o fluxo de sangue para órgãos vitais; com o agrava-
exata da sua definição, da fisiopatologia e das características clínicas. mento do choque, o músculo cardíaco comprometido desenvolve
bradicardia e parada cardíaca.
7. DEFINIÇÃO DE CHOQUE A hemorragia é, sem dúvida, a causa mais comum de choque
no paciente traumatizado, e a conduta mais segura diante de um
Embora tenha muitas definições, o choque é quase sempre paciente traumatizado em choque é considerar a causa do choque
considerado um estado de hipoperfusão celular generalizada no qual como sendo hemorrágica, até prova em contrário.
a liberação de oxigênio no nível celular é inadequada para atender as Resumindo, o choque pode estar relacionado a:
necessidades metabólicas. Com base nessa definição, o choque pode 1. CORAÇÃO — falha de bomba;
ser classificado em termos dos determinantes da perfusão e oxigena- 2. SANGUE — perda de sangue ou plasma;
ção celulares. De maneira objetiva, podemos afirmar que o choque é 3. DILATAÇÃO DOS VASOS SANGUÍNEOS — capa-
a situação de falência do sistema cardiocirculatório em manter sufi- cidade do sistema circulatório muito maior que o volume
ciente sangue circulando para todos os órgãos do corpo. de sangue disponível para enchê-lo.
Trata-se de uma condição de extrema gravidade, cuja identifi-
cação e atendimento fazem parte da abordagem primária da vítima. 9. TIPOS DE CHOQUE
Uma vez que o estado de choque atinja certo nível de severidade, o
paciente não será salvo. Todo esforço deverá ser feito pela equipe de 9.1. Choque Hipovolêmico
socorro para identificar o choque, tomando-se as medidas necessá-
rias e transportando a vítima rapidamente ao tratamento definitivo Quando ocorre perda aguda de sangue em virtude de desidra-
no hospital. tação (perda de plasma) ou de hemorragia (perda de plasma e hemá-
Vítima de trauma que recebe o tratamento definitivo no cias), há desequilíbrio entre o volume de líquido e o tamanho do
hospital até uma hora após sofrer a lesão tem maior chance de continente. O continente continua com o seu tamanho normal, mas o
sobrevida. volume de líquido é diminuído. O choque hipovolêmico é a causa
mais comum de choque no pré-hospitalar e a perda de sangue é, de
8. CLASSIFICAÇÃO DO CHOQUE longe, a causa mais comum de choque na vítima traumatizada.
Quando ocorre perda de sangue da circulação, o coração é
Como já visto, o aparelho cardiovascular é responsável por estimulado a aumentar o débito cardíaco com aumento da força e da
transportar oxigênio e nutrientes para todos os tecidos do corpo e frequência das contrações, pela liberação de adrenalina das glându-
eliminar gás carbônico e resíduos resultantes do processo de nutrição las supra-renais. O sistema nervoso simpático libera noradrenalina
celular. Para realizar adequadamente esse trabalho, o sistema circula- que desencadeia a constrição dos vasos sanguíneos, o que reduz o
tório retira oxigênio dos pulmões, nutrientes do intestino e fígado e tamanho do continente, tornando-o mais proporcional à quantidade

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136 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 13 — Hemorragias e Estados de Choque

de líquido remanescente. A vasoconstrição resulta no fechamento 3. A hemorragia classe III representa uma perda de 30 a 40%
dos capilares periféricos, como vimos anteriormente, e, em nível do volume sanguíneo (1.500 a 2.000 ml). Quando a perda de sangue
celular, provoca a mudança no metabolismo de aeróbio para anaeró- atinge este nível, a maioria dos pacientes não consegue compensar a
bio. perda de volume, e ocorre hipotensão. Ficam evidentes os sinais
Esses mecanismos compensatórios de defesa funcionam bem clássicos de choque, que incluem taquicardia (frequência cardíaca >
até determinado ponto. Quando os mecanismos de defesa não con- 120 bpm), taquipnéia (frequência ventilatória de 30 a 40 mrpm) e
seguem compensar a redução de volume, a pressão arterial do paci- ansiedade ou confusão acentuadas. O débito urinário cai para 5 a 15
ente começa a cair. A queda da pressão arterial marca a mudança do ml/hora. Muitos desses pacientes necessitam de transfusão de san-
choque compensado para o choque descompensado — um sinal de gue e intervenção cirúrgica para reanimação.
risco iminente de morte. Uma vítima que apresenta sinais de com-
pensação não “vai entrar em choque”, ele já está em choque. A me- 4. A hemorragia classe IV representa uma perda de mais de
nos que seja feita reanimação agressiva, o paciente que passa para a 40% do volume sanguíneo (mais de 2.000 ml). Este estágio de cho-
fase de choque descompensado tem apenas mais um degrau de de- que grave é caracterizado por taquicardia acentuada (frequência
clínio: a morte. cardíaca > 140 bpm), taquipnéia (frequência ventilatória > 35
mrpm), confusão grave ou letargia e queda acentuada da pressão
9.1.1. Choque Hemorrágico arterial sistólica, em geral na faixa de 60 mmHg. Na realidade, esses
pacientes têm apenas poucos minutos de vida. A sobrevida depende
O choque hemorrágico (choque hipovolêmico decorrente da do controle imediato da hemorragia (cirurgia se a hemorragia for
perda de sangue) pode ser dividido em quatro classes, dependendo interna) e de reanimação agressiva, incluindo transfusão de sangue.
da gravidade da hemorragia (Tabela 13-1):
O tratamento definitivo da falência de volume consiste em
parar a perda e repor o líquido perdido. Um paciente desidratado
1. A hemorragia classe I representa uma perda de até 15% do
precisa de reposição volêmica com água e sal, enquanto o paciente
volume sanguíneo no adulto (até 750 ml). Este estágio tem poucas
traumatizado que perdeu sangue precisa de reposição sanguínea e de
manifestações clínicas. A taquicardia geralmente é mínima, e não
ter a fonte de sangramento controlada. A desidratação leve a mode-
ocorrem alterações mensuráveis da pressão arterial, da pressão de
rada pode ser tratada com uma solução de eletrólitos que pode ser
pulso ou da frequência ventilatória. A maior parte dos pacientes
bebida pelo paciente consciente. Um paciente inconsciente ou muito
sadios que apresenta essa perda de sangue apenas requer reanimação
desidratado deve receber reposição por via intravenosa. Como a
intravenosa com fluidos, desde que não ocorra mais perda sanguí-
reposição de sangue geralmente não é possível no pré-hospitalar,
nea. Os mecanismos de compensação do organismo restauram o
principalmente no suporte básico de vida, os pacientes traumatiza-
volume intravascular.
dos que perderam sangue devem ser submetidos a medidas para
controle de sangramento externo e ser rapidamente transportados
2. A hemorragia classe II representa uma perda de 15 a 30%
para um hospital onde seja possível transfundir sangue e realizar
do volume sanguíneo (750 a 1.500 ml). A maioria dos adultos con-
cirurgia de emergência.
segue compensar essa perda de sangue ativando o sistema nervoso
A calça pneumática antichoque (PASG) pode ser útil por um
simpático e mantendo a pressão arterial. Os achados clínicos inclu-
prazo curto no tratamento do choque hemorrágico, por aumentar a
em aumento da frequência ventilatória, taquicardia e diminuição da
resistência vascular, reduzir o tamanho do continente controlar a
pressão de pulso. Com frequência, o paciente demonstra ansiedade
hemorragia intra-abdominal e pélvica. O uso mais importante para a
ou medo. O débito urinário apresenta discreta queda, ficando, no
PASG é o controle da hemorragia intra-abdominal e pélvica em
adulto, entre 20 e 30 ml/hora. Eventualmente, esses pacientes podem
pacientes com pressão arterial abaixo de 60 mmHg. Contudo, como
precisar de transfusão de sangue, mas a maioria responde bem à
a PASG aumenta a pressão arterial, pode causar maior perda de
reposição com cristalóides.
sangue em locais fora da área comprimida por ela (consulte a seção
“Tratamento” para a discussão adicional sobre PASG).
Tabela 13-1: Classificações do Choque Hemorrágico.
Classe I Classe II Classe III Classe IV
Quantidade de sangue perdido < 750 ml 750-1500 ml (15 a 1500 ml-2000 ml > 2000 ml (> 40%)
(% do volume total de sangue) (< 15%) 30%) (30 a 40%)
Frequência cardíaca (bpm) Normal ou pouco > 100 > 120 > 140
aumentada
Frequência ventilatória (mrpm) Normal 20-30 30-40 > 35
Pressão arterial sistólica (mmHg) Normal Normal Diminuída Muito diminuída
Débito urinário (ml/hora) Normal 20-30 5-15 Mínimo
Modificado do American College of Surgeons Committee: Advanced trauma life support for doctors, student course manual, 7ª edição, Chigago, 2004, ACS.
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Tabela 13-2: Sinais Associados aos Tipos de Choque


Sinais Hipovolêmico Neurogênico Séptico Cardiogênico
Temperatura da pele Fria, pegajosa Quente, seca Fria, pegajosa Fria, pegajosa
Coloração da pele Pálida, cianótica Rosada Pálida, cianótica Pálida, cianótica
Pressão arterial Diminuída Diminuída Diminuída Diminuída
Nível de consciência Alterado Lúcido Alterado Alterado
Enchimento capilar Retardado Normal Retardado Retardado

9.2. Choque Distributivo 9.2.2. Choque Neurogênico

Ocorre choque distributivo quando o continente vascular au- O choque neurogênico ocorre quando há lesão da medula no
menta sem aumento proporcional do volume de líquido. Com rela- local de saída dos nervos do sistema nervoso simpático (região tora-
ção ao volume do continente, haverá menos líquido. Isto diminui o colombar). Por causa da perda da inervação simpática, que controla
volume que chega ao coração como pré-carga, e o débito cardíaco a musculatura lisa na parede vascular, os vasos periféricos abaixo do
cai. Na maioria das vezes, não houve perda de líquido do sistema nível de lesão ficam dilatados. A diminuição acentuada da resistên-
vascular. Não se trata de hipovolemia por perda de líquido por he- cia vascular sistêmica e a vaso dilatação que ocorre, aumentando o
morragia, vômitos ou diarréia; o problema é o tamanho do continen- continente sanguíneo, causam hipovolemia relativa. O paciente não
te. Por este motivo, esta situação às vezes é chamada de hipovolemia fica hipovolêmico, mas o volume sanguíneo normal é insuficiente
relativa. Embora alguns sinais e sintomas lembrem muito os sinais e para encher o continente, que está aumentado.
sintomas do choque hipovolêmico, a etiologia das duas situações é Tanto o choque hipovolêmico quanto o neurogênico levam à
diferente. queda da pressão arterial sistólica. Contudo, os demais sinais vitais
No choque distributivo, há diminuição na resistência ao fluxo variam muito entre os dois tipos de choque e o tratamento dos dois
por causa do tamanho relativamente maior dos vasos sanguíneos. também é diferente (tabela 13-2). O choque hipovolêmico é caracte-
Esta diminuição da resistência leva à queda da pressão arterial dias- rizado por diminuição das pressões sistólica e diastólica e por estrei-
tólica. Quando ocorre também diminuição da pré-carga, e conse- tamento da pressão de pulso. No choque neurogênico também ocor-
quentemente do débito cardíaco, o resultado final é a queda tanto da re diminuição das pressões sistólica e diastólica, mas a pressão de
pressão arterial sistólica quanto da diastólica, mas a oxigenação teci- pulso é mantida dentro da faixa normal ou elevada. A hipovolemia
dual pode continuar adequada. faz com que a pele fique fria, úmida, pálida ou cianótica e causa
O choque distributivo pode ser devido à perda do controle do aumento do tempo de enchimento capilar. No choque neurogênico,
sistema nervoso autônomo sobre a musculatura lisa que controla o a pele fica quente e seca, principalmente abaixo da área de lesão. No
tamanho dos vasos sanguíneos ou à liberação de substâncias quími- choque hipovolêmico, o pulso é fraco, fino e rápido. Por causa da
cas que causam vasodilatação periférica. Essa perda de controle atividade parassimpática sobre o coração, no choque neurogênico
pode ser devida a trauma de medula espinhal, simples desmaio, ocorre normalmente bradicardia, em vez de taquicardia, mas o pulso
infecções graves ou reações alérgicas. O tratamento do choque dis- pode ser fraco. A hipovolemia leva ao rebaixamento do nível de
tributivo visa melhorar a oxigenação do sangue e melhorar ou man- consciência ou, pelo menos, à ansiedade e, muitas vezes, à agitação.
ter o fluxo sanguíneo para o cérebro e os outros órgãos vitais. Se não tiver lesão cerebral traumática, a vítima com choque neuro-
gênico fica alerta, orientado e lúcido na posição supina (quadro 13-
9.2.1. Choque Séptico 2).
Os pacientes com choque neurogênico podem ter lesões asso-
O choque séptico, que ocorre em pacientes com infecções ciadas que levem à hemorragia intensa. Por isso, um paciente com
graves, é outra situação que cursa com vasodilatação. As citoquinas,
hormônios de ação local produzidos pelos leucócitos em resposta à Quadro 13-2: Choque Neurogênico versus Choque Medular
infecção, lesam as paredes dos vasos sanguíneos, provocando vaso- Como vimos neste capítulo, o termo choque neurogênico refere-se a
um desarranjo do sistema nervoso simpático, normalmente em con-
dilatação periférica e extravasamento de líquido dos capilares para o
sequência de lesão medular, que produz dilatação acentuada das
espaço intersticial. Assim, o choque séptico tem características tanto artérias periféricas. Se não tratado, pode levar ao comprometimento
do choque distributivo quanto do choque hipovolêmico. Ocorre da perfusão tecidual. Essa condição não deve ser confundida com
diminuição da pré-carga por causa da vaso dilatação e da perda de choque medular, um termo que se refere à perda temporária da
líquido e hipotensão, quando o coração não consegue mais compen- função sensitiva e motora causada por lesão medular. Dessa forma,
sar. O choque séptico é quase inexistente logo após o trauma; con- o choque medular indica que a medula foi lesada (sofreu um
“choque”) e não está funcionando adequadamente. Para sermos
tudo, o socorrista pode ser chamado para cuidar de pacientes trau-
precisos, o choque medular não representa um defeito na perfusão
matizados em choque séptico que precisem ser transferidos de hos- dos órgãos ou dos tecidos. O socorrista deve estar ciente de que
pital ou de pacientes que tiveram lesão do trato gastrointestinal e tanto o choque neurogênico quanto o choque medular podem ocor-
demoraram a procurar atendimento médico. rer simultaneamente no mesmo paciente.
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Capítulo 13 — Hemorragias e Estados de Choque

choque neurogênico e sinais de hipovolemia, corno a taquicardia, Disfunção Valvar. Uma pancada súbita e forte que comprima
deve receber tratamento adequado. o abdome pode lesar as valvas cardíacas. A lesão valvar grave leva à
regurgitação aguda, e uma quantidade significativa de sangue volta
9.2.3. Choque Psicogênico para a câmara da qual acabou de ser bombeado. Esses pacientes
com frequência desenvolvem ICC, que se manifesta por edema
O choque psicogênico é mediado pelo sistema nervoso pa- pulmonar e choque cardiogênico.
rassimpático. A estimulação do décimo nervo craniano (o vago)
provoca bradicardia. O aumento da atividade parassimpática tam- 9.3.2. Causas Extrínsecas
bém pode levar à vasodilatação periférica e hipotensão transitórias.
Se a bradicardia e a vaso dilatação forem suficientemente acentua- Tamponamento Pericárdico. A presença de líquido no saco
das, o débito cardíaco cai muito, causando insuficiência do fluxo pericárdico não permite que o coração se encha completamente du-
sanguíneo cerebral. Quando o paciente perde a consciência, dizemos rante a diástole (fase de relaxamento). De acordo com a lei de Star-
que ocorre uma síncope vasovagal (desmaio). No choque psicogêni- ling, o enchimento inadequado leva à diminuição da força de contra-
co, os períodos de bradicardia e vasodilatação geralmente duram ção do coração. Nos ferimentos penetrantes de coração, pode entrar
apenas minutos, enquanto no choque neurogênico podem durar até mais sangue no saco pericárdico a cada contração, comprometendo
vários dias. No choque psicogênico, os pacientes recuperam rapida- mais ainda o débito cardíaco. Pode ocorrer rapidamente choque
mente a pressão arterial normal quando colocados na posição hori- grave e morte.
zontal. Por causa do seu caráter autolimitado, é improvável que um Pneumotórax Hipertensivo. O pneumotórax hipertensivo
episódio vasovagal leve ao “choque”, e o organismo rapidamente se desvia o mediastino para o lado contrário à lesão. A compressão e a
recupera antes que ocorra comprometimento significativo da perfu- torção da cava superior e inferior e o aumento da resistência vascular
são sistêmica. pulmonar pelo aumento da pressão intratorácica dificultam o retorno
venoso para o coração, o que causa uma queda significativa da pré-
9.3. Choque Cardiogênico carga. Por causa da queda no seu enchimento, o coração perde a sua
eficiência como bomba e ocorre choque.
O choque cardiogênico, ou falha na atividade de bombeamen-
to do coração, resulta de causas que podem ser classificadas como 10. AVALIAÇÃO
intrínsecas (resultado de lesão direta do próprio coração) ou extrínse-
cas (relacionadas com problema fora do coração). O choque foi definido como perfusão tecidual inadequada
generalizada. Portanto, ao investigar a presença de choque, o socor-
9.3.1. Causas Intrínsecas rista busca evidências desse estado de hipoperfusão. No atendimento
pré-hospitalar, isso exige a avaliação de órgãos e sistemas que este-
Lesão do Músculo Cardíaco. Qualquer processo que cause jam imediatamente acessíveis para tal avaliação. Os sinais de hipo-
fraqueza do músculo cardíaco afetará o débito cardíaco. A lesão perfusão manifestar-se-ão como um funcionamento inadequado
pode resultar da interrupção aguda do fluxo sanguíneo do próprio desses órgãos ou sistemas acessíveis. Esses sistemas são o cérebro e
coração (como no infarto do miocárdio decorrente de doença coro- o sistema nervoso central (SNC), o coração e o sistema cardiovascu-
nariana) ou de lesão direta do músculo cardíaco (como na lesão lar, o sistema respiratório, a pele e as extremidades, e os rins. Dessa
contusa de coração). Pode ocorrer um ciclo vicioso — a hipoxigena- forma, os sinais de hipoperfusão incluiriam os seguintes:
ção leva à diminuição da contratilidade, que resulta em diminuição
do débito cardíaco e, por isso, diminuição da perfusão sistêmica. A  Diminuição do nível de consciência, ansiedade, desorientação,
diminuição da perfusão leva à diminuição ainda mais acentuada da inquietação, agressividade, comportamento bizarro, náusea e vômi-
oxigenação, com a manutenção do ciclo. Como ocorre com qual- to, pupilas dilatadas, olhos vitrificados e sem brilho, sugerindo apre-
quer músculo, o miocárdio não trabalha de forma eficiente quando ensão e medo (cérebro e SNC).
sofre lesão ou contusão.  Taquicardia, diminuição da pressão sistólica e do pulso, nos
Arritmia. Uma arritmia cardíaca pode afetar a eficiência das casos graves o pulso torna-se difícil de sentir ou mesmo ausente;
contrações, causando o comprometimento da perfusão sistêmica. A enchimento capilar acima de 2 segundos (coração e sistema cardio-
hipóxia pode levar à isquemia do miocárdio e causar arritmias, como vascular).
batimentos prematuros e taquicardia. Dado que o débito cardíaco é  Respiração rápida e curta, passando a superficial e irregular
determinado pelo volume sistólico multiplicado pelo número de com o agravamento do quadro (sistema respiratório).
contrações por minuto, qualquer arritmia que resulte em diminuição  Pele fria, úmida, pálida, pegajosa, diaforética ou até mesmo
da frequência das contrações (bradicardia) ou diminua o tempo de cianótica, com diminuição do tempo de enchimento capilar, sede,
enchimento do ventrículo esquerdo (taquicardia), provocando dimi- secura na boca, língua e lábios, fraqueza, tontura, frio, (pele e extre-
nuição do volume sistólico, afetará o débito cardíaco. A lesão contu- midades).
sa de coração também pode causar arritmias, sendo a mais frequente
a ocorrência de taquicardia leve persistente.

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Urna vez que a hemorragia é a causa mais comum de choque  Pele pálida ou cianótica.
no paciente traumatizado, a abordagem do socorrista deve conside-  Enchimento capilar maior do que dois segundos.
rar todos os casos de choque como hemorrágicos, até prova em
contrário. O socorrista primeiro deve pesquisar fontes externas de O socorrista deve tratar imediatamente qualquer problema de
hemorragia e controlá-las tão diretamente quanto possível Isso pode vias aéreas, ventilação ou circulação, antes de prosseguir. As etapas
envolver técnicas como a aplicação de curativo compressivo, torni- a seguir são descritas em uma ordem sequencial. Contudo, no local,
quetes ou a imobilização de fraturas de extremidades. Caso não haja eles são executados de uma forma mais ou menos simultânea.
evidências de hemorragia externa, deve-se suspeitar de hemorragia
interna. Embora o tratamento definitivo da hemorragia interna não 11.1. Vias Aéreas
seja prático no ambiente pré-hospitalar, a identificação de uma fonte
interna facilitaria ainda mais o processo de transporte rápido até o A avaliação deve incluir a permeabilidade das vias aéreas (ver
centro de tratamento mais próximo. A hemorragia interna pode Capítulo 11).
ocorrer no tórax, abdome, pelve ou retroperitônio. Evidências de
trauma torácico fechado ou penetrante, com macicez à percussão, 11.2. Ventilação
apontam para uma fonte torácica. O socorrista suspeitaria de abdo-
me, pelve e retroperitônio como a fonte de sangramento com evi- Como já vimos, o metabolismo anaeróbio decorrente da di-
dências de trauma fechado (por exemplo, equimose) ou de trauma minuição da oxigenação celular leva ao aumento da produção de
penetrante, distensão ou sensibilidade abdominal, instabilidade pél- ácido láctico. Os íons hidrogênio (H+), acumulados por causa da
vica, desequilíbrio nas pernas, dor na área pélvica agravada por mo- acidose e da hipóxia, provocam a estimulação do centro respiratório
vimento e sangramento na área genital. que aumenta a frequência e a profundidade da ventilação. Assim, a
Caso a avaliação não sugira hemorragia como a causa do cho- taquipnéia é frequentemente um dos sinais mais precoces de choque.
que, deve-se suspeitar de causas não hemorrágicas. Estas incluem No exame primário, não se perde tempo contando a frequência res-
tamponamento cardíaco e pneumotórax hipertensivo (ambos evi- piratória; em vez disso, estima-se se as respirações estão lentas, nor-
dentes por veias do pescoço distendidas, ao contrário do choque mais, rápidas ou muito rápidas. Uma frequência respiratória lenta
hemorrágico, em que as veias do pescoço estão colapsadas) e cho- associada ao choque em geral indica que o paciente está em choque
que neurogênico. O socorrista deve suspeitar de diferentes fontes de profundo e pode estar a apenas alguns segundos de uma parada
choque cardiogênico com trauma fechado ou penetrante do tórax, cardíaca. Uma frequência respiratória rápida é sempre preocupante e
arritmias e fontes de choque neurogênico com sinais de trauma me- deve servir como estímulo para pesquisar a causa do choque. Um
dular, bradicardia e extremidades aquecidas. A maioria dessas carac- paciente que tenta retirar a máscara de oxigênio, sobretudo se estiver
terísticas, se não todas, pode ser detectada pelo socorrista perspicaz ansioso e agitado, está mostrando mais um sinal de isquemia cere-
que pode determinar a causa do choque e a necessidade de uma bral. Ele tem “fome de ar” e sente necessidade de respirar mais. A
intervenção adequada, quando possível, no próprio local. presença de uma máscara sobre o nariz e a boca cria a sensação
A avaliação simultânea é uma parte importante da avaliação psicológica de restrição ventilatória. Esta atitude deve dar ao socor-
da vítima, uma vez que o socorrista continua a colher e processar rista a dica de que a vítima não está respirando adequadamente, e
informações de fontes diferentes simultaneamente. Se todos os siste- que está em hipóxia. A oximetria de pulso confirma esta suspeita.
mas estiverem funcionando normalmente, nenhum alarme é dispa- Qualquer leitura de um oxímetro de pulso abaixo de 95% é preocu-
rado. pante e deve servir como um estímulo para identificar a causa da
As condições do paciente que devem ser avaliadas incluem hipóxia.
situação das vias aéreas, ventilação, perfusão, cor e temperatura da
pele, tempo de enchimento capilar e pressão arterial. Elas são apre- 11.3. Circulação
sentadas tanto no contexto do exame primário (inicial) quanto do
exame secundário (histórico e exame físico dirigido). O socorrista deve checar rapidamente os seguintes sinais e
condições vitais, e processar esses dados para fazer uma de-
11. EXAME PRIMÁRIO terminação rápida inicial do estado de perfusão e volume da vítima:

Os sinais a seguir caracterizam a necessidade de suspeitar da Hemorragia. A avaliação da circulação deve começar com
presença de lesões com risco de morte: uma procura rápida de sangramento externo significativo. Na pre-
sença de hemorragia continuada, o esforço para restaurar a perfusão
 Ansiedade leve, que progride para confusão ou alteração do não terá efeito. O paciente pode perder uma quantidade significativa
nível de consciência. de sangue por ferimentos de couro cabeludo, devido à grande quan-
 Taquipnéia leve, que evolui para ventilação rápida e dificulto- tidade de vasos sanguíneos na cabeça, e por ferimentos penetrantes
sa. que lesem grandes vasos (vasos subclávios, axilares, braquiais, radi-
 Taquicardia leve, que evolui para taquicardia acentuada. ais, ulnares, carótidas, vasos femorais ou poplíteos).
 Pulso radial fraco, que desaparece.

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Capítulo 13 — Hemorragias e Estados de Choque

Pulso. O próximo aspecto importante para a avaliação da per- perderam um número significativo de suas hemácias por hemorragi-
fusão é o pulso. A avaliação inicial do pulso determina se ele está a. Em pacientes de pele escura, a cianose pode ser observada nos
presente na artéria que se está examinando. Em geral, o desapareci- lábios e gengivas e na palma das mãos.
mento do pulso radial indica hipovolemia grave ou lesão vascular do Temperatura da Pele. À medida que o organismo desvia
braço, particularmente se os pulsos centrais, como o carotídeo ou o sangue da pele para partes mais importantes do organismo, a tempe-
femoral, forem fracos, filiformes e muito acelerados. Se o pulso for ratura da pele cai. Uma pele fria ao toque indica perfusão cutânea
palpável, seu caráter e sua força devem, então, ser examinados: diminuída e diminuição da produção de energia e, portanto, choque.
 O pulso é forte ou fraco e filiforme? Devem-se tomar medidas para preservar a temperatura corpórea do
 Está normal, muito rápido ou muito lento? paciente, já que uma quantidade significativa de calor pode ser per-
 É regular ou irregular? dida durante a fase de avaliação.
Um bom sinal de reanimação adequada pode ser um hálux
Embora muitos profissionais envolvidos no atendimento de quente, seco e rosado. As condições ambientais no momento do
pacientes traumatizados se concentrem na pressão arterial, não se teste podem afetar o resultado.
deve perder um tempo precioso durante o exame primário para se Tempo de Enchimento Capilar. A capacidade do sistema
medir a pressão arterial. Podem ser obtidas informações importantes cardiovascular de encher os capilares depois que o sangue foi deles
a partir da frequência e das características do pulso radial. Em uma “removido” representa um sistema importante de suporte. A análise
série de pacientes traumatizados, um pulso radial caracterizado por do nível de função deste sistema de suporte, comprimindo os capila-
socorristas como “fraco” estava associado a uma pressão arterial que res para remover todo o sangue, e depois medindo o tempo de reen-
em média era 26 mmHg mais baixa do que a de um pulso conside- chimento, dará ao socorrista uma idéia da perfusão do leito capilar
rado “normal”. Principalmente, pacientes traumatizados com um que está sendo avaliado. Em geral, o organismo desvia primeiro a
pulso radial fraco apresentaram uma probabilidade 15 vezes maior circulação das partes mais distais do corpo e restaura a circulação
de morrer do que os com um pulso normal. Embora seja geralmente nesses locais por último. A avaliação do leito ungueal do hálux ou
obtida no início do exame secundário, a pressão arterial pode ser do polegar dá a indicação mais precoce possível de que pode estar
palpada ou auscultada mais cedo na avaliação, caso haja assistência ocorrendo hipoperfusão. Além disso, dá ao socorrista uma boa indi-
suficiente, ou logo após o término do exame primário e quando as cação de quando a reanimação está completa. Contudo, corno acon-
condições potencialmente fatais estiverem sendo tratadas durante o tece com muitos outros sinais que o paciente pode apresentar, diver-
transporte. sas condições, tanto ambientais quanto fisiológicas, podem alterar os
Nível de Consciência. A seguir, é avaliado o nível de consci- resultados. O teste do enchimento capilar avalia o tempo necessário
ência da vítima. O estado mental é geralmente considerado parte da para reperfundir a pele e, por isso, é uma medida indireta da perfusão
avaliação neurológica, mas um estado mental alterado pode repre- naquela parte do corpo. Não é diagnóstico de nenhuma doença ou
sentar um déficit da perfusão cerebral. Um paciente ansioso, agressi- lesão específica.
vo, deve ser considerado como tendo isquemia cerebral e metabolis- Recentemente, foi descrito que o enchimento capilar não é um
mo anaeróbico, até que outra causa seja identificada. A overdose de bom teste para avaliar o choque. Na realidade, não se trata de um
drogas e de álcool e a contusão cerebral são condições que não po- teste para avaliar o choque, mas a perfusão do leito capilar. A inter-
dem ser tratadas rapidamente, mas a isquemia cerebral pode. Portan- rupção do fluxo arterial decorrente de fratura ou lesão vascular por
to, todos os pacientes nos quais possa haver isquemia devem ser ferimento de arma de fogo, a hipotermia e mesmo a aterosclerose
tratados como se ela estivesse presente. são condições que pioram a perfusão, e o tempo de enchimento
Coloração da Pele. A pele rosada indica que a vítima está capilar pode estar aumentado. Uma outra causa de aumento do tem-
bem oxigenada, sem metabolismo anaeróbio. A pele azulada po de enchimento capilar é a diminuição do débito cardíaco por
(cianótica) ou rendilhada indica hemoglobina não oxigenada e falta hipovolemia. Trata-se de um sinal diagnóstico útil que pode ajudar o
de oxigenação periférica adequada. A pele pálida, rendilhada ou socorrista a avaliar a reanimação.
cianótica tem fluxo sanguíneo inadequado, que pode resultar de uma
das três causas: 12. ESTADO NEUROLÓGICO
1. Vasoconstrição periférica (mais frequentemente associada à
hipovolemia). Um sistema que pode ser prontamente avaliado no local é a
2. Diminuição do número de hemácias (anemia aguda). função cerebral. Na vítima traumatizada, pelo menos cinco condi-
3. Interrupção do fluxo sanguíneo para aquela região do orga- ções podem levar à alteração do nível de consciência ou de compor-
nismo, como pode ocorrer em fraturas. tamento (o paciente pode ficar combativo ou agitado):
1. Hipóxia;
A palidez cutânea pode ser um achado localizado ou genera- 2. Choque com alteração da perfusão cerebral;
lizado com diferentes implicações. Outros achados, como taquicar- 3. Lesão cerebral traumática;
dia, devem ser usados para esclarecer essas diferenças e determinar 4. Intoxicação por álcool ou outras drogas;
se a palidez cutânea é uma condição localizada, regional ou sistêmi- 5. Alterações metabólicas, como diabetes, convulsão ou e-
ca. Além disso, pode não haver cianose em paciente hipóxicos que clâmpsia.

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Dessas cinco, a mais fácil de tratar — e a única que pode ma- de de ventilação assistida, pois, em geral, está associada à diminui-
tar rapidamente a vítima se não for tratada — é a hipóxia. Toda víti- ção do volume corrente. Ambas obrigam a procurar possíveis causas
ma com alteração do nível de consciência deve ser tratada como se a de perfusão inadequada.
causa fosse a diminuição da oxigenação cerebral. A alteração do
nível de consciência, via de regra, é um dos primeiros sinais obser- Pulso. No exame secundário, a frequência do pulso deve ser
vados no choque. avaliada com mais precisão. No adulto, a faixa normal para o pulso é
A lesão cerebral pode ser considerada primária (causada por de 60 a 100 bpm. Se a frequência estiver abaixo destes valores, exce-
trauma direto ao tecido cerebral) ou secundária (causada pelos efei- to em indivíduos atléticos, deve-se suspeitar de isquemia de miocár-
tos de hipóxia, hipoperfusão, etc.). Não há tratamento eficaz no aten- dio ou de uma situação patológica tal como bloqueio completo de
dimento pré-hospitalar para a lesão cerebral primária, mas a lesão ramo. Um pulso na faixa de 100 a 120 bpm indica que a vítima está
cerebral secundária pode, essencialmente, ser evitada mantendo-se a em fase inicial de choque, com uma resposta cardíaca inicial tenden-
oxigenação e a perfusão. do à taquicardia. Um pulso acima de 120 bpm é um sinal definitivo
A função cerebral diminui à medida que caem a perfusão e a de choque, a menos que seja devido à dor ou medo, e um pulso
oxigenação e se instala a isquemia. Esta diminuição da função passa acima de 140 bpm é considerado extremamente crítico e quase ter-
por diversas etapas à medida que diferentes partes do cérebro vão minal.
sendo afetadas. Ansiedade e agitação geralmente são os primeiros
sinais, seguidos por pensamento lento e por diminuição das funções Pressão Arterial. A pressão arterial é um dos sinais menos
motora e sensitiva. O nível de função cerebral é um sinal de choque sensíveis de choque. Ela não começa a cair até que a vítima esteja
importante e mensurável no pré-hospitalar. Um paciente agitado, profundamente hipovolêmica (devido à perda de líquido ou à hipo-
combativo, ansioso ou com nível de consciência rebaixado deve ser volemia relativa por aumento do continente). Nos pacientes previa-
tratado como tendo hipóxia e hipoperfusão cerebrais, até que se ache mente sadios, é necessário que haja perda superior a 30% do volume
outra causa para essas alterações. Hipoperfusão e hipóxia cerebrais sanguíneo antes que ocorra falência dos mecanismos de compensa-
frequentemente acompanham a lesão cerebral e pioram ainda mais o ção e a pressão arterial caia abaixo de 90 mmHg. Por este motivo, a
prognóstico a longo prazo. Mesmo breves períodos de hipóxia e frequência ventilatória, a frequência e as características do pulso, o
choque podem piorar a lesão cerebral inicial e o prognóstico da víti- tempo de enchimento capilar e o nível de consciência são indicado-
ma. res mais sensíveis de hipovolemia do que a pressão arterial.
Quando a pressão arterial da vítima começa a cair, a situação é
13. EXPOSIÇÃO DO CORPO/AMBIENTE crítica e é necessária uma intervenção rápida. No pré-hospitalar, um
paciente que é encontrado hipotenso já perdeu uma quantidade sig-
O socorrista deve expor partes do corpo do paciente caso sus- nificativa de sangue. A presença de hipotensão pode significar que o
peite de sangramentos externos, ou em busca de pistas que possam socorrista não observou os sinais iniciais de choque.
indicar hemorragia interna. A possibilidade de hipotermia também A gravidade da situação e a intervenção apropriada variam,
deve ser considerada. dependendo da etiologia. Por exemplo, pressão arterial baixa associ-
ada a choque neurogênico está longe de ser tão grave quanto pressão
14. EXAME SECUNDÁRIO arterial baixa devida a choque hipovolêmico. A Tabela 13-3 mostra
os sinais usados para avaliar o choque hipovolêmico compensado e
14.1. Sinais Vitais descompensado.
Uma cilada importante que deve ser evitada é considerar pres-
A aferição de um conjunto preciso de sinais vitais é uma das são arterial sistólica como sinônimo de débito cardíaco e de perfusão
primeiras etapas realizadas pelo socorrista no exame secundário ou, tecidual. Como enfatizado neste capítulo, é necessária uma perda
após reavaliar o exame primário, quando há alguns minutos disponí- significativa de sangue antes que a vítima apresente hipotensão
veis durante o transporte. (hemorragia Classe III). Assim, quando perdem de 15 a 30% de seu
volume sanguíneo, as vítimas apresentam diminuição do débito
Frequência Ventilatória. Uma frequência de 20 a 30 mrpm é cardíaco e oxigenação tecidual inadequada, apesar de terem pressão
limítrofe e indica a necessidade de suplementação de oxigênio. Uma arterial sistólica normal.
frequência acima de 30 mrpm indica choque avançado e necessida-

Tabela 13-3: Avaliação do Choque Hipovolêmico Compensado e Descompensado.


Sinal Vital Compensado Descompensado
Pulso Aumentado; taquicardia Muito aumentado; taquicardia acentuada que pode evoluir para bradicardia
Pele Pálida, fria e úmida Pálida, fria e cérea
Pressão arterial Normal Baixa
Nível de consciência Inalterado Alterado, indo da desorientação ao coma
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Capítulo 13 — Hemorragias e Estados de Choque

Um aspecto importante que o socorrista deve lembrar na avali- pensar a perda de sangue e podem parecer relativamente normais
ação de vítimas com trauma múltiplo é que as lesões de crânio não em uma avaliação rápida. Uma avaliação mais cuidadosa pode reve-
causam hipotensão até que o cerebelo comece a herniar através da lar sinais sutis de choque, como discreta taquicardia e taquipnéia,
incisura e do forame magno. Por isso, se um paciente com trauma de pele pálida com retardo do enchimento capilar e ansiedade. Por cau-
crânio estiver hipotenso, o socorrista deve admitir que essa condição sa da sua grande capacidade de compensação, uma criança em cho-
é devida à hipovolemia (geralmente perda de sangue) causada por que descompensado representa uma verdadeira emergência. Os
outras lesões, e não ao trauma de crânio. Crianças muito pequenas idosos estão mais sujeitos a determinadas complicações do choque
(menos de seis meses) são exceção a esta regra, uma vez que podem prolongado, como a insuficiência renal aguda.
apresentar choque hipovolêmico por sangramento intracraniano, por
terem suturas e fontanelas ainda abertas. 15.2. Atletas

Lesões Musculoesqueléticas. As fraturas podem causar he- Atletas bem condicionados frequentemente têm aumento da
morragia interna significativa (Tabela 13-4). As fraturas de fêmur e capacidade de compensação. Muitos têm frequência cardíaca de
de pelve são as mais preocupantes. Uma fratura de fêmur isolada repouso na faixa de 40 a 50 bpm. Por isso, uma frequência cardíaca
pode levar à perda de até 2 a 4 unidades de sangue (1000 a 2000 ml) de 100 a 110 bpm ou a presença de hipotensão em um atleta bem
para a coxa. Essa lesão, sozinha, pode provocar perda de 30% a 40% condicionado podem ser sinais de alerta indicadores de perda signifi-
do volume sanguíneo de um adulto, resultando em choque hipovolê- cativa de sangue.
mico descompensado. As fraturas de pelve, em particular as decor-
rentes de quedas significativas ou de esmagamento, podem associar- 15.3. Gravidez
se à hemorragia interna maciça para o espaço retroperitoneal. Even-
tualmente, uma vítima de trauma fechado pode ter múltiplas fraturas Durante a gravidez, o volume sanguíneo pode aumentar até
e choque Classe III ou IV, sem evidência de hemorragia interna, 48%. A frequência e o débito cardíaco também aumentam durante a
hemotórax, sangramento intra-abdominal ou fratura de pelve. Por gravidez. Por causa disso, a gestante pode não apresentar sinais de
exemplo, um adulto atropelado que tenha fratura de quatro arcos choque até que perca mais de 30% a 35% do seu volume sanguíneo.
costais, de úmero, de fêmur e fratura bilateral de tíbia e fíbula pode Além disso, bem antes de a mãe demonstrar sinais de hipoperfusão,
ter hemorragia interna de 3000 a 5500 ml. Esta perda potencial de o feto pode ser afetado, já que a circulação placentária é mais sensí-
sangue é suficiente para que a pessoa morra de choque, se não for vel aos efeitos de vasoconstrição das catecolaminas liberadas em
feito o diagnóstico e o tratamento adequado. resposta ao estado de choque. Durante o terceiro trimestre, o útero
gravídico pode comprimir a cava inferior, diminuindo muito o retor-
15. FATORES DE CONFUSÃO no venoso e causando hipotensão. A elevação do lado direito da
paciente já imobilizada em prancha rígida pode melhorar essa situa-
Numerosos fatores podem confundir a avaliação dos sinais de ção. Se a gestante permanecer hipotensa apesar dessa manobra, é
choque que o paciente pode apresentar. sinal de que houve perda de sangue tal que a paciente corre risco de
morte.
15.1. Idade
15.4. Doenças Preexistentes
Pacientes nos extremos de idade, particularmente os muito
novos (recém-nascidos) e os muito idosos, têm menor capacidade de Os pacientes portadores de doenças graves, como coronario-
compensar a perda aguda de sangue e outros estados de choque. Por patias e DPOC, têm menor capacidade de compensar a perda de
isso, um trauma relativamente pequeno pode fazer com que esses sangue e o choque. Esses pacientes podem ter angina quando a fre-
pacientes tenham choque descompensado. Por sua vez, as crianças quência cardíaca aumenta na tentativa de manter a pressão arterial.
maiores e os adultos jovens têm uma capacidade fantástica de com- Os pacientes com marca-passo, por sua vez, não conseguem fazer
taquicardia para manter a pressão arterial.
Tabela 13-4: Perda Sanguínea Interna Apropriada
Associada às Fraturas 15.5. Uso de Medicamentos
Tipo de Fratura Perda sanguínea aproximada (ml)
Numerosos medicamentos interferem nos mecanismos de
Costela 125 compensação do organismo. Betabloqueadores e inibidores de ca-
Rádio ou ulna 250-500 nais de cálcio, utilizados para tratar a hipertensão, podem impedir
que o indivíduo desenvolva taquicardia, que contribuiria para manter
Úmero 500-750
a pressão arterial. Além disso, o uso de antiinflamatórios não-
Tíbia ou fíbula 500-1000 hormonais, próprios para tratamento de artrite e de dor osteomuscu-
Fêmur 1000-2000 lar, pode interferir na atividade plaquetária e na coagulação sanguí-
nea, levando a aumento do sangramento.
Bacia 1000-maciça
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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

15.6. Tempo Decorrido entre o Trauma e o Atendimento acontecendo com o paciente pode ajudar o socorrista a identificar o
hospital mais qualificado para tratar os problemas da vítima e a deci-
Nas situações em que o tempo até o atendimento foi muito dir o que fazer durante o transporte para melhorar a sua condição.
curto, o paciente pode ter hemorragia interna grave, mas não ter
perdido ainda sangue suficiente para que apareçam os sinais de cho- 16.1. Vias Aéreas
que (hemorragia Classe III ou IV). Mesmo pacientes com ferimen-
tos penetrantes de aorta, cava e vasos ilíacos podem chegar ao hospi- Inicialmente, devem ser avaliadas as vias aéreas de todos os
tal com pressão arterial normal, se o tempo de resposta, o tempo no pacientes. Aqueles que devem merecer cuidados imediatos quanto
local e o tempo de transporte tiverem sido curtos. Nunca se deve às vias aéreas são os seguintes, em ordem de importância:
assumir que não há hemorragia interna só porque o paciente “parece 1. Os que não estão respirando.
bem”. Os pacientes devem ser completamente examinados em bus- 2. Os que apresentam comprometimento evidente de vias
ca de sinais mesmo sutis de choque, e deve-se assumir que pode aéreas.
haver hemorragia interna até que ela seja definitivamente descartada. 3. Os que têm frequência ventilatória acima de 20 mrpm.
Esse é um dos motivos pelos quais é essencial reavaliar continua- 4. Os que têm respiração ruidosa.
mente o paciente traumatizado.
16.2. Ventilação
16. TRATAMENTO
Com as vias aéreas pérvias, os pacientes em choque ou em
Além de assegurar as vias aéreas e fornecer ventilação para risco de choque (o que inclui quase todas as vítimas traumatizadas)
manter a oxigenação, os objetivos principais do tratamento do cho- devem receber oxigênio com FiO2 o mais próximo possível de 1,0
que incluem a identificação da fonte ou causa, o tratamento da causa (oxigênio a 100%). Isso só pode ser conseguido com um dispositivo
tão especificamente quanto possível e o suporte da circulação. No que tenha um reservatório acoplado e com alto fluxo de oxigênio.
atendimento pré-hospitalar, a fonte externa de sangramento frequen- Não pode ser conseguido com cateter nasal ou uma simples máscara
temente pode ser identificada e imediata e diretamente controlada. facial. Praticamente todos os traumatizados devem ser monitorados
As causas internas de choque normalmente não podem ser tratadas com oximetria de pulso. Uma vez tratados os problemas mais agu-
definitivamente no ambiente pré-hospitalar; portanto, a conduta dos e estabilizado o paciente, pode-se ir baixando a FiO2, mantendo-
consiste em transferir o paciente rapidamente para o centro de trata- se sempre a saturação em pelo menos 95%.
mento definitivo, mantendo a circulação da melhor forma possível. Se a vítima não estiver respirando, ou se sua respiração não
No pré-hospitalar, a reanimação inclui: tiver profundidade e frequência adequadas, o socorrista deve iniciar
 Melhora da oxigenação das hemácias nos pulmões, pela per- de imediato suporte ventilatório com máscara associada a balão
meabilização adequada das vias aéreas. dotado de válvula unidirecional. É importante ter certeza de que o
 Suporte ventilatório com máscara associada a balão dotado de paciente não está hiperventilado quando as ventilações são assisti-
válvula unidirecional e oferta de alta concentração de oxigênio. das, especialmente na vítima com choque hipovolêmico. Uma venti-
 Controlar a hemorragia externa e interna da melhor forma lação muito profunda e muito rápida pode produzir alcalose no paci-
possível no ambiente pré-hospitalar. Cada hemácia é importante. ente, o que aumenta a afinidade da hemoglobina por oxigênio, dimi-
 Melhora da circulação, a fim de facilitar a chegada de hemá- nuindo, desse modo, a liberação de oxigênio para os tecidos. Dados
cias oxigenadas aos tecidos e melhorar a oxigenação nas células. recentes de experimentos animais com a utilização de um modelo de
 Encaminhar a vítima assim que possível ao tratamento defini- choque hipovolêmico sugerem que frequências ventilatórias nor-
tivo com controle da hemorragia e, em caso de atendimento com o mais ou maiores em animais com hemorragia até mesmo moderada
suporte avançado de vida, reposição das hemácias perdidas. prejudicam o funcionamento hemodinâmico, evidenciado por pres-
são arterial sistólica e débito cardíaco diminuídos. O mecanismo
Se o socorrista não tomar as medidas apropriadas, a vítima presumido é o aumento da pressão intratorácica, o que dificulta o
continuará a piorar rapidamente, até alcançar o último estágio da retorno venoso ao coração, causando hipotensão.
estabilização: a morte. Para uma vítima adulta, a administração de um volume cor-
Ao decidir sobre que tratamento prestar a um paciente em rente razoável (350-500 ml) em uma frequência de 10 ventilações/
choque, quatro perguntas devem ser feitas: min é provavelmente suficiente. O monitoramento do CO2 expirado
1. Qual a causa do choque desta vítima? (ETCO2) pode ser útil, juntamente com a oximetria de pulso, para
2. Qual o tratamento definitivo para o choque deste paciente? manter o paciente eucapnéico (com níveis normais de CO2 arterial).
3. Que local poderá prestar melhor esse tratamento?
4. O que é que pode ser feito para tratar a vítima enquanto é 16.3. Circulação
encaminhada para o tratamento definitivo?
Os procedimentos atinentes à circulação deverão ser voltados
Embora possa ser difícil de responder à primeira pergunta com a garantir a perfusão celular, conforme já descrito na seção 5 deste
um alto grau de acurácia diagnóstica, ter alguma idéia do que está capítulo.

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144 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 13 — Hemorragias e Estados de Choque

16.4. Alterações Neurológicas importantes no atendimento do paciente (fazendo o antigo “carregar


e correr”). Significa, no entanto, que o socorrista deve fazer rapida-
Não há intervenções exclusivas e específicas para o estado mente os procedimentos fundamentais, que podem salvar a vida da
mental alterado que ocorre no paciente em choque. Se o estado neu- vítima, como cuidar das vias aéreas e da ventilação e controlar o
rológico anormal da vítima for causado por hipóxia cerebral e perfu- sangramento externo. Não se deve perder tempo em avaliações
são deficiente, os esforços para restaurar a perfusão por todo o corpo inapropriadas nem em imobilizações desnecessárias. Ao cuidar de
devem produzir uma melhora do estado mental. Na avaliação do pacientes muito graves, muitos procedimentos, como aquecer a
prognóstico de um paciente após lesão cerebral traumática, o escore vítima e mesmo o exame secundário, são feitos na viatura, já a cami-
inicial na escala de coma de Glasgow é tipicamente considerado nho do hospital.
aquele feito após reanimação adequada e restauração da perfusão
cerebral. A avaliação do escore da escala de coma de Glasgow 16. 7. Posição do Paciente
quando a vítima ainda está em choque pode induzir a um prognósti-
co excessivamente ruim. Em princípio, as vítimas traumatizadas em choque devem ser
transportadas em decúbito dorsal horizontal, imobilizados em pran-
16.5. Exposição e Controle do Ambiente cha rígida. Posições especiais, como a posição de Trendelenburg
(posição inclinada, com os pés elevados acima do nível da cabeça)
É importante manter a temperatura corpórea do paciente den- ou a posição de “choque” (decúbito dorsal horizontal com elevação
tro do normal. A hipotermia provoca disfunção cardíaca, coagulopa- das pernas) já não são recomendadas. A posição de Trendelenburg
tia, hipercalemia, vasoconstrição e uma série de outros problemas pode piorar a função respiratória já alterada, por colocar o peso dos
que afetam negativamente a possibilidade de sobrevida da vítima. órgãos abdominais sobre o diafragma, e aumentar a pressão intracra-
Embora o frio seja útil na preservação dos tecidos por um curto perí- niana em pacientes com lesão cerebral traumática. Além disso, os
odo de tempo, a queda de temperatura deve ser muito rápida e até pacientes com choque hipovolêmico grave geralmente apresentam
níveis muito baixos para ser protetora. Isso é inaceitável no paciente vasoconstrição máxima. Por isso, já não se acredita que a posição de
em choque. Trendelenburg cause desvio significativo de sangue dos membros
No pré-hospitalar, pode ser muito difícil aumentar a tempera- inferiores para órgãos vitais e não deve ser usada. Tanto a posição de
tura central uma vez instalada a hipotermia, por isso, devem ser Trendelenburg quanto a posição de choque são contra-indicadas em
tomadas todas as medidas possíveis já no local para preservar a nor- pacientes com suspeita de lesão de coluna.
motermia. A temperatura de uma vítima diminui em decorrência da
diminuição de produção de energia e da perda de calor para o ambi- 16.8. Calça Pneumática Antichoque (PASG)
ente. Uma vez exposto e examinado, o paciente deve ser protegido
contra hipotermia, e a temperatura de seu corpo deve ser mantida. A calça pneumática antichoque (PASG) continua sendo um
Devem ser retiradas as roupas molhadas, incluindo as ensopadas de dos dispositivos mais controversos já introduzidos no atendimento
sangue, porque a roupa molhada aumenta a perda de calor. A vítima pré-hospitalar. Um estudo amplo feito nos Serviços de Emergências
deve ser coberta com cobertores aquecidos. Uma alternativa é cobrir Médicas de Houston — EUA, não conseguiu mostrar benefício do
o paciente com plásticos, como sacos de lixo de plástico grosso e uso deste dispositivo em pacientes traumatizados hipotensos, no
pesado. São baratos, fáceis de estocar, descartáveis e efetivos em ambiente urbano, com tempo de transporte curto para um centro de
reter calor. O uso de oxigênio úmido aquecido, se possível, pode trauma com disponibilidade imediata de cirurgiões de trauma. Um
ajudar a manter a temperatura do organismo. estudo semelhante feito na mesma instituição também não demons-
Uma vez avaliada e imobilizada, a vítima em choque deve ser trou diferença quando se usou ou não reposição volêmica intraveno-
levada para o compartimento aquecido da unidade de resgate. O sa no pré-hospitalar. Ambos os estudos devem ser lidos antes de
ideal é que o compartimento da ambulância seja mantido a 29ºC ou desenvolver protocolos para tais procedimentos. A PASG é basica-
mais durante o transporte de pacientes graves. A taxa de perda de mente um dispositivo para controle de sangramento, não para reani-
calor para um ambiente frio é muito elevada. As condições devem mação, exceto em algumas poucas situações de hipotensão extrema.
ser as ideais para a vítima, não para os socorristas, porque o paciente Embora a PASG não tenha ainda sido estudada adequadamente nos
é a pessoa mais importante em qualquer emergência. contextos suburbano e rural, muitos Serviços de Emergências Médi-
cas a retiraram de suas ambulâncias. Essa medida não considera a
16.6. Transporte da Vítima situação de alguns pacientes com choque que poderiam se beneficiar
do uso da PASG.
Um paciente em choque hemorrágico grave precisa de trans-
fusão de sangue e um cirurgião com acesso a um centro cirúrgico. 16.9. Fisiologia
Como no suporte básico de vida nenhum dos dois está disponível na
viatura, é importante que a vítima seja transportada rapidamente para A pressão exercida pela PASG sobre as pernas e o abdome é
um hospital que tenha recursos para tratar as suas lesões. Transportar transmitida diretamente, através da pele, gordura, músculo e outros
rapidamente não significa deixar de fazer as intervenções que são tecidos, aos próprios vasos sanguíneos. À medida que os vasos são

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Diretoria de Ensino e Instrução 145
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comprimidos, seu diâmetro diminui. A principal consequência fisio- 16.11. Contra-indicações


lógica é que o continente vascular nas áreas do corpo por baixo do
dispositivo torna-se menor, aumentando a resistência vascular sistê-  Ferimento penetrante de tórax. O uso da PASG aumenta o
mica e elevando, assim, a pressão arterial sistólica e diastólica. Prati- sangramento de vasos lesados na metade superior do corpo (fora dos
camente todos os estudos, tanto em animais quanto em humanos, limites do dispositivo) se a pressão arterial do paciente aumentar de
observaram aumento da pressão arterial sistólica com a utilização da forma significativa. No estudo de Houston, os pacientes hipotensos
PASG para tratar o choque hemorrágico. A pressão arterial média com ferimento penetrante de tórax tiveram mortalidade claramente
também aumenta, o que provavelmente ajuda a melhorar a perfusão mais elevada quando se utilizou a PASG.
tecidual. Além do aumento da resistência vascular sistêmica, uma  Imobilização de fraturas de membros inferiores. A PASG
pequena quantidade de sangue é desviada das veias dos membros pode ser pensada como um grande imobilizador pneumático, e foi
inferiores para os órgãos centrais. A insuflação da PASG faz aumen- sugerida que serviria para imobilizar fraturas de fêmur, tíbia e fíbula.
tar o retorno venoso, o que melhora o débito cardíaco. O significado Um dispositivo de tração é muito melhor para imobilizar fraturas da
clínico dessa “autotransfusão” tem sido questionado, já que as pes- diáfise do fêmur, porque reduz as extremidades ósseas para a posi-
quisas mostraram que a quantidade de sangue desviada está na faixa ção anatômica e trata a dor por combater o intenso espasmo muscu-
de apenas algumas centenas de mililitros. lar que ocorre na coxa. O uso da PASG associou-se ao aparecimento
de síndrome compartimental na perna, principalmente na presença
16.10. Uso da PASG no Choque Hemorrágico de fraturas. Não se recomenda o uso da PASG apenas para imobili-
zar fraturas isoladas de membros inferiores se o paciente não estiver
Nas quatro situações a seguir, a PASG pode trazer benefício em choque.
significativo para os pacientes com choque hemorrágico:  Evisceração de órgãos abdominais.
 Objetos encravados no abdome.
1. Suspeita de fratura de bacia e hipotensão (pressão arterial  Gravidez.
sistólica de 90 mmHg). As fraturas de bacia que resultam de com-  Parada cardiorrespiratória traumática.
pressão anterior e posterior ou de quedas podem levar à hemorragia
intensa para a pelve e para o espaço retroperitoneal. A insuflação dos 16.12. Aplicação
três compartimentos da PASG pode diminuir o volume da pelve e
tamponar a hemorragia. Se não se dispuser de PASG, deve-se cogi- A PASG deve ser aplicada logo que possível, quando houver
tar a possibilidade de enrolar um lençol em volta da pelve, amarran- indicação para sua utilização. A PASG é posicionada debaixo do
do-o firmemente como se fosse uma faixa. Isto deve ser feito de tal paciente em uma de várias maneiras possíveis. Em muitos casos,
modo que os membros inferiores sejam mantidos em adução e rota- pode ser mais simples rolar a vítima para cima do dispositivo depois
ção interna. de o colocar aberto sobre a prancha rígida. Uma forma alternativa de
2. Hipotensão profunda. Alguns dados sugerem que pacientes aplicar a PASG é um socorrista colocar cada um de seus braços em
com hipotensão grave (pressão arterial sistólica abaixo de 50 a 60 cada uma das pernas da PASG, pela extremidade dos pés. Enquanto
mmHg) podem ter evolução melhor se a PASG for utilizada. A esse socorrista segura os tornozelos do paciente e levanta suas per-
melhora da perfusão no cérebro e no coração, resultante da insufla- nas, um segundo socorrista faz deslizar a PASG pelas pernas da
ção da PASG, pode contribuir para melhorar a sobrevida. vítima. A pelve do paciente é então elevada cuidadosamente para
3. Suspeita de hemorragia intraperitoneal com hipotensão. A completar a colocação do dispositivo debaixo dele. A extremidade
insuflação da PASG inteira comprime os órgãos intraperitoneais. superior da PASG deve ir até a reborda costal, lateralmente.
Isto pode levar à diminuição ou parada do sangramento A PASG é então apertada firmemente e insuflada, começando
(tamponamento) de órgãos sólidos, como o fígado e o baço, e de -se pelas pernas e prosseguindo-se com o abdome. Os três comparti-
vasos mesentéricos. Vários estudos mostraram melhora da sobrevi- mentos podem ser insuflados todos ao mesmo tempo; contudo, o
da em animais com hemorragia intra-abdominal não controlada, compartimento abdominal nunca deve ser insuflado antes dos com-
quando tratados com a PASG. partimentos das pernas. Quando o velcro começa a estalar, a pressão
4. Suspeita de hemorragia retroperitoneal com hipotensão. A dentro da PASG geralmente está entre 60 e 80 mmHg. Uma equipe
insuflação da PASG inteira comprime os órgãos retroperitoneais. bem treinada consegue aplicar a PASG muito rapidamente, e vários
Pelo aumento da pressão, este dispositivo pode tamponar o sangra- estudos mostraram que a colocação da PASG não aumenta o tempo
mento de rins, aorta e cava. de atendimento no local.

A PASG provavelmente é muito menos eficiente do que a 17. TRANSPORTE PROLONGADO


compressão direta ou a compressão feita com curativo com faixa
elástica para controlar o sangramento externo de membros inferio- Durante o transporte prolongado, o socorrista deve tentar man-
res. O socorrista só deve usar a PASG nessa situação se for impossí- ter a perfusão para os órgãos vitais. O controle das vias aéreas deve
vel fazer a compressão direta por falta de efetivo. ser otimizado bem antes de se iniciar um transporte prolongado. A
oximetria de pulso deve ser monitorada continuamente.

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146 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 13 — Hemorragias e Estados de Choque

A compressão direta é impraticável durante um transporte 18.2. Causas


prolongado; portanto, uma hemorragia externa significativa deve ser
controlada com curativos de pressão. Caso essas medidas não obte- Os agentes causadores mais comuns são:
nham sucesso, aplica-se um torniquete.
O controle de hemorragia interna deve ser otimizado pela Comidas (nozes, amendoim, peixes, mariscos e frutos do mar
imobilização de todas as fraturas e aplicação da PASG ou de banda- em geral, leite e ovos).
gem pélvica, o que for indicado para hemorragia intra-abdominal ou Medicamentos (penicilina, AAS e similares, como ibuprofeno
retroperitoneal. e diclofenac).
Técnicas para a manutenção da temperatura corporal normal, Picadas de Hymenoptera (abelha, vespa e também algumas
como descritas previamente, são ainda mais importantes em casos formigas).
de transporte prolongado. Além de um compartimento aquecido Exercícios físicos.
para o paciente, ele deve ser coberto com cobertores ou materiais Transfusão com incompatibilidade podem causar um quadro
que preservem o calor do corpo; até mesmo grandes sacos plásticos clínico semelhante.
de lixo podem ajudar a evitar a perda de calor.
Os sinais vitais devem ser reavaliados frequentemente para 18.3. Ação Imediata
monitorar a resposta à reanimação. Os seguintes dados devem ser
documentados em intervalos seriados: frequência ventilatória, fre- O chamado choque anafilático é uma emergência em que há
quência do pulso, pressão arterial, coloração e temperatura cutâneas, risco de morte, por causa da rápida constrição das vias aéreas, que
enchimento capilar, escala de coma de Glasgow e saturação de O2. muitas vezes ocorre em questão de minutos após o início do quadro.
O paciente em choque anafilático necessita de medicação de
18. ANAFILAXIA urgência para combater a reação, administrada por médico.
Ao socorrista cabe:
Anafilaxia (ou anafilaxis) é uma reação alérgica sistêmica,
severa e rápida, a uma determinada substância, chamada alergénico 1. Dar suporte básico de vida à vítima (manter vias aéreas e
ou alérgeno, caracterizada pela diminuição da pressão arterial, taqui- oxigenação).
cardia e distúrbios gerais da circulação sanguínea, acompanhada ou 2. Monitorar sinais vitais.
não de edema de glote. A reação anafilática pode ser provocada por 3. Providenciar o transporte rápido ao hospital que deverá ser
quantidades minúsculas da substância alergénica. O tipo mais grave comunicado antecipadamente.
de anafilaxia — o choque anafilático — termina geralmente em
morte caso não seja tratado. A reação anafilática ocorre em questão
de segundos ou minutos após o contato com a substância a que o
paciente é alérgico.

18.1. Sinais e Sintomas

 Pele avermelhada, com coceira ou queimação.


 Edema de face e língua.
 Respiração ruidosa e difícil devido ao edema de cordas
vocais.
 Queda da pressão arterial, pulso fraco, tontura, palidez e
cianose.
 Coma.

Os sintomas estão relacionados à ação da imunoglobulina e da


anafilatoxina, que agem para liberar histamina e outras substâncias
mediadoras de degranulação. A histamina induz à vasodilatação e a
broncoespasmo (constrição das vias aéreas), entre outros efeitos.
Os sintomas estão relacionados à ação da imunoglobulina e da
anafilatoxina, que agem para liberar histamina e outras substâncias
mediadoras de degranulação. A histamina induz à vasodilatação e a
broncoespasmo (constrição das vias aéreas), entre outros efeitos.

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Diretoria de Ensino e Instrução 147
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

3
Notas: A utilização da PASG deve ser considerada no choque des-
compensado (PAS < 90 mmHg) e na suspeita de sangramento
1
Um torniquete, o manguito do aparelho de pressão ou uma da pelve, do peritônio e do retroperitôneo e em vítimas com
gravata devem ser aplicados em posição proximal ao local de hipotensão grave (PAS < 60 mmHg). O uso da PASG está
sangramento, apertando até que o sangramento pare. O horário contra-indicado em trauma penetrante do tórax, evisceração
da aplicação deve ser anotado no torniquete. abdominal, gravidez, empalação de objetos no abdome, em
2 parada cardiorrespiratória por trauma e para imobilizar fraturas
A avaliação da perfusão inclui: presença, qualidade e locali-
dos membros inferiores.
zação dos pulsos; cor da pele, temperatura e umidade; e tempo
4
de reenchimento capilar. Ver algoritmos para Indicadores de Imobilização de Coluna.

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148 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 14
Ferimentos, Curativos e Bandagens

F erimento é qualquer lesão ou perturbação produzida


em qualquer tecido por um agente externo, físico
ou químico. Os agentes capazes de produzir um ferimento podem
ser físicos (mecânico, elétrico, irradiante e térmico) e químicos
(ácidos ou álcalis). Os traumatismos causados por agentes químicos
e por agentes físico-térmicos serão tratados no capítulo 23.
Este capítulo se limita aos traumatismos produzidos por agen-
tes físicos mecânicos.
Fig. 166: Ferimento inciso, provocado por instrumento cor-
tante (caco de vidro), no antebraço.
1. CLASSIFICAÇÃO GERAL DOS FERIMENTOS
Contusas: causadas por objetos com superfície romba
1.1. Ferimentos Fechados (instrumento cortante não muito afiado — pau, pedra, soco, etc.),
capazes de romper a integridade da pele, produzindo feridas com
São os ferimentos onde não existe solução de continuidade da bordas traumatizadas, além de contusão nos tecidos arredores. São
pele, a pele se mantém íntegra. Podendo ser classificados em: as feridas corto contusas.
Contusão: lesão por objeto contundente que danifica o tecido
subcutâneo subjacente, sem romper a pele.
Hematoma: extravasamento de sangue no subcutâneo com
formação de coleção (aumento de volume), pela ruptura de veias e
arteríolas, consequência de uma contusão. Quando localizado no
couro cabeludo, é o hematoma subgaleal.

Fig. 167: Ferimento corto contuso provocado por uma


coronhada de espingarda.

Perfurantes: o objeto que produz a ferida é geralmente fino e


Fig. 165: Hematoma periorbitário.
pontiagudo, capaz de perfurar a pele e os tecidos subjacentes, resul-
Equimose: extravasamento de sangue no subcutâneo sem tando em lesão cutânea puntiforme ou linear, de bordas regulares ou
formação de coleção, consequência da ruptura de capilares. não. As feridas perfurantes podem ser:

1.2. Ferimentos Abertos

São os ferimentos que rompem a integridade da pele, expondo


tecidos internos, geralmente com sangramento. Também são deno-
minados feridas.
As feridas são traumas de alta ou baixa energia, decorrentes da
superfície de contato do agente vulnerante. Segundo este conceito,
as feridas podem ser classificadas em: Fig. 168: Ferimento perfurocontuso.

Incisivas/cortantes: produzidas por agentes vulnerantes cor- a) Perfurocontusas: ocorre quando o objeto causador da
tantes, afiados, capazes de penetrar a pele (bisturi, faca, estilete etc.), ferida é de superfície romba (ferimento por arma de fogo);
produzindo ferida linear com bordas regulares e pouco traumatiza- b) Perfurocortantes: quando o agente vulnerante possui
das. superfície de contato laminar ou pontiagudo (ferimento causado por
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

arma branca — faca, estilete, adaga). Avulsão ou ampu-


tação: ocorre quando
uma parte do corpo é
cortada ou arrancada
(membros ou parte de
membros, orelhas, nariz
etc.).

Lacerações: quan-
do o mecanismo de ação Fig. 172: Avulsão.
é uma pressão ou tração exercida sobre o tecido, causando lesões
irregulares. Os exemplos são inúmeros.

Fig. 169: Feridas perfurocortantes.

Penetrantes: quando o agente vulnerante atinge uma cavidade


natural do organismo, geralmente tórax ou abdome. Apresenta for-
mato externo variável, geralmente linear ou puntiforme.
Transfixante: este tipo de lesão constitui uma variedade de
ferida que pode ser perfurante ou penetrante; o objeto vulnerante é
capaz de penetrar e atravessar os tecidos ou determinado órgão em
toda a sua espessura saindo na outra superfície. Pode-se utilizar co-
Fig. 173: Laceração.
mo exemplo as feridas causadas por projétil de arma de fogo, que
são feridas perfurocontusas, podendo ser penetrantes e/ou transfixan- Evisceração: ocorre extrusão de
tes. As feridas transfixantes possuem: vísceras através do ferimento.
Orifício de Entrada:
ferida circular ou Encravamento: lesão na qual o
oval, geralmente objeto perfura a pele e tecidos mais pro-
pequena, com bordas fundos e fica parcialmente exteriorizado.
trituradas e com orla
de detritos deixada 2. ATENDIMENTO ÀS VÍTI-
pel o pr ojétil MAS DE FERIMENTOS
(pólvora, fragmentos
de roupas). O atendimento pré-hospitalar dos
Fig. 170: Ferida Transfixante. Orifício de Saída: ferimentos visa a três objetivos princi-
ferida geralmente maior, com pais:
Fig. 174: Encravamento.
bordas irregulares, voltadas para  Proteger a ferida contra o trau-
fora. ma secundário.
 Conter sangramentos.
F. Abrasões ou escoriações:  Proteger contra infecção.
são lesões da camada superficial
da pele produzidas pelo atrito de Na fase pré-hospitalar, deve-se evitar perder tempo em cuida-
uma superfície áspera. Apresen- dos excessivos com os ferimentos que não sangram ativamente e
tam sangramento discreto, mas não atingem os planos profundos. Estes cuidados retardam o trans-
costumam ser extremamente porte ao hospital, o que pode agravar o estado geral dos pacientes
dolorosas (figura 171). Não com lesões internas associadas.
representam risco ao paciente No atendimento à vítima com ferimentos deve-se seguir os
quando isoladas. Frequente- seguintes passos e cuidados:
mente contém partículas de 1) Controle do ABC é a prioridade como em qualquer outra
corpo estranho (cinza, graxa, vítima de trauma. Ferimentos com sangramento importante exigem
terra). controle já no passo C.
Fig. 171: Ferimento abrasivo, resul-
2) Avaliação do ferimento, informando-se sobre a natureza e a
tante de acidente motociclístico. força do agente causador, de como ocorreu a lesão e do tempo trans-
corrido até o atendimento.
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150 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 14 — Ferimentos, Curativos e Bandagens

3) Inspeção da área lesada, que deve ser cuidadosa. Pode ha- 4. RESUMO DO ATENDIMENTO À VÍTIMA DE FE-
ver contaminação por presença de corpo estranho e lesões associa- RIMENTOS
das. O ferimento deve ser exposto e, para isto, pode ser necessário
cortar as roupas da vítima; evite movimentos desnecessários com a 1) Controle do ABC e análise do mecanismo de lesão.
mesma. 2) Expor o ferimento para inspeção.
4) Limpeza da superfície do ferimento para a remoção de 3) Controle do sangramento.
corpos estranhos livres e detritos; utilizar uma gaze estéril para remo- 4) Limpeza de superfície da lesão.
ção mecânica delicada e, algumas vezes, instilação de soro fisiológi- 5) Proteção com gaze estéril.
co, sempre com cautela, sem provocar atrito. Não perder tempo na 6) Bandagem triangular ou atadura de crepe para fixar a gaze.
tentativa de limpeza geral da lesão, isto será feito no hospital. Certifique-se da presença de pulso distal após a colocação da banda-
Objetos encravados não devem ser removidos, mas sim imobilizados gem porque pode estar muito apertada.
para que permaneçam fixos durante o transporte. 7) Mantenha a vítima imóvel, quando possível. Movimentos
5) Proteção da lesão com gaze estéril que deve ser fixada no desnecessários podem precipitar ou aumentar sangramentos.
local com bandagem triangular ou, se não estiver disponível, utilizar 8) Conforte a vítima, informando os procedimentos adotados,
atadura de crepe. assim ela se tranquiliza e colabora com o atendimento.
9) Prevenir ou tratar o choque hipovolêmico (ver Capítulo 13).
3. CUIDADOS NOS DIVERSOS TIPOS DE FERI- 10) Não retardar o transporte desnecessariamente.
MENTOS
5. CURATIVOS E BANDAGENS
Nas escoriações, é comum a presença de corpo estranho
(areia, graxa, resíduos de asfalto, etc.); deve-se tentar remover o O tecido do corpo humano quando lesado, tanto nos ferimen-
excesso e em seguida, cubra a área escoriada com gaze estéril fixan- tos abertos quanto nos fechados, é mais suscetível a agressões poste-
do-a no local com atadura ou bandagem triangular. riores do que o tecido normal. A prevenção de uma lesão posterior e
Nas feridas incisivas, aproximar e fixar suas bordas com um a promoção da cicatrização são duas metas do tratamento das feri-
curativo compressivo, utilizando atadura ou bandagem triangular. das.
Nas feridas lacerantes, controlar o sangramento através da Os curativos são procedimentos que consistem na limpeza e
pressão direta e proteger com uma gaze estéril firmemente pressio- aplicação de uma cobertura estéril em uma ferida, com a finalidade
nada. Lesões graves podem exigir a imobilização da parte afetada. de promover a hemostasia, cicatrização, bem como, prevenir conta-
Nas avulsões e amputações, os cuidados de emergência re- minação e infecção.
querem, além do controle de sangramento, todo o esforço da equipe Geralmente nos serviços pré-hospitalares, os curativos são
de socorro para preservar a parte amputada. No caso de retalhos de realizados com aplicação de gaze ou compressas cirúrgicas e fixadas
pele, recolocá-lo na posição normal delicadamente, após a limpeza com esparadrapo.
da superfície; em seguida, fazer o curativo. Partes do corpo amputa- As bandagens são constituídas por peças de tecido de algodão
das devem ser colocadas em bolsa plástica seca, estéril, selada e se cortado em triângulo, com inúmeras aplicações. Pode ser dobrada
possível resfriada (jamais congelar), que deve acompanhar o pacien- para produzir uma bandagem em gravata: traga a ponta da banda-
te até o hospital. gem triangular para o meio da base do triângulo e faça dobras suces-
Nas feridas perfurantes, por arma de fogo, os orifícios de sivas até que a largura desejada seja obtida. A largura apropriada
entrada e saída do projétil devem ser igualmente protegidos. Arma depende da extensão da lesão ou curativo a recobrir. São utilizadas
branca que permanece no corpo não deve ser removida e sim fixa- para:
da para que permaneça imobilizada durante o transporte, pois a reti-  Fixarem curativos, funcionando como uma cobertura para
rada pode agravar o sangramento. compressa.
Ferimentos em cabeça, tórax e abdome exigem atenção  Imobilizar e apoiar segmentos traumatizados.
redobrada pela equipe de socorro pelo risco de comprometer as  Promover hemostasia.
funções vitais (nível de consciência, respiração e circulação). Quan-
do na cabeça, não pressionar a área atingida sob risco de lesão de Qualquer que seja o tipo, o conforto da vítima e a segurança
cérebro por extremidades ósseas fraturadas. Ferimentos penetrantes do curativo dependem da sua correta aplicação. Uma bandagem
em tórax podem comprometer o mecanismo da respiração pela desalinhada e insegura, além de inútil, pode ser nociva.
entrada de ar na cavidade pleural; o curativo deve ser oclusivo sendo É importante salientar que a bandagem triangular não é estéril,
que um dos lados do mesmo não é fixado (curativo valvulado). portanto não deve ser utilizada para ocluir ferimentos abertos. Antes
Nas eviscerações, não tentar recolocar os órgãos para dentro de fixá-la deve ser aplicada gaze ou compressa cirúrgica.
da cavidade abdominal; cobrir com plástico estéril próprio para este Um detalhe importante e que traz conforto à vítima refere-se à
fim ou com compressas umedecidas em soro fisiológico. fixação da bandagem. O socorrista deve sempre lembrar que a fixa-
ção (amarração) da bandagem não deve ser feita sobre o ferimento.

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Diretoria de Ensino e Instrução 151
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6. APLICAÇÕES

6.1. Para fixação de curativos na região frontal

Fig. 175: Centralização da bandagem na parte Fig. 176: Fixação do curativo com um nó sim- Fig. 177: Finalização do curativo para ferimen-
frontal do crânio. ples. tos na região frontal do crânio.

6.2. Para fixação de curativos nas regiões parietal e occipital

Fig. 178: Fixação da bandagem sobre o feri- Fig. 179: Ajuste da parte central da bandagem Fig. 180: Finalização do curativo.
mento. para melhor fixação do chumaço.

6.3. Para fixação de curativos na região temporal

Fig. 181: Posicionamento do chumaço Fig. 182: Fixação da bandagem por sobre o ferimento.
umedecido no local do ferimento.
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152 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 14 — Ferimentos, Curativos e Bandagens

Fig. 183: Posicionamento da bandagem para finalização do Fig. 184: Finalização do curativo.
curativo.

6.4. Para fixação de curativos na mão:

Fig. 185: Fixação da bandagem por sobre o ferimento. A víti- Fig. 186: Finalização do curativo.
ma deve segurar o chumaço apertando-o com as mãos.

6.5. Bandagem aberta para fixação em vítimas deitadas

Fig. 187: Posicionamento da bandagem por baixo Fig. 188: Ajuste da bandagem. Fig. 189: Fixação da bandagem.
da cabeça da vítima.

6.6. Bandagem em Ombro

Fig. 190: Instalação de uma bandagem guia. Fig. 191: Ajuste da bandagem no ombro. Fig. 192: Fixação da bandagem.

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6.7. Bandagem em tórax sem guia

Fig. 193: Posicionamento da bandagem no tórax. Fig. 194: Fixação da bandagem no dorso.

6.8. Bandagem em tórax com guia

Fig. 195: Posicionamento da bandagem no tórax. Fig. 196: Fixação próximo ao pescoço. Fig. 197: Fixação da bandagem no dorso.

6.9. Bandagem em coxa e/ou glúteo

Fig. 198: Posicionamento da guia e da bandagem. Fig. 199: Fixação da bandagem na coxa.

6.10. Bandagem em mão

Fig. 200: Centralização da bandagem sobre o chumaço na mão. Fig. 201: Ajuste e fixação da bandagem no punho.
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154 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 14 — Ferimentos, Curativos e Bandagens

6.11. Bandagem aberta em mão

Fig. 202: Posicionamento da bandagem sob a mão. Fig. 203: Ajuste da bandagem.

Fig. 203: Ajuste das pontas da bandagem.

Fig. 204: Ajuste da pressão exercida sobre o ferimento. Fig. 205: Fixação do curativo.

6.12. Bandagem em ossos longos

Fig. 204: Posicionamento da bandagem. Fig. 205: Ajuste da bandagem. Fig. 206: Fixação do curativo.

7. BANDAGEM EM ROLO OU ATADURA DE CREPE

Usada com a mesma finalidade das bandagens triangulares, da


mesma forma, exige habilidades específicas para sua colocação
eficaz.
1) Atadura Circular: usada para pescoço, tórax e abdome.
As voltas da atadura são aplicadas de maneira a que se sobrepo-
nham, não muito apertadas, de modo a não impedir a respiração
(figuras 207 a 209).
2) Atadura Espiral: utilizada em segmentos cilíndricos, co-
mo dedos, antebraço, braço, perna e coxa. Mais indicada que a circu-
lar nessas situações, porque apresenta maior aderência nessas regi-
ões anatômicas (figuras 210 e 211).
3) Atadura cruzada ou “em oito”: Utilizada para a fixação
de curativos nas articulações (figuras 212 e 213).
Fig. 207: Atadura circular.
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Diretoria de Ensino e Instrução 155
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Fig. 208: Atadura circular no pescoço. Fig. 209: Atadura circular no tórax. Fig. 210: Atadura em antebraço.

Fig. 211: Atadura na coxa. Fig. 212: Atadura na articulação do cotovelo. Fig. 213: Atadura na articulação do joelho.

Fig. 214 Atadura de crepe utilizada em ferimentos Fig. 215: Atadura de crepe utilizada em ferimentos Fig. 216: Atadura de crepe utilizada em ferimentos
nas regiões parietal e occipital. na região frontal. na região temporal.

8. CONSIDERAÇÕES NA UTILIZAÇÃO DE ATADU- intensas, entretanto devem ficar firmes e indeslocáveis, adaptando-se
RAS às formas corporais.
Na aplicação da bandagem, coloque o membro em posição
As ataduras ou bandagens devem ser bem feitas, apresentado funcional e evite contato entre duas superfícies cutâneas, para que
aspecto agradável e proporcionando conforto e bem estar à vítima. não haja aderências e fricções.
Ao aplicar uma As ataduras ou bandagens devem ser bem feitas, Na aplicação da bandagem, coloque o membro em posição
apresentado aspecto agradável e proporcionando conforto e bem funcional e evite contato entre duas superfícies cutâneas, para que
estar à vítima. Ao aplicar uma bandagem, observar o local e a exten- não haja aderências e fricções.
são da lesão e as condições da circulação. Nunca se esqueça que a bandagem deve ser posicionada por
As bandagens não devem ser muito apertadas porque podem sobre o chumaço umedecido em soro fisiológico, nunca posicioná-la
impedir o fluxo e o refluxo do sangue, provocar edema e causar dores diretamente sobre a ferida.
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156 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 15
Traumatismos Músculo Esqueléticos

A
lizar as lesões de extremidades.

s lesões de extremidades, embora comuns nos 1. ANATOMIA E FISIOLOGIA


pacientes traumatizados, raramente apresentam
risco de morte imediata. O trauma de extremidades pode apresentar É importante que o socorrista possua noções sobre a anatomia
risco de morte quando leva à perda de sangue (hemorragia) acentua- e a fisiologia geral do corpo humano. Sem um bom domínio da
da, quer seja externa ou interna. estrutura dos ossos e dos músculos, não será possível relacionar o
Ao tratar de um paciente traumatizado grave, existem três mecanismo de trauma e as lesões aparentes com as lesões internas.
considerações importantes em relação às lesões de extremidades: O corpo humano do adulto tem aproximadamente 206 ossos,
1. Manter as prioridades de avaliação. Não se distrair com lesões classificados quanto ao formato — longos, curtos, chatos suturais e
músculo esqueléticas dramáticas que não comportam risco de sesamóides. Os ossos longos são o fêmur, o úmero, a ulna, o rádio, a
morte (figura 217). tíbia e a fíbula. Os ossos curtos são os metacarpais, os metatarsais e
2. Reconhecer as lesões músculo esqueléticas com risco de mor- as falanges. Os ossos chatos são normalmente finos e compactos,
te. como o esterno, as costelas e a escápula. Os ossos suturais fazem
3. Reconhecer a biomecânica do trauma que causou as lesões parte do crânio e localizam-se entre as articulações de determinados
músculo esqueléticas e a possibilidade da presença de outras ossos cranianos. Os sesamóides são ossos localizados entre os ten-
lesões com risco de morte causadas por essa transferência de dões. A patela é o maior dos ossos sesamóides (figura 218).
energia. O corpo humano tem mais de 700 músculos, que são classifi-
cados por função. Neste capítulo falaremos dos músculos voluntá-
rios ou esqueléticos. Eles são chamados esqueléticos porque movi-
mentam o sistema esquelético. São responsáveis pela movimentação
voluntária das estruturas do corpo (figura 219).
Outras estruturas importantes discutidas neste capítulo são os
tendões e os ligamentos. Um tendão é uma fita de tecido duro, ine-
lástico e fibroso, que liga o músculo ao osso. É a parte branca no
final de um músculo, que liga o músculo ao osso que ele movimen-
ta. Um ligamento é uma fita de tecido duro e fibroso, que une osso
com osso. Sua função é manter as articulações em posição.

2. AVALIAÇÃO

Para efeitos de triagem, o trauma músculo esquelético pode


Fig. 217: Algumas lesões de membros, embora com aparência dramática, ser classificado em três tipos principais:
não têm risco de morte.
1. Trauma músculo esquelético isolado sem risco de morte
Se uma situação com risco de morte for descoberta durante o (fraturas isoladas de membros).
exame primário (avaliação inicial), não se deve iniciar o exame se- 2. Trauma músculo esquelético sem risco de morte mas associa-
cundário (história e exame físico detalhado). Todos os problemas do a trauma multissistêmico com risco de morte (lesões com
encontrados durante o exame primário devem ser tratados antes de risco de morte e fraturas de membros).
passar para o exame secundário. Isto pode provocar atraso no exame 3. Lesões músculo esqueléticas com risco de morte (fraturas da
secundário até que o paciente esteja a caminho ou mesmo até a che- pelve e do fêmur, com risco de morte pela perda de sangue).
gada ao pronto-socorro.
Todo traumatizado grave deve ser imobilizado em prancha O objetivo do exame primário é identificar e tratar as lesões
rígida, o mais próximo possível da posição anatômica, para permitir com risco de morte. A presença de uma lesão músculo esquelética
a reanimação. Essa posição é chamada imobilização em posição sem risco de morte pode ser um indicador de possível trauma multis-
anatômica. A imobilização em prancha rígida pode efetivamente sistêmico e não deverá desviar a atenção do socorrista, que deve
fixar todos os ossos e articulações. Se isso puder ser feito de maneira fazer o exame primário completo. Nesta situação, o socorrista deve
eficiente, será possível prestar atenção às outras lesões graves, sem formular as seguintes questões:
perder tempo. O socorrista não é responsável por distinguir os diver-  Visto que foi aplicada força lateral suficiente para fraturar o
sos tipos de lesões músculo esqueléticas, mas por identificar e tratar úmero, um osso coberto por densa camada muscular, pode
as lesões com risco de morte e, se houver tempo, identificar e estabi- haver também lesão torácica e pulmonar?
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 218: Esqueleto humano.

 Poderá haver lesões com risco de morte na região torácica ou 3. MECANISMO DE TRAUMA
nos órgãos do abdome superior, associadas a uma simples
fratura de costela? Determinar a biomecânica é um dos aspectos mais importan-
tes da avaliação e do atendimento adequados às vítimas de trauma.
 Poderá haver lesão com risco de morte associada a múltiplas Determinar rapidamente o mecanismo de trauma e a transferência
lacerações de face e à fratura das estruturas ósseas do maxilar, de energia, baixa ou alta (p. ex., cair de uma bicicleta ou ser jogado
da mandíbula ou de outros ossos da face? de uma motocicleta), orienta o socorrista a reconhecer as lesões mais
graves. A melhor fonte de informação do mecanismo de trauma é o
A resposta a todas essas perguntas é “sim”. Embora o socorris- paciente. Se o mesmo está inconsciente, detalhes do mecanismo de
ta não deva ter a atenção desviada pela presença de uma lesão mús- trauma podem ser obtidos de testemunhas. Muitas vezes, pode ser
culo esquelética, ele deve reconhecer essas lesões como possíveis usado o método da “adivinhação” dos eventos, baseando-se nas
indicadores de lesões com risco de morte. Essa ação pode retardar lesões, caso não haja ninguém que tenha presenciado o incidente.
ou até mesmo evitar que uma lesão com risco de morte em potencial Essa informação deve ser relatada ao hospital que receberá a vítima,
se torne em lesão com risco de morte real. além de ser documentada no relatório de ocorrência.

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Capítulo 15 — Traumatismos Músculo Esqueléticos

Fig. 219: Principais músculos do corpo humano.

Com base no mecanismo de trauma, o socorrista já deve ter primária de lesões músculo esqueléticas deve incluir fratura de úme-
um alto índice de suspeita das lesões que o paciente pode ter sofrido. ro, pelve e fêmur. A suspeita de lesão secundária deve incluir fratura
As lesões primárias são as mais evidentes. Contudo, sob o ponto de de costelas, lesão de músculos da parede torácica e lesão de pulmão
vista do trauma músculo esquelético, excetuando-se a perda de san- e de coração. Outra lesão secundária a ser investigada é a abrasão
gue, essas lesões não apresentam risco de morte e podem ser tratadas produzida pelo acionamento do air bag.
com imobilizações. Lesões secundárias não são tão evidentes, mas Outra lesão secundária possível em uma colisão lateral ocorre
estão no “caminho da lesão”. Os seguintes exemplos ilustram me- quando o passageiro sem cinto de segurança se torna um projétil
lhor as diferenças entre lesões primárias e secundárias: (objeto) dentro do veículo. O outro veículo, que bateu no lado do
 Se uma vítima pular de uma janela e cair de pé, a suspeita de passageiro, coloca o passageiro em movimento até ser parado por
lesão primária seria de fratura de calcâneo, tíbia, fíbula, fêmur, outro objeto, como o motorista. Contudo, as lesões do lado mais
pelve e coluna vertebral e de ruptura de aorta, por desacelera- próximo do ponto de impacto são mais graves do que as lesões do
ção. Contudo, podem ocorrer lesões secundárias de abdome lado mais distante. Neste caso, o mecanismo de trauma do motorista
ou de crânio, porque a vítima pode cair para frente depois de tem a ver basicamente com o corpo do passageiro sem cinto.
bater no chão. Visualizar de maneira apropriada o incidente do movimento
 Se um paciente se envolver numa colisão de motocicleta con- do primeiro objeto até o último objeto que poderia ser colocado em
tra um poste e bater sua cabeça no poste, as lesões primárias movimento é crucial para entender o mecanismo de trauma e sua
serão de crânio, coluna cervical e tórax. Podem ocorrer lesões importância.
secundárias, como fratura do fêmur, por impacto deste contra
o guidão. 4. EXAMES PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO

Outro exemplo: um paciente está no banco do passageiro de A primeira etapa em qualquer avaliação é garantir que a cena
um carro que sofre uma colisão lateral. Como discutido no capítulo esteja segura e avaliar a situação. Uma vez segura a cena, a equipe
7, a primeira lei de movimento de Newton afirma que um corpo em pode começar o atendimento. O exame primário trata dos problemas
movimento se manterá em movimento até sofrer a aplicação de uma com risco de morte imediato que são identificados. Tratar a lesão de
força igual, porém oposta. O veículo é o objeto em movimento até uma perna amputada não é importante se o paciente não estiver
sofrer a aplicação da força do outro veículo. A porta do veículo-alvo respirando. As vias aéreas, a ventilação e a circulação (ABC) perma-
é empurrada contra o braço, que pode então ser empurrado contra a necem como a parte mais importante da avaliação. A hemorragia
parede torácica, levando à fratura de costelas, contusão pulmonar e evidente pertence ao exame primário e deve ser controlada quando
possível fratura de úmero. Pela biomecânica da colisão, a suspeita parecer que comporta risco de morte.

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Se o paciente não correr risco de morte, o socorrista passa ao 5.1. Hemorragia


exame secundário. No exame secundário, o socorrista deve fazer o
seguinte: O sangramento pode ser expressivo ou discreto. Quer se trate
 Se o paciente estiver consciente, pergunte-lhe sobre o meca- da exsudação capilar de uma grande abrasão, do sangue vermelho-
nismo de trauma, sensibilidade, dor e fraqueza. escuro que flui de uma laceração superficial ou do esguicho verme-
 Avalie o paciente visualmente à procura de edemas, lacera- lho vivo de uma artéria aberta, a quantidade de sangue perdida e a
ções, abrasões, hematomas, cor, movimento, tempo de enchi- velocidade de sua perda determinarão a capacidade de o paciente
mento capilar e deformidades. compensar ou entrar em choque. Uma boa regra para ser lembrada
 Palpe os pulsos, sinta a temperatura e pesquise se existe crepi- é: “Não existe sangramento insignificante; toda hemácia é importan-
tação. te.” Mesmo um pequeno filete de sangue pode levar a perda sanguí-
 Teste a sensibilidade em várias regiões, nas mãos e dedos e nea substancial se for ignorado por um longo período.
nos pés e artelhos. São três os nervos responsáveis pela sensi- A hemorragia arterial externa deve ser identificada já no exa-
bilidade da mão, e dois nervos suprem a inervação do pé. A me primário. Geralmente este tipo de sangramento é facilmente
sensibilidade pode estar presente de forma irregular, por áreas reconhecido, mas a avaliação pode ser difícil quando o sangue está
ou em placas. Avaliar também, ainda que de forma simples, a escondido debaixo do paciente ou em roupas grossas ou escuras. O
função motora: abrir e fechar um punho, força de preensão e ideal é que a hemorragia evidente seja controlada enquanto se cuida
movimento dos artelhos. A movimentação voluntária das das vias aéreas e da ventilação do paciente, caso seja possível; se
extremidades permite avaliar simultaneamente a função neu- não, a hemorragia deve ser controlada durante a avaliação da circula-
rológica e a muscular. ção ou ao expor alguma região suspeita do paciente. É muito difícil
 Verificar pulsos, movimento e sensibilidade antes e depois de estimar a perda de sangue. Embora indivíduos menos experientes
imobilizar uma extremidade. tendam a superestimar a hemorragia externa, a subestimação tam-
 Imobilizar todas as fraturas ou luxações suspeitadas, uma vez bém é possível, pois os sinais francos de perda sanguínea externa
exposto o membro atingido. podem nem sempre ser evidentes. O paciente pode ter sido removi-
do do local do trauma ou o sangue pode estar nas roupas ou na su-
Lacerações podem apresentar sangramento discreto ou abun- perfície sobre a qual o paciente está deitado ou ter sido lavado por
dante. A hemorragia contida nas partes moles causa edema e equi- água ou por chuva.
mose (contusão). Hematomas e deformidades podem indicar uma A hemorragia interna também é comum no trauma músculo
fratura fechada ou uma lesão significativa de um vaso sanguíneo esquelético. Ela pode decorrer da lesão de vasos sanguíneos impor-
importante. A maioria dos pacientes com lesões músculo esqueléti- tantes, do músculo lesado e da medula de ossos fraturados. O edema
cas significativas têm dor, a menos que haja lesão do nervo. persistente de um membro ou a presença de um membro frio, pálido
Pulsos, movimento e sensibilidade são partes importantes da e sem pulso podem indicar hemorragia interna a partir de artérias ou
avaliação. Embora a ausência de movimento e/ou sensibilidade veias importantes. Pode ocorrer perda sanguínea interna significativa
possa indicar lesão neurológica (nervo), esses achados associados à associada à fratura (Tabela 15-1). O socorrista deve considerar a
ausência de pulso representam grave lesão arterial. O exame primá- possibilidade tanto de perda sanguínea interna quanto externa associ-
rio é realizado para identificar lesões com risco de morte e estabele- adas às fraturas. Isto ajudará o socorrista a prever a diminuição da
cer a linha de base. A reavaliação do paciente em várias ocasiões é perfusão e o choque e irá prepará-lo para a possibilidade de deterio-
feita para identificar alterações em relação a essa linha de base. ração sistêmica do paciente e para intervir de forma apropriada para
Crepitação é a sensação que os ossos provocam quando as minimizar sua ocorrência.
pontas fraturadas roçam uma na outra. A crepitação pode ser provo- Tabela 15-1: Perda Sanguínea Interna Aproxima-
cada pela palpação do local da lesão e pelo movimento das extremi- da, Associada às Fraturas
dades. Faz um ruído como um estalo, crepitação ou estouro. Lembra
Tipo de Fratura Perda sanguínea aproximada (ml)
o estouro de bolhas do plástico-bolha. O raspar de um contra o outro
durante o atendimento, percebido como crepitação, pode causar Costela 125
mais lesão. Portanto, uma vez observada a crepitação, não se deve Rádio ou ulna 250-500
provocá-la novamente. Crepitação é uma sensação marcante, que
não é facilmente esquecida. Úmero 500-750
Tíbia ou fíbula 500-1000
5. LESÕES MÚSCULO ESQUELÉTICAS ESPECÍFI-
Fêmur 1000-2000
CAS
Pelve 1000-maciça
As lesões de extremidades resultam em dois problemas pri-
mários que exigem tratamento no pré-hospitalar: hemorragia e insta- 5.1.1. Tratamento
bilidade (fraturas e luxações). O tratamento inicial da hemorragia externa envolve a aplica-
ção de pressão direta. Conforme discutido no Capítulo 13, não se
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Capítulo 15 — Traumatismos Músculo Esqueléticos

comprovou que a elevação de um membro diminui a hemorragia,


sendo que, no trauma músculo esquelético, isto pode agravar as
lesões presentes. Quando a hemorragia não é controlada com a pres-
são direta, deve-se aplicar um torniquete, seguindo os princípios
descritos no Capítulo 13.
Depois de controlar o sangramento nos pacientes com he-
morragia com risco de morte a partir de lesão de membro, os socor-
ristas podem reavaliar o exame primário e concentrar-se na reanima-
ção e transporte rápido para a instituição que possa melhor tratar esse
problema. Nos pacientes com sangramento menos volumoso e sem
sinais de choque nem outros problemas com risco de morte, o san-
gramento pode ser controlado com pressão direta e deve ser feito o
exame secundário.

5.2. Instabilidade (Fraturas e Luxações)

A ruptura das estruturas de suporte de uma articulação, a fratu-


ra de um osso ou a lesão grave de músculo ou tendão afetam a capa-
cidade de uma extremidade se sustentar. As duas lesões que causam
Fig. 220: Fratura exposta e fechada.
instabilidade de osso ou articulação são as fraturas e as luxações.

5.2.1. Fraturas

Fratura é a lesão óssea de origem traumática, produzida por


trauma direto ou indireto. O conjunto de fragmentos ósseos produzi-
dos pela fratura e os tecidos lesados em torno da lesão é denominado
foco de fratura. O osso é o único tecido do nosso organismo que
cicatriza com o mesmo tecido anterior à lesão. O processo de cicatri-
zação óssea denomina-se consolidação.
No osso fraturado, a imobilização leva tanto à redução da
possibilidade de mais lesão quanto à diminuição da dor. O movi-
mento das extremidades pontiagudas do osso fraturado pode lesar
vasos sanguíneos, causando hemorragia interna e externa. Além
disso, as fraturas podem lesar o tecido muscular e os nervos.
Em geral, as fraturas são classificadas quanto ao foco em ex-
postas e fechadas. Quanto ao traço ela pode ser completa (total) ou
incompleta (parcial), quanto a lesões associadas pode ser simples
(uma lesão) ou complicada (duas ou mais lesões). Em uma fratura
fechada, a pele não foi lesada pelas extremidades ósseas, enquanto
na fratura exposta, a integridade da pele foi interrompida (figura Fig. 221: Fratura fechada do fêmur.
220). Os ortopedistas classificam as fraturas segundo os seus pa- bro não está fraturado só porque o paciente pode mexê-lo de manei-
drões (p. ex., em galho verde, cominutiva), mas esses diversos pa- ra voluntária: a adrenalina associada ao evento traumático pode
drões de fratura não podem ser diferenciados sem uma radiografia, motivar os pacientes a fazer coisas que normalmente não tolerariam.
sendo que o conhecimento do padrão da fratura realmente não mo- Além disso, alguns pacientes têm uma tolerância à dor extremamen-
difica o tratamento no local. te elevada.
Fraturas fechadas são aquelas em que o osso está quebrado, As fraturas expostas geralmente são causadas por extremida-
mas não ocorreu perda da integridade da pele (isto é, a pele está des ósseas que perfuram a pele de dentro para fora ou pelo esmaga-
intacta) (figura 220 e 221). Os sinais e sintomas de uma fratura fe- mento ou laceração da pele ou músculo no local da fratura (figura
chada são: dor, edema, impotência funcional, deformidade, hemato- 222). Quando um osso perfura a pele, a extremidade pode ser conta-
mas e crepitação. Em alguns pacientes, a dor pode ser o único acha- minada por bactérias da pele ou do ambiente. Essa grave complica-
do. Deve-se examinar os pulsos, a cor da pele, a função motora e a ção de uma fratura exposta é uma infecção óssea (osteomielite), que
sensibilidade distalmente ao local da fratura suspeitada. Pedir ao pode interferir na recuperação da fratura. Embora a ferida da pele
paciente para mexer o membro fraturado pode resultar em fratura associada a uma fratura exposta geralmente não apresente hemorra-
exposta. Nem sempre é verdade que podemos dizer que um mem- gia significativa, pode haver sangramento persistente vindo da me-

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Tratamento

Fraturas Expostas e Fechadas. A primeira preocupação no


tratamento das fraturas deve ser controlar a hemorragia e tratar o
choque. As feridas abertas ou as extremidades ósseas expostas deve-
rão ser cobertas com um curativo estéril. A hemorragia interna é
controlada principalmente através da imobilização, a qual possui o
benefício adicional de proporcionar alívio da dor. Quando as extre-
midades ósseas se retraem para dentro da ferida durante a imobiliza-
ção, essa informação deve ser registrada no relatório de vítima e
passada para a equipe do pronto-socorro.
Um membro lesado deve ser movimentado o mínimo possí-
vel. O principal objetivo da imobilização é evitar o movimento da-
Fig. 222: Fratura exposta da tíbia. quela região do corpo. Isto ajudará a diminuir a dor do paciente e
evitará maior comprometimento de partes moles e mais hemorragia.
dula do osso ou de hematoma profundo, que se esvazia através da Para imobilizar efetivamente qualquer osso longo, todo o membro
abertura cutânea. O socorrista deve considerar qualquer ferimento deverá ser imobilizado. Para fazer isto, o local lesado deverá ser
próximo de uma possível fratura como sendo uma fratura exposta e sustentado manualmente enquanto a articulação e o osso acima
tratá-la como tal. O socorrista não deve tentar recolocar os ossos ou (proximais) e a articulação e o osso abaixo (distais) do local lesado
extremidades ósseas fraturadas na posição normal. Entretanto, os são imobilizados. Há inúmeros tipos de tala, sendo que a maior parte
ossos ocasionalmente voltam à posição original quando realinhados delas pode ser utilizada em fraturas expostas ou fechadas (quadro 15
ou pelo espasmo da musculatura que em geral ocorre nas fraturas. A -1). Com quase todas as técnicas de imobilização, a inspeção adicio-
imobilização inadequada ou o manuseio grosseiro de um membro nal do membro fica limitada, e deve ser feito um exame completo
fraturado pode transformar uma fratura fechada em exposta. As antes da imobilização.
fraturas expostas podem ser de fácil localização no paciente trauma- Na dúvida, imobilize e trate a vítima como portadora de fratu-
tizado. ra até que se prove o contrário.
Conforme observado anteriormente, as fraturas podem provo- Em geral, a maioria das fraturas é imobilizada na posição em
car hemorragia interna significativa nos tecidos circunvizinhos. As que é encontrada. As exceções são as fraturas em membros sem
duas fraturas mais comumente associadas à hemorragia intensa são pulso e os pacientes que não podem ser transportados por causa da
as fraturas do fêmur e da bacia. Um adulto pode perder 1.000 a posição incomum do membro. Nessas situações, o socorrista pode
2.000 ml de sangue por coxa. Desta maneira, a hemorragia interna tentar alinhar delicadamente o membro, fazendo com que ele volte à
associada à fratura bilateral do fêmur pode ser suficiente para levar à posição anatômica normal. Quando uma ou duas tentativas não
morte por choque hipovolêmico. restauram a circulação, novas tentativas provavelmente não serão
As fraturas da bacia também constituem uma causa comum bem sucedidas. As tentativas para alinhar um membro deverão ser
de hemorragia significativa. Múltiplas pequenas artérias e veias abandonadas quando o paciente se queixar de dor significativa ou
localizam-se adjacentes à pelve e podem ser laceradas por extremi- quando se perceber resistência ao movimento. Trazer o membro
dades ósseas ou na fratura ou abertura da articulação sacro-ilíaca. A para a posição normal facilitará a imobilização e melhorará a circula-
palpação ou manipulação excessivamente agressiva da bacia pode ção.
aumentar muito a perda sanguínea quando existe uma fratura pélvica É importante lembrar outros pontos ao aplicar qualquer tipo de
instável. Para examinar a pelve, é aceitável a palpação cuidadosa, imobilização, a saber:
que deverá ser feita uma única vez. A pressão manual cuidadosa, 1. Remover jóias e relógios, de modo que esses objetos não ve-
nos sentidos ântero-posterior e lateral, pode identificar crepitação ou nham a prejudicar a circulação quando o edema aumentar. A
instabilidade. A área ao redor da pelve é um “espaço potencial” lubrificação com loção ou um gel pode facilitar a remoção dos
porque pode expandir-se e acomodar uma enorme quantidade de anéis apertados.
sangue. Por causa desse grande espaço na cavidade pélvica, pode 2. Avaliar a função neurovascular distalmente ao local da lesão
haver hemorragia significativa com poucos sinais externos de lesão. antes e depois de aplicar qualquer imobilização e, depois, peri-
As fraturas expostas da pelve, que ocorrem frequentemente quando odicamente. Um membro sem pulso indica lesão vascular ou
um indivíduo é atropelado por um carro ou quando um ocupante é síndrome compartimental, sendo que o transporte para uma
ejetado de um veículo, podem ser fatais. Com frequência, ocorre instituição adequada se torna uma prioridade ainda maior.
hemorragia externa maciça, em vez de hemorragia interna, e as ex- 3. Depois da imobilização, considere a elevação do membro,
tremidades ósseas podem lacerar o reto ou a vagina, causando infec- quando possível, para diminuir o edema e o latejamento. Bol-
ção pélvica grave. sas de gelo ou compressas frias também podem ser utilizadas
para diminuir a dor e o edema, podendo ser colocadas sobre o
membro imobilizado próximo ao local da suspeita de fratura.

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Capítulo 15 — Traumatismos Músculo Esqueléticos

Fraturas do Fêmur. As fraturas do fêmur representam uma que as possíveis fraturas de membro inferior serão suficientemente
situação de imobilização ímpar por causa da musculatura da coxa. estabilizadas com a imobilização do paciente em prancha rígida.
Além de proporcionar o principal suporte estrutural para o membro Quando utilizada no choque descompensado (classe III ou IV), a
inferior, o fêmur também propicia resistência para os poderosos calça pneumática antichoque (PASG) também mantém a estabiliza-
músculos da coxa, mantendo-os esticados. Quando o fêmur é fratu- ção da fratura do fêmur.
rado na porção média da diáfise, essa resistência à contração é perdi-
da. Quando esses músculos se contraem, as extremidades ósseas
afiladas laceram o tecido muscular, produzindo hemorragia interna e
dor adicionais e predispondo o paciente à fratura exposta. Se não
houver outras lesões com risco de morte, deve ser aplicada uma tala
de tração para estabilizar as fraturas da porção média da diáfise do
fêmur. A aplicação da tração, quer manualmente, quer com o auxílio
de um dispositivo mecânico, ajudará a diminuir o sangramento inter-
no e a dor do paciente. Um estudo do uso pré-hospitalar de talas de
tração documentou que quase 40% dos pacientes tinham uma lesão
que complicava ou contra-indicava o uso de tala de tração. As contra
-indicações para o uso de uma tala de tração são:
 Suspeita de fratura da bacia.
 Suspeita de fratura do colo do fêmur (quadril).
Fig. 224: Após fixar os fechos do comprimento, abrir todas as faixas e liberar a faixa
 Avulsão ou amputação do tornozelo ou do pé. de tração, deve-se posicionar a tornozeleira na vítima pelo socorrista 2, enquanto o
 Suspeita de fraturas adjacentes ao joelho (uma tala de tração socorrista 1 mantém a tração manual.

pode ser usada como uma tala rígida nessa situação, para esta-
bilizar a fratura, mas não deverá ser aplicada tração).

Em fraturas expostas, a tala de tração poderá ser utilizada caso


o membro esteja alinhado apenas para a estabilização do membro,
sendo vetada a aplicação de tração.
Quando contra-indicada, pode-se utilizar talas longas que se
estendam do quadril até além do pé ou até mesmo o KED (na posi-
ção invertida) se forem fraturas múltiplas nos membros inferiores.
Se o material estiver escasso pode-se utilizar também da perna sadia
como tala (fraturas múltiplas). Neste caso, antes de amarrar uma
perna à outra, acolchoe-a e utilize amarrações de tecido bem largas
para não garrotear.
Quando são encontradas fraturas da porção média da diáfise
do fêmur em um paciente com outras lesões com risco de morte, não Fig. 225: O socorrista 2 fixa a tornozeleira com a cinta de velcro enquanto o socorris-
ta 1 transfere a mão para a tornozeleira a fim de facilitar o posicionamento da tração,
se deve gastar tempo na aplicação de uma tala de tração. Em vez mantendo o apoio manual por trás do joelho.
disso, deve-se concentrar a atenção nos problemas críticos, sendo

Fig. 223: O socorrista 1 realiza o alinhamento e a tração


Fig. 226: Posicionamento da tração pelo socorrista 2, apoiando o coxim superior
do membro (fratura fechada). O socorrista 2 usa o membro
junto ao colo do fêmur/apoio isquiádico.
inferior não traumatizado como referência para estabelecer
o comprimento da tração.

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Fig. 227: Alinhamento da tala, por baixo do membro lesado. O socorrista 1 Fig. 228: A primeira faixa a ser fixada é a da raiz da coxa, para estabe-
posiciona então o membro sobre a tala, mantendo ainda a tração pela tornoze- lecer a posição superior do aparelho.
leira.

Fig. 230: A tração é então realizada, girando-se o botão que aciona a catraca,
Fig. 229: Neste momento, o tirante que realizará a tração é posicionado na até que se consiga restabelecer o comprimento normal do membro e diminuir a
haste da tornozeleira. dor da vítima.

Fig. 231: Por último, as tiras de fixação final do membro são ajustadas
duas acima e duas abaixo do joelho. Fig. 232: A tala de tração está instalada e pronta para ser fixada à prancha.

Fig. 234: O suporte elevado da tala deve ser fixado com uma bandagem para
Fig. 233: Ao colocar a vítima na prancha, as hastes da tala devem ser usadas que no transporte não haja movimentação da fratura.
como apoio para as mãos.
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Capítulo 15 — Traumatismos Músculo Esqueléticos

Fig. 235: A bandagem deve ser passada nos orifícios da prancha. Fig. 237: Fixar os tirantes abdominais por cima da pelve, apenas o suficiente para
fixar o KED. Fixar também os tirantes da parte superior do equipamento.
Fraturas da Pelve. As fraturas graves da pelve apresentam
dois problemas desafiadores para os socorristas. A maior preocupa-
ção é a hemorragia interna, que pode ser de tratamento muito difícil.
Alguns dados sugerem que a PASG pode ser muito útil na compres-
são da pelve e, presumivelmente, no tamponamento de hemorragia
interna. Só deverá ser aplicada e insuflada quando um paciente com
uma suspeita de fratura da bacia apresentar hemorragia descompen-
sada (classe III ou IV).
Uma segunda preocupação é que os pacientes com fraturas da
bacia claramente instáveis podem ser difíceis de serem movimenta-
dos, sendo que mesmo a mudança de decúbito empregando o proce- Fig. 238: Finalização da imobilização com a fixação dos tirantes inguinais do KED.
dimento de rolamento 90º pode deslocar fragmentos ósseos, provo-
cando mais hemorragia. Trata-se de uma imobilização difícil e que
pode depender da ajuda de outras pessoas. O paciente deverá ser
movimentado o mínimo possível, o suficiente para pode ser imobili-
zado. Para tal, utilize o KED na posição invertida, lembrando sem-
pre de colocar um coxim entre as pernas (figuras 236 a 238).

Ombro e Clavícula: utilize uma tipóia como imobilização


(figura 239). Na falta desta, poderá ser usado o próprio corpo da
vítima como tala. Fixe o braço no tronco com um material em teci-
do, sob a forma de tipóia. Caso queira intensificar a fixação, utilize
um segundo material em tecido, para fixar o braço no tronco, como
Fig. 239: Detalhe do uso da tipóia para
no caso da imobilização de braço. Utilize a técnica do “oito” (figura
imobilização de clavícula e ombro.
240).

Fig. 236: Utilização do KED invertido para imobilização de fratura de pelve. Posicio-
Fig. 240: Imobilização da clavícula utilizando-se da “técnica do oito” com o apoio
na-se o KED por baixo da vítima, lembrando-se de manter um coxim para separação
do membro em uma tipóia.
das pernas.
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Costelas e Esterno: Fraturas graves, por causarem enorme


dificuldade respiratória. Medidas como enfaixamento torácico de-
vem ser evitadas, por serem pouco eficientes e por restringirem a
mobilização torácica, dificultando a fisioterapia e predispondo a
infecções pulmonares.
Braço (Úmero): Pode ser imobilizado utilizando talas
(papelão, aramada, articulável, inflável, etc), a melhor posição é a
anatômica (quando fechada) (figuras 241 e 242), caso a imobiliza-
ção seja realizada com o braço dobrado (figura 243), utilize materi-
ais em tecido (bandagem ou lençol), fazendo uma tipóia para apoiar
o membro lesado.
Antebraço e Punho: Utiliza-se o mesmo material para imobi-
lizar o braço, os dedos devem ficar para fora ou segurando algo, para
manter a curvatura natural e ter o controle da perfusão periférica.
Fig. 243: Imobilização de braço dobrado, utilizando tala de
papelão, com o apoio de uma tipóia.

Fig. 241: Posicionamento da tala aramada para imobilização de fraturas no braço e/


ou antebraço.
Fig. 244: Imobilização de joelho, utilizando-se de talas articuláveis nas laterais e tala
aramada por baixo, evitando-se assim a extensão da perna.

Fig. 245: Note a utilização de um coxim para o apoio do membro lesado.

5.2.2. Luxações
Fig. 242: Tala aramada fixada com atadura.

Pé e Tornozelo: Para imobilizar o pé e o tornozelo, de igual As articulações mantêm-se em posição graças aos ligamentos.
forma podem-se utilizar talas, lembrando-se sempre de manter a Os tendões unem os músculos aos ossos. O movimento da articula-
imobilização fixa acima e abaixo da lesão e de maneira confortável. ção ocorre pela contração de músculos (encurtamento). A redução
A fixação do pé pode ser feita com um tecido, fazendo a figura de do comprimento do músculo puxa os tendões que estão ligados ao
um oito para mantê-lo em posição natural. osso e move a extremidade ao nível da articulação. A luxação é a
Joelho: O joelho pode ser encontrado estendido ou dobrado. separação dos dois ossos de uma articulação, causada pela ruptura
Se dobrado (figuras 244 e 245), apóie-o sobre travesseiros ou cober- significativa dos ligamentos que normalmente proporcionam a esta-
tor e utilize talas para impedir que se estenda de volta. Se estendido, bilidade da articulação (figuras 246 e 247). À semelhança de uma
imobilize-o como no caso do fêmur. fratura, a luxação cria uma área de instabilidade que o socorrista

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Capítulo 15 — Traumatismos Músculo Esqueléticos

precisa imobilizar. As luxações podem causar muita dor. Pode ser


difícil diferenciar uma luxação de uma fratura, além de as duas po-
derem estar associadas (fratura-luxação). Indivíduos que já tiveram
luxações possuem ligamentos mais frouxos e podem estar propen-
sos a luxações mais frequentes, a menos que o problema seja corrigi-
do cirurgicamente. Diferentemente dos que sofrem luxação pela
primeira vez, esses pacientes via de regra estão familiarizados com
suas lesões e podem ajudar na avaliação e estabilização.
Os sinais e sintomas mais comuns de uma luxação são: dor
intensa, deformidade grosseira no local da lesão e a impossibilidade
de movimentação.

Tratamento. Como regra geral, as luxações suspeitadas deve-


rão ser imobilizadas com tala na posição em que for encontrada. A
manipulação da articulação não deve ser efetuada por profissionais
do suporte básico de vida que não estejam treinados para tal, já que a
manipulação provocará muita dor no paciente, além disso, poderá
surgir novas lesões num membro mal manipulado. De modo geral, Fig. 247: Luxação é a separação de um osso da articulação.

as luxações não devem ser tracionadas e/ou alinhadas. Luxação do Punho


Deverá ser utilizada uma tala para imobilizar a lesão. É impor-
tante o registro de como foi encontrada a lesão e da presença de Rara e normalmente associada ou confundida com fraturas do
pulsos, movimentação, sensibilidade e cor antes e depois da imobili- radiodistal; tanto a fratura como a luxação são causadas por trauma
zação. com apoio sobre a mão. Imobilizar na posição de deformidade e
sempre examinar a sensibilidade e motricidade da mão.
Luxação Acrômio Clavicular
Luxação dos dedos dos pés e das mãos
Causada por queda sobre o ombro, sendo frequentes principal-
mente em jovens desportistas. O acrômio se desloca para baixo e a Causada na maioria das vezes durante a prática esportiva,
clavícula para cima, principalmente pela ação dos músculos do tra- manifesta-se por dor, deformidade, encurtamento e impotência para
pézio e esternocleidomastóideo. fletir o dedo. O segmento deve ser protegido, apoiado e imobilizado
em posição de deformidade.
Luxação de Cotovelo
Luxação do quadril
Ocorre por trauma indireto causado por queda com apoio
sobre a mão. A vítima tem dor intensa, com deformidade visível no Ocorre em traumas de alta energia e velocidade em pacientes
nível da articulação do cotovelo e impotência funcional (figuras 246 que sofreram quedas ou acidentes de trânsito, muitos casos associa-
e 247). Sempre examinar o vásculo nervoso para detectar qualquer dos a fraturas. A vítima tem dor intensa, impotência funcional e
lesão dessas estruturas. grande deformidade de todo o membro inferior lesado. A deformi-
dade caracteriza-se por rotação e encurtamento de todo o segmento.
Deve ser cuidadosamente rolada sobre a prancha rígida. Se
necessário, erguê-la apenas o suficiente para deslizar a prancha sob a
vítima. Use almofadas e cobertores para acolchoar e apoiar o mem-
bro lesado na posição de deformidade. Fixe a vítima à prancha com
tirantes e bandagens. Não esqueça de examinar o vásculo nervoso
do segmento lesado. Esteja atento a sinais de choque neurogênico e,
às vezes, a choque hipovolêmico.

Luxação de joelho

Causada por trauma indireto. A vítima apresenta grande defor-


midade, com dor intensa e impotência funcional do segmento. Exa-
minar o vásculo nervoso, pois existe grande incidência de lesão
arterial associada à luxação de joelho. Imobilizar a articulação na
posição de deformidade, usando tala que se estenda do quadril ao
Fig. 246: Luxação do cotovelo após queda com apoio das mãos.
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tornozelo e acolchoando o joelho de forma a proteger a angulação


local.
A imobilização de joelho é semelhante a de cotovelo.

Luxação de tornozelo

Causada por trauma indireto, apresenta deformidade caracte-


rística, às vezes associada a grande aumento de volume, também
com dor intensa, impotência funcional, geralmente associada à fratu-
ra. Imobilizar na posição de deformidade.

Fig. 248: Amputação quase completa da perna esquerda que ficou presa
6. AMPUTAÇÕES em uma máquina. O material negro é a fibra produzida pela máquina que
ficou emaranhada com a perna.
O tecido que é totalmente separado de um membro fica com-
pletamente sem nutrição e sem oxigenação. Esse tipo de lesão é Quanto mais tempo a parte amputada ficar sem oxigênio,
denominado amputação ou avulsão. Amputação é a perda de parte menor será a probabilidade de que possa ser reimplantada com su-
ou da totalidade de um membro, e a avulsão é a laceração e despren- cesso. O resfriamento da parte amputada, sem congelá-la, reduz a
dimento de partes moles. A princípio, essas lesões podem ter sangra- taxa metabólica e prolonga esse intervalo de tempo crítico. No en-
mento grave; no entanto, os vasos no local lesado podem ter constri- tanto, o reimplante não é garantido. Como as próteses de membro
ção, que, combinada com a coagulação, pode diminuir a perda san- inferior geralmente permitem que o paciente retome uma vida quase
guínea. A movimentação pode romper o coágulo sanguíneo, poden- normal, os membros inferiores raramente são considerados para o
do ocorrer ressangramento. As amputações parciais podem ser a- reimplante. Além disso, geralmente apenas as amputações perfeita-
companhadas por sangramento significativo. mente regulares em indivíduos jovens não-fumantes e saudáveis são
As amputações geralmente são lesões evidentes (figura 248). consideradas para reimplante.
Esse tipo de lesão chama a atenção dos populares, e o paciente pode O transporte não deve ser retardado pela tentativa de se locali-
saber ou não que perdeu uma extremidade. Psicologicamente, o zar a parte amputada. Se a parte amputada não for rapidamente en-
socorrista deve tratar essa lesão com muita cautela. O paciente pode contrada, policiais ou outros auxiliares devem permanecer no local
não estar preparado para enfrentar o problema de perda do membro para procurá-la. Quando a parte amputada for transportada em outro
e talvez deva ser informado apenas depois da avaliação e tratamento. veículo que não o do paciente, o socorrista deve assegurar-se que
A extremidade amputada deve ser localizada para possível re- quem for levar a parte amputada compreenda claramente para onde
implante. Mesmo que não seja possível adquirir a completa função o paciente está sendo levado e como tratar a parte amputada, quando
da extremidade, o paciente pode readquirir função parcial. O exame for localizada. O hospital de destino deve ser notificado logo que a
primário deve ser realizado antes de procurar a extremidade amputa- parte amputada tenha sido localizada, e seu transporte deve ser inici-
da. A aparência de uma amputação pode ser horrível, mas se o paci- ado de imediato.
ente não estiver respirando, a perda de um membro é secundária. Em raras ocasiões, um paciente pode apresentar um membro
Em algumas circunstâncias, o paciente pode queixar-se de dor preso, de tal modo que uma amputação no local possa ser a única
distal ao local da amputação. Essa dor fantasma é a sensação de dor opção razoável. Em geral, muitos membros presos podem ser libera-
que existe em uma extremidade amputada. O motivo da dor fantas- dos quando se utilizam os recursos adequados de liberação. Quando
ma não está completamente explicado, mas pode ser porque o cére- o paciente tem um membro preso dentro de uma máquina, geral-
bro ainda não percebeu a falta da extremidade. Isso não ocorre no mente existe um especialista que muitas vezes não é lembrado e é o
momento da lesão inicial. encarregado da manutenção dessa máquina. Com frequência, essa
Os princípios de atendimento em relação à parte amputada são pessoa é capaz de remover rapidamente partes da máquina, facilitan-
os seguintes: do, assim, a liberação da pessoa. Quando a amputação for necessá-
ria, ela deverá ser feita, idealmente, por um cirurgião. Pode ser ne-
1. Limpar cuidadosamente a parte amputada com soro fisioló- cessário sedar profundamente o paciente para fazer esse procedi-
gico. mento.
2. Envolvê-la em gaze estéril umedecida com soro fisiológico
e colocar num saco de plástico ou numa caixa. 7. PACIENTE CRÍTICO COM TRAUMA DE MÚLTI-
3. Depois de identificar a bolsa ou a caixa, colocá-la em outro PLOS SISTEMAS
recipiente cheio de gelo moído.
4. Não congelar a parte amputada, colocando-a diretamente no A adesão às prioridades do exame primário nos pacientes com
gelo ou acrescentando outro agente de resfriamento, como gelo seco. trauma multissistêmico que têm também lesão de extremidades não
5. Transportar a parte amputada junto com o paciente para o implica que as lesões de extremidades devam ser ignoradas ou que
hospital apropriado mais próximo. os membros lesados não devam ser protegidos contra lesão adicio-

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Capítulo 15 — Traumatismos Músculo Esqueléticos

nal. Isso significa, melhor dizendo, que, diante de um paciente trau- Os outros três sinais — ausência de pulso, palidez e paralisia
matizado grave com lesões de membros que não estejam sangrando, — são achados tardios e indicam uma clara síndrome compartimen-
a vida tem precedência em relação ao membro. A preocupação de- tal, sendo também indicadores de que um membro está em risco de
verá ser manter as funções vitais através da reanimação, sendo que sofrer morte muscular (necrose). Os compartimentos também po-
apenas medidas limitadas deverão ser empreendidas para abordar as dem estar extremamente tensos e duros à palpação, embora seja
lesões de membros, independentemente de quão dramáticas elas difícil avaliar as pressões compartimentais apenas pelo exame físico.
possam parecer. Ao imobilizar adequadamente um paciente em No hospital, é possível medir a pressão compartimental nos mem-
prancha rígida, basicamente todos os membros estão também imobi- bros onde se suspeita de síndrome compartimental.
lizados em posição anatômica. O exame secundário não precisa ser A síndrome compartimental pode ser definitivamente tratada
feito caso os problemas com risco de morte identificados no exame apenas no hospital. No local, apenas as manobras básicas podem ser
primário exijam intervenções contínuas e o tempo de transporte seja tentadas. Elevar o membro em questão pode ajudar a reduzir o ede-
curto. Quando um exame secundário for adiado por este motivo, o ma e diminuir o risco de desenvolver síndrome compartimental.
socorrista pode simplesmente registrar os achados que impediram a Todas as imobilizações ou curativos muito apertados devem ser
sua realização. removidos, e a perfusão distal, reavaliada. Como a síndrome com-
partimental pode desenvolver-se durante um transporte de longa
8. SÍNDROME COMPARTIMENTAL distância, é essencial fazer exames repetidos para identificar preco-
cemente esse problema. No hospital, a síndrome compartimental é
A síndrome compartimental é uma condição de risco de perda tratada com intervenção cirúrgica (fasciotomia), com a abertura dos
do membro, na qual o suprimento sanguíneo para um membro está compartimentos afetados através de uma incisão na pele.
comprometido por aumento da pressão naquele membro. Os mús-
culos dos membros são envolvidos por um tecido conjuntivo denso, 9. SÍNDROME DE ESMAGAMENTO
chamado fáscia. Essa fáscia forma vários compartimentos nos mem-
bros, nos quais os músculos estão contidos. O antebraço tem três A síndrome do esmagamento, também conhecida como rab-
compartimentos, e a perna (panturrilha), quatro. A fáscia muscular domiólise traumática, é uma entidade clínica caracterizada por insu-
permite estiramento mínimo, de modo que qualquer força que au- ficiência renal e morte decorrente de trauma muscular grave. A sín-
mente a pressão dentro dos compartimentos pode causar síndrome drome do esmagamento foi primeiramente descrita na I Guerra
compartimental. As duas causas mais comuns de síndrome compar- Mundial em soldados alemães resgatados de trincheiras que desaba-
timental são a hemorragia associada à fratura ou lesão vascular e o ram, sendo novamente descrita na II Guerra Mundial em vítimas da
edema do terceiro espaço que se forma quando o tecido muscular Blitz de Londres. Na II Guerra Mundial, a síndrome do esmagamen-
isquêmico é reperfundido, depois de um período de fluxo sanguíneo to teve uma taxa de mortalidade superior a 90%. Durante a Guerra
diminuído ou ausente. No entanto, uma tala ou aparelho de imobili- da Coréia, a mortalidade foi de 84%, mas, depois do advento da
zação aplicado de maneira muito apertada também pode causar hemodiálise, a mortalidade diminuiu para 53%. Na Guerra do Viet-
síndrome compartimental. No momento em que a pressão no com- nã, a taxa de mortalidade foi aproximadamente igual, cerca de 50%.
partimento fica mais elevada do que a pressão capilar A importância da síndrome do esmagamento, no entanto, não
(aproximadamente 30 mmHg), o fluxo sanguíneo para os capilares se limita ao interesse histórico ou militar. Aproximadamente 3 a
fica comprometido. O tecido irrigado por esses vasos torna-se, então, 20% dos sobreviventes de terremotos sofrem lesão por esmaga-
isquêmico. A pressão pode continuar a aumentar até o ponto em que mento, sendo que quase 40% dos sobreviventes de desmoronamen-
mesmo o fluxo arterial fica comprometido pela compressão nas tos de prédios têm lesões por esmagamento. Em 1978, um terremoto
artérias. perto de Pequim, China, feriu mais de 350.000 pessoas, com
Os sinais de uma síndrome compartimental podem ser lem- 242.769 mortes. Mais de 48.000 dessas pessoas morreram por sín-
brados pensando nos “cinco Ps”: dor (em inglês, pain), parestesias, drome do esmagamento.
ausência de pulso, palidez e paralisia. Os dois sinais mais precoces A síndrome do esmagamento ocorre quando a destruição do
de que se está desenvolvendo uma síndrome compartimental são a músculo libera a molécula conhecida como mioglobina. A mioglo-
dor e as parestesias. A dor é frequentemente descrita como despro- bina é uma proteína encontrada no músculo que é responsável por
porcional à lesão. Essa dor pode ser dramaticamente aumentada conferir à carne a sua coloração avermelhada característica. A fun-
com a movimentação passiva de um dedo daquele membro. Os ção da mioglobina no tecido muscular consiste em servir como um
nervos são extremamente sensíveis ao suprimento sanguíneo, sendo local para armazenamento intracelular de oxigênio. Quando a mio-
que qualquer diminuição do fluxo sanguíneo logo se manifesta co- globina é liberada do músculo lesado, no entanto, ela é capaz de
mo parestesia. Como estes podem ser sintomas normalmente associ- provocar lesão dos rins e insuficiência renal aguda (IRA).
ados a uma fratura, isso realça a necessidade de fazer o exame basal Os pacientes traumatizados com síndrome do esmagamento
da perfusão, motricidade e sensibilidade nos membros e repeti-lo de são identificados pelo seguinte:
forma seriada, de modo que o socorrista possa identificar possíveis  Ficar presos por período prolongado.
alterações.  Lesão traumática de grande massa muscular.
 Comprometimento da circulação na área lesada.

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A lesão traumática do músculo provoca a liberação não ape- hemorragia a partir das lesões associadas, que são comuns por causa
nas de mioglobina, mas também de potássio. Uma vez que o pacien- do mecanismo de alta energia. Muitos membros destroçados en-
te foi retirado do local, o membro afetado é reperfundido com san- volvem fraturas expostas graves, sendo que a amputação pode ser
gue novo, porém o sangue antigo, com elevados níveis de mioglobi- necessária em 50 a 75% dos pacientes. É possível salvar o membro
na e de potássio, sai da área lesada e segue para o restante do orga- em alguns pacientes, o que envolve tipicamente seis a oito procedi-
nismo. A elevação do potássio pode causar arritmias cardíacas com mentos cirúrgicos, porém, com frequência, o sucesso depende da
risco de morte, e a mioglobina livre pode fazer com que a urina fique experiência dos cirurgiões de trauma e dos ortopedistas.
com cor de chá ou coca-cola e, eventualmente, provocar insuficiên- Mesmo na presença de um membro destroçado, o foco ainda
cia renal. deve ser o exame primário, para excluir ou tratar as lesões com risco
A chave para melhorar a evolução nas síndromes de esmaga- de morte. Pode ser necessário o controle da hemorragia, incluindo o
mento está na reanimação volêmica precoce e vigorosa. É importan- uso de torniquete. O membro destroçado deverá ser imobilizado,
te que o socorrista se lembre, enquanto tenta retirar o paciente, que quando a condição do paciente permitir.
ocorreu acúmulo de toxinas no membro aprisionado. Ao liberar o
membro aprisionado, as toxinas acumuladas são levadas para a cir- 11. ENTORSES
culação central, como se fosse um bolus de veneno. Portanto, o su-
cesso dependerá de minimizar os efeitos tóxicos da mioglobina e do Entorse é uma lesão em que os ligamentos são estirados ou
potássio acumulados antes da liberação do membro. A reanimação lacerados. As entorses são causadas por torção brusca de uma articu-
precisa ser feita antes da liberação. Alguns autores defendem que a lação além de sua amplitude de movimento normal Caracterizam-se
liberação final seja retardada até que o paciente tenha sido adequada- por dor intensa, inchaço e possível hematoma. Externamente, as
mente reanimado. Um retardo na reanimação com líquidos intrave- entorses podem assemelhar-se a fratura ou luxação. A diferenciação
nosos resultará em insuficiência renal em 50% dos pacientes, sendo definitiva entre uma entorse e uma fratura é feita apenas através de
que um retardo de 12 horas ou mais causa insuficiência renal em exame radiográfico. No pré-hospitalar, é razoável imobilizar uma
quase 100% dos pacientes. Um paciente reanimado de maneira suspeita de entorse, visto que pode se tratar de fratura ou luxação.
inadequada pode ter parada cardíaca durante a liberação. Sendo Como tratamento, uma bolsa de gelo ou uma compressa fria, assim
assim, o socorrista de suporte básico deve atentar para a síndrome do como o uso de analgésicos, sob prescrição médica, podem ajudar a
esmagamento, acionando, quando disponível, o suporte avançado de aliviar a dor.
vida (SAV), antes da liberação da vítima.
12. TRANSPORTE PROLONGADO
10. MEMBRO DESTROÇADO
Os pacientes com trauma de membros frequentemente têm le-
A expressão “membro destroçado” refere-se a uma lesão com- sões associadas. A continuação de hemorragia interna pode ser de-
plexa que resulta de alta transferência de energia, ocorrendo lesão corrente de lesões abdominais ou torácicas, e, durante o transporte
significativa de dois ou mais dos seguintes: (1) pele e músculo, (2) prolongado, o socorrista deverá avaliar frequentemente o exame
tendões, (3) osso, (4) vasos sanguíneos e (5) nervos (figura 249). Os primário para garantir que todas as lesões com risco de morte te-
mecanismos que mais comumente destroçam o membro são: coli- nham sido identificadas e não tenha surgido nenhuma nova. Os
sões de motocicletas, ejeção em colisão de veículos motorizados sinais vitais deverão ser obtidos a intervalos regulares.
(CVM) e atropelamento. Na chegada do socorrista, os pacientes Durante os transportes prolongados, o socorrista deve prestar
podem estar em choque por causa da perda sanguínea externa ou por maior atenção à perfusão do membro. Nos membros com perfusão
comprometida, o socorrista pode tentar restaurar a posição anatômi-
ca normal para tentar melhorar o fluxo sanguíneo. A perfusão distal,
incluindo pulsos, coloração e temperatura da pele, bem como a fun-
ção motora e sensitiva, deve ser examinada repetidamente. Os com-
partimentos devem ser palpados para avaliar o possível aparecimen-
to de síndrome compartimental.
Devem ser tomadas medidas para garantir o conforto do paci-
ente. Os dispositivos de imobilização devem ser confortáveis e, se
possível, acolchoados. Os membros devem ser avaliados para pes-
quisar quaisquer pontos dentro da tala de imobilização onde a pres-
são possa contribuir para a formação de úlceras, principalmente em
membros com perfusão comprometida.
As feridas contaminadas deverão ser irrigadas com soro fisio-
lógico, de modo que o material particulado macroscópico (p. ex.,
sujeira, grama) seja removido. Se houver uma parte do corpo ampu-
Fig. 249: Membro destroçado por esmagamento entre dois veículos. O
paciente apresenta fraturas, transecção da artéria e veia poplíteas e exten- tada, ela também deverá ser periodicamente avaliada, de modo a
sa lesão de partes moles. Foi aplicado um fixador externo.
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170 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 15 — Traumatismos Músculo Esqueléticos

mantê-la fria, mas não congelada, e a evitar que seja macerada por O tratamento geral do paciente com suspeita de lesão de membros
embebição em água. inclui as seguintes etapas:
1. Completar o exame primário e tratar toda e qualquer lesão com
risco de morte que for encontrada.
13. OBSERVAÇÕES IMPORTANTES 2. Estancar todo e qualquer sangramento e tratar o choque do paci-
ente.
A tração manual para alinhamento de membros com fraturas 3. Avaliar a função neurovascular distal.
fechadas impede a pressão sobre os músculos, reduzindo a dor e o 4. Segurar a área da lesão.
sangramento que estejam ocorrendo no local da lesão. Essa tração 5. Imobilizar o membro lesado, incluindo as articulações acima e
não deve ser feita em casos de fraturas expostas ou luxações, deven- abaixo do local da lesão.
6. Reavaliar o membro depois da imobilização, verificando se hou-
do ser aplicada com firmeza observando o alinhamento do osso até
ve alteração na função neurovascular distal.
que o membro fique totalmente imobilizado. Se o socorrista puxar
em linha reta, não causará nenhuma lesão. No entanto, recomenda-
se não insistir na manobra caso a vítima informar que a dor está
ficando muito forte ou se o socorrista sentir resistência do membro.
A pegada deve ser por cima, a fim de facilitar o manuseio do
outro socorrista. Depois que estabilizou o membro, o socorrista não
o solta mais até que seja concluída a imobilização.
A imobilização ideal não possibilita movimentos articulares
do membro, permite a perfusão periférica, mantém-se a posição
anatômica e a vítima sente-se confortável.

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Diretoria de Ensino e Instrução 171
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Observações para a execução do Algoritmo:


5
1 Avaliar a perfusão (pulsos e enchimento capilar) e a função
Cuidar das vias aéreas, suporte ventilatório, tratamento do
neurológica (motora e sensitiva) distais ao local de suspeita de
choque.
fratura ou luxação.
2
Ver o algoritmo Indicações de Imobilização da Coluna 6
Usar a técnica de imobilização apropriada para imobilizar a
(Capítulo 17).
fratura ou luxação suspeitada; quando houver suspeita de fra-
3
Quando o paciente é imobilizado em prancha rígida, os tura do terço médio do fêmur, aplicar a tala de tração.
membros lesados ficam imobilizados em posição anatômica. 7
Transportar para a instituição apropriada mais próxima.
4
Transportar para a instituição apropriada mais próxima
(centro de trauma, quando disponível); avaliar a função neuro-
vascular distal e aplicar tala de tração (quando houver suspeita
de fratura do fêmur) se o tempo permitir.

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172 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 16
Lesão Cerebral Traumática

A
vasos sanguíneos e nervos cranianos. Uma abertura maior denomi-
nada forame magno está localizada na porção posterior da base do
proximadamente 1,6 milhão de atendimentos crânio e serve de passagem do tronco cerebral para a medula espi-
por trauma craniano acontecem a cada ano nos nhal (figura 250). Na infância, fontanelas podem ser identificadas
hospitais de emergência. Destes, cerca de 500.000 apresentam lesão entre as estruturas ósseas. O bebê não possui proteção óssea sobre
cerebral traumática (LCT). Embora 80% dessas vítimas sejam essa porção do cérebro até a fusão dos ossos, o que ocorre, em geral,
classificadas como portadoras de lesões leves, cerca de 50.000 paci- até os dois anos.
entes com LCT são declarados mortos ao chegarem nos serviços de Apesar de a maior parte dos ossos que formam o crânio ser
emergência. A LCT contribui significativamente para a morte de espessa e forte, as regiões temporais e etmoidais são especialmente
cerca de 50% de todas as vítimas de trauma. As lesões cerebrais finas, sendo mais suscetíveis a fraturas. O crânio fornece proteção ao
moderadas a graves ocorrem em cerca de 100.000 vítimas de trauma encéfalo, mas a superfície interna da base do crânio é dura e irregu-
anualmente. As taxas de mortalidade das lesões moderadas e graves lar. Quando submetido a trauma contuso, o encéfalo pode deslizar
são de 10% e 30% respectivamente. Daqueles que sobrevivem a sobre essas irregularidades, produzindo contusões ou lacerações
essas lesões, entre 50 e 99% apresentam algum grau de déficit neu- cerebrais.
rológico permanente. Três membranas distintas, denominadas meninges, recobrem
Colisões automobilísticas continuam sendo a principal causa o encéfalo (figura 251). A membrana mais externa, chamada dura-
de LCT em pessoas com idade inferior a 65 anos, e as quedas são a máter, é composta por um tecido fibroso resistente e reveste a abó-
principal causa dessas lesões no idoso. A cabeça é a região do corpo bada craniana (o crânio). Normalmente, o espaço entre a dura-máter
mais frequentemente lesada em pacientes com trauma multissistêmi- e o interior do crânio, o espaço epidural, não existe; é um espaço
co. A incidência de lesão cerebral por ferimentos de arma de fogo virtual. A dura-máter é aplicada no crânio como em um laminado.
tem aumentado nos últimos anos nas áreas urbanas, e mais de 60% As artérias meníngeas médias estão localizadas em sulcos nos ossos
dessas vítimas morrem em decorrência dessa lesão. temporais em ambos os lados da cabeça, fora da dura-máter. Um
Das vítimas de trauma, aquelas com LCT são as que impõem impacto nessa região de ossos finos pode produzir fratura e romper
maior desafio para o tratamento. Podem estar agressivos, e a tentati- as artérias meníngeas médias. Esta lesão é conhecida como hemato-
va de abertura de vias aéreas pode ser dificultada devido ao enrijeci- ma epidural.
mento dos músculos da mandíbula (trismo) e vômitos. A intoxica- Diferentemente do espaço epidural, que é um espaço virtual, o
ção por drogas, álcool ou a presença de choque devida a outros trau- espaço subdural é um espaço real, entre a dura-máter e o cérebro.
mas podem dificultar a avaliação neurológica. Às vezes, pode haver Esse espaço é atravessado por veias em certos lugares, o que cria
lesões intracranianas graves com evidência mínima de trauma exter- uma comunicação vascular entre o crânio e o cérebro. A ruptura
no. O atendimento e o cuidado pré-hospitalar adequado têm como traumática dessas veias frequentemente cria hematomas subdurais,
foco principal garantir um aporte apropriado de oxigênio e nutrientes os quais, ao contrário dos hematomas epidurais, são venosos, de
ao cérebro e a identificação rápida dos pacientes com risco de herni- baixa pressão e com frequência estão associados à lesão cerebral.
ações e com pressão intracraniana (PIC) elevada. Essa abordagem Juntamente com a lesão dessas veias comunicantes, essa LCT é
pode diminuir a taxa de mortalidade decorrente de LCT e também responsável pela morbidade dos hematomas subdurais.
se traduzir em diminuição do déficit neurológico permanente. O cérebro localiza-se no lado oposto ao espaço subdural e é
coberto intimamente com duas camadas meníngeas adicionais, a
1. ANATOMIA aracnóide e a pia-máter. A pia-máter está intimamente aderida ao
cérebro, também como um laminado, e é o revestimento final do
O conhecimento da anatomia do crânio e do encéfalo é essen- cérebro. Por cima da pia-máter, existem vasos sanguíneos cerebrais
cial para a compreensão da fisiopatologia da LCT. O couro cabeludo que emergem da base do cérebro e cobrem sua superfície. Por cima
é a camada mais externa que recobre a cabeça e proporciona certa desses vasos, está a membrana aracnóide, aderida frouxamente ao
proteção ao crânio e ao encéfalo. O couro cabeludo é composto por cérebro e a seus vasos sanguíneos, dando a aparência de “papel celo-
várias camadas, incluindo a pele, o tecido conjuntivo, a gálea apo- fane” em torno do cérebro quando ele é visto a partir do espaço sub-
neurótica e o periósteo do crânio. A gálea é importante, pois fornece dural. Quando não existia o papel celofane, acreditava-se que esse
o apoio estrutural ao couro cabeludo e é fundamental para sua inte- revestimento fosse parecido com uma teia de aranha, daí o nome
gridade. O couro cabeludo e os tecidos moles que recobrem a face “aracnóide”. Uma vez que os vasos sanguíneos cerebrais têm seu
são intensamente vascularizados. trajeto sobre a superfície cerebral, mas abaixo da membrana aracnói-
O crânio é composto por vários ossos que se fundem em uma de, sua ruptura (normalmente em decorrência de trauma ou por rup-
única estrutura durante o desenvolvimento da criança. Várias peque- tura de um aneurisma cerebral) produzirá sangramento no espaço
nas aberturas (forames) na base do crânio permitem a passagem de subaracnóide, causando um sangramento subaracnóide. Esse sangue
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Fig. 250: Visão interna da base do crânio.

Fig. 251: Meninges. Revestimentos meníngeos do cérebro.

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174 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 16 — Lesão Cerebral Traumática

Quadro 16-1: O Cérebro

Fig. 252: Visão lateral do cérebro.

CÉREBRO para recepção e integração da fala em todos os indivíduos des-


O cérebro é composto pelos hemisférios direito e esquerdo. O he- tros e na maioria dos canhotos.
misfério dominante é aquele que contém o centro da linguagem.  Occipital. Contém o centro da visão.
Esse é o hemisfério esquerdo em todos os indivíduos destros e em
cerca de 85% dos canhotos. O cérebro é composto dos seguintes TRONCO CEREBRAL
lobos:  Mesencéfalo e ponte. Contém o sistema de ativação reticular,
 Frontal. Contém os centros das emoções, da função motora e da responsável pelo nível de consciência.
expressão da fala no lado dominante.  Bulbo. Contém os centros cardiorrespiratórios.
 Parietal. Responsável pela função sensitiva e pela orientação
espacial. CEREBELO
 Temporal. Regula algumas funções da memória; contém a área Controla a coordenação e o equilíbrio.

normalmente não penetra no espaço subdural, mas fica contido abai- cérebro e o cerebelo e possui uma abertura, a incisura da tenda, no
xo da aracnóide; durante a cirurgia, ele pode ser visto como uma fina nível do mesencéfalo.
camada de sangue sobre a superfície do cérebro, contida abaixo Os 12 nervos cranianos originam-se no cérebro e no tronco
dessa membrana translúcida. Ao contrário dos hematomas epidurais cerebral. O nervo oculomotor, terceiro nervo craniano, controla a
e subdurais, o sangue subaracnóide normalmente não cria um efeito constrição da pupila e propicia uma ferramenta importante na avalia-
de massa, mas pode ser um sintoma de outras lesões cerebrais sérias. ção da vítima com suspeita de trauma de crânio.
O líquido cefalorraquidiano (LCR) é produzido no sistema
ventricular do cérebro, circunda o encéfalo e a medula espinhal e 2. FISIOPATOLOGIA
funciona como um amortecedor dos impactos sobre o encéfalo.
Situa-se no espaço subaracnóideo. A LCT pode ser dividida em duas categorias:
O encéfalo ocupa cerca de 80% do espaço intracraniano e se
divide em três segmentos principais — o cérebro, o cerebelo e o 2.1. Lesão Cerebral Primária
tronco cerebral (Quadro 16-1). O cérebro é constituído de um he-
misfério direito e um esquerdo, que podem ser subdivididos em A lesão cerebral primária é o trauma direto no encéfalo associ-
vários lobos. O cérebro é responsável pelas funções sensitivas, mo- ado a lesões vasculares que ocorrem no momento da agressão inici-
toras e intelectuais superiores, como a inteligência e a memória. O al. Ela inclui lacerações e outras lesões diretas ao cérebro, seus vasos
cerebelo está localizado na fossa posterior do crânio, atrás do tronco e membranas. Como o tecido neural praticamente não se regenera,
cerebral e abaixo do cérebro, e coordena o movimento. O tronco há uma expectativa mínima de recuperação da perda da estrutura e
cerebral contém a medula, área que controla muitas funções vitais, função em decorrência da lesão primária. Além disso, há pouca
incluindo a respiração e a frequência cardíaca. Muito do sistema possibilidade de correção.
reticular ativador (SRA), região do cérebro responsável pelo nível de
consciência, também é encontrado no tronco cerebral. Um trauma 2.2. Lesão Cerebral Secundária
fechado pode lesar o SRA, levando à perda temporária da consciên-
cia. A tenda do cerebelo, uma porção da dura-máter, situa-se entre o A lesão cerebral secundária refere-se aos processos contínuos
de lesão que são desencadeados pela lesão primária. No momento
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da lesão, iniciam-se os processos fisiopatológicos que continuam a na parte inferior do bulbo terminam em parada cardíaca e respirató-
lesar o cérebro por horas, dias e semanas após a agressão inicial. O ria, um desfecho comum em pacientes com herniação. O processo
foco primário da conduta diante da LCT é identificar e limitar ou de forçar o conteúdo da fossa posterior no forame magno é chamado
interromper esses mecanismos de lesão secundária, que incluem os “cone de pressão” (figura 253).
seguintes:
1. Efeito de massa e subsequente elevação da PIC e movimen-
tação mecânica do cérebro, que podem causar herniação e aumento
acentuado da morbidade e mortalidade se não tratados.
2. Hipóxia, causada pela oxigenação inadequada do cérebro
lesado em consequência de insuficiência ventilatória ou circulatória
ou pelo efeito de massa.
3. Hipotensão e fluxo sanguíneo cerebral inadequado, que
podem causar uma oxigenação insuficiente do cérebro. A diminui-
ção desse fluxo também reduz a liberação de substrato (por exem-
plo, glicose) ao cérebro lesado e resulta em insuficiência de substra-
to.
4. Mecanismos celulares, incluindo insuficiência de energia,
inflamação e cascatas “suicidas”, que podem ser desencadeadas ao
nível celular e podem levar à morte celular, chamada apoptose.

2.2.1. Causas Intracranianas


Fig. 253: O crânio é uma grande estrutura óssea que abriga o cérebro.
Caso o cérebro sofra expansão em decorrência de edema, ou caso ocorra
Efeito de Massa e Herniação. Os mecanismos da lesão se- hemorragia no crânio que o pressione, ele não terá como sair do crânio.
cundária reconhecidos com maior frequência são aqueles relaciona-
dos com o efeito de massa. Após o fechamento das fontanelas, o Síndromes Clínicas de Herniação. As características clínicas
cérebro fica “encaixotado” em um espaço fechado, e todo o espaço das síndromes de herniação podem ajudar a identificar um paciente
dentro do crânio é ocupado pelo cérebro, por sangue ou LCR. Caso que esteja herniando. Tradicionalmente, a herniação uncal
outra massa, como um hematoma, edema cerebral ou tumor, ocupe (movimento que força a porção medial do lobo temporal, o unco,
qualquer espaço dentro da cavidade craniana, alguma estrutura pre- em direção ao terceiro par craniano), frequentemente produzirá uma
cisa ser empurrada para fora. pupila dilatada ou midriática no lado da herniação. Alterações moto-
Inicialmente, em resposta a uma massa em expansão, o volu- ras também podem acompanhar a herniação. Fraqueza contralateral
me de LCR que circunda o cérebro é reduzido. O LCR circula natu- pode estar associada a herniação uncal. Uma herniação mais extensa
ralmente dentro e em torno do eixo neural e, à medida que a massa pode causar a destruição de estruturas no cérebro conhecidas como o
se expande, mais LCR é forçado para fora da cabeça, e o volume núcleo rubro ou os núcleos vestibulares. Isso pode resultar em uma
total de LCR é reduzido. O volume sanguíneo na cavidade craniana postura de decorticação, caracterizada por flexão dos membros
também é reduzido de forma similar, com o sangue venoso sendo o superiores e rigidez e extensão dos membros inferiores. Um achado
principal volume reduzido na cabeça. mais grave é a postura de descerebração, na qual todos os membros
Como resultado da redução dos volumes de LCR e sanguí- ficam estendidos, e pode ocorrer o arqueamento da coluna. Após a
neos, a pressão na cabeça não se eleva durante as fases iniciais da herniação, os membros tornam-se flácidos, e há atividade motora.
expansão das massas intracranianas. Durante essa fase, se a massa
em crescimento for a única patologia intracraniana, os pacientes Isquemia e Herniação. As síndromes de herniação descre-
poderão permanecer assintomáticos. Após a exaustão da capacidade vem como o cérebro edemaciado, por estar contido em um espaço
de forçar o LCR e o sangue para fora, no entanto, a pressão dentro totalmente fechado, pode apresentar dano mecânico. No entanto, a
do crânio, a PIC, começa a se elevar rapidamente, e a estrutura se- PIC elevada em decorrência do edema cerebral também pode causar
guinte a ser forçada para fora da cabeça é o cérebro. lesões ao cérebro ao criar isquemia cerebral em consequência da
O cérebro só pode mover-se em uma direção: para baixo, em diminuição da oxigenação resultante. À medida que o edema cere-
direção ao forame magno. As consequências desse movimento em bral aumenta, a PIC também aumenta. Além da lesão mecânica do
direção ao forame magno são descritas como as várias síndromes de cérebro, o edema cerebral também pode causar lesões isquêmicas,
herniação. Uma delas, conhecida como herniação da amígdala que se somam às agressões isquêmicas que o cérebro pode sofrer
cerebelar, ocorre à medida que o cérebro é empurrado para baixo por outras causas como, por exemplo, hipotensão sistêmica.
em direção ao forame magno e empurra o cerebelo e o bulbo à sua Para complicar ainda mais, à medida que essas agressões me-
frente. Isso, no final, pode fazer com que a parte mais caudal do cânicas e isquêmicas criam lesões no cérebro, elas produzem mais
cerebelo, as amígdalas cerebelares, e o bulbo, sejam “encravados” edema cerebral. Dessa forma, o edema cerebral pode produzir lesões
no forame magno, com esmagamento subsequente do bulbo. Lesões que criam mais edema cerebral, o que, por sua vez, produz mais

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Capítulo 16 — Lesão Cerebral Traumática

lesões e edema em uma queda vertiginosa que pode provocar herni- Hipóxia. Um dos substratos mais cruciais levados ao cérebro
ação e morte caso não seja interrompida. A limitação dessa lesão lesado pela circulação é o oxigênio. Pode ocorrer dano cerebral irre-
secundária e a quebra desse ciclo de lesão são o objetivo principal do versível após somente 4 a 6 minutos de anóxia cerebral. Estudos
tratamento da LCT. demonstraram um impacto significativo de uma pressão parcial de
oxigênio (Po2) abaixo de 60 mmHg em pacientes com LCT. Um
Edema Cerebral. O edema cerebral ocorre frequentemente no número significativo de pacientes com LCT não é reanimado ade-
local de uma lesão cerebral primária. A lesão das membranas celula- quadamente na cena. Além disso, vários estudos demonstraram que
res neuronais permite o acúmulo de líquido intracelular dentro dos números significativos de vítimas de LCT se apresentam com Po2
neurônios danificados, levando ao edema cerebral. Além disso, a ou saturação de O2 baixa ou inadequada. A ênfase nos cuidados pré-
lesão pode causar uma resposta inflamatória que danifica os neurô- hospitalares com as vias aéreas e na oxigenação em pacientes com
nios e os capilares cerebrais, levando ao acúmulo de líquidos dentro lesão cerebral foi parcialmente resultado desses estudos.
dos neurônios, bem como dentro dos espaços intersticiais, levando Hemorragias são comuns em pacientes com LCT, causando
ao edema cerebral. À medida que o edema se desenvolve, as lesões não apenas choque, mas também perda de sangue e, portanto, de
mecânicas e isquêmicas descritas previamente ocorrem, o que agra- hemoglobina.
va esses processos e causam mais edema e lesão. Para que o sangue oxigenado chegue ao cérebro, os pulmões
O edema cerebral pode ocorrer associado ou ser o resultado de devem estar funcionando adequadamente, o que frequentemente
hematomas intracranianos, em consequência de lesões do parênqui- não ocorre após traumas. Pacientes com vias aéreas inadequadas,
ma cerebral na forma de contusão cerebral, ou o resultado de lesão aspiração de sangue ou conteúdo gástrico, contusões pulmonares ou
difusa do cérebro em consequência de hipóxia ou hipotensão. pneumotórax têm uma patologia que irá interferir na função respira-
tória e na capacidade de transferir oxigênio da atmosfera para o san-
Hematomas Intracerebrais. No trauma, o efeito de massa é
gue. Além de assegurar transporte de oxigênio ao cérebro através de
causado pelo acúmulo real de sangue no espaço intracraniano. He-
hemoglobina e circulação adequadas, os socorristas devem assegu-
matomas intracranianos, como, por exemplo, hematomas epidurais,
rar uma boa oxigenação através de vias aéreas pérvias e com ventila-
subdurais ou intracerebrais, são as principais fontes de efeito de mas-
ção adequada.
sa. Uma vez que o efeito de massa desses hematomas é causado
A limitação agressiva da hipóxia cerebral com condições ade-
exclusivamente por seu tamanho, a remoção rápida desses hemato-
quadas das vias aéreas, da respiração e da circulação é essencial para
mas pode quebrar o ciclo de edema e lesão descrito anteriormente.
limitar as lesões cerebrais secundárias.
Infelizmente, esses hematomas frequentemente têm edema cerebral
associado, e são necessários outros meios, além da remoção do he-
Anemia. A capacidade de condução de oxigênio pelo sangue
matoma, para interromper o ciclo de lesão e edema.
também é crucial para a oxigenação do cérebro; essa capacidade é
Hipertensão Intracraniana. A hipertensão intracraniana ocor- determinada pela quantidade de hemoglobina contida no sangue.
re porque o edema cerebral acontece em um espaço fechado. A Uma queda de 50% da hemoglobina tem um efeito bem mais pro-
medida da PIC é uma forma de quantificar e avaliar o grau de edema fundo sobre a oxigenação do cérebro do que uma queda de 50% da
cerebral. Nesse sentido, a PIC elevada é um sinal de edema cerebral. Po2. Por isso, a anemia pode ter um impacto sobre o prognóstico da
A hipertensão intracraniana produz lesões cerebrais na forma LCT.
de compressão mecânica e lesões isquêmicas e hipóxicas ao cérebro.
Por isso, a PIC é frequentemente corretamente considerada tanto um Convulsões. Um paciente com LCT aguda corre risco de
sintoma quanto uma causa de edema cerebral. apresentar convulsões por inúmeras razões. A hipóxia decorrente de
O monitoramento da PIC não está disponível rotineiramente problemas tanto na via aérea como na ventilação pode induzir con-
no ambiente pré-hospitalar, mas a sua compreensão e as razões para vulsões generalizadas. O tecido cerebral isquêmico ou lesado pode
seu controle podem ajudar os socorristas na tomada de decisão em ser foco irritável e produzir convulsões do tipo grande mal ou estado
um paciente com lesão cerebral. epiléptico. As convulsões, por sua vez, podem agravar a hipóxia
preexistente decorrente de alteração da função respiratória. Além
2.2.2. Causas Extracranianas disso, atividade cerebral maciça associada a convulsões generaliza-
das esgotam rapidamente o oxigênio e a glicose, piorando ainda
Hipotensão. Como se sabe há muito tempo, a isquemia cere- mais a isquemia cerebral.
bral é comum em casos de lesão craniana. Evidências de isquemia
são encontradas em 90% dos pacientes que morrem por LCT, e 3. AVALIAÇÃO
muitos dos que sobrevivem têm evidências de lesão isquêmica.
Portanto, o impacto da diminuição do fluxo sanguíneo cerebral so- Uma rápida avaliação da biomecânica do trauma, combinada
bre o prognóstico da LCT tem sido um foco primário na limitação com um rápido e eficiente exame primário, ajudará a identificar
de lesão secundária após LCT. problemas com potencial risco de morte em uma vítima com suspei-
Muitos pacientes com LCT apresentam outras lesões, muitas ta de LCT.
das quais apresentam hemorragia e subsequente queda da pressão
arterial.
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3.1. Biomecânica interior do crânio suficiente para produzir choque hipovolêmico. Um


pulso lento e forte pode resultar de hipertensão intracraniana e indica
Como em todas as vítimas de trauma, a avaliação deve incluir uma herniação iminente. Em vítimas com lesões com risco de morte
considerações sobre o mecanismo da lesão. Devido ao fato de mui- potenciais, o transporte não deve ser retardado para aferição da pres-
tas vítimas com LCT grave apresentarem alteração do nível de cons- são arterial, mas esta deve ser realizada durante o transporte assim
ciência (NC), dados importantes sobre a biomecânica devem ser que possível.
obtidos por meio da observação da cena ou do relato de testemu-
nhas. O pára-brisa do veículo ocupado pela vítima pode apresentar 4.4. Incapacidade (Avaliação Neurológica)
aspecto de “teia de aranha”, sugerindo impacto da cabeça da vítima
contra ele, ou um objeto sujo de sangue que foi usado como arma Durante o exame primário e após ter iniciado as medidas apro-
em um assalto pode estar presente na cena. Estas informações im- priadas para tratar as alterações identificadas nas vias aéreas, na res-
portantes devem ser transmitidas à equipe do hospital de destino, piração e na circulação, deve ser calculada a linha basal do escore da
pois elas podem ser essenciais para o diagnóstico e o tratamento escala de coma de Glasgow para avaliação mais precisa do nível de
adequados da vítima. consciência da vítima (ver capítulo 9).
As pupilas devem ser examinadas rapidamente quanto à sime-
4. EXAME PRIMÁRIO tria e resposta ao estímulo luminoso. Uma diferença maior que 1
mm no tamanho das pupilas é considerada anormal. Uma considerá-
4.1. Vias Aéreas vel porcentagem da população apresenta anisocoria, pupilas de
tamanhos diferentes, que pode ser tanto de causa congênita como
A permeabilidade das vias aéreas deve ser examinada. Em adquirida por trauma ocular. No local de atendimento, nem sempre é
vítimas inconscientes, a língua pode obstruir completamente a via possível distinguir uma irregularidade pupilar causada por trauma de
aérea. A respiração ruidosa indica obstrução parcial que pode ser uma anisocoria pós-traumática congênita ou preexistente. As pupilas
provocada pela língua ou por um corpo estranho. Vômito, sangra- assimétricas sempre devem ser tratadas como secundárias ao trauma
mento e edema decorrente de trauma facial são comuns e podem agudo, até que o exame adequado exclua edema cerebral ou lesão
comprometer a via aérea de uma vítima com LCT. nervosa motora ou oftálmica.

4.2. Respiração 4.5. Exposição/Ambiente

A avaliação da função respiratória deve incluir a observação Vítimas que sofrem LCT frequentemente apresentam outras
da frequência ventilatória, profundidade e eficiência da respiração. lesões que ameaçam a vida e os membros, bem como o cérebro.
Como já mencionado, alguns padrões respiratórios anormais podem Todas essas lesões devem ser identificadas. Todo o corpo da vítima
resultar de trauma craniano grave. Em vítimas de trauma multissistê- deve ser examinado em busca de outras lesões graves e com risco
mico, lesões torácicas podem comprometer tanto a ventilação quan- potencial para a vida.
to a oxigenação. Fraturas da coluna cervical ocorrem em cerca de 2 a
5% das vítimas com LCT e podem interferir de forma significativa 5. EXAME SECUNDÁRIO
na ventilação.
A oxigenação adequada do cérebro lesado é parte essencial Assim que as lesões com risco de morte tenham sido identifi-
dos esforços para limitar a lesão cerebral secundária. O insucesso em cadas e tratadas, um exame secundário completo deve ser realizado,
manter a saturação de oxigênio da hemoglobina (Sp02) acima de se o tempo assim o permitir. A cabeça e a face da vítima devem ser
90% provavelmente levará a um pior prognóstico em pacientes com palpadas cuidadosamente à procura de ferimentos, depressões ou
lesão cerebral; a manutenção de uma Sp02 acima de 90% é funda- crepitações. A saída de fluido claro pelo nariz ou pelo ouvido pode
mental. A avaliação das vias aéreas e do esforço respiratório é cruci- ser LCR. Quando colocado em chumaço de gaze ou tecido, o LCR
al nos estágios iniciais do tratamento da LCT. pode separar-se do sangue, produzindo um “halo” amarelado carac-
terístico. Embora um halo positivo nem sempre seja causado por
4.3. Circulação LCR, esse é um teste excelente para ser utilizado no local, caso o
tempo permita, pois ele alerta a equipe sobre a possibilidade de ex-
O controle de hemorragias e a prevenção e tratamento do travasamento de LCR.
choque são cruciais. O socorrista deve, se possível, observar e quan- O tamanho e a resposta pupilar à luz devem ser reavaliados
tificar a presença de sangramento externo evidente. Na ausência de nesse momento. Devido à incidência de fraturas da coluna cervical
perda sanguínea externa significante, a presença de pulso rápido e em vítimas com LCT, como descrito anteriormente, o pescoço deve
fraco em vítima de trauma fechado sugere hemorragia para o espaço ser examinado para identificar dor e deformidade ósseas.
pleural, peritônio, retroperitônio, ou em tecidos moles adjacentes a Em paciente cooperativo, deve-se realizar um exame neuro-
fraturas de ossos longos com risco de morte. Em lactente que ainda lógico mais detalhado, avaliando a função motora e sensitiva em
apresente as fontanelas abertas, pode ocorrer perda sanguínea para o todos os membros. Déficits neurológicos, como paresia (diminuição

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da força muscular) ou plegia (paralisia), podem estar presentes em


apenas um lado do corpo. Estes “sinais de lateralização” são indica-
dores de LCT.

5.1. Histórico

O socorrista deve obter informações AMPLA (alergias, medi-


cações, passado mórbido, líquidos e última refeição, ambiente) da
vítima, dos familiares ou de testemunhas. Diabetes melito, distúrbios
convulsivos e intoxicações por drogas ou álcool podem imitar uma
LCT. Qualquer evidência do uso ou overdose de droga deve ser
relatada. O paciente pode ter um histórico de trauma craniano prévio
e pode queixar-se de dor de cabeça recorrente ou persistente, distúr-
bios visuais, náuseas e vômitos ou dificuldade de fala.

5.2. Exames Seriados

Cerca de 3% das vítimas com trauma de crânio leve (escore na


escala de coma de Glasgow = 14-15) podem sofrer inesperada dete-
rioração do seu nível de consciência. Durante o transporte, o exame
primário e a avaliação do escore na escala de coma de Glasgow
devem ser repetidos em intervalos frequentes. Pacientes cujo escore
na escala de coma de Glasgow piora em mais de dois pontos durante
o transporte têm um risco particularmente elevado de um processo
patológico em andamento. Esses pacientes devem ser transportados
rapidamente até um hospital adequado. O hospital irá utilizar a varia-
ção no escore durante o transporte no tratamento inicial da vítima. A
tendência do escore na escala de coma de Glasgow ou os sinais
vitais devem ser relatados para a equipe do hospital de destino e Fig. 254: Lesões extensas do couro cabeludo podem causar hemorragia externa
maciça.
documentados no relatório de atendimento à vítima.
cérebro ou penetram no tecido cerebral subjacente (figura 255).
6. LESÕES ESPECÍFICAS Embora fraturas lineares simples possam ser diagnosticadas somente
por meio de estudo radiológico, fraturas com afundamento podem
6.1. Lesões da Cabeça e do Pescoço ser palpadas durante exame físico cuidadoso. Fratura de crânio fe-
chada e sem afundamento por si só é de pouco significado clínico,
Couro Cabeludo. Composto de várias camadas de tecido, o mas a sua presença aumenta muito o risco de hematoma intracrania-
couro cabeludo é altamente vascularizado; até mesmo uma pequena no. Fraturas de crânio fechadas com afundamento podem necessitar
laceração pode causar uma hemorragia abundante. Lesões mais de intervenção neurocirúrgica. Fraturas expostas de crânio podem
complexas, como uma lesão de desluvamento, em que uma grande resultar de impacto particularmente forte ou ferimento por arma de
área do couro cabeludo é arrancada do crânio, podem causar choque fogo e servem como porta de entrada para bactérias, predispondo a
hipovolêmico e até mesmo exsanguinação (figura 254). Esses tipos vítima à meningite. Se a dura-máter estiver lesada, o tecido cerebral
de lesões ocorrem frequentemente em ocupantes dos bancos diantei- ou LCR podem extravasar pela fratura exposta do crânio. Devido ao
ros de um veículo, sem cinto de segurança, cujas cabeças batem no risco de meningite, esses ferimentos precisam de avaliação neuroci-
pára-brisa, e em trabalhadores com cabelos longos que ficam presos rúrgica imediata.
em maquinário. Um grande impacto na cabeça pode causar um Deve-se suspeitar de fraturas de base do crânio se houver
hematoma do couro cabeludo, que pode ser confundido com uma drenagem de LCR pelo nariz ou ouvidos. Equimose periorbital
fratura do crânio com afundamento durante a palpação do couro (“olhos de guaxinim”) (figura 256) e o sinal de Battle (figura 257),
cabeludo. em que se observa equimose na região retroauricular sobre o mastói-
de, frequentemente estão presentes quando ocorrem fraturas da base
Fraturas de Crânio. As fraturas de crânio podem resultar do crânio, embora estes sinais demorem algumas horas após a lesão
tanto de trauma fechado como de trauma penetrante. As fraturas para se tornar aparentes.
lineares correspondem a cerca de 80% das fraturas de crânio; entre- Lesões Faciais . As lesões da face variam de pequenos trau-
tanto um forte impacto pode produzir uma fratura com afundamento mas de tecidos moles até lesões graves associadas a comprometi-
de crânio, na qual fragmentos ósseos são dirigidos em direção ao mento das vias aéreas ou choque hipovolêmico. As vias aéreas po-

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Fig. 255: Fratura do crânio com afundamento pode mandar fragmentos ósseos
para dentro do tecido cerebral.

dem ser afetadas por alterações estruturais causadas pelo trauma ou


Fig. 257: Equimose periorbitária (“olhos de guaxinim”).
pela presença de líquidos ou de outros objetos nas próprias vias aé-
reas. As alterações estruturais podem resultar de deformidades dos Fraturas da Porção Média da Face. As fraturas da porção
ossos faciais fraturados ou de hematomas que se desenvolvem nos média da face podem ser classificadas em (figura 258):
tecidos. Como a cabeça possui uma alta concentração de vasos san-
guíneos, muitas lesões nessa região produzem uma hemorragia im-  A fratura Le Fort I caracteriza-se por um descolamento
portante. O sangue e os coágulos sanguíneos podem interferir na horizontal do maxilar do assoalho nasal. Embora a passagem de ar
permeabilidade das vias aéreas. O trauma facial está frequentemente através das narinas possa não ser afetada, a orofaringe pode ser com-
associado a alterações no nível de consciência e até mesmo à lesão prometida por um coágulo sanguíneo ou edema no palato mole.
cerebral grave. O trauma da face pode produzir fraturas ou desloca-  A fratura Le Fort II, também conhecida como fratura pira-
mento de dentes para dentro do lúmen das vias aéreas, e LCTs e midal, inclui os maxilares direito e esquerdo, a porção medial do
choque hipovolêmico podem causar vômitos, o que também leva à assoalho da órbita e os ossos nasais. Os seios da face são bem vascu-
obstrução das vias aéreas. larizados, e essa fratura pode estar associada a um comprometimen-
to das vias aéreas em consequência de hemorragia importante.
Fraturas Mandibulares. Depois das fraturas dos ossos nasais,  A fratura Le Fort III caracteriza-se pela fratura dos ossos
as fraturas mandibulares são o segundo tipo mais comum de fratura faciais com separação do crânio (disjunção craniofacial). Em função
facial. Em mais de 50% dos casos, a mandíbula se quebra em mais das forças envolvidas, essa lesão pode estar associada a comprometi-
de um local. A queixa mais comum de um paciente com fratura mento das vias aéreas, presença de LCT, lesões dos ductos lacri-
mandibular é a má oclusão dos dentes; ou seja, os dentes superiores mais, má oclusão dos dentes e vazamento de LCR pelas narinas.
e inferiores não conseguem mais manter o alinhamento normal. À
palpação, pode ser observada uma deformidade do tipo “degrau” e Pacientes com uma fratura da porção média da face nor-
crepitação. malmente apresentam perda da simetria facial normal. A face pode
parecer achatada, e o paciente pode ser incapaz de fechar a mandíbu-
Fraturas Nasais. As indicações da existência de uma fratura la ou os dentes. Caso esteja consciente, o paciente pode queixar-se
nasal incluem equimose, edema e epistaxe. À palpação, podem ser de dor e insensibilidade facial. À palpação, pode haver crepitação
observadas anormalidades ósseas. sobre os locais fraturados.

Lesões Laríngeas. As fraturas da laringe normalmente são


causadas por trauma contuso na região anterior do pescoço, ou quan-
do a porção anterior do pescoço do motociclista ou do ciclista é atin-
gida por um objeto. O paciente pode queixar-se de alteração da voz
(normalmente um tom mais baixo). À inspeção, o socorrista pode
observar uma contusão do pescoço ou a perda da proeminência da
cartilagem tireóide (pomo de Adão). Uma fratura da laringe pode
produzir o desenvolvimento de enfisema subcutâneo no pescoço,
que pode ser percebido à palpação.

Lesões dos Vasos Cervicais. A artéria carótida e a veia jugular


cruzam a região anterior do pescoço nos dois lados da traquéia. As
Fig. 256: Equimose retroauricular (Sinal de Battle). artérias carótidas levam sangue para a maior parte do cérebro, e as
veias jugulares drenam essa região. Lesões em um desses vasos

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Capítulo 16 — Lesão Cerebral Traumática

Fig. 258: Tipos de fratura Le Fort da porção média da face. A, Fratura Le Fort I. B, Fratura Le Fort II. C, Fratura Le Fort III.

podem causar hemorragia profunda. Um risco adicional de lesões da  Emoções inadequadas às circunstâncias (distraído, chora sem
veia jugular é a embolia gasosa. Se o paciente estiver sentado ou razão aparente).
com a cabeça elevada, a pressão venosa pode cair abaixo da pressão  Déficits de memória (evidenciada pelo fato de o paciente
atmosférica durante a inspiração, permitindo a entrada de ar no siste- fazer repetidamente a mesma pergunta que já foi respondida).
ma venoso. Um grande êmbolo gasoso pode ser fatal, pois pode  Incapacidade de memorizar e se lembrar (por exemplo, 3 de
interferir tanto na função cardíaca quanto na perfusão cerebral. 3 palavras ou 3 de 3 objetos em 5 minutos).

6.2. Lesões Cerebrais Em todos os pacientes com concussão, a tomografia computa-


dorizada (TC) de crânio é normal.
Concussão Cerebral. O diagnóstico de “concussão” é feito Dor de cabeça importante, tonturas, náuseas e vômitos fre-
quando um paciente com trauma mostra qualquer alteração transitó- quentemente acompanham uma concussão. Embora a maioria des-
ria da função neurológica. Embora a maioria das pessoas associe a
perda de consciência ao diagnóstico de concussão, a perda de cons-
ciência não é necessária para se firmar um diagnóstico de concussão;
em vez disso, a amnésia pós-traumática é a característica inconfundí-
vel da concussão. Outras alterações neurológicas incluem:
 Olhar vago (expressão facial confusa).
 Respostas verbais e motoras retardadas (lento para responder
às perguntas ou para obedecer a instruções).
 Confusão e incapacidade de concentrar a atenção (distrai-se
facilmente e é incapaz de realizar atividades normais).
 Desorientação (anda na direção errada; sem noção de tempo,
data e lugar).
 Fala arrastada ou incoerente (faz afirmativas desconexas ou
incompreensíveis).
 Perda de coordenação (tropeça, incapaz de andar em linha
Fig. 259: Concussão.
reta).

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ses achados dure de várias horas a alguns dias, alguns pacientes são o resultado de um padrão complexo de transmissão e reflexo de
apresentam uma síndrome pós-concussão com dores de cabeça, forças dentro do crânio. Como resultado, as contusões ocorrem fre-
tonturas e dificuldade de concentração por semanas e, até mesmo, quentemente em localizações distantes do local de impacto, normal-
meses após uma concussão grave. Pacientes que exibem sinais de mente no lado oposto do cérebro, conhecidas como lesões “em con-
concussão e especialmente pacientes com náuseas, vômitos ou acha- tragolpe” (figura 260).
dos neurológicos no exame secundário devem ser imediatamente A única pista de sua presença pode ser uma diminuição do
transportados para uma avaliação mais detalhada. escore da escala de coma de Glasgow, e muitos pacientes mostram
lesões cranianas moderadas (escala de coma de Glasgow 9-13). À
Hematoma Intracraniano. Os hematomas intracranianos são medida que a contusão evolui após o trauma, pode causar aumento
divididos em três tipos — epidural, subdural e intracerebral. Por do efeito de massa e produzir uma dor de cabeça crescente, ou fazer
apresentarem sinais e sintomas que se sobrepõem, o diagnóstico com que lesões cranianas moderadas piorem em cerca de 10% dos
preciso no ambiente pré·hospitalar é quase impossível, sendo que pacientes.
um diagnóstico definitivo apenas pode ser feito após a realização de
tomografia computadorizada no hospital de destino. Como esses Hemorragia Subaracnóide. A hemorragia subaracnóide é o
hematomas ocupam espaço dentro do crânio que é rígido, podem sangramento que ocorre abaixo da membrana aracnóide, que se
produzir rápido aumento da PIC, especialmente se forem volumo- situa sob o espaço subdural que cobre o cérebro. O sangue no espaço
sos. subaracnóide não pode penetrar no espaço subdural. Muitos dos
vasos sanguíneos cerebrais se localizam no espaço subaracnóide;
Contusões Cerebrais. O dano ao próprio cérebro pode produ- portanto, a lesão nesses vasos causará um sangramento subaracnói-
zir contusões cerebrais e, se o dano incluir lesão dos vasos sanguí- de, uma camada de sangue abaixo da membrana aracnóide na super-
neos dentro do cérebro, também provoca sangramento verdadeiro na fície do cérebro. Essa camada de sangue é fina e raramente produz
substância do cérebro, ou hematomas intracerebrais. Contusões efeito de massa. A hemorragia subaracnóide normalmente é consi-
cerebrais são relativamente comuns, ocorrendo em aproximadamen- derada como estando associada à ruptura de aneurismas cerebrais.
te 20 a 30% de lesões cerebrais graves, mas também em uma por-
centagem significativa de lesões cranianas moderadas. Embora re- 7. TRATAMENTO
sulte tipicamente de trauma contuso, essas lesões também podem
ocorrer em decorrência de trauma penetrante como, por exemplo, O tratamento adequado da vítima com LCT começa com in-
um ferimento por arma de fogo no cérebro. No trauma contuso, as tervenções que obedecem a uma sequência, priorizando o tra-
contusões cerebrais podem ser numerosas. As contusões cerebrais tamento de lesões que comprometam a vida identificadas no exame

Fig. 260: Contusão cerebral causada por golpe e contragolpe (colisão traseira).
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182 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 16 — Lesão Cerebral Traumática

primário. Uma vez tratados estes problemas, o paciente deve ser 7.3. Circulação
rapidamente imobilizado e transportado para o hospital mais próxi-
mo com recursos para atender casos com LCT. Tanto a anemia quanto a hipotensão são causas importantes de
lesão cerebral secundária; portanto, devem-se prevenir e tratar estas
7.1. Vias Aéreas condições. O controle da hemorragia é essencial. Compressão direta
sobre o local ou curativos compressivos devem ser aplicados em
Vítimas com rebaixamento do nível de consciência podem qualquer hemorragia externa. Ferimentos complexos no couro cabe-
perder a capacidade de proteger sua via aérea, e a oxigenação ade- ludo podem produzir sangramento externo significativo. Vários
quada do cérebro lesado é fundamental para evitar lesão secundária. chumaços de gaze colocados sobre o local e fixados com bandagem
Como observado anteriormente, lesões faciais podem estar associa- ou ataduras tornam-se um curativo compressivo efetivo para contro-
das a hemorragias e edema que podem comprometer as vias aéreas. lar o sangramento. Caso isso não controle o sangramento, pode-se
Hematomas no assoalho da boca ou no palato mole podem obstruir controlá-lo frequentemente pela aplicação de compressão direta ao
as vias aéreas. As técnicas essenciais e adequadas são intervenções longo das bordas da ferida, comprimindo, dessa forma, a vasculatura
iniciais para as vias aéreas (capítulo 11). As vias aéreas orais e nasais do couro cabeludo entre a pele e os tecidos moles e a gálea. Um
podem ser obstruídas por edema ou coágulos sanguíneos, e a aspira- sangramento dramático frequentemente pode ser controlado com
ção intermitente pode ser necessária. Pacientes com fraturas faciais e essa manobra. No entanto, não se deve aplicar curativos compressi-
laríngeas ou com outras lesões do pescoço assumem uma posição vos em fraturas abertas ou com afundamento de crânio, a menos que
típica que mantém suas vias aéreas pérvias. Tentativas de forçar um haja hemorragia importante, porque a compressão pode agravar a
paciente para se deitar de costas ou para utilizar um colar cervical lesão cerebral e levar a aumento da PIC. Uma discreta compressão
podem encontrar grande resistência caso ele fique hipóxico em con- direta sobre o ferimento também pode limitar o tamanho de hemato-
sequência de alterações da posição das vias aéreas. Nesses casos, a mas extra-cranianos (couro cabeludo). O manejo delicado e imobili-
persistência das vias aéreas é prioritária com relação à imobilização zação em prancha rígida, mantendo alinhamento anatômico, podem
da coluna, e os pacientes podem ser transportados sentados ou semi- minimizar a perda sanguínea intersticial no local da fratura.
sentados, conforme a sua tolerância. A colocação de colares cervi- Hemorragias das artérias carótidas e das veias jugulares po-
cais pode ser postergada caso possa comprometer as vias aéreas dem ser maciças. Na maioria dos casos, a compressão direta contro-
durante a estabilização manual. Pacientes conscientes frequentemen- la essa hemorragia externa. Lesões nesses vasos em decorrência de
te podem ajudar na manutenção da permeabilidade das suas vias traumas penetrantes podem estar associadas a um sangramento in-
aéreas realizando aspiração quando sentirem necessidade; o socorris- terno, que se apresenta como um hematoma em expansão.
ta pode permitir que eles segurem e usem o aparelho de aspiração. Como a hipotensão piora ainda mais a isquemia cerebral,
devem-se adotar medidas-padrão para combater o quadro de cho-
A colocação da cânula orofaríngea e o emprego de ventilação que. Em vítimas com lesão cerebral traumática, a combinação de
por máscara facial, associada a balão dotado de válvula unidirecional hipóxia e hipotensão está associada à taxa de mortalidade de cerca
são alternativas que devem ser consideradas. de 75%. Na presença de choque e suspeita de sangramento interno
importante, o transporte rápido para um centro de trauma tem priori-
7.2. Respiração dade com relação à lesão cerebral.

Todos as vítimas com suspeita de LCT devem receber oxigê- 7.4. Incapacidade (Avaliação Neurológica)
nio suplementar. O uso de oximetria de pulso é de extrema impor-
tância, pois a hipóxia pode piorar o quadro neurológico. A concen- A avaliação do escore da escala de coma de Glasgow deve ser
tração de oxigênio pode ser titulada quando se usa a oximetria de integrada à avaliação de rotina de todos os pacientes de trauma, após
pulso; no entanto, a saturação de oxigênio (SaO2) deve ser mantida a estabilização da circulação. O uso do escore da escala de coma de
em 95% ou mais. Se a oximetria de pulso não estiver disponível, o Glasgow ajuda a avaliar o estado do paciente e pode interferir nas
oxigênio deve ser fornecido por máscara facial unidirecional para as decisões sobre o transporte e de triagem, dependendo do sistema em
vítimas que apresentam respiração espontânea. que o socorrista atua.
O tratamento pré-hospitalar da LCT consiste primariamente
O socorrista deve manter taxas normais de ventilação quando em medidas que visam reverter e prevenir fatores que causem uma
a vítima com LCT estiver sob ventilação assistida: 10 respirações lesão cerebral secundária.
por minuto (RPM) para adultos, 20 RPM para crianças e 25 RPM Em virtude da incidência significativa de fraturas da coluna
para bebês. Hiperventilação muito agressiva produz vasoconstrição cervical, vítimas com suspeita de LCT devem ter a coluna imobiliza-
cerebral que, por sua vez, leva à diminuição da oferta de oxigênio da. Deve-se ter muita cautela ao aplicar o colar cervical em vítima
para o cérebro. Estudos comprovaram que tanto a hiperventilação com LCT. Algumas evidências sugerem que manter o colar cervical
quanto a hipóxia grave no ambiente pré-hospitalar estavam associa- firmemente ajustado pode impedir o retorno venoso da região cefáli-
das a um aumento da mortalidade. ca, assim levando a aumento da PIC. A colocação do colar cervical
não é obrigatória desde que se mantenha imobilização adequada
da coluna cervical.
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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

7.5. Transporte  Pupilas não reativas ou com pouca reação à luz.


 Desenvolvimento de hemiplegia ou hemiparesia.
Para que se alcance o melhor resultado possível, vítimas com
LCT moderada e grave devem ser transportadas diretamente ao O mais importante para o paciente com LCT durante o trans-
centro de trauma com recursos de tomografia computadorizada e porte prolongado ou em ambientes hostis é a manutenção melhor
equipe de neurocirurgia disponível no plantão. Se estes serviços não possível da oxigenação e perfusão cerebrais e todos os esforços pos-
estiverem disponíveis, deve-se considerar o uso de transporte aero- síveis para controlar o edema cerebral.
médico da cena até um centro de trauma adequado, caso exista.
A frequência cardíaca, pressão arterial, SaO2 e escala de coma 7.7. Morte Cerebral e Doação de Órgãos
de Glasgow da vítima devem ser reavaliados e anotados em prontu-
ário a cada 5 ou 10 minutos durante o transporte. Deve-se preservar O diagnóstico de morte cerebral é feito quando não há evidên-
o calor do corpo da vítima durante o transporte. cias clínicas de função neurológica em um paciente aquecido, cujo
Existem controvérsias a respeito da melhor posição de uma estado mental não esteja alterado por sedativos ou paralisantes, e que
vítima com LCT. Em geral, as vítimas com LCT devem ser trans- esteja completamente reanimado com uma pressão arterial sistólica
portadas em posição supina, por causa da presença de outras lesões. acima de 90 mmHg e uma SpO2 acima de 90%.
Embora a elevação da cabeceira da maca ou da prancha rígida Há questões filosóficas, éticas e legais sobre o quanto do cére-
(posição de Trendelenburg reversa) possa diminuir a PIC, a pressão bro deve estar morto antes da perda da “personalidade”; desse modo,
de perfusão cerebral pode, também, ser prejudicada, especialmente a definição de morte cerebral varia por todo o mundo. Além disso,
se a cabeça for elevada a mais de 30°. vários hospitais e sistemas têm métodos diferentes para declaração
O hospital de destino deve ser comunicado, o mais rápido de morte cerebral. Os interessados devem informar-se em seu siste-
possível, para que os recursos necessários já estejam disponibiliza- ma local.
dos no momento da chegada da vítima. A comunicação por rádio Deve-se enfatizar, no entanto, que a morte cerebral não é o
deve incluir informações sobre o mecanismo de trauma, o escore na mesmo que “prognóstico irreversível”. A morte cerebral é um even-
escala de coma de Glasgow inicial, sinais focais (por exemplo, assi- to fisiológico no qual o cérebro morre enquanto o coração e os pul-
metria do exame motor, pupilas dilatadas uni ou bilateralmente) e mões ainda funcionam, normalmente através de suporte artificial.
sinais vitais, além de outras lesões graves. Quanto do cérebro deve morrer antes de se declarar morte cerebral é
questionável, mas não o fato de que é um evento fisiológico.
7.6. Transporte Prolongado Ao contrário, um prognóstico irreversível é uma avaliação
médica de que um bom resultado final não é mais possível em fun-
Como ocorre com todos os pacientes com suspeita de LCT, os ção das lesões presentes. Essa distinção é frequentemente confundi-
esforços devem concentrar-se na prevenção da lesão cerebral secun- da por profissionais da área médica, resultando em confusão e perda
dária. Os esforços para o controle das vias aéreas devem ser realiza- de credibilidade por parte do sistema médico.
dos enquanto se estabiliza a coluna cervical. A oxigenação deve ser Essa credibilidade é fundamental. pois as vítimas de LCT que
administrada para se manter um nível adequado de SpO2. Por causa têm morte cerebral constituem uma fonte importante de órgãos para
do risco de desenvolvimento de úlceras de pressão causadas pela transplantes. Apesar da presença de uma lesão cerebral fatal, cora-
permanência do paciente deitado em uma prancha rígida, o paciente ção, pulmões, fígado, rins, pâncreas e córneas de um indivíduo po-
deve ser colocado em uma prancha acolchoada, especialmente se o dem beneficiar outras pessoas com doenças crônicas. Conquistar a
tempo de transporte previsto for longo. Os pacientes devem ser mo- confiança e o apoio do público na obtenção desses órgãos é crucial
nitorados com oximetria de pulso contínua, e os sinais vitais para assegurar sua disponibilidade para aqueles que tão desesperada-
(incluindo frequência ventilatória, pulso, pressão arterial e escore na mente os necessitam. Para obter essa confiança, os familiares de
escala de coma de Glasgow) devem ser medidos de forma seriada. vítimas de LCT precisam primeiro ter certeza de que a reanimação
As pupilas devem ser periodicamente verificadas quanto à simetria e do cérebro lesado foi a prioridade da equipe de atendimento e, em
à resposta à luz. segundo lugar, quando a reanimação fracassa, precisam entender as
Hemorragias externas devem ser controladas. Lesões associa- questões relacionadas com a morte cerebral em contraposição a
das devem ser tratadas durante o trajeto até o hospital, e as fraturas situações fúteis. Uma compreensão nítida dessas questões permite
devem ser imobilizadas adequadamente tanto para o controle da que as famílias tomem boas decisões para elas mesmas e para seus
hemorragia interna quanto da dor. entes queridos, decisões com as quais podem conviver na medida
O tratamento adequado da hipertensão intracraniana no ambi- em que obtêm mais informações sobre as consequências do evento.
ente pré-hospitalar é um grande desafio, pois não é possível o moni- Quando se distorcem ou confundem essas questões, corrói-se a con-
toramento da PIC na cena. Embora o rebaixamento do escore na fiança dos familiares e a credibilidade do sistema de saúde e das
escala de coma de Glasgow possa representar aumento da PIC, tam- entidades que difundem a doação de órgãos. É essencial que os pro-
bém pode ser o resultado de piora da perfusão cerebral em decorrên- fissionais de saúde entendam as questões relacionadas com a morte
cia de choque hipovolêmico. Sinais de alerta de possível aumento da cerebral e que efetivamente comuniquem essas questões aos familia-
PIC e de herniação incluem: res das vítimas de LCT.
 Perda de 2 pontos ou mais na escala de coma de Glasgow.
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184 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 17
Traumatismo Raquimedular

A
então o lado esquerdo do cérebro controla a função motora do lado
direito do corpo e vice-versa.
cabeça humana pesa entre 7 e 10 kg, quase o À medida que a medula espinhal continua descendo, pares de
mesmo peso que uma bola de boliche. O peso e nervos ramificam-se da medula em cada vértebra e se estendem para
a posição da cabeça sobre o pescoço fino e flexível, as forças que as várias regiões do corpo (figura 261). Há 31 pares de nervos espi-
agem sobre a cabeça, o pequeno tamanho dos músculos de sustenta- nhais e são designados de acordo com o nível de onde eles emer-
ção e a fa1ta de costelas ou outros ossos contribuem para tornar a gem. Cada nervo tem duas raízes em cada lado. A raiz dorsal é para
coluna cervical particularmente suscetível a lesões. No nível da C3, a impulsos sensitivos, e a raiz ventral, para impulsos motores. Estímu-
medula espinhal ocupa perto de 95% do canal medular (a medula los neurológicos passam entre o cérebro e cada parte do corpo atra-
espinhal ocupa cerca de 65% da área do canal medular no final na vés da medula e pares específicos destes nervos. À medida que se
região lombar), e há somente 3 mm de espaço entre a medula e a ramificam da medula espinhal, estes nervos passam através de um
parede do canal. Mesmo um deslocamento pequeno neste ponto ponto no lado lateral inferior da vértebra, posterior ao corpo verte-
pode produzir uma compressão da medula espinhal. Os músculos bral, chamado de forame intervertebral. Discos intervertebrais seme-
posteriores do pescoço são muito fortes, permitindo até 60% de lhantes à cartilagem ficam entre os corpos de cada vértebra e agem
amplitude de flexão e 70% de amplitude de extensão da cabeça sem como amortecedores de choque (figura 262).
qualquer estiramento da medula. Entretanto, a aplicação violenta ao Esses ramos de nervos têm várias funções de controle, e seus
corpo de aceleração, desaceleração ou força lateral pode fazer com níveis na medula são representados por dermátomos. O dermátomo
que o peso significativo da cabeça na coluna cervical estreita amplie é uma área sensitiva do corpo que fica sob o controle de uma raiz
os efeitos de movimentos repentinos. Um exemplo disso seria uma
colisão traseira sem o ajuste adequado do encosto de cabeça do veí-
culo.

1. ANATOMIA DA MEDULA ESPINHAL

A medula espinhal é continuação do cérebro e começa na base


do tronco cerebral, passando através do forame magno (o orifício na
base do crânio) e através de cada vértebra até o nível da segunda
vértebra lombar (L2). O sangue é levado para a medula espinhal
pelas artérias vertebrais e espinhais.
A medula espinhal é constituída de substância cinzenta e bran-
ca. A substância branca contém os tratos espinhais. Os tratos espi-
nhais são divididos em dois tipos: ascendentes e descendentes.
Os tratos neurais ascendentes levam impulsos sensitivos das
regiões do corpo através da medula até o cérebro. Tratos neurais
ascendentes podem, ainda, ser divididos em tratos que levam as
diferentes sensações de dor e temperatura; tato e pressão; e impulsos
sensitivos de movimento, vibração, posição e toque leve. Os tratos
que levam as sensações de dor e temperatura “pelo” corpo seguem
por uma rota nervosa pela qual a informação do lado direito do cor-
po cruza para o lado esquerdo da medula espinhal, seguindo, então,
para o cérebro. Em contrapartida, o trato nervoso que carrega as
sensações de posição, vibração e toque leve não cruza a medula
espinhal. Estas informações sensoriais são levadas ao cérebro pelo
mesmo lado da rota nervosa da medula espinhal.
Os tratos neurais descendentes são responsáveis por levar
impulsos motores do cérebro para o corpo através da medula e con-
trolam todos os movimentos musculares e o tônus muscular. Estes
tratos descendentes também não cruzam a medula. Portanto, o trato
motor do lado direito da medula controla a função motora do lado
direito do corpo. Estes tratos motores cruzam no tronco cerebral, Fig. 261: Os nervos da coluna vertebral ramificam-se de cada lado da medula espi-
nhal para fornecer inervação motora e sensitiva ao tronco e às extremidades.
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

na como um amortecedor contra lesões durante movimentos rápidos


e intensos.

2. FISIOPATOLOGIA

Em geral, a coluna espinhal pode suportar forças de até 1.360


joules de energia. Deslocamentos em alta velocidade e esportes de
contato costumam aplicar forças acima dessa quantidade sobre a
coluna. Mesmo em colisão de veículo em velocidade baixa ou mo-
derada, o corpo não contido de uma pessoa de 68 kg pode facilmen-
te exercer de 4.080 a 5.440 joules de força contra a coluna, quando a
cabeça é repentinamente arremessada contra o pára-brisa ou o teto
do veículo. Força semelhante pode ocorrer quando o motociclista é
atirado por cima da moto ou quando o esquiador em alta velocidade
colide com uma árvore.
Fig. 262: A cartilagem entre cada um dos corpos vertebrais é chamada disco inter-
vertebral. Esses discos agem como amortecedores de choque. Se danificada, a carti-
lagem pode projetar-se para dentro do canal medular, comprimindo a medula ou os 2.1 Lesões do Esqueleto
nervos que passam através dos forames intervertebrais.

nervosa. Coletivamente, os dermátomos permitem que as áreas do Há vários tipos de lesão de coluna, e alguns deles são descritos
corpo sejam mapeadas para cada nível espinhal (figura 263). Os a seguir:
dermátomos podem ser usados para ajudar a determinar o nível da  Fraturas por compressão de uma vértebra, podendo pro-
lesão da medula espinhal. O socorrista deve ter em mente duas refe- duzir achatamento total do corpo ou compressão em cunha.
rências: o nível dos mamilos, correspondente ao dermátomo T4, e o  Fraturas que produzem pequenos fragmentos de osso, que
nível do umbigo, correspondente ao dermátomo T10. podem alojar-se no canal espinhal, próximo à medula.
O processo de inalação e exalação exige tanto a incursão do  Subluxação, que é o deslocamento parcial de uma vérte-
tórax quanto mudanças apropriadas na forma do diafragma. O dia- bra do seu alinhamento normal na coluna espinhal.
fragma é inervado pelos nervos frênicos, que se ramificam dos ner-  Superestiramento ou laceração dos ligamentos e múscu-
vos originários da medula entre os níveis C2 e C5. Se a medula aci- los, produzindo uma relação instável entre as vértebras.
ma do nível de C2 ou os nervos
frênicos forem cortados, ou de Quaisquer dessas lesões esque-
qualquer maneira interrompi- léticas podem resultar imediata-
dos, a vítima perde a capacidade mente em secção irreversível
de respirar espontaneamente. da medula, ou podem compri-
Estes pacientes necessitam, mir ou estirar a medula. Em
portanto, de ventilação com muitos pacientes, porém, a
pressão positiva assistida duran- lesão das vértebras resulta em
te o atendimento. uma coluna espinhal instável,
A medula espinhal é en- mas não produz uma lesão
volvida pelo líquido cefalorra- imediata da medula. Além
quidiano (LCR) e é envolta por disso, pacientes com lesão
um revestimento dural. Este espinhal também têm 10% de
revestimento dural cobre o cére- probabilidade de possuir algu-
bro e continua para baixo até a ma outra fratura espinhal. Por-
segunda vértebra sacra, onde há tanto, a coluna deve ser imobili-
um reservatório em forma de zada inteiramente em todos os
saco (grande cisterna). O LCR pacientes que apresentarem
produzido pelo cérebro passa ao suspeita de lesão na coluna
redor da medula e é absorvido espinhal.
nessa cisterna. O LCR desem- A ausência de déficit neu-
penha a mesma função para a rológico não elimina a possibi-
medula e para o cérebro: funcio- lidade de fratura óssea ou de
coluna instável. Embora a pre-
Fig. 263: Mapa de dermátomos mostrando a relação entre áreas de sensibilidade ao toque na
pele e os nervos espinhais que correspondem àquela área de sensação. A perda de sensação
naquela área pode indicar lesão no nervo espinha1.
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186 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 17 — Traumatismo Raquimedular

sença de respostas motoras e sensitivas adequadas nas extremidades ria ocorre após o traumatismo inicial e pode incluir edema, isquemia
indique que a medula está intacta no momento, ela não indica ausên- ou movimento de fragmentos ósseos.
cia de lesão nas vértebras nem nas estruturas ósseas ou partes moles Concussão da medula resulta de interrupção temporária das
associadas. Uma porcentagem significativa de pacientes com coluna funções da medula espinhal distal à lesão. Contusão da medula
instável não apresenta déficit neurológico. envolve ferimento ou sangramento nos tecidos da medula espinhal,
que pode, também, resultar em perda temporária das funções da
2.2. Mecanismos Específicos de Trauma que Causam Le- medula distal à lesão (“choque” medular). Choque medular é um
são Raquimedular fenômeno neurológico que ocorre durante um período variável e
imprevisível após a lesão da medula, resultando em perda da função
A carga axial pode ocorrer de vários modos. Mais comumen- sensitiva e motora, flacidez e paralisia e perda dos reflexos abaixo do
te, esta compressão da coluna ocorre quando a cabeça bate em um nível da lesão. A contusão da medula é via de regra causada por uma
objeto e o peso do corpo ainda em movimento atinge a cabeça para- lesão do tipo penetrante ou movimento de fragmentos ósseos. A
da, como por exemplo quando a cabeça de um ocupante não contido gravidade da lesão resultante da contusão está relacionada com a
bate no pára-brisa ou quando a cabeça bate contra um objeto em um magnitude de sangramento no tecido. Uma lesão ou interrupção da
incidente de mergulho em lugares rasos. Compressão e carga axial oferta de sangue para a medula pode resultar em isquemia local.
também ocorrem quando a vítima sofre uma queda de uma altura Compressão da medula é a pressão sobre a medula espinhal causa-
significativa e cai em pé. Isto dirige o peso da cabeça e tórax para da por edema que pode resultar em isquemia do tecido e, em alguns
baixo contra a coluna lombar, enquanto a coluna sacra permanece casos, pode necessitar de descompressão para evitar uma perda per-
parada. Cerca de 20% das quedas de uma altura maior do que 4,5 m manente da função. Laceração da medula ocorre quando o tecido
envolvem fratura associada da coluna lombar. Durante essa troca de da medula é lacerado ou cortado. O déficit neurológico pode ser
energia extrema, a coluna espinhal tende a exagerar suas curvas revertido se a medula sofreu apenas uma lesão leve, porém, pode
normais, e fraturas e compressões ocorrem nessas áreas. A coluna é resultar em incapacidade permanente se todos os tratos espinhais
em forma de S; por isso, pode-se dizer que as forças compressivas estiverem rompidos.
tendem a quebrar o “S” da vítima. Essas forças comprimem o lado A transecção da medula espinhal pode ser classificada como
côncavo e abrem o lado convexo da coluna. completa ou incompleta. Na transecção completa da medula, todos
Flexão excessiva (hiperflexão), extensão excessiva os tratos espinhais são interrompidos e todas as funções da medula
(hiperextensão) e rotação excessiva (hiper-rotação) podem causar distal ao local da lesão são perdidas. Em razão dos efeitos do edema,
lesões ósseas e dilaceração dos músculos e ligamentos, resultando a determinação real da perda da função não pode ser precisa até 24
em choque ou estiramento da medula espinhal. horas após a lesão. A maioria das transecções completas da medula
Inclinação lateral repentina ou excessiva requer muito me- resulta em paraplegia ou tetraplegia, dependendo do nível da lesão.
nos movimento do que flexão ou extensão antes que ocorra a lesão. Na transecção incompleta da medula, alguns tratos e funções mo-
Durante o impacto lateral, o tronco e a coluna torácica movem-se toras ou sensitivas permanecem intactos. O prognóstico para recupe-
lateralmente. A cabeça tende a permanecer no lugar até que seja ração é melhor do que com transecção completa. Tipos de lesões
puxada pelos ligamentos cervicais. O centro de gravidade da cabeça incompletas da medula incluem os seguintes:
fica acima e anteriormente à base e à ligação à coluna cervical; por- Síndrome anterior da medula é o resultado de fragmentos
tanto a cabeça tenderá a rolar lateralmente. Este movimento frequen- ósseos ou pressão nas artérias espinhais (figura 264). Sintomas inclu-
temente resulta em deslocamentos e em fraturas ósseas. em perda de função motora e sensação de dor, temperatura e sensa-
Extensão (superalongamento da coluna) ocorre quando uma ções de toque leve. Porém, algumas sensações de toque leve, movi-
parte da coluna está estável e o resto está em movimento longitudi- mento, posição e vibração são poupadas.
nal. Esta “separação violenta” da coluna pode facilmente causar
estiramento e dilaceração da medula. Lesão por extensão é um me-
canismo comum de lesão em incidentes em parquinhos para crian-
ças e em enforcamentos.
Embora qualquer um desses tipos de movimentos violentos
possa ser a causa dominante de lesão raquimedular em um dado
paciente, um ou mais dos outros, em geral, também estarão envolvi-
dos.

2.3. Lesões da Medula Espinhal

Lesão primária ocorre no momento do impacto ou da aplica-


ção da força e pode causar compressão da medula, lesão direta da
medula (em geral, por fragmentos ósseos pontiagudos ou instáveis) Fig. 264: Síndrome anterior da medula.
e/ou interrupção da oferta de sangue para a medula. Lesão secundá-

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Síndrome central da medula geralmente ocorre pela hiperex- normal ou bradicardia leve. Embora o paciente possa estar hipoten-
tensão da área cervical (figura 265). Os sintomas incluem fraqueza so, o “choque” neurogênico frequentemente não causa alteração da
ou parestesia nas extremidades superiores, mas a força é normal nas oxigenação para os tecidos periféricos.
extremidades inferiores. Esta síndrome causa graus variáveis de
disfunção da bexiga. 3. AVALIAÇÃO

A avaliação de lesão espinhal, como a de outras condições,


deve ser feita no contexto de outras lesões e condições presentes. O
exame primário é a primeira prioridade. Entretanto, esses problemas
frequentemente não podem ser avaliados ou atendidos sem mover a
vítima. Portanto, um levantamento rápido da situação e o histórico
da cena podem determinar se existe a possibilidade de lesão raqui-
medular; portanto, a coluna da vítima deve ser protegida manual-
mente. A menos que seja contra-indicado (ver discussão adiante), a
cabeça deve ser trazida a uma posição alinhada neutra. Deve ser
mantida nessa posição até que a imobilização manual seja substituí-
da por um dispositivo de imobilização para coluna como um KED
ou prancha rígida.
É realizado um exame neurológico rápido para identificar
Fig. 265: Síndrome central da medula. déficits óbvios relacionados com a lesão raquimedular. Pede-se que
o paciente mova os braços, as mãos e as pernas, e qualquer deficiên-
Síndrome de Brown-Séquard é causada por ferimento pene- cia em fazê-lo é registrada. Depois, verifica-se a presença ou ausên-
trante e envolve hemitransecção da medula (figura 266). Os sinto- cia de sensibilidade no paciente, começando nos ombros e descendo
mas incluem lesão completa da medula e perda da função no lado até os pés.
afetado (motor, vibração, movimento e posição) com perda de sen-
sação de dor e temperatura no lado oposto ao da lesão. 3.1. O Uso do Mecanismo de Trauma para Avaliar a Le-
são da Medula Espinhal

Tradicionalmente, aos socorristas foi ensinado que uma lesão


é baseada apenas no mecanismo de lesão, e que é necessária a imo-
bilização da coluna com equipamento específico em todos os paci-
entes com uma lesão por movimento. Esta generalização faz com
que não sejam especificadas orientações clínicas claras para avalia-
ção de lesões da coluna espinhal. Entretanto, a avaliação da necessi-
dade de imobilização espinhal também deve incluir uma avaliação
da função motora e sensitiva, a presença de dor ou sensibilidade e a
confiabilidade da vítima como indicadores de lesão da medula espi-
nhal. Talvez o paciente não reclame de dor na coluna espinhal em
virtude da dor associada a uma lesão mais contundente, como fratura
Fig. 266: Síndrome de Brown-Séquard. do fêmur. Ingestão de álcool e drogas também pode diminuir a sen-
sibilidade à dor e mascarar lesões mais sérias.
O choque neurogênico secundário à lesão da medula espinhal O principal foco do socorrista deve ser o reconhecimento das
representa um achado adicional significativo e é causado por dife- indicações para a imobilização da coluna, em vez de tentar definir
rentes mecanismos que resultam de déficits neurológicos produzidos que não existe lesão de coluna. Como muitos pacientes não apresen-
pela lesão. Lesão de fibras vasorreguladoras produz perda do tônus tam lesão raquimedular, é conveniente uma abordagem mais seleti-
simpático dos vasos ou vasodilatação. A pele fica quente e seca, a va para a realização de imobilização da coluna, especialmente por-
frequência cardíaca torna-se lenta, mas a pressão sanguínea é baixa. que foi demonstrado que a imobilização da coluna produz efeitos
Quando a medula é rompida, o mecanismo simpático compensató- adversos em voluntários saudáveis, incluindo aumento do esforço
rio do corpo não pode manter o controle dos músculos nas paredes respiratório, isquemia cutânea e dor. Os socorristas devem concen-
dos vasos sanguíneos abaixo do ponto de lesão. Essas artérias e arte- trar-se nas indicações adequadas para a realização da imobilização
ríolas dilatam-se, aumentando o tamanho do compartimento vascu- específica da coluna.
lar e produzindo hipovolemia relativa e perda parcial da resistência Caso não haja indicações após a realização de um exame cui-
vascular sistêmica. Em vez da taquicardia comumente associada ao dadoso e detalhado, pode não haver necessidade de imobilização da
choque hipovolêmico, esse tipo de lesão produz frequência cardíaca coluna. A pedra angular do tratamento correto da medula é a mesma

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188 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 17 — Traumatismo Raquimedular

para qualquer atendimento de trauma: avaliação superior com trata- raquimedular. Quando ocorre desaceleração repentina grave em
mento adequado e na hora certa. colisões de impacto frontal significativo, o tronco, contido, para
repentinamente, mas a cabeça, não contida, tenta continuar seu mo-
3.2. Trauma Fechado vimento para frente. A cabeça, segura pelos músculos posteriores
fortes do pescoço, pode mover-se apenas levemente para frente. Se a
As principais causas de lesão da coluna em adultos, em ordem força da desaceleração for intensa o bastante, a cabeça, então, gira
de frequência, são: para baixo até que o queixo toque a parede torácica, frequentemente
1. Colisões de veículos. girando sobre a parte diagonal do ombro do cinto de segurança. Esta
2. Incidentes de mergulho em lugares rasos. hiperflexão forçada e a rotação rápida do pescoço podem resultar em
3. Colisões de motocicletas. fraturas de compressão das vértebras cervicais, luxação ou trava-
4. Todas as outras lesões e quedas. mento das facetas (luxação dos processos articulares) e estiramento
5. Lesões esportivas. da medula espinhal. Mecanismos diversos também podem causar
trauma raquimedular em vítimas contidas durante colisões traseiras
As principais causas de trauma raquimedular em pacientes ou laterais. A intensidade do dano causado ao veículo e outras lesões
pediátricos incluem: do paciente são fatores-chave para determinar a necessidade de imo-
1. Quedas de lugares altos (geralmente 2 a 3 vezes a altura da bilização específica da coluna.
vítima). A capacidade de locomoção da vítima não deve ser um
2. Quedas de triciclo ou de bicicleta. fator determinante da necessidade de tratá-lo como se tivesse
3. Atropelamento por veículo automotor. lesão raquimedular. Um número significativo de vítimas que ne-
cessitam intervenção cirúrgica por lesões raquimedulares instáveis
Como parâmetro, o socorrista deve presumir que há lesão foi encontrado pelos socorristas deambulando no local do incidente
raquimedular e coluna instável nas seguintes situações, e deve ser ou entrou caminhando no serviço de emergência do hospital.
realizada uma avaliação da coluna para determinar a necessidade da
imobilização específica: 3.3. Trauma Penetrante
 Impacto violento na cabeça, no pescoço, no tronco, ou na
pelve por qualquer mecanismo (p. ex., agressões, encarceramento O trauma penetrante merece considerações especiais em ter-
em escombros de desabamento). mos de potencial de trauma de coluna. Em geral, quando o paciente
 Incidentes que produzam aceleração ou desaceleração não apresenta lesão neurológica definida no momento da ocorrência
repentina ou inclinação lateral do pescoço ou tronco (p. ex., colisões do trauma, há pouca probabilidade de lesão raquimedular. Isso gra-
de veículos motorizados em velocidade moderada a alta, atropela- ças ao mecanismo da lesão e à biomecânica associada à força em
mento de pedestres por veículos, envolvimento em explosões). questão. Objetos penetrantes não costumam produzir fraturas espi-
 Qualquer queda, principalmente em pacientes idosos. nhais instáveis como as lesões contusas, por apresentarem pouco
 Ejeção ou queda de veículo motorizado ou qualquer outro risco de lesões de ligamentos ou de lesões ósseas. Objetos penetran-
dispositivo de transporte (p. ex., patinetes, skates, bicicletas, veículos tes causam lesões no caminho da penetração. Se o objeto não ferir a
motorizados, motos, veículos de recreação). medula diretamente, o paciente terá pouca probabilidade de desen-
 Vítimas de acidente em águas rasas (p. ex., mergulho ou volver lesão raquimedular. Vários estudos mostraram que lesões
surfe sem prancha). instáveis raramente ocorrem após trauma penetrante na cabeça, no
pescoço ou tronco, e essas lesões não constituem indicações para
Outras situações comumente associadas a lesões raquimedula- imobilização da coluna, a menos que seja identificado um déficit
res incluem: neurológico. Em geral, as outras lesões criadas pelo trauma pene-
 Lesões na cabeça, com qualquer alteração no nível de trante exigem uma prioridade maior no tratamento do que as da
consciência. coluna.
 Danos significativos no capacete.
3.4. Indicações para Imobilização Específica da Coluna
 Lesão contusa importante do tronco.
 Fraturas por impacto ou outro tipo de desaceleração nas
Os mecanismos de lesão podem auxiliar a determinar a neces-
pernas ou nos quadris.
sidade de imobilização específica da coluna (ver algoritmo na próxi-
 Lesões localizadas significativas na área da coluna.
ma página). O ponto-chave é lançar mão de boas práticas clínicas
para fazer a avaliação e, em caso de dúvida, imobilizar.
Esses mecanismos de lesão exigem um exame detalhado e
No caso de pacientes que tenham sofrido lesões penetrantes
completo para determinar se há indicações para imobilização especí-
(p. ex., ferimentos com armas de fogo ou arma branca), na cabeça,
fica da coluna.
no pescoço e tórax, deve-se suspeitar de mecanismo de lesão preo-
Está comprovado que o uso correto do cinto de segurança
cupante quando houver queixas, sintomas ou achados neurológicos,
salva vidas e reduz lesões de crânio, face e tórax. Entretanto, o uso
como dormência, formigamento, perda da função motora ou sensiti-
de dispositivos de contenção não elimina a possibilidade de lesão
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Diretoria de Ensino e Instrução 189
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Observações para a execução do Algoritmo:

1 2
Mecanismos de Trauma Preocupante: Lesão que desvie a atenção:
 Qualquer mecanismo que produza um impacto violento na Qualquer lesão que possa alterar a capacidade do paciente
cabeça, no pescoço, tronco ou na pelve (por exemplo, para perceber outras lesões. Exemplos de lesões que desviam a
agressão, vítimas soterradas em desabamentos, etc). atenção incluem: a) fraturas de ossos longos; b) lesão visceral
 Incidentes que produzem aceleração ou desaceleração que necessite de avaliação cirúrgica; c) laceração extensa,
súbita, ou força de inclinação lateral no pescoço ou tronco desenluvamento ou esmagamento; d) queimaduras extensas,
(por exemplo: colisões automobilísticas em velocidades ou e) qualquer outra lesão que produza alteração funcional
moderadas ou altas, envolvimento em explosões, etc). aguda.
 Qualquer queda, especialmente em idosos.
 Ejeção ou queda de qualquer meio de transporte motoriza- 3
Incapacidade de se comunicar: Qualquer paciente que, por
do ou de propulsão (por exemplo, motoneta, skate, bicicle- razões não especificadas acima, não seja capaz de se comuni-
tas, veículos motorizados, motociclistas ou veículos de car com clareza, de modo a participar ativamente da sua avali-
recreação). ação. Exemplos: distúrbios da fala ou da audição, os que falam
 Vítimas de incidentes de mergulho em águas rasas. apenas língua estrangeira e crianças pequenas.
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Capítulo 17 — Traumatismo Raquimedular

va, ou, ainda, perda da consciência. Se não houver queixas ou acha-  Barreiras de comunicação. Problemas que podem advir
dos neurológicos, a coluna não precisa ser imobilizada (embora o de barreiras de língua, surdez, pouca idade ou qualquer outro impe-
uso de prancha rígida seja recomendado para o transporte). dimento à comunicação.
Algumas condições no trauma contuso apontam para a ne-
cessidade de imobilização espinhal: A confiabilidade da vítima deve ser continuamente verificada
em todas as fases de uma avaliação. Se em qualquer momento o
1. Alteração no nível de consciência, com escore na escala de paciente exibir os sinais ou sintomas que foram mencionados, deve-
coma de Glasgow menor do que 15. Qualquer fator que altere a se supor que o mesmo tenha lesão raquimedular, e devem ser imple-
percepção de dor do paciente dificultará a avaliação da lesão feita mentadas técnicas de imobilização completa da coluna.
pelo socorrista, incluindo: Na maioria dos casos, o mecanismo não é indicador de lesão
no pescoço (p. ex., queda com uma mão estendida, produzindo fra-
 Lesão craniencefálica. tura de Colles). Nesses casos, se critérios clínicos e avaliações apon-
 Estado mental anormal, além de lesão craniencefálica. Por tarem para a normalidade, a imobilização específica da coluna não é
exemplo, doentes psiquiátricos, portadores de Alzheimer ou pessoas necessária.
sob a influência do álcool têm a percepção de dor prejudicada.
 Reações de estresse agudo, a dor fica mascarada. 4. ATENDIMENTO

2. Dor ou sensibilidade na coluna. Incluem dor associada ou O atendimento de uma vítima com suspeita de coluna instável
não ao movimento, sensibilidade em um ponto, deformidade e posi- consiste em imobilização na posição supina sobre uma prancha
ção de defesa para evitar dor na região da coluna. rígida em posição alinhada neutra. A cabeça, o pescoço, o tronco e a
pelve devem ser imobilizados em posição alinhada neutra, para
3. Déficit ou sintoma neurológico. Incluem paralisia bilateral, impedir qualquer outro movimento de coluna instável que possa
paralisia parcial, paresia, dormência, formigamento ou cócegas e resultar em lesão da medula. A imobilização da coluna segue o prin-
déficit neurológico espinhal abaixo do nível da lesão. Em homens, cípio comum de atendimento de fraturas: imobilização da articula-
uma ereção contínua do pênis (priapismo) pode ser uma indicação ção acima e abaixo da lesão. Em virtude da anatomia da coluna
adicional de lesão da medula. espinhal e da interação causada pelas forças que afetam qualquer
parte da coluna, este princípio simplesmente precisa ser estendido à
4. Deformação anatômica da coluna. Inclui qualquer deformi- imobilização da coluna. De fato, a articulação acima da coluna signi-
dade perceptível no exame físico do paciente. fica que a cabeça deve ser imobilizada, e a “articulação abaixo”
significa que a pelve deve ser imobilizada.
A ausência desses sinais não exclui, porém, a possibilidade de Flexão anterior moderada ou extensão dos braços pode causar
lesão da coluna (Quadro 17-1). movimento significativo da cintura escapular. Qualquer movimento
No caso de pacientes com mecanismos de lesão preocupantes ou angulação da pelve resulta em movimento do sacro e das vérte-
e ausência das condições relacionadas, o socorrista deve considerar a bras ligadas a ele. Por exemplo, o movimento lateral de ambas as
confiabilidade do paciente. Pacientes confiáveis são calmos, coope- pernas juntas pode resultar em angulação da pelve e inclinação late-
rativos e sóbrios. Pacientes não confiáveis apresentam: ral da coluna.
 Embriaguez. Pacientes sob influência de drogas ou álcool Fraturas de uma determinada região da coluna estão frequen-
devem ser imobilizados e tratados como portadores de lesão raqui- temente associadas a fraturas de outras regiões da coluna. Portanto,
medular até que estejam calmos, cooperativos e sóbrios. toda a coluna que suporta o peso (cervical, torácica, lombar e sacra)
 Lesões que desviam a atenção. São lesões muito dolorosas deve ser considerada como uma estrutura, e a coluna inteira deve ser
que podem impedir o paciente de dar respostas confiáveis durante a imobilizada e apoiada para que seja obtida imobilização adequada.
avaliação. Exemplos dessas lesões incluem a fratura de fêmur ou A posição supina é a posição mais estável para assegurar sustentação
queimaduras profundas e extensas. continuada durante a manipulação, a condução e o transporte da
vítima. Também oferece ao socorrista o melhor acesso para exame
Quadro 17-1: Sinais e Sintomas de Trauma da Coluna
subsequente e para reanimação e atendimento adicional da vítima.
 Dor no pescoço ou nas costas; Quando o paciente está na posição supina, é fácil acessar simultane-
 Dor ao mexer o pescoço ou as costas;
amente vias aéreas, boca e nariz, olhos, tórax e abdome.
 Dor à palpação da região posterior do pescoço ou da
linha média das costas; Os pacientes apresentam-se, via de regra, em uma das quatro
 Deformidade da coluna vertebral; posições gerais: sentada, em semipronação, supina ou de pé. Os
 Defesa ou contratura da musculatura do pescoço ou das socorristas devem proteger e imobilizar a coluna do paciente imedia-
costas; ta e continuamente do momento em que ele é descoberto até que
 Paralisia, paresia, dormência ou formigamento nas per- esteja mecanicamente imobilizado na prancha rígida. Técnicas e
nas ou braços, em qualquer momento após o incidente; equipamentos como imobilização manual, pranchas curtas, coletes
 Sinais e sintomas de choque neurológico; de imobilização, padiolas articuladas, métodos de rolamento em
 Priapismo (em pacientes do sexo masculino).
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bloco apropriados ou retirada rápida com imobilização manual com- 4.2. Estabilização Manual Alinhada da Cabeça
pleta são de imobilização provisória para proteger a coluna da víti-
ma. Essas técnicas permitem a movimentação segura do paciente da Ao detectar uma situação de coluna espinhal instável de um
posição na qual ele foi encontrado até que se implemente imobiliza- mecanismo de trauma, a primeira providência do socorrista deve ser
ção total e completa em posição supina na prancha rígida. Um estu- a estabilização manual da cabeça do paciente. Isto deve ser feito
do recente sugere que um tipo de padiola articulada fabricada atual- segurando-a com cuidado e movendo-a até uma posição neutra, a
mente pode ser tão eficaz quanto uma prancha longa rígida padrão. menos que seja contra-indicado (ver a seguir). Uma posição alinha-
da neutra deve ser mantida manualmente sem tração significativa. A
Em geral, os socorristas concentram-se demais em dispositi- força exercida deve ser apenas suficiente para, em paciente sentado
vos específicos de imobilização, sem uma compreensão dos princí- ou de pé, remover o peso no sentido axial (aliviar o peso da cabeça
pios de imobilização e dos meios para modificar esses princípios de de cima do áxis e do resto da coluna cervical). A cabeça deve per-
modo que atendam às necessidades individuais da vítima. Dispositi- manecer em posição estável neutra, alinhada manualmente, até que a
vos e métodos de imobilização específicos podem ser usados com imobilização mecânica do tronco e da cabeça esteja completada.
segurança somente quando se entendem os princípios anatômicos, Dessa forma, a cabeça e o pescoço do paciente são imediatamente
que são genéricos para todos os métodos e equipamentos. Qualquer imobilizados e assim permanecem até o fim dos exames no hospital.
método detalhado e inflexível para uso de um dispositivo não atende Movimentar a cabeça para uma posição neutra alinhada apresenta
aos problemas variados encontrados no local do acidente. Indepen- menos risco do que transportar o paciente com a cabeça em posição
dentemente do equipamento ou do método específico usado, o aten- angulada. Além disso, a imobilização e o transporte são mais sim-
dimento a qualquer vítima com coluna instável deve seguir as etapas ples quando o paciente está em posição neutra.
descritas a seguir. Em alguns poucos casos, a movimentação da cabeça do paci-
ente para posição alinhada é contra-indicada. Se a movimentação
4.1. Método Geral cuidadosa da cabeça e do pescoço em direção a uma posição alinha-
da e neutra provocar qualquer uma das seguintes reações, ela deve
Sempre que houver a decisão de imobilizar a coluna de um ser imediatamente interrompida:
paciente traumatizado, o socorrista deve:
 Resistência ao movimento.
1. Mover a cabeça do paciente para uma posição alinhada e  Espasmos dos músculos do pescoço.
neutra (a menos que haja contra-indicação) (ver próxima seção).  Aumento da dor.
Manter apoio manual e estabilização alinhada todo o tempo.  Início ou aumento de déficit neurológico, como adormeci-
2. Realizar o exame primário do paciente e proceder às inter- mento, formigamento ou perda de habilidade motora.
venções necessárias.  Comprometimento das vias aéreas ou da ventilação.
3. Avaliar a capacidade motora, a resposta sensitiva e a circu-
lação de sangue nas quatro extremidades, se as condições do pacien- Se as lesões do paciente forem tão graves a ponto de a cabeça
te permitirem. estar fora de alinhamento e não parecer mais se estender da linha
4. Examinar o pescoço, medi-lo e aplicar um colar cervical média entre os ombros, não devem ser tentados movimentos de
adequado e eficaz. alinhamento neutro. Nesses casos, a cabeça do paciente deve ser
5. Posicionar o dispositivo, como colete de imobilização imobilizada na posição em que foi inicialmente encontrada. Feliz-
dorsal no paciente ou colocar o paciente sobre a prancha rígida. mente, tais casos são raros.
6. Imobilizar o tronco em um dispositivo (colete dorsal) de
modo que o tronco não possa se mover para cima, para baixo, para a 4.3. Colares Cervicais Rígidos
esquerda ou para a direita.
7. Avaliar a necessidade de acolchoar a área que se encontra Colares cervicais rígidos isolados não imobilizam adequada-
atrás da cabeça ou do tórax do paciente. mente, apenas ajudam a sustentar o pescoço e a impedir movimen-
8. Imobilizar a cabeça do paciente no dispositivo, mantendo tos. Eles limitam a flexão em quase 90% e limitam a extensão, a
posição alinhada neutra. flexão lateral e rotação em cerca de 50%. São importantes para auxi-
9. Com o paciente na prancha, imobilizar as pernas para im- liar a imobilização, devendo, porém, ser usados sempre com estabili-
pedir movimentos anteriores ou laterais. zação manual ou imobilização mecânica, realizada por dispositivos
10. Prender os braços do paciente na prancha rígida, com o adequados para a imobilização de coluna. Colares cervicais não
uso de tirantes. rígidos não servem como auxiliares à imobilização da coluna no
11. Reavaliar o exame primário e as funções motora, sensitiva local do trauma.
e circulatória nas quatro extremidades, se a condição do paciente A finalidade principal e específica do colar cervical é proteger
assim o permitir. a coluna cervical de compressão. Métodos de imobilização pré-
hospitalares (usando colete de estabilização ou pranchas) permitem
ainda uma ligeira movimentação, pois esses dispositivos se ajustam

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192 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 17 — Traumatismo Raquimedular

apenas externamente ao paciente, e o tecido muscular e a pele apre- 5. TRANSPORTE PROLONGADO


sentam algum movimento com relação à estrutura óssea, mesmo
que o paciente esteja muito bem imobilizado. A maior parte das Como ocorre com outras lesões, o transporte prolongado de
situações de salvamento envolve movimento ao carregar e portar o pacientes com lesões raquimedulares e da coluna suspeitas ou con-
paciente. Esse tipo de movimento também ocorre quando a viatura firmadas merece considerações especiais. Tendo sempre em mente
acelera e desacelera em condições normais de tráfego. o objetivo de se mover pacientes com suspeita de lesão raquimedu-
Um colar cervical eficiente se apóia sobre o peito, coluna torá- lar apenas uma vez, deve-se ter cuidado de acolchoar uma prancha
cica posterior, clavícula e músculo trapézio, onde o movimento de rígida antes de se fixar o paciente. Deve ser feita a estabilização da
tecido é mínimo. Ainda assim, há uma pequena possibilidade de coluna cervical e devem ser tomadas precauções com relação à mo-
movimento nas vértebras C6, C7 e T1, porém sem possibilidade da vimentação da coluna à medida que o paciente é colocado na pran-
sua compressão. A cabeça fica imobilizada sob o ângulo da mandí- cha acolchoada. Essa preocupação ajuda a reduzir o risco de desen-
bula e na região occipital do crânio. Um colar rígido faz com que a volvimento de úlceras de pressão em pacientes com lesão raquime-
carga inevitável entre cabeça e tronco seja transferida da coluna dular. Qualquer área em que possa haver pressão sobre o corpo do
cervical para o colar, eliminando ou minimizando a compressão paciente, especialmente sobre proeminências ósseas, deve ser sufici-
cervical que de outra forma ocorreria. entemente acolchoada.
Embora não imobilize totalmente, o colar cervical ajuda a Pacientes imobilizados em pranchas rígidas correm o risco de
limitar o movimento da cabeça. A porção anterior rígida do colar broncoaspirar, caso regurgitem. O aparelho de aspiração deve ser
também fornece um local seguro para a aplicação de um tirante de mantido próximo à cabeça do paciente, a fim de que seja facilmente
imobilização na parte inferior da cabeça, sobre o mento, onde deverá acessível caso ocorra vômito.
ser fixado um dos tirantes do estabilizador lateral de cabeça. Pacientes com lesões raquimedulares altas podem ter envolvi-
É importante que o colar seja do tamanho correto. Um colar mento do diafragma e dos músculos respiratórios acessórios (ou
pequeno demais não será eficaz e permitirá flexões importantes. Um seja, músculos intercostais), o que os predispõem à insuficiência
colar grande demais causará hiperextensão ou total movimentação respiratória. Uma insuficiência respiratória iminente pode ser agra-
se o queixo estiver na parte interior do colar. É importante também vada e acelerada pelos tirantes utilizados para imobilização da colu-
que o colar seja corretamente colocado. Se estiver frouxo, não será na, que restringem ainda mais a respiração. Antes de iniciar um
eficaz em sua função de limitar movimentos da cabeça e poderá, transporte prolongado, deve-se verificar muito bem para ter certeza
acidentalmente, cobrir o queixo, a boca e o nariz, obstruindo as vias de que o tronco do paciente está fixado na cintura escapular e na
aéreas do paciente. Um colar apertado demais pode comprimir as pelve, e não haja tirantes limitando a excursão da parede torácica.
veias do pescoço. Como descrito no texto, pacientes com lesões raquimedulares
O colar deve ser aplicado depois de colocar a cabeça do paci- altas podem apresentar hipotensão em decorrência da perda do tônus
ente em posição neutra alinhada. Se a cabeça não estiver alinhada e simpático (choque neurogênico). Outra característica importante da
em posição neutra, o uso do colar será mais difícil e não deve ser lesão cervical alta é a bradicardia.
cogitado. Nesse caso, o uso improvisado de um cobertor ou uma A presença de taquicardia combinada com hipotensão deve
toalha enrolada pode ajudar na estabilização. Um colar que não per- levantar a suspeita de choque hipovolêmico, e não neurogênico.
mita à mandíbula um movimento para baixo e à boca uma abertura Uma avaliação cuidadosa pode localizar a fonte da hemorragia,
sem provocar movimentação da coluna espinhal produzirá aspiração embora fontes intra-abdominais e fraturas pélvicas sejam as mais
de conteúdo gástrico para os pulmões em caso de vômito do pacien- prováveis.
te, devendo, portanto, ser evitado. Métodos alternativos de imobili- Pacientes com lesões medulares podem ter dor lombar acentu-
zação do paciente para os casos em que o colar não pode ser usado ada ou dor de fraturas associadas. O acolchoamento da prancha
podem incluir lençóis, toalhas e fitas. Os socorristas devem exercer descrito anteriormente também pode dar algum conforto em fraturas
sua criatividade diante de tais pacientes. Qualquer que seja o método da coluna.
usado, devem-se usar os conceitos básicos de imobilização. Pacientes com lesões raquimedulares perdem um pouco da
capacidade de regular a temperatura corporal, e esse efeito é mais
Quadro 17-2: Diretrizes para Utilização de Colares Cervi- pronunciado em lesões mais altas. Dessa forma, esses pacientes são
cais Rígidos sensíveis ao desenvolvimento de hipotermia, especialmente quando
 Seu uso isoladamente não imobiliza adequadamente. estiverem em um ambiente frio. Eles devem ser mantidos aquecidos
 Devem ser de tamanho adequado para cada paciente. (normotérmicos), mas lembre-se de que cobri-los com cobertores
 Não devem impedir a abertura da boca do paciente, es- em demasia pode provocar hipertermia.
pontânea ou realizada pelo socorrista caso ocorra vômi-
to.
 Não devem obstruir ou dificultar a ventilação.

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Capítulo 18
Traumatismo Torácico

O
2. MECANISMOS DE LESÃO

traumatismo torácico nos dias atuais assume Trauma direto – Neste mecanismo, a caixa torácica é golpea-
grande importância devido, em parte, à sua inci- da por um objeto em movimento ou ela vai de encontro a uma estru-
dência e, por outro lado, pelo aumento da gravidade e da mortalida- tura fixa. Nesse caso, a parede torácica absorve o impacto e o trans-
de das lesões. Isto se deve pelo aumento do número, poder energéti- mite à víscera. Além disso, nesse tipo de trauma é frequente que o
co e variedade dos mecanismos lesivos, como por exemplo, a maior indivíduo, ao perceber que o trauma ocorrerá, involuntariamente,
velocidade dos automóveis, a violência urbana, e dentro desta, o inspire e feche a glote, o que poderá causar um pneumotórax no
maior poder letal dos armamentos, além de outros fatores. As lesões paciente. No trauma direto, geralmente, ocorrem lesões bem delimi-
de tórax são divididas naquelas que implicam em risco imediato à tadas de costelas e mais raramente de esterno, coração e vasos, apre-
vida e que, portanto, devem ser pesquisadas no exame primário e sentando um bom prognóstico.
naquelas que implicam em risco potencial à vida e que, portanto, são Trauma por compressão – Muito comum em desmorona-
observadas durante o exame secundário. mentos, construção civil, escavações, etc. Apresenta lesões mais
Os traumas de tórax geralmente são de natureza grave, devido difusas na caixa torácica, mal delimitadas e, se a compressão for
ao fato de que na região torácica estão localizados órgãos vitais co- prolongada, pode causar asfixia traumática, apresentando cianose
mo coração e pulmões, além de estruturas vitais, como traquéia, cérvico-facial e hemorragia subconjuntival. Em crianças, este meca-
brônquios e grandes vasos. Assim, os traumatismos que atingem nismo é de primordial importância, visto que a caixa torácica é mais
essa região podem comprometer seriamente funções como a respira- flexível, podendo causar lesões extensas de vísceras torácicas
ção e a circulação. (Síndrome do Esmagamento) com o mínimo de lesão aparente. Em
determinadas situações, a lesão do parênquima pulmonar é facilitada
1. CLASSIFICAÇÃO pelo próprio paciente, quando o acidentado, na eminência do trau-
ma, “prende a respiração”, fechando a glote e contraindo os múscu-
1.1. Quanto ao Tipo de Lesão los torácicos, com o intuito de se proteger, mas aumenta demasiada-
mente a pressão pulmonar. No momento do choque, a energia de
 Aberto: são, de modo geral, os ferimentos. Os mais co- compressão faz com que aumente ainda mais essa pressão, provo-
muns são os causados por arma branca (FAB) e os por arma de fogo cando o rompimento do parênquima pulmonar e até de brônquios.
(FAF); Trauma por desaceleração (ou contusão) – Caracterizado
 Fechado: são as contusões. O tipo mais comum dessa por processo inflamatório em pulmão e/ou coração no local do im-
categoria de trauma é representado pelos acidentes automobilísticos. pacto, causando edema e presença de infiltrado linfomonocitário, o
que caracterizará a contusão. Nesse tipo de trauma, o paciente terá
1.2. Quanto ao Agente Causal dor local, porém sem alterações no momento do trauma. Após cerca
de 24 horas, no entanto, o paciente apresentará atelectasia ou quadro
 FAF. semelhante à pneumonia. No coração ocorre, geralmente, diminui-
 FAB. ção da fração de ejeção e alteração da função cardíaca (insuficiência
 Acidentes Automobilísticos. cardíaca, arritmias graves, etc.). Esse tipo de trauma é muito comum
 Outros. em acidentes automobilísticos e quedas de grandes alturas. O cho-
que frontal (horizontal) contra um obstáculo rígido, como, por e-
1.3. Quanto à Manifestação Clínica xemplo, o volante de um automóvel, causa a desaceleração rápida
da caixa torácica com a continuação do movimento dos órgãos intra-
torácicos, pela lei da inércia. Isto leva a uma força de cisalhamento
 Pneumotórax (hipertensivo ou não).
em pontos de fixação do órgão, causando ruptura da aorta logo após
 Hemotórax.
a emergência da artéria subclávia esquerda e do ligamento arterioso,
 Tamponamento cardíaco.
que são seus pontos de fixação. Na desaceleração brusca, o coração
 Contusão pulmonar.
e a aorta descendente báscula para frente rompendo a aorta no seu
 Lesão de grandes vasos (aorta, artéria pulmonar, veias ponto fixo. Já em quedas de grandes alturas, quando o indivíduo cai
cavas). sentado ou em pé, podem ocorrer lesões da valva aórtica.
 Outros. Traumas penetrantes – É o mecanismo mais comum de
traumas abertos. Pode ser causado criminalmente ou acidentalmente
por armas brancas, objetos pontiagudos, estilhaços de explosões,
projéteis de arma de fogo, etc. As armas brancas provocam lesões
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

mais retilíneas e previsíveis, pela baixa energia cinética. Já as armas A parede torácica deve ser levemente palpada com as mãos e
de fogo causam lesões mais tortuosas, irregulares, sendo por isso os dedos pesquisando-se a presença de pontos dolorosos, crepitação
mais graves e de mais difícil tratamento. (óssea ou enfisema de subcutâneo) e segmento instável da parede
torácica.
3. AVALIAÇÃO
4. FRATURAS DE COSTELAS
O atendimento do paciente deve ser orientado inicialmente
segundo os critérios de prioridade, comuns aos vários tipos de trau- Apesar de as costelas serem relativamente bem protegidas
mas: ABCD do trauma, que tem por objetivo manter a ventilação e pela musculatura sobrejacente, fraturas das costelas são comuns no
perfusão adequados, evitando, assim, as deficiências respiratórias e trauma torácico. As costelas superiores são amplas, espessas e parti-
circulatórias, respectivamente, pelo mecanismo de parada cardíaca cularmente bem protegidas pela cintura escapular e por músculos.
anóxica. Como é necessária uma grande energia para fraturar as costelas
Vias Aéreas. Aqui se deve certificar a permeabilidade das vias superiores, esse paciente tem risco de apresentar outras lesões signi-
aéreas. A sensação tátil e ruidosa pelo nariz e boca do paciente nos ficativas como, por exemplo, ruptura traumática da aorta. A localiza-
orienta sobre elas e também sobre distúrbios na troca gasosa. Tam- ção mais comum de fratura de costelas é a face lateral das costelas 4
bém podem ser notados sinais de insuficiência respiratória. A orofa- a 8, onde são finas e menos protegidas pela musculatura. A ponta
ringe sempre deve ser examinada à procura de obstrução por corpos quebrada da costela pode lesar o músculo, pulmões e vasos sanguí-
estranhos, particularmente em pacientes com alterações da consciên- neos, com a possibilidade de contusão pulmonar associada. Fraturas
cia. simples de costelas, por si só, raramente representam risco de morte
Respiração. A frequência respiratória e os sinais de dificulda- no adulto. As fraturas das costelas inferiores podem associar-se a
des respiratórias (dispnéia, contrações dos músculos respiratórios lesão de baço e fígado. A compressão pulmonar pode levar à ruptura
acessórios do pescoço, batimento da asa do nariz) devem ser obser- dos alvéolos. Uma particularidade do trauma pediátrico é que as
vados. A ferramenta mais importante de avaliação talvez seja a me- crianças apresentam muito menos fraturas costais pela maior elasti-
dida repetida da frequência respiratória. À medida que os pacientes cidade dos ossos, fazendo com que lesões internas por compressão
ficam hipóxicos e pioram, uma indicação precoce dessa mudança é possam ocorrer sem o aparecimento de fraturas.
um aumento gradual da frequência respiratória. Observar a simetria
da parede torácica durante a respiração. Há alguma porção da parede Avaliação. Pacientes com fraturas simples das costelas podem
torácica que se move paradoxalmente com a respiração (em vez de apresentar poucos sintomas. Frequentemente se queixam de dor
se mover para fora durante a inspiração, ela sofre colapso para den- torácica e possível crepitação à palpação de ponto localizado
tro, e vice-versa, durante a expiração)? As vítimas de trauma toráci- (fraturado) e, talvez, falta de ar. Podem respirar com dificuldade.
co provavelmente apresentarão dor torácica, que pode ser aguda, em
pontada ou constritiva. Frequentemente, a dor piora aos esforços Conduta. O tratamento inicial das vítimas com fraturas sim-
respiratórios ou à movimentação. O paciente pode relatar uma sen- ples de costelas é o alívio da dor, e pode incluir a tranquilização do
sação de respiração curta ou de não conseguir respirar adequada- paciente, a imobilização adequada para redução do movimento das
mente. Ele pode estar apreensivo ou com tontura, caso esteja sob costelas fraturadas usando uma tipóia. É importante tranquilizá-lo,
iminência de choque. É importante lembrar que a ausência de sinto- tendo sempre em mente a possibilidade de deteriorização da ventila-
mas não significa ausência de lesão. ção e desenvolvimento de choque. O paciente deve ser estimulado a
Circulação. Para sua avaliação faz-se o monitoramento da manter respirações profundas e a tossir para evitar o colapso dos
pressão arterial, do pulso — qualidade, frequência, regularidade. Ex: alvéolos (atelectasia) e o desenvolvimento de pneumonia e de outras
os pacientes hipovolêmicos podem apresentar ausência de pulsos complicações. Medidas como enfaixamento torácico devem ser
radiais e pediosos, bem como de estase jugular e perfusão tecidual. evitadas, por serem pouco eficientes e por restringirem a mobili-
Estes parâmetros são muito úteis para uma avaliação geral do siste- zação torácica, dificultando a fisioterapia e predispondo a infec-
ma cardio-circulatório. A colocação de um oxímetro de pulso para ções pulmonares. A administração de oxigênio e o suporte ventila-
avaliar a saturação arterial de oxigênio é útil na avaliação do paciente tório podem ser necessários.
traumatizado.
A etapa seguinte na avaliação é a realização do exame físico. 5. TÓRAX INSTÁVEL
O paciente é observado quanto à palidez cutânea e sudorese, o que
pode indicar a presença de choque. O paciente também pode parecer A instabilidade do tórax ocorre quando duas ou mais costelas
apreensivo. A presença de cianose (coloração azulada da pele, espe- adjacentes são fraturadas em pelo menos dois lugares. Isso faz com
cialmente ao redor da boca e nos lábios) pode ser evidente na hipó- que um segmento da parede torácica passe a não apresentar mais
xia avançada. A traquéia está na linha média, ou desviada para um continuidade com o restante do tórax. A força necessária para produ-
dos lados? As veias jugulares estão distendidas? Observar a presen- zir tal lesão leva a crer que haverá contusão pulmonar subjacente.
ça de contusões, abrasões e lacerações. Dessa forma, o paciente apresenta duas fontes de problemas respira-
tórios: o segmento atingido e a contusão pulmonar subjacente. Co-

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196 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 18 — Traumatismo Torácico

mo o segmento atingido não está conectado à parede torácica circun- 6. CONTUSÃO PULMONAR
dante, ele tende a se mover de forma paradoxal durante a respiração.
Quando os músculos respiratórios se contraem para movimentar as Quando o tecido pulmonar é lacerado ou rompido por meca­
costelas para cima e para fora e abaixar o diafragma, o segmento nismos contusos ou penetrantes, o sangramento nos espaços aéreos
atingido paradoxalmente se move para dentro em resposta à pressão alveolares pode causar contusão pulmonar. A principal anormalida-
negativa que é criada dentro da cavidade torácica (figura 267). Esse de fisiológica é o impedimento da troca gasosa, já que o ar não entra
movimento paradoxal do segmento atingido torna a ventilação inefi- nesses alvéolos. A presença de sangue e de edema no tecido entre os
ciente. O grau de ineficiência está diretamente relacionado com o alvéolos dificulta ainda mais a troca gasosa nos alvéolos que são
tamanho do segmento atingido. Como descrito anteriormente, o ventilados. Como observado anteriormente, a contusão pulmonar
segundo problema é a contusão pulmonar, que não permite a troca está quase sempre presente no paciente com um tórax flácido. A
gasosa na porção contundida do pulmão por causa do encharcamen- contusão pulmonar é uma complicação comum e potencialmente
to alveolar. letal da lesão torácica.
Avaliação. Os achados na avaliação do paciente são variáveis,
dependendo da gravidade da contusão (percentagem de pulmão
envolvida). A avaliação inicial pode não revelar dificuldade respira-
tória. É necessário um alto índice de suspeição, particularmente na
presença de um segmento afundado.
Conduta. A conduta se baseia no suporte ventilatório. Deve
ser administrado oxigênio suplementar. O socorrista deve reavaliar
repetidamente a frequência respiratória e verificar a oximetria de
pulso (assegurando que ela permaneça em pelo menos 95%) e o
grau de desconforto respiratório do paciente. O suporte ventilatório
com máscara facial associada a balão dotado de válvula unidirecio-
nal pode ser necessário.

Fig. 267: Movimento paradoxal. Se a estabilidade da parede torácica foi perdida por
costelas fraturadas em dois ou mais locais, quando a pressão intratorácica diminui
durante a inspiração, a pressão externa do ar força a parede torácica para dentro.
Quando a pressão intratorácica aumenta durante a expiração, a parede torácica é
forçada para fora.

Avaliação. Como ocorre na fratura simples de costela, a avali-


ação do afundamento de tórax mostra um paciente com dor. No
entanto, a dor é tipicamente mais intensa, e o paciente normalmente
parece estar em sofrimento. A frequência respiratória se eleva, e o
paciente não consegue respirar profundamente. Pode haver hipóxia
como evidenciado por oximetria de pulso ou cianose. O movimento
paradoxal pode não ser evidente ou fácil de ser identificado. Inicial-
mente, o espasmo dos músculos intercostais pode prevenir uma Fig. 268: Contusão Pulmonar.
movimentação paradoxal, mas à medida que esses músculos entram
em fadiga, o segmento instável torna-se cada vez mais óbvio. O 7. PNEUMOTÓRAX
paciente apresenta sensibilidade e potencialmente crepitação óssea
sobre o segmento afetado. A instabilidade do segmento também O pneumotórax está presente em até 20% das lesões torácicas
pode ser observada à palpação. graves. Os três tipos de pneumotórax representam níveis crescentes
de gravidade: simples, aberto e hipertensivo.
Conduta. O tratamento do afundamento de tórax é voltado Um pneumotórax simples é causado pela presença de ar no
para alívio da dor, suporte ventilatório e monitoramento de uma espaço pleural. À medida que a quantidade de ar no espaço pleural
possíve1 piora do quadro. A frequência respiratória pode ser o parâ- aumenta, o pulmão naquele lado sofre colabamento (figura 269). O
metro mais importante a ser observado. A oximetria de pulso, se pneumotórax aberto (também chamado “ferimento torácico aspira-
disponível, também é útil para detectar hipóxia.O oxigênio deve ser tivo”) envolve um pneumotórax associado a um defeito na parede
administrado. O suporte ventilatório com máscara facial associada a torácica que permite que o ar proveniente do exterior entre e saia do
balão dotado de válvula unidirecional pode ser necessário espaço pleural com esforço ventilatório. O pneumotórax hipertensi-
(principalmente com tempos de transporte prolongados). Tentativas vo ocorre quando o ar continua a entrar no espaço pleural, sem um
de estabilização do segmento afundado são contra-indicados. trajeto para que saia. Isso produz um aumento da pressão dentro do
espaço pleural, comprometendo a função circulatória.

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dentro do pulmão. Alguns pacientes podem ter fluxo de ar para o


interior do espaço pleural com a inspiração, mas não há fluxo para
fora durante a expiração, criando um defeito em válvula de bola.
Esse fato cria as condições para o desenvolvimento de um pneumo-
tórax hipertensivo.
Mecanismos que levam ao pneumotórax aberto incluem feri-
mentos por arma de fogo, ferimentos por arma branca, empalamen-
tos e, ocasionalmente, trauma contuso.

Avaliação. A avaliação do paciente com pneumotórax aberto


geralmente revela insuficiência respiratória evidente. O paciente
estará ansioso e taquipnéico, e o pulso radial, filiforme. A observa-
ção da parede torácica revela o ferimento, que pode produzir ruídos
audíveis de aspiração durante a inspiração, com borbulhamento
Fig. 269: O ar no espaço pleural comprime o pulmão, diminuindo a quantidade que
durante a expiração.
pode ser ventilada e, portanto, diminuindo a oxigenação do sangue que sai do pul-
mão.
Conduta. O tratamento inicial de um paciente com pneumotó-
7.1. Pneumotórax Simples rax aberto envolve o fechamento do orifício no tórax e o forneci-
mento de oxigênio suplementar. O fluxo de ar através do ferimento
Avaliação. A avaliação no pneumotórax simples provavel- normalmente pode ser interrompido pela aplicação de um curativo
mente demonstra achados similares àqueles da fratura de costelas. O valvulado no ferimento, que é fixado em três lados. Isso evita a en-
paciente frequentemente se queixa de dor torácica pleurítica e pode trada de fluxo de ar na cavidade torácica durante a inspiração, ao
exibir sintomas e sinais variáveis de disfunção respiratória. Em qual- mesmo tempo em que permite que o ar escape através do lado frou-
quer paciente com desconforto respiratório deve-se suspeitar de xo do curativo durante a expiração (figura 270).
pneumotórax.
Conduta. Um ponto fundamental é o reconhecimento de que
um pneumotórax simples pode evoluir para um pneumotórax hiper-
tensivo a qualquer momento. O paciente deve ser monitorado quan-
to ao desenvolvimento de pneumotórax hipertensivo. O socorrista
deve administrar oxigênio suplementar e estar preparado para efetu-
ar o tratamento do choque, caso ele se desenvolva. Caso não seja
necessário imobilizar a coluna, o paciente pode ficar mais confortá-
vel em uma posição semi-sentada. O transporte rápido é essencial.
Deve ser considerado o acionamento de uma unidade de suporte
avançado à vida.

7.2. Pneumotórax Aberto Fig. 270: A fixação de um pedaço de papel metálico ou de plástico na parede torácica
em três lados cria um efeito de válvula que permite que o ar escape e não entre no
O pneumotórax aberto, do mesmo modo que o pneumotórax espaço pleural.

simples, envolve a entrada de ar no espaço pleural, causando o cola- Caso essas medidas não consigam fornecer o suporte necessá-
bamento pulmonar. No tipo aberto, um defeito na parede torácica rio ao paciente, a ventilação assistida com pressão positiva pode ser
produz uma comunicação entre o ar ambiente e o espaço pleural. necessária. Se for utilizada pressão positiva, o socorrista deve moni-
Quando o paciente tenta inspirar, o ar atravessa a ferida e penetra o torar o paciente cuidadosamente quanto ao desenvolvimento de
espaço pleural devido à pressão negativa criada na cavidade torácica pneumotórax hipertensivo. Caso surjam sinais de aumento do esfor-
à medida que os músculos de respiração se contraem. Em ferimen- ço respiratório, o curativo sobre o ferimento deve ser removido para
tos maiores, pode haver um fluxo livre de ar entrando e saindo do permitir a descompressão de qualquer tensão acumulada.
espaço pleural com as diferentes fases da respiração. Esse fluxo Um paciente com pneumotórax aberto quase sempre tem le­
anormal de ar através da parede torácica pode ocorrer preferencial- são pulmonar adjacente. Dessa forma, duas fontes podem permitir o
mente à custa do fluxo normal através das vias aéreas superiores extravasamento de ar para dentro do espaço pleural: o orifício na
para dentro do pulmão, pois a resistência ao fluxo através do feri- parede torácica e o orifício no pulmão. Mesmo se uma lesão da pare-
mento é frequentemente menor do que através das vias aéreas, parti- de torácica estiver selada com um curativo oclusivo, o extravasa-
cularmente quando a lesão for grande. Há, então, inibição da ventila- mento de ar para dentro do espaço pleural pode continuar pelo pul-
ção eficiente por colabamento do pulmão no lado atingido, com mão lesado, propiciando as condições para um pneumotórax hiper-
fluxo de ar preferencial para dentro do espaço pleural, e não para tensivo (figura 271).

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Fig. 271: Devido à grande proximidade da parede torácica com o pulmão, é muito difícil que a parede torácica seja lesada por um
ferimento penetrante e o pulmão não seja afetado. Fechar o orifício na parede torácica não diminui necessariamente a saída de ar para
dentro do espaço pleural; o ar pode escapar do pulmão com a mesma facilidade.

7.3. Pneumotórax Hipertensivo da troca gasosa. O resultado final pode ser hipóxia e insuficiência
respiratória franca.
O pneumotórax hipertensivo é uma emergência potencial­ Qualquer paciente com lesão torácica apresenta risco de de-
mente fatal. Caso o ar continue a penetrar o espaço pleural e não seja senvolvimento de pneumotórax hipertensivo. Apresentam um risco
retirado, a pressão intratorácica se eleva. Este fato tem duas conse- particularmente aumentado os pacientes com probabilidade de ter
quências devastadoras: dificuldade respiratória e choque. A pressão pneumotórax (por exemplo, paciente com sinais de fratura de coste-
crescente no lado acometido do tórax empurra as estruturas do medi- las), os que têm um pneumotórax diagnosticado (por exemplo, paci-
astino para o lado, em direção ao hemitórax (figura 272). Essa dis- ente com uma ferida penetrante do tórax) e os com lesão torácica
torção da anatomia impede o retorno venoso ao coração através da que estão sendo submetidos à ventilação com pressão positiva. Esses
veia cava inferior retorcida e torna mais difícil a insuflação do pul- pacientes devem ser monitorados de perto e transportados para um
mão no lado atingido ao restringir o espaço dentro do qual ele pode hospital equipado o mais rápido possível.
se expandir. O resultado pode ser choque descompensado. O com- Pacientes com lesões medulares podem ter dor lombar acentu-
prometimento respiratório é causado pelos mesmos processos. O ada ou dor de fraturas associadas. O acolchoamento da prancha
deslocamento das estruturas mediastinais para dentro do tórax não descrito anteriormente também pode dar algum conforto em fraturas
atingido comprime o pulmão naquele lado, aumentando o trabalho da coluna.
necessário para preenchê-lo com ar. Ao mesmo tempo, o pulmão no
lado atingido sofre colabamento e não participa significativamente Avaliação. Os achados da avaliação dependem da quantidade
de pressão acumulada no espaço pleural. Inicialmente, os pacientes
exibem apreensão e desconforto. Em geral, queixam-se de dor torá-
cica e pelo menos respiração superficial. À medida que a tensão
piora, exibem agitação crescente e sofrimento respiratório. Nos ca-
sos graves, pode ocorrer cianose e apnéia. Achados físicos que po-
dem existir são: desvio traqueal em direção contrária ao lado da
lesão, turgência venosa jugular e crepitação da parede torácica. A
taquicardia e a taquipnéia ficam cada vez mais acentuadas à medida
que a pressão intratorácica se eleva, culminando em hipotensão e
choque descompensado.
Conduta. A prioridade do tratamento é a descompressão do
pneumotórax hipertensivo. No paciente com pneumotórax aberto, se
foi aplicado um curativo oclusivo, ele deve ser removido por vários
segundos. Isso deve permitir que o pneumotórax hipertensivo seja
descomprimido através do ferimento com um jato de ar. Esse proce-
dimento pode ter que ser repetido periodicamente durante o trans-
Fig. 272: Pneumotórax hipertensivo. Se a quantidade de ar no espaço pleural conti- porte se ocorrerem sintomas hipertensivos. É imperativo o transporte
nuar a aumentar, não apenas o pulmão do lado afetado sofre colabamento, mas o rápido para um hospital de referência enquanto se administra oxigê-
mediastino também é desviado para o lado oposto. O pulmão no lado oposto então
sofre colabamento e a pressão intratorácica aumenta, o que diminui o fluxo sanguí- nio em alta concentração (≥ 85%).
neo capilar e comprime a veia cava.
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8. HEMOTÓRAX

A presença de sangue no espaço pleural constitui um hemotó­


rax. Como o espaço pleural pode acomodar 2,5 a 3 litros de sangue,
o hemotórax pode representar uma fonte de perda sanguínea impor-
tante. Na verdade, a perda da volemia decorrente do sangramento
para o espaço pleural representa uma agressão fisiológica maior para
o paciente com lesão torácica do que o colabamento do pulmão
causado pelo hemotórax (figura 273). É raro que se acumule sangue
suficiente para criar um “hemotórax hipertensivo”. Os mecanismos
causadores do hemotórax são os mesmos que causam os vários tipos
Fig. 273: Hemotórax. A quantidade de sangue que pode se acumular na cavidade
de pneumotórax. O sangramento pode ter origem na parede da mus- torácica (causando hipovolemia) gera uma situação muito mais grave do que a
culatura torácica, nos vasos intercostais, no parênquima pulmonar, quantidade de pulmão comprimida pelo sangue perdido.
nos vasos pulmonares ou nos grandes vasos do tórax. ente no volante de um veículo durante a colisão de um carro contra a
Avaliação. A avaliação revela um paciente com algum des- pilastra de uma ponte. O coração é então comprimido entre o ester-
conforto. Dor torácica e respiração superficial novamente são carac- no, anteriormente, e a coluna vertebral, posteriormente (figura 274).
terísticas proeminentes. O socorrista deve buscar ativamente sinais Essa compressão do coração produz um aumento abrupto na pres-
de choque: palidez, confusão mental, taquicardia, taquipnéia e hipo- são dentro dos ventrículos várias vezes maior do que a pressão nor-
tensão. Pode haver pneumotórax associado ao hemotórax, aumen- mal, causando uma contusão cardíaca, algumas vezes lesão valvular
tando a probabilidade de comprometimento cardiorrespiratório. e raramente ruptura cardíaca, da seguinte forma:
Conduta. A conduta inclui observações seriadas para detectar  Contusão cardíaca. A consequência mais comum de com-
deterioração fisiológica e a instituição de suporte adequado. Deve ser pressão cardíaca é a contusão cardíaca: o músculo cardíaco é con-
administrado oxigênio em alta concentração, e deve haver suporte tundido, com níveis variáveis de lesão às células miocárdicas. Isso
ventilatório, se necessário, com máscara facial associada a balão frequentemente causa arritmias cardíacas como, por exemplo, taqui-
dotado de válvula unidirecional. O transporte rápido para um hospi- cardia sinusal. Mais preocupantes, mas menos comum, são as extra-
tal equipado capaz de fazer intervenções cirúrgicas imediatas com- sístoles ventriculares (ESV) ou os ritmos de não-perfusão, como
pleta o algoritmo do tratamento para o hemotórax. taquicardia ventricular (TV) e fibrilação ventricular (FV). Se parte
suficiente de miocárdio for lesada, a contratilidade do coração pode-
Embora os sinais seguintes sejam frequentemente discutidos em rá ser prejudicada, e o débito cardíaco cairá, causando choque cardi-
relação a um pneumotórax hipertensivo, muitos podem não estar
ogênico. Diferentemente de outras formas de choque encontradas
presentes ou ser de difícil identificação no local de atendimento:
 O desvio da traquéia é em geral um sinal tardio. No pescoço, a normalmente em um quadro de trauma, esse choque não melhora
traquéia está ligada à coluna cervical pela fáscia e por outras com administração de líquidos e pode, inclusive, piorar.
estruturas de suporte; dessa forma, o desvio da traquéia é mais  Ruptura valvular. A ruptura das estruturas de suporte das
um fenômeno intratorácico, embora possa ser sentido, caso seja valvas cardíacas ou das próprias valvas torna-as tipicamente incom-
acentuado. O desvio da traquéia não é observado com frequên- petentes. O paciente apresenta graus variáveis de choque com sinto-
cia no ambiente pré-hospitalar. Mesmo quando está presente,
pode ser de difícil diagnóstico pelo exame físico.
 A distensão das veias do pescoço é descrita como um sinal clás-
sico de pneumotórax hipertensivo. No entanto, uma vez que o
paciente com pneumotórax hipertensivo também pode ter uma
perda sanguínea acentuada, a distensão das veias do pescoço
pode não ser muito evidente. Se o paciente estiver com uma
calça pneumática antichoque (PASG), as veias do pescoço po-
dem estar distendidas pelo uso do dispositivo, e não pela exis-
tência de pneumotórax hipertensivo.
 A cianose dificilmente é observada no local de atendimento.
Iluminação ruim, variação na cor da pele e sujeira e sangue asso-
ciados ao trauma frequentemente tornam esse sinal não confiá-
vel.

9. CONTUSÃO CARDÍACA

A causa mais frequente de lesão cardíaca é a aplicação de for­


Fig. 274: O coração pode ser comprimido entre o esterno (quando o esterno
ça na região anterior do tórax, especialmente em um evento de desa- para contra a coluna de direção ou o painel) e a parede torácica posterior (à
celeração como, por exemplo, em um acidente automobilístico com medida que a parede prossegue em seu movimento para frente). Isso pode
contundir o miocárdio.
impacto frontal. Um exemplo seria o impacto do tórax de um paci-

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mas e sinais de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), como por atendimento para se obter um bom resultado final. O pericárdio
exemplo taquipnéia. normal do adulto pode ser capaz de acomodar até 300 ml de líquido,
 Ruptura cardíaca contusa. Um evento raro, ocorre em antes de ocorrer a ausência de pulso, mas normalmente bastam 50
menos de 1 % dos pacientes com trauma torácico fechado. A maio- ml para impedir o retorno cardíaco e, dessa forma, o débito cardíaco.
ria desses pacientes morre no local de atendimento por exsanguina- A causa mais frequente de tamponamento cardíaco é um feri-
ção ou tamponamento cardíaco fatal. Os sobreviventes apresentam- mento por arma branca no coração, que pode penetrar uma das câ-
se com tamponamento cardíaco, como discutido a seguir. maras cardíacas ou apenas lacerar o miocárdio. Em qualquer um dos
Avaliação. A avaliação do paciente com contusão cardíaca casos, ocorre sangramento no saco pericárdico. A elevação da pres-
revela um mecanismo de trauma que transmitiu impacto frontal no são dentro do pericárdio resulta na fisiologia do tamponamento car-
centro do tórax do paciente. Uma coluna de direção distorcida acom­ díaco. Ao mesmo tempo, a pressão aumentada dentro do pericárdio
panhada por contusões sobre o esterno sugere um mecanismo desse pode tamponar temporariamente o sangramento decorrente do feri-
tipo. Como ocorre com outras lesões torácicas, o paciente provavel- mento cardíaco, permitindo a sobrevida. No caso de ferimentos por
mente se queixa de dor torácica ou falta de ar. Caso existam arritmi- arma de fogo no coração, o dano ao coração e ao pericárdio é tão
as, o paciente pode se queixar de palpitações. Os achados físicos grave que o pericárdio não consegue conter a hemorragia, resultando
preocupantes são contusões ou crepitação sobre o estemo e instabili- em uma rápida exsanguinação. O mesmo ocorre no caso de empala-
dade esternal. Havendo flutuação do esterno (afundamento do ester- mentos. A ruptura por contusão da câmara cardíaca pode causar
no), as costelas em um dos lados do esterno estarão quebradas, per- tamponamento cardíaco, porém, mais frequentemente, causa hemor-
mitindo que ele se mova paradoxalmente com as respirações de ragia por exsanguinação.
forma similar ao afundamento de tórax, como descrito anteriormen- Deve-se sempre ter em mente a possibilidade de tampo­
te. namento pericárdico na avaliação de qualquer paciente com lesão
Conduta. A estratégia crucial da conduta do socorrista é a torácica penetrante. O nível de suspeição deve seguir o preceito
avaliação correta da possibilidade de existência de lesão cardíaca “presente até prova em contrário” quando a lesão penetrante estiver
contusa e a comunicação dessa preocupação, juntamente com os em um retângulo (a caixa cardíaca), formada por uma linha horizon-
achados clínicos, à equipe do hospital que receberá o paciente. En- tal ao longo das clavículas, linhas verticais que passam pelos mami-
quanto isso, deve ser administrado oxigênio em alta concentração. los e pelas margens costais e uma segunda linha horizontal que co-
Como sempre, medidas de suporte ventilatório devem ser imple- necta os pontos de interseção entre as linhas vertical e a margem
mentadas, se indicadas. costal (figura 276). A presença de um ferimento desse tipo deve ser
comunicada ao hospital que receberá o paciente logo que for reco-
10. TAMPONAMENTO CARDÍACO nhecida.
Avaliação. A avaliação envolve o rápido reconhecimento da
O tamponamento cardíaco ocorre quando há acúmulo agudo presença de ferimentos de risco, como descrito previamente, em
de líquidos entre o saco pericárdico e o coração. O saco pericárdico é combinação com a observação dos achados físicos de tamponamen­
composto de um tecido fibroso inelástico. Normalmente, há muito to pericárdico. São indicativos de tamponamento cardíaco: turgência
pouco líquido no saco pericárdico, da mesma forma que no espaço jugular (causada pelo aumento da pressão no saco pericárdico, reten-
pleural, como descrito anteriormente. Por ser o pericárdio inelástico, do o sangue nas veias do pescoço), hipotensão e pulso paradoxal
a pressão começa a crescer rapidamente dentro do saco pericárdico, que, na verdade, é uma acentuação da ligeira queda normal da pres-
à medida que o líquido se acumula dentro dele. O aumento da pres- são arterial sistólica (PAS) que ocorre durante a inspiração. À medi-
são pericárdica impede o retorno venoso ao coração e leva à diminu- da que os pulmões se expandem, há preenchimento e ejeção prefe-
ição do débito cardíaco e da pressão arterial. Com cada contração renciais de sangue do lado direito do coração, à custa do lado esquer-
cardíaca, mais líquido pode entrar no saco pericárdico, impedindo do. Dessa forma, a pressão arterial periférica cai. Essa diminuição na
ainda mais a capacidade de preenchimento do coração na prepara- PAS normalmente é de menos de 10 a 15 mmHg. Uma diminuição
ção para a contra- maior da PAS
ção seguinte constitui o cha-
(figura 275). Isso mado pulso para-
pode se agravar a doxal.
ponto de precipitar A detecção de
atividade elétrica alguns desses
sem pulso, que é sinais no local da
uma lesão potenci- ocorrência é
almente fatal que difícil, especial-
exige resposta mente do pulso
coordenada pelos paradoxal. Dessa
socorristas em forma, o socor-
Fig. 275: Tamponamento pericárdico. Quando o sangue passa do lúmen cardíaco para dentro do espaço pericárdico, limita a
todas as fases do expansão do ventrículo. Dessa forma, o ventrículo não consegue encher-se completamente. À medida que mais sangue se rista deve man-
acumula no espaço pericárdico, há menos espaço ventricular disponível para acumular sangue, e o débito cardíaco é reduzido.
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Avaliação. Pacientes que apresentaram concussão cardíaca


apresentam parada cardiorrespiratória. Em algumas vítimas, obser-
vam-se pequenas contusões sobre o esterno.
Tratamento. Uma vez que a parada cardíaca tenha sido confir-
mada, inicia-se a reanimação cardiopulmonar (RCP). A concussão
cardíaca é tratada de forma similar às paradas cardíacas causadas por
infarto do miocárdio, e não como as causadas por trauma. Caso o
desfibrilador externo automático (DEA) esteja disponível, o ritmo
cardíaco deve ser determinado o mais rápido possível, com a realiza-
ção de desfibrilação rápida caso seja identificada fibrilação ventricu-
lar. O prognóstico é ruim, com chances de sobrevida de 15% ou
menos. Praticamente todos os que sobreviveram a essa condição
Fig. 276: Em uma série de 46 pacientes com lesões cardíacas penetrantes, 40 receberam RCP e desfibrilação imediatas iniciadas por testemunhas
tiveram um ferimento dentro da “caixa cardíaca”. (Richardson J.D., Flint L.M.:
Trauma: pathophysiology and clinical care, Chicago, 1987, Yearbook Medical.) presentes no local. Não há comprovação de que socos precordiais
interrompem a fibrilação ventricular. Caso as tentativas imediatas de
ter um alto índice de suspeição, com base na localização dos feri- desfibrilação não obtenham sucesso, deve ser feito o controle das
mentos e hipotensão, e implementar o tratamento de acordo com o vias aéreas.
observado.
12. RUPTURA TRAUMÁTICA DE AORTA
Conduta. Transporte rápido e monitorado até um hospital que
possa efetuar procedimentos cirúrgicos de emergência. O socorrista A ruptura traumática da aorta em geral resulta de mecanismos
deve primeiro reconhecer que existe a probabilidade de tampona- de desaceleração/aceleração de uma força significativa. Exemplos
mento cardíaco e informar à equipe do hospital para que possam ser incluem colisões automobilísticas em alta velocidade com impacto
iniciadas as preparações para uma intervenção cirúrgica de emergên- frontal e quedas de grandes alturas nas quais o paciente cai na hori-
cia. Deve ser administrado oxigênio em alta concentração. O socor- zontal.
rista deve realmente considerar a ventilação com pressão positiva, A aorta surge da porção superior do coração no mediastino. O
caso o paciente esteja hipotenso. coração e o arco aórtico são relativamente móveis dentro da cavida-
de torácica. À medida que o arco aórtico se transforma na aorta des-
11. COMOÇÃO CARDÍACA cendente, a aorta se torna aderente à coluna vertebral e é relativa-
mente imóvel. Quando há uma desaceleração súbita do corpo, como
O termo comoção cardíaca refere-se à situação clínica na qual ocorre em um impacto frontal em alta velocidade, o coração e o arco
um impacto aparentemente inócuo na porção anterior do tórax pro- aórtico continuam a se mover para frente em relação à aorta descen-
duz uma parada cardíaca súbita. Acredita-se que a concussão cardía- dente fixa (imóvel). Isso produz forças de cisalhamento na parede
ca seja responsável por cerca de 20 mortes por ano nos Estados Uni- aórtica na junção entre esses dois segmentos da aorta. Esse cisalha-
dos, predominantemente em crianças e adolescentes (idade média mento é aumentado porque essa junção também é o ponto onde o
em torno de 13 anos). A maioria dos especialistas teoriza que a con- ligamento arterioso se adere à aorta, fixando-a ainda mais e promo-
cussão cardíaca é causada por um impacto não-penetrante relativa- vendo cisalhamento. Essa força de cisalhamento pode romper a
mente pequeno no precórdio (área sobre o coração), que ocorre em parede da aorta em graus variáveis (figuras 277 e 278). Quando a
uma porção eletricamente vulnerável do ciclo cardíaco, enquanto ruptura se estende através de toda a espessura da parede aórtica, o
alguns acreditam que um vasoespasmo das coronárias pode ter parti­ paciente rapidamente sofre exsanguinação. No entanto, caso exista
cipação em seu desenvolvimento. apenas ruptura parcial através da parede, deixando a camada externa
Essa condição ocorre mais frequentemente durante atividades intacta, o paciente pode sobreviver por um período de tempo variá-
esportivas amadoras em que a vítima é atingida por um projétil, vel, o que faz com que a identificação e o tratamento rápidos sejam
como, por exemplo, uma bola de tênis, uma bola do softbol. No essenciais para um resultado bem-sucedido.
entanto, a concussão cardíaca também foi relatada após impactos no Avaliação. A avaliação da ruptura aórtica baseia-se no índice
corpo (por exemplo, golpes de caratê), um incidente automobilístico de suspeita. Deve ser mantido um alto índice em situações que en-
em baixa velocidade e na colisão de dois jogadores tentando alcan- volvem desaceleração/aceleração de alta energia. Ironicamente, para
çar uma bola. Após o impacto, as vítimas foram capazes de dar um uma lesão tão devastadora, pode haver poucas evidências externas
ou dois passos, e então caíram no chão e apresentaram parada cardí- de lesão torácica. No entanto, o socorrista deve avaliar as condições
aca. Tipicamente, na necropsia não se observa nenhuma lesão nas das vias aéreas e da respiração. Deve ser feita palpação cuidadosa. A
costelas, esterno ou coração. A maioria das vítimas não tem história qualidade do pulso pode ser diferente entre os membros superiores
conhecida de doença cardíaca. A condição pode ser evitada através ou entre os membros superiores e inferiores, sugerindo a presença de
do uso de protetores da parede torácica. ruptura aórtica.

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202 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 18 — Traumatismo Torácico

ruptura de vias aéreas. A porção intratorácica da própria traquéia ou


de um dos brônquios principais ou secundários é rompida, o que
produz alto fluxo de ar através da lesão para dentro do mediastino ou
do espaço pleural. A pressão acumula-se rapidamente, causando um
pneumotórax hipertensivo ou até mesmo um pneumomediastino
hipertensivo, que é similar ao tamponamento cardíaco. A utilização
de pressão positiva não deve ser utilizada pois poderá agravar a ten-
são. O trauma penetrante tem maior probabilidade de causar essa
lesão do que o trauma fechado. No entanto, a lesão contusa de alta
energia também pode produzir ruptura traqueobrônquica.
Avaliação. A avaliação demonstra um paciente em insuficiên-
cia respiratória fraca que pode estar pálido e sudoréico. O paciente
Fig. 277: Rompimento da aorta. com ruptura traqueobrônquica demonstra sinais de desconforto res-
Conduta. O tratamento da ruptura aórtica traumática no local piratório como, por exemplo, a utilização dos músculos acessórios
do acidente é de suporte. Um alto índice de suspeição quanto à sua da respiração, roncos e batimento de asa do nariz. Podem ser obser-
presença é mantido quando existirem os mecanismos de trauma vados enfisema subcutâneo no pescoço e turgência jugular, ou des-
sugestivos. Outras lesões torácicas são pesquisadas. Deve ser admi- vio da traquéia. A frequência respiratória se eleva, e o nível de satu-
nistrado oxigênio suplementar em alta concentração. O hospital que ração de oxigênio pode estar diminuído. O paciente pode ou não
irá receber o paciente deve ser informado o mais breve possível estar hipotenso e pode tossir sangue (hemoptise). A hemorragia
sobre o mecanismo de trauma e sobre a suspeita de ruptura aórtica. associada ao trauma penetrante pode não estar presente nos traumas
fechados, mas o hemotórax é uma possibilidade tanto no trauma
penetrante quanto no fechado.
Conduta. A conduta bem sucedida da ruptura traqueobrônqui-
ca requer a administração de oxigênio suplementar e o uso criterioso
de assistência ventilatória. Se a ventilação assistida tornar o paciente
mais desconfortável, administra-se somente oxigênio e o paciente
deve ser transportado o mais rápido possível para um hospital de
referência.

Fig. 278: A aorta descendente está firmemente fixada às vértebras torácicas. O


arco aórtico e o coração não são fixos às vértebras. A ruptura por força de cisa-
lhamento ocorre normalmente na junção do arco aórtico com a aorta descendente.

13. RUPTURA DE TRAQUÉIA/BRÔNQUIOS

A ruptura traqueobrônquica é uma patologia incomum, mas


Fig. 279: Ruptura traqueal ou brônquica. A ventilação por pressão positiva
com alto potencial letal. Todas as lacerações pulmonares envolvem (VPP) pode forçar diretamente grandes quantidades de ar através da traquéia
ou dos brônquios, produzindo rapidamente um pneumotórax hipertensivo.
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Diretoria de Ensino e Instrução 203
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

14. ASFIXIA TRAUMÁTICA abdominal de forma abrupta e suficiente para romper o diafragma.
Diferentemente das pequenas lacerações que normalmente acompa-
Asfixia traumática é assim denominada porque os pacientes se nham as lesões penetrantes, as lacerações causadas por mecanismos
parecem com as vítimas de estrangulamento. O paciente apresenta contusos são frequentemente grandes e permitem a herniação aguda
uma coloração azulada na face e no pescoço (e, no caso de asfixia das vísceras abdominais para dentro da cavidade torácica. O esforço
traumática, da parte superior do tórax) como os pacientes que foram respiratório é consequência da pressão dos órgãos herniados sobre
estrangulados. No entanto, diferentemente das vítimas de estrangula- os pulmões, impedindo a ventilação eficaz, bem como de contusões
mento, os pacientes com asfixia traumática não sofrem verdadeira- pulmonares. Esse déficit de ventilação pode ser potencialmente fatal
mente asfixia (cessação de ar e de troca gasosa). A aparência similar (figura 281). Além da disfunção respiratória, fraturas das costelas,
à das vítimas de estrangulamento é causada pelo comprometimento hemotórax, pneumotórax e lesão de órgãos intra-abdominais podem
do retorno venoso da cabeça e do pescoço presente em ambos os acompanhar a lesão do diafragma. Esses pacientes estão frequente-
grupos de pacientes. mente em insuficiência respiratória aguda, necessitando de interven-
O mecanismo da asfixia traumática é um aumento acentuado e ção rápida para que possam se recuperar.
abrupto da pressão torácica causado por esmagamento do tronco
(por exemplo, a queda de um carro que estava suspenso por um
macaco hidráulico sobre o tórax do paciente). Isso faz com que o
sangue seja expulso do coração e retorne para pescoço e para a cabe-
ça. Pequenos capilares e vênulas podem se romper, o que pode levar
à disfunção cerebral e ocular. A asfixia traumática é considerada um
marcador da ruptura cardíaca contusa.
Avaliação. A avaliação demonstra um paciente com a colora-
ção azulada característica (“pletora”) acima do nível do esmagamen-
to (figura 280). A pele abaixo do nível de lesão é normal. Em função
da força aplicada ao tórax necessária para produzir essa lesão, muitas
das lesões já discutidas neste capítulo podem ocorrer e devem ser
pesquisadas.
Conduta. A conduta é de suporte. Administra-se oxigênio em
alta concentração (fração do oxigênio inspirado [FiO2] ≥ 0,85), é Fig. 281: A ruptura diafragmática pode causar uma herniação do intestino ou de
fornecido um suporte ventilatório criterioso, se necessário. A colora- outras estruturas através da laceração, produzindo uma compressão parcial do
pulmão e esforço respiratório.
ção vermelho·arroxeada típica desaparece em uma semana.
Avaliação. A avaliação frequentemente revela um paciente em
15. RUPTURA DE DIAFRAGMA esforço respiratório agudo que pode estar ansioso, taquipnéico e páli­
do. Ele pode ter contusões da parede torácica, crepitação óssea ou
Pequenas lacerações do diafragma podem ocorrer em lesões enfisema subcutâneo. O abdome pode estar escavado se uma porção
penetrantes da região toracoabdominal. Como o diafragma sobe e significativa do conteúdo abdominal tiver sofrido herniação para o
desce com a respiração, qualquer penetração abaixo do nível dos interior do tórax.
mamilos anteriormente ou do nível da ponta escapular posterior- Conduta. É necessário o reconhecimento imediato da possibi-
mente apresenta risco de ter atravessado o diafragma. Geralmente, lidade de existência de uma
essas lesões agudas por si só ruptura diafragmática. Deve
não apresentam problemas, ser administrado oxigênio
mas devem ser reparadas suplementar em alta concen-
em função do risco de herni- tração e feito suporte ventila-
ação e estrangulação do tório, se necessário. O paci-
conteúdo abdominal através ente deve ser rapidamente
do defeito no futuro. Lesões transportado para um hospi-
importantes dos órgãos tal equipado. O uso de uma
torácicos ou abdominais PASG está contra-indicado
podem acompanhar essas em vítimas com ruptura
lesões aparentemente inó- diafragmática. Esses pacien-
cuas. tes exibem tipicamente au-
A lesão diafragmática mento do sofrimento quando
contusa é causada pela apli- o compartimento abdominal
cação de força suficiente ao da PASG é inflado.
abdome, a ponto de aumen-
Fig. 280: Asfixia traumática. A, O paciente ao ser admitido no hospital. B, O mesmo paciente 3 sema-
tar agudamente a pressão nas após a lesão. (De Moore J.D., Mayer J.H., Gago O.: Traumatic asphyxia. Chest 62(5), 1972.)
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204 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 19
Traumatismo Abdominal

L
arma de fogo. A mentalização da trajetória do projétil, como uma
munição ou a lâmina de uma faca, pode ajudar a identificar os ór-
esões abdominais não-reconhecidas são uma das gãos possivelmente lesados.
principais causas de morte nos pacientes traumati- O diafragma vai até o quarto espaço intercostal, anteriormente,
zados. Devido à dificuldade do diagnóstico correto no trauma abdo- o sexto espaço intercostal, lateralmente, e o oitavo espaço intercostal,
minal, a melhor conduta é transportar os pacientes com suspeita de posteriormente, durante a expiração forçada (figura 282). Pacientes
lesão abdominal para o hospital apropriado mais próximo. com ferimentos penetrantes de tórax abaixo dessa linha podem ter
A morte pode ocorrer precocemente por perda intensa de san- também lesão abdominal. Ferimentos penetrantes nos flancos e nos
gue, tanto em decorrência de ferimentos penetrantes quanto de trau- glúteos também podem acometer órgãos da cavidade abdominal.
ma fechado. As complicações e a morte podem decorrer de lesões Esses ferimentos penetrantes podem provocar sangramento de gran-
de fígado, baço, cólon, intestino delgado, estômago ou pâncreas, que des vasos ou de órgãos sólidos e perfuração de intestino, que é o
não foram inicialmente detectadas. A ausência de sinais e sintomas órgão mais frequentemente lesado nos ferimentos penetrantes.
locais não afasta a possibilidade de trauma abdominal, principalmen-
te no paciente cujo nível de consciência se encontra alterado por
álcool, drogas ou lesão cerebral traumática. Um alto índice de sus-
peita baseado na biomecânica de trauma deve alertar o socorrista
para a possibilidade de trauma abdominal ou hemorragia intra-
abdominal. O socorrista não se deve preocupar tanto em determinar
a extensão exata do trauma abdominal, mas em tratar os achados
clínicos.

1. FISIOPATOLOGIA

A divisão dos órgãos abdominais em ocos, sólidos e vascula-


res (vasos sanguíneos) ajuda a entender as manifestações da lesão
dessas estruturas. Quando lesados, os órgãos sólidos e vasculares
(fígado, baço, aorta e cava) sangram, enquanto os órgãos ocos
(intestino, vesícula biliar e bexiga) basicamente derramam seu con-
teúdo dentro da cavidade peritoneal ou no espaço retroperitoneal. A Fig. 282: Vista lateral da posição do diafragma.
perda de sangue para dentro da cavidade abdominal, independente
de sua origem, pode contribuir ou ser a causa primária de choque Com frequência, o trauma fechado representa uma ameaça
hipovolêmico. A liberação de ácidos, enzimas digestivas ou bacté- maior à vida, porque as lesões potenciais comportam um diagnósti-
rias do trato gastrointestinal (TGI) para dentro da cavidade peritoneal co mais desafiador do que nos ferimentos penetrantes. O trauma
resulta em peritonite (inflamação do peritônio que reveste a cavida- fechado de órgãos intra-abdominais resulta de compressão ou de
de abdominal) e sépsis (infecção generalizada) quando não pronta- forças de cisalhamento. Na compressão, os órgãos abdominais são
mente tratada por intervenção cirúrgica. Como a urina e a bile geral- comprimidos entre objetos sólidos, como, por exemplo, entre o vo-
mente são estéreis (não contêm bactérias), a perfuração da vesícula lante e a coluna vertebral. As forças de cisalhamento rompem ór-
biliar ou da bexiga não provoca peritonite com tanta rapidez quanto gãos sólidos ou vasos sanguíneos na cavidade abdominal, devido à
o material derramado do intestino. De maneira similar, como tam- tração exercida sobre os ligamentos de fixação. O fígado e o baço
bém não tem ácidos, enzimas digestivas nem bactérias, o sangue na podem romper-se e sangrar com facilidade, sendo que a perda de
cavidade peritoneal não provoca peritonite por várias horas. O san- sangue pode ser rápida. O aumento da pressão intra-abdominal de-
gramento decorrente de lesão intestinal é tipicamente menor, a me- corrente da compressão pode romper o diafragma, fazendo com que
nos que sejam lesados os vasos sanguíneos mais calibrosos do me- os órgãos abdominais se desloquem para cima, para dentro da cavi-
sentério. dade pleural. O conteúdo intra-abdominal forçado para dentro da
As lesões abdominais podem ser causadas por ferimentos cavidade torácica pode comprometer a expansão pulmonar e afetar
penetrantes ou por trauma fechado. Os ferimentos penetrantes, como as funções respiratória e cardíaca (figura 283). Embora se acredite
os causados por arma de fogo ou arma branca, são mais evidentes atualmente que a incidência de ruptura de diafragma seja igual dos
que os decorrentes de trauma fechado. Pode ocorrer lesão de múlti- dois lados, a ruptura do hemidiafragma esquerdo é diagnosticada
plos órgãos nos ferimentos penetrantes, embora isso seja menos com maior frequência.
provável nos ferimentos por arma branca do que nos ferimentos por Fraturas da pelve podem causar perda de grande volume de
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Os ferimentos por arma branca têm menor probabilidade de penetrar


a cavidade peritoneal que os projéteis disparados por uma pistola,
rifle ou espingarda de caça. Mesmo quando entra na cavidade abdo-
minal, uma lâmina de faca tem menor propensão a provocar lesão
de órgãos internos do que um projétil, por causa de sua menor ener-
gia cinética.
Inúmeros mecanismos levam às forças de compressão e cisa-
lhamento que podem lesar os órgãos abdominais. Embora esses
órgãos sejam mais frequentemente lesados em eventos que envol-
vem energia cinética significativa, como ocorre na desaceleração
rápida ou compressão grave, as lesões abdominais podem resultar de
mecanismos com aparência mais inócua, como agressões físicas,
quedas de um lance de escadas e atividades esportivas. Um paciente
pode experimentar forças de desaceleração ou compressão conside-
ráveis ao ser envolvido em colisões automobilísticas ou de motoci-
cleta, atropelado, ou ao cair de altura significativa. Todos os disposi-
tivos ou equipamentos de proteção deverão ser observados, inclusive
Fig. 283: Com o aumento da pressão dentro do abdome, o diafragma pode se
romper. cintos de segurança ou acolchoamento de roupas esportivas.

sangue em virtude da lesão de muitas pequenas artérias e veias da 2.2. História


pelve. Lesões da bexiga e do reto são também complicações das
fraturas da bacia, assim como as lesões da uretra no homem e da A história pode ser obtida a partir do paciente, da família ou de
vagina na mulher. circunstantes, devendo ser documentada no relatório de atendimento
à vítima e passada para o hospital que receber o paciente. Além dos
2. AVALIAÇÃO componentes da história AMPLA (Alergias, Medicações, Passado
médico e antecendente cirúrgico, Líquidos, e alimentos, Ambiente),
A avaliação do trauma abdominal pode ser muito difícil, prin- outras perguntas deverão ser adaptadas ao tipo de lesão. As questões
cipalmente com os recursos diagnósticos limitados próprios do am- relacionadas com as colisões com veículos motorizados incluem as
biente pré-hospitalar. O índice de suspeita de lesão abdominal deve seguintes:
ser baseado em muitas fontes de informação, incluindo biomecânica
e achados de exame físico, além de informações do paciente e teste-  Tipo de colisão e posição do paciente no veículo.
munhas da ocorrência (quadro 19-1).  Extensão do dano ao veículo, incluindo estrago no com-
partimento de passageiros, deformidade do volante e ne-
2.1. Biomecânica cessidade de retirada demorada.
 Uso de dispositivos de segurança, incluindo o cinto de
Da mesma forma que com outros tipos de trauma, o conheci- segurança, o acionamento de air bags e a presença de ca-
mento do mecanismo da lesão desempenha um papel importante no deirinhas de criança.
índice de suspeita de trauma abdominal que o socorrista deve ter. O
trauma abdominal pode resultar de inúmeras causas, incluindo os As perguntas relacionadas com os ferimentos penetrantes
ferimentos penetrantes e o trauma fechado. Em geral, apenas aproxi- incluem as seguintes:
madamente 15% dos pacientes com ferimentos por arma branca no
abdome precisarão de intervenção cirúrgica, enquanto aproximada-  Tipo de arma (pistola vs. rifle, calibre, comprimento da
mente 85% dos pacientes com ferimentos por arma de fogo precisa- faca).
rão de cirurgia para o tratamento definitivo das lesões abdominais.  Número de vezes que o paciente foi atingido por arma de
fogo ou por arma branca.
Quadro 19-1: Sinais de Trauma Abdominal*  Quantidade de sangue no local.
 Mecanismo de lesão compatível com desaceleração rápida ou
forças de compressão significativas.
2.3. Exame Físico
 Volante entortado.
 Lesões de partes moles no abdome, flanco ou dorso.
 Choque sem etiologia evidente. 2.3.1. Exame Primário
 Nível de choque maior do que o explicado por outras lesões.
 “Sinal do cinto de segurança”. A maioria das lesões abdominais graves se apresentará como
 Sinais peritoneais. anormalidades identificadas no exame primário, principalmente na
avaliação da respiração e da circulação. A menos que existam lesões
*Achados que elevam o índice de suspeição de lesão abdominal
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206 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 19 — Traumatismo Abdominal

associadas, os pacientes com trauma abdominal geralmente têm vias


aéreas pérvias. As alterações encontradas na avaliação da respiração,
circulação e estado neurológico têm correlação com o grau de cho-
que apresentado. Os pacientes com choque compensado inicial po-
dem ter discreto aumento da frequência respiratória, enquanto os
pacientes com choque hipovolêmico grave têm taquipnéia acentua-
da. A ruptura de um hemidiafragma frequentemente compromete a
ventilação. De maneira similar, o choque decorrente da hemorragia
intra-abdominal pode variar desde a taquicardia discreta, com pou-
cos outros achados, até a taquicardia grave, hipotensão acentuada e
pele fria, pálida e pegajosa.
O indicador mais confiável de sangramento intra-abdominal
é a presença de choque de origem não explicada. Ao avaliar o esta- Fig. 284: “Sinal do cinto de segurança” abdominal em um paciente idoso, resultante
da sua desaceleração contra o cinto de segurança abdominal.
do neurológico, o socorrista pode notar apenas sinais sutis, como
ansiedade ou agitação leves, no paciente com choque compensado esses sinais possam indicar lesão intra-abdominal, alguns pacientes
decorrente do trauma abdominal, enquanto os pacientes com hemor- com lesão interna significativa podem não apresentar esses achados.
ragia com risco de morte podem ter depressão acentuada do nível de Palpação. A palpação do abdome é feita para identificar áreas
consciência. Quando são encontradas anormalidades na avaliação dolorosas. De maneira ideal, a palpação deve ser iniciada por uma
desses sistemas, o abdome deverá ser exposto e examinado, procu- área onde o paciente não se queixe de dor. A seguir, palpam-se todos
rando-se evidência de trauma, como escoriações ou ferimentos pe- os quadrantes do abdome. Durante a palpação de urna área dolorosa,
netrantes. o profissional pode notar que o paciente “contrai” os músculos abdo-
minais naquela região. Essa reação, chamada defesa voluntária,
2.3.2. Exame Secundário serve para proteger o paciente contra a dor decorrente da palpação.
A defesa involuntária representa a rigidez ou espasmo dos músculos
Durante o exame secundário, o abdome é examinado mais da parede abdominal em resposta à peritonite. Ao contrário da defe-
detalhadamente. Esse exame envolve principalmente a inspeção e a sa voluntária, a defesa involuntária permanece quando o paciente
palpação do abdome e deverá ser feito de maneira sistemática. O está distraído (p. ex., com a conversação) ou quando o abdome é
socorrista deverá ficar atento à dor abdominal significativa à palpa- palpado de maneira sub-reptícia. Embora a presença da descompres-
ção ou com a tosse (quer localizada, quer generalizada) e defesa são brusca seja há muito considerada um indicador importante de
involuntária pela vítima, que traduzem-se em achados físicos com- peritonite, muitos cirurgiões consideram, atualmente, que essa ma-
patíveis com a presença da peritonite. nobra — pressionar profundamente o abdome e, em seguida, liberar
rapidamente a pressão — provoca dor excessiva. Se a descompres-
Inspeção. O abdome é examinado procurando-se por lesões são brusca for positiva, o paciente terá dor mais intensa ao ser libera-
de partes moles e por distensão. A lesão intra-abdominal pode ser da a pressão sobre o abdome.
suspeitada quando se observa lesão de partes moles no abdome, A palpação profunda ou agressiva de um abdome com lesão
flancos ou dorso. Essas lesões podem ser contusões, abrasões, feri- evidente deverá ser evitada, porque a palpação pode deslocar coágu-
mentos por arma de fogo ou por arma branca, sangramento evidente los sanguíneos e piorar o sangramento existente, podendo também
e achados incomuns, como evisceração, objetos encravados ou mar- aumentar o derramamento do conteúdo do trato gastrointestinal, se
cas de pneus. O sinal de Grey-Turner (equimose que acomete os houver perfuração. Também se deve ter muito cuidado durante a
flancos) e o sinal de Cullen (equimose ao redor do umbigo) indicam palpação, caso exista um objeto encravado no abdome. Embora a
sangramento retroperitoneal; no entanto, esses sinais podem não dor constitua um indicador importante de lesão intra-abdominal,
aparecer nas primeiras horas após a lesão. O sinal do “cinto de segu- vários fatores podem confundir a avaliação da dor. Os pacientes com
rança” (equimose ou abrasão no abdome compatível com a marca alteração do nível de consciência, como os que têm lesão cerebral
de um cinto de ombro ou abdominal) indica que foi aplicada força traumática ou estão sob a influência de drogas ou álcool, podem ter
significativa no abdome. Os sinais do cinto de segurança foram as- um exame não-confiável, isto é, o paciente pode não referir dor ou
sociados a lesão intra-abdominal, principalmente em crianças (figura reposta à palpação mesmo na presença de lesões internas significati-
284). vas. Os pacientes pediátricos e geriátricos têm maior probabilidade
Deve-se examinar o contorno do abdome, avaliando se ele de apresentar exame abdominal não-confiável por causa da alteração
está plano ou distendido. A distensão do abdome pode indicar he- da resposta à dor. Por outro lado, os pacientes com fratura das coste-
morragia interna significativa; no entanto, a cavidade abdominal do las inferiores ou de bacia podem ter exame duvidoso, podendo a dor
adulto pode conter até 1,5 litro de líquido sem apresentar sinais de ser decorrente das fraturas ou das lesões internas. Quando o paciente
distensão. A distensão abdominal também pode ser consequência de apresenta dor decorrente de lesões que desviam a atenção, como as
o estômago estar cheio de ar, como pode acontecer durante a ventila- fraturas de membros ou de coluna, a palpação pode não causar dor
ção artificial com bolsa-valva-máscara (BVM ou ambu). Embora abdominal.

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Diretoria de Ensino e Instrução 207
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

A bacia deverá ser cuidadosamente palpada para se pes- 4. CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS


quisarem instabilidade e dor. Isso é feito em três etapas: (1) pressio-
nar as cristas ilíacas para trás, (2) pressionar as cristas ilíacas para 4.1. Objetos Encravados
dentro e (3) pressionar a sínfise púbica para trás. Quando se nota
instabilidade, não se deve palpar mais a bacia. Visto que a remoção de um objeto encravado pode causar
A avaliação do trauma abdominal pode ser difícil no ambiente mais lesão e que a extremidade distal do objeto pode estar controlan-
pré-hospitalar. A seguir, estão os principais indicadores para estabe- do ativamente (tamponando) o sangramento, no pré-hospitalar, con-
lecer o índice de suspeição para lesão abdominal (ver quadro 19-1): tra-indica-se a remoção de um objeto encravado (figura 285). O
socorrista não deve nem mover nem remover objetos encravados no
 Sinais óbvios de trauma (p. ex., lesão de partes moles, abdome. No hospital, esses objetos não são retirados antes que sua
ferimentos por arma de fogo). forma e localização tenham sido identificadas radiologicamente e
 Sinais de choque hipovolêmico sem uma causa evidente. que a reposição sanguínea e a equipe cirúrgica estejam presentes e
 Grau de choque maior do que o que pode ser explicado por prontas. Geralmente esses objetos são removidos no centro cirúrgi-
outras lesões (p. ex., fraturas, hemorragia externa). co. O socorrista deve estabilizar o objeto encravado e imobilizá-lo,
 Presença de sinais de irritação peritoneal. manual ou mecanicamente, para evitar que ele se mexa mais, no
 Mecanismo da lesão (p. ex., volante entortado). local ou durante o transporte. Se houver sangramento à volta do
objeto, deve ser feita pressão direta à volta do ferimento, com a pal-
3. TRATAMENTO ma da mão, em torno do objeto. O apoio psicológico ao paciente é
fundamental, especialmente se o paciente estiver vendo o objeto
Os principais aspectos do tratamento pré-hospitalar do trauma encravado.
abdominal consistem no reconhecimento da presença de possível
lesão e no início do transporte rápido para a instituição mais próxima
que seja capaz de tratar o paciente. As anormalidades nas funções
vitais identificadas no exame primário devem receber tratamento de
suporte durante o transporte. Aplicam-se as seguintes diretrizes:

1. Depois de se certificar da segurança da cena, fazer avaliação


rápida da cena e do paciente.
2. Usar as técnicas apropriadas de controle das vias aéreas,
administrar oxigênio para manter a saturação em 95% ou mais e
utilizar suporte ventilatório, quando necessário.
3. Controlar a hemorragia externa e imobilizar o paciente em
prancha rígida.
Fig. 285: Faca encravada no abdome.
4. Imobilizar e transportar rapidamente o paciente para o hos-
pital apropriado mais próximo. Como os pacientes com trauma Nesses casos, o abdome não deve ser palpado, pois a palpação
abdominal frequentemente precisam de intervenção cirúrgica para pode provocar mais laceração ou afundar mais a ponta do objeto. É
controlar a hemorragia interna e reparar as lesões, os pacientes com desnecessário continuar o exame, já que a presença do objeto obriga
suspeita de trauma abdominal deverão ser levados para uma institui- a exploração cirúrgica. A presença de um objeto encravado no abdo-
ção que tenha cirurgiões prontamente disponíveis (i.e., um centro de me constitui uma contra-indicação para insuflar o compartimento
trauma). Transportar um paciente com lesões intra-abdominais para abdominal da PASG.
uma instituição que não tenha centro cirúrgico ou equipe cirúrgica
imediatamente disponível invalida o propósito do transporte rápido. 4.2. Evisceração
Em um ambiente rural onde não há hospital com cirurgiões gerais na
equipe, deve ser considerada a possibilidade de transportar o pacien- Ocorre evisceração quando um segmento do intestino ou outro
te para um centro de trauma, por via terrestre ou aérea. A interven- órgão abdominal sai através de um ferimento, ficando fora da cavi-
ção cirúrgica precoce é a chave para a sobrevida do paciente instável dade abdominal (figura 286). O tecido mais comumente observado
com trauma abdominal. é o epíplon, que fica na frente do intestino. Não se deve tentar colo-
5. Aplicar a calça pneumática antichoque (PASG) para reduzir car o órgão de volta na cavidade abdominal. Deve-se deixar as vís-
a hemorragia intraperitoneal ou retroperitoneal suspeitada em paci- ceras na superfície do abdome ou para fora, como estão. Deve-se
entes com choque descompensado ou fratura de bacia. A insuflação proteger a porção eviscerada do intestino ou de outro órgão, para que
do compartimento abdominal está contra-indicada nos pacientes não sofra mais dano. A maior parte do conteúdo abdominal necessi-
com comprometimento respiratório evidente, na presença de evisce- ta de ambiente úmido. Se o intestino ou algum dos outros órgãos
ração, na suspeita de ruptura diafragmática e na gravidez. abdominais ficar seco, pode ocorrer morte celular. Por isso, o conte-
údo abdominal eviscerado deve ser coberto com compressas estéreis

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208 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 19 — Traumatismo Abdominal

Fig. 286: Trauma abdominal aberto com exposição visceral.

umedecidas com soro fisiológico. Essas compressas devem ser peri-


odicamente reumedecidas com soro para evitar que fiquem secas.
Por cima do curativo umedecido, pode-se fazer um grande curativo
seco, para manter o paciente aquecido.
O suporte psicológico é extremamente importante para os Fig. 287: Na paciente grávida, à medida que o útero e o feto crescem
pacientes com evisceração, devendo-se ter o cuidado de manter o acima da sínfise púbica, o feto fica mais suscetível tanto a trauma
fechado quanto a ferimentos penetrantes.
paciente tranquilo. Qualquer ação que aumente a pressão intra-
abdominal, como choro, grito ou tosse, pode forçar a protrusão de também pode estar oculta dentro do útero ou da cavidade peritoneal,
uma maior quantidade de órgãos. Esses pacientes deverão ser rapi- ela pode não ser externamente visível.
damente transportados para uma instituição que possa fazer cirurgia. Embora a protuberância acentuada do abdome seja óbvia no
final da gravidez, os órgãos abdominais, à exceção do útero, perma-
4.3. Gravidez necem basicamente inalterados. O intestino, que é deslocado para
cima, fica protegido pelo útero nos dois últimos trimestres da gesta-
4.3.1. Alterações Anatômicas e Fisiológicas ção. O aumento do volume e do peso do útero altera o centro de
gravidade da gestante e aumenta o risco de quedas. Por causa da sua
A gravidez causa alterações anatômicas e fisiológicas nos proeminência, o abdome gravídico é frequentemente lesado nas
sistemas do organismo. Essas mudanças alteram o padrão de pos- quedas.
síveis lesões e podem fazer com que a avaliação da paciente se torne Além dessas alterações anatômicas, ocorrem também altera-
um grande desafio. O socorrista está lidando com dois ou mais paci- ções fisiológicas durante toda a gravidez. A frequência cardíaca da
entes e deve estar atento às alterações que ocorrem ao longo da gra- gestante aumenta, sendo 15 a 20 batimentos por minuto acima do
videz. normal no terceiro trimestre. Isso dificulta a interpretação de taqui-
Tipicamente, uma gravidez humana dura aproximadamente cardia. As pressões arteriais sistólica e diastólica caem 5 a 15 mmHg
40 semanas desde a concepção até o nascimento, sendo que esse durante o segundo trimestre, mas voltam ao normal no final da gra-
período é dividido em três partes ou trimestres. O primeiro trimestre videz. Pela décima semana de gravidez, o débito cardíaco está au-
termina em torno da 12ª semana de gestação, e o segundo trimestre é mentado de 1 a 1,5 litro por minuto. Até o termo da gestação, o vo-
ligeiramente mais longo que os outros dois, terminando em torno da lume sanguíneo materno aumenta 50%. Por causa desse aumento,
28ª semana. pode ocorrer perda de 30% a 35% do volume sanguíneo materno
Após a concepção e o implante do feto, o útero continua a sem que apareçam sinais ou sintomas de hipovolemia.
aumentar até a 38ª semana de gestação. Até aproximadamente a 12ª Algumas mulheres podem ter hipotensão supina acentuada.
semana, o útero em crescimento permanece protegido pela pelve Essa condição ocorre no terceiro trimestre e é causada pela compres-
óssea. Em torno da 20ª semana de gestação, o ápice do útero (fundo) são do útero sobre a cava inferior. Isso diminui expressivamente o
está no nível do umbigo, sendo que o fundo se aproxima do proces- retorno venoso para o coração, e, como há menor enchimento, o
so xifóide em torno da 38ª semana. Essa alteração anatômica torna o débito cardíaco e a pressão arterial caem. Para melhorar a hipotensão
útero e seu conteúdo mais suscetíveis tanto a trauma fechado quanto supina, podem ser empregadas as seguintes manobras:
a ferimentos penetrantes (figura 287). As lesões no útero podem ser: 1. A paciente pode ser colocada deitada sobre o lado esquerdo
ruptura, ferimentos penetrantes, descolamento de placenta (quando (decúbito lateral esquerdo); se houver indicação de imobilização de
parte da placenta se solta da parede uterina) e rotura prematura de coluna, deve-se elevar o lado direito da prancha 10 a 15 cm.
membranas. O útero gravídico e a placenta são muito vasculariza- 2. Se a paciente não puder ser rodada, deve-se elevar a perna
dos, o que pode provocar hemorragia intensa. Como a hemorragia direita para deslocar o útero para a esquerda.

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Diretoria de Ensino e Instrução 209
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

3. O útero pode ser empurrado manualmente para o lado es- gramento externo, no último trimestre da gravidez, podem indicar
querdo da paciente. descolamento de placenta ou rotura de útero. Essas condições amea-
Essas três manobras reduzem a compressão sobre a veia cava, çam não somente a vida do feto, mas também a da mãe, pois pode
aumentando o retorno venoso para o coração e melhorando o débito ocorrer rapidamente exsanguinação.
cardíaco. O transporte da gestante traumatizada não deve ser retardado.
Durante o terceiro trimestre, a elevação do diafragma pode Toda grávida traumatizada deve ser transportada com rapidez —
causar dispnéia leve, especialmente se a paciente ficar em decúbito mesmo que pareça ter apenas lesões leves — para o hospital apropri-
dorsal horizontal. O peristaltismo (movimentos propulsivos do intes- ado mais próximo. O ideal é que seja um hospital com disponibilida-
tino) está diminuído, de modo que a comida pode ficar no estômago de imediata tanto de cirurgião quanto de obstetra. A reanimação
por muitas horas após a alimentação. Por isso, a grávida tem risco adequada da mãe é a chave para a sobrevivência da mãe e do feto.
aumentado de vomitar e aspirar.
A eclâmpsia é uma complicação do final da gravidez. Enquan- 4.4. Lesões Genitourinárias
to a pré-eclâmpsia se caracteriza por edema e hipertensão, a
ec1âmpsia é caracterizada por alterações do estado mental e convul- As lesões de rins, ureteres e bexiga geralmente causam hema-
sões, podendo mimetizar a lesão cerebral traumática. É importante túria. Como os rins recebem uma parte significativa do débito cardí-
fazer uma avaliação neurológica cuidadosa e investigar se a paciente aco, a lesão desses órgãos (tanto por trauma fechado quanto por
teve complicações na gravidez ou se tem outros problemas de saúde. ferimentos penetrantes) pode causar hemorragia retroperitoneal com
risco de morte. As fraturas de bacia podem estar associadas a lacera-
Avaliação. Em si, a gravidez não altera as vias aéreas da mãe, ções da bexiga e das paredes vaginais ou retais. Pode ocorrer hemor-
porém pode ocorrer desconforto respiratório significativo quando ragia externa grave.
uma paciente no terceiro trimestre de gravidez é colocada em decú- O trauma da genitália externa pode acontecer por múltiplos
bito dorsal sobre uma prancha rígida. A diminuição na peristalse do mecanismos, embora predominem tipicamente as lesões decorrentes
trato gastrointestinal torna mais prováveis o vômito e a aspiração. da ejeção de motocicleta ou automóvel, de acidente industrial, de
Deve ser avaliada a permeabilidade das vias aéreas e a função pul- ferimentos por arma de fogo ou de agressão sexual. Em virtude das
monar, o que inclui a monitoração da oximetria de pulso. inúmeras terminações nervosas nesses órgãos, essas lesões estão
Da mesma forma que com o hemoperitônio de outras etiologi- associadas a dor significativa e a problemas psicológicos. Esses
as, o sangramento intra-abdominal associado à lesão uterina pode órgãos também contêm inúmeros vasos sanguíneos, podendo ocor-
não causar peritonite por várias horas. Mais provavelmente, a perda rer sangramento abundante (figura 288). Em geral, esse sangramen-
sanguínea decorrente de qualquer lesão pode ser mascarada pelo to pode ser controlado com pressão direta ou com curativo compres-
débito cardíaco e o volume sanguíneo aumentados próprios da gra- sivo. Os curativos deverão ser inseridos na vagina ou na uretra para
videz. Portanto, um alto índice de suspeição e a pesquisa de altera- controlar o sangramento, principalmente nas mulheres grávidas. Se
ções sutis (p. ex ., coloração da pele) podem proporcionar indícios não for necessária pressão direta para controlar a hemorragia, essas
importantes. A condição do feto com frequência depende da condi- lesões deverão ser cobertas com gaze úmida, limpa, embebida em
ção da mãe; entretanto, o feto pode estar em sofrimento mesmo que soro fisiológico. Quaisquer partes amputadas deverão ser tratadas
as condições maternas e seus sinais vitais pareçam estáveis. Isso conforme descrito no capítulo 15. A avaliação adicional de todas as
acontece porque o corpo desvia o sangue do útero (e do feto) para os lesões genitais deverá ser feita somente no hospital.
órgãos vitais. As alterações neurológicas deverão ser observadas e
registradas, embora a etiologia exata possa não ser identificável no
pré-hospitalar.
A genitália externa deve ser examinada, procurando-se evi-
dências de sangramento vaginal. Deve-se perguntar se a paciente
tem contrações uterinas e se sente movimentos fetais.

Conduta. No caso da grávida traumatizada, a melhor forma de


assegurar a sobrevida do feto é cuidar bem da mãe. Basicamente,
para que o feto sobreviva, geralmente a mãe precisa sobreviver. É
prudente antecipar o vômito e ter aspirador por perto. A prioridade
deve ser garantir vias aéreas pérvias e dar suporte ventilatório. Deve
ser administrado oxigênio suficiente para manter uma oximetria de
pulso de 95% ou mais. Pode haver a necessidade de suporte ventila-
tório, principalmente nos estágios mais avançados da gravidez.
As metas do tratamento do choque são praticamente idênticas Fig. 288: Ferimento por arma de fogo no pênis e na coxa direita. As lesões do pênis
às metas para qualquer paciente. Qualquer evidência de sangramen- podem estar associadas a hemorragia significativa.
to vaginal ou a presença de um abdome rígido, em tábua, com san-

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210 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 20
Traumatismo Facial

O
Traumas dos 40 anos ou mais. Essa é a faixa etária menos
acometida pelo trauma geral e de face, mas sua recuperação é mais
trauma facial pode ser considerado uma das demorada e eventuais complicações são mais frequentes. Queda é o
agressões mais devastadoras encontradas em principal mecanismo de trauma nessa faixa etária e geralmente resul-
centros de trauma devido às consequências emocionais e à possibili- ta de múltiplas causas patológicas (por exemplo, osteoporose). Os
dade de deformidade e também ao impacto econômico que tais idosos acima de 70 anos são mais propensos a se envolver em atro-
traumas causam em um sistema de saúde. pelamento.
O diagnóstico e tratamento de lesões faciais obtiveram grande
progresso nas últimas décadas. Uma agressão localizada na face não Sendo assim, o trauma facial é uma realidade presente no
envolve apenas tecido mole e ossos, mas também, por extensão, serviço de emergência de um grande centro de referência de trauma,
pode acometer o cérebro, olhos, seios e dentição. Quando o trauma e acomete todas as idades. As causas são diretamente relacionadas à
ocorre por impacto de grande velocidade e energia cinética, lesões idade e tipo do trauma.
concomitantes podem ser mais letais do que o trauma facial por si A incidência de trauma facial pode ser reduzida nos adultos
só. jovens por educação escolar, com ênfase no uso moderado de álcool
Estudos revelaram que os dois principais mecanismos de trau- e orientação para lidar com situações hostis, evitando-se a violência
ma facial são violência interpessoal e queda. Três décadas atrás, interpessoal. A otimização do design interno dos domicílios e uma
apontava-se acidentes por veículos automotores como a principal assistência constante de familiares ou responsáveis são válidos prin-
causa de fratura facial (65%). Estudos subsequentes apoiaram esta cipalmente para os idosos, cujo principal mecanismo de trauma é a
informação, mas a tendência dos estudos mais atuais é mostrar um queda. Uma maior utilização de cinto de segurança e uso de air bags
aumento na incidência de violência interpessoal e sugerem que esta por motoristas e capacetes que cubram toda a face de motociclistas e
seja a principal etiologia nos traumas de face. Leis rigorosas de con- ciclistas são condutas de grande importância que devem ser sempre
trole de velocidade, uso obrigatório de capacete, cinto de segurança e seguidas para se evitar consequências graves dos acidentes de trânsi-
uso de air bag, quando disponível, são fatores que contribuem para to.
o decréscimo do número de fraturas faciais decorrentes de acidentes Além de serem dramáticos pela sua aparência, não podemos
por veículos automotores. nos esquecer de que os traumas que atingem a face também podem
apresentar situações com risco de morte para as vítimas, além de
1. ETIOLOGIA frequentemente apresentarem outras lesões importantes associadas.
É comum a presença concomitante de obstrução das vias aé-
Traumas de 0 aos 19 anos. A principal causa de trauma facial reas, de hemorragia severa e de lesões intracranianas e da coluna
é a queda. Nessa faixa etária a locomoção e equilíbrio são direta- cervical. Todas as vítimas de trauma severo de face devem ser consi-
mente proporcionais à idade; a consciência da aparência da face e deradas como tendo lesão de coluna cervical até realizarem exames
sua importância social aumentam com a idade (durante uma queda, radiológicos que eliminem esta hipótese.
crianças maiores e adultos consideram proteger a face); crianças Saber o mecanismo de injúria é muito importante para a equi-
com idade inferior aos 10 anos desconhecem o perigo e consequên- pe que vai atender a vítima. A anamnese deve focar dados que facili-
cias de seus atos. Estudos evidenciaram que quedas de 0 aos 14 anos tem o diagnóstico e a ação das equipes de emergência, como quei-
resultaram na maioria das vezes em fraturas isoladas, principalmente xas visuais, parestesia ou anestesia facial e a capacidade para mor-
de dentes (45%) e nasal (25%); na faixa etária dos 15 aos 19 anos, os der.
padrões ficam semelhantes aos adultos, com aproximadamente
metade dos traumas resultando em algum tipo de fratura. Este pa- 2. CUIDADOS DE EMERGÊNCIA
drão tem sido atribuído ao consumo precoce de álcool e envolvi-
mento em violência interpessoal. Realizar a abordagem primária (ABC) e a abordagem secun-
dária, identificando e intervindo nas situações com risco de morte
Traumas dos 20 aos 39 anos. Nessa faixa etária a principal para a vítima, liberando suas vias aéreas e fazendo o controle das
causa é a violência interpessoal (55,5%). Seguida de quedas em hemorragias.
razão do uso de álcool e drogas. Traumas decorrentes de violência Pacientes com fraturas mandibulares apresentam um alto risco
doméstica (vítima do sexo feminino), de acidente de carro, motoci- de evoluir com obstrução das vias aéreas, pois sem o suporte ósseo a
cleta, esporte e ferimento de arma de fogo tem maior incidência língua tende a se deslocar ocluindo a passagem do ar. Tendo sido
nessa faixa etária. Isto representa um problema sócio econômico liberadas as vias aéreas, a próxima prioridade passa a ser o controle
pois se trata de uma população predominantemente produtiva. da hemorragia.
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3. TRAUMATISMO OCULAR

Os traumas oculares acontecem no ambiente familiar, na ativi-


dade profissional e no lazer.
No ambiente doméstico, são mais comuns os traumas em
crianças e provocados por objetos pontiagudos (faca, tesoura, flecha,
prego), substâncias químicas, brinquedos, etc.
Na atividade profissional, traumas mais comuns em jovens e
adultos ocorrem na indústria química, na construção civil, na indús-
tria de vidro, no trânsito, etc.
Estudos mostram que mais de 50% dos traumas oculares a-
contecem com pessoas abaixo de 25 anos, e que, nas crianças, são
Fig. 290: Trauma Ocular.
mais frequentes entre os meninos e, na maioria das vezes, provoca-
dos por eles próprios. 3.2. Atendimento de Emergência
Entre os agentes causadores, os objetos pontiagudos, as contu-
sões e as substâncias cáusticas são as causas mais comuns em crian- Costumeiramente os traumatismos são divididos em:
ças. Nos adultos, temos traumas perfurantes bilaterais que ocorrem,
principalmente, nos acidentes automobilísticos.  Mecânicos: (perfurantes e não-perfurantes);
Em oftalmologia, é pequeno o número de emergências que
necessita tratamento imediato. Aquele que dá o primeiro socorro,  Não mecânicos: como as queimaduras térmicas, elétricas,
entretanto, precisa conduzir o caso adequadamente, minimizando os químicas por, irradiação e ultra-som. Das queimaduras, as mais
danos e agilizando para que o especialista encontre o paciente em frequentes são as químicas, produzidas pelos ácidos e pelas bases
condições de prestar mais rápido seu atendimento. que provocam lesões de intensidade variável, inclusive podendo
Durante o exame, não se deve fazer qualquer pressão sobre o causar a necrose ocular. Além dos problemas imediatos, são fre-
globo ocular, lembrando-se de que até a mais suave pressão pode quentes sequelas como: simbléfaro, úlcera de córnea, cicatrizes e
causar perda de líquidos vitais no olho traumatizado. retrações com graves aspectos estéticos, glaucomas, cataratas, etc. O
melhor tratamento é a profilaxia, porém a lavagem imediata e abun-
3.1. Diagnóstico dante do globo ocular pode minorar as consequências do trauma.

Exame Externo: obser- 3.3. Trauma Ocular Perfurante


var as condições da
órbita, pálpebras e do Os traumatismos mecânicos perfurantes podem acometer as
globo ocular. Palpar o regiões perioculares ou o globo ocular, causando comprometimento
rebordo orbitário à pro- de intensidade variável; devemos sempre, na presença de perfura-
cura de fraturas e verifi- ção, pensar na presença de um corpo estranho intra-ocular.
car a presença de corpos
estranhos e objetos em-
palados, perfurações,
hiperemia e perda de
líquidos oculares.

Acuidade visual: verifi-


car a visão de cada olho,
ocluindo o outro, sem
apertá-lo; mesmo de
modo rudimentar, é um
dado importante a inves-
Fig. 289: Trauma de olho.
tigar.
Mobilidade ocular: avaliar os movimentos oculares, à procura
de paralisia dos músculos locais. A visão dupla é uma queixa carac- Fig. 291: Trauma ocular perfurante.
terística nesse caso. No caso de perfuração ocular, proteger o olho, evitando mani-
pulação excessiva. Havendo objeto penetrante no olho, não removê-
Reação pupilar: a pesquisa dos reflexos fotomotores das pupi- lo. Se o corpo estranho estiver protuberante, usar bandagens para
las é importantíssima nos traumatismos cranianos. apoiá-lo cuidadosamente.

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212 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 20 — Traumatismo Facial

Mantenha a vítima em decúbito dorsal, o que ajuda a manter de grande importância. Enxaguar os olhos durante pelo menos 15 a
as estruturas vitais do olho lesado. 30 minutos, prestando atenção especial à parte interna das pálpebras.
Enxaguá-los durante o transporte inclusive.
3.4. Traumas do Olho e dos Tecidos Vizinhos
3.7. Queimaduras Térmicas
Laceração das pálpebras. As pálpebras sofrem lacerações nos
traumas contusos ou cortocontusos. Os traumas térmicos (hipertermia ou hipotermia), elétricos,
barométricos e ultra-sônicos podem provocar perturbações agudas e
Olho roxo. Traumas sobre o rebordo orbitário causam ruptura variáveis.
de vasos, com equimoses no tecido subcutâneo, de coloração aver- Os traumas provocados por radiações, como o infravermelho,
melhada, sem limites nítidos. podem provocar queimaduras graves com opacificações da córnea e
do cristalino. O raio ultravioleta, comum nos aparelhos de solda,
Em ambas as situações, colocar curativo que tampone o olho leva a erosões corneanas extremamente dolorosas, porém sem se-
lesado e cobrir o olho são, visando a imobilizar o atingido. quelas graves.
Devido ao reflexo de piscar, as queimaduras térmicas do olho
3.5. Corpos Estranhos geralmente se limitam às pálpebras. As leves são tratadas com o
fechamento dos olhos e a colocação de curativo frouxo sobre eles; as
Corpo estranho alojado no globo ocular. Corpos estranhos queimaduras graves provavelmente também atingirão face, corpo e
em córnea são facilmente observáveis, porém, às vezes, difíceis de as vias respiratórias. Após prevenir ou tratar as complicações citadas,
serem retirados. Não mobilizar o corpo estranho, com risco de agra- enxaguar os olhos para remover qualquer material estranho incrusta-
var a lesão. Ocluir o olho com tampão e transportar o paciente. do. Curativos por tempo prolongado aumentam a possibilidade de
infecção e impedem a drenagem de secreções.
Corpo estranho sob pálpebra. Expor a superfície interna da Transportar a vítima ao hospital de referência.
pálpebra superior, puxando os cílios superiores entre o polegar e o
indicador e invertendo a pálpebra superior; dobrá-la contra a haste de 4. TRAUMATISMO DO OUVIDO
cotonete, posicionada com a outra mão; então remover cuidadosa-
mente a partícula com a ponta de gaze estéril ou cotonete úmido O ouvido externo consiste da orelha e um canal de aproxima-
(figura 292). damente 2 cm. A orelha serve para proteger o ouvido médio e preve-
nir danos ao tímpano. A orelha também canaliza as ondas que al-
3.6. Queimaduras Químicas cançam o ouvido para o canal e o tímpano no meio do ouvido. So-
mente quando o som alcança o tímpano, na separação do ouvido
Os acidentes de trabalho revelam-se causas constantes de externo e médio, a energia da onda é convertida em vibrações na
queimaduras oculares. Dependendo do agente químico, a queimadu- estrutura óssea do ouvido.
ra ocular leva até à cegueira. Por isso, é importante administrar trata- O ouvido médio é uma cavidade cheia de ar, consistindo da
mento o mais rápido possível. Geralmente, as queimaduras com bigorna e 3 pequenos ossos interconectados: o martelo, a bigorna e
ácidos são instantâneas, cuja extensão depende da potência do ácido o estribo. O tímpano é uma membrana muito durável e bem estica-
e da duração do contato com os tecidos do olho. As queimaduras por da que vibra quando a onda a alcança. Logo, o tímpano vibra com a
álcalis (bases fortes, como amônia, cal) tendem a ser mais profunda, mesma frequência da onda. Como ela está conectada ao martelo, os
penetrando nos tecidos dos olhos e levando à necrose da córnea e movimentos do tímpano coloca o martelo, a bigorna e o estribo em
conjuntiva. movimento com a mesma frequência da onda. O estribo é conectado
O tratamento consiste em iniciar a lavagem do olho imediata- ao ouvido interno. Assim, as vibrações do estribo são transmitidas ao
mente, de preferência ainda no local onde se deu o acidente, com fluido do ouvido médio e criam uma onda de compressão dentro do
fino jato de água da torneira ou, se possível, água estéril. A rapidez é fluido.

Fig. 292: Procedimento de remoção de corpo estranho sob a pálpebra.


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Fig. 293: Anatomia do ouvido.

O ouvido interno consiste de uma cóclea, canais semicircula- Otoliquorréia pode ocorrer em uma fratura longitudinal mas é
res, e do nervo auditivo. A cóclea e os canais semicirculares são menos comum que na fratura transversa.
cheios de um líquido. O líquido e as células nervosas dos canais
semicirculares não têm função na audição; eles simplesmente ser- Fraturas transversas. Estas fraturas mais frequentemente
vem como acelerômetros para detectar movimentos acelerados e na ocorrem por um trauma severo da porção occipital da calota; entre-
manutenção do equilíbrio do corpo. Quando a frequência da onda de tanto, elas podem também ocorrer de um trauma frontal direto. A
compressão casa com a frequência natural da célula nervosa, a célula fratura transversa requer um trauma muito mais intenso do crânio.
irá ressoar com uma grande amplitude de vibração. Esta vibração
ressonante induz a célula a liberar um impulso elétrico que passa ao Otoliquorréia é comum nesta fratura e muito frequente; é
longo do nervo auditivo para o cérebro. detectada por fluído claro drenando da trompa de Eustáquio para a
nasofaringe.
4.1. Trauma do Ouvido Médio e Osso Temporal Trauma Penetrante. Trauma penetrante do ouvido médio e
osso temporal pode ser relativamente menor, tal como uma lacera-
O ouvido médio e osso temporal são frequentemente envolvi- ção do conduto auditivo devido ao uso de cotonetes, ou severo, in-
dos em acidentes envolvendo trauma da cabeça. Os acidentes mais cluindo FAF do ouvido e osso temporal. Se o tiro não causa morte
frequentes são aqueles envolvendo veículos motorizados; entretanto, instantânea, pode haver comprometimento neurovascular significati-
acidentes industriais e de esporte podem também causar lesões po- vo do osso temporal e base do crânio.
tenciais no osso temporal e ouvido médio. Lesões do ouvido externo (orelhas) geralmente apresentam-se
O tipo de injúria visto com trauma na cabeça pode ser classifi- como contusões, abrasões e lacerações, causadas por raspões ou
cado em duas categorias maiores: trauma fechado do crânio e trau- traumas diretos. As lesões do ouvido médio e interno são frequente-
ma penetrante do crânio.

Trauma Fechado de Crânio. Muito frequentemente ocor-


re como resultado de um objeto sólido ou semi-sólido arremessado
contra a cabeça. A fratura mais comum do osso temporal que ocorre
em trauma fechado, é a fratura longitudinal do osso temporal.

Fraturas longitudinais. Fraturas longitudinais mais fre-


quentemente atravessam algum ponto através do ouvido médio e
comumente pode ocorrer desarticulação dos ossículos, criando uma
perda auditiva condutiva. Sangramento no ouvido médio apresenta
sangramento do canal auditivo externo em fratura longitudinal em
oposição ao sangue contido atrás do tímpano como é frequentemen-
te visto em fraturas transversas.
Fig. 294: Trauma de orelha.

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Capítulo 20 — Traumatismo Facial

mente causados por explosões ou fraturas da base do crânio. Costu- 5.2. Epistaxes
ma haver saída de líquor pelo conduto, junto com sangue.
A epistaxe (sangramento nasal) tem diversas causas. Mais
4.2. Atendimento de Emergência frequentemente, o sangue provém da área de Kiesselbach, localizada
na parte anterior do septo nasal e que contém muitos vasos sanguí-
As lacerações e abrasões do ouvido externo podem ser tratadas neos. Habitualmente, a epistaxe pode ser controlada com a compres-
com curativos compressivos de gaze estéril, destinados a controlar o são de ambos os lados do nariz. Quando esta técnica não consegue
sangramento e a prevenir infecção. Em orelha seriamente mutilada, interromper o sangramento, o médico busca a sua origem. A epista-
aplicar curativo espesso, sem compressão, entre a orelha e o crânio e xe pode ser interrompida temporariamente com a aplicação de pres-
sobre a própria orelha, e transportar a vítima. são no interior do nariz com um chumaço de algodão embebido
Havendo ferimentos no conduto auditivo externo, posicionar com um medicamento que provoca a constrição dos vasos (p.ex.,
cuidadosamente uma bolinha de algodão estéril sobre o ferimento e fenilefrina) e um anestésico local (p.ex., lidocaína). Quando o indiví-
a orelha com gaze estéril, antes de transportar a vítima. duo apresenta um distúrbio que causa tendência ao sangramento, a
As lesões do ouvido interno causadas por explosões ou rajadas fonte do sangramento não é cauterizada porque ela pode voltar a
são em geral muito dolorosas e sangram bastante. Não fazer qual- sangrar.
quer tentativa de limpar o conduto auditivo, retirar coágulos ou oclu- A epistaxe é geralmente óbvia e varia de moderada a severa,
ir o conduto. Colocar o curativo bem-frouxo, apenas para absorver dependendo do tipo e local da lesão. Sintomas de fratura de ossos do
os fluidos, mas não para controlá-los. nariz incluem epistaxe, dor, edema e, geralmente, algum grau de
deformidade, mobilidade de ossos nasais e equimoses de face.
5. TRAUMATISMO DO NARIZ
5.3. Atendimento de Emergência
A parte superior do nariz é constituída por osso e a inferior por
cartilagem. Em seu interior, existe uma cavidade oca (cavidade na- Nos cuidados com a epistaxe resultante de trauma, examinar
sal) dividida em duas passagens pelo septo nasal. Os ossos da face cuidadosamente o líquido eliminado para ter certeza de que não haja
contêm seios, os quais são cavidades ocas que se abrem na cavidade líquor (fluido cérebro-espinhal) misturado ao sangue.
nasal. Caso haja líquor, suspeitar de fratura da base do crânio e colo-
Devido a sua posição proeminente, o nariz é particularmente car a vítima em decúbito lateral para permitir a drenagem. Não fazer
vulnerável a traumatismos. Além disso, distúrbios como infecções, qualquer tentativa de parar o sangramento.
epistaxes e pólipos afetam o nariz. Os seios podem infectar-se e Não havendo líquor misturado ao sangue, tentar conter o san-
causar uma inflamação (sinusite). gramento.
A epistaxe geralmente cessa quando se forma um coágulo
5.1. Fraturas do Nariz contra o ponto de sangramento. Para ajudar na coagulação, fazer
compressão sobre as narinas com o polegar e indicador por 4 ou 5
Os ossos do nariz fraturam-se mais frequentemente que os minutos. O frio também provoca vasoconstrição dos tecidos no local
demais ossos da face. Quando isto ocorre, a membrana mucosa que de sangramento. Por isso, a aplicação de panos frios molhados no
reveste o nariz comumente é lacerada, acarretando sangramento nariz, face e pescoço costuma ser efetiva. Posicionar a vítima senta-
nasal. Como a membrana mucosa e outros tecidos moles inflamam- da, com a cabeça levemente fletida para trás. O tamponamento nasal
se rapidamente, o diagnóstico da fratura pode ser difícil. Mais comu- com gaze é procedimento médico.
mente, a ponte nasal é deslocada para um lado e os ossos nasais o Havendo fratura, realizar curativos para conter o sangramento
são para o outro lado. e prevenir infecções e encaminhar ou transportar a vítima ao hospi-
tal.

6. TRAUMATISMO NA BOCA

Feridas “Cortocontusas” na Cavidade Bucal. Aspirar secre-


ções e, se necessário, fazer compressão com gaze.

Fratura do Maxilar. A fratura do maxilar causa dor e, geral-


mente, altera a forma com que os dentes se encaixam entre si. Fre-
quentemente, a boca não pode ser totalmente aberta ou ela apresenta
um desvio lateral durante a abertura ou o fechamento. A maioria das
fraturas do maxilar se produzem no maxilar inferior (mandíbula). As
fraturas do maxilar superior podem causar visão dupla (porque os
músculos do olho inserem-se nas proximidades), dormência abaixo
Fig. 295: Trauma de nariz e lábio.
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Diretoria de Ensino e Instrução 215
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 296: Trauma de mandíbula.

do olho (devido a lesões nervosas) ou uma irregularidade no osso da


bochecha (malar), que pode ser sentida ao se passar o dedo sobre a
bochecha.
Qualquer traumatismo suficientemente forte para produzir
uma fratura do maxilar também pode produzir uma lesão da coluna
cervical. Por essa razão, antes do tratamento de uma fratura de maxi-
lar, frequentemente são realizadas radiografias para se descartar a
possibilidade de uma lesão medular. Um golpe suficientemente forte
para causar uma fratura do maxilar também pode causar uma con-
cussão cerebral ou um sangramento intracraniano. No caso de sus-
peita de fratura do maxilar, a mandíbula deve ser mantida no lugar,
com os dentes cerrados e imóveis.
A mandíbula pode ser sustentada com a mão ou, de preferên-
cia, com uma faixa passada várias vezes sob o queixo e sobre o ápi-
ce da cabeça. Quem realizar o enfaixamento, deve realizá-lo com
cuidado, evitando cortar a respiração do paciente. Os cuidados médi-
cos devem ser instituídos o mais breve possível, pois as fraturas
podem causar hemorragia interna e obstrução das vias aéreas.

Fraturas do Alvéolo Dentário com Avulsão (arrancamento


do dente)
Recuperar o dente o mais rápido possível e limpá-lo com soro
fisiológico.
Limpar o alvéolo dentário com soro fisiológico.
Recolocar o dente no alvéolo, na posição mais correta possível.
Levar o paciente ao hospital e explicitar a informação de dente
reposicionado, a fim de ser feito atendimento especializado com
imobilização do dente.

Fratura do Alvéolo Dentário com Instrução (penetração) do


Dente na Arca da Óssea: Limpeza, curativo e encaminhamento ou
transporte para atendimento odontológico.

Fratura da coroa do dente: Encaminhar com a coroa para


atendimento odontológico.

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216 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 21
Emergências Obstétricas

N
pela estrutura destinada a nutrir o feto se apropriam de fina camada
do leito uterino, formando a placenta, órgão que supre o feto de ali-
o decurso da gravidez, algumas intercorrências mentos e oxigênio, como as raízes e a terra nutrem a planta. A pla-
podem ameaçar a vida da mãe e/ou da criança, centa a termo pesa cerca de meio quilo. De superfície macia e bri-
configurando situações de emergência que exijam a intervenção do lhante, deixa ver grande número de vasos sanguíneos.
socorrista. Além disso, socorristas podem ser acionados para assistir
ao trabalho de parto normal, desencadeado na via pública. Isso justi- 2.3. Cordão Umbilical
fica prepará-los para atuar nas emergências obstétricas: parto nor-
mal, parto prematuro e abortamento. A placenta e a criança estão conectadas por meio do cordão
umbilical. Ligado ao centro da placenta, o cordão vai até a parede
1. DEFINIÇÕES abdominal da criança, onde penetra pelo umbigo. Ele tem mais ou
menos 50 cm de comprimento e 2 cm de diâmetro. Contém duas
Algumas definições importantes para o entendimento deste artérias e uma veia de grosso calibre, enroladas uma sobre a outra e
capítulo: protegidas contra a pressão por uma substância transparente, azul-
Obstetrícia – É a especialidade médica que cuida da gestante esbranquiçada, gelatinosa, denominada Geléia de Wartton.
desde a fecundação até o puerpério (pós-parto). Envolve três fases:
Gravidez: da concepção ao trabalho de parto. 3. PARTO NORMAL
Parto: período durante o qual a criança e a placenta são expeli-
dos do corpo da mãe para o mundo exterior. É o processo pelo qual a criança é expelida do útero, compre-
Pós-parto (puerpério): período no qual os órgãos de reprodu- endendo quatro períodos: dilatação, expulsão, dequitação da placen-
ção restauram suas condições e tamanhos primitivos, durando apro- ta e Período de Greemberg.
ximadamente seis semanas.
3.1. Período de Dilatação
2. ESTRUTURAS PRÓPRIAS DA GRAVIDEZ
Primeiro período do trabalho de parto, que começa com os
Formadas somente na gestação, juntamente com o feto: primeiros sintomas e termina com a completa dilatação do canal
vaginal. O sinal mais importante neste período de dilatação são as
2.1. Âmnio (Bolsa D'água) contrações do útero, que fazem com que o colo se dilate de 0 (zero)
a 10 (dez) centímetros.
Saco fino e transparente que mantém o feto suspenso no líqui- As contrações uterinas são reconhecidas pela dor tipo cólica
do amniótico. Este saco é limitado por uma membrana macia, escor- referida pela gestante e pelo endurecimento do útero, perceptível à
regadia e brilhante. O espaço preenchido pelo líquido amniótico palpação do abdome.
(bolsa amniótica) é frequentemente chamado de bolsa d'água. Nela é
que a criança fica, movendo-se e flutuando. 3.1.1. Cuidados de Emergência
Funções mais importantes do líquido amniótico:
 Proteger o feto contra pancadas. Tranquilize a ges-
 Permitir liberdade de movimentos ao feto. tante. Demonstre uma
 Manter a temperatura fetal (isolante térmico). atitude alegre, simpática e
 Ajudar a alargar o canal vaginal no trabalho de parto, de encorajadora para com
modo a facilitar o nascimento. ela. Observe e anote as
 Limpar o canal do parto (quando as membranas se rom- características das contra-
pem), lavando-o e lubrificando-o. ções: frequência, duração
e intensidade. A presença
2.2. Placenta do “sinal” (tampão mu-
cossanguinolento, sem
No terceiro mês de gestação, outra importante estrutura estará sangramento vivo em
formada: a placenta, que é uma estrutura carnosa, em forma de pra- quantidade substancial)
to. No final da gravidez, ela mede cerca de 20 cm de diâmetro e 2,5 sugere estar havendo
cm de espessura. Assim como uma árvore emite raízes que agregam rápido desenvolvimento
entre si certa porção de terra, assim também os ramos projetados para o parto, particular- Fig. 297: Feto no útero.
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

mente se associado a frequentes e fortes contrações. Coroamento: a abertura vaginal ficará abaulada e o pólo cefáli-
Insista para que a paciente não faça força e, em vez disso, co da criança poderá ser visto. Isso é o coroamento, o último sinal
encoraje-a para que respire ofegantemente durante as contrações antes que a cabeça e o resto da criança nasçam (figuras 299 e 300).
(respiração de “cachorrinho cansado”). Durante o primeiro período
do trabalho, as contrações uterinas são involuntárias e destinam-se a
dilatar o colo uterino e não a expulsar o feto. Fazer força, além de ser
inútil, leva à exaustão e pode rasgar (dilacerar) partes do canal do
parto. Se você reconhecer que a mãe está no primeiro período do
trabalho de parto, prepare-a para transporte ao hospital.

3.2. Período de Expulsão

A paciente começa a fazer força espontaneamente.


Há repentino aumento nas descargas vaginais. Algumas vezes
os líquidos são claros, com leve sangramento. Isso indica que a ca-
beça da criança está passando através do canal do parto, já completa-
mente dilatado.
A paciente tem a sensação de necessidade de evacuar, sintoma
decorrente da pressão exercida pela cabeça do feto no períneo e,
consequentemente, contra o reto.
As membranas rompem-se e extravasam líquido amniótico.
Embora a “bolsa” possa romper-se a qualquer hora, é mais frequente
seu rompimento no começo do segundo período.
A abertura vaginal começa a abaular-se e o orifício anal a Fig. 299: Coroamento com início da saída da cabeça.
dilatar-se (figura 298). Esses são sinais tardios e anunciam que o
aparecimento da criança poderá ser observado a qualquer nova con- 3.2.1. Cuidados de Emergência
tração. Episódios de vômito a essa altura são frequentes. Caso haja
vômito, cuide para não ocorrer aspiração e obstrução da via aérea. O coroamento significa que a criança pode nascer imediata-
mente. Portanto, adie o transporte para o hospital e prepare-se para
dar assistência ao parto. Na fase que antecede o coroamento é possí-
vel que haja tempo de se chegar a um hospital. Neste caso, inicie o
transporte, mas esteja preparado para estacionar o veículo e comple-
tar o parto a caminho caso o coroamento se consume.

Fig. 298: Início do período de expulsão.


Fig. 300: Saída parcial da cabeça.
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218 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 21 — Emergências Obstétricas

Se o coroamento é observado: da seringa a ser introduzida na boca ou no nariz do RN. Observe que
Providencie o material necessário para a assistência ao parto: o RN respira primeiramente pelo nariz, daí ser sua desobstrução tão
- Compressas esterilizadas; importante quanto a da boca. As manobras de desobstrução da via
- Máscara para oxigenação; aérea devem ser feitas sempre, independentemente de o RN conse-
- Cilindro portátil de oxigênio. guir respirar de imediato ou não.
Estimule a criança, friccionando-a com a mão. Não bata na
Organize o ambiente para o parto, posicionando a gestante de criança. Pode fazer cócegas nas plantas dos pés, com o dedo indica-
preferência sobre uma superfície dura, despida e com membros dor. Manter a criança em decúbito lateral esquerdo para as manobras
inferiores semifletidos, com espaço suficiente para acolher o bebê de estimulação.
entre a vulva e a extremidade da superfície. Calce luvas esterilizadas Quando a criança começar a respirar, volte sua atenção para a
e aguarde a saída do bebê. mãe e o cordão umbilical. Caso as vias aéreas tenham sido desobs-
Num parto normal, a cabeça é normalmente liberada com a truídas e o RN não tenha começado a respirar, inicie manobras de
face voltada para baixo e roda espontaneamente em direção a uma ressuscitação.
das pernas da mãe. Espere isto acontecer antes de segurar a cabeça Faça respiração artificial sem equipamentos: respiração boca-a
com uma das suas mãos. -boca ou boca-nariz-boca. Faça uma ou duas ventilações. Caso a
Enquanto segura a cabeça, verifique se o cordão umbilical não criança consiga respirar sozinha, deixe que o faça. Caso contrário,
está enrolado no pescoço da criança. Se isto estiver acontecendo, institua RCP. Continuar até que a criança comece a respirar ou que
corra seus dedos entre o cordão e o pescoço para afrouxá-lo. Se o um médico ateste o óbito. Transporte a criança a um hospital o
cordão estiver muito apertado, provavelmente estará impedindo a
progressão do nascimento.
Depois que nasceu a cabeça, as contrações uterinas continuam
até as passagem dos ombros que pode ser demorada. Não puxe a
criança. O ombro superior é normalmente o primeiro a apresentar-
se. Uma leve tração da cabeça na direção do chão facilitará a passa-
gem do ombro inferior. Continue a segurar a criança e esteja pronto
para a sua saída repentina. Depois dos ombros nascerem, o resto do
corpo vem rapidamente em seguida. Segure o cordão umbilical de
forma que não se rompa da placenta. Lembre-se que o bebê é muito
escorregadio. Segure com firmeza e delicadeza.

Fig. 302: Saída do segundo ombro.

Fig. 301: Saída do ombro superior.

Deixe o bebê sobre o abdome da mãe, em decúbito lateral,


com a cabeça rebaixada, para drenar fluidos contidos na via aérea.
Limpeza das vias aéreas: limpe a boca por fora, com compres-
sas de gaze; enrole a gaze no dedo indicador para limpar por dentro
a boca do recém-nascido (RN), sempre delicadamente, tentando
retirar corpos estranhos e muco. Para aspirar líquidos, utilizar uma
seringa (sem agulha). Certifique-se de retirar previamente todo o ar
Fig. 303: Saída total do RN.
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Fig. 304: Preparação para o corte do cordão umbilical. Fig. 305: Colocação dos clamps no cordão. Fig. 306: Corte do cordão umbilical.

quanto antes. Depois que a criança estiver respirando, concentre sua e a criança, para ser examinada quanto à possibilidade de algum
atenção no cordão umbilical. pedaço ter ficado na cavidade uterina. Uma compressa estéril pode
Amarre (clampeie) o cordão com cadarço (fio) estéril ou pinça ser colocada na abertura vaginal após a saída da placenta.
hemostática, a aproximadamente 15 a 20 cm do abdome do RN. Os
cordões para a ligadura devem ser feitos de algodão. A aproximada- 3.4. Período de Greemberg
mente 2,5 cm do primeiro cordão, amarre o segundo. Use nós de
marinheiro (anti-deslizantes) e ponha no final três nós de segurança. É o quarto período, que ocorre após a dequitação placentária e
Corte o cordão umbilical entre os dois clamps, usando materi- compreende a interrupção da hemorragia vaginal. Para isso, palpe o
al estéril (tesoura ou bisturi). Envolva a criança em lençol limpo e útero pela parede abdominal, se ele estiver muito frouxo e relaxado e
cobertores e passe-a ao cuidado de um colega. A criança deve ser houver sangramento vaginal, massageie suavemente o abdome da
mantida em decúbito lateral, com a cabeça levemente mais baixa parturiente, comprimindo suavemente o útero. Isto ocasionará a sua
que o resto do corpo. contração e retardará a saída de sangue. Continue a massagear o
útero até senti-lo firme, como uma bola de futebol.
3.3. Dequitação Placentária
4. PASSOS FINAIS NO PARTO DE EMERGÊNCIA
O terceiro período estende-se desde a hora em que a criança
nasce até a eliminação da placenta, que normalmente acontece em Leve a mãe a um hospital, pelas seguintes razões:
até 30 minutos. Junto com ela vem uma a duas xícaras de sangue.
Não se alarme, porque é normal. Não puxe a placenta: aguarde sua A criança deve passar por um exame médico geral.
expulsão natural. Retirada, guardar a placenta numa cuba ou envolta A mãe também deve passar por um exame médico, incluindo
em papel ou compressa, e levá-la ao hospital, juntamente com a mãe o exame do canal do parto, para ver se houve lacerações.

Fig. 307: Preparação para a retirada da placenta. Fig. 308: Retirada suave da placenta através do cordão. Fig. 309: Saída parcial da placenta.
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Capítulo 21 — Emergências Obstétricas

Fig. 310: Saída total da placenta. Fig. 311: Exame visual da placenta. Fig. 312: Placenta já exteriorizada.

Os olhos do RN devem ser bem cuidados para prevenir infec- 5.2. Apresentação Inicial de Pé ou Mão ou Cordão Umbili-
ção. Normalmente é aplicado pelo médico o colírio de nitrato de cal
prata.
O cordão umbilical deve ser examinado por um especialista. Cordão umbilical ou um pé ou uma mão saindo primeiro do
A mãe e a criança devem ser observadas por um período de canal de parto.
tempo.
5.2.1. Cuidados de Emergência
5. PARTOS DIFICULTOSOS
Transporte rapidamente a mãe para um serviço de emergência,
5.1. Parto pélvico (criança sentada) tomando especial cuidado para não machucar a parte exteriorizada
(em prolapso). Não tente repor a parte em prolapso para dentro do
A criança apresenta-se “invertida”, surgindo as nádegas antes canal.
da cabeça. Em parto normal, a criança começa a respirar tão logo o Se um pé, ou mão, ou o cordão estiver para fora, cubra com
tórax nasça ou dentro de breve espaço de tempo. No parto de náde- material estéril (gaze, compressa ou toalha). No caso do cordão fora,
gas, o tórax sai primeiro que a cabeça, sendo impossível a inspira- seja ágil: a criança pode estar em perigo, causado pela compressão
ção, pois as vias aéreas estão bloqueadas dentro do canal vaginal. do cordão entre a cabeça e o canal de parto. Enquanto o cordão esti-
ver comprimido, a criança não receberá quantidades adequadas de
5.1.1. Cuidados de Emergência sangue e oxigênio.
No caso de prolapso do cordão, transporte a mãe em decúbito
Imediatamente após perceber que se trata de parto pélvico, dorsal, com os quadris elevados sobre dois ou três travesseiros ou
prepare-se para segurar a criança, deixando-a descansar sobre sua cobertores dobrados, e administre oxigênio. Isso fará com que a
mão e antebraço, de barriga para baixo. Em determinado momento, criança escorregue um pouco para dentro do útero e receba mais
pernas, quadril, abdome e tórax estarão fora da vagina, faltando oxigênio. Se a mãe puder manter a posição genupeitoral (ajudada
apenas a exteriorização da cabeça, o que pode ser, às vezes, demora- pelo socorrista), o resultado será ainda melhor. Essa posição porém é
do. Se isso acontecer, não puxe a cabeça da criança. Para evitar que difícil de ser mantida durante o transporte.
ela seja asfixiada no canal do parto, crie passagem de ar segurando o
corpo do RN com uma das mãos e inserindo os dedos indicador e 5.3. Asfixia pela Bolsa D'água
médio da outra mão no canal vaginal da mãe, de tal maneira que a
palma da mão fique virada para a criança. Corra os dedos indicador Esta é outra condição incomum de que o socorrista deve ter
e médio ao redor do pescoço da criança até encontrar o queixo. In- conhecimento: a criança pode ficar presa na bolsa d’água quando
troduza os dois dedos abrindo espaço entre o queixo e a parede do começa o trabalho de parto. Deve-se romper a bolsa d’água e retirá-
canal vaginal. Quando encontrar o nariz, separe os dedos suficiente- la da frente da boca e do nariz. Cuidado ao romper a bolsa para não
mente para colocá-los um a cada lado do nariz e empurre a face, machucar o bebê. Puxe a superfície da bolsa antes de furá-la.
criando espaço pelo qual o ar possa penetrar. Mantenha os dedos
nessa posição até a saída total da cabeça. Essa é a única ocasião em 5.4. Trabalho de Parto com Cesariana Anterior
que o socorrista deverá tocar a área vaginal, naturalmente calçando
luvas estéreis. Ao interrogar a mãe, se descobrir que o parto anterior foi cesa-
riana, prepare-se para a possibilidade de se romper a cicatriz da pare-
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de do útero, ocasionando hemorragia interna, que poderá ser grave. 6. ABORTAMENTO


Transporte a mãe imediatamente ao hospital, fazendo antes o parto
se o coroamento estiver presente. O abortamento é a expulsão das membranas e do feto antes
que ele tenha condições de sobrevivência por si só. Geralmente isso
5.5. Partos Múltiplos ocorre antes de 28 semanas de gestação. A gestação normal (ou a
termo) dura 38 a 40 semanas.
O parto de gêmeos (dois ou mais bebês) não deve ser conside-
rado, em princípio, uma complicação; em partos normais, será como 6.1. Sinais e Sintomas
fazer o de uma só criança a cada vez. Os partos sucessivos podem
ocorrer com alguns ou muitos minutos de diferença. Depois que a  Taquicardia.
primeira criança nasceu, amarre o cordão como faria no parto sim-  Sudorese.
ples. Faça o mesmo na(s) outra(s) criança(s).  Palidez.
Nascimentos múltiplos acontecem frequentemente antes de a  Fraqueza.
gestação ir a termo. Por isso, gêmeos devem ser considerados pre-  Cólicas abdominais.
maturos; lembre-se de mantê-los aquecidos.  Sangramento vaginal moderado ou abundante.
 Saída de partículas de pequeno ou grande tamanho pelo
5.6. Recém-nascidos Prematuros canal vaginal.

Considerar a criança prematura se nascer antes de 7 meses de


Em outras palavras, poderão estar presentes todos os sintomas
gestação ou com peso inferior a 2,5 Kg. Não perca tempo tentando
de choque somados ao sangramento vaginal ou, o que é mais co-
pesar a criança; baseie o julgamento no aspecto e na história contada
mum, somados a cólicas abdominais com sangramento vaginal.
pela mãe. A criança prematura é bem menor e mais magra do que a
levada a termo. A cabeça é maior comparada ao resto do corpo,
6.2. Cuidados de Emergência
mais avermelhada e recoberta por uma “pasta” branca.
 Conserve o corpo aquecido.
5.6.1. Cuidados de Emergência
 Molhe os lábios da paciente se a mesma tiver sede, não
permitindo que tome água, pois poderá necessitar de anes-
Necessitam de cuidados especiais; mesmo pesando próximo
tesia no hospital.
de 1 kg; têm maior chance de sobrevida se receberem cuidados a-
 Não toque no conduto vaginal da paciente, para não propi-
propriados. O parto normal prematuro é conduzido como outro
ciar infecção.
qualquer, mas os seguintes pontos são importantes nos cuidados
 Coloque compressas ou toalhas esterilizadas na abertura
com o bebê:
Temperatura Corporal. Agasalhar em cobertor e mantê-la em vaginal.
ambiente à temperatura de 37 graus centígrados. Uma incubadora  Remova a parturiente para um hospital imediatamente.
pode ser improvisada, enrolando a criança em cobertor ou manta
envolto(a) em uma folha de papel alumínio. Mantenha a face da 7. TRAUMA NA GESTAÇÃO
criança descoberta até chegar ao hospital. Se o tempo estiver frio,
ligue o aquecimento antes de introduzir o RN na viatura. A gestação apresenta modificações fisiológicas e anatômicas,
Vias Aéreas Livres. Mantenha as vias aéreas sem muco ou que podem interferir na avaliação da paciente acidentada, necessi-
líquidos. Use gaze esterilizada para limpar nariz e boca. Se usar tando os socorristas desse conhecimento para que realizem avaliação
seringa ou bulbo, certifique-se de esvaziar todo o ar antes de introdu- e diagnóstico corretos.
zi-los na boca ou nariz e aspire vagarosamente. As prioridades do tratamento da gestante traumatizada são as
Hemorragias. Examine cuidadosamente o final do cordão mesmas que a da não-gestante. Entretanto, a ressuscitação e estabili-
umbilical, certificando-se de que não há sangramento (mesmo dis- zação com algumas modificações são adaptadas às características
creto). Caso haja, clampeie novamente. anatômicas e funcionais das pacientes grávidas.
Oxigenação. Administre oxigênio, cuidadosamente. Uma Os socorristas devem lembrar-se que estão diante de duas víti-
“tenda” pode ser improvisada sobre a cabeça da criança com o fluxo mas, devendo dispensar o melhor tratamento à mãe.
de oxigênio dirigido para o topo da tenda e não diretamente para sua
face. Oxigênio pode ser perigoso para prematuros. Usado dosada- 7.1. Alterações Anatômicas
mente (15 a 20 minutos) trará mais benefícios que prejuízos.
Contaminação. A criança prematura é muito suscetível a in- Até a 12ª semana de gestação (3º mês), o útero encontra-se
fecções. Não tussa, espirre, fale ou respire diretamente sobre sua face confinado na bacia, estrutura óssea que protege o feto nesse período.
e mantenha afastadas as demais pessoas. A partir da 13ª semana, o útero começa a ficar palpável no
abdome e, por volta de 20 (vinte) semanas (5º mês), está ao nível da
cicatriz umbilical.
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Capítulo 21 — Emergências Obstétricas

À medida que a gestação vai chegando ao final, o útero vai Avaliação e Tratamento. Sempre oferecer oxigênio suplemen-
ocupando praticamente todo o abdome, chegando ao nível dos arcos tar com máscara a 12 litros/min. Cuidado com o choque fetal.
costais durante a 36ª semana (9º mês). A reposição de volume (soro e sangue) é uma necessidade
O útero crescido fica mais evidente no abdome e, consequente- precoce.
mente, ele e o feto, mais expostos a traumas diretos e possíveis le-
sões. Situação de Útero e Feto. Avaliar sempre a sensibilidade ute-
rina (dor), a altura e o tônus (se está contraído ou não).
7.2. Alterações Hemodinâmicas Obs.: Normalmente o útero não dói à palpação e está sem
contração (relaxado). Verificar a presença de movimentos fetais,
Débito cardíaco – a partir da 10ª semana de gestação, há au- que indicam feto vivo. A ausência pode significar comprometimento
mento do débito cardíaco de 1,0 a 1,5 litro por minuto. da saúde do feto.
Batimentos cardíacos – durante o 3º trimestre, há aumento de Identificar sangramento ou perda de líquido vaginal, que indi-
15 a 20 batimentos por minuto. cam descolamento da placenta (sangue vivo) ou rotura de bolsa
Pressão arterial – no 2º trimestre da gestação, há diminuição de amniótica (líquido claro).
5 a 15 mmHg, voltando aos níveis normais no final da gravidez. Nas roturas uterinas, temos verificado útero com deformidade
Obs.: A maioria das alterações é causada pela compressão do ou até palpação de silhueta fetal (feto solto na cavidade abdominal).
útero sobre a veia cava inferior, deixando parte do sangue da ges- Hemorragia e choque são frequentes nesses casos, sempre indicando
tante “represada” na porção inferior do abdome e membros inferi- grande trauma à gestante.
ores. Descolamento prematuro de placenta — hemorragia via vagi-
nal, com dor e contração uterina, pode ser desencadeada pelo trau-
7.3. Volume Sanguíneo ma.
Obs.: Em função da dilatação dos vasos pélvicos há maior
O volume de sangue aumenta de 40 a 50% do normal no últi- chance de sangramento e hemorragia retroperitonial.
mo trimestre de gestação. Em função desse aumento, a gestante ABCD é o tratamento indicado.
manifesta sinais de choque mais tardiamente, podendo, porém, o
feto estar recebendo pouco sangue (“choque fetal”). 8. CESARIANA NO PRÉ-HOSPITALAR

7.4. Aparelho Gastrointestinal Realizá-la nos casos de mãe moribunda ou em óbito. O feto
deve ser viável (após a 26ª semana), estando o útero entre a metade
No final da gestação, a mulher apresenta um retardo de esvazi- da distância da cicatriz umbilical e o rebordo costal.
amento gástrico, considerada sempre com “estômago cheio”. Poderá Com a mãe mantida em RCP, realizar a incisão mediana, reti-
ser necessário SNG (sonda nasogástrica) precoce. As vísceras abdo- rar o feto o mais rápido possível, reanimá-lo e transportá-lo a hospi-
minais no 3º trimestre da gestação ficam deslocadas e comprimidas, tal que tenha UTI neonatal.
estando “parcialmente” protegidas pelo útero, que toma praticamen- O fator mais importante de sobrevida fetal é o tempo entre o
te toda a cavidade abdominal. óbito materno e a cesariana:

7.5. Aparelho Respiratório  De 0 a 5 minutos – excelente.


 De 5 a 10 minutos – razoável.
Frequência e dinâmica respiratórias não se alteram.  De 10 a 15 minutos – ruim.
 Acima de 15 minutos – péssimo.
7.6. Diagnóstico e Conduta

Posição. Como no final da gestação o peso que o útero exerce


sobre a veia cava inferior promove redução de 30 a 40% do débito
cardíaco, a grávida deverá ser transportada em decúbito lateral es-
querdo sempre que possível, a menos que tenha alguma contra-
indicação, como, por exemplo, suspeita de fratura de coluna ou baci-
a. Transportá-la, então, em decúbito dorsal, mas empurrar manual-
mente o útero para o lado esquerdo.
Esse cuidado no transporte é um dos detalhes mais importantes
no atendimento à gestante traumatizada.

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224 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 22
Afogamento

A
são. Entretanto, este último termo tem sido questionado nos últimos
tempos e alguns especialistas sugerem que não seja mais utilizado.
história do afogamento no Brasil se iniciou na Atualmente, o termo “near-drowning” traduzido como “quase
cidade do Rio de Janeiro, então capital do país. -afogamento” é ainda hoje erroneamente utilizado e significa afoga-
Privilegiada por belezas naturais incomparáveis, destacando-se as dos que não falecem em até vinte e quatro horas após o incidente.
suas praias e favorecida por clima de natureza tropical funcionaram Já o termo “drowning” refere-se às vítimas que falecem em até vinte
como a principal fonte de lazer e atração turística, determinando um e quatro horas. Estas nomenclaturas subestimam o número total de
fluxo permanente e intenso de banhistas de todo o mundo durante o óbitos por afogamento, resultando em um grande erro no perfil epi-
ano inteiro. Entretanto, as belezas de seu litoral, na maioria das vezes, demiológico. Vários autores demonstraram sua preocupação quanto
escondem que suas praias, com ondas e correntezas fortes, podem a esta definição imprecisa em uso, mostrando que ela está em desa-
tornar-se potencialmente perigosas com risco de afogamentos. Essas cordo com os parâmetros prognósticos internacionais definidos em
características tornaram a cidade do Rio de Janeiro uma das regiões “Utstein-Style”. Em agosto de 2000, com a edição dos novos
com o maior índice desta forma de acidente no país. Sensível a esta “Guidelines” da “American Heart Association” aprovados pelo
realidade, em 1914, o Comodoro Wilbert E. Longfellow fundou ILCOR , e com a realização do Congresso Mundial de Afogamento
naquela cidade, o Serviço de Salvamento da Cruz Vermelha Ameri- em 2002 na Holanda, o termo quase-afogamento caiu definitiva-
cana. mente em desuso. Segue abaixo a nova definição de afogamento:
À época, o objetivo era organizar e treinar guarda-vidas volun- Afogamento (Drowning): aspiração de líquido não corporal
tários, que atuariam em postos de salvamento, não apenas no Rio de por submersão ou imersão.
Janeiro, mas por todo o país, supervisionando praias desguarnecidas. Resgate: pessoa resgatada da água sem sinais de aspiração
Sentindo a ineficiência de tal estratégia, adotou-se uma campanha a líquida.
nível nacional, cujo slogan era: “Toda pessoa deve saber nadar e Já Cadáver: morte por afogamento sem chances de iniciar
todo nadador deve saber salvar vidas”, na tentativa de despertar a ressuscitação, comprovada por tempo de submersão maior que uma
população para o problema da segurança nas águas de todo o Brasil. hora, ou sinais evidentes de morte há mais de uma hora: rigidez
O crescimento demográfico explosivo, a intensa emigração cadavérica, livores, ou decomposição corporal.
para a cidade do Rio de Janeiro e a melhoria das condições de vida Como o papel dos socorristas em todas as vítimas de inciden-
da população a partir dos anos 1950 provocaram um aumento do tes com água é iniciar a reanimação no local, pode ser mais prático
contato do homem com o mar, alertando as autoridades da época evitar qualquer tipo de confusão com os dois primeiros termos e
para a necessidade da criação de um serviço de salvamento e resgate usar o termo incidente de submersão, que engloba o afogamento e
especializado em acidentes aquáticos. Criou-se, então, em 1963, o o quase-afogamento. Além disso, o termo incidente de submersão
Corpo Marítimo de Salvamento — Salvamar, subordinado à Secreta- aplica-se independentemente da evolução do paciente no local, a
ria de Segurança Pública, que iniciou suas atividades com um grupo caminho do hospital ou, mais tarde, no hospital. Isto pode ajudar a
pequeno de amadores, recrutados entre pessoas com afinidade e ex- evitar que os socorristas façam qualquer tipo de julgamento no sen-
periência para este tipo de socorro em praias. tido de interromper as manobras de reanimação com base no meca-
nismo de trauma, na duração da submersão, na temperatura da água
1. DEFINIÇÃO ou na ausência de sinais vitais. Este último ponto é muito importan-
te, porque existem diversos registros de pacientes que sobreviveram
Os incidentes de submersão em água provocadores de lesão após longos períodos (> 30 minutos) de submersão em água gelada.
são muito comuns. O afogamento continua sendo uma causa impor- O início das manobras de reanimação cardiopulmonar (RCP), de
tante de morte em todos os grupos etários, mas é epidêmico em modo imediato e efetivo e a ativação dos serviços médicos de emer-
crianças. As lesões por submersão representam um custo substanci- gência (SME) pelos circunstantes são dois fatores importantes que
al para a sociedade; estima-se que entre 450 e 650 milhões de dóla- influenciam a sobrevivência da vítima de submersão.
res ou mais sejam gastos anualmente com esses pacientes. A termi- As estratégias de prevenção são vitais no esforço de diminuir
nologia que descreve essas vítimas continua a evoluir. Há trinta e os índices de incidentes por submersão. Muitos programas educaci-
cinco anos, “afogamento” era definido como o processo por meio onais estão enfatizando a redução da entrada não intencional na
do qual animais que respiram ar sucumbem quando submersos em água de lactentes e de crianças, encorajando a instalação de diversos
um líquido, e “quase-afogamento” foi definido como submersão tipos de barreiras ao redor de piscinas (p. ex., cercas de isolamento,
associada à sobrevivência, pelo menos temporária. O termo coberturas para piscinas, alarmes). Além disso, a RCP iniciada por
“afogamento secundário” foi utilizado para descrever os pacientes alguém que tenha presenciado o incidente, antes da chegada dos
que inicialmente se recuperavam de uma lesão por submersão, mas socorristas, associa-se a melhor prognóstico.
depois faleciam por insuficiência respiratória secundária à submer-
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2. EPIDEMIOLOGIA 3.3 Imersão Acidental em Água Gelada

A cada ano, mais de quinhentas mil pessoas falecem em de- Outra situação que põe as pessoas em grande risco de afoga-
corrência de afogamento em todo o mundo. No Brasil, o afogamen- mento é a imersão em água gelada. As alterações fisiológicas que
to representa a sétima causa de morte em todas as idades, a segunda ocorrem com a imersão em água gelada podem ter um efeito desas-
causa na faixa etária de um a quatorze anos e a quinta causa de troso ou um efeito protetor do frio sobre o organismo, dependendo
morte nos bebês (até um ano de idade). Anualmente, cerca de 7.500 de várias circunstâncias. Os resultados adversos são mais comuns,
brasileiros morrem. Aproximadamente 600 vítimas não são encon- resultando em colapso cardiovascular e morte súbita minutos após a
tradas. Um milhão e trezentos mil são salvos em nossas águas e imersão em água gelada.
260.000 são hospitalizados. Estes dados catastróficos impulsiona-
ram um grande avanço nesta área nos últimos 10 anos. 3.4. Idade
O afogamento é definido como “trauma” e contribui com
uma parcela significativa na mortalidade brasileira atualmente. Em É reconhecido que o afogamento é um acidente que ocorre em
sua grande maioria, está relacionado ao lazer familiar e é geralmen- pessoas jovens, sendo as crianças pequenas o grupo mais afetado,
te testemunhado por parentes, ou menos frequentemente se insere em decorrência da sua natureza inquisitiva e pela ausência de super-
em seu contexto. Situações de catástrofe familiar podem ser obser- visão dos pais. As crianças com menos de um ano têm os maiores
vadas quando famílias inteiras afogam-se juntos, por desconheci- índices de afogamento.
mento, ou pela tentativa infrutífera de salvar uns aos outros.
3.5. Sexo
3. FATORES DE SUBMERSÃO
Os homens constituem mais da metade das vítimas de submer-
Alguns fatores específicos colocam os indivíduos em maior são. Ocorre um pico de incidência de afogamento em homens por
risco de incidentes por submersão. O reconhecimento destes fatores volta dos dois anos, depois diminui até os dez anos de idade e, a
aumenta o nível de atenção e ajuda a criar estratégias e políticas de seguir, aumenta rapidamente para atingir um novo pico aos dezoito
prevenção para minimizar as ocorrências. Para bebês e crianças pe- anos. Homens mais velhos podem apresentar um maior risco de
quenas, o principal fator de risco é a supervisão inadequada e, para afogamento por conta de maiores índices de exposição às atividades
adolescentes e adultos, é o comportamento de risco e o uso de dro- aquáticas, maior consumo de álcool quando próximos da água e
gas, dentre elas, o álcool. comportamento mais arriscado.

3.1. Capacidade de Nadar


3.6. Raça

Não existe associação consistente entre a capacidade de nadar


Crianças de raça negra estão mais envolvidas em incidentes de
e o afogamento. Homens de raça branca apresentam uma maior
submersão quando comparadas às crianças de raça branca. As crian-
incidência de afogamentos quando comparados às mulheres de mes-
ças negras tendem a afogarem-se em açudes, lagos e outras fontes
ma raça, mesmo sendo referido que eles nadam melhor. Apesar de
naturais de água. O índice de afogamento de crianças negras do sexo
as mulheres de raça negra não nadarem muito bem, elas têm um
masculino é três vezes superior ao de crianças brancas do mesmo
índice de afogamentos muito baixo. Um estudo mostrou que pessoas
sexo. Acredita-se que a maior incidência de vítimas de submersão
que não nadam ou são iniciantes foram responsáveis por 73% dos
em crianças negras esteja relacionada com não saber nadar bem,
afogamentos em piscinas domiciliares e 82% dos incidentes em
comportamento de risco, abuso de álcool e drogas e condições soci-
canais, lagos e açudes.
oeconômicas.
3.2. Desmaio em Água Rasa
3.7. Localização
Alguns nadadores desejam aumentar a sua distância de nado
Os incidentes por submersão tipicamente ocorrem em piscinas
hiperventilando de modo intencional antes de progredir por baixo da
domiciliares e no oceano, mas também ocorrem em baldes. Casas
água, na tentativa de diminuir a pressão parcial do dióxido de carbo-
em áreas rurais com poços abertos levam a um aumento de sete
no arterial (PaCO2). Isto diminui o feedback para que o centro respi-
vezes o risco de afogamento de uma criança pequena. Outros luga-
ratório no hipotálamo aumente a ventilação durante o período em
res perigosos são barris de água, fontes e cisternas subterrâneas.
que prende-se a respiração. Esses indivíduos correm risco de ter um
incidente por submersão, porque a pressão parcial do oxigênio arteri-
3.8. Álcool e Drogas
al (PaO2) não muda de modo significativo com a hiperventilação.
Conforme o indivíduo continua a progredir por baixo da água, a
PaO2 cai muito, podendo causar perda de consciência e hipóxia cere- O álcool é a principal droga associada a incidentes por sub-
bral. mersão, provavelmente por causar uma diminuição da capacidade
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Capítulo 22 — Afogamento

de julgamento. Até 30% dos afogamentos em adultos ocorrem por nos pulmões. Aproximadamente 15% dos afogamentos são denomi-
conta de acidentes com barcos, nos quais os ocupantes não pensaram nados “afogamentos secos”, porque um laringoespasmo intenso im-
direito, estavam em alta velocidade, sem coletes salva-vidas ou diri- pede a aspiração de líquido para os pulmões. Os 85% dos incidentes
giam a embarcação de modo imprudente. de submersão restantes são considerados “afogamentos molhados”,
nos quais o laringoespasmo relaxa, a glote se abre e a vítima aspira
3.9. Doença Subjacente ou Trauma água para os pulmões. Teoricamente, existem efeitos diferentes sobre
o sistema pulmonar quando água doce (hipotônica) ou água salgada
(hipertônica) entra no pulmão. No afogamento em água doce, o líqui-
O início de uma doença causado por uma patologia subjacente
do hipotônico entra no pulmão e passa dos alvéolos para o espaço
pode ser responsável por vítimas de submersão. Hipoglicemia, infar-
intravascular, causando uma sobrecarga de volume e um efeito dilu-
to do miocárdio, arritmias cardíacas, depressão e tendências suicidas
cional sobre os eletrólitos e outros componentes do plasma. Por sua
e síncope predispõem a incidentes de afogamento. Lesões de coluna
vez, na aspiração de água salgada, o líquido hipertônico entra nos
cervical e traumas de crânio devem ser suspeitados em todos os inci-
pulmões e provoca a passagem de mais líquido do espaço intravascu-
dentes sem testemunhas e nas lesões que envolvem praticantes de
lar para os alvéolos, causando edema pulmonar e hipertonicidade do
bodyboard, surf e vítimas de mergulho em águas rasas ou águas com
plasma.
objetos submersos, como pedras ou árvores.
Recentemente foi demonstrado que não existem reais diferen-
ças entre os afogamentos secos e molhados e entre a aspiração de
3.10. Abuso Infantil
água doce e água salgada. Para os socorristas, a denominação co-
mum em qualquer um destes quatro cenários de submersão é o de
Uma alta incidência de abuso infantil é registrada em crianças hipóxia causada por laringoespasmo ou aspiração de água. O trata-
que sofreram incidentes por submersão, particularmente em banhei- mento no local deve ser direcionado para a reversão da hipóxia, pre-
ras. Um estudo realizado nessas crianças entre 1982 e 1992 demons- venindo a parada cardíaca. Lembrar sempre que o indivíduo envolvi-
trou que 67% apresentavam achados de história ou fisiológicos com- do em um incidente por pode ter outras lesões associadas, como fra-
patíveis com o diagnóstico de abuso ou negligência. Consequente- turas e ferimentos.
mente, é altamente recomendado que qualquer suspeita de acidentes
em banheiras seja comunicado aos serviços sociais e/ou policiais
5. SOBREVIVENDO A UMA SUBMERSÃO EM
locais para uma investigação apropriada.
ÁGUAS GELADAS

3.11. Hipotermia
Dentre os diversos casos de submersão prolongada, alguns
pacientes que ficaram submersos por mais de sessenta e seis minutos
O afogamento pode resultar diretamente de uma imersão pro- chegaram ao hospital com hipotermia grave, mas se recuperaram,
longada que leva à hipotermia. com função neurológica completa ou parcial. Nesses incidentes de
submersão, a menor temperatura corporal registrada foi 14,4°C em
4. MECANISMO DE LESÃO uma mulher adulta. Em outro caso, uma criança sobreviveu intacta
depois de ficar submersa em água gelada durante 40 minutos, com
Um cenário comum de um incidente de imersão parcial ou total uma temperatura corporal de 24°C. Após sessenta minutos de reani-
em água começa com uma situação que cria uma resposta de pânico, mação, houve o retorno da circulação espontânea.
que leva a prender a respiração, falta de ar e aumento da atividade Não existem explicações para tais casos, mas a hipotermia é
física em um esforço de se manter ou chegar até a superfície da água. considerada protetora. A imersão em águas geladas pode levar a uma
De acordo com o que a maioria das testemunhas relata, raramente se rápida hipotermia por causa da troca de calor com a superfície e con-
observa as vítimas de submersão gritando ou acenando por ajuda sequente resfriamento central. Além disso, a deglutição ou aspiração
enquanto lutam para se manter acima da superfície da água. Pelo de água gelada podem contribuir para o rápido resfriamento. A hipo-
contrário, elas são vistas flutuando na superfície, imóveis, ou mergu- termia de início rápido no afogamento em água doce pode resultar
lham e não conseguem subir. Na continuação do incidente de sub- em resfriamento central pela aspiração pulmonar e rápida absorção
mersão, um esforço inspiratório reflexo joga água na faringe e na de água gelada com o subsequente resfriamento cerebral.
laringe, causando uma resposta de sufocamento e laringoespasmo. O Outro fator que pode explicar a sobrevivência de algumas cri-
laringoespasmo é o primeiro passo do sufocamento, que por sua vez anças é o reflexo de mergulho dos mamíferos. O reflexo de mergulho
faz com que a vítima perca a consciência e afunde ainda mais na dos mamíferos diminui a frequência cardíaca, desvia sangue para o
água. cérebro e fecha as vias aéreas. Entretanto, evidências recentes indi-
Há anos existem controvérsias a respeito da fisiopatologia do cam que o reflexo do mergulho, presente em vários mamíferos, per-
afogamento, principalmente sobre as diferenças entre o afogamento manece ativo somente em 15 a 30% dos humanos, apesar de explicar
em água doce e em água salgada e sobre a entrada ou não de água em parte a sobrevivência de algumas crianças.
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Toda vítima de incidente de submersão deve receber esforços mente ao tempo e ao grau de hipóxia, embora diversos autores te-
completos de reanimação, a despeito da presença ou ausência de nham tentado estabelecer parâmetros radiológicos e respiratórios
qualquer um destes fatores. para sua avaliação inicial. As crianças em grau 6 apresentam lesão
neurológica com maior frequência por possuírem boa condição
6. CLASSIFICAÇÃO DO AFOGAMENTO cardiovascular prévia e maior facilidade no sucesso da RCP. Elas
costumam evoluir rapidamente para a cura ou permanecem em
estado de coma prolongado, onde a mortalidade e o índice de seque-
A classificação clínica de afogamento é baseada em estudo
as são altos. Considerando todas as faixas etárias no pós-PCR (para
retrospectivo de 41.279 casos de resgates na água, registrados por
os casos de RCP realizada dentro do hospital), 30% evoluem para
guarda-vidas no período de 1972 a 1991. Deste total, 2.304 casos
encefalopatia anóxica [estado vegetativo persistente (PVS)], 36%
(5,5%) foram encaminhados ao Centro de Recuperação de Afoga-
morrem em alguns dias, e 34% tem alta sem sequelas neurológicas.
dos (CRA). Os 38.975 casos restantes não necessitaram de atendi-
A necessidade de RCP em pacientes à chegada no serviço de emer-
mento médico e foram liberados no local do acidente com o diag-
gência, em que não houve hipotermia, resulta em morte ou em au-
nóstico apenas de resgate sem afogamento. Dentre 2.304 casos ava-
mento do número de PVS. O uso de medidas agressivas (coma bar-
liados, a classificação foi baseada em 1.831 casos que apresentaram
bitúrico, hipotermia provocada) na proteção cerebral só parece au-
uma mortalidade de 10,6% (195 casos). Considerando a avaliação
mentar esta estatística. Nenhum índice no local ou no hospital em
destes parâmetros clínicos e a demonstração de sua diferente morta-
relação ao grau 6 em prever o prognóstico é absolutamente confiável
lidade, apresentamos no algoritmo ao final deste capítulo um resumo
em relação ao óbito ou à sobrevida com ou sem sequelas.
prático de seu uso que está de acordo com o último consenso de
Suporte Básico de Vida em afogamento (BLS), da AHA.
A classificação de afogamento leva em consideração o grau de 8. AVALIAÇÃO
insuficiência respiratória que indiretamente está relacionado à quan-
tidade de líquido aspirado, determinando a gravidade do caso. A As prioridades iniciais de qualquer paciente vítima de submer-
parada respiratória no afogamento ocorre segundos até minutos são incluem:
antes da parada cardíaca. O quadro clínico do afogamento é alta-  Prevenir lesões, tanto para o paciente, como para as pessoas
mente dinâmico, com piora ou mais frequentemente com melhora que estão prestando o socorro.
clínica, seguindo-se um período de estabilização com uma fase de  Iniciar rapidamente a retirada da água e o transporte para o
recuperação mais lenta. A classificação do grau de afogamento deve pronto-socorro.
ser feita no local do acidente. Embora nem sempre possível, esta
 Resgate da água de forma segura.
conduta demonstra a real gravidade e indica a terapêutica apropriada
 Avaliar os ABCs (vias aéreas, respiração e circulação).
e o prognóstico mais preciso. A presença de patologia pregressa ou
associada (afogamento secundário) representa um fator de complica-  Reverter a hipóxia.
ção na hora de classificar o grau de afogamento e deve ser bem ava-  Restaurar ou manter a estabilidade cardiovascular.
liada.  Impedir que ocorra mais perda de calor corporal.
Em todos os casos de afogamento em que o lazer na água
precede o quadro de afogamento, em algum tempo ocorre hipoter- Inicialmente, é mais seguro presumir que a vítima de submer-
mia. são está hipóxica e hipotérmica, até que se prove o contrário. Conse-
quentemente, devem ser feitos todos os esforços para estabelecer
7. PROGNÓSTICO uma respiração eficiente durante o resgate na água e para retirar o
paciente da água e de outras fontes de frio, visando a diminuir ao
A hospitalização deve ser indicada em todos os graus de afoga máximo a continuação da perda de calor. Deve ser feita uma avalia-
- mento de 2 a 6 (ver algoritmo 1 — BLS em afogamento). ção rápida do dorso e das extremidades, para procurar lesões com
Devemos considerar que o afogamento grave (graus 3 a 6) tem risco de morte, e uma avaliação da possibilidade de trauma craniano
potencial para provocar lesão sistêmica multiorgânica. Com o ad- e de lesão de coluna cervical, particularmente se houver suspeita de
vento dos novos avanços utilizados em terapia intensiva, não há trauma associado ao incidente de submersão (p. ex., quedas, aciden-
como negar todavia que a importância do sistema nervoso central no tes náuticos, mergulho em água com perigos subaquáticos). Entre-
prognóstico predomina sobre os outros órgãos. Através da observa- tanto, foi demonstrado que a vítima típica de submersão tem uma
ção de diversos casos de afogamento, concluímos que os pacientes incidência baixa de lesões traumáticas.
Avalie a saturação de oxigênio pela oximetria de pulso. Avalie
graus 1 a 5 quando sobrevivem, raramente apresentam sequelas,
os distúrbios do ritmo cardíaco. Os pacientes que sofreram submer-
evoluindo para a cura em quase 95% dos casos. A determinação do
são muitas vezes apresentam arritmias secundárias à hipóxia e hipo-
prognóstico nos casos de afogamento grau 6 é dependente principal-
termia. Avalie o nível de consciência e a função neurológica de to-
mente da existência ou não de lesão neurológica relacionada direta-
das as extremidades, pois muitas vítimas de submersão desenvol-
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Capítulo 22 — Afogamento

vem lesão neurológica permanente. Faça a avaliação do escore da são até que a avaliação hospitalar prove o contrário. Deve-se dar
escala de coma de Glasgow e continue a avaliar sua evolução. Re- ênfase à correção da hipóxia, da acidose e da hipotermia. Todos os
mova todas as roupas molhadas e avalie a temperatura para determi- pacientes com suspeita de trauma devem ter a coluna cervical imobi-
nar o nível de hipotermia, iniciando os procedimentos para minimi- lizada. Nos pacientes não-responsivos, use a aspiração para desobs-
zar uma maior perda de calor. truir as vias aéreas e mantenha as vias aéreas abertas com um dispo-
As seguintes variáveis são preditivas de uma evolução mais sitivo auxiliar de vias aéreas. A hipóxia e a acidose podem ser corri-
favorável nas vítimas de afogamento: gidas com um suporte ventilatório efetivo. Os pacientes em apneia
 Crianças de 3 anos ou mais. devem ser ventilados com máscara facial, associada a um balão
dotado de válvula unidirecional.
 Sexo feminino.
 Temperatura da água inferior a 10°C.
9.1. Reanimação do Paciente
 Duração da submersão inferior a 10 minutos.
 Ausência de aspiração.
O início rápido de RCP efetiva e dos procedimentos-padrão de
 Intervalo entre o acidente e o início do SBV inferior a dez SAV nas vítimas de submersão em parada cardíaca associam-se a
minutos. maiores chances de sobrevivência. As vítimas podem apresentar
 Retorno rápido de um débito cardíaco espontâneo. assistolia, atividade elétrica sem pulso (AESP) ou taquicardia/
 Débito cardíaco espontâneo na chegada ao pronto-socorro. fibrilação ventricular sem pulso. Siga a versão atual das diretrizes da
 Temperatura inferior a 35°C. American Heart Association (AHA) para a RCP, descritas no capí-
tulo 12 deste manual.
 Ausência de coma e escore de Glasgow acima de seis na
chegada ao pronto-socorro. Não se recomenda a RCP dentro da água, pois a profundida-
de das compressões do tórax dentro da água não é eficaz. Além de
 Pupilas reagentes.
retardar o início de uma reanimação efetiva fora da água, a tentativa
de reanimação dentro da água expõe as pessoas que estão prestan-
9. TRATAMENTO do o resgate ao risco de fadiga, água gelada, ondas e correntes de
água. Deve ser dada ênfase no estabelecimento de uma via aérea
Um paciente que tenha sofrido qualquer forma de incidente de patente e em oferecer ventilação de resgate nos pacientes apneicos,
submersão, mesmo que não apresente nenhum sinal ou sintoma na dependendo da posição do paciente na água, do número de socorris-
avaliação, ainda precisa de acompanhamento no hospital depois de tas e do equipamento disponível (p. ex., prancha para uso na água).
ser avaliado no local. Em geral, todos os pacientes sintomáticos são Quando o resgate envolver um terreno inclinado, não se reco-
internados em um hospital durante pelo menos vinte e quatro horas menda mais colocar o paciente com a cabeça para baixo (nem cabeça
para tratamento de suporte e observação, pois a avaliação clínica para cima) em um esforço para facilitar a drenagem das vias aéreas.
inicial pode ser enganosa. Muitos pacientes assintomáticos são libe- Foi demonstrado que a reanimação é mais bem sucedida quando o
rados após seis a oito horas, dependendo dos achados clínicos no paciente é colocado no chão, na horizontal, paralelo à água, com
hospital. É importante obter uma boa história do incidente, detalhan- ventilação e compressão torácica eficientes. Manter o paciente no
do o tempo estimado de submersão e a história médica pregressa. chão, na horizontal, evita a diminuição do fluxo sanguíneo cerebral
Todas as vítimas de submersão devem receber oxigênio em durante a compressão do tórax, que pode ocorrer quando o paciente é
alto fluxo (12-15 L/min) independentemente do estado respiratório, colocado com a cabeça para cima, ou o aumento da pressão intra-
devido à preocupação de desconforto respiratório tardio, particular- craniana, que pode ocorrer quando o paciente é colocado com a cabe-
mente se o paciente vier a ter falta de ar. Transporte o paciente para ça para baixo. Além disso, não existem evidências que indiquem
um pronto-socorro para avaliação, porque depois de um incidente de mais eficácia da drenagem pulmonar com alguma manobra em
submersão muitos pacientes ficam assintomáticos em um período de particular.
quatro a seis horas. Os pacientes assintomáticos podem recusar o No passado, era sugerido utilizar a manobra de Heimlich nas
transporte, por não terem nenhuma queixa importante imediata. vítimas de afogamento. No entanto, a manobra de Heimlich foi ideali-
Nesses casos, oriente o paciente sobre os sinais e sintomas tardios zada para a obstrução de vias aéreas e não remove a água das vias
em um incidente de submersão, explicando que muitas vítimas de- aéreas nem dos pulmões. Em vez disso, ela pode induzir o vômito
senvolvem complicações secundárias à lesão pulmonar. É necessá- nas vítimas de afogamento, aumentando o risco de aspiração. Atual-
ria persuasão firme e persistente para que o paciente concorde em mente, a AHA e o Institute of Medicine recomendam não usar a
ser transportado ou vá para o pronto-socorro mais próximo para manobra de Heimlich, a menos que as vias aéreas estejam bloquea-
avaliação mais detalhada e observação. das por corpos estranhos. Se o paciente recuperar a respiração es-
Um paciente sintomático que tem história de submersão e pontânea, ele deve ser colocado em decúbito lateral direito, com a
sinais de desconforto respiratório (p. ex., ansiedade, taquipneia, dis- cabeça em uma posição ligeiramente inferior à do tronco para dimi-
pneia, tosse) é considerado como tendo lesão pulmonar por submer- nuir o risco de aspiração se o paciente vomitar.
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As diretrizes aceitáveis para considerar que uma vítima está na, com um portão que se feche e se tranque automatica-
em morte evidente são: apneia, ausência de pulso, lividez post- mente.
mortem, rigor mortis ou outras lesões incompatíveis com a vida.  Não permita que as crianças utilizem boias de braço ou
Um paciente retirado de água morna sem sinais vitais ou que tenha outros equipamentos cheios de ar.
sido submetido a esforços de reanimação por mais de trinta minu-  Evite brinquedos que atraiam as crianças para perto de
tos pode ser considerado morto no local. piscinas.
 Desligue as bombas dos filtros enquanto a piscina estiver
10. PREVENÇÃO sendo utilizada.
 Use telefones sem fio e celulares quando estiver perto da
Os socorristas têm grandes oportunidades de difundir a segu- piscina, para evitar a necessidade de sair de perto para aten-
rança na água e educar as pessoas de suas comunidades, com ênfase der o telefone em outro local.
na comunicação dos fatores de risco de áreas previamente identifica-
 Mantenha o equipamento de resgate (p. ex., gancho do
das. Além disso, deve ser enfatizada a prevenção para todas as equi-
pastor, salva-vidas) perto da piscina.
pes de socorristas dos SME e o resto do pessoal de segurança públi-
 Não tente, nem permita que façam hiperventilação para
ca, que vai para o local do afogamento, de modo que não venham a
aumentar o tempo de nado debaixo da água.
tornar-se também vítimas de submersão. Uma vítima de afoga-
mento em pânico e se debatendo pode ser perigosa para um socor-  Não mergulhe em água rasa.
rista aquático não preparado, podendo provocar um afogamento du-  Todas as crianças devem aprender a nadar por volta dos
plo. Os socorristas devem avaliar o problema rapidamente, contro- dois anos de idade.
lar o local para impedir que curiosos entrem na água e assegurar sua  Depois de as crianças terminarem de nadar, feche o acesso
própria segurança. à piscina para que não possam voltar.
A educação da comunidade a respeito dos incidentes de sub-  Todos os membros da família e outras pessoas que cuidam
mersão devem incluir as seguintes recomendações: das crianças devem aprender as manobras de RCP.
Praias:
 Nade sempre perto de um guarda-vidas. 11. SALVAMENTO
 Pergunte ao guarda-vidas quais são os locais seguros para
nadar. Muitas organizações de segurança na água recomendam o uso
 Não superestime a sua capacidade de nadar. de profissionais altamente habilitados que façam regularmente trei-
 Cuide sempre de suas crianças. namento em resgate aquático, retirada e reanimação. Entretanto, na
 Nade longe de píeres, pedras e estacas. ausência desses profissionais, os primeiros socorristas devem consi-
derar a sua própria segurança e a segurança dos outros socorristas
 Evite a ingestão de álcool e de refeições pesadas antes de
antes de tentar um resgate dentro da água. Muitos primeiros socor-
nadar.
ristas bem intencionados tornam-se também vítimas, porque não
 Leve as crianças perdidas até o guarda-vidas mais próximo. deram prioridade à sua própria segurança.
 Saiba que mais de 80% dos afogamentos no oceano ocor- Lembrar sempre:
rem em áreas de correntes marinhas. Quando possível, as vítimas vestindo coletes salva-vidas e com
 Nunca tente resgatar alguém sem saber o que está fazendo, as vias aéreas livres devem ser retiradas da água em posição hori-
muitas pessoas morrem durante estas tentativas. zontal.
 Se for pescar nas pedras, tenha cuidado com as ondas que Suspeitar de lesão da coluna cervical em vítimas inconscientes
podem jogá-lo no oceano. por afogamento em águas rasas. Proceder a imobilização adequada
 Não mergulhe em águas rasas; há perigo de lesão cervical. para a sua retirada.
 Fique longe de animais marinhos. Tomar quatro tipos de providências nos episódios de submer-
 Leia e siga os sinais existentes nas praias. são:
1. Jogar algum objeto para a vítima se apoiar: boia, colete
salva-vidas, tábuas, cadeiras, portas, mesas, trouxa de roupas, bola
Piscinas:
de futebol, prancha de surf. Pneu ou estepe, mesmo com aro, podem
 É necessária a supervisão de um adulto, observando cuida-
suportar até três pessoas.
dosamente todas as crianças.
2. Rebocar: providenciar um cabo para rebocar a vítima no
 Nunca deixe uma criança sozinha perto de uma piscina ou
objeto flutuante. O cabo deve dispor de um laço para que a vítima
ao redor de uma fonte de água. se “vista”, pois, às vezes, a correnteza a impede de segurar-se ao
 Instale uma cerca com, no mínimo, 1,2 m ao redor da pisci- cabo. Se ela está sendo levada por corrente marítima, é necessário
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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
30
Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 22 — Afogamento

um barco. Em rios, cuja força da correnteza carrega a vítima, aguarde-


a rio abaixo e tente resgatá-la com um cabo estendido sobre o rio,
de preferência amarrado a um flutuante.
3. Remar: use um barco a motor ou remo, certificando-se de
sua segurança. Para abordar a vítima com o barco, você deve ultra-
passá-la por alguns metros, girar o barco 180 graus e apontar-lhe a
proa. Aproxime-se lentamente, tentando interceptá-la sem provocar
impacto que resulte em traumatismos. O içamento deve ser feito
pela popa, por ser o local mais rebaixado da embarcação, tomando o
cuidado de desligar o motor.
4. Nadar somente quando não forem possíveis os passos ante-
riores. É preciso ser bom nadador e preparado para salvamento de
vítimas em pânico. Lembre-se da segurança em primeiro lugar. Se
Fig. 314: Um socorrista apoia a vítima na borda da piscina.
não for apto, marque o lugar do afogamento e procure socorro.
se houver suspeita de corpo
estranho obstruindo vias aéreas
12. ATENDIMENTO
e se não houver PCR (neste
caso, proceda a RCP). A
Vítima Fora da Água: A prioridade no atendimento deve con- manobra de Heimlich, além de
centrar-se na imediata recuperação da hipóxia. A velocidade com
não retirar água dos pulmões,
que se consegue isto é o fator mais importante para a boa recupera-
pode provocar vômito e bronco
ção da vítima.
- aspiração, agravando a hipó-
Vítima na Água: Existem três formas de abordagem e remo- xia.
ção com imobilização de vítima da água:
Se a vítima estiver em
 Remoção de vítima sem trauma, da piscina. PCR, inicie, de imediato, ma-
 Remoção de vítima com trauma em ambiente raso. nobras de RCP, mantendo-as
 Remoção de vítima com trauma em ambiente profundo. até que ela se recupere ou rece-
ba apoio médico, ou até chegar
ao hospital mais próximo. Fig. 315: Um segundo socorrista na borda
Lembrar que as manobras de reanimação não devem atrasar
Como já dito, os afogamentos da piscina prepara a retirada da vítima.
a saída da vítima. Procure retirá-la mantendo a coluna alinhada.
em água fria têm maior chance
A prancha pode ajudar, imobilizando e servindo de suporte para
de sobrevida, porque a hipoter-
o início da reanimação.
mia protege as células cere-
brais contra a hipóxia. Assim,
12.1. Manobra para Vítima sem Suspeita de Trauma
as manobras de RCP só de-
vem parar quando a vítima
Realize abordagem primária, garantindo via aérea permeável estiver aquecida e não apresen-
e ventilação adequada. Se disponível, forneça oxigênio. Não tente tar sinais de batimento cardía-
extrair água dos pulmões. Somente realizar a manobra de Heimlich co.

Fig. 316: Na contagem 1,2,3, gire a vítima


para a borda da piscina.

As vítimas de afogamento que


não estejam em PCR devem ser
transportadas em decúbito lateral,
para evitar o risco de vômito e
consequente bronco aspiração.
Fig. 313: Vítima afogada, sem suspeita de TRM.
Fig. 317: Vítima é retirada da água.
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Diretoria de Ensino e Instrução 231
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 319: Imobilização em prancha rígida para transporte à unidade


hospitalar (necessário para afogamentos de graus 2 a 6).
Fig. 318: Socorrista alinha a coluna
da vítima, já retirada da água.

12.2. Manobra para Vítima comTrauma, em Águas Rasas

Fig. 320: O socorrista aborda a vítima. Fig. 321: Rápido rolamento com proteção razoável da cervical.

Fig. 322: Enquanto o socorrista 1 mantém o controle cervical, o socorrista 2 insere a Fig. 323: Perceba a manutenção do controle cervical.
prancha sob a vítima.

Fig. 324: Centralização e alinhamento da vítima à prancha.


Fig. 325: Fixação com tirantes, colocação do colar cervical e imobilizador lateral de
cabeça. A vítima está pronta para o transporte.
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232
Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 22 — Afogamento

12.3. Manobra para Vítima comTrauma, em Águas Profundas

Fig. 326: Vítima afogada em águas profundas, com suspeita de trauma. Fig. 327: Em águas profundas, é recomendável a abordagem da
vítima com equipamentos de salvamento aquático.

Fig. 328: Enquanto que um socorrista, apoiado no flutuador, mantém o Fig. 329: A vítima é colocada sobre a prancha, a qual está envolvida com o
alinhamento cervical da vítima, o segundo socorrista insere a prancha flutuador. O alinhamento cervical é mantido a todo instante.
rígida sob a vítima.

Fig. 330: A prancha é mantida sobre a superfície com o auxílio dos flutu- Fig. 331: A vítima passa a ser rebocada, com a manutenção do controle
adores. cervical.

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233
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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 332: Quando em águas rasas, pode ser aplicado o colar cervical Fig. 333: Fixam-se os tirantes e o estabilizador lateral de cabeça, a
para paciente estável. vítima pode ser removida.

Finaliza-se com os princípios básicos de imobilização com suspeita de TRM.

Durante todo atendimento de emergência, devemos nos preocupar com o aquecimento da vítima nos casos de hipotermia, (comum em
casos de afogamento por imersão), e oxigenoterapia no transporte até o hospital. Havendo disponibilidade de SAV na localidade, o aciona-
mento deve ser efetuado, caso o tempo de resposta do SAV seja inferior ao tempo de deslocamento do SBV até a unidade hospitalar mais
próxima.

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AFOGAMENTO - CLASSIFICAÇÃO e TRATAMENTO – BLS Baseado na avaliação de 1.831 casos - CHEST - Set. 2001

CHEQUE A RESPOSTA DA VÍTIMA AINDA DENTRO DA ÁGUA


Vítima consciente: resgate até a praia ou borda da piscina sem outro procedimento; Vítima inconsciente - Água rasa: abra as vias aéreas, cheque a respiração, e inicie o boca-a-boca, se necessário,
e resgate até área seca. Água funda: Use sempre equipamento quando com um guarda-vidas. Coloque a face da vítima para fora da água e abra as vias aéreas. Se não houver respiração, inicie a
ventilação boca-a-boca imediatamente de 12 a 20/min até alcançar área seca(*). Não verifique o pulso carotídeo dentro da água, somente se a distância da área seca for longe ou se chegar em água
rasa. Se não houver pulso, não inicie as compressões dentro da água, resgate o mais rápido possível para área seca sem outros procedimentos.

TRANSPORTE DA ÁGUA PARA ÁREA SECA COM A CABEÇA DA VÍTIMA ACIMA DO TRONCO (EXCETO EM CASOS DE HIPOTERMIA GRAVE)
Em área seca - cabeça da vítima no mesmo nível do tronco (em praias inclinadas na posição paralela à água)
Não perca tempo tentando retirar água do pulmão. A posição da cabeça mais baixa que o tronco aumenta a ocorrência de vômitos e regurgitação, retardando o início da ventilação e oxigenação,
prejudicando a vítima. Em praias inclinadas, coloque a vítima inicialmente paralela à linha da água, com o ventre para cima. O guarda-vidas deve ficar neste momento de costas para o mar, com a
cabeça da vítima voltada para o seu lado esquerdo. Essa posição facilita as manobras de PCR, sem o risco de queda sobre a vítima e a posterior colocação da vítima viva em posição lateral de
segurança sob o lado direito. A partir de então, o guarda-vidas fica de frente para o mar aguardando a chegada do SME.

Cuidado ao abrir as vias aéreas, CHEQUE A RESPOSTA DA VÍTIMA


se houver suspeita de trauma
da coluna cervical (1%)
SEM RESPOSTA RESPONDEU
– use técnicas especiais –

CHEQUE A RESPIRAÇÃO – ABRA AS VIAS AÉREAS – VEJA, OUCA A RESPIRAÇÃO CHEQUE A TOSSE E ESPUMA
NA BOCA E NO NARIZ

NÃO RESPIRAÇÃO PRESENTE SIM AUSENTE


GRANDE
QUANTIDADE DE
FACA 2 VENTILAÇÕES BOCA-A-BOCA E ESPUMA NA RESGATE (0,0%)
CHEQUE SINAIS DE CIRCULAÇÃO BOCA/NARIZ Avalie e libere do
PEQUENA local do acidente,
QUANTIDADE DE
SINAIS DE CIRCULAÇÃO PRESENTES? sem tratamento
SIM PULSO RADIAL PALPÁVEL ESPUMA NA
(REAÇÃO A VENTILAÇÃO OU MOVIMENTOS) BOCA/NARIZ

NÃO TOSSE, SEM


NÃO SIM ESPUMA NA
Tempo de submersão >1h, rigidez cadavérica, BOCA/NARIZ
decomposição corporal e/ou livores GRAU 5
(44%) GRAU 4 (19,4%)
1-Oxigênio – via máscara facial
GRAU 6 (93%) Continue o 15 L/min.
SIM NÃO
Inicie RCP completa com boca-a-boca 2-Observe a respiração com GRAU 3 (5,2%)
30 compressões e alterne de 15 a 20 atenção, pois pode ocorrer 1-Oxigênio – via GRAU 2 (0,6%)
com 2 ventilacoes ate p/min ate o parada. máscara facial 15 L/min. 1-Oxigênio – 5 L/min
retornar a função retorno da 3-Posição lateral de segurança 2-Posição lateral de via cânula nasal.
cardiopulmonar, ou a respiração sob o lado direito. segurança sob o lado 2-Repouso,
chegada do SME, ou a normal. 3-Observação no hospital, de 6 direito, com a cabeça aquecimento e GRAU 1 (0,0%)
exaustão do guarda-vidas. a 48 horas. elevada acima do tronco. tranquilização da 1-Repouso, aquecimento
JÁ Após o sucesso da RCP, 4-Ambulância urgente para 3-Acione a ambulância vítima. e tranquilização da
CADÁVER acompanhe com cuidado, Após retorno melhor ventilação e infusão para levar ao hospital 3-Observação no vítima.
pois pode haver outra da respiração e venosa de líquidos. (CTI). hospital, de 6 a 48 h. 2-Usualmente, não há
Não inicie parada dentro dos do pulso trate 5-Internação no CTI com necessidade de oxigênio
RCP, acione próximos 30 minutos. como Grau 4 urgência. ou atendimento médico.
o IML HOSPITALIZAÇÃO

Algoritmo 2: A manobra de Heimlich só está indicada se houver forte suspeita de obstrução de vias aéreas por corpo estranho e não houver PCR. Não existe diferença entre tratamento de afogamento em água
doce e marítima. (*) A ventilação ainda dentro da água no grau 5 reduz a mortalidade em quase 50%. Ao lado do grau de afogamento, consta-se a mortalidade em percentual (%). PCR (Parada Cardiopulmonar)
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Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 23
Queimaduras

M
1. ANATOMIA

uitas pessoas consideram as queimaduras as A pele cobre aproximadamente 1,5 a 2,0 m² no adulto médio.
mais assustadoras e terríveis de todas as A pele é constituída de duas camadas, a epiderme e a derme. A epi-
lesões. Quase todas as pessoas já sofreram uma queimadura de al- derme tem aproximadamente 0,05 mm de espessura em áreas como
gum grau e experimentou a dor intensa e a ansiedade que acompa- as pálpebras e pode chegar a 1 mm de espessura na planta do pé. A
nham, mesmo as pequenas queimaduras. As queimaduras são co- derme, mais profunda, tem espessura quase 10 vezes maior que a
muns nas sociedades industrializadas e agrícolas, tanto no meio civil epiderme.
quanto militar. Podem variar desde lesões pequenas até catastrófi- A pele dos homens é mais espessa que a das mulheres, sendo
cas, abrangendo extensas regiões do corpo. que a pele das crianças e das pessoas idosas é mais delgada que a do
Um conceito errôneo comum é que as lesões das queimaduras adulto médio. Esses fatos explicam por que um indivíduo pode so-
se restringem à pele. Pelo contrário, as grandes queimaduras podem frer queimaduras de profundidade variável quando exposto a um
ser lesões extensas e multissistêmicas, capazes de repercussões com único agente de ignição e por que uma criança pode sofrer queima-
risco de morte sobre o coração, pulmões, rins, trato gastrointestinal dura profunda enquanto um adulto, com a mesma exposição, sofre
(TGI) e sistema imune. A causa mais comum de morte em uma apenas lesão superficial.
vítima de incêndio não advém das complicações diretas da queima- A pele tem diversas funções complexas, incluindo proteção
dura, mas das complicações da insuficiência respiratória. contra o meio externo, regulação de líquidos, termo regulação, sen-
Embora sejam consideradas uma forma de trauma, as queima- sibilidade e adaptação metabólica.
duras possuem algumas diferenças significativas que merecem con-
sideração. Depois de um trauma, como uma colisão com veículos 2. CARACTERÍSTICAS DA QUEIMADURA
motorizados (CVM) ou uma queda, a resposta fisiológica da vítima
consiste em iniciar vários mecanismos adaptativos para preservar a Causar uma queimadura é semelhante a fritar um ovo. Quan-
vida. Essas respostas podem incluir o desvio do sangue, o aumento do se quebra um ovo em uma frigideira quente, o ovo fica, a prin-
do débito cardíaco e o aumento da produção de várias proteínas cípio, líquido e transparente. À medida que o ovo é exposto a altas
séricas protetoras. Em contraste, depois de uma queimadura, o orga- temperaturas, ele rapidamente fica opaco e se solidifica. Um proces-
nismo do paciente tende, essencialmente, a parar, entrar em choque so quase idêntico acontece quando um paciente sofre queimadura.
e morrer. Uma parcela substancial do atendimento inicial da quei- No caso do ovo, as proteínas do ovo mudam de forma e são destruí-
madura é direcionada para a reversão desse choque inicial. das em um processo conhecido como desnaturação. Quando um
A consideração da etiologia das queimaduras evitará que o paciente sofre uma queimadura, a temperatura (elevada ou conge-
socorrista sofra lesão desnecessária, assim como propiciará o atendi- lante), a radiação ou o agente químico fazem com que as proteínas
mento melhor para a vítima. Os socorristas também precisam consi- da pele sejam gravemente lesadas, ocorrendo sua desnaturação.
derar as circunstâncias em que ocorreu a queimadura, porque um Uma queimadura de espessura total apresenta três zonas de
grande percentual de queimaduras em crianças e adultos resulta de lesão tecidual (figura 334). A zona central é conhecida como a zona
lesão intencional. de coagulação, sendo esta a região de destruição tecidual máxima.
A inalação de fumaça é uma lesão perigosa e com risco de Essa zona é necrótica e não é capaz de reparação tecidual.
morte, sendo, com frequência, mais perigosa que a queimadura. A
inalação de gases tóxicos a partir da fumaça tem maior valor prediti-
vo a respeito da mortalidade da queimadura do que a idade do paci-
ente ou a extensão da mesma. A vítima não precisa inalar grande
quantidade de fumaça para estar predisposta à lesão grave, e, com
frequência, as complicações com risco de morte podem demorar
vários dias para se manifestar.
Aproximadamente 20% de todas as vítimas de queimadura
são crianças, e 20% dessas crianças são vítimas de lesão intencional
ou abuso infantil. Muitos profissionais da saúde ficam surpresos ao Fig. 334: As três zonas da lesão por queimadura.

descobrir que as queimaduras intencionais perdem apenas para o


espancamento como forma de violência física contra as crianças. As Adjacente à zona de necrose há uma região de lesão menos
grave, a zona de estase. As células nessa zona são lesadas, mas não
queimaduras como forma de abuso não se limitam às crianças. É
de mira irreversível. Quando privadas do aporte de oxigênio ou do
comum ver mulheres queimadas em casos de violência doméstica,
fluxo sanguíneo, essas células viáveis morrem e tornam-se necróti-
bem como pessoas idosas em casos de abuso de idosos.
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

cas. Essa zona é referida como zona de estase porque, imediatamente de queimadura solar, em que o paciente tem muita dor e corre risco
após a lesão, o fluxo sanguíneo para essa região fica estagnado. O de desidratação se não fizer a hidratação oral adequada. Tipicamente,
tratamento oportuno e apropriado da queimadura preservará o fluxo essas queimaduras saram dentro de uma semana, não deixando
sanguíneo e o aporte de oxigênio para essas células lesadas. A reani- cicatriz.
mação do paciente eliminará essa estase e restabelecerá o aporte de
oxigênio para as células lesadas e suscetíveis. A falha na reanimação 3.2. Queimaduras de Segundo Grau
adequada do paciente resulta em morte das células no tecido lesado,
sendo que, em seguida, uma queimadura de espessura parcial se As queimaduras de segundo grau, também conhecidas como
transforma em queimadura de espessura total. Um erro comum que queimaduras de espessura parcial, são as que envolvem a epiderme
resulta em comprometimento dessa área é a aplicação de gelo por e partes variadas da derme subjacente (figura 336). As queimaduras
um leigo ou por profissional bem intencionado. Quando utilizado de segundo grau podem ainda ser classificadas como superficiais ou
para parar o processo de queimadura, o gelo provoca vasoconstrição, profundas. Essas feridas formam bolhas e são dolorosas. As queima-
impedindo o restabelecimento do fluxo sanguíneo. Atualmente, duras de segundo grau aparecem como bolhas ou como áreas quei-
argumenta-se que, quando o gelo é aplicado em uma queimadura, o madas sem epiderme, com uma base brilhante ou úmida. Como os
paciente experimenta alguma redução na dor; no entanto, a analgesia resquícios da derme sobrevivem, essas queimaduras são frequente-
é à custa de mais destruição tecidual. Por esses motivos, a queima- mente capazes de sarar em 2 a 3 semanas. Nas queimaduras de
dura deve ser interrompida com o uso de água na temperatura am- espessura parcial, a zona de coagulação envolve toda a epiderme e
biente, sendo que a analgesia deve ser obtida em nível de trata- profundidades variadas da derme superficial. Quando essas lesões
mento, com medicamentos por via oral ou parenteral. não são bem tratadas, a zona de estase pode progredir para necrose,
A zona mais externa é conhecida como zona de hiperemia. tornando essas queimaduras maiores e, eventualmente, convertendo
Essa zona apresenta lesão celular mínima e caracteriza-se por au- a ferida em uma queimadura de terceiro grau. Uma queimadura de
mento do fluxo sanguíneo, secundário a uma reação inflamatória segundo grau superficial será curada, bastando apenas cuidar da
iniciada pela queimadura. ferida e observar. Com frequência, as queimaduras de segundo grau
profundas exigem correção cirúrgica.
3. PROFUNDIDADE DA QUEIMADURA

A estimativa da profundidade de uma queimadura pode ser


difícil, o que pode ser uma decepção. Com frequência, uma queima-
dura que parece ser de segundo grau manifesta-se como sendo de
terceiro grau em 24 a 48 horas. A superfície de uma queimadura
pode parecer de primeiro ou segundo grau à primeira vista, mas,
com o desbridamento, a epiderme superficial desprende-se,
revelando uma escara esbranquiçada, de queimadura de terceiro
grau. Por conseguinte, muitas vezes é prudente retardar o julgamento
final a respeito da profundidade da queimadura por até 48 horas Fig. 336: Queimadura de segundo grau.
após a lesão. Muitas vezes, é melhor simplesmente dizer aos pacien-
tes se a lesão é superficial ou profunda e que é necessário tempo para 3.3. Queimaduras de Terceiro Grau
determinar a profundidade final.
As queimaduras de terceiro grau podem ter várias aparências
3.1. Queimaduras de Primeiro Grau (figura 337). Mais amiúde, essas feridas aparecem como queimadu-
ras espessas, secas, esbranquiçadas e com aspecto de couro, inde-
As queimaduras de primeiro grau afetam apenas a epiderme e pendentemente da raça ou coloração da pele (figura 338). Nos casos
caracterizam-se por serem avermelhadas e dolorosas (figura 335). graves, a pele tem uma aparência carbonizada, com trombose visível
Raramente têm significado clínico, com a exceção das grandes áreas

Fig. 337: Queimadura de terceiro grau.


Fig. 335: Queimadura de primeiro grau.
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Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 23—Queimaduras

Figs. 338 e 339: Este paciente sofreu uma queimadura de espessura total (terceiro Figs. 341 e 342: Queimaduras de terceiro grau no braço, atingindo não somente a pele,
grau) caracterizada pela aparência esbranquiçada e de couro. como também o tecido adiposo subcutâneo, o músculo e o osso.

dos vasos sanguíneos (figura 339). Muitos pacientes têm dor, porque camente ativas no líquido da bolha puxa mais líquido para dentro do
as áreas de queimadura de terceiro grau geralmente são circundadas espaço da bolha, fazendo com que a bolha continue a aumentar. À
por queimaduras de segundo grau. As queimaduras dessa profundida- medida que a bolha aumenta, ela comprime o tecido lesado do leito da
de podem ser incapacitantes e ter risco de morte. É necessário fazer ferida, o que aumenta a dor do paciente. Muitos acham que a pele da
a excisão cirúrgica imediata e a reabilitação intensiva em um centro bolha age como um curativo e impede a contaminação da ferida.
especializado. Pelo contrário, a pele da bolha não é normal e, por conseguinte, não
pode servir como uma barreira de proteção. Além disso, manter a
bolha intacta impede que se apliquem antibióticos tópicos diretamen-
te sobre a lesão. Por esses motivos, as bolhas deverão ser abertas e
desbridadas, mas não no ambiente pré-hospitalar.

5. ESTIMATIVA DO TAMANHO DA QUEIMADURA

A estimativa do tamanho da queimadura é necessária para


reanimar o paciente de maneira apropriada e evitar as complicações
associadas ao choque hipovolêmico decorrente da queimadura. O
método mais amplamente usado é conhecido como a “regra dos
nove”. Esse método aplica o princípio de que as grandes regiões do
Fig. 340: Exemplo de queimadura de espessura total profunda com carbonização da corpo do adulto são consideradas como tendo 9% da área da superfície
pele e trombose visível dos vasos sanguíneos. corporal total (figura 343). O períneo ou área genital representa 1%.
4. BOLHAS A palma da mão, não incluindo os dedos estendidos, também re-
presenta 1%, que pode ser utilizada para avaliar a extensão de quei-
Muito se discutiu a respeito das bolhas, principalmente se deve- maduras menores.
mos desbridá-las ou não e o que fazer com as bolhas associadas às As crianças têm proporções diferentes dos adultos. A cabeça da
queimaduras de espessura parcial. Uma bolha aparece quando a criança é proporcionalmente maior e as pernas são mais curtas em
epiderme se desprende da derme subjacente e o líquido que extravasa comparação com os adultos. Por causa disso, a regra dos nove é
dos vasos próximos enche a bolha. A presença de proteínas osmoti- modificada para pacientes pediátricos.
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239
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 343: Regra dos nove para cálculo da extensão das queimaduras.

6. TRATAMENTO INICIAL DA QUEIMADURA so, alguns medicamentos tópicos podem complicar a aplicação de
produtos de bioengenharia usados para ajudar no tratamento da feri-
A etapa inicial no tratamento de um paciente queimado consiste da.
em parar o processo de queimadura, o que não significa resfriá-la.
Essas duas ações são distintas. O método mais efetivo e apropriado 7. EXAME PRIMÁRIO E REANIMAÇÃO
de parar a queimadura consiste na irrigação com grande quantidade
de água à temperatura ambiente. O uso de água fria ou gelo está A meta do exame primário é avaliar e tratar sistematicamente
contraindicado. Conforme mencionado anteriormente, a aplicação os problemas com risco de morte em ordem de importância para
de gelo interrompe a queimadura e proporciona analgesia, mas tam- preservar a vida. O método ABCDE do atendimento ao traumatizado
bém aumenta a extensão do comprometimento tecidual na zona de aplica-se ao atendimento do paciente queimado, embora os pacientes
estase. Remova todas as roupas e joias: esses itens mantêm calor queimados apresentem desafios ímpares em todas as etapas da reani-
residual e continuam a queimar o paciente. Além disso, a retirada de mação.
anéis, pulseiras, relógios ou quaisquer outros objetos da região atingi-
da impede o desenvolvimento de edema e do risco de estrangula- 7.1. Vias Aéreas
mento do membro e consequente isquemia.
O tratamento efetivo da ferida nas queimaduras recentes é a A preservação da permeabilidade das vias aéreas é a mais alta
simples aplicação de curativos secos, esterilizados e não-aderentes. prioridade no atendimento de uma vítima de queimadura. O calor do
Cubra a região com um lençol limpo e seco. Quando não houver um fogo pode provocar edema de vias aéreas acima das cordas vocais e
lençol à mão, substitua por avental cirúrgico, campos cirúrgicos ou pode ocluir as vias aéreas. Portanto, é necessária a avaliação cuida-
toalhas esterilizados. O curativo seco impede a continuação da conta- dosa e contínua. Para evitar a oclusão catastrófica das vias aéreas, é
minação ambiental ao mesmo tempo em que evita que o paciente prudente controlá-las precocemente. As vias aéreas devem ser trata-
sinta dor por causa do fluxo de ar sobre as terminações nervosas das pelos profissionais mais experientes disponíveis. Com frequên-
expostas (quadro 23-1). cia, os pacientes são os indivíduos mais bem adaptados para cuidar
Os socorristas frequentemente ficam insatisfeitos e frustrados das próprias vias aéreas. As intervenções farmacológicas suprimem a
com a simples aplicação de lençóis esterilizados na queimadura. capacidade de o paciente cuidar das vias aéreas, exigindo que os
Contudo, pomadas tópicas e antibióticos tópicos convencionais não socorristas intervenham para mantê-las pérvias.
devem ser aplicados porque eles impedem a inspeção direta da quei-
madura. A proteção apenas com curativos secos e esterilizados é a 7.2. Respiração
primeira etapa. Essas pomadas e antibióticos tópicos são removidos
na admissão no centro de queimados para possibilitar a visualização Da mesma forma que com qualquer paciente traumatizado, a
direta da queimadura e a determinação da sua gravidade. Além dis- respiração pode ser afetada de maneira adversa por determinados
problemas, como fratura de costelas, pneumotórax e ferimentos
Quadro 23-1: Prevenção da Corrente de Ar sobre
torácicos abertos. No caso das queimaduras circunferenciais da parede
a Queimadura do Paciente
torácica, a complacência pulmonar diminui progressivamente até o
Muitas pessoas experimentaram a dor associada a uma cavi- ponto em que impede o paciente de inspirar.
dade dentária. A dor é intensificada quando inspiramos o ar sobre
o nervo exposto. Na queimadura de espessura parcial, milhares de 7.3. Circulação
terminações nervosas ficam expostas, e a passagem do ar do
ambiente causa dor no paciente quando as correntes de ar entram A avaliação da circulação inclui a medida da pressão arterial e
em contato com os nervos expostos do leito da ferida. Portanto, a avaliação das queimaduras circunferenciais. A aferição exata da
mantendo as queimaduras cobertas, o paciente tem menos dor. pressão arterial fica difícil ou impossível na presença de queimadu-
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240 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 23—Queimaduras

ras de membros, e, quando a mesma pode ser obtida, ela pode não requer procedimentos básicos para seu alívio. Uma medida simples
refletir corretamente a pressão arterial sistêmica, por causa das quei- para o combate à dor, entretanto, é um curativo corretamente realiza-
maduras de espessura total e do edema de membros. Mesmo quando do. Nas queimaduras de pequena extensão, podem ser utilizados
o paciente apresenta pressão arterial adequada, a perfusão distal dos curativos úmidos, frios, com soro fisiológico, para alívio da dor. O
membros pode estar muito reduzida, por causa das lesões circunfe- uso do soro fisiológico é recomendado para evitar a contaminação
renciais. Os membros queimados devem ser elevados durante o da ferida; na sua ausência, usar água limpa. Nas queimaduras exten-
transporte, para reduzir o edema. sas, o uso de curativos úmidos, frios, pode levar à hipotermia, por-
que a pele queimada perde a capacidade de auxiliar na regulação da
7.4. Incapacidade, Estado Neurológico temperatura corporal, ficando a vítima suscetível à perda de calor;
quando usados, não devem cobrir mais que 10% da superfície cor-
Os pacientes queimados são pacientes traumatizados e podem poral. Quando a extensão da queimadura for muito grande, é preferí-
ter sofrido outras lesões além da queimadura. As queimaduras são vel envolver ou cobrir a vítima com lençóis limpos, secos, em vez de
lesões evidentes e, às vezes, assustadoras, mas é fundamental avaliar tentar aplicar grandes curativos. Quando houver hemorragia associa-
se há outras lesões internas, menos evidentes, que podem representar da, usar curativos compressivos habituais. Não remover roupas fir-
risco de morte mais imediato que as queimaduras. Na tentativa de memente aderidas nem romper bolhas. Os curativos devem ser
escapar da queimadura, os pacientes pulam de janelas de prédios; espessos e firmes, mas não apertados.
pedaços do prédio incendiado podem desmoronar e cair sobre o
paciente; a vítima pode ter ficado presa nas ferragens de um carro 9. TRANSPORTE
que bateu e pegou fogo. Avalie se o paciente tem déficits sensitivos
ou motores. Identifique e imobilize as fraturas dos ossos longos. Os pacientes com queimaduras que apresentam múltiplas
Faça a imobilização de coluna quando suspeitar da possibilidade de lesões devem primeiro ser transportados para um centro de trauma,
lesão. onde as lesões com risco de morte possam ser imediatamente identifi-
cadas e tratadas por meios cirúrgicos, quando necessário. Uma vez
7.5. Exposição/Ambiente estabilizado em um centro de trauma, o paciente com queimaduras
deve ser transportado para um centro de queimados, para tratamento
A próxima prioridade consiste em expor o paciente. Todas as
roupas e joias devem ser prontamente removidas; conforme dito Quadro 23-2: Lesões que Exigem Tratamento
em Unidade de Queimados
anteriormente, esses itens podem continuar a lesar o paciente. Um
exame cuidadoso de todo o paciente pode revelar lesões que não Os pacientes com queimaduras graves devem ser tratados em
estavam previamente aparentes. centros que possuem experiência e recursos especiais. O trans-
É primordial controlar o ambiente. Os pacientes queimados porte inicial ou a transferência precoce para uma unidade de quei-
não são capazes de reter o próprio calor corporal e são extremamente mados resulta em menor taxa de mortalidade e menos complica-
suscetíveis à hipotermia. Faça todos os esforços para preservar a ções. Uma unidade de queimados pode tratar adultos, crianças ou
ambos. O Comitê de Trauma do American College of Surgeons
temperatura corporal. Aplique cobertores, se necessário. Mantenha recomenda a transferência para uma unidade de queimados dos
aquecido o compartimento do passageiro da ambulância, indepen- pacientes com queimaduras que satisfaçam os seguintes critérios:
dentemente da época do ano. Como regra geral, se você, como
1. Lesão por inalação;
socorrista, não sentir desconforto, a temperatura ambiente não está
2. Queimaduras de espessura parcial maiores que 10% da área de
suficientemente quente. superfície corporal total;
3. Queimaduras de espessura total (terceiro grau) em qualquer
8. EXAME SECUNDÁRIO grupo etário;
4. Queimaduras que envolvam face, mãos, pés, genitais, períneo ou
Depois de terminar o exame primário, o próximo objetivo é as principais articulações;
fazer um exame secundário completo. O exame secundário do paci- 5. Queimaduras elétricas, incluindo a lesão por raios;
6. Queimaduras químicas;
ente queimado não é diferente do exame de qualquer outro paciente
7. Queimadura em pacientes com problemas clínicos preexistentes
traumatizado. O socorrista deve fazer uma avaliação completa da que possam complicar o tratamento, prolongar a recuperação ou
cabeça aos pés, tentando identificar outras lesões ou condições clíni- afetar a mortalidade;
cas. 8. Qualquer paciente com queimaduras e trauma concomitante (p.
ex., fraturas) em que a queimadura aumenta muito o risco de mor-
8.1. Curativos bidade ou mortalidade; quando o trauma tem maior risco imediato,
o paciente pode ser inicialmente estabilizado em um centro de trau-
ma antes da transferência para uma unidade de queimados;
Antes do transporte, devem ser feitos curativos nas feridas. A
9. Crianças queimadas que estão em hospitais sem equipamento
meta dos curativos é evitar a continuação da contaminação, diminuir ou profissionais qualificados para o tratamento de crianças;
a dor, evitar a perda de calor e impedir o fluxo de ar sobre as feridas. 10. Queimadura em pacientes que precisam de suporte especial
Frequentemente, a dor causada pelas queimaduras é severa e social, emocional ou de reabilitação, por período prolongado.

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

definitivo da queimadura e reabilitação. A American Burn Association cor de chá ou de Coca-Cola.


e o American College of Surgeons estabeleceram os critérios para a O paciente com queimadura elétrica também pode ter outras
transferência de pacientes queimados para um centro de queima- lesões associadas. As membranas timpânicas podem romper-se,
dos, conforme apresentado no quadro abaixo. resultando em dificuldades de audição. A contração muscular intensa
e sustentada (tetania) pode resultar em fraturas em vários níveis da
10. QUEIMADURAS ELÉTRICAS coluna vertebral, bem como dos ossos longos. Os pacientes com
lesão por eletricidade devem ter a coluna vertebral imobilizada. As
As queimaduras elétricas são lesões devastadoras que os socor- fraturas de ossos longos devem ser imobilizadas quando detectadas
ristas podem facilmente subestimar. Em muitos casos, a extensão da ou suspeitadas. Também pode ocorrer sangramento intracraniano e
lesão tecidual aparente não reflete com exatidão a magnitude da arritmias cardíacas.
lesão. A destruição tecidual e a necrose são muito extensas em com- As queimaduras por clarão (flash burns) resultam do ar supera-
paração com o trauma aparente, porque grande parte da destruição quecido. Contudo, por causa da natureza catastrófica e oculta das
ocorre internamente, à medida que a eletricidade é conduzida através lesões por condução, é fundamental que os socorristas mantenham
do paciente. O paciente tem queimaduras externas nos pontos de um alto índice de suspeição para a presença de lesões do tipo de
contato com a fonte elétrica, bem como nos pontos de contato com o condução elétrica.
solo. Quando a eletricidade passa através do corpo do paciente, as
camadas teciduais profundas são destruídas, apesar das lesões apa- 11. INALAÇÃO DE FUMAÇA
rentemente pequenas na superfície (figura 344).
As lesões elétricas e por esmagamento compartilham muitas A principal causa de morte em incêndios não são as lesões
semelhanças. Em ambas as lesões existe destruição maciça de gran- térmicas, mas a inalação de fumaça tóxica. Qualquer paciente com
des massas musculares com a resultante liberação de potássio e mio- história de exposição a fumaça em um espaço fechado deve ser
globina (veja o Capítulo 15). A liberação do potássio dos músculos considerado em risco de ter lesão por inalação. Qualquer paciente
causa um aumento significativo no nível sérico, que pode resultar com queimadura na face ou fuligem no escarro está nitidamente em
em arritmias cardíacas. A mioglobina é uma molécula encontrada risco para uma lesão por inalação de fumaça; no entanto, a ausência
no músculo que ajuda o tecido muscular no transporte de oxigênio. desses sinais não deve excluir o diagnóstico de uma inalação tóxica.
Quando liberada na corrente sanguínea em quantidades considerá- É fundamental manter um alto índice de suspeição, porque os sinais
veis, a mioglobina é tóxica para os rins, podendo causar insuficiência e sintomas podem não se manifestar até dias depois da exposição.
renal. Essa condição, a mioglobinúria, é evidenciada por urina com Os três elementos da inalação de fumaça são a lesão térmica, a
asfixia e a lesão pulmonar tardia induzida por toxina. O ar seco é um
mau condutor de calor; a inalação de ar aquecido associada ao incên-
dio de um prédio raramente causa lesão térmica das vias aéreas abai-
xo das cordas vocais. A grande área de superfície da nasofaringe
atua efetivamente como um trocador de calor e resfria o ar quente
inspirado até uma temperatura próxima da temperatura do organis-
mo no momento em que o ar alcança o nível das cordas vocais.
Quando o ar seco aquecido a 300° C é inspirado, o ar é resfriado até
50° C no momento em que chega ao nível da traqueia. As cordas
vocais proporcionam ainda mais proteção ao se moverem por reflexo
para uma posição de adução. A exceção é a inalação de vapor. O
vapor tem uma capacidade de transporte de calor 4.000 vezes maior
que a do calor seco e é capaz de queimar as vias aéreas distais e os
bronquíolos. Felizmente, as lesões por vapor são raras.

11.1. Asfixiantes

Dois produtos gasosos que têm importância clínica como asfi-


xiantes são o monóxido de carbono (CO) e o gás cianeto (CN).
Ambas as moléculas são classificadas como asfixiantes e podem
causar morte celular por hipóxia ou asfixia celular. Os pacientes com
asfixia por fumaça que contêm um ou ambos os compostos têm
liberação inadequada de oxigênio para os tecidos, apesar de a pres-
são arterial e a saturação de oxigênio pelo oxímetro de pulso serem
adequadas. O CO liga-se à hemoglobina com maior afinidade que o
oxigênio, cerca de 200 vezes maior. Os sintomas da inalação de CO
Figs. 344 e 345: Vítima de queimadura elétrica por fios de alta tensão. dependem da duração ou intensidade e dos níveis séricos resultantes.
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Capítulo 23—Queimaduras

Os sintomas podem variar desde náuseas e cefaleia intensa até confu- dos, mesmo na ausência de queimaduras superficiais. Os centros de
são, inconsciência e, finalmente, óbito. A pele se apresenta em tom queimados tratam um maior volume de pacientes com inalação de
vermelho cereja, sinal nem sempre presente. fumaça e dispõem de modalidades especiais de ventilação mecânica.
É importante saber que a oximetria de pulso nessa situação
pode levar a conclusões falsas. O oxímetro de pulso mede a porcenta- 12. ABUSO INFANTIL
gem de hemoglobina saturada, mas não diferencia a hemoglobina
saturada com oxigênio da saturada com monóxido de carbono; conse- Aproximadamente 20% de todos os abusos infantis são quei-
quentemente, o resultado obtido deve ser encarado com reservas. maduras intencionais. A maioria das crianças intencionalmente quei-
Assim, o indivíduo pode estar com uma intoxicação severa por mo- madas tem de um a três anos de idade.
nóxido de carbono, inconsciente, e a leitura da saturação marcar A forma mais comum de abuso infantil é a imersão forçada.
100% por causa da grande quantidade de carboxiemoglobina. Tipicamente, essas lesões ocorrem quando um adulto coloca uma
O tratamento da intoxicação por CO consiste na remoção da criança em água quente, frequentemente como uma punição relacio-
fonte e na administração de oxigênio a 100%. Em ar ambiente nada com o treinamento para usar o banheiro (treinamento esfincteri-
(oxigênio a 21%), o organismo elimina metade do CO em 250 mi- ano). Os fatores que determinam a gravidade da lesão incluem a
nutos. Quando o paciente respira oxigênio a 100%, a meia-vida do idade do paciente, a temperatura da água e a duração da exposição.
complexo CO-hemoglobina é reduzida para 40 a 60 minutos. A criança pode sofrer queimaduras profundas de segundo grau ou
O gás cianeto é produzido pela combustão de plásticos ou de terceiro grau nas mãos ou nos pés, em um padrão de luva ou
poliuretano. O cianeto intoxica o metabolismo celular, impedindo meia. Isto é particularmente suspeito se as queimaduras forem simé-
que as células utilizem o oxigênio. O paciente pode morrer por asfi- tricas e não houver padrão de respingo (figs 346 a 348). Nos casos
xia, apesar de ter oxigênio adequado no sangue. Os sintomas da into- de escaldadura intencional, a criança flexiona firmemente os braços e
xicação por cianeto são: alteração do nível de consciência, tontura, as pernas, em uma postura defensiva, por causa do medo ou da
cefaleia e taquicardia ou taquipneia. O tratamento da intoxicação por dor. O padrão de queimadura resultante poupa as pregas de flexão
cianeto consiste no transporte rápido para um centro de emergência da fossa poplítea, a fossa ante cubital e a virilha. Também são obser-
que possa tratar o paciente com antídoto, cuja terapia consiste em vadas linhas de demarcação nítidas entre os tecidos queimados e não-
induzir a formação de um segundo veneno no sangue do paciente. queimados, indicando essencialmente um mergulho (figura 349).
Esse segundo veneno induzido farmacologicamente liga-se ao cia- Nas lesões por escaldadura acidental, as queimaduras têm
neto e permite que o organismo se livre lentamente do cianeto. profundidade de queimadura variável, margens irregulares e quei-
maduras menores longe das grandes queimaduras, indicando o res-
11.2. Lesão Pulmonar Induzida por Toxina pingo.

Os componentes térmico e asfixiante de uma lesão por inala- 12.1. Queimaduras por Contato
ção geralmente são evidentes no momento do resgate. Em contraste,
os sinais e sintomas da lesão pulmonar induzida por toxina podem As queimaduras por contato são o segundo mecanismo mais
não se manifestar por vários dias. Os primeiros dias depois de uma comum de queimadura em crianças, quer acidental, quer intencional.
lesão por inalação de fumaça são frequentemente descritos como o Todas as superfícies do corpo apresentam algum grau de curvatura.
“período de lua-de-mel”. Durante esse período, o paciente pode Quando ocorre uma queimadura por contato acidental, o agente
parecer enganosamente estável, com pouca ou nenhuma disfunção queimante entra em contato com a área de superfície corporal curva.
pulmonar. A gravidade dessa lesão pulmonar depende em grande Ou o agente da queimadura é defletido da superfície curva ou a víti-
parte de dois fatores: os componentes da fumaça e a duração da
exposição.
Em termos simplificados, a fumaça é o produto da combustão
incompleta, isto é, poeira química. As substâncias químicas da fu-
maça reagem com o revestimento da traqueia e dos pulmões e lesam
as células que revestem as vias aéreas e os pulmões. Compostos
como amônia, cloreto de hidrogênio e dióxido de enxofre formam
bases e ácidos corrosivos, quando inalados.

11.3. Atendimento Pré-hospitalar

O elemento inicial e mais importante do tratamento de um


paciente com exposição a fumaça consiste em determinar a permea-
bilidade das vias aéreas. Mudança no caráter da voz, dificuldade em
manusear as secreções ou salivação excessiva são sinais de obstru-
ção iminente de vias aéreas. Fig. 346: Escaldadura do pé de uma criança, em
meia, indicativa de queimadura por imersão
Os pacientes devem ser transportados para centros de queima- intencional, compatível com abuso infantil.
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Diretoria de Ensino e Instrução 243
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

ma da queimadura se retrai. A lesão resultante é uma queimadura de 13. QUEIMADURAS POR RADIAÇÃO
borda e profundidade irregulares. Quando uma criança recebe uma
queimadura de contato intencional, o agente da agressão é pressionado A gravidade das queimaduras produzidas pelas várias formas
contra a pele da criança. A lesão resultante apresenta linhas nítidas de radiação depende da quantidade de energia absorvida pelo tecido
de demarcação entre os tecidos queimados e sadios e uma profundida- afetado. As várias formas de radiação incluem a radiação eletromag-
de uniforme. nética, os raios x, os raios gama e a radiação particulada. As diferen-
O socorrista é obrigado a notificar à autoridade policial esses tes formas de radiação são capazes de transferir graus variados de
casos de suspeita de abuso infantil. energia para os tecidos. Além disso, algumas formas de radiação (p.
ex., eletromagnética) podem atravessar os tecidos ou o indivíduo
sem causar lesão. Em contraste, outras formas de radiação (p. ex.,
exposição ao nêutron) são absorvidas pelo tecido-alvo e resultam em
lesão significativa. É a absorção da radiação que resulta em lesão do
tecido que a absorve. A capacidade de absorção da radiação é mais
lesiva que a própria dose real de radiação. Doses equivalentes de
diferentes formas de radiação têm efeitos muito diferentes sobre um
indivíduo.
A exposição típica à radiação ocorre em incidentes industriais
ou ocupacionais. Contudo, com a crescente ameaça de terrorismo
global, a detonação de um pequeno dispositivo nuclear híbrido (i.e.,
“a bomba suja”) constitui uma possibilidade real.
A detonação de uma arma nuclear em uma área metropolitana
lesaria e mataria através de três mecanismos: queimaduras térmicas
Fig. 347: As linhas retas do padrão de queimadura e a ausência de marcas de respin- pela detonação inicial, explosão destrutiva supersônica e produção
go indicam que esta queimadura resultou de abuso. de radiação. A mortalidade decorrente da combinação das queima-
duras térmicas e por radiação é maior do que a mortalidade pelas
queimaduras térmicas ou por radiação de igual magnitude. A combi-
nação das queimaduras térmicas e por radiação tem um efeito sinér-
gico sobre a mortalidade.
A radiação é um material perigoso, e muitas das prioridades
iniciais são idênticas às do tratamento do paciente com exposição
química. As prioridades iniciais consistem em remover o paciente da
fonte de contaminação, remover as roupas contaminadas e irrigar o
paciente com água. Qualquer roupa removida deve ser considerada
contaminada e deve ser manuseada com cautela. A irrigação é feita
com cuidado para remover quaisquer resíduos radioativos ou partí-
culas das áreas contaminadas, sem espalhar a lesão para as áreas do
corpo não contaminadas. A irrigação prossegue até que a contami-
nação tenha sido minimizada.
Fig. 348: Queimadura resultante de abuso infantil.
As consequências fisiológicas da radiação corporal total são
denominadas síndrome da radiação aguda (SRA). Os sintomas inici-
ais da SRA aparecem tipicamente dentro de horas após a exposição.
As células do corpo mais sensíveis aos efeitos da radiação são as
que, tipicamente, sofrem divisão rápida. Essas células de divisão
rápida são encontradas na pele, trato gastrointestinal e medula óssea;
portanto, esses tecidos manifestam os primeiros sinais da SRA. Den-
tro de algumas horas depois da exposição à radiação, o paciente
começa a ter náuseas, vômitos e dor abdominal em cólica. É neces-
sário tratamento hídrico agressivo para evitar que ocorra insuficiên-
cia renal. Nos dias seguintes, o paciente pode desenvolver diarreia
sanguinolenta, isquemia intestinal e infecção avassaladora, podendo
morrer. A medula óssea é extremamente sensível aos efeitos da
radiação. Ela para a produção dos leucócitos necessários para com-
bater as infecções e as plaquetas necessárias para formar os coágulos
Fig. 349: O fato de poupar áreas de flexão e as linhas nítidas de demarcação entre a
pele queimada e não-queimada indicam que esta criança estava em posição defensi-
sanguíneos. As infecções e as complicações hemorrágicas
va, em flexão firme, antes da lesão. Essa postura indica que a escaldadura não foi resultantes são, com frequência, fatais.
acidental.
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Capítulo 23—Queimaduras

14. QUEIMADURAS QUÍMICAS parar o processo de lavagem quando a água começa a se represar e
a se acumular no chão. Quando lavado com apenas pequenas quan-
Qualquer que seja seu local de atuação e sua função, todos os tidades de líquido, o agente agressor simplesmente se espalha sobre
socorristas precisam estar familiarizados com os fundamentos do a área de superfície do paciente, não sendo removido. A falha em
tratamento das lesões por substâncias químicas. Os socorristas em proporcionar escoamento e drenagem adequada do líquido de lava-
ambientes urbanos podem ser chamados para um incidente químico gem pode provocar lesão em áreas do corpo previamente não expos-
em uma indústria, enquanto um socorrista rural pode ser acionado tas nem lesadas, pelo acúmulo do líquido contaminado da lavagem.
para uma ocorrência com substâncias empregadas na agricultura. Uma maneira simples de promover o escoamento no pré-hospitalar
Toneladas de materiais perigosos são transportadas diariamente consiste em colocar o paciente sobre uma prancha rígida e, em
através de ambientes urbanos e rurais por rodovias e ferrovias. Os seguida, elevar a cabeceira. Na extremidade inferior, enfie um gran-
socorristas podem ainda tratar de vítimas de queimaduras químicas de saco plástico de lixo para recolher a água da lavagem que está
por armas, dispositivos incendiários, substâncias químicas utilizadas contaminada.
como combustível ou para manter equipamentos ou vazamento de Em geral, nas queimaduras químicas, os agentes neutralizantes
produtos químicos. devem ser evitados. Com frequência, no processo de neutralização,
As lesões decorrentes de substâncias químicas são, com fre- os agentes liberam calor, em uma reação exotérmica. Portanto, um
quência, resultado da exposição prolongada ao agente agressor, profissional bem intencionado pode criar uma queimadura térmica,
diferente das lesões térmicas, nas quais a duração da exposição ge- além da queimadura química. A maioria das soluções de desconta-
ralmente é muito breve. A gravidade da lesão química é determinada minação disponíveis no comércio é feita com o propósito de desconta-
por quatro fatores: natureza da substância química, concentração da minar o equipamento, não as pessoas.
substância, duração do contato e mecanismo de ação da substância
química. 14.2. Exposições a Substâncias Químicas Específicas
Os agentes químicos são classificados como ácidos, base,
orgânicos ou inorgânicos. Os ácidos lesam o tecido através de um O cimento é uma base que pode ficar retida na roupa das pes-
processo chamado necrose de coagulação; esse tecido transforma-se soas. O cimento em pó reage com o suor da vítima em uma reação
em uma barreira que impede a penetração mais profunda do ácido. que gera calor e seca excessivamente, ou desseca, a pele. De modo
Em contraste, as queimaduras por base destroem o tecido através da peculiar, essas lesões apresentam-se como uma queimadura horas
necrose de liquefação; a base liquefaz o tecido, o que permite que a depois ou no dia seguinte ao contato com o cimento.
base penetre mais profundamente e provoque lesão cada vez mais Os combustíveis, como a gasolina e o querosene, podem pro-
profunda. vocar queimaduras de contato depois de exposição prolongada.
O socorrista pode precisar tratar de lesões de olho causadas Esses hidrocarbonetos orgânicos podem dissolver membranas celula-
pela exposição a bases. Uma pequena exposição do olho pode pro- res, provocando necrose cutânea. Uma exposição de duração ou
vocar lesão com risco de perda da visão. Os olhos devem ser irriga- intensidade suficiente também pode causar intoxicação sistêmica. A
dos com grandes quantidades de soro fisiológico. descontaminação do paciente coberto com combustível é realizada
por irrigação com grande quantidade de água.
14.1. Tratamento O ácido fluorídrico é uma substância perigosa amplamente
utilizada em ambientes domésticos, industriais e militares. O perigo
A prioridade máxima no tratamento de um paciente exposto a real dessa substância química é o íon fluoreto, que produz profundas
substâncias químicas, como em qualquer emergência, é a segurança alterações nos eletrólitos, principalmente o cálcio e o magnésio. Se o
pessoal e da cena. Sempre se proteja em primeiro lugar. Se existir paciente não for tratado, o ácido fluorídrico liquefaz os tecidos e
alguma dúvida a respeito de um perigo químico, garanta a segurança remove o cálcio dos ossos. O tratamento inicial para a exposição ao
do local e avalie se há necessidade de alguma roupa especial ou de ácido fluorídrico é a irrigação com água, seguida da aplicação de gel
aparelho de respiração. Evite a contaminação do equipamento e das de gluconato de cálcio, no pronto-socorro. Os pacientes com quei-
viaturas; um veículo contaminado cria um risco de exposição para maduras por ácido fluorídrico devem ser imediatamente transferidos
outros indivíduos que não suspeitarão de nada, por onde quer que o para um centro de queimados para continuar o tratamento.
veículo trafegue. Tente obter a identificação do agente envolvido As soluções de hipoclorito são frequentemente empregadas
logo que possível. para produzir alvejantes domiciliares e detergentes industriais. Essas
Remova todas as roupas do paciente. As roupas contaminam- soluções são bases fortes; as soluções comumente disponíveis são de
se por substâncias químicas em líquido ou em pó. As roupas conta- 4% a 6% e geralmente não são letais, a menos que grandes áreas do
minadas precisam ser descartadas com cuidado. Se houver qualquer corpo sejam afetadas. Em maiores concentrações, no entanto, peque-
substância particulada na pele, ela deverá ser retirada por escovação. nos volumes são potencialmente letais. Considera-se que a exposi-
Em seguida, lave o paciente com grande quantidade de água. A ção a aproximadamente 30 ml de uma solução a 15% cause risco de
lavagem dilui a concentração do agente lesivo e remove qualquer morte.
reagente que ainda não tenha reagido. A chave para a lavagem con- O gás lacrimogêneo e substâncias químicas similares são
siste em usar grandes quantidades de água. Uma prática comum conhecidos como “agentes de controle de tumultos”. Esses agentes
consiste em derramar de um a dois litros de água sobre o paciente e incapacitam de maneira rápida e breve as pessoas expostas, por pro-

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vocarem irritação de pele, pulmões e olhos. A extensão da lesão é pode mudar a qualquer momento, depois de uma lesão por queima-
determinada pela magnitude da exposição ao agente. A duração dura. Após a lesão térmica, a mucosa da via aérea superior incha com
típica da irritação é de 30 a 60 minutos. O tratamento consiste em o passar do tempo. Portanto, uma via aérea que se encontra ampla-
afastar as vítimas da fonte de exposição, remover as roupas contamina- mente permeável pode desenvolver obstrução durante o transporte.
das e irrigar a pele e os olhos. Os pacientes com queimaduras químicas e exposição a materi-
ais perigosos devem ser submetidos a descontaminação antes do
15. CONTROLE DA CONTAMINAÇÃO transporte. Se não for feita a descontaminação adequada, continuará a
ocorrer lesão, podendo o socorrista também sofrer lesão. Os fumos
A exposição aos contaminantes químicos gera um risco signi- que emanam de um paciente descontaminado de forma inadequada
ficativo para socorristas e profissionais de saúde. A Environmental podem contaminar o compartimento do paciente de uma viatura, o
Protection Agency, EPA, e o National Institute of Occupational que coloca em risco de intoxicação os socorristas e aumenta o risco
Safety and Health, NIOSH, desenvolveram e preconizaram o uso de de colisão. Todas as queimaduras devem ser cobertas com curativos
zonas de controle com a meta específica de minimizar o risco de secos e esterilizados. Os pacientes queimados perdem a capacidade
disseminar a contaminação e exposição dos socorristas aos agentes de regular a temperatura corporal (termo regulação), exigindo, as-
químicos ou radiativos perigosos. Ninguém deve entrar na zona sim, que se garanta que o paciente fique aquecido.
quente sem o equipamento de proteção individual (EPI) apropriado. Os pacientes queimados podem ter outras lesões concomitan-
Os pacientes contaminados devem ser descontaminados ao fazer a tes, devendo ser feito um exame completo procurando lesões associa-
transição da zona quente para a zona morna. Na zona fria, o círculo das. Esses problemas devem ser priorizados e tratados conforme o
mais externo das zonas de controle, os socorristas podem prestar o tempo permitir. O exame continuado inclui a avaliação da circulação
atendimento sem a necessidade de EPI. em todos os membros lesados, principalmente os que tiverem quei-
As mesmas considerações são aplicáveis ao atendimento no maduras circunferenciais.
hospital. Um paciente que foi exposto a material químico ou radiativo,
mas que ainda não foi descontaminado, pode ser considerado uma
“zona quente” móvel. Se esse paciente se apresentar a um hospital ou
posto de atendimento com sintomas e queixas relacionados com
possível contaminação e ainda não foi descontaminado, a equipe que
o atender deve fazer a descontaminação usando o EPI apropriado
para a situação, antes de permitir que o paciente entre na instituição.
Nunca se deve presumir que um paciente com exposição a um materi-
al químico ou radiativo foi adequadamente descontaminado sem
confirmar que foram tomadas as medidas adequadas. A liberação de
um paciente contaminado para um pronto-socorro leva a consequên-
cias desastrosas. Todos naquela área, inclusive outros pacientes e
profissionais de saúde, precisarão ser descontaminados, causando um
transtorno significativo no atendimento. A menos que existam cir-
cunstâncias excepcionais, os pacientes devem ser descontaminados
antes do transporte.

16. TRANSPORTE PROLONGADO

O transporte prolongado de vítimas de queimaduras apresenta


inúmeros desafios para os socorristas. A maior preocupação é a
monitoração contínua com atenção para o aparecimento de sintomas
de queimaduras das vias aéreas. Quase todos os pacientes com lesão
térmica, principalmente os que têm queimaduras na cabeça e no
pescoço ou história de ter ficado preso em um espaço fechado, têm
risco de terem sofrido queimadura de vias aéreas e lesão por inala-
ção.
Na ausência de um método para detectar a intoxicação por
monóxido de carbono, os pacientes devem ser mantidos com oxigê-
nio a 100% até que o nível de monóxido de carbono possa ser medido.
Uma vez excluído um nível elevado de carboxiemoglobina, os paci-
entes queimados deverão receber oxigênio suplementar para manter
a SpO2 ≥ 95%, e as ventilações devem ser assistidas, quando necessá-
rio. A permeabilidade das vias aéreas é um problema constante, que
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Capítulo 24
Traumas Ambientais — Calor e Frio

O
pele e a espessura da “concha” dependem da temperatura ambien-
tal, assim a concha se torna mais espessa nas temperaturas mais frias
s extremos ambientais de calor e frio apresentam e mais delgada nas temperaturas mais quentes, com base no desvio
o desfecho comum de lesões e de morte em de sangue para dentro e para fora da pele, respectivamente. Conside-
potencial que pode afetar muitos indivíduos durante o pico do verão ra-se que esta “concha” ou tecido de isolamento, induzida pela vaso-
o os meses de inverno. Os indivíduos mais suscetíveis tanto às tem- constrição, corresponde à proteção externa decorrente do uso de um
peraturas elevadas quantos às baixas são os muito jovens, a popula- terno leve, comparada com isolamento seis a oito vezes maior forne-
ção idosa, as pessoas pobres em áreas urbanas, indivíduos que usam cido por um agasalho pesado nas temperaturas frias.
medicação específica, pacientes com doenças crônicas e alcoólatras. A produção metabólica de calor irá variar com base nos níveis
Os chamados dos serviços de emergência no Brasil são, em sua de atividade. Independentemente da variação da temperatura exter-
maioria, para as lesões provocadas pelo calor e pelo frio em pacien- na, o corpo funciona normalmente dentro de uma estreita faixa de
tes hipertérmicos e hipotérmicos em áreas urbanas. Entretanto, o temperatura, conhecida como metabolismo homeostático, de cerca
interesse crescente nas atividades recreacionais e nas aventuras de de 1° para cima ou para baixo de 37° C ± 0,6° C. A temperatura
alto risco nas áreas selvagens durante os períodos de temperaturas corporal normal é mantida em uma faixa estreita por mecanismos
extremas coloca mais indivíduos em risco de lesões e mortes relacio- homeostáticos regulados no hipotálamo, que está localizado no cére-
nadas com o calor e com o frio. bro. O hipotálamo é conhecido como o centro termorregulador e
funciona como o termostato do corpo para o controle da regulação
1. ANATOMIA neurológica e hormonal da temperatura corporal. Como observado
nos capítulos precedentes, um traumatismo cerebral pode compro-
A pele, o maior órgão do corpo, é a interface com o ambiente meter o hipotálamo, o que, por sua vez, provoca um desequilíbrio na
externo e serve como uma membrana de proteção. Ela controla a regulação da temperatura corporal.
invasão de microrganismos, mantém o equilíbrio hídrico e regula a
temperatura. A pele é composta por três camadas de tecido — a 2.1.1. Produção e Dissipação do Calor
epiderme, a derme e o tecido subcutâneo. A camada mais externa,
chamada de epiderme, ou estrato córneo, é composta inteiramente A taxa metabólica basal é o calor produzido primariamente
por células epiteliais, sem vasos sanguíneos. Abaixo da epiderme como um subproduto do metabolismo, proveniente, principalmente,
está a derme, mais espessa. A derme, uma camada mais profunda da dos grandes órgãos centrais e da contração do músculo esquelético.
pele é 20 a 30 vezes mais espessa que a epiderme. A derme é com- O calor gerado é transferido para o corpo pelo sangue no sistema
posta por um arcabouço de tecido conjuntivo que contém vasos circulatório. A transferência e a dissipação de calor do corpo pelo
sanguíneos, produtos do sangue, nervos, glândulas sebáceas e glân- sistema cardiopulmonar são importantes na avaliação e no tratamen-
dulas sudoríparas. A camada mais interna, o subcutâneo, é uma to da doença relacionada ao calor, como será discutido posterior-
combinação de tecido elástico e fibroso, bem como de depósitos mente. Em repouso, um homem de tamanho médio vai gerar aproxi-
gordurosos, e abaixo dela está a camada de músculo esquelético. A madamente 80 a 90 calorias por hora. Indivíduos que realizam ho-
pele, nervos, vasos sanguíneos e outras estruturas anatômicas subja- meostase em atividade moderada a pesada aumentarão a produção
centes desempenham papéis importantes na regulação da temperatu- de calor de quatro a cinco vezes àquelas geradas em níveis de repou-
ra corpórea. so. A produção metabólica máxima de calor é aproximadamente 10
vezes o nível de repouso (≈ 1.000 calorias por hora), quando se reali-
2. FISIOLOGIA za exercício aeróbico intenso, de curta duração. Como comparação,
a produção metabólica de calor gerada pelo tremor aumenta a taxa
2.1. Termorregulação e Equilíbrio Térmico metabólica em até seis vezes o nível de repouso.
O tremor aumenta a taxa metabólica, aumentando a tensão
Os seres humanos são considerados animais homeotérmicos, muscular, que leva a episódios repetidos de contração e relaxamento
ou de sangue quente. Uma característica-chave dos homeotérmicos muscular. Há uma ampla faixa de diferenças individuais no ponto
é que são capazes de regular sua temperatura corporal interna inde- onde o tremor começa e termina, porém, tipicamente, o tremor se
pendentemente das variações da temperatura ambiental. O corpo é inicia quando a temperatura central está em 34,4° C a 36° C e conti-
essencialmente distribuído em uma camada central interna mais nua até que a temperatura corporal esteja em 29° C a 31° C. Com o
quente (incluindo o cérebro e os órgãos torácicos e abdominais) e tremor máximo, a produção de calor é de cinco a seis vezes maior
uma concha externa constituída pela pele e tecido subcutâneo. A que a do nível do repouso. Quando houver uma pequena redução da
temperatura central é regulada pelo equilíbrio dos mecanismos de temperatura central, o tremor aumenta efetivamente a taxa metabóli-
produção e dissipação de calor. As temperaturas na superfície da ca, porém o calor gerado pode ser perdido rapidamente para o ambi-
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ente. A atividade muscular aumentada pelo tremor provoca aumento Irradiação é a perda ou ganho de calor na forma de energia
no fluxo sanguíneo da extremidade, que por sua vez diminui o efeito eletromagnética; ela é a transferência de energia de um objeto mais
de isolamento da “concha” causado pela vasoconstrição, e a perda quente para um objeto mais frio. A irradiação não usa uma fonte
de calor é aumentada por convecção, condução, irradiação e evapo- intermediária como o ar ou a água. O sol aquece a terra através do
ração. O tremor máximo pode também interferir em qualquer ativi- espaço por este método de transferência de energia. Um paciente
dade muscular coordenada. com doença relacionada ao calor pode adquirir calor corporal adicio-
nal do chão quente ou diretamente do sol. Estas fontes de calor au-
2.1.2. Equilíbrio Térmico mentarão o calor corporal do paciente, dificultando o seu resfriamen-
to até que o socorrista elimine as fontes de irradiação de calor, en-
O sistema de termorregulação fisiológica que controla as res- quanto avalia e trata o paciente.
postas de produção e perda de calor estão bem documentadas. Dois Condução é a transferência de calor entre dois objetos em
princípios na termorregulação são básicos na compreensão de como contato direto um com o outro, como o que acontece com um paci-
o corpo regula a temperatura central: gradiente térmico e equilíbrio ente deitado em um chão gelado depois de uma queda. Um paciente
térmico. O gradiente térmico é a diferença de temperatura geralmente vai perder calor mais rapidamente quando deitado no
(temperatura alta vs. temperatura baixa) entre dois objetos. O equilí- chão frio do que quando exposto ao ar frio. Portanto, nas temperatu-
brio térmico é a transferência de calor de um objeto mais quente ras frias, os socorristas precisam levantar o paciente do chão, em vez
para um objeto mais frio em um esforço para criar a mesma tempe- de meramente cobri-lo com um cobertor.
ratura entre eles. Convecção é a transferência de calor de um objeto sólido para
Quando a temperatura corporal aumenta, a resposta fisiológica uma fonte que se move através deste objeto. As correntes de ar ou de
normal é aumentar o fluxo sanguíneo da pele e começar a suar. A água geralmente são as duas fontes consideradas na perda de calor
maior parte do calor corporal é trocada com o ambiente na superfície por convecção por entrarem em contato com o corpo humano. O
da pele por condução, convecção, irradiação e evaporação, como movimento de ar ou água fria através da pele aquecida provoca a
definido a seguir. Como o calor é transferido da maior para a menor eliminação contínua de calor da pele mais quente. Além disso, um
temperatura, o corpo humano pode ganhar calor por irradiação e por paciente perderá calor corporal 25 vezes mais rapidamente na água
condução durante condições climáticas quentes. Os métodos para que no ar com a mesma temperatura, portanto é importante manter o
manter e dissipar o calor corporal são conceitos importantes para os paciente seco e remover roupas molhadas nas temperaturas modera-
socorristas. Eles devem compreender como o calor e o frio são trans- das ou frias. Uma roupa de mergulhador ajuda a minimizar a perda
feridos para fora e para dentro do corpo de forma que possam tratar de calor corporal por convecção quando o mergulho é em água com
efetivamente um paciente que apresente hipertermia ou hipotermia. temperatura mais fria que a da pele. Quando os socorristas tratam
efetivamente um paciente com doença relacionada ao calor, usam o
princípio de perda de calor por convecção pelo umedecimento e pela
ventilação do seu paciente para dissipar o calor corporal rapidamen-
te.
A evaporação do suor de uma forma líquida para vapor é um
método extremamente eficiente de perda de calor pelo corpo, depen-
dendo da umidade relativa ou umedecimento do ar. O nível basal
tanto de água corporal quanto da perda de calor concomitante pelo ar
exalado, pela pele e pelas membranas mucosas é chamado de perda
insensível e é causado pela evaporação. Esta perda insensível é nor-
malmente cerca de 10 % da produção basal de calor, porém quando
a temperatura corporal aumenta, este processo se torna mais ativo
(sensível), e o suor é produzido. A perda de calor por evaporação
aumenta nas condições climáticas frias, secas e com vento. Coletiva-
mente, a convecção e a evaporação são mais importantes que os
outros métodos de transferência de calor porque são reguladas pelo
corpo para controlar a temperatura central.
Aumentos (hipertermia) ou diminuições (hipotermia) na tem-
peratura corporal além dos limites homeostáticos 37° C ± 0.6° C
podem ter diferentes causas internas e externas e voltar às temperatu-
ras homeostáticas sem complicações. A hipertermia ocorre primaria-
mente em uma de três maneiras: (1) como uma resposta normal ao
exercício contínuo, no qual o calor produzido eleva a temperatura
central e é o estímulo para as respostas de dissipação de calor (p. ex.,
sudorese, aumento de fluxo sanguíneo da pele); (2) quando a soma
Fig. 350: Como os seres humanos trocam energia térmica com o ambiente.
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248 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 24 — Traumas Ambientais: Calor e Frio

da produção de calor e do calor ganho do ambiente é maior que a Quadro 24-1: Fatores de Risco para a Doença Relacio-
dissipação de calor pelo corpo; e (3) pela febre. Ao contrário das nada ao Calor
duas primeiras maneiras, a febre usualmente ocorre em reposta à SITUAÇÕES CLÍNICAS
inflamação decorrente de uma alteração no ponto de referência ter- Doença cardiovascular
Desidratação
morregulador, e o corpo responde através da elevação da temperatu-
Neuropatias autonômicas
ra corporal para um valor mais alto (38° C — 41° C). A produção de Parkinsonismo
calor aumenta apenas temporariamente para alcançar um novo pon- Distonias
to de referência para a temperatura em uma tentativa de tornar o Distúrbios da pele: psoríase, queimaduras solares, queimaduras
ambiente menos favorável para a invasão da infecção. Distúrbios endócrinos
Febre
Delirium tremens
3. HOMEOSTASE
Psicose
Neonatos, pessoas idosas
Todas estas estruturas anatômicas e sistemas fisiológicos estão História de intermação
interagindo para que o corpo funcione adequadamente quando ex- Obesidade
posto a alterações de temperatura. O corpo está em um estado cons- Baixo preparo físico
tante de retroalimentação neurológica das regiões periféricas e inter-
nas para o centro termorregulador e outras regiões do cérebro, em TOXINAS/DROGAS
Aumentam a Produção de Calor
um esforço conjunto para manter as condições internas constantes e
Hormônio tireoidiano
estáveis, ou a homeostasia, do corpo. Porém, algumas vezes isto não Antidepressivos cíclicos
ocorre. Por exemplo, quando ocorre um desequilíbrio nos ajustes Alucinógenos (p. ex., LSD)
cardiovasculares e termorreguladores para eliminar o calor corporal Cocaína
excessivo, uma consequência é a perda excessiva de líquido corporal Anfetaminas
através do suor, causando desidratação aguda que pode levar aos
sinais e sintomas da doença relacionada ao calor. Aumentam a Perda de Água
Diuréticos
Etanol
4. FATORES DE RISCO NA DOENÇA RELACIONA- Nicotina
DA AO CALOR
COMPORTAMENTO
Muitos estudos nos seres humanos demonstraram grandes Exercícios exagerados
diferenças individuais na sua tolerância aos ambientes quentes. Estas Vestuário inadequado
Aclimatação inadequada
diferenças podem ser parcialmente explicadas tanto pelas caracterís-
Ingestão de líquidos inadequada
ticas físicas quanto por situações clínicas que estão associadas a um Supervisão inadequada
risco aumentado para a doença relacionada ao calor (quadro 24-1). Alta motivação
As situações transitórias incluem as que afetam os indivíduos que Pertil atlético
viajam de climas mais frios e não se aclimatizam aos climas mais Perfil de recrutamento militar
quentes na chegada. Os fatores durante o voo que contribuem para o
início da doença relacionada ao calor durante os primeiros dias são a débito cardíaco necessário para sustentar a termorregulação. Indiví-
fadiga da viagem, a diferença de fuso horário, o consumo de álcool, duos obesos apresentam uma resposta normal de vasodilatação dos
a desidratação, a dieta inadequada e o sono atrasado. Outros fatores vasos sanguíneos da pele e sudorese em resposta à exposição ao
transitórios que colocam os indivíduos em risco de apresentarem a calor. Porém, a combinação de baixo condicionamento físico, falta
doença relacionada ao calor são as doenças comuns, incluindo os de aclimatação ao calor e peso corporal excessivo (índices de massa
resfriados e outras situações que causam febre, vômitos e diarréia, corporal mais elevados) aumentam o custo de energia do movimen-
juntamente com ingestão dietética e hídrica inadequadas. to, colocando-os em risco maior para a doença relacionada ao calor.
Os fatores considerados situações crônicas que colocam os
indivíduos em maior risco de ter a doença relacionada ao calor são o 4.2. Idade
preparo físico, o tamanho do corpo, a idade, a situação clínica e o
uso de medicação. A capacidade termorregulatória e a tolerância ao calor diminu-
em com a idade. Entretanto, este estado pode ser melhorado com a
4.1. Preparo Físico e Índice de Massa Corporal manutenção de um baixo peso corporal e um bom preparo físico.

Baixos níveis de preparo físico causados por fatores genéticos 4.3. Sexo
ou por um estilo de vida sedentário com atividade física diária inade-
quada vão reduzir a tolerância à exposição ao calor. Estar em boas Havia uma crença antiga de que as mulheres eram menos
condições físicas oferece uma reserva cardiovascular para manter o tolerantes ao calor quando comparadas com os homens. Embora

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uma ampla variação tenha sido relatada anteriormente, estas diferen- beber líquidos e comer alimentos que contenham água repõe a água
ças resultavam do fato de as mulheres terem menos preparo físico e corporal. Quando uma pessoa fica doente com febre, diarréia ou
se exporem menos ao calor quando comparadas com os homens em vômitos, ou um indivíduo é exposto ao calor, a desidratação ocorre.
situações que poderiam induzir a uma aclimatação completa ao Ocasionalmente, as drogas que depletam os líquidos e eletrólitos
calor. Estudos mais recentes controlaram as diferenças na aptidão corporais, como os diuréticos, podem causar desidratação.
física e na aclimatação ao calor entre homens e mulheres e indicam Durante a exposição ao calor, a água corporal é perdida prima-
que as mulheres demonstram igual tolerância ao trabalho no calor e, riamente como suor. Os indivíduos podem suar de 0,8 a 1,4 litro por
em alguns estudos, são mais tolerantes ao calor que os homens. hora (l/h), e foi relatado que alguns atletas de elite que estejam acli-
matizados ao calor podem suar até 3,7 l/h durante uma competição
4.4. Situações Clínicas em ambientes quentes. As bases para evitar o início da doença rela-
cionada ao calor são manter um equilíbrio hídrico corporal e mini-
Uma forma leve da doença relacionada ao calor vista nos mizar a desidratação durante as atividades diárias, particularmente
indivíduos é a “brotoeja”, e tem sido demonstrado que ela pode durante qualquer atividade física em uma exposição ao calor de
causar a redução da tolerância ao calor. Outras situações clínicas que moderada a alta. Os indivíduos normalmente não sentem sede até
podem aumentar o risco de intolerância ao calor e a doença relacio- terem uma deficiência de aproximadamente 2% de perda do peso
nada ao calor são o diabetes melito, distúrbios da tireóide e doença corporal resultante da sudorese. Assim, a sede constitui um pobre
renal. A doença cardiovascular e os problemas circulatórios que indicador da necessidade hídrica corporal durante o repouso ou a
aumentam o fluxo sanguíneo cutâneo e a demanda circulatória são atividade física.
agravados pela exposição ao calor. Com níveis de desidratação aguda de leves a moderados de
(2% a 6% do peso corporal), os indivíduos experimentam fadiga,
4.5. Medicações diminuição da tolerância ao calor e deterioração cognitiva, junta-
mente com redução na força e na capacidade física aeróbica. Sem
O uso de medicações com prescrição específica ou de venda alguma forma de guia para hidratação líquida (ver Prevenção da
livre pode colocar os indivíduos em maior risco de terem a doença Doença Relacionada ao Calor) para ajudar os indivíduos quanto à
relacionada ao calor. Certas medicações podem aumentar a produ- quantidade de líquidos a consumir por hora quando expostos a calor
ção metabólica de calor, suprimir o resfriamento do corpo, reduzir a de moderado a alto, as pessoas consistentemente consumirão menos
reserva cardíaca e alterar o equilíbrio hidroeletrolítico renal. As dro- líquidos que o necessário e permanecerão desidratadas em aproxi-
gas sedativas e narcóticas podem alterar o estado mental e compro- madamente 1% a 2% do peso corporal. O consumo insuficiente de
meter o raciocínio e o julgamento lógicos, suprimindo a capacidade líquidos para restaurar o equilíbrio hídrico normal é atualmente co-
de tomar decisões, quando o indivíduo é exposto ao calor. nhecido como desidratação “voluntária”.
Quando os indivíduos são encorajados a beber líquidos fre-
5. DESIDRATAÇÃO quentemente durante a exposição ao calor, a velocidade com a qual
os líquidos podem ser repostos pela boca está limitada pela velocida-
A água corporal é o maior componente do corpo humano, de do esvaziamento gástrico e pela velocidade de absorção de líqui-
representando de 45% até 70% do peso corporal: por exemplo, um do no intestino delgado. Os líquidos vazam do estômago com uma
homem de 75 kg possui 45 litros de água, representando 60% do velocidade máxima de aproximadamente 1 a 1,2 l/h para o intestino
peso corporal. As variações excessivas no equilíbrio hídrico corporal delgado, onde ocorre a absorção para a corrente sanguínea. Além
normal (euidratação) resultante do consumo excessivo de água disso, as velocidades de esvaziamento gástrico diminuem de aproxi-
(hiperidratação; ver seção sobre hiponatremia) ou de perda de líqui- madamente 20% a 25% quando a perda de peso induzida pelo suor
do (causando desidratação aguda) alteram a homeostasia, produzin- causa uma desidratação de 5% do peso corporal total (p. ex., 5% de
do sinais e sintomas específicos. A desidratação aguda um homem de 90 kg = perda de peso de 4,5 kg). A mensagem im-
(hipoidratação, uma forma crônica de desidratação) pode ser um portante é que, uma vez que a desidratação ocorra, torna-se um desa-
desfecho grave, tanto da exposição ao calor quanto ao frio, porém, é fio maior reidratar adequadamente o indivíduo com líquidos por via
vista também como um perigoso efeito colateral da diarréia, dos oral. As chaves para minimizar a quantidade de desidratação durante
vômitos e também da febre. a exposição ao calor são começar o consumo oral de líquidos antes
A desidratação é um achado comum em muitos casos de do- da exposição ao calor e manter a ingestão frequente de líquidos du-
ença relacionada ao calor que ocorre durante muitos dias, como rante e depois desta exposição.
observado em idosos, ou durante atividade física, como visto na Os seguintes sinais e sintomas são os mais comuns de desidra-
sudorese profusa nos atletas. Geralmente, estes indivíduos não con- tação nos lactentes, nas crianças e nos adultos, embora cada indiví-
somem líquidos ou consomem pequenos volumes de líquido duran- duo possa experimentar os sintomas de formas diferentes:
te as atividades diárias, não repondo a água corporal perdida. As
crianças e as pessoas com mais de 60 anos são particularmente sus-  Diurese menos frequente.
cetíveis à desidratação. Nós perdemos água corporal diariamente  Sede.
através do suor, das lágrimas, da urina e das fezes. Normalmente,  Pele seca.

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Capítulo 24 — Traumas Ambientais: Calor e Frio

 Fadiga. 6.1.2. Edema pelo Calor


 Sensação de leveza na cabeça.
 Tontura. O edema pelo calor é um edema leve nas mãos, nos pés e nos
 Confusão. tornozelos visto durante os estágios precoces da aclimatação ao calor
 Boca e membranas mucosas secas. enquanto o volume plasmático está se expandindo para compensar a
 Aumento das frequências cardíaca e respiratória. necessidade de aumento do fluxo sanguíneo termorregulador. Esta
forma de edema não indica ingestão excessiva de líquidos ou doença
Nos lactentes e nas crianças, os sintomas adicionais podem cardíaca, renal ou hepática. Na ausência de outras doenças, esta
incluir os seguintes: situação não tem significado clínico e é autolimitada. O edema pelo
calor é observado com maior frequência em mulheres.
 Boca e língua secas. Tratamento. O tratamento consiste em afrouxar as roupas e
elevar as pernas. Os diuréticos não estão indicados e podem aumen-
 Falta de lágrimas ao chorar.
tar o risco de doença relacionada ao calor.
 Fraldas secas por mais de 3 horas.
 Abdome, olhos e bochechas encovados.
6.1.3. Tetania pelo Calor
 Febre alta.
 Falta de atenção. A tetania pelo calor é uma situação rara e autolimitada que
 Irritabilidade. pode ocorrer nos pacientes expostos agudamente a situações de calor
 Pele que não volta ao normal quando pinçada e liberada. intenso por curto espaço de tempo. A hiperventilação que resulta
destas condições é considerada a causa principal. Podem se desen-
6. DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO CALOR volver alcalose respiratória, parestesias, espasmo carpopodálico e
tetania.
Os distúrbios relacionados ao calor podem variar de mínimos Tratamento. O tratamento consiste na remoção da fonte de
a graves nos pacientes com doença relacionada ao calor. É importan- calor e no controle da hiperventilação. A desidratação não é uma
te observar que os socorristas podem ou não ver uma progressão dos ocorrência comum nestas exposições curtas ao calor. A tetania pelo
sinais e sintomas, começando com síndromes mínimas (p. ex., cãi- calor pode ser vista em conjunto com os sinais e sintomas de exaus-
bras pelo calor) e então avançando para doenças relacionadas ao tão pelo calor e termoplegia.
calor mais importantes (p. ex., a intermação clássica). Na maioria
destas exposições ao calor, o paciente é capaz de dissipar adequada- 6.1.4. Cãibras Musculares (pelo Calor)
mente o calor corporal central e de manter a temperatura central
dentro da faixa normal. Entretanto, quando as situações relacionadas As cãibras musculares pelo calor são contrações musculares
ao calor resultam em uma chamada para assistência pelo SME, as dolorosas e de curta duração vistas frequentemente nos músculos da
situações menos graves relacionadas ao calor podem estar aparentes panturrilha (gastrocnêmio), porém também nos músculos voluntá-
para o socorrista durante a avaliação do paciente, junto com os sinais rios do abdome e das extremidades. Ocorrem nos indivíduos durante
e sintomas de doença relacionada ao calor (Tabela 24-2) mais grave. exercício que produza sudorese profusa ou durante a fase de recupe-
ração do exercício. O músculo liso, o músculo cardíaco, o diafragma
6.1. Distúrbios Leves Relacionados ao Calor e os músculos bulbares não são envolvidos. As cãibras musculares
pelo calor podem ocorrer isoladamente ou nos pacientes com exaus-
Os distúrbios leves relacionados ao calor incluem o rash cutâ- tão pelo calor. A causa é desconhecida, porém acredita-se que a
neo, o edema, a tetania, as cãibras musculares e a síncope pelo calor. depleção do sódio corporal e de outros eletrólitos esteja associada a
esta situação. A suplementação de sal na dieta mostrou reduzir a
6.1.1. Rash pelo Calor incidência de cãibras pelo calor.
Tratamento. O tratamento consiste em repouso em um ambi-
O rash pelo calor, também conhecido como “brotoeja” e mili- ente fresco, alongando-se o músculo comprometido e consumindo
aria rubra, é um rash papular, pruriginoso e eritematoso visto nor- líquidos por via oral. Bebidas usadas por esportistas que contenham
malmente na pele nas áreas cobertas pelo vestuário e de sudorese sódio ou outros líquidos (p. ex., suco de tomate contendo sódio)
intensa. Esta situação é causada por inflamação das glândulas sudo- devem ser consumidos. Evite o uso de tabletes de sal porque estes
ríparas que bloqueiam o ducto sudoríparo. As áreas comprometidas podem causar distúrbios gastrointestinais.
não podem suar, colocando o indivíduo em risco aumentado de
doença relacionada ao calor dependendo da quantidade de superfície 6.1.5. Síncope pelo Calor
cutânea envolvida.
Tratamento. O tratamento é feito pelo resfriamento e secagem A síncope pelo calor ocorre quando há permanência em posi-
da área afetada e pela prevenção de situações que causem mais su- ção ortostática prolongada em ambientes quentes e é causada pela
dorese nestas áreas. baixa pressão sanguínea que resulta em desmaio ou sensação de

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desmaio ou de leveza na cabeça. O calor causa vasodilatação e o sanguíneo cutâneo, redução do volume plasmático, redução do re-
acúmulo de sangue venoso nas pernas, causando a diminuição da torno venoso para o coração pela vasodilatação e depleção de sal e
pressão sanguínea. água induzida pelo suor.
Tratamento. Depois da remoção para um ambiente fresco, os Normalmente pode ser difícil fazer a distinção entre exaustão
pacientes são colocados em posição de repouso e recebem reidrata- grave pelo calor e intermação. Porém uma rápida avaliação do esta-
ção oral. Se ocorreu queda, os pacientes devem ser rigorosamente do mental irá determinar o nível de comprometimento neurológico.
avaliados em busca de lesão. Pacientes com uma história significati- Se a exaustão pelo calor não for adequadamente tratada, pode causar
va de distúrbios cardíacos ou neurológicos necessitam de uma avali- intermação, uma forma com risco de morte da doença relacionada
ação mais profunda para investigar a causa de seu episódio de sínco- ao calor. A exaustão pelo calor é um diagnóstico de exclusão quan-
pe. A monitorização dos sinais vitais durante o transporte é essencial. do não existe evidência de intermação. Estes pacientes precisarão de
avaliação física e laboratorial mais completa no departamento de
6.2. Principais Distúrbios Relacionados com o Calor emergência.
Avaliação. Os sinais e sintomas incluem a baixa ingestão de
Os principais distúrbios relacionados com o calor incluem o líquidos, a diminuição do débito urinário, cefaléia frontal, tontura,
colapso associado ao esforço, a exaustão pelo calor e a intermação euforia, náusea, sensação de leveza da cabeça, ansiedade, fadiga e
(formas clássica e associada ao esforço). apatia. Os pacientes podem se sentir melhores enquanto deitados,
porém a sensação de cabeça leve retorna quando tentam ficar de pé
6.2.1. Colapso Associado ao Esforço ou sentar (hipotensão ortostática). A sudorese profusa não é inco-
mum. As frequências ventilatória e do pulso podem ser rápidas, e o
Este distúrbio ocorre quando um indivíduo sofre um desmaio pulso radial pode ser filiforme. A pressão arterial sistólica (PAS)
depois de um exercício extenuante. Durante o exercício, a contração pode ser normal ou estar levemente diminuída. É importante obter
muscular das extremidades inferiores ajuda no retorno venoso para o uma história dos antecedentes de doença relacionada ao calor e do
coração. Quando o exercício para, como ocorre no final de uma incidente atual de exposição ao calor porque estes pacientes podem
corrida, a contração muscular que ajuda no retorno venoso diminui mostrar sinais e sintomas de outras situações de perda de líquido e de
significativamente. Isto por sua vez diminui a quantidade de sangue sódio (p. ex., hiponatremia; ver discussão mais adiante).
que retorna ao coração, resultando em diminuição do débito cardía- Tratamento. Remova imediatamente o paciente do ambiente
co para o cérebro. quente para um local mais fresco. Coloque o paciente em repouso na
Avaliação. Os sinais e sintomas incluem náusea, sensação de posição supina. Remova qualquer coisa que restrinja a dissipação do
leveza da cabeça, desmaio ou síncope. Os pacientes podem sentir-se calor, como chapéus ou vestuário. A reidratação oral deve ser consi-
melhores quando deitados, porém a sensação de cabeça leve retorna derada para qualquer paciente que possa ingerir líquidos pela boca
quando tentam ficar de pé ou sentar (hipotensão ortostática). A que não esteja em risco de aspirar vômitos. Grandes quantidades de
sudorese profusa não é incomum. As frequências ventilatória e do líquidos por via oral podem aumentar a estase gástrica, a náusea e os
pulso podem ser rápidas. A temperatura do corpo do paciente pode vômitos.
estar normal ou ligeiramente elevada. É difícil afastar a desidratação, Como a exaustão pelo calor pode ser difícil de distinguir da
porém este tipo de desmaio pós-exercício não é por causa da hipovo- intermação, e como os pacientes com intermação devem ser resfria-
lemia. Pelo contrário, este tipo de desmaio que ocorre durante o dos, o melhor curso de ação é providenciar procedimentos de resfri-
exercício exige uma avaliação imediata para identificar outras causas amento ativo em todos os pacientes com exaustão pelo calor. O
(p. ex., cardiovasculares). resfriamento ativo pode ser feito rapidamente umedecendo-se a
Tratamento. O paciente é removido para um ambiente fresco cabeça e a parte superior do tronco do paciente com água e ventila-
e repousa em uma posição reclinada. A reidratação oral é fornecida, ção, para aumentar a dissipação do calor corporal por convecção.
se necessário. Assim como em qualquer forma de desmaio, uma Transporte todos os pacientes que estejam inconscientes, que não se
avaliação adicional é necessária para afastar outros distúrbios (p. ex., recuperam rapidamente, ou que apresentam histórico clínico signifi-
causas cardíacas ou neurológicas). A monitorização dos sinais vitais cativo. O controle adequado da temperatura ambiental e a monitori-
durante o transporte é essencial para detectar arritmias cardíacas. zação dos sinais vitais e do estado mental são essenciais durante o
transporte.
6.2.2. Exaustão pelo Calor
6.2.3. Intermação
A exaustão pelo calor é o distúrbio relacionado ao calor mais
comum visto pelos socorristas. Esta situação pode se desenvolver ao A intermação é considerada a forma de doença relacionada ao
longo de dias de exposição, como nas pessoas idosas que vivem em calor com maior emergência e com risco de morte. A intermação é
espaços pouco ventilados, ou agudamente, como nos atletas. Esta definida como uma forma anormal de hipertermia que resulta em
situação resulta de um débito cardíaco insuficiente para sustentar o insuficiência total do sistema termorregulador — uma insuficiência
aumento da carga circulatória causada pelas demandas da competi- nos sistemas fisiológicos corporais para dissipar o calor e promover
ção da dissipação termorreguladora do calor, com aumento do fluxo o resfriamento. A intermação é caracterizada por uma elevada tem-

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Capítulo 24 — Traumas Ambientais: Calor e Frio

peratura corpórea e disfunção do sistema nervoso central (SNC), o paciente com intermação clássica, estes pacientes habitualmente se
resultando em delírio, convulsões ou coma. apresentam com sudorese profusa e podem ser erroneamente consi-
A diferença mais significativa da intermação quando compa- derados como apresentando apenas a exaustão pelo calor.
rada com a exaustão pelo calor é a incapacidade neurológica, que se Avaliação. Os pacientes com intermação apresentam-se tipi-
apresenta ao socorrista como alterações do estado mental. O grau camente com a pele quente e averrnelhada. Eles podem ou não estar
das complicações nos pacientes com intermação não está inteira- suando, dependendo de onde são encontrados ou se apresentam a
mente relacionado à magnitude da elevação da temperatura corpó- intermação clássica ou do esforço. A pressão sanguínea pode estar
rea, porque as alterações fisiopatológicas podem resultar em uma elevada ou diminuída, e o pulso é geralmente filiforme; 25% destes
síndrome de insuficiência de múltiplos órgãos. Consequentemente, a pacientes apresentam hipotensão. O nível de consciência do paciente
intermação é distinguida clinicamente da exaustão pelo calor na pode variar de confusão a inconsciência, e pode ocorrer convulsão,
maioria dos pacientes apenas depois de avaliação mais aprofundada particularmente durante o resfriamento. Como se confirma nos hos-
no hospital. A morbidade e a mortalidade estão diretamente associa- pitais, a temperatura retal pode variar de 40° C a 47° C.
das à duração da temperatura corpórea elevada. Até mesmo com As chaves para distinguir a intermação de uma das outras
uma intervenção pré-hospitalar agressiva e com o tratamento no situações relacionadas com o calor são a elevação na temperatura
hospital, a intermação pode ser fatal, e muitos pacientes que sobrevi- corporal e o estado mental alterado. Qualquer paciente que esteja
vem apresentam incapacidade neurológica permanente. quente ao toque e com um estado mental alterado (confuso, deso-
A intermação tem duas apresentações clínicas diferentes: inter- rientado, combativo ou inconsciente) deve levantar a suspeita de
mação clássica e intermação do esforço (Tabela 24-1). intermação e ser tratado imediata e agressivamente.
A intermação clássica é um distúrbio de lactentes, crianças Tratamento. A intermação é uma emergência verdadeira. O
febris, pessoas pobres, idosos, alcoólatras e de pacientes doentes que resfriamento do paciente deve começar enquanto o socorrista avalia
podem ser afetados pelos fatores de risco do quadro 24-1 (p. ex., e estabiliza as vias aéreas, a respiração e a circulação (ABC). O so-
medicações). Uma apresentação clássica é um paciente que esteja corrista começa imediatamente a resfriar o paciente com qualquer
exposto a umidade elevada e a temperaturas altas na sala por vários meio que esteja disponível (p. ex., mangueira de jardim, mangueira
dias, sem ar condicionado, levando à desidratação e à temperatura de combate a incêndio, água engarrafada), até mesmo antes de re-
corpórea alta. Com frequência seu mecanismo de sudorese para, o mover as roupas. Idealmente, a imersão em água gelada é o método
que se conhece como anidrose. Isto é especialmente comum em mais rápido de resfriamento, porém isto está geralmente limitado ao
grandes cidades durante as ondas de calor do verão, quando uma cenário hospitalar. Se não houver gelo disponível, aspergir o pacien-
ventilação efetiva da casa ou não é possível ou não é usada. A avali- te com água fria com ventilação é a próxima técnica mais efetiva e
ação da cena vai fornecer informações úteis na identificação da inter- causará perda de calor por evaporação e por convecção.
mação. Desde o final da década de 1950 acredita-se que a imersão em
A intermação do esforço é um distúrbio evitável visto fre- água fria ou gelada provoca vasoconstrição suficiente para diminuir
quentemente em indivíduos jovens insuficientemente aclimatizados a perda de calor pelo corpo e causa tremor o que eleva a produção
envolvidos em atividade física extenuante de curta duração (p. ex., interna de calor. Entretanto, pesquisa recente mostrou que isto não
trabalhadores industriais, atletas, recrutas militares) durante uma interfere na diminuição crítica da temperatura central elevada. A
combinação de temperatura ambiental alta e umidade alta. Estas intervenção mais importante que os socorristas podem oferecer a
condições podem rapidamente elevar a produção interna de calor e um paciente com intermação (juntamente com os ABC) é o resfria-
limitar a capacidade do corpo de dissipar o calor. Comparados com
Tabela 24-1: Intermação Clássica versus de Esforço
Clássica De esforço
Faixa etária Idosos Homens (15-45 anos)
Estado de saúde Enfermos crônicos Saudável
Atividade concomitante Sedentários Exercício extenuante
Uso de drogas Diurético, antidepressivos, anti-hipertensivos, anticolinérgicos, antipsi- Usualmente nenhuma
cóticos
Sudorese Pode estar ausente Usualmente presente
Acidose lática Usualmente ausente; prognóstico ruim se presente Comum
Hipercalemia Usualmente ausente Frequentemente presente
Hipocalcemia Incomum Frequente
Hipoglicemia Incomum Comum
Modificado de Knochel JP, Reed G: Disorders of heat regulation. In Kleeman CR, Maxwell MH, Narin RG, editors: Clinical desorders of fluid and electrolyte
me1abolism, New York, 1987, McGraw-Hill.
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mento imediato e rápido de todo o corpo para reduzir a temperatu- intestino. Tipicamente estes pacientes não consomem bebidas para
ra central. esportistas com eletrólitos ou consumiram suplementos alimentares
O resfriamento rápido deve começar antes do transporte. Du- energéticos sem sal ou com quantidades insuficientes para equilibrar
rante o transporte, o paciente deve ser colocado preferencialmente a perda de sódio no suor ou a diluição pela ingestão excessiva de
em uma viatura com ar-condicionado ligado. Remova qualquer água.
roupa adicional, cubra o paciente com um lençol e umedeça o lençol Poucos fatores de risco plausíveis para o desenvolvimento da
com líquidos juntamente com ventilação contínua. Compressas hiponatremia pelo esforço foram identificados. Os corredores mais
geladas devem ser colocadas na área das virilhas, nas axilas em volta lentos têm maior risco de ter hiponatremia que os mais rápidos, pos-
das partes anterior e lateral do pescoço porque os vasos sanguíneos sivelmente por causa da maior oportunidade de consumir água e um
estão mais próximos da superfície da pele nestas áreas. Entretanto, as maior volume consumido, apesar de existir uma menor necessidade
compressas geladas isoladamente são insuficientes para diminuir de líquido pelos corredores mais lentos. Outro fator que pode colo-
rapidamente a temperatura corporal central e devem ser considera- car atletas de resistência em maior risco é o uso de drogas antiinfla-
das apenas como um resfriamento extra. A temperatura deve ser matórias não esteroidais durante estas atividades. Entretanto, com
aferida a cada 5 a 10 minutos durante o transporte para assegurar um base apenas nas observações, o fator de risco mais comum é o sexo:
resfriamento efetivo e para evitar a hipotermia. O resfriamento ativo a população feminina dos atletas de resistência.
deve ser interrompido quando a temperatura retornar à normalidade. A hiponatremia pelo exercício foi descrita como a “outra do-
Forneça alto fluxo de oxigênio, suporte ventilatório com máscara ença relacionada ao calor” porque os sintomas são inespecíficos e
associada a balão dotado de válvula unidirecional, se necessário, e são similares aos vistos nos distúrbios leves e mais graves relaciona-
monitore a frequência cardíaca. dos ao calor. Muitos eventos de resistência e atividades com aventu-
Transporte o paciente em decúbito lateral para manter uma via ras por vários dias são conduzidos em ambientes com temperaturas
área aberta e para evitar a aspiração. quentes e muito quentes; desta forma, presume-se que os sinais e
sintomas da hiponatremia pelo esforço sejam alguma forma de do-
6.2.4. Hiponatremia pelo Esforço ença relacionada ao calor, e os pacientes são tratados conforme pro-
tocolos-padrão que abordam a hipovolemia presumida e o calor
A hiponatremia pelo esforço, antigamente chamada de intoxi- corporal excessivo. Os protocolos-padrão que fornecem resfriamen-
cação pela água, é uma situação com risco de morte cada vez mais to corporal e reposição rápida de líquidos intravenosos para corrigir a
descrita em alpinistas amadores, maratonistas, ultramaratonistas, hipertermia, a desidratação induzida pelo suor e as alterações do
triatletas, corredores de aventura e pessoal da infantaria militar. A estado mental podem complicar a hiponatremia dilucional e colocar
baixa concentração de sódio plasmático perturba o equilíbrio osmó- o paciente em risco maior para convulsões e coma. Tratar um paci-
tico através da barreira hematoencefálica, resultando em rápido in- ente hiponatrêmico com líquidos e repouso piora a sua situação, o
fluxo de água para o cérebro, que por sua vez causa edema cerebral. que não ocorre no paciente com exaustão pelo calor.
Assim como os sinais e sintomas similares da hipertensão intracrani- Este “outro distúrbio relacionado com o calor” está se tor-
ana no trauma craniano (ver capítulo 16), uma progressão de sinto- nando mais amplamente conhecido e tratado corretamente hoje em
mas neurológicos vai ocorrer com a hiponatremia, desde cefaléia, dia pelo pessoal da emergência, em grande parte por causa de um
mal-estar, confusão e convulsões até coma, lesão cerebral perma- maior esforço para educar o pessoal médico e o público na sua pre-
nente, herniação do tronco cerebral e morte. Os pacientes sintomáti- venção, reconhecimento precoce e tratamento. Os socorristas que
cos geralmente apresentam hiponatremia de rápido desen- apóiam diretamente ou respondem a despachos para estes eventos
volvimento (< 48 horas), como a observada frequentemente nos atléticos de resistência precisam estar cientes que a hiponatremia
eventos de resistência de longa duração. pelo esforço é comum e potencialmente grave.
Os estudos relataram que de 18% a 23% dos ultramaratonistas Avaliação. Uma ampla gama de sinais e sintomas pode ser
e 29% dos triatletas finalistas do Ironman do Havaí apresentavam encontrada na população de atletas de resistência com hiponatremia
hiponatremia do esforço, que pode ocorrer nas seguintes situações: (ver tabela 24-2). A temperatura central está usualmente normal,
1. Perda excessiva de sódio e de água no suor durante um porém pode estar baixa ou levemente elevada, dependendo da tem-
evento de resistência, resultando em desidratação e depleção de peratura ambiental, da dissipação do calor corporal e da intensidade
sódio. do exercício recente em avaliação. A frequência cardíaca e a pressão
2. Atletas que se hidratam exageradamente apenas com água sanguínea podem estar baixas, normais ou elevadas, dependendo da
e, enquanto mantêm o sódio plasmático, criam uma diluição da temperatura central, da intensidade do exercício, da hipovolemia ou
concentração de sódio. do choque. A frequência respiratória variará dos limites normais até
3. Combinação de perda excessiva de sódio e de líquidos pelo ligeiramente elevada. A hiperventilação observada na hiponatremia
suor e hidratação excessiva apenas com água. pelo esforço pode ser responsável pelos distúrbios visuais, tonturas,
formigamento nas mãos e parestesia nas extremidades. Os pontos-
As evidências indicam que a hiponatremia induzida pelo es- chave na avaliação e nos achados são as alterações no estado mental,
forço é um resultado da retenção de líquido no espaço extracelular a fadiga, o mal-estar, a cefaléia e as náuseas. Outras formas de altera-
(dilucional), em vez da permanência de líquido não absorvido no ções neurológicas incluem a fala lenta, a ataxia e as alterações cogni-

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Capítulo 24 — Traumas Ambientais: Calor e Frio

tivas, incluindo comportamento irracional, combatividade e medo. te calmo durante o transporte para o PS e continue a monitorização
Estes pacientes também relatam frequentemente terem a sensação para alterações no estado mental ou convulsões.
de “desastre iminente”.
Tratamento. O primeiro passo no tratamento é o reconheci- 7. PREVENÇÃO DOS DISTÚRBIOS RELACIONA-
mento do distúrbio e a determinação da gravidade. O tratamento é DOS AO CALOR NOS SOCORRISTAS
baseado na gravidade da hiponatremia pelo esforço. Os sintomas
leves devem ser tratados conservadoramente observando-se o paci- Você pode evitar as sérias consequências dos distúrbios pelo
ente e esperando-se pela diurese normal do líquido em excesso. Os calor, melhorando seu condicionamento físico e se aclimatando ao
pacientes sintomáticos devem ser colocados em uma posição ereta calor.
para manter as vias aéreas para minimizar qualquer efeito postural Manter um bom condicionamento físico aeróbico é uma das
na pressão intracraniana (PIC). Sabe-se que estes pacientes apresen- melhores maneiras de se proteger contra o estresse pelo calor. O
tam vômitos em jato quando transportados. Coloque os pacientes trabalhador em bom estado físico tem um sistema circulatório bem
inconscientes em decúbito lateral esquerdo e preveja episódios de desenvolvido e um maior volume sanguíneo. Ambos são importan-
vômitos. Monitore a ocorrência de convulsões e mantenha o pacien- tes para regular a temperatura corporal. Os trabalhadores em bom
estado físico começam a suar mais rapidamente, de forma que traba-

Tabela 24-2: Distúrbios Comuns Relacionados ao Calor


Distúrbio Causa/problema Sinais/sintomas Tratamento
Cãibras musculares Incapacidade de repor o NaCl Cãibras musculares dolorosas, Remover para um lugar fresco;
pelo calor perdido pela sudorese; problemas usualmente nas pernas ou no massagem/alongamento muscu-
eletrolíticos e musculares. abdome. lar; ingerir bebidas isotônicas ou
bebidas com NaCl (p. ex, suco de
tomate); transportar aqueles com
os sinais e sintomas listados a
seguir.
Desidratação Incapacidade de repor a perda do Sede, náusea, fadiga excessiva, Repor a perda de suor com líqui-
suor com líquidos. hipovolemia, diminuição da dos levemente salgados; repousar
termorregulação; redução das em um lugar fresco até que o peso
capacidades física e mental. corporal e as perdas hídricas este-
jam restauradas.
Exaustão pelo calor Esforço no calor excessivo com Baixo débito urinário, taquicar- Remover da fonte de calor e colo-
ingestão inadequada de água; dia, fraqueza, marcha instável, car em um local mais resfriado;
problemas cardiovasculares com fadiga extrema, pele úmida e resfriar o corpo com água e venti-
congestão venosa, diminuição do pegajosa, cefaléia, tontura, náu- lação; ingerir líquidos levemente
tempo de enchimento cardíaco, sea, desmaio; se não tratada salgados (p. ex., bebidas isotôni-
redução do débito cardíaco. pode provocar intermação. cas).
Intermação Altas temperaturas centrais (> Alterações no estado mental; Emergência: Resfriamento rápido
40,6° C); rupturas celulares; dis- comportamento irracional ou e imediato por imersão em água,
função de múltiplos órgãos e delírio; possível tremor; inicial- ou umedecer o paciente ou envol-
sistemas; distúrbio neurológico mente taquicardia evoluindo vê-lo com lençóis molhados em
com falha do centro termorregu- tardiamente para bradicardia; água fria e abanar vigorosamente.
lador. hipotensão; respiração rápida e Tratar o choque se necessário
superficial; pele quente, úmida uma vez que a temperatura corpo-
ou seca; perda da consciência; ral tenha diminuído.
convulsões e coma.
Hiponatremia do Baixa concentração plasmática Náuseas, vômitos, mal-estar, Transportar o paciente imediata-
esforço (dilucional) de sódio; vista tipicamente nos tontura, ataxia, cefaléia, altera- mente para o pronto socorro. Res-
indivíduos durante atividade pro- ção do estado mental, poliúria, tringir a ingestão de água; comer
longada em ambientes quentes; sinais de hipertensão intracrani- alimentos salgados; os pacientes
beber água (>1 l/h) em quantida- ana, convulsões e coma; tempe- que não respondem recebem os
de que excede a velocidade da ratura corporal < 38,8 °C; simu- cuidados “ABC” padrão, 15 l/min
sudorese; falha da reposição da la os sinais de doença relaciona- O2 máscara com válvula unidire-
perda de sódio no suor. da ao calor. cional; alerta de transporte imedi-
ato; paciente sentado ou, se in-
consciente, em decúbito lateral
esquerdo.

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lham com uma frequência cardíaca e com uma temperatura corporal Faça dos alimentos ricos em potássio, como as bananas e as
menores. Eles se ajustam ao calor duas vezes mais rapidamente que frutas cítricas, uma parte regular de sua dieta, e beba muita limonada,
um trabalhador sem preparo físico. Eles perdem a aclimatação mais suco de laranja ou suco de tomate. Limite a quantidade de bebidas
lentamente e a recuperam rapidamente. com cafeína, tais como café e colas, porque a cafeína aumenta a
A aclimatação ao calor ocorre em 5 a 10 dias de exposição ao perda de líquido na urina. Evite bebidas alcoólicas. Elas também
calor, à medida que o corpo: causam desidratação. Evite compartilhar garrafas de água, exceto
 Aumenta a produção de suor. nas emergências.
 Melhora a distribuição sanguínea. Você pode avaliar seu estado de hidratação, observando o
 Diminui a frequência cardíaca e diminui a temperatura da volume, a cor e a concentração de sua urina; baixo volume de urina
pele e do corpo. escura e concentrada e enurese dolorosa indicam necessidade urgen-
te de reidratação. Outros sinais de desidratação incluem frequência
Você pode se aclimatar aumentando gradualmente o tempo de cardíaca elevada, fraqueza, fadiga excessiva e tontura. A perda rápi-
trabalho no calor, tomando o cuidado de repor líquidos e de repousar da de vários quilos do peso corporal é um sinal certo de desidrata-
conforme a necessidade. Você mantém a aclimatação com trabalho ção. Reidrate-se antes de voltar para o trabalho. Continuar a trabalhar
ou exercícios periódicos em um ambiente quente. em um estado desidratado pode levar a sérias consequências, inclu-
indo intermação, ruptura muscular e insuficiência renal.
7.1. No Trabalho
7.1.2. Vestuário
A temperatura e a umidade se combinam para criar condições
de estresse pelo calor moderadas ou altas. Esteja alerta para o estres- O vestuário de proteção pessoal marca um equilíbrio entre a
se pelo calor quando o calor irradiante do sol ou das chamas próxi- proteção e o conforto do trabalhador. Os pesquisadores australianos
mas está alto, o ar está parado, ou quando você está realizando traba- concluíram que a função do equipamento de proteção pessoal não é
lho pesado, produzindo grandes quantidades de calor metabólico. manter o calor do fado de fora, e sim deixá-lo sair.
Cerca de 70% da carga de calor vem de dentro, do calor meta-
7.1.1. Hidratação bólico gerado durante o trabalho pesado. Apenas 30% vêm do ambi-
ente e do fogo. Use vestuário frouxo para aumentar o movimento do
Manter os líquidos corporais é essencial para a sudorese e para ar. Use camisetas e roupa de baixo de algodão para ajudar o suor a
a remoção do calor interno gerado durante o trabalho. Para minimi- evaporar. Evite camadas extras de vestuário que isolam, restringem
zar a desidratação e o risco de doença pelo calor, você tem de se o movimento do ar e contribuem para o estresse pelo calor.
hidratar antes, durante e depois do trabalho.
Antes do trabalho, você deve ingerir líquido extra para se pre- 7.2. Diferenças Individuais
parar para o calor. Beba de 1 a 2 copos de água, suco ou isotônicos
antes do trabalho. Evite cafeína em excesso. Ela acelera a perda de Os indivíduos diferem em sua resposta ao calor. Alguns traba-
líquido pela urina. lhadores correm um risco maior para os distúrbios pelo calor. As
Durante o trabalho, faça várias pausas para ingerir líquidos a razões incluem diferenças hereditárias na tolerância ao calor e na
cada hora, bebendo pelo menos 1 litro de líquidos. A água é o que taxa da sudorese. O peso corporal em excesso aumenta a produção
você mais precisa durante o trabalho no calor. Os trabalhos mostram metabólica de calor. As doenças e o uso de drogas e de medicações
que os trabalhadores ingerem mais líquidos quando estão disponí- também influenciam a resposta do seu corpo ao trabalho em um
veis bebidas com algum sabor. Fornecer uma parte da reposição ambiente quente. Consulte o seu médico se você estiver usando
líquida necessária com um isotônico com carboidratos/eletrólitos medicamentos com ou sem prescrição, ou se você apresentar algu-
ajuda a reter líquidos e mantém os níveis de energia e de eletrólitos. ma condição clínica.
Depois do trabalho, você precisa continuar a beber para repor Você deve sempre treinar e trabalhar com um parceiro que
as perdas líquidas. A sede sempre subestima as necessidades de possa ajudar no caso de um problema. Lembrem um ao outro para
líquidos, assim, você deve beber mais do que você pensa que preci- beber grandes quantidades de líquidos e observem um ao outro. Se
sa. A reidratação é melhorada quando os líquidos contêm sódio e seu parceiro desenvolver um distúrbio pelo calor, comece imediata-
potássio, ou quando alimentos com estes eletrólitos são consumidos mente o tratamento.
juntamente com os líquidos.
O sódio perdido no suor é facilmente reposto nas refeições 8. INSTRUÇÕES PARA A ACLIMATAÇÃO AO CA-
com o uso liberal do saleiro. Os trabalhadores não aclimatados per- LOR
dem mais sal no calor; assim, precisam prestar atenção específica à
reposição do sal. Não exagere na ingestão de sal; sal em excesso O que se segue é uma versão modificada das instruções para
prejudica a regulação da temperatura. O sal em excesso pode provo- aclimatação ao calor desenvolvidos para militares saudáveis e fisica-
car desconforto estomacal, fadiga e outros problemas. mente bem condicionados na preparação para atividade física em
ambientes quentes.

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Capítulo 24 — Traumas Ambientais: Calor e Frio

Você deve se preocupar com o clima quente? gica da aclimatação ao calor é uma resposta com sudorese mais
Se você estiver acostumado a trabalhar em climas frios ou precoce e mais intensa, e para esta resposta melhorar, ela precisa ser
temperados, a exposição ao clima quente tornará mais difícil com- estimulada.
pletar seu treinamento. O clima quente fará você se sentir cansado, A aclimatação ao calor é específica para o clima (árido/seco) e
tornará a recuperação mais difícil e aumentará seu risco de apresen- para o nível de atividade física. Entretanto, a aclimatação aos climas
tar uma doença do calor. Indivíduos com as mesmas capacidades, áridos melhora muito a capacidade de trabalho em outros climas. Os
porém habituados a treinar em clima quente, terão uma maior tole- indivíduos que realizam apenas trabalho físico leve ou breve alcan-
rância ao clima quente e uma maior capacidade durante a exposição çarão o nível de aclimatação ao calor necessário para realizar a tare-
ao calor. fa. Se eles tentarem uma tarefa mais extenuante e prolongada, uma
aclimatação adicional e uma melhor capacidade física serão necessá-
O que é a aclimatação ao calor? rias para realizar a tarefa com sucesso no calor.
A aclimatação ao calor refere-se às adaptações biológicas que
podem reduzir o estresse fisiológico (p. ex., frequência cardíaca, Como você se aclimata ao calor?
temperatura corporal), melhorar a capacidade física para o trabalho, A aclimatação ao calor ocorre quando repetidas exposições ao
melhorar o conforto e proteger os órgãos vitais (cérebro, fígado, rins, calor são estressantes o suficiente para elevar a temperatura corporal
músculos) das lesões pelo calor. A mais importante adaptação bioló- e para provocar sudorese profusa. O repouso no calor, com atividade

Quadro 24-2: Protocolo de Hidratação para Minimizar a Desidratação


1. Comece o exercício bem hidratado. 7. Não confie somente na água.
Beba 2 a 3 copos (470-700 ml) de líquidos 2 a 3 horas antes da ativi- Beber apenas água impede que você reponha os eletrólitos perdidos
dade física para permitir que o excesso de líquido seja perdido como no suor e que ingira os carboidratos que ajudam você a trabalhar ou
urina. Cerca de meia hora antes da atividade física, beba 150 a 300 fazer exercícios por mais tempo e mais intensamente. Beber água
ml. Não há benefício no consumo exagerado de líquidos em excesso pode levar a perigosos desequilíbrios eletrolíticos
(hiperidratação); logo, não beba em excesso. (hiponatremia).

2. Verifique seu peso. 8. Não beba em excesso.


A melhor maneira de determinar se você repôs a perda pelo suor A água é definitivamente uma boa coisa, porém você pode exagerar
durante o trabalho pesado ou o exercício é verificar quanto peso até nas boas coisas. Beber grandes quantidades de líquido não é
você perdeu. Determine seu peso corporal antes e depois da ativida- apenas desnecessário, também pode ser perigoso (hiponatremia).
de física. Uma perda mínima de peso significa que você fez um Estase gástrica, edema de dedos e tornozelos, forte dor de cabeça e
bom trabalho para se manter hidratado. Lembre-se que a perda de confusão mental são os sinais de alerta da hiponatremia.
peso durante o exercício ou o trabalho é perda de água, não perda de
gordura, e tem de ser reposto. 9. Não ganhe peso durante o exercício.
Um sinal preciso da ingestão exagerada é o ganho de peso durante o
3. Beba durante a atividade física. trabalho pesado ou o exercício. Se você estiver pesando mais depois
Beba 150 a 300 ml de água ou isotônicos a cada 10 a 20 minutos do trabalho ou do exercício do que você pesava antes, isto significa
durante a atividade física. As pessoas que suam muito podem se que você bebeu mais do que precisava. Certifique-se de reduzir a
beneficiar de beber com maior frequência (p. ex., a cada 10 minu- ingestão na próxima vez para não ganhar peso.
tos) e as que suam pouco devem beber com frequência menor (a
10. Não restrinja o sal na dieta.
cada 20 minutos).
Uma quantidade generosa de sal (cloreto de sódio) na dieta é essen-
cial para a reposição do sal perdido no suor. Como os atletas suam
4. Ingira sódio durante a atividade física.
muito, sua necessidade de sal é muito maior que a dos não-atletas.
O melhor momento para começar a reposição do sódio perdido no
(Este princípio também é verdadeiro para aqueles que trabalham e
suor, é durante o exercício. Esta é uma razão pela qual uma boa
suam pesadamente cada dia nas ocupações realizadas em ambientes
bebida esportiva com eletrólitos é melhor que a água pura.
com temperatura moderada e alta.)
5. Siga seu plano individual. 11. Não use a desidratação para perder peso.
Cada um sua de forma diferente, logo, todos precisarão de um plano A restrição da ingestão de líquidos durante o trabalho ou o exercício
de ingestão líquida elaborado conforme suas próprias necessidades. compromete o desempenho físico e aumenta o risco dos problemas
relacionados com o calor. A desidratação deve ser mantida no míni-
6. Beba bastante durante as refeições. mo, seguindo-se um plano bem feito de reposição de líquidos.
Se você não conseguiu ingerir líquido suficiente durante o trabalho
pesado ou o exercício para evitar a perda de peso, tenha certeza de 12. Não retarde a ingestão de líquidos durante o exercício ou o tra-
beber o suficiente antes da próxima prática do exercício ou do retor- balho.
no ao trabalho. A hora da refeição é o melhor momento para fazer Siga rigorosamente um horário de ingestão de líquidos para evitar a
isto pela facilidade para ingestão líquida e porque o sódio está pre- desidratação precoce no exercício ou no trabalho. Uma vez desidra-
sente no alimento. tado, é quase impossível atender ao que seu corpo precisa, porque a
desidratação na verdade diminui a velocidade de saída dos líquidos
do estômago.
Modificado de Murray B, Eichner ER. Stofan J: Hyponatremia in athletes, Sports Sci Exchange 16(1):88, 2003, http://www.gssiweb.com/.
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física limitada àquela necessária para a sobrevivência, resulta apenas ao calor aumenta a taxa de sudorese e, desta forma, aumenta a ne-
em aclimatação parcial. O exercício físico no calor é necessário para cessidade de água. Como resultado da aclimatação ao calor, os indi-
que se consiga a aclimatação ótima ao calor para aquela intensidade víduos irão se desidratar mais rapidamente se não consumirem líqui-
de exercício em um dado ambiente quente. dos. A desidratação retira muitas das vantagens termorregulatórias
Geralmente, cerca de duas semanas de exposição diária ao conferidas pela aclimatação ao calor e pelo bom condicionamento
calor são necessárias para induzir a aclimatação ao calor. A aclima- físico.
tação ao calor exige um mínimo diário de exposição de cerca de
duas horas (pode ser dividida em duas exposições de uma hora) 9. LESÕES PROVOCADAS PELO FRIO
combinado com exercício físico que exige resistência cardíaca (p.
ex., caminhar), em vez de treinamento de força. Aumente gradual- 9.1. Desidratação
mente a intensidade ou a duração do exercício a cada dia. Siga um
horário de treinamento físico apropriado, adaptado para a atividade A desidratação ocorre muito facilmente no frio, particularmen-
física exigida. te com o aumento da atividade física. Isto ocorre por três razões
Os benefícios da aclimatação ao calor serão mantidos por cer- primárias: (1) evaporação do suor, (2) aumento da perda de calor e
ca de uma semana e depois decaem, com perda de cerca de 75% por líquidos pela respiração, causada pela secura do ar frio, e (3) diurese
volta de três semanas, uma vez que não haja mais exposição ao ca- induzida pelo frio.
lor. Um intervalo de um ou dois dias de temperatura amena não irá A diurese induzida pelo frio é uma consequência fisiológica
interferir na aclimatação ao clima quente. normal da exposição prolongada ao frio, resultando de vasoconstri-
ção cutânea. Esta é a resposta do corpo para reduzir a perda corporal
Com que rapidez pode se aclimatar ao calor? de calor desviando o sangue da periferia para as veias profundas do
Para o indivíduo mediano, a aclimatação exige cerca de duas corpo, o que causa uma expansão no volume sanguíneo central. Isto
semanas de exposição ao calor e aumento progressivo no trabalho resulta em um aumento da pressão arterial média (PAM), do volume
físico. No segundo dia de aclimatação são observadas diminuições de ejeção e do débito cardíaco. O volume expandido de sangue pode
significativas no estresse fisiológico. No final da primeira e da se- produzir diurese induzida pelo frio, como acontece com o aumento
gunda semanas, mais de 60% e 80% da adaptação fisiológica esta- da frequência urinária. A diurese induzida pelo frio pode reduzir o
rão completos, respectivamente. Os indivíduos menos capacitados volume plasmático em 7% a 15%, resultando em hemoconcentra-
fisicamente ou aqueles suscetíveis de forma não usual à exposição ção e desidratação aguda com uma perda de quase o dobro de líqui-
ao calor podem precisar de vários dias ou semanas para se aclimatar dos.
completamente. Os socorristas podem apresentar diurese induzida pelo frio nos
Os indivíduos bem preparados fisicamente devem ser capazes meses de inverno ao trabalharem muitas horas no frio. Considere,
de se aclimatar ao calor em cerca de uma semana. Entretanto, viver e por exemplo, a cena de uma colisão de veículo motorizado em uma
trabalhar várias semanas no calor (aclimatação) pode ser necessário rodovia intermunicipal em um dia frio e com vento (6° C e ventos
para maximizar a tolerância a altas temperaturas corporais. de 40 km/h). O socorrista estará exposto subitamente ao ar frio de-
pois de sair da viatura aquecida, usando apenas uma japona leve.
Quais são as melhores estratégias para a aclimatação ao Esta exposição súbita ao frio pode resultar em uma resposta aguda
calor? com a vasoconstrição dos vasos cutâneos levando a um tremor mus-
1. Maximize o condicionamento físico e a aclimatação ao calor cular transitório. À medida que o trabalho continua na cena do aci-
antes de se expor ao clima. Mantenha a capacidade física com pro- dente, a temperatura da pele se ajusta à temperatura ambiental mais
gramas de manutenção elaborados para o ambiente, como o treina- fria, as respostas fisiológicas ao ar moderadamente frio e o tremor
mento nas horas mais frescas da manhã ou da tarde. cessam. A temperatura da pele se acomoda rapidamente à tempera-
2. Integre treinamento e aclimate ao calor. Treine na parte mais tura mais fria do ar com o tempo, e a sensação de frio se torna mais
fresca do dia e se aclimate no calor do dia. Comece lentamente redu- tolerável.
zindo a intensidade e a duração do treinamento (comparando com o Assim como na exposição ao calor, a aderência às instruções
que você conseguiria em um clima temperado). Aumente os volu- sobre hidratação com líquidos (ver quadro 24-2) durante o trabalho
mes do treinamento e da exposição ao calor à medida que sua tole- em ambientes frios é necessária para minimizar a desidratação e a
rância ao calor permitir. Use intervalos no treinamento para modifi- fadiga e as alterações físicas e cognitivas associadas.
car seu nível de atividade.
3. Se o novo clima for muito mais quente que aquele ao qual 10. DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO FRIO
você está acostumado, as atividades recreacionais podem ser apro-
priadas para os primeiros dois dias com períodos de correr/andar. No 10.1. Distúrbios Leves Relacionados ao Frio
terceiro dia você deve ser capaz de integrar corridas de treinamento
(20-40 minutos) em um passo reduzido. 10.1.1. Lesão pelo Contato com o Frio
4. Consuma água suficiente para repor as perdas pelo suor.
Taxas de suor de mais de 1 litro por hora são comuns. A aclimatação Quando material frio entra em contato com a pele desprotegi-
da, pode provocar imediatamente uma queimadura local pelo frio.
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Capítulo 24 — Traumas Ambientais: Calor e Frio

Não toque nenhuma superfície metálica, álcool, gasolina, anticonge- 10.2. Distúrbios Graves Relacionados ao Frio
lante ou gelo com as mãos. (Ver a seção sobre queimadura pelo frio
para a avaliação e o tratamento). 10.2.1. Lesão Cutânea Localizada pelo Frio

10.1.2. Crestadura As lesões pelo frio ocorrem em localizações periféricas do


corpo e são classificadas como congelantes (p. ex., congelamento)
A crestadura é a precursora do congelamento e produz sinais ou não congelantes (p. ex., pérnio). As lesões localizadas pelo frio
reversíveis de palidez da pele e dormência no local atingido. Ela é são evitáveis com a preparação apropriada para a exposição ao frio,
observada tipicamente em áreas da face, do nariz e das orelhas. A reconhecimento precoce da lesão pelo frio e por cuidado médico
crestadura é uma alteração tecidual auto limitada desde que a exposi- efetivo. Entretanto, o congelamento, potencialmente a forma mais
ção ao frio não continue; ela não requer intervenção do socorrista e séria de lesão pelo frio, por causa do risco de perda do membro, é a
transporte. lesão de interesse primário nesta seção.
É imperativo reconhecer, tratar e evitar a progressão do conge-
10.1.3. Urticária pelo Frio lamento dos tecidos de formas leves para formas graves de lesão por
congelamento. A nicotina, intoxicação pelo álcool, falta de abrigo e
A urticária pelo frio é um distúrbio caracterizado pelo início distúrbios psiquiátricos importantes mantêm-se como importantes
rápido (em minutos) de coceira, vermelhidão e edema da pele depois fatores predisponentes. Quando se comparam as lesões no clima frio
da exposição ao frio. A sensação de queimação pode ser a caracterís- pela etnicidade, os afro-brasileiros correm maior risco de ter lesões
tica proeminente. Esta situação, causada pela liberação local de his- pelo frio, incluindo congelamento. Esta relação se correlaciona com
tamina, é às vezes observada quando o gelo é aplicado diretamente a maior suscetibilidade das células pigmentadas ao congelamento
na pele durante a crioterapia para estiramentos e deslocamentos. Os quando comparadas com as células não pigmentadas. Roupas aper-
indivíduos com uma história de urticária pelo frio devem receber tadas ou que limitam o movimento, muitas meias e sapatos aperta-
orientação para evitar a imersão em água fria, que poderia causar dos são fatores predisponentes no início do congelamento. Com o
morte por anafilaxia sistêmica. O tratamento inclui evitar o frio e, aumento dos esportes de aventura e outras atividades recreacionais
possivelmente, usar anti-histamínicos. conduzidas no inverno, as lesões pelo frio localizadas são vistas
agora com maior frequência. Os socorristas precisam evitar a perda
10.1.4. Frieiras (Pérnio) de calor corporal e proteger a pele exposta de congelamento nos
pacientes, durante a exposição prolongada a condições frias. Por
As frieiras são pequenas lesões cutâneas pruriginosas e sensí- exemplo, em pacientes que precisam de retirada de veículo, nos
veis, com elevações avermelhadas ou purpúreas que ocorrem na cenários que resultam em incapacidade de mobilizar o paciente e
pela da superfície extensora do dedo ou em qualquer superfície cutâ- nos pacientes em ambientes frios com edema tecidual, a circulação
nea (p, ex., orelhas, face) pela exposição crônica ao frio. As frieiras comprometida pode levar a um aumento na incidência de lesão
ocorrem várias horas depois da exposição ao frio em climas com localizada pelo frio.
temperatura úmida. Elas são às vezes agravadas pela exposição ao
sol. O frio causa constrição das pequenas artérias e veias na pele, e o 10.2.2. Lesão Não Congelante pelo Frio
reaquecimento resulta em extravasamento de sangue nos tecidos e
edema da pele. A lesão não congelante pelo frio (LNCF), uma síndrome tam-
bém chamada de pé de imersão ou pé de trincheira, resulta de lesão
As frieiras desenvolvem-se mais provavelmente nas pessoas dos tecidos periféricos causada por exposição prolongada (horas até
com circulação periférica pobre. Alguns fatores contribuintes são dias) à umidade/frio. A LNCF não envolve congelamento do tecido,
tendência familiar, doença vascular periférica causada pelo diabetes, porém pode coexistir com uma lesão congelante, corno congela-
tabagismo, hiperlipidemia, desnutrição (p. ex., anorexia nervosa), mento. Esta síndrome envolve primariamente os pés e se reflete em
doença do tecido conjuntivo e distúrbios da medula óssea. Cada dois tipos de LNCF. O pé de trincheira ocorre primariamente nos
frieira surge em algumas horas como um edema avermelhado e militares durante operações a pé e está relacionado com os efeitos
pruriginoso e desaparece nos próximos 7 a 14 dias. Nos casos graves combinados da exposição prolongada ao frio e da restrição da circu-
podem ocorrer bolhas, pústulas, crostas e ulceração. Ocasionalmente lação nos pés. O pé de imersão é causado por imersão prolongada
as lesões podem ter uma forma anelar. Elas podem ficar espessadas das extremidades a temperaturas úmidas e de temperadas a frias. Os
e persistir por meses. socorristas podem ver pé de imersão em pessoas desabrigadas, alco-
ólatras ou idosas; montanhistas e caçadores; atletas em esportes de
Os sintomas desaparecerão com a eliminação do frio. O trata- aventura de vários dias; e sobreviventes de naufrágios. Frequente-
mento envolve proteção contra o frio com luvas e vestuário apropri- mente esta síndrome passa despercebida durante a avaliação de indi-
ado. víduos que estiveram expostos a condições frias ou úmidas por cau-
sa da falta de treinamento de urgência formal nas LNCF.

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Manifestações Clínicas. Esta síndrome ocorre como um re- não congelado. Os pacientes se queixam de falta de coordenação e
sultado de muitas horas de resfriamento das extremidades inferiores tropeçam quando tentam andar. Depois da remoção do frio e durante
em temperaturas que variam de 0° C a 18° C. Ocorre uma lesão dos ou depois do reaquecimento, o fluxo sanguíneo periférico aumenta,
tecidos moles da pele dos pés, conhecida como maceração. A ruptu- à medida que começa a reperfusão dos tecidos isquêmicos. As extre-
ra da pele predispõe também os indivíduos a infecções. A lesão mais midades mudam de cor de branco para um azul pálido e mosquea-
significativa é vista nos nervos periféricos e nos vasos sanguíneos, do, enquanto se mantêm frias e dormentes. O diagnóstico do pé de
causada pela lesão isquêmica secundária. A LNCF leve é inicial- trincheira ou pé de imersão é feito geralmente quando estes sinais
mente auto limitada, porém, com a exposição continuada e prolon- não se alteram depois do reaquecimento passivo dos pés. A partir de
gada ao frio, ela se torna irreversível. Quando os pés estão úmidos e 24 a 36 horas depois do reaquecimento, uma marcante hiperemia se
frios, isto aumenta o risco e acelera a lesão porque as meias úmidas desenvolve, juntamente com dor em queimação de forte intensidade
são pobres isolantes, e a água resfria mais eficientemente que o ar na e reaparecimento da sensibilidade proximal, porém não distalmente.
mesma temperatura. Quaisquer fatores que reduzam a circulação Isto é causado por vasodilatação venosa. O edema e as bolhas desen-
para as extremidades também contribuem para a lesão, tais como volvem-se nas áreas lesadas à medida que a perfusão aumenta. A
roupas apertadas, botas, imobilidade prolongada, hipotermia e postu- pele mantém-se pobremente perfundida depois que a hiperemia
ra agachada. aparece, e provavelmente descama à medida que a lesão evolui.
A LNCF é classificada nos seguintes graus: Qualquer ausência de pulso depois de 48 horas na extremidade lesa-
da sugere uma lesão grave e profunda e uma chance maior de perda
 Mínima. Hiperemia ou ingurgitamento causados pelo au- substancial de tecido.
mento do fluxo sanguíneo para os pés e uma leve alteração sensitiva
que permanecerá por 2 a 3 dias depois da lesão. A situação é auto Tratamento. Uma vez que uma possível LNCF seja detectada,
limitada, e não sobram sinais da lesão depois de sete dias. Ocasional- as prioridades são eliminar qualquer resfriamento adicional, evitar
mente, a sensibilidade ao frio vai permanecer. trauma adicional na extremidade e transportar o paciente. Não per-
 Leve. Edema, hiperemia e alterações sensitivas leves se mita que o paciente ande com a extremidade lesada. Remova cuida-
mantêm por 2 a 3 dias depois da lesão. Sete dias depois da lesão dosamente o sapato e as meias. Cubra frouxamente a parte ou a
encontra-se anestesia na superfície plantar do pé e nas pontas dos extremidade lesada com uma compressa estéril e seca, proteja do
dedos, que dura por 4 a 9 semanas. Bolhas e perda de pele não são frio e comece o reaquecimento passivo do tecido lesado durante o
observadas. A deambulação é possível quando o andar não causa transporte. A área comprometida pode ser agravada pelo peso de um
dor. cobertor. Não é necessário reaquecimento ativo. Não massageie a
 Moderada. Edema, hiperemia, bolhas e mosqueamento área comprometida porque isto pode piorar a lesão. Dependendo da
estão presentes 2 a 3 dias depois da lesão. Com sete dias, a anestesia duração do transporte durante o reaquecimento passivo, pode se
ao toque está presente tanto nas superfícies plantar e dorsal quanto desenvolver dor intensa à medida que a reperfusão do tecido come-
dos dedos do pé. O edema persiste por 2 a 3 semanas, e a dor e a ça.
hiperemia duram até 14 semanas. Pode ocorrer descamação das
bolhas, porém sem perda de tecido profundo. Alguns pacientes apre- 10.2.3. Hipotermia Acidental
sentarão lesão permanente.
 Grave. Edema importante (extravasamento) de sangue nos A hipotermia é definida como a situação na qual a temperatura
tecidos circunjacentes e gangrena estão presentes 2 a 3 dias depois corporal central está abaixo de 35° C. A hipotermia pode ser vista
da lesão. A anestesia completa de todo o pé persiste por sete dias, como uma diminuição na temperatura central que torna uma vítima
com paralisia e hipotrofia muscular nas extremidades comprometi- incapaz de gerar produção de calor suficiente para retornar à home-
das. A lesão vai além do pé até a parte inferior da perna. Esta grave ostasia ou às funções corporais normais. A hipotermia pode ocorrer
lesão provoca perda significativa de tecido, resultando em auto- em muitas situações diferentes, resultando de ar ambiental frio, imer-
amputação. A gangrena é um risco constante até que a perda de são em água fria ou submersão em água fria (quase-afogamento em
tecido esteja completa. Espera-se que o paciente apresente um perío- água fria), e pode ser intencionalmente produzida durante cirurgia. A
do prolongado de convalescença e incapacidade permanente. hipotermia de imersão (“cabeça para fora”) ocorre tipicamente quan-
do um indivíduo é colocado acidentalmente em um ambiente frio
Avaliação. Como o paciente sofreu exposição leve ou modera- sem preparação ou planejamento. Por exemplo, uma pessoa que
da ao frio, é essencial que se exclua a hipotermia e se avalie a desi- caiu em água gelada está correndo o perigo imediato de se tornar um
dratação. Ainda que não seja uma lesão congelante, a LNCF é, ainda caso de submersão, como resultado do reflexo do engasgamento do
assim, insidiosa; o achado comum nestas duas lesões localizadas “choque pelo frio”, perda da capacidade motora, hipotermia e afoga-
provocadas pelo frio é que a extremidade é resfriada a ponto de a- mento. Estes aspectos únicos dos incidentes com submersão podem
nestesia ou de dormência enquanto a lesão está ocorrendo. provocar hipóxia e hipotermia.
A chave para o tratamento da LNCF é a detecção durante a A progressão da hipotermia em ar frio ou em água fria pode
avaliação. Durante a avaliação inicial, o tecido lesado aparece mace- ser atrasada enquanto a produção de calor metabólica puder com-
rado, edemaciado, pálido, anestesiado, sem pulsos e imóvel, porém pensar esta perda. A sobrevivência a uma exposição exagerada ao

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Capítulo 24 — Traumas Ambientais: Calor e Frio

frio é possível, existindo muitos relatos de sobreviventes na água e respostas fisiológicas diminuem proporcionalmente com a queda da
em outras situações extremas. Muitos fatores são reconhecidos co- temperatura central.
mo capazes de aumentar a sobrevivência depois de exposição ao O maior risco de hipotermia por imersão começa usualmente
frio, incluindo idade, sexo, composição do corpo (p. ex., relação da com temperatura da água inferior a 25° C. Uma vez que a capacida-
superfície corporal com a massa corporal), o início e a intensidade de de dissipação de calor da água é 24 vezes maior que a do ar, os
do tremor, o nível de preparo físico, o estado nutricional e o consu- indivíduos correm um risco maior de hipotermia na água. Entretan-
mo de álcool. to, a atividade física contínua na água fria eventualmente se torna
A hipotermia primária ocorre geralmente quando indivíduos prejudicial pelo aumento da perda de calor por convecção para a
saudáveis estão em condições climáticas adversas, despreparados água fria que circunda o corpo, resultando em início mais rápido da
para a exposição extremamente aguda ou crônica ao frio. As mortes hipotermia. Esta compreensão resultou na recomendação para que
por hipotermia primária são um resultado direto da exposição ao frio os indivíduos minimizem a perda de calor durante a imersão na água
e são documentadas pelo legista como acidentais, homicídios ou fria usando a postura para reduzir o escape de calor (PREC) ou a
suicídios. posição amontoada, quando múltiplas vítimas de imersão ficam
A hipotermia secundária é considerada uma consequência juntas (figura 351).
normal de distúrbios sistêmicos do paciente, incluindo hipotireoidis- A temperatura central mais baixa registrada com recuperação
mo, hipoadrenalismo, trauma, carcinoma e sepse. Se não reconheci- neurológica integral de um lactente com hipotermia acidental é de
da, ou inadequadamente tratada, a hipotermia pode ser fatal, em 15° C. Em um adulto, 13,7° C é a mais baixa temperatura central
alguns casos em duas horas. A mortalidade é maior que 50% nos registrada em um sobrevivente de hipotermia acidental. Isto ocorreu
casos de hipotermia secundária causada por complicações de outras com uma mulher de 29 anos de idade que lutou para se salvar por
lesões e nos casos graves nos quais a temperatura corporal está abai- mais de 40 minutos antes que os sintomas da hipotermia grave afe-
xo de 32° C. tassem a contração muscular. Ela esteve imersa por mais de 80 mi-
A hipotermia é um achado comum nos pacientes gravemente nutos antes que um grupo de socorro chegasse e a reanimação cardi-
traumatizados que chegam em um centro de trauma. A combinação opulmonar (RCP) fosse iniciada durante o transporte para o hospital
de trauma multissistêmico e hipotermia têm um impacto significati- local. Durante os primeiros 5 minutos de reaquecimento, sua tempe-
vo na sobrevivência do paciente. O desenvolvimento da hipotermia ratura central diminuiu ainda mais para 13,7° C. Depois de três horas
está relacionado ao efeito do trauma na termorregulação e na inibi- de reaquecimento contínuo, sua temperatura central retornou ao
ção do tremor como um mecanismo primário para a produção de normal, e ela sobreviveu com função fisiológica normal.
calor. Uma causa da maior mortalidade nos pacientes traumatizados Este caso de hipotermia acidental ilustra porque todos os so-
hipotérmicos está relacionada com a combinação letal de hipotermi- corristas tratando de pacientes hipotérmicos não devem interromper
a, acidose e coagulopatia (incapacidade do sangue coagular normal- as intervenções terapêuticas e considerar o paciente morto até que
mente). Isto é conhecido como a “tríade letal” nos pacientes trauma- ele tenha sido reaquecido até acima de 35° C e ainda assim não apre-
tizados. Consequentemente, é essencial que se avaliem e se tratem sente evidência de função cardiorrespiratória e neurológica. Este é
os pacientes igualmente para o trauma e para a hipotermia, porque a um dos muitos cenários nos quais o paciente recebe alta do hospital
coagulopatia é reversível com o reaquecimento do paciente. com função neurológica completa depois de uma RCP prolongada
no campo. As lições deste caso e de outros com um desfecho similar
10.2.4. Hipotermia de Imersão

Durante a imersão, se não houver ganho ou perda de calor pelo


corpo, a temperatura da água é considerada termoneutra. A tempera-
tura termoneutra da água é de 33° C a 35° C; nestas temperaturas,
um indivíduo nu de pé passivamente com água ao nível do pescoço
pode manter uma temperatura central aproximadamente constante
por pelo menos uma hora. Os indivíduos na água termoneutra quase
não correm risco de “choque do frio” na imersão inicial e da hipoter-
mia experimentada na exposição súbita à água fria.
Quando a imersão ocorre em água com temperatura mais fria
que o limite termoneutro inferior, as alterações fisiológicas imediatas
são um rápido declínio na temperatura da pele, vasoconstrição peri-
férica resultando em tremores e aumento do metabolismo, da venti-
lação, da frequência cardíaca, do débito cardíaco e da PAM. Para
compensar qualquer perda de calor na água, a produção de calor tem
que ocorrer por aumento da atividade física, do tremor ou ambos. Se
não, a temperatura central continua a cair e o tremor cessa, e estas
Fig. 351: Técnicas para diminuir as taxas de resfriamento dos sobreviventes em água
fria. A, Postura para reduzir o escape de calor (PREC). B, Técnica do amontoamen-
to.
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são que a impressão inicial destes pacientes não é justificativa para Manifestações Clínicas. A influência que a hipotermia tem no
interromper o suporte básico ou avançado à vida até que a tempera- corpo afeta todos os principais sistemas orgânicos, particularmente
tura central tenha retornado ao normal; os procedimentos avançados os sistemas cardíaco, renal e nervoso central. À medida que a tempe-
para salvar a vida devem ser também assim que possível iniciados. ratura central do corpo diminui até 35° C, ocorrem as taxas máximas
Esta é a razão pela qual a frase seguinte foi criada: de vasoconstrição, de tremor e metabólica, com aumentos nas fre-
“Os pacientes não estão mortos até que estejam quentes e quências cardíaca e respiratória e na pressão sanguínea. A demanda
mortos”. de oxigênio para o metabolismo cerebral diminui de 6% até 10%
Seja intencional ou não intencional, a imersão em água fria por 1°C de queda na temperatura central, e o metabolismo cerebral
(cabeça para fora) ocorre como resultado de atividades recreacionais fica preservado. Quando a temperatura central cai entre 30 e 35° C, a
e industriais, bem como de acidentes. Se o indivíduo sobrevive ao função cognitiva, a função cardíaca, a taxa metabólica, a frequência
incidente inicial com submersão sem se afogar, ele corre o risco de respiratória e a frequência do tremor tornam-se significativamente
hipotermia, dependendo da temperatura da água. As respostas do diminuídas ou completamente inibidas. Neste ponto, os mecanismos
corpo à imersão em água fria podem ser divididas nas três fases limitados de defesa fisiológica impedem a perda de calor do corpo e
seguintes: a temperatura central cai rapidamente. Na temperatura central de
Primeira fase. Esta fase começa com um reflexo cardiovascu- 29,5° C, o débito cardíaco e a taxa metabólica estão reduzidos em
lar conhecido como resposta do “choque do frio” que ocorre rapida- aproximadamente 50%. A ventilação e a perfusão são inadequadas e
mente (em 2-4 minutos) depois da imersão e começa com um rápi- não atendem à demanda metabólica, provocando hipóxia celular,
do resfriamento da pele, vasoconstrição periférica, um reflexo do aumento no ácido lático e, eventualmente, acidoses metabólica e
engasgamento e incapacidade para manter o fôlego, hiperventilação respiratória. A oxigenação e o fluxo sanguíneo são mantidos nas
e taquicardia. A resposta do engasgamento pode levar à aspiração e regiões centrais e no cérebro.
ao afogamento, dependendo da localização da cabeça do indivíduo A fibrilação atrial e a bradicardia extremas se desenvolvem e
acima ou abaixo da água. Estas respostas podem levar à morte súbita podem continuar entre 28° C e 32° C. Quando a temperatura central
imediata ou à morte em alguns minutos depois da imersão por causa alcança 26,7° C a 28° C qualquer estímulo físico do coração pode
de várias situações neste cenário, incluindo síncope ou convulsões causar fibrilação ventricular (FV). A RCP ou a manipulação abrupta
que resultam em afogamento, parada vagal e fibrilação ventricular. (na avaliação ou algum movimento) do paciente pode ser suficiente
Segunda fase. Se a vítima sobrevive à fase do choque do frio, para causar FV. Nestes extremos inferiores de temperatura central, o
ocorre um resfriamento significativo dos tecidos periféricos nos pulso e a pressão sanguínea não são detectáveis, e as articulações
primeiros 30 minutos de imersão. Este resfriamento tem um efeito tornam-se rígidas. As pupilas tornam-se fixas e dilatadas nas tempe-
deletério na capacidade motora grosseira e delicada das extremida- raturas centrais extremamente baixas. Novamente, não se deve pre-
des, causando rigidez dos dedos, pobre coordenação e perda da for- sumir que o paciente esteja morto até que ele tenha sido reaquecido e
ça, tornando quase impossível nadar, segurar uma linha de resgate não apresente sinais de vida (ECG, pulso, ventilação e função do
ou realizar outras atividades motoras para a sobrevivência. SNC).
Terceira fase. Sobreviver às primeiras duas fases sem se afo- Avaliação. É imperativo que se avalie a segurança da cena, na
gar coloca o indivíduo em risco de hipotermia pela perda contínua chegada. Todos os socorristas precisam assegurar sua segurança e
de calor e redução da temperatura central nas imersões com mais de proteção contra a exposição ao frio enquanto trabalham neste ambi-
30 minutos de duração. Se a vítima não for capaz de se manter aci- ente. Deve haver um alto nível de suspeita para hipotermia mesmo
ma da superfície da água por causa de fadiga e de hipotermia, ela quando as condições ambientais não sejam altamente sugestivas (p.
correrá o risco de se tornar uma vítima de submersão, que leva à ex., vento, umidade, temperatura). Alguns pacientes podem apresen-
aspiração e ao afogamento. O quanto um indivíduo pode sobreviver tar queixas vagas de fadiga, náusea, vômitos e tontura. Nos pacientes
na água fria depende de muitos fatores. Foi estimado que uma víti- traumatizados e criticamente enfermos, é importante começar a
ma de submersão não pode sobreviver por mais de uma hora se a avaliação e presumir a hipotermia, protegendo o paciente do ambi-
temperatura da água for 0° C, e, se a temperatura da água for de 15° ente frio; a avaliação começa com o ABC. A função neurológica é
C, a sobrevivência é incomum depois de seis horas. avaliada e monitorizada frequentemente. Os pacientes gravemente
A Guarda Costeira dos EUA e outras organizações de busca e hipotérmicos geralmente apresentam taquipnéia, torpor e coma. As
salvamento usam instruções-padrão para ajudar na estimativa de viaturas de resgate geralmente transportam termômetros com o limi-
quanto os indivíduos podem sobreviver na água fria. Estas instru- te inferior de 35,5° C. Os termômetros eletrônicos habitualmente
ções são modelos matemáticos que estimam a taxa de resfriamento não são úteis nas situações de hipotermia para leituras precisas. Para
da temperatura central com base na influência das seguintes variá- obter temperaturas hipotérmicas, é necessário o uso de um termôme-
veis: (1) temperatura da água, (2) isolamento pela roupa, (3) compo- tro retal com maior extensão para as temperaturas inferiores. A tabe-
sição do corpo (quantidade de gordura, músculos e ossos), (4) quan- la 24-3 oferece as respostas fisiológicas antecipadas na diminuição
tidade de corpo imerso na água, (5) comportamento (p. ex., movi- das temperaturas centrais.
mentação excessiva) e postura (p. ex., PREC, amontoamento) do Os sinais de tremor e o estado mental são importantes na avali-
corpo na água e (6) termogênese do tremor. ação da suspeita de hipotermia. Os pacientes levemente hipotérmi-
cos (temperatura central > 32° C) estarão com tremores e mostram,

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262 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 24 — Traumas Ambientais: Calor e Frio

usualmente, sinais de alteração do nível de consciência (NC) (p. ex., diminuído, possivelmente até inconsciente e comatoso. As pupilas
confusão, fala arrastada, alteração da marcha, desequilíbrio). Neste do paciente reagirão lentamente ou poderão estar dilatadas e fixas.
último caso, apresentarão lentidão e serão normalmente encontrados Os pulsos palpáveis poderão estar diminuídos ou ausentes, e a PAS
parados, sentados ou deitados. Os socorristas podem interpretar pode ser baixa ou inaudível. As ventilações do paciente poderão
erradamente esta situação como intoxicação por droga ou pelo álco- estar tão lentas quanto 2 respirações/minuto. Em virtude das altera-
ol ou como um AVE nos pacientes idosos. Entretanto, o NC de um ções no metabolismo cerebral, podem ser observadas evidências de
paciente não é um indicador confiável do grau de hipotermia; alguns “retirada paradoxal do vestuário” que podem ser observadas antes
pacientes mantiveram-se conscientes com temperaturas centrais que o paciente perca a consciência. Esta é uma tentativa do paciente
abaixo de 27° C. de remover seu vestuário embora em ambiente frio. Acredita-se que
Quando a temperatura central do paciente cai abaixo de 32° C, isto represente uma resposta à uma insuficiência termorregulatória
ele apresentará hipotermia moderada e provavelmente não se quei- iminente.
xará de frio. O tremor estará ausente e o NC do paciente estará muito

Tabela 24-3: Características Fisiológicas da Hipotermia


°C Características
37,6 Temperatura retal normal
37 Temperatura oral normal
36 Aumento na taxa metabólica e na pressão sanguínea e no tônus muscular pré-tremor
35 Temperatura da urina de 34,8 °C; máximo de termogênese pelo tremor
34 Desenvolvem-se amnésia, disartria e desorientação; alteração do comportamento; pressão sanguínea normal; estí-
mulo respiratório máximo; taquicardia seguida por bradicardia progressiva
33,3 Desenvolvem-se ataxia e apatia; depressão linear do metabolismo cerebral, taquipnéia seguida por diminuição pro-
gressiva no volume-minuto respiratório; diurese fria
32 Torpor; diminuição de 25% no consumo de oxigênio
31 Extinção da termogênese pelo tremor
30 Desenvolvem-se fibrilação atrial e outras arritmias; pecilotermia; pupilas e débito cardíaco a dois terços do normal;
insulina ineficaz
29 Diminuição progressiva no nível de consciência, pulso e respiração; pupilas dilatadas; retirada paradoxal do vestuá-
rio
28 Diminuição do limiar para fibrilação ventricular; diminuição de 50% no consumo de oxigênio e no pulso, hipoventi-
lação
27 Perda dos reflexos e do movimento voluntário
26 Importantes distúrbios acidobásicos, sem reflexos ou resposta à dor
25 Fluxo cerebral um terço do normal; perda da auto-regulação cerebrovascular; débito cardíaco a 45% do normal;
pode se desenvolver edema pulmonar
24 Hipotensão e bradicardia significativas
23 Ausência de reflexos corneanos e oculocefálicos; arreflexia
22 Risco máximo de fibrilação ventricular; 75% de diminuição do consumo de oxigênio
20 Menor nível possível de recuperação da atividade eletromecânica cardíaca, pulso 20% do normal
19, Silêncio eletroencefalográfico
18 Assistolia
15 Nível mais baixo de hipotermia acidental com sobrevivência de um lactante
13,7 Nível mais baixo de hipotermia acidental com sobrevivência de um adulto
10 92% de diminuição no consumo de oxigênio
9 Nível mais baixo de sobrevivência com hipotermia terapêutica
Modificado de Danzl DF: Accidental hypothermia. In Auerbach PS: Wílderness medicine: management of wilderness and enviromental emergencies, ed 4, St
Louis, 2001, Mosby.
263
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Diretoria de Ensino e Instrução
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

O tratamento clínico da hipotermia está baseado nos três níveis Liaison Committee on Resuscitation representa os últimos achados
seguintes de temperatura corporal retal: na pesquisa dos cuidados cardiovasculares. As instruções CCE atu-
ais foram publicadas pela American Heart Association no jornal
 Hipotermia leve de > 34° C até < 36° C Circulation em dezembro de 2005.
 Hipotermia moderada de 30° C até 34°C A vítima hipotérmica pode apresentar muitos desafios para os
 Hipotermia grave < 30° C socorristas dos SME, particularmente o paciente inconsciente com
hipotermia de moderada a grave. Como na hipotermia grave a tem-
Tratamento. O cuidado pré-hospitalar do paciente hipotérmi- peratura central é menor que 30° C, o paciente pode se apresentar
co consiste na prevenção de perda adicional de calor, manipulação sem pulsos ou respirações detectáveis, devido ao débito cardíaco
cuidadosa, iniciar transporte rápido e reaquecimento. Isto inclui re- reduzido e à diminuição da pressão arterial. Historicamente, o desa-
mover o paciente da fonte de frio para uma viatura aquecida ou para fio tem sido determinar o início das intervenções com suporte básico
um abrigo aquecido se o transporte não estiver imediatamente dispo- (BLS) ou avançado (ALS) à vida, com base na viabilidade do paci-
nível (ver seção Transporte Prolongado). As roupas úmidas devem ente. Além disso, pode ser difícil determinar com as testemunhas se
ser removidas cortando-as com a tesoura de trauma para evitar mo- estes pacientes apresentaram uma exposição hipotérmica primária
vimentação e agitação desnecessárias do paciente. A preocupação ou, por exemplo, uma parada cardíaca ou acidente vascular que
quanto ao desencadeamento das arritmias ventriculares causadas precedeu a hipotermia. Outras preocupações para o socorrista são
pela manipulação do paciente não deve retardar a aplicação das proteger o miocárdio do paciente de qualquer manipulação grosseira
intervenções críticas. Esta preocupação torna-se mais realista nos e iniciar as compressões torácicas com pulso não detectável.
pacientes com hipotermia grave (< 30° C). A cabeça e o corpo do Entretanto, recomenda-se agora que, independentemente de
paciente devem ser cobertos com cobertores quentes ou sacos de qualquer cenário que tenha criado a hipotermia primária ou secundá-
dormir, seguindo por uma camada externa impermeável ao vento ria, não se evitem os procedimentos que salvam a vida com base na
para evitar a perda de calor por convecção e por evaporação. apresentação clínica, seja em um cenário urbano com transporte por
Se o paciente estiver consciente e alerta, antecipe-se à hipo- curtas distâncias ou no ambiente rural com potenciais retardos no
glicemia e ofereça líquidos aquecidos altamente calóricos. O pacien- transporte, quando podem ser necessários maiores cuidados com o
te deve evitar bebidas alcoólicas e com cafeína. Os pacientes hipo- paciente (ver discussão mais adiante).
térmicos precisam de alto fluxo de oxigênio porque eles apresentam
diminuição da liberação de oxigênio para os tecidos. 11.2. Avaliação das Instruções de Suporte Básico à Vida
Nos pacientes hipotérmicos não responsivos, o reaquecimento para o Tratamento de Hipotermia de Leve a Grave
passivo será insuficiente para aumentar a temperatura central. Estes
pacientes irão precisar de um dispositivo para proteger as vias aé- Os pacientes hipotérmicos devem ser mantidos em uma posi-
reas, e isto deve ser iniciado dependendo da rigidez da mandíbula. ção horizontal durante todo o tempo, para evitar o agravamento da
Continue com a ventilação com uma máscara dotada de válvula hipotensão, porque estes pacientes frequentemente estão depletados
unidirecional e considere uma cânula nasofaríngea ou orofaríngea de volume pela diurese pelo frio. Pode ser difícil sentir ou detectar a
com ventilação com máscara dotada de válvula unidirecional. respiração e o pulso no paciente hipotérmico. Portanto, recomenda-
Não está recomendado colocar compressas quentes ou massa- se uma avaliação inicial da respiração e em seguida do pulso por 30
gear as extremidades do paciente. Tipicamente, o reaquecimento a 45 segundos, para confirmar um dos seguintes:
externo ativo ocorre apenas na região torácica, sem reaquecimento  Parada respiratória.
ativo das extremidades. Isto evitará o aumento da circulação periféri-  Parada cardíaca sem pulso (assistolia, taquicardia ventri-
ca, provocando um aumento na quantidade de sangue frio para o cular, FV).
tórax antes do reaquecimento central. O aumento do retorno de san-  Bradicardia (necessitando de RCP).
gue periférico pode aumentar a acidose e a hipercalemia e pode, de
fato, diminuir a temperatura central (“queda posterior”). Isto compli- Se o paciente não estiver respirando, comece a respiração de
ca a ressuscitação e pode precipitar FV. resgate imediatamente. Comece as compressões torácicas em qual-
quer paciente hipotérmico que esteja sem pulso e não apresente
11. INSTRUÇÕES PARA O TRATAMENTO DOS DIS- sinais detectáveis de circulação. Se houver dúvidas quanto à detec-
TÚRBIOS RELACIONADOS AO FRIO ção de um pulso, comece as compressões. Nunca interrompa as
intervenções de BLS até que o paciente esteja reaquecido. Se for
11.1. Cuidado Cardiovascular de Emergência: Instruções determinado que o paciente está em parada cardíaca, use as instru-
Básicas para Salvar Vidas no Tratamento da Hipotermia ções de BLS atuais, como visto no capítulo 12.
Um DEA deve ser usado se disponível. As instruções atuais
As instruções para a reanimação do paciente hipotérmico da CCE recomendam que estes pacientes sejam tratados com a reali-
evoluíram durante muitas décadas. A revisão mais recente das ins- zação de até 5 ciclos (dois minutos) de RCP antes de checar o ritmo
truções para os Cuidados Cardiovasculares de Emergência (CCE) do ECG e tentar o choque quando um DEA estiver disponível. Se
da American Heart Association em colaboração com o International for determinado um ritmo tratável com choque, dê um choque e

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264 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 24 — Traumas Ambientais: Calor e Frio

reavalie o pulso. Se o paciente hipotérmico não responde ao primei- lhas. Os dedos do pé e os pés podem ser colocados no estômago de
ro choque com um pulso detectável, novas tentativas de desfibrilar outra pessoa.
devem ser adiadas e os esforços devem ser dirigidos para uma RCP 9. Mantenha roupas de proteção contra o clima frio (p. ex.,
efetiva com ênfase no reaquecimento do paciente. Quando se aplica botas, meias, luvas, gorro de inverno, calças e jaqueta com isolamen-
compressão torácica em um paciente hipotérmico, é necessária uma to, capa externa à prova de vento) no seu carro para o caso de emer-
força maior porque a elasticidade da parede torácica fria diminui. Se gências inesperadas durante os meses frios do inverno.
a temperatura central estiver abaixo de 30° C, a conversão para ritmo 10. A queimadura pelo frio pode ocorrer rapidamente ao tocar
sinusal normal não ocorre normalmente até que um reaquecimento objetos metálicos no frio com suas mãos nuas; use sempre luvas.
da temperatura central para um nível superior a este tenha aconteci- 11. Compreenda que o índice do resfriamento pelo vento é
do. composto pela velocidade do vento e pela temperatura do ar, e esteja
A importância de não considerar os pacientes mortos até que pronto para se vestir para o frio extremo com roupas com isolamento
eles tenham sido reaquecidos e se mantenham sem resposta é ainda térmico e à prova de vento.
maior hoje, com novas evidências de estudos com vítimas hipotér- 12. Mantenha os pés secos com meias que transfiram a umida-
micas, indicando que o frio exerce um efeito protetor nos órgãos de dos seus pés para os sapatos.
vitais. 13. Use um saco de dormir do lado de fora e não use roupas;
qualquer suor será retido nas suas roupas e irá aumentar a perda de
12. PREVENÇÃO DAS LESÕES RELACIONADAS calor e causar tremor.
AO FRIO 14. As loções com base aquosa na face, nas mãos e nas ore-
lhas aumentarão o risco de crestadura e de congelamento. Use uma
A prevenção das lesões pelo frio nos pacientes, em você mes- loção de base oleosa (p. ex., Chapstick, Vaseline).
mo e nos outros socorristas é vital na cena. As recomendações para 15. As luvas sem divisórias para os dedos são mais efetivas
prevenção das lesões relacionadas ao frio incluem o seguinte: em aprisionar o ar aquecido em volta de todos os dedos que uma
1. Observe os fatores de risco geralmente aceitos para as lesões luva com cinco dedos.
por frio: 16. Quando se protegem as extremidades inferiores do clima
 Fadiga. frio, é comum não considerar a proteção da região genital. Use cal-
 Desidratação. ças grossas, roupa de baixo longa, meias de Lycra, calças Gore-Tex;
 Subnutrição. e qualquer combinação destas peças de roupa funciona bem.
 Falta de experiência com clima frio. 17. Para evitar o congelamento:
 Raça negra.  Não use roupas apertadas, luvas ou botas que restrinjam a
 Uso de tabaco. circulação.
 Fator de resfriamento pelo vento.  Exercite os dedos das mãos e dos pés e a face periodica-
mente para mantê-los aquecidos e para detectar áreas de dormência.
2. Quando você não puder se manter seco em condições frias,  Trabalhe ou pratique exercícios com um colega que obser-
úmidas e com vento, encerre suas atividades externas e busque abri- ve os sinais de alerta das lesões pelo frio e da hipotermia.
go tão logo possível.  Use roupas com isolamento térmico e as mantenha secas;
3. Lembre-se que indivíduos com uma história de lesão pelo leve roupa de baixo, meias e sapatos extras todo o tempo.
frio correm um risco maior de lesão subsequente.  Fique atento para dormências e formigamentos.
4. Evite a desidratação.
5. Evite álcool em ambientes frios. 13. TRANSPORTE PROLONGADO
6. Use a técnica do amontoamento com os outros se ocorrer
imersão acidental em água fria. É mais provável que você sobreviva Às vezes a localização de um paciente provoca um retardo no
caso se mantenha quieto na água fria com menos de 20° C, e não transporte ou um transporte prolongado para uma instalação apropri-
tente nadar para a praia, a menos que esteja próxima. ada, com a necessidade de extensão dos cuidados pré-hospitalares.
7. Aumente sua probabilidade de sobrevivência nos ambientes Consequentemente, os socorristas podem precisar considerar opções
frios: de tratamento além das que seriam usadas no transporte rápido. Co-
 Mantendo o desejo de sobreviver. mo o paciente será tratado dependerá do tempo até os cuidados defi-
 Adaptabilidade e improvisação. nitivos, do equipamento e dos suprimentos à mão, do pessoal e dos
 Otimismo e crença de que o evento é apenas uma situação recursos adicionais e da localização do paciente, e da gravidade das
temporária. lesões.
 Mantendo-se calmo e racional nas experiências bizarras e Algumas considerações sobre os cuidados extras que devem
com senso de humor. ser aplicados aos pacientes com lesões de moderada a grave em cada
um dos ambientes discutidos neste capítulo são oferecidas aqui.
8. As extremidades frias ou quase congeladas podem ser aque- Como em todos os cuidados com o paciente, compreende-se que as
cidas com o calor do corpo, colocando os dedos nas axilas ou viri- prioridades são a segurança da cena, os ABCDE e o uso de avalia-

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Diretoria de Ensino e Instrução 265
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

ções-padrão e procedimentos adequados de tratamento para estes 13.2. Doença Relacionada ao Frio
ambientes.
Também é importante saber que todas as instituições têm 13.2.1. Hipotermia
protocolos estabelecidos para a interrupção da RCP. A Wilderness
Medical Society recomenda que, uma vez que a RCP seja iniciada, Comece os procedimentos ativos de reaquecimento.
ela deve continuar até que a reanimação seja bem sucedida, os so- O tremor é a melhor maneira de reaquecer isoladamente os
corristas estejam exaustos, os socorristas estejam em perigo, o paci- pacientes levemente hipotérmicos no cenário pré-hospitalar, quando
ente tenha sido entregue para o tratamento definitivo, ou o paciente comparado com os métodos externos de reaquecimento. Os pacien-
não responda a esforços de reanimação prolongados (≈ 30 minutos). tes hipotérmicos que podem ter tremor máximo podem aumentar a
temperatura central em até ≈ 3-4° C por hora.
13.1. Doença Relacionada ao Calor As fontes externas de calor são frequentemente usadas; entre-
tanto, oferecem apenas um benefício mínimo. Para o paciente com
13.1.1. Intermação hipotermia moderada ou grave, estas considerações continuam im-
portantes nas situações de atendimentos prolongados quando usadas
Providencie o resfriamento de todo o corpo o mais rápido em combinação com proteção e isolamento para a hipotermia.
possível. Pense em usar qualquer acesso disponível à água. Coloque Algumas fontes externas de calor são as seguintes:
o corpo em água fria até o nível do pescoço (mantenha o controle do 1. O oxigênio sob máscara, aquecido e umidificado pode evi-
corpo e proteja as vias aéreas) ou “borrife” todo o corpo com água tar a perda de calor durante a respiração e oferecer alguma transfe-
(p. ex., solução fisiológica, garrafas de água, água dos frascos de rência de calor para o tórax a partir do trato respiratório.
hidratação) e ofereça uma fonte contínua de corrente de vento (p. 2. O contato corpo-a-corpo tem o mérito de transferir calor,
ex., corrente natural de vento, abanar com uma toalha, ligar os venti- porém muitos estudos não mostraram qualquer vantagem, exceto
ladores). nos pacientes levemente hipotérmicos.
Coloque o paciente na posição de recuperação e providencie 3. Aquecedores elétricos e portáteis não oferecem vantagem
os cuidados de suporte e as necessidades corporais básicas durante adicional.
todo o período de atendimento. Isole todos os pacientes no cenário remoto para minimizar a
perda de calor. Prepare um envoltório para a hipotermia com várias
13.1.2. Hiponatremia camadas. Coloque uma grande folha de plástico impermeável no
assoalho ou no chão. Acrescente uma camada isolante de cobertores
Corrija a concentração sanguínea de sódio presumidamente ou um saco de dormir por cima da camada impermeável. Coloque o
baixa. Se o paciente puder ingerir alimentos pela boca, e se disponí- paciente sobre a camada isolante junto com quaisquer fontes exter-
vel, ofereça batatas fritas, biscoitos salgados ou outro alimento com nas de calor. Acrescente uma segunda camada de isolante sobre o
sal, bebida isotônica ou que contenha sódio, ou dê duas colheres de paciente. O lado esquerdo do envoltório para hipotermia é dobrado
chá de sal misturadas em 470 ml de água. primeiro sobre o paciente, em seguida o lado direito. A cabeça do
Avalie o edema cerebral e o aumento da PIC. Estabeleça o paciente é coberta para evitar a perda calor, mantendo uma abertura
escore inicial na escala de coma de Glasgow (GCS) e reavalie a cada para a face, para permitir a avaliação do paciente.
10 minutos como um indicador do progresso do edema cerebral e da
progressão da PIC.
Esteja preparado para lidar com náuseas e os vômitos em jato.
Pegue um lado de um saco grande de lixo e faça um orifício de ± 30
cm para a cabeça do paciente abaixo da borda. Coloque a cabeça do
paciente através do orifício de forma que possa olhar para o centro
do saco.
Esteja preparado para coletar a urina quando a diurese come-
çar. Use um grande saco de lixo como fralda ou um balde, ou outro
recipiente.
Ministre oxigênio suplementar para os pacientes letárgicos ou
obnubilados. Inicie uma boa ventilação com máscara dotada de
válvula unidirecional (não hiperventile), com oxigênio a 10 insp-
irações/min.
Coloque os pacientes inconscientes em decúbito lateral es-
querdo. Continue com a avaliação permanente do paciente.

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266 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 25
Eletricidade

A
Não existe fonte de eletricidade absolutamente inócua. Mesmo
a baixa voltagem que alimenta as residências pode provocar um
eletricidade é uma forma de energia (corrente acidente fatal numa pessoa cuja resistência à eletricidade esteja dimi-
elétrica) que pode fluir entre dois pontos, desde nuída, por exemplo, por estar com o corpo molhado.
que entre eles exista uma diferença de potencial elétrico (voltagem
ou tensão), ou seja, desde que um deles esteja mais carregado de 1. EFEITOS DA CORRENTE ELÉTRICA SOBRE O
energia elétrica que o outro. A corrente elétrica flui com maior facili- ORGANISMO
dade através de materiais específicos (condutores), se houver um
caminho completo para que se processe o fluxo (circuito). Se este é Os efeitos produzidos dependem de vários fatores:
interrompido em qualquer ponto por um material não-condutor
(isolante), o fluxo da eletricidade não se processa. Por exemplo: o Condutividade: Dos tecidos corporais. Exemplo: uma pessoa
fluxo de eletricidade que alimenta um aparelho eletrodoméstico só molhada está sujeita a um acidente mais grave e até fatal, mesmo
se processa quando o aparelho é ligado, com o que se completa o num acidente com baixa voltagem, porque a resistência de seu corpo
circuito. Se entre os dois pontos considerados não existir um condu- diminui, o que permite a uma corrente mais intensa circular por ela.
tor adequado, a corrente elétrica ainda assim poderá fluir, desde que Intensidade da corrente: Diretamente proporcional à volta-
a tensão ou voltagem entre os dois pontos seja muito grande. gem ou tensão (quanto maior a tensão, maior a corrente que circula
São condutores a água, a maioria dos metais e os seres vivos. no circuito) e inversamente proporcional à resistência oferecida pelo
Nestes, a condutividade varia de tecido para tecido, sendo tão maior circuito (quanto maior a resistência, menor a corrente).
quanto maior o teor de água tecidual. Em outras palavras, é maior no Circuito percorrido no corpo: No circuito de um a outro
sangue, nos músculos e nos nervos que nos ossos e na pele. Entre- dedo da mesma mão, a lesão é limitada aos dedos envolvidos, em-
tanto, a pele úmida torna-se boa condutora. São isolantes o ar seco, a bora possa chegar à amputação. No circuito entre a mão esquerda e
madeira seca, os plásticos. os pés, a passagem da mesma corrente pelo coração pode determinar
A terra tem sempre carga elétrica nula em relação a qualquer gravíssima fibrilação ventricular.
fonte de energia elétrica e, por isso, ela sempre funciona como um Duração da corrente: Quanto maior a duração, maior o efei-
enorme receptor de corrente elétrica. Qualquer fonte de eletricidade to, ou seja, maior a lesão.
tende a se descarregar na terra, desde que com esta se estabeleça um Natureza da corrente: a corrente alternada é mais danosa que
circuito. Exemplo: uma pessoa pode tocar um cabo energizado, sem uma contínua de mesma intensidade, porque produz contrações
sofrer qualquer descarga elétrica, se estiver de pé sobre uma superfí- musculares tetânicas que impedem a vítima de escapar do circuito e
cie isolante. Se tocar o solo com o pé, estabelecerá com seu próprio provocam sudorese; esta diminui a resistência da pele e aumenta o
corpo um circuito entre a fonte de eletricidade e a terra e sofrerá a fluxo da corrente pelo corpo.
corrente elétrica através de seu corpo. Efeitos da corrente elétrica sobre o organismo:
A “afinidade” que a eletricidade tem pela terra explica o efeito  Queimaduras.
protetor do aterramento de fontes de eletricidade: o fluxo de energia  Fibrilação ventricular (choque de baixa voltagem).
tende a se estabelecer pelo aterramento, poupando a pessoa de uma  Parada cardiopulmonar.
descarga às vezes fatal.  Fraturas.
A terra molhada funciona como um condutor. Assim, quando
várias pessoas estão trabalhando com uma fonte de energia elétrica 1.1. Queimaduras:
em região molhada pela chuva, um acidente envolvendo uma delas
pode transferir a corrente elétrica às demais. 1.1.1. Por arco voltaico
Eletroplessão é o termo técnico apropriado para designar a
morte ocorrida em consequência de descarga elétrica acidental. A Podem ser observadas na superfície corporal exposta a um
palavra eletrocussão refere-se ao ato de matar alguém, intencional- arco voltaico (quando um acidente estabelece uma voltagem tão
mente, por meio de choque elétrico, geralmente como penalidade intensa que a corrente elétrica flui pelo próprio ar, aquecendo-o e
judiciária. produzindo temperaturas de até dez mil graus centígrados). Ocorre
Alta tensão e baixa tensão são expressões usadas para desig- carbonização da pele e dos tecidos subjacentes.
nar, respectivamente, voltagens acima de 220 V (alta tensão) e igual
ou abaixo de 220 V (baixa tensão). Na produção da corrente elétrica 1.1.2. Por chama
há dispositivos que geram correntes que sempre fluem num mesmo
sentido (corrente contínua) e outros que produzem correntes que O aquecimento produzido pelo arco voltaico chega a incendiar
alternam seu sentido (corrente alternada). as roupas da vítima.
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

1.1.3. Por carbonização direta comprometida, permite seu acúmulo em grande quantidade no am-
biente. Dependendo da dose de radiação a que fica exposto um ser
A corrente percorrendo os tecidos corporais promove seu vivo, lesões definitivas de seus tecidos podem levá-lo à morte a curto
aquecimento ao ponto de coagulação e necrose. Observam-se áreas ou médio prazo. Os tecidos do organismo mais sujeitos às alterações
de queimadura nos pontos de entrada e saída da corrente elétrica, produzidas a curto prazo pela radiação ionizante são a mucosa diges-
que podem ser pouco impressionantes. Entretanto, ao longo de todo tiva e a medula óssea (produtora dos elementos do sangue). A longo
o trajeto da corrente, encontram-se tecidos necrosados, especialmen- prazo, a radiação eleva a incidência de neoplasia (câncer).
te músculos e vasos sanguíneos. A necrose de vasos leva a fenôme-
nos trombóticos nas áreas irrigadas pelos vasos necrosados (necroses 3.1. Tipos de Vítimas de Radiação Ionizante
a distância do trajeto).
Vítima Irradiada: Recebeu radiações ionizantes sem entrar
1.2. Fibrilação ventricular em contato direto com a fonte de radiação. Sofre seus efeitos, mas
não emite radiações ionizantes nem contamina o ambiente ou aque-
Por lesão cardíaca direta. les com quem entra em contato.
Vítima Contaminada: Entrou em contato direto com a fonte
1.3. Parada cardiopulmonar de radiação e carrega consigo material irradiante, seja na superfície
corporal (contaminação externa em cabelos, pele e unhas), seja na
Por lesão dos centros vitais do bulbo do tronco encefálico. intimidade do organismo (contaminação interna por ingestão ou
inalação). Sofre os efeitos da irradiação, irradia doses adicionais de
1.4. Fraturas radiação, que atingem o seu próprio organismo e dos que a cercam,
contaminando o ambiente e os demais, comunicando-lhes material
Produzidas por espasmos musculares severos, quedas e coli- radioativo depositado na superfície cutânea ou eliminado por suor,
sões da vítima arremessada contra anteparos rígidos. saliva, fezes, urina e secreções.
A diferenciação entre um e outro tipo de vítima se faz pela
2. ATENDIMENTO história da exposição e pela detecção de radiação ionizante feita com
detector.
Garantir a própria segurança e dos demais presentes na cena:
não tocar na vítima antes de se certificar de que o circuito já tenha 4. ATENDIMENTO
sido interrompido. Desligar a chave geral nos ambientes domicilia-
res e industriais. Chamar a companhia de energia elétrica nos aci- Vítima irradiada: Prestar o atendimento sem maiores precau-
dentes em via pública. Se as vítimas estiverem dentro de veículo em ções de proteção ambiental e pessoal, guardando distância segura da
contato com um cabo energizado, orientá-las para que lá permane- fonte de radiação.
çam até a chegada dos técnicos da companhia de energia elétrica. Se Vítima contaminada: Usar equipamento de proteção indivi-
há risco real de incêndio, desabamento ou explosão, orientá-las para dual. Na falta deste, usar várias camadas de roupas, esparadrapo
saltar do veículo sem estabelecer contato simultâneo com a terra. fechando os punhos e tornozelos, luvas e sacos plásticos sobre os
Abordagem primária: garantir via aérea com controle cervi- calçados. Remover a vítima em caráter emergencial para longe da
cal, porque pode haver fratura de coluna. Iniciar e manter a RCP se fonte de radiação. Realizar abordagem primária. Agir com a maior
forem constatadas parada cardíaca ou fibrilação ventricular. rapidez e em sistema de rodízio com seus colegas, para diminuir e
Abordagem secundária: curativos estéreis nas queimaduras, fracionar ao máximo seu ponto de exposição. Tão logo seja possível,
imobilização dos membros com fraturas suspeitas ou diagnostica- cobrir a vítima com plástico. Se possível, cobrir a fonte de radiação
das. com chumbo, tijolos ou terra.
Remoção para o hospital apropriado: este, conforme o caso, Se a vítima não apresentar risco imediato de morte, aguardar
deverá dispor de Unidade de Queimados e Unidade de Terapia In- equipamento de proteção especializada (manta, avental, luvas e
tensiva. A fibrilação ventricular tem que ser tratada com desfibrila- botas forrados de chumbo e máscara com filtro). Acondicionar em
ção, e a RCP prolongada, porque, embora a recuperação ocorra em sacos de lixo e em recipientes metálicos todo o equipamento de
30 minutos na maioria dos casos, há registros de recuperação bem proteção individual e as próprias vestimentas, além de providenciar
mais tardia, justificando a manutenção da RCP por tempo superior. para que sejam examinados por técnicos especializados. Submeter-
se à descontaminação e descontaminar a viatura sob supervisão
3. ATENDIMENTO DE VÍTIMAS EXPOSTAS À RA- técnica.
DIAÇÃO IONIZANTE
5. RAIOS
A radiação ionizante é uma forma de energia existente na
natureza e produzida pelo homem com finalidades diversas, especi- Os raios constituem a mais ampla ameaça à população e à
almente industrial e bélica, em artefatos cuja segurança, uma vez propriedade durante uma tempestade. A forma mais destrutiva de

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268 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 25 — Eletricidade

raios é o impacto nuvem-chão. Com base nos sistemas de detecção de uma pessoa para outra, de uma árvore para uma pessoa e mesmo
de raios em tempo real, estima-se que os raios com impacto nuvem- dentro de ambientes fechados, de um fio de telefone para a pessoa
chão ocorrem aproximadamente 20 milhões de vezes por ano, com que esteja falando no aparelho.
até 50.000 relâmpagos por hora durante uma tarde de verão. Contato: ocorre quando uma pessoa está em contato direto
Desde a década de 1950, o número de mortes causadas por com um objeto atingido direta ou indiretamente.
raios tem diminuído, possivelmente pelo fato de haver menos pesso- Voltagem rasteira, também conhecida como voltagem pro-
as trabalhando em ambientes abertos em áreas rurais, pelo desenvol- gressiva ou corrente terra: ocorre quando um raio atinge o chão ou
vimento de sistemas de alarme para a aproximação de tempestades, um objeto próximo. A corrente espalha-se radialmente para fora. O
pelo aumento da educação pública sobre a segurança na presença de tecido humano oferece menos resistência do que o chão, e a corrente
tempestades e pela melhora no atendimento médico. Atualmente pode passar, por exemplo, subindo por uma perna e descendo pela
existem registros de que os raios matam anualmente entre 50 e 300 outra, seguindo o caminho de menor resistência.
indivíduos e lesam aproximadamente 1.000 pessoas. As principais Indiretamente: Pode ocorrer trauma fechado por uma onda de
lesões com risco de morte nas vítimas atingidas por raios são as choque produzida pelo raio, que pode jogar uma pessoa a cerca de
lesões neurológicas e cardiopulmonares. 10 metros. Podem ocorrer lesões como consequência de incêndios
florestais e urbanos e de explosões, causadas por raios.
5.1. Epidemiologia Existem seis fatores conhecidos que determinam a gravidade
da lesão secundária a uma corrente elétrica ou a um raio: tipo de
O maior índice de mortes por raios ocorre dos 15 aos 19 anos circuito, duração da exposição, voltagem, amperagem, resistência do
de idade. Aproximadamente 30% morrem e 74% dos sobreviventes tecido e trajeto da corrente. Uma vez em contato com um raio ou
ficam com sequelas permanentes. Além disso, as vítimas com quei- outra fonte elétrica de alta voltagem, o calor gerado dentro do corpo
maduras na cabeça ou em membros inferiores têm maior risco de é diretamente proporcional à quantidade de corrente, à resistência do
morte. Dos indivíduos que morrem atingidos por raio, 52% encon- tecido e à duração do contato. À medida que a resistência dos vários
tram-se em ambiente aberto (25% destes estavam trabalhando). Em tecidos aumenta (p. ex., de nervo para músculo e osso), aumenta o
63% das vítimas dos raios, a morte ocorreu dentro de uma hora. calor gerado pela passagem da corrente.
É fácil admitir que as lesões causadas por raios sejam similares
5.2. Mecanismo da Lesão às lesões causadas por correntes elétricas de alta voltagem. Entretan-
to, existem diferenças significantes entre os dois mecanismos de
A lesão causada pelos raios pode resultar dos cinco seguintes lesão.
mecanismos: O impacto de um raio produz uma corrente de milhões de
Golpe direto: ocorre quando uma pessoa está em ambiente volts, e a duração da exposição ao corpo é instantânea (1/10 a l/1000
aberto e não encontra abrigo. de segundo). A temperatura de um raio varia com o diâmetro, mas a
Contato lateral ou espalhado: ocorre quando o raio atinge um média de temperatura é de aproximadamente 8.000° C . Em compa-
objeto (p. ex., o chão, um prédio, uma árvore) e se espalha para uma ração, a alta voltagem elétrica tende a ser muito mais baixa do que a
vítima ou várias vítimas. A corrente salta do objeto primariamente do raio. Entretanto, o fator-chave que distingue as lesões causadas
atingido e pode se espalhar para uma pessoa. A corrente pode passar por raios das lesões causadas pela corrente elétrica e os diferentes

Tabela 25-1: Comparação entre as Lesões Causadas por Raios e as Lesões Elétricas por Alta Voltagem
Fator Raios Alta Voltagem
Nível de energia 30 milhões de volts; 50.000 amperes Geralmente muito menor
Tempo de exposição Breve, instantâneo Prolongado
Trajeto Faísca, orifício Profundo, interno
Queimaduras Superficiais, leves Profundas, internas

Coração Parada cardíaca primária e secundária, assistolia Fibrilação


Rins Mioglobinúria ou hemoglobinúria raras Frequente insuficiência
renal com mioglobinúria
Fasciotomia Raramente necessária, se necessária alguma vez Comum, deve ser feita
precocemente e de modo
extenso
Trauma fechado Efeito explosivo do trovão Queda, ser arremessado
Tabela modificada de Cooper MA, Andrews CJ, Holle RL, Lopez RE: Lightning injuries. In Auerbach PS: Wilderness medicine: management of wilderness
and environmental emergencies, ed 4, St Louis 2001, Mosby.
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padrões de lesão é a duração da exposição à corrente dentro do cor-  Parestesias temporárias.


po. A Tabela 25-1 lista as diferenças entre as lesões causadas por  Dor muscular.
raios e as lesões elétricas por alta voltagem.  Queimaduras cutâneas (raras).
Algumas vezes, um raio pode ter padrões de lesão similares  Paralisia transitória.
aos encontrados nas lesões elétricas de alta voltagem, devido a um
raro tipo de raio que produz um impacto prolongado, com duração As vítimas têm sinais vitais normais ou hipertensão leve e
de até 0,5 segundo. Este tipo de raio, chamado “raio quente” é capaz transitória, e a recuperação em geral é gradual e completa.
de causar queimaduras profundas, explodir árvores e causar incên-
dios. O raio pode deixar ferimentos de entrada e de saída no corpo, 6.2. Lesão Moderada
mas o mais comum do raio, ao atingir uma vítima, é passar por cima
do corpo. Isto é denominado corrente “em faísca” (“fIashover”). As vítimas com lesão moderada apresentam lesões progressi-
Uma corrente em faísca também pode atingir os olhos, ouvidos, vas, isoladas ou multissistêmicas, algumas delas com risco de morte.
nariz e boca. Existem teorias de que o fluxo da corrente em faísca é Alguns pacientes desta categoria ficam com sequela permanente. No
o motivo pelo qual muitas vítimas sobrevivem ao impacto dos raios. local, os pacientes podem apresentar:
Também é sabido que uma corrente em faísca pode vaporizar a  Desorientação.
umidade da pele ou queimar (explodir) parte da roupa ou do calçado  Agitação.
da vítima.  Coma.
 Paralisia das extremidades inferiores.
6. LESÕES CAUSADAS POR RAIOS
 Mosqueamento da pele (pele manchada).
 Ausência de pulso.
As lesões causadas por raios variam desde pequenas feridas
 Pulsos periféricos não palpáveis.
superficiais até grande trauma multissistêmico e morte. A tabela 25-
2 lista os sinais e sintomas comuns nas lesões por raios. Um sistema  Hipotensão.
de determinação da probabilidade de recuperação ou do prognóstico  Trauma fechado (p. ex., fraturas).
dos impactos dos raios classifica as vítimas em três categorias de  Choque espinhal (p. ex., fraturas de coluna cervical).
lesão: leve, moderada e grave.  Queimaduras de primeiro e segundo graus, nem sempre
identificadas logo no início (achados tardios).
6.1. Lesão Leve  Queimaduras de terceiro grau (raras).
 Ruptura da membrana do tímpano (comum).
Os pacientes com lesão leve estão conscientes e relatam uma
sensação desagradável e anormal (disestesias) na extremidade afeta- As sequelas em longo prazo são:
da. Quando o impacto é mais sério, as vítimas relatam ter sido atingi-  Distúrbios do sono.
das na cabeça ou dizem que foram atingidas por uma explosão, pois  Irritabilidade.
não sabem bem o que aconteceu. O paciente pode apresentar:  Disfunção psicomotora fina.
 Confusão (de curta duração ou com duração de horas a dias).  Parestesias.
 Amnésia (de curta duração ou com duração de horas a dias).  Fraqueza generalizada.
 Ruptura da membrana do tímpano.  Disfunção do sistema nervoso.
 Surdez temporária.  Síndrome do estresse pós-traumático.
 Cegueira.  Paralisia espinhal (rara).
 Inconsciência temporária.
Tabela 25-2: Lesões por Raios: Sinais e Sintomas Comuns e Tratamento
Lesões Sinais/Sintomas Tratamento
Leves Sensação estranha nas extremidades; confusão; amné- Segurança da cena; ABCDE; história clínica e exame
sia; perda temporária da consciência; surdez ou ceguei- secundário; oferecer oxigênio e transportar todos os
ra; ruptura da membrana do tímpano pacientes com lesões leves
Moderadas Desorientação, agitação, paralisias, fraturas, trauma Segurança da cena; ABCDE; história clínica e exame
fechado, ausência de pulso em membros inferiores, secundário; reanimação cardiorrespiratória precoce,
choque medular, convulsões, parada cardiorrespiratória quando necessário; oferecer oxigênio e transportar
temporária, coma todos os pacientes
Graves Qualquer um dos acima, otorréia, fibrilação ventricular Reanimação cardiopulmonar e procedimentos avan-
ou assistolia çados para a manutenção da vida; se houve múltiplas
vítimas, use triagem “reversa”.
Dados de Q'Keefe GM, Zane RD: Lightning injuries, Emerg Med Clin North Am 22:369, 2004; e Cooper MA, Andrews CJ, Holle RL, Lopez RE: Lightning
injuries. In Auerbach PS: Wilderness medicine: management of wilderness and environmental emergencies, ed 4, St Louis 2001, Mosby.
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Capítulo 25 — Eletricidade

Dependendo do local de impacto do raio, um impacto que do sinais de queimaduras que podem variar desde queimaduras de
atinja o centro respiratório do cérebro pode resultar em parada respi- primeiro grau até queimaduras totais. É comum observar alterações
ratória prolongada, que pode provocar parada cardíaca, secundária à de pele semelhantes a uma pena, conhecidas como “flores de Lich-
hipóxia. As vítimas desta categoria podem ter parada cardiorrespira- tenberg”, mas não se tratam de queimaduras, e as alterações desapa-
tória imediata, apesar de a automaticidade intrínseca do coração recem em 24 horas. É mais comum achar queimaduras secundárias
poder provocar o retorno espontâneo do coração ao ritmo sinusal à ignição de roupas ou ao aquecimento de jóias ou outros objetos.
norma1. Como a parada cardiopulmonar imediata é a maior ameaça,
os socorristas precisam avaliar rapidamente os ABCs em todas as 8. TRATAMENTO
vítimas de raios.
A prioridade de tratamento de uma vítima de raios é estabilizar
6.3. Lesão Grave as vias aéreas, a respiração e a circulação. Se o paciente não tiver
respiração ou a circulação espontânea, inicie a RCP até 5 ciclos (2
As vítimas com lesão grave por impacto direto de raio (lesões minutos) e avalie o ritmo cardíaco com um DEA (caso disponível),
cardiovasculares ou neurológicas) ou as vítimas que demoram a segundo as diretrizes atuais. Ofereça oxigênio em altas concentra-
receber reanimação cardiopulmonar têm prognóstico ruim. Ao che- ções aos pacientes com lesões moderadas e graves. Estabilize as
gar ao local, o socorrista pode encontrar o paciente já em parada fraturas e imobilize a coluna cervical dos pacientes com trauma
cardíaca, em assistolia ou FV. Se tiver ocorrido isquemia cardíaca e fechado. As vítimas de raios com lesões leves a graves devem ser
neurológica prolongada, pode ser muito difícil reanimar estes paci- transportadas para um pronto-socorro para melhor avaliação e obser-
entes. Outros achados comuns são a ruptura da membrana do tímpa- vação. Transporte o paciente por via terrestre ou aérea, dependendo
no, com LCR ou sangue no canal auditivo, lesões oculares e várias da disponibilidade, distância e tempo até o hospital, avaliando o risco
formas de trauma fechado decorrente de quedas, incluindo contu- para a equipe de resgate aérea e o benefício para o paciente.
sões de partes moles ou fraturas de crânio, costelas, extremidades e Como já mencionado, as vítimas de raios têm maior probabili-
coluna. Muitos pacientes desta categoria não têm evidências de quei- dade de boa evolução se a reanimação for precoce e eficiente. Entre-
maduras. tanto, ainda existem poucas evidências de que estes pacientes pos-
sam recuperar o pulso depois de reanimação prolongada, BLS ou
7. AVALIAÇÃO ALS, que dure mais de 20 a 30 minutos. Antes de interromper a
reanimação, devem ser feitos todos os esforços para estabilizar o
Ao chegar ao local, como em qualquer outro atendimento, a paciente e estabelecer uma via aérea, juntamente com alto fluxo de
prioridade é a segurança dos socorristas. Descubra se ainda existe a oxigênio e ventilação assistida, além de corrigir a hipotermia.
possibilidade de raios na área. Durante a aproximação ou o afasta- Se o incidente envolver múltiplas vítimas, devem ser imple-
mento de uma tempestade, ainda existe perigo, que nem sempre é mentados imediatamente os princípios de triagem (consulte o capítu-
aparente, pois os raios continuam sendo uma ameaça muito real até lo 31). As regras normais de triagem consistem em concentrar o
uma distância de 16 quilômetros. O mecanismo de lesão pode não pessoal e os recursos, que são limitados, nos pacientes com lesões
estar claro se não houver testemunhas, já que os raios podem ocorrer moderadas e graves e rapidamente deixar de lado os pacientes sem
durante um dia ensolarado. Quando estiver em dúvida sobre o meca- respiração ou circulação. Entretanto, no atendimento a múltiplas
nismo de lesão, avalie imediatamente o ABCDE e procure proble- vítimas de raios, a regra é utilizar a triagem “reversa” e “reanimar os
mas com risco de morte, como em qualquer emergência. Estes paci- mortos”, pois estes pacientes estão em parada respiratória ou cardía-
entes não têm nenhuma carga elétrica, e não há nenhum risco em ca e têm uma alta probabilidade de recuperação.
tocá-los para providenciar o tratamento.
Uma vez estabilizado o paciente, é necessário fazer uma avali- 9. PREVENÇÃO
ação detalhada para a identificação de uma ampla gama de lesões
que podem ocorrer com este tipo de trauma. Avalie o nível de cons- Com numerosas tempestades durante todo o ano, a queda de
ciência do paciente e a função neurológica de todas as extremidades, raios é comum. Os socorristas devem ser orientados sobre a preven-
já que as extremidades superiores e inferiores podem apresentar ção e sobre os muitos mitos e erros relacionados aos raios (quadro
paralisias transitórias. Sabe-se que as vítimas de raios apresentam 25-1).
uma disfunção autônoma que causa dilatação das pupilas que simula Os socorristas e os demais profissionais da área de segurança
um trauma craniano. Avalie os olhos, pois 55% das vítimas sofrem pública devem estabelecer os procedimentos de vigilância para as
algum tipo de lesão ocular. Procure por sangue ou otorréia nos ca- condições de tempo ruim, emitindo avisos atualizados ao longo do
nais auditivos; 50% destas vítimas sofrem ruptura de uma ou das dia, para prevenir acidentes.
duas membranas do tímpano. Todas as vítimas de raios têm alta Um slogan de educação pública utilizado para crianças e adul-
probabilidade de trauma fechado, pois podem ter sido arremessadas tos é: “Se você o vir, fuja; se o ouvir, afaste-se.” Outra regra útil é a
pelo impacto ou ter sido atingidas por objetos. As precauções para a “regra dos 30-30”. Quando o tempo entre a visualização de um raio
proteção da coluna cervical são necessárias durante a avaliação para e a escuta de um trovão for igual ou inferior a 30 segundos, os indi-
minimizar a progressão de possíveis lesões. Avalie a pele, procuran- víduos estão em risco e precisam procurar abrigo apropriado. Além

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Diretoria de Ensino e Instrução 271
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

disso, recomenda-se retornar às atividades ao ar livre somente 30 3. Feche todas as torneiras e desligue todos os aparelhos elétri-
minutos após o último raio ou trovão, porque uma tempestade que cos antes da chegada de uma tempestade.
está passando ainda é uma ameaça, e os raios podem atingir pessoas
localizadas a uma distância de até 16 quilômetros da tempestade. Ar Livre:
Outra medida da proximidade do raio é a regra do “clarão até o tro-
vão”, 5 segundos = 1,6 quilômetro, acompanhando os raios a cada 5 1. Evite objetos de metal, como bicicletas, tratores e cercas.
segundos, até que o som do trovão esteja a uma distância de 1,6 2. Evite objetos altos e fique encolhido (faça-se pequeno).
quilômetro. 3. Evite áreas próximas a canos, linhas de transmissão de ener-
A seguir estão as diretrizes de segurança para a prevenção gia e teleféricos.
contra raios durante uma tempestade: 4. Evite campos abertos.
5. Evite abrigos abertos (p. ex., abrigo de carro ou ponto de
Ambientes Fechados: ônibus), dependendo do tamanho, porque podem ocorrer faíscas ou
correntes de solo.
1. Procure um edifício e fique longe de janelas, portas abertas, 6. Em grandes eventos públicos ao ar livre, procure pelos ôni-
lareiras, banheiros e chuveiros e objetos de metal, como pias e ou- bus ou minivans mais próximos.
tros. 7. Procure o interior de um veículo de teto rígido e evite carros
2. Desligue o rádio e o computador e evite o uso de telefones conversíveis; mantenha as janelas fechadas e evite partes de metal
com fio; use o telefone somente em caso de emergência. do veículo.
8. As tendas oferecem pouca ou nenhuma proteção, evite os
Quadro 25-1: Mitos e Conceitos Errados a Respeito dos Raios suportes de metal das tendas e objetos úmidos.
MITOS GERAIS 9. Na ausência de abrigo imediato, todas as pessoas devem
manter-se afastadas umas das outras entre 10 a 15 metros para evitar
O indivíduo atingido por um raio invariavelmente morre. o contato com faíscas e correntes do solo.
A principal causa de morte é por queimaduras.
10. Tente fazer o menor contato possível com o chão, para
Uma vítima atingida por um raio explode em chamas ou é
reduzida a cinzas. minimizar o risco de ser atingido pelo solo.
Depois de atingidas, as vítimas ficam eletrificadas. 11. A posição para se proteger de um raio é: agachado, pés
Os indivíduos só têm risco de serem atingidos quando há juntos, ouvidos cobertos com as mãos; fique agachado em cima de
nuvens de tempestade no céu por cima deles. um tapete, uma mochila ou algum material isolante. Uma posição
Estar dentro de um prédio durante uma tempestade protege alternativa é ajoelhar-se ou sentar-se com as pernas cruzadas.
100% contra raios.
12. Não fique de pé, não abrace, não se agache nem fique
A crença de que um raio nunca cai duas vezes no mesmo
lugar é falsa. agrupado ao lado de árvores muito altas; procure por uma área mais
O uso de calçado com sola de borracha e de capa de chuva baixa com árvores mais baixas ou novas.
protege a pessoa. 13. Procure por grandes cavernas, ficando longe da entrada e
São os pneus de borracha dos carros que protegem o indiví- das paredes laterais.
duo de lesões. 14. Se estiver em um nível elevado ou ao lado de um morro,
O uso de jóias e metais aumenta o risco de atrair um raio. procure pelo terreno mais baixo da área.
O raio sempre atinge o objeto mais alto.
15. Procure por fossos, a menos que estejam cheios de água.
Na ausência de chuva, os raios não têm perigo nenhum.
Pode haver raios sem trovões. 16. Se estiver na água, vá imediatamente para a margem; evite
nadar ou andar de barco e afaste-se de objetos altos na água.
CONCEITOS ERRADOS

Alguns mitos e conceitos errados por parte dos socorristas


podem afetar adversamente o atendimento e a evolução dos
pacientes.

Quem não morrer ao ser atingido por um raio, não terá pro-
blema nenhum.
Se a vítima não apresentar sinais externos de lesão, a lesão
não pode ser tão grave.
As lesões causadas por raios devem ser tratadas da mesma
maneira que as demais lesões elétricas por alta voltagem.
As vítimas de raios podem recuperar-se, mesmo que a rea-
nimação cardiopulmonar demore muitas horas.
Modificado de O’Keefe GM, Zane RD: Lightning injuries, Emerg Med Clin
North Am 22:369, 2004; e Cooper MA, Andrews CJ, Holle RL, Lopez RE:
Lightning injuries. InAuerbach PS: Wilderness medicine: management af
wilderness and environmental emergencies, ed 4, St Louis, 2001, Mosby.

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272 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 26
Intoxicações Exógenas, Envenenamentos
e Acidentes com Animais Peçonhentos

V
Existem medicamentos emetizantes, entre os quais o mais
comum é o Xarope de Ipeca, eficaz e praticamente atóxico, embora
enenos são substâncias químicas que podem não deva ser utilizado em crianças menores de 2 anos, em gestantes
causar dano ao organismo.Os envenenamentos e cardiopatas.
são, na sua maioria, acidentais, mas resultam também de tentativas Posologia para o Xarope de Ipeca:
de suicídio e, mais raramente, de homicídio.  Adultos — 30 ml.
Não existem muitos antídotos (antagonistas específicos dos  Crianças de 2 a 12 anos — 15 ml.
venenos) eficazes, sendo muito importante identificar a substância
responsável pelo envenenamento o mais breve possível. Caso isso Caso o vômito não ocorra em 30 minutos, repetir a dose; a
não seja possível no início, posteriormente devem ser feitas tentati- vítima deve ser transportada para ser realizada lavagem gástrica.
vas de obter informações (e/ou amostras) da substância e das cir- Comunique os dados à central de operações.
cunstâncias em que ocorreu o envenenamento. Administre oxigênio e transporte a vítima em decúbito lateral,
Um veneno pode penetrar no organismo por diversos meios para prevenir a aspiração no caso de vômitos. Leve para o hospital
ou vias de administração, a saber: qualquer objeto que possa conter amostra do veneno (frasco, roupas,
 Ingerido — Ex.: medicamentos, substâncias químicas vômito).
industriais, derivados de petróleo, agrotóxicos, raticidas, formicidas, Esteja certo de que a vítima que você está atendendo é a única
plantas, alimentos contaminados (toxinas). intoxicada; no caso de crianças, verificar se estava só ou se brincava
 Inalado — gases e poeiras tóxicas. Ex.: monóxido de car- com outras, que também devem ser avaliadas.
bono, amônia, agrotóxicos, cola à base de tolueno (cola de sapatei-
ro), acetona, benzina, éter, GLP (gás de cozinha), fluido de isqueiro e 1.1. Sinais e Sintomas mais Comuns
outras substâncias voláteis, gases liberados durante a queima de
diversos materiais (plásticos, tintas, componentes eletrônicos), etc.  Queimaduras ou manchas ao redor da boca.
 Absorvido — inseticidas, agrotóxicos e outras substâncias  Odores característicos (respiração, roupa, ambiente).
químicas que penetrem no organismo pela pele ou mucosas.  Respiração anormal (rápida, lenta ou com dificuldade).
 Injetado — toxinas de diversas fontes, como aranhas, es-  Sudorese, salivação e lacrimejamento.
corpiões, ou drogas injetadas com seringa e agulha.  Alterações pupilares (midríase ou miose).
 Pulso (lento, rápido ou irregular).
1. ABORDAGEM E PRIMEIRO ATENDIMENTO À  Pele (pálida, “vermelha”, ou cianótica).
VÍTIMA DE ENVENENAMENTO  Alterações da consciência.
 Convulsões.
Verifique inicialmente se o local é seguro, procure identificar a
 Choque.
via de administração e o veneno em questão. Aborde a vítima como
 Distensão abdominal.
de costume, identifique-se e faça o exame primário; esteja preparado
 Vômitos.
para intervir com manobras para liberação das vias aéreas e de RCP,
 Cefaléia.
caso necessário. Proceda o exame secundário e remova a vítima do
local. Há situações em que a vítima deve ser removida imediatamen-  Dor abdominal.
te, para diminuir a exposição ao veneno e preservar a segurança da  Queimação nos olhos e mucosas.
equipe.  Dificuldade para engolir.
Se o veneno for ingerido e a vítima estiver consciente e alerta,
dê-lhe dois ou três copos de água para beber, com a finalidade de Deve-se procurar informações nos Centros de Informações
diluir o veneno. Se a ingestão ocorreu há menos de quatro horas, Toxicológicas — CIT, que quando presentes nos municípios, forne-
induza o vômito. Cuidado, em alguns casos, isso não deve ser feito, cem informações 24 horas/dia, normalmente através do telefone
como na ingestão de derivados de petróleo (gasolina, querosene 148.
etc.), de corrosivos, como soda cáustica, e quando a vítima está so-
nolenta ou comatosa. 2. MONÓXIDO DE CARBONO
Nos casos indicados, a êmese pode ser obtida pela estimulação
cuidadosa da retrofaringe com o dedo ou cabo rombo de colher, Gás incolor, sem cheiro e potencialmente perigoso. Liga-se
após ingestão de um ou dois copos de água. fortemente à hemoglobina, (proteína que transporta O2 no sangue
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

para os tecidos), competindo com o oxigênio e provocando hipóxia, cardiovasculares, como palpitações, taquicardia, hipertensão arterial
podendo ocasionar lesão cerebral e morte. e arritmias.
O monóxido de carbono pode ser emitido por diversas fontes, As manifestações neurológicas compreendem cefaléia, tontu-
como escapamento de veículos (perigo em lugares fechados, como ra, nistagmo (movimentos oculares anormais), midríase, tremores,
garagens), aquecedores a gás, fogões, aquecedores e queima de rigidez muscular, hiper-reflexia, convulsões e coma.
praticamente qualquer substância em locais fechados.
5. ACIDENTES COM ANIMAIS PEÇONHENTOS
2.1. Sintomas
Animais peçonhentos são aqueles que possuem glândula de
Inicialmente, dor de cabeça, náusea, vômitos, coriza. veneno que se comunicam com dentes ocos, ferrões ou aguilhões,
Posteriormente, distúrbios visuais, confusão mental, síncope, por onde o veneno passa ativamente. Ex.: serpentes, aranhas, escor-
tremores, coma, disfunção cardiopulmonar e morte. piões e arraias.
Animais venenosos são aqueles que produzem veneno, mas
2.2. Tratamento não possuem um aparelho inoculador (dentes, ferrões), provocando
envenenamento por contato (lagartas), por compressão (sapo) ou por
Medidas de suporte e oxigênio a 100%, iniciados mesmo que ingestão (peixe-baiacu).
haja apenas suspeita de intoxicação por CO. (Ver mais detalhes no
capítulo 23). 5.1. Ofídios

3. DEPRESSORES DO SISTEMA NERVOSO CEN- Para sabermos se uma serpente é peçonhenta, observam-se três
TRAL características fundamentais:
1. Presença de fosseta loreal.
 Álcool — o mais comum, frequentemente associado a 2. Presença de guizo ou chocalho no final da cauda.
intoxicações por outras drogas. 3. Presença de anéis coloridos (vermelho, preto, branco ou
 Barbitúricos — Gardenal, Luminal, Nembutal, etc. amarelo).
 Sedativos — Dormonid, Rohipnol, Halcion, etc. A fosseta loreal é um órgão termossensorial situado entre o
 Tranquilizantes menores — Valium e Diempax olho e a narina, que permite à serpente detectar variações mínimas
(diazepan), Librium, Lorax, Lexotan, etc. de temperatura no ambiente.
Há muitas espécies de serpentes venenosas. Poucas são encon-
3.1. Sinais e Sintomas tradas em nossa região. A maioria ocorre em áreas tropicais e muitas
são mortíferas. Embora muitas serpentes possuam glândulas de
A intoxicação por esse grupo de drogas revela sintomatologia veneno, no Mato Grosso do Sul há apenas três tipos de cobras com
semelhante. A vítima apresenta-se sonolenta, confusa e desorienta- veneno suficientemente forte para causar mais do que pequena irrita-
da, agressiva ou comatosa; pulso lento, pressão arterial baixa, refle- ção nos humanos:
xos diminuídos ou ausentes, pele em geral pálida e seca e pupilas  Bothrops.
reagindo lentamente à luz.  Crotalus.
Durante o atendimento, fale com a vítima, procure mantê-la  Micrurus.
acordada, reavalie-a com frequência e esteja atento para a hipoventi-
lação e os vômitos, pois ela, por ter os reflexos diminuídos, está mais 5.1.1. Gênero Bothrops
propensa a fazer broncoaspiração.
Jararaca, urutu, cruzeira, cotiara, jararacuçu, etc.
4. ESTIMULANTES DO SISTEMA NERVOSO CEN- Possuem fosseta loreal ou lacrimal e escamas na extremidade
TRAL da cauda (figuras 352 e 353); de cor geralmente parda, vivem em
locais úmidos, atingindo na idade adulta o tamanho de 40 cm a 2 m.
Anfetaminas, cafeína e cocaína. Agressivas, são responsáveis por 70% dos acidentes ofídicos
Anfetaminas são utilizadas como anorexígenos (para diminui- no Estado.Seu veneno tem ação proteolítica, coagulante e hemorrá-
ção do apetite). As mais comuns são: fenfluramina (MINIFAGE gica.
AP, MODEREX AP), femproporex (DESOBESI M, LlPOMAX Pode haver manifestações locais (edema, eritema, dor) de ins-
AP), Mazindol (ABSTEN PLUS, DASTEN AFINAN, FAGOLI- talação precoce e caráter evolutivo, com aparecimento de equimose,
PO, MODERAMINA). bolhas, sangramento no local da picada e necrose (figuras 354 e
355). Nos acidentes causados por filhotes, as manifestações locais
4.1. Sinais e sintomas podem estar ausentes.
Como manifestações sistêmicas (gerais) pode-se observar:
Distúrbios digestivos (náusea, dor abdominal e diarréia), sudo-
náuseas, vômitos, sudorese, hipotermia, hipotensão arterial, choque,
rese, hipertermia, rubor facial e taquipnéia. Seguem-se distúrbios
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274 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 26 — Intoxicações Exógenas, Envenenamentos e Acidentes com Animais Peçonhentos

hemorragias a 5.1.3. Gênero


distância Micrurus
(epistaxes, san-
gramento gengi- Refere-se ao
val, digestivo, grupo das corais
hematúria) e verdadeiras (figura
i n sufi ci ên ci a 358). São serpen-
renal aguda. tes peçonhentas
que não possuem
Figs. 352 e 353: Jararaca-da-Amazônia (Bothrops atrox). Note a fosseta loreal, um orifício entre o olho e a narina. fosseta loreal (isto
5.1.2. Gênero é uma exceção) nem um
Crotalus aparelho inoculador de
veneno tão eficiente
Refere-se ao grupo quanto o de jararacas e
das cascavéis. Sua carac- cascavéis. São cobras
terística mais importante pequenas, não são capa-
é a presença de guizo ou zes de abrir muito a
chocalho na ponta da boca, em comparação
cauda. Possuem fosseta com as serpentes maio-
loreal, atingem na idade res, e precisam mastigar
adulta até 1,6 m de com- para fazer com que o
primento, vivem em veneno penetre. O vene-
lugares secos, regiões no é inoculado através
pedregosas e pastos. de presas pequenas e
Menos agressivas que as fixas.
jararacas, são responsá- Padrão de cor: ver-
veis por 11% dos aci- melho (ou alaranjado),
dentes ofídicos no Esta- branco (ou amarelo) e
do, que costumam ser Figs. 354 e 355: Acidente botrópico. Note o edema e a formação de bolhas no pé picado da vítima e necrose na perna. preto.
de maior gravidade. Habitam preferencialmente buracos, tornando os acidentes
Seu veneno possui ação neurotóxica, miotóxica (lesão da mus- raros, mas muito graves, pela característica de seu veneno de provo-
culatura esquelética) e coagulante, causando manifestações muitas car parada respiratória.
vezes pouco intensas: edema e parestesias discretas, pouca dor. O veneno deste gênero possui elevada toxicidade neurotóxica
Manifestações sistêmicas: cefaléia, náusea, vômito, dor abdo- e miotóxica. Os acidentes com este gênero de ofídios geralmente
minal, prostração, sonolência; diplopia (visão dupla), visão turva, não causam manifestações locais significativas, porém são graves as
midríase, ptose palpebral (“queda da pálpebra”) (figura 357), dificul- sistêmicas: vômi-
dade para deglutir, mialgias (dores musculares) e urina escura. tos, salivação,
ptose palpebral,
sonolência, perda
de equilíbrio,
fraqueza muscu-
lar, midríase,
paralisia flácida
que pode evoluir,
comprometendo a
musculatura res-
piratória, com
apnéia e insufici-
ência respiratória
aguda. Todos os
casos devem ser
c on s i d er a d os
Fig. 356: Cascavel (Crotalus Durissus). Note o guizo ou chocalho na ponta da cauda. graves.
Fig. 357: Acidente crotálico. Note a dificuldade da vítima em
manter os olhos abertos (ptose palpebral).
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Diretoria de Ensino e Instrução 275
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 359: Urticária alérgica.


Fig. 358: Coral-verdadeira (Micrurus Frontalis).
4. Choque elétrico. Foi demonstrado que o choque elétrico,
5.1.4. Tratamento aplicado na cobra ou na picada, é totalmente ineficaz e jamais deve
ser usado.
Picadas de cobra não são tão raras quanto se poderia pensar. 5. Compressas frias. Foi demonstrado que as compressas frias
Isto é ainda mais complicado pela variedade de tratamentos pré- aumentam a lesão tecidual das picadas de cobras e não devem ser
hospitalares tentados pelos pacientes, pelos circunstantes ou, às ve- usadas.
zes, pelo pessoal do SME. O único tratamento que se mostrou ser 6. Imobilização (talas), torniquetes arteriais ou venosos, cons-
eficaz para picadas de cobras com envenenamento é o soro antiofídi- tritores linfáticos ou ataduras elásticas. Embora amplamente reco-
co, que é muito caro e por isso não é levado rotineiramente nos kits mendados, nenhum destes tratamentos demonstrou ser efetivo e
de primeiros socorros. Na verdade, o único tratamento comprovada- pode piorar a lesão local da área da picada.
mente útil “na rua” é o transporte para o hospital. Além disso, lave o local da picada com água e sabão e não
A primeira coisa a fazer para tratar uma picada de cobra é pro- coloque outros produtos sobre a lesão.
curar sinais de envenenamento. Só uma fração das picadas de víbo-
ras realmente resulta em envenenamento (foi injetado veneno), e os 5.2. Abelhas
sinais de envenenamento são bastante claros. Embora os sinais e
sintomas do envenenamento usualmente se desenvolvam dentro de A picada mais disseminada, comum e mortal é a da abelha de
poucos minutos, às vezes eles são retardados por 6 a 8 horas ou tal- mel comum, pelo menos para os que são alérgicos. A maioria das
vez ainda mais tempo, de modo que partir para o hospital depois de reações a picadas de abelha é intensa (ainda que breve): dor local e,
uma suspeita de picada de cobra é uma medida apropriada. em alguns casos, edema e rubor locais durante 1 ou 2 dias; estas
Os tratamentos a seguir foram recomendados, mas não são últimas reações são diretamente relacionadas a toxinas injetadas e
apoiados pela literatura: não uma indicação de alergia.
1. Repouso. Algumas recomendações insistem em que aqueles Alguns que são picados progredirão dentro de alguns minutos
que foram picados devem sempre evitar esforço. Se a vítima puder para uma reação alérgica generalizada. Esta pode variar de urticária
ser carregada, isso é ideal. Entretanto, se aguardar um transporte for a uma reação anafilática completamente manifesta. Embora o espec-
retardar a chegada da vítima ao hospital, a vítima deve andar com tro exato da reação alérgica dependa do conteúdo da toxina injetada
qualquer auxílio que possa ser prestado. (que varia entre as muitas espécies de abelhas e vespas) e da história
2. Capturar a serpente e levá-la para o hospital. Há inúmeros alérgica do paciente, um ou mais dos seguintes é usualmente visto:
relatos de circunstantes que tentaram pegar uma serpente suposta-
mente venenosa e foram picados durante a tentativa. Um único soro  Urticária (placas) (figura 359).
é usado para todos os venenos de víboras domésticas, e o tratamento  Edema dos lábios.
é baseado no grau clínico de envenenamento, dependendo dos sinais  Rouquidão ou estridor.
e sintomas prévios. Portanto, identificar uma serpente doméstica é  Falta de ar.
de pouca importância, em comparação com os perigos de tentar  Dor abdominal, vômito ou diarréia.
capturar a cobra. Uma fotografia digital da serpente poderia ser útil,  Taquicardia ou bradicardia.
mas a identificação não vale o risco de mais uma picada.  Queda da pressão arterial.
3. Sucção. Foi demonstrado que a sucção, com ou sem corte, é
 Síncope.
inútil para uma picada de cobra venenosa. Os kits para picadas de
 Choque hipovolêmico franco.
cobra que têm aparelhos de sucção devem ser deixados de fora de
todos os kits de primeiros socorros e nunca devem ser usados. Não
Quem tem história de reação generalizada a uma picada está
se deve efetuar cortes, principalmente com objetos cortantes não
mais propenso a ter outra reação generalizada à picada seguinte.
esterilizados.
Entretanto, o veneno das diferentes espécies varia o suficiente para
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276 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 26 — Intoxicações Exógenas, Envenenamentos e Acidentes com Animais Peçonhentos

que, apesar de uma história de alergia generalizada no passado, um


paciente possa não ter nenhuma reação generalizada à próxima pica-
da.
Um paciente com urticária leve depois de uma picada prova-
velmente evoluirá bem. Se um paciente com placas de urticária de-
pois de uma picada progredir para anafilaxia “real”, entretanto, o
melhor sinal precoce é rouquidão. A principal causa de morte por
alergia a picada de abelha é a obstrução de vias aéreas, por edema, e
a rouquidão geralmente é o primeiro sinal de edema de vias aéreas.
Qualquer paciente com uma reação generalizada a uma picada de Fig. 360: Aranha Marrom.
abelha necessita de tratamento imediato. seas, vômitos, urina escura (cor de lavado de carne), anúria e insufi-
As intervenções de suporte básico da vida (SBV) envolvem ciência renal aguda.
manter o paciente na horizontal ou com as pernas um pouco eleva- O tratamento consiste em anti-sepsia, curativo local, compres-
das, efetuando tratamento-padrão das vias aéreas e aplicando oxigê- sas frias; medidas de suporte e soroterapia específica.
nio.
Uma intervenção simples, porém útil, consiste em remover 5.3.2. Aranha Armadeira (Phoneutria)
adequadamente um ferrão espetado. Embora apenas uma pequena
fração das picadas de abelha possua um ferrão espetado, frequente- Muito agressiva, encontrada em bananeiras, folhagens, entre
mente são necessárias boa visão e boa luz, ou uma lente de aumento madeiras e pedras empilhadas e no interior das residências. Tem
para ver o ferrão, e a remoção inadequada pode ser mortal. Espremer coloração marrom escura com manchas claras e atingem 12 cm de
um ferrão incluso com uma pinça, alicate ou tenaz pode espremer diâmetro (figura 361).
ainda mais veneno na pele. Em vez disso, usar um cartão de crédito Nos acidentes com as armadeiras, predominam as manifesta-
ou cuidadosamente raspar com uma lâmina de bisturi pode conse- ções locais. A dor é imediata e em geral intensa, podendo irradiar
guir remover o ferrão sem espremer mais veneno para dentro da para a raiz do membro acometido. Ocorrem edema, eritema, pares-
pele. tesia e sudorese no local da picada, onde podem ser encontradas
É importante remover os ferrões inclusos logo que possível; o duas marcas em forma de pontos. Especialmente em crianças, regis-
saco de veneno continua a espremer veneno mesmo depois que a tram-se sudorese, náuseas, vômitos, hipotensão e choque.
abelha saiu voando. Tratamento suportivo e sintomático; nos casos mais graves,
As principais medicações para tratar picadas de abelha são: está indicada a soroterapia específica.

1. Epinefrina (adrenalina). Embora a epinefrina atue apenas


por alguns minutos, ela pode salvar a vida.
2. Anti-histamínicos (p.ex., difenidramina [Benadryl]). Qual-
quer pessoa que necessite de epinefrina para alergia por picada de
abelha deve receber um anti-histamínico.
3. Esteróides (p.ex., prednisona). A maioria das pessoas que
necessitam de epinefrina também precisa de esteróides.

5.3. Aranhas Fig. 361: Aranha Armadeira.

5.3.3. Tarântula (Scaptocosa Lycosa)


5.3.1. Aranha Marrom (Loxosceles)
Causa acidentes leves sem necessidade de tratamento específi-
Pequena (4 cm), pouco agressiva, de hábitos noturnos; encon- co. Aranha pouco agressiva, com hábitos diurnos, encontrada à beira
trada em pilhas de tijolos, telhas e no interior das residências, atrás de de barrancos, em gramados, jardins e residências. Não faz teia.
móveis, cortinas e eventualmente nas roupas (figura 360).
A picada ocorre em geral quando a aranha é comprimida con-
tra o corpo (ao vestir-se ou ao deitar-se), não produzindo dor imedia-
ta. A evolução é mais frequente para a forma “cutânea”, evoluindo
para eritema (vermelhidão), edema e dor local (6 a12 h); entre 24 h e
36 h aparece um ponto de necrose central (escuro) circundado por
um halo isquêmico (claro) – lesão em alvo; até 72 h, febre, mal-estar
e ulceração local.
Na forma “cutâneo-visceral” (mais grave), além do quadro
acima, entre 12 h e 24 h após a picada, surgem febre, cefaléia, náu-
Fig. 362: Tarântula.

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Diretoria de Ensino e Instrução 277
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Sintomas: geralmente ausentes; pode haver pequena dor local,


com possibilidade de evoluir para necrose.
Tratamento: analgésico, não necessitando de tratamento espe-
cífico.

5.3.4. Caranguejeira (Mygalomorphae)

Aranha grande, peluda, agressiva e de hábitos noturnos; en-


contrada em quintais, terrenos baldios e residências (figura 363).
Quando ameaçada ou manipulada, esfrega suas patas posterio-
res no abdome e lança pêlos com farpas em grande quantidade ao
seu redor, provocando irritação da pele e alergia. Não há tratamento
específico. Acidentes pouco frequentes.
Essas aranhas atingem grandes dimensões e algumas são mui-
Fig. 364: Escorpião amarelo (Tityus Serrulatus).
to agressivas; possuem ferrões grandes, responsáveis por ferroadas
dolorosas. marrom-esverdeada ou marrom-amarelada, com listas longitudinais
Tratamento: anti-histamínico via oral, se necessário. Não ne- castanho-escuras.
cessitando-se de tratamento específico. Também conhecidas como lagartas de fogo e oruga, vivem
durante o dia agrupadas nos troncos de árvores, onde causam aci-
dentes pelo contato com seus espinhos.
A vítima pode apresentar dor local em queimação, seguida de
vermelhidão e edema.
A seguir surgem cefaléia, náuseas e vômitos, artralgias. Após
8 a 72 horas, podem surgir manifestações hemorrágicas, como man-
chas pelo corpo, sangramentos gengivais, pelo nariz, pela urina e por
ferimentos recentes; os casos mais graves podem evoluir para insufi-
ciência renal e morte.
O soro específico ainda não está disponível.
Tratamento suportivo e sintomático; no local, aplique com-
pressas frias de solução fisiológica.

Fig. 363: Aranha Caranguejeira.

5.4. Escorpiões

Pouco agressivos, os escorpiões têm hábitos noturnos. Picam


com a cauda, medem de 6 a 8 cm, escondem-se durante o dia sob
cascas de árvores, pilhas de madeira, cercas, pedras, troncos, dentro
de residências, etc. (figura 364).
Existem diversas espécies, mas somente o gênero Tityus tem
interesse médico. A vítima apresenta dor local de intensidade variá-
vel (podendo ser insuportável), em queimação ou agulhada e com
irradiação; pode ocorrer sudorese e piloereção no local.
Manifestações sistêmicas: lacrimejamento, sudorese, tremores,
espasmos musculares, priapismo, bradicardia e hipotensão. Podem Fig. 365: Taturana. Os casos mais graves podem levar ao óbito.
ocorrer arritmias cardíacas, edema agudo de pulmão e choque.
O tratamento inclui medidas gerais e soroterapia específica.

5.5. Insetos

As lagartas (Lonomia), também chamadas de taturanas, são


larvas de mariposas, medem de 6 a 7 cm e possuem o corpo revesti-
do de espinhos urticantes que contêm poderosa toxina. Sua cor é

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278 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 27
Emergências Clínicas e Psiquiátricas

E ste capítulo expõe noções básicas sobre algumas


situações clínicas que mais frequentemente po-
dem ser encontradas na prática dos socorristas, e também situações
em que, além da responsabilidade de aplicar as técnicas de aborda-
1.2. Angina de Peito

Situações de estresse emocional ou esforço físico fazem com


que o coração trabalhe mais, exigindo maior fluxo de sangue pelas
artérias coronárias para suprir o músculo cardíaco. Quando as arté-
gem e atendimento corretas à vítima, se vê forçado a restabelecer o rias coronárias se estreitam pela arteriosclerose, não são capazes de
equilíbrio emocional e social das pessoas envolvidas no incidente. suprir o aumento da demanda de sangue pelo músculo cardíaco. O
miocárdio, privado de oxigênio, faz o paciente sentir dor. É a angina
1. DOENÇAS CARDIOVASCULARES pectoris ou dor no peito.

As doenças cardiovasculares ocupam a primeira causa geral 1.3. Sinais e Sintomas


de mortalidade em nosso meio. Mais de 250.000 brasileiros morrem
por ano em decorrência principalmente do infarto agudo do miocár- Dor torácica retroesternal ou precordial (às vezes, desconfor-
dio (IAM). Cinquenta por cento das vítimas morrem antes de chegar to), desencadeada por esforço físico, estresse, refeição volumosa ou
ao hospital, nas primeiras duas horas após o início dos sintomas. exposição a temperaturas muito frias. A dor pode irradiar-se para
Assim, a morte súbita por ataque cardíaco (PCR – parada cardiorres- membros superiores, ombros, mandíbula e porção superior do abdo-
piratória) é a emergência clínica mais importante nos dias de hoje. me. Raramente ultrapassa dois a cinco minutos, desaparecendo com
Não raro, o socorrista se depara com vítima de trauma que repouso e uso de vasodilatador sublingual.
desencadeou quadro de insuficiência coronariana (angina ou IAM)
durante o atendimento, ou atende caso de PCR de causa clínica. É 1.4. Atendimento de Emergência no Pré-hospitalar
fundamental saber identificar sinais e sintomas que possam sugerir
uma situação de emergência clínica e as medidas a serem tomadas.  Confortar e acalmar o paciente.
 Mantê-lo em repouso, em posição confortável.
1.1. Doença Coronariana  Informar-se sobre o uso do vasodilatador sublingual e se o
tem.
O coração tem seus próprios vasos sanguíneos para suprir a  O transporte deve ser feito sem sirene, devagar e monito-
intimidade do músculo cardíaco de O2 e nutrientes e remover CO2 e rando sinais vitais.
outros detritos. É o sistema coronariano (artérias e veias coronárias).
Denominamos o músculo cardíaco de miocárdio. Para que o mio- 2. INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO (IAM)
cárdio desempenhe de forma eficiente sua função de bomba, é fun-
damental que o sangue oxigenado alcance a intimidade do seu teci- Condição em que ocorre necrose (morte) de parte do miocár-
do. dio como resultado da falta de oxigênio. Isso acontece por estreita-
Quando as artérias coronarianas estão prejudicadas na sua mento ou oclusão da artéria coronária que supre de sangue a região.
função de transportar sangue, o suprimento de O2 para o miocárdio é O IAM é a causa mais frequente de morte súbita (50% das mortes
reduzido; como consequência, sua função de bomba estará compro- ocorrem nas primeiras horas); muitas dessas vítimas poderiam ser
metida. salvas com medidas prontas e relativamente fáceis (manobras de
Ao processo lento e gradual de oclusão dos vasos sanguíneos RCP). Daí a importância de identificar precocemente o IAM.
chamamos arteriosclerose (causa mais frequente de angina). Na fase A causa principal do IAM é a arteriosclerose das coronárias,
inicial da arteriosclerose , ocorre deposição de gordura na parede dos que pode ser desencadeada por esforço físico, situação de estresse,
vasos, estreitando sua luz. Conforme o tempo passa, um depósito de fadiga, mas também no repouso. A principal complicação do IAM é
cálcio vai endurecendo a parede do vaso, e o fluxo de sangue no a alteração do ritmo cardíaco. Drogas, como a cocaína, podem pro-
vaso fica reduzido. A irregularidade da superfície provoca adesão de vocar IAM por espasmo do vaso.
plaquetas circulantes formando um trombo. Este pode alcançar ta-
manho tal que oclui completamente a luz do vaso, ou quebrar-se e 2.1. Sinais e Sintomas
transformar-se em êmbolo (trombo circulante), que causa a obstru-
ção do vaso mais à frente. Quando isso ocorre, os tecidos que depen- Dor torácica de forte intensidade, prolongada (30 minutos a
dem desse fluxo de sangue, privados de oxigênio, acabam morren- várias horas), que localiza-se atrás do esterno e irradia-se para o
do. Quando esse processo ocorre nas artérias coronárias, chamamos membro superior, ombro, pescoço, mandíbula, etc. Geralmente o
de doença coronária, que se resume no baixo suprimento de sangue repouso não alivia a dor; falta de ar; náusea, vômitos, sudorese fria;
ao miocárdio. Inclui a angina de peito e o IAM.
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

vítima ansiosa, inquieta, com sensação de morte iminente; alteração (preferencialmente cabeceira elevada a 45º) ao hospital.
do ritmo cardíaco – bradicardia, taquicardia, assistolia, fibrilação
ventricular. Na evolução, a vítima perde a consciência e desenvolve 4. SÍNCOPE
choque cardiogênico.
Caracteriza-se por qualquer tipo de perda de consciência de
2.2. Atendimento de Emergência no Pré-hospitalar curta duração que não necessite manobras específicas para a recupe-
ração. O termo lipotimia tem sido utilizado para designar episódio
 Assegurar vias aéreas. de perda incompleta de consciência. A causa fundamental da sínco-
 Tranquilizar a vítima – abordagem calma e segura pe é a diminuição da atividade cerebral, podendo ser classificada
(objetiva diminuir o trabalho do coração). em:
 Mantê-la confortável, em repouso absoluto. Não permitir
seu deslocamento. 4.1. Síncope Vasogênica
 Administrar oxigênio.
 Examinar sinais vitais com freqüência. Mais frequente, acontece devido à queda súbita da PA, por
 Monitorização cardíaca. causa emocional, dor súbita, esforço físico, ambiente lotado, cena de
 Saturação de oxigênio (oxímetro de pulso). sangue, calor excessivo, etc.
O episódio sincopal surge geralmente quando a vítima está em
 Conservar o calor corporal.
pé. O paciente pode apresentar-se pálido, frio, com respiração suspi-
 Transporte imediato, de forma cuidadosa, calma, sem
rosa; após alguns minutos, ocorre tontura, visão embaraçada e súbita
sirene, com o objetivo de não aumentar a ansiedade do paciente,
perda de consciência.
para hospital equipado com serviço coronariano.
 Em vítima inconsciente por PCR, iniciar manobras de
4.2. Síncope Metabólica
RCP e comunicar imediatamente o médico regulador (caso disponí-
vel). Se desenvolver choque (hipotensão), aplicar os cuidados de
Quando a causa é por alteração metabólica, como diabete ou
emergência para choque cardiogênico.
hipoglicemia.

3. DISPNÉIA
4.3. Síncope Neurogênica

O termo dispnéia significa respiração difícil. Não é uma doen-


Agressão direta ao encéfalo, como em trauma, intoxicações
ça primária, mas surge como consequência de condições ambientais,
exógenas ou hipertensão intracraniana.
trauma e doenças clínicas, como, por exemplo, obstrução das vias
aéreas por corpo estranho, doenças pulmonares (bronquite crônica e
4.4. Atendimento de Emergência no Pré-hospitalar
enfisema), condições cardíacas, reações alérgicas, pneumotórax,
asma brônquica, etc.
 Mantê-lo deitado, preferencialmente com a cabeça abaixo
Em qualquer das situações em que algo impeça o fluxo de ar
do corpo; se estiver deitado, elevar-lhe os membros inferiores mais
pelas vias aéreas, o paciente aumenta a frequência e a profundidade
ou menos 20 cm; manter a vítima nessa posição por alguns minutos
da respiração. A dificuldade em suprir de oxigênio a circulação pul-
após recuperar-se.
monar desencadeia hipóxia. Logo, o paciente pode estar cianótico,
 Se estiver em local mal ventilado ou ambientes lotados,
forçando os músculos de pescoço, tórax e abdome (em criança ob-
providenciar a remoção para outro mais apropriado.
serva-se batimento da asa do nariz). Conforme haja agravamento do
 Liberar vestimentas apertadas.
quadro, o paciente desenvolve parada respiratória ou apnéia, incons-
ciência e parada cardíaca.  Não dar nada para o paciente comer ou beber.
 Informar-se sobre a história da vítima (doenças, medica-
3.1. Atendimento de Emergência no Pré-hospitalar mentos utilizados,etc.), reportá-la à equipe médica intra-hospitalar.

Quando não se trata de trauma, pode ser difícil para o socorris- 5. COMA
ta identificar a causa exata do problema. Informe-se junto ao pacien-
te, à família e observe o ambiente ao redor. Medicamentos utilizados As alterações do nível de consciência variam de uma confusão
são bons indícios para definir a causa. Repassar de imediato as infor- mental até coma profundo. Na prática, é útil classificar em subcate-
mações ao médico regulador. gorias pacientes com alteração do nível de consciência de acordo
 Mantenha a abertura das vias aéreas. com o estágio em que ele se encontre, sendo importante registrar as
 Administre oxigênio somente com autorização médica, respostas do paciente aos vários estímulos realizados. As subcatego-
rias de alteração do nível de consciência são:
obedecendo à concentração indicada (oxigênio em alta concentração
é prejudicial em doenças pulmonares crônicas).  Confusão – incapacidade de manter uma linha de pensa-
mento ou ação coerente com desorientação no tempo e no espaço.
 Transporte o paciente em posição confortável
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280 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 27 — Emergências Clínicas e Psiquiátricas

 Sonolência – dificuldade de manter-se em alerta. 6. ACIDENTES VASCULARES ENCEFÁLICOS (AVE)


 Estupor – dificuldade de despertar, resposta incompleta aos
estímulos dolorosos e verbais. Com respostas motoras adequadas. Trata-se de uma desordem do sistema cardiovascular, causada
 Coma superficial – respostas motoras desorganizadas aos por oclusão ou ruptura de um dos vasos que suprem o cérebro de
estímulos dolorosos, não apresenta resposta de despertar. sangue. Embora ocorram predominantemente nas pessoas mais
 Coma profundo – completa falta de resposta a quaisquer idosas, frequentemente surpreendem jovens, comprometendo sua
estímulo. capacidade laborativa. Apresentam-se de duas formas:
As principais causas de alteração de consciência são divididas
em: 6.1. Acidente Vascular Isquêmico
Primárias do cérebro:
 Trauma. O vaso pode ser obstruído por um trombo ou êmbolo, ou sua
 Doença cerebrovascular – AVE. luz comprimida por um tumor ou trauma. Como resultado, a função
de parte do cérebro que depende do sangue oxigenado será afetada.
 Infecções (meningites, encefalites, etc.).
A causa mais frequente é a arteriosclerose encefálica.
 Neoplasias.
 Convulsões.
6.2. Acidente Vascular Hemorrágico

Sistêmicas ou secundárias:
Ruptura da parede de um vaso sanguíneo provocando hemor-
 Metabólicas (hipoglicemia, cetoacidose diabética, distúrbio
ragia encefálica. Parte do cérebro ficará comprometida pela falta
do cálcio, etc.).
de oxigênio e poderá haver aumento da pressão intracraniana.
 Encefalopatias hipóxicas (insuficiência cardíaca congesti- Essa situação é de maior gravidade pelo riso de compressão de
va, doença pulmonar obstrutiva, etc.). áreas cerebrais responsáveis pelas funções vitais.
 Intoxicações (drogas, álcool, monóxido de carbono, etc.).
 Causas físicas (insolação, hipotermia). 6.3. Sinais e Sintomas
 Estados carenciais.
Dependem do vaso lesado e da importância funcional da área
No atendimento a uma vítima inconsciente o socorrista deve cerebral envolvida. Podem surgir:
proceder de forma ordenada e sistemática monitorando os sinais  Cefaléia, tontura, confusão mental.
vitais no sentido de impedir a progressão da lesão neurológica.  Perda de função ou paralisia de extremidades (geralmente
Colher uma história rápida – doenças prévias, medicações, de um lado do corpo).
alcoolismo, uso de drogas, trauma, etc.  Paralisia facial (perda de expressão, geralmente de um lado
Realizar exame físico com atenção especial aos seguintes da face, com defeito na fala).
aspectos:
 Anisocoria, pulso rápido, respiração difícil, convulsão,
Sinais vitais:
coma.
 Pele – sinais de trauma, de picadas de agulha, insuficiência
Os casos podem ser súbitos e fugazes (recuperação espontâ-
vascular. nea) ou mais graves, confirmando a extensão do comprometimento
 Cabeça – sinais de trauma craniano, rigidez de nuca. cerebral.
 Hálito – alcoólico, diabético, etc.
6.4. Atendimento de Emergência no Pré-hospitalar
Exame neurológico – avaliar nível de consciência, pupilas,
escala de coma de Glasgow.  Assegurar abertura e manutenção de vias aéreas.
 Tranquilizar o paciente e mantê-lo em repouso.
5.1. Atendimento de Emergência no Pré-hospitalar
 Monitorar sinais vitais.
 Reavaliar nível de consciência e escala de Glasgow.
 Manter vias aéreas pérvias – cânula de Guedel.
 Não administrar nada via oral.
 Manter a vítima confortável, em repouso absoluto.
 Mantê-lo aquecido.
 Conservar o calor corporal.
 Administrar O2.
 Transporte imediatamente, de forma cuidadosa, ao hospital
 Transportar ao hospital.
previamente avisado da chegada da vítima. Se não houver evidência
de trauma, transportar a vítima em decúbito lateral.
7. CRISE CONVULSIVA
 Reporte à equipe médica intra-hospitalar a história com os
dados vitais da vítima.
A convulsão é uma desordem cerebral. Durante breve período
de tempo, o cérebro deixa de funcionar normalmente e passa a envi-
ar estímulos desordenados ao resto do corpo, iniciando as crises

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

convulsivas, conhecidas popularmente por ataques. coço livre de qualquer coisa que o incomode.
A convulsão é um sintoma comum em uma população em  Girar-lhe a cabeça para o lado. Visando a que a saliva não
geral e em países em desenvolvimento pode chegar a 50 casos a dificulte sua respiração – desde que não haja qualquer suspeita de
cada 1.000 habitantes. trauma raquimedular.
Ela é mais comum na infância, quando é maior a vulnerabili-  Não introduzir nada pela boca, não prender a língua da
dade a infecções do sistema nervoso central (meningite), acidentes vítima com colher ou outro objeto (não existe perigo algum de o
(traumatismos do crânio) e doenças como sarampo, varicela e ca- paciente engolir a própria língua).
xumba, cujas complicações podem causar crises epiléticas.  Não tentar fazê-lo voltar a si, lançando-lhe água ou obri-
Traumatismo crânio encefálico, infecções, parasitoses, mal gando-o a tomá-la.
formações e tumores cerebrais e abuso de drogas e álcool são as  Não o agarre na tentativa de mantê-lo quieto. Não se opo-
causas mais comuns de convulsão em adultos. nha aos seus movimentos, apenas o proteja de traumatismos.
Quando a vítima apresenta crises convulsivas repetidas ao  Ficar ao seu lado até que a respiração volte ao normal e ele
longo de sua vida caracteriza-se então por uma doença denominada se levante.
epilepsia, que não é contagiosa.  Se a pessoa for diabética, estiver grávida, machucar-se ou
Às vezes, a pessoa com epilepsia perde a consciência, mas estiver doente durante a crise, transporte-a ao hospital.
outras experimentam apenas pequenos movimentos corporais ou
sentimentos estranhos. Se as alterações epiléticas ficam restritas a 7.3. Falsas Crises e Crises Provocadas por Modificações
uma parte do cérebro, a crise chama-se parcial; se o cérebro inteiro Fisiológicas
está envolvido, chama-se generalizada.
Todas as pessoas podem apresentar crises que se assemelham
7.1. Manifestações Clínicas às descritas anteriormente mas que não têm nada a ver com convul-
sões.
Existem várias formas de manifestações clínicas das crises O socorrista deve estar atento a essas pseudo-crises que têm
convulsivas e a mais importante no aspecto de atendimento de emer- uma origem em alterações emocionais e são desencadeadas por um
gência são as crises generalizadas tônico clônicas. desejo consciente ou inconsciente de mais atenção e cuidados.
A convulsão pode ou não ser precedida de algum sintoma que Quando se analisa com cuidado o passado recente e remoto dessas
avisa que ela está se iniciando. Logo a seguir, a crise se inicia com a pessoas (incluindo crianças), frequentemente existe história de abu-
perda súbita de consciência e enrijecimento (fase tônica) do corpo so, negligência ou conflitos muito intensos nas relações interpesso-
seguido por movimentos tipo abalos (fase clônica) das quatro extre- ais. Muitas vezes, essas falsas crises são muito parecidas com crises
midades, face e cabeça. Durante a crise a vítima pode apresentar verdadeiramente epilépticas e é necessário o atendimento por um
queda e se ferir, morder a língua ou ter perda de urina. A convulsão especialista para fazer um diagnóstico certeiro.
demora em média três a cinco minutos e é seguida por um período
de inconsciência. A consciência é recuperada aos poucos e o pacien- 8. DIABETES MELLITUS
te pode apresentar cefaléia, vômitos e confusão mental.
Outro tipo comum de epilepsia é o “pequeno mal” ou “crise Todas as células do organismo necessitam de glicose (açúcar)
de ausência”, quando a pessoa fica com o olhar fixo por alguns ins- para a produção de energia. A circulação sanguínea distribui esse
tantes, sem se lembrar depois daquele desligamento. Existem vários açúcar para as células, entretanto, para que possa entrar no interior da
outros tipos de crise mas sem importância no atendimento pré- célula é necessária a presença de insulina.
hospitalar. A insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas cuja prin-
Se as crises duram muito tempo (crises prolongadas, ou crises cipal função é permitir a entrada de glicose na célula. Caso este hor-
seguidas sem recuperação de consciência) com duração igual ou mônio esteja ausente, a glicose se acumula na circulação e a célula
superior a 30 minutos, se caracterizam uma emergência clínica po- sem seu “combustível”, rapidamente sofre danos irreversíveis. As
dendo nesse caso haver risco de morte e a vítima deverá ser encami- células do sistema nervoso (neurônios) são muito sensíveis à falta de
nhada ao hospital imediatamente pois poderá ocorrer dano ao cére- glicose e são as primeiras a sofrerem danos com sua ausência.
bro; são as chamadas crises subentrantes ou estado de mal epilépti-
co. Porém, a maioria das crises não provoca dano algum, pois são de 8.1. Definição
curta duração e auto-limitadas.
Diabete é uma doença de evolução crônica em que o organis-
7.2. Atendimento de Emergência no Pré-hospitalar mo é incapaz de utilizar a glicose para produção de energia por dimi-
nuição ou ausência de insulina. Sem a insulina, a glicose não entra
 Manter-se calmo e procurar acalmar os demais. na célula, se acumulando na circulação e, como consequência, ocor-
 Colocar algo macio sob a cabeça da vítima protegendo-a. re um aumento do volume urinário na tentativa de eliminar o exces-
 Remover da área objetos que possam causar-lhe ferimento. so de açúcar da corrente sanguínea. Esta reação é a principal respon-
 Afrouxar gravata ou colarinho de camisa, deixando o pes- sável pelos sintomas principais do diabete, a saber: polidipsia (sede

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282 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 27 — Emergências Clínicas e Psiquiátricas

intensa), poliúria (aumento do volume de urina) e fadiga facial com 8.7. Atendimento de Emergência no Pré-hospitalar
diminuição de capacidade de trabalho.
Entre as complicações do diabete, a acidose, o coma diabético  Obter informações da história clínica da vítima.
e a hipoglicemia — choque insulínico constituem as mais graves,  Vítimas conscientes – administrar açúcar (suco ou água
requerendo tratamento imediato e geralmente caracterizam o des- com açúcar).
controle da doença em sua expressão máxima.  Vítimas com alteração da consciência ou inconscientes –
não fornecer nada via oral.
8.2. Acidose e Coma Diabético  Administrar oxigênio.
 Decúbito lateral no caso de vômito.
Uma vês que a célula não pode utilizar a glicose para produ-  Transporte imediato para o hospital.
ção de energia, ela busca outra fonte de energia — a gordura. Entre-
tanto, esta não é tão eficiente quanto a glicose, além de produzir 9. ABDOME AGUDO
resíduos ácidos. Essa situação de acidose orgânica, caso não corrigi-
da de imediato, leva ao coma diabético, situação grave que necessita Doença de elevada incidência que, às vezes, acarreta proble-
de atendimento de emergência. mas e sérias dificuldades com relação ao diagnóstico e ao tratamen-
to, pondo em risco a vida do paciente. Isso ocorre porque as causas
8.3. Sinais e Sintomas são múltiplas, muitas até graves. Entre elas, apendicite, obstrução
intestinal, hérnia estrangulada, úlcera perfurada, gravidez ectópica,
Geralmente de evolução lenta (até dias), iniciando por polidip- inflamação da membrana da cavidade abdominal (peritonite). Pode
sia, poliúria, vômito, dor abdominal, respiração rápida e profunda, ser acompanhada de náuseas, vômitos, diarréia, pulso rápido, febre,
pulso filiforme, alteração da consciência iniciando por confusão, distensão abdominal, rigidez à palpação do abdome, sinais de cho-
estupor até coma. que, etc.

8.4. Atendimento de Emergência no Pré-hospitalar 9.1. Atendimento de Emergência no Pré-hospitalar

 Obter informações da história clínica da vítima e repassar  Colha informações sobre as características da dor (tipo,
informações à equipe médica: intensidade, localização, tempo de início) e dos sintomas associados
(febre, vômito, diarréia), repassando à equipe médica no hospital.
Se é portador de diabete;
 Mantenha a abertura das vias aéreas e esteja alerta para a
Se usa insulina e se o faz corretamente;
ocorrência de vômitos.
Condições alimentares;
 Administre oxigênio.
Uso de álcool;
 Se necessário, aplique medidas anti-choque.
Infecção recente, etc.
 Não administre nada via oral.
 Transporte ao hospital caso necessário.
 Administrar oxigênio em altas concentrações.
 No caso de vômitos, transportar a vítima em decúbito late-
10. EMERGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS
ral esquerdo.
 Transporte imediato ao hospital.
Denominamos “intervenção em crises” a atenção especial
dispensada pela equipe de socorro à vítima, a familiares, amigos ou
8.5. Hipoglicemia — Choque Insulínico
outros espectadores na cena da ocorrência, que se encontrem em
estado de crise.
Ocorre quando o nível de glicose no sangue está muito baixo.
Definimos “crise” como a incapacidade do indivíduo em lidar
Rapidamente o açúcar circulante entra nas células e não existe glico-
com o estresse por meio de mecanismos habituais. Quando se de-
se suficiente para manter o suprimento constante das células cere-
fronta com um problema novo ou insuportavelmente angustiante, o
brais. Sobrevém a inconsciência em questão de minutos.
mesmo responde com um temporário estado de desequilíbrio emo-
Entre as causas principais, o paciente diabético que usou a
cional. As reações aos diversos agentes estressores dependem da
insulina em dose maior do que a desejada ou que não se alimentou
capacidade emocional e física, variável em cada indivíduo.
adequadamente ou aquele que praticou exercício físico em excesso.
Assim definido, considera-se a crise uma situação de emer-
gência, em que a pessoa põe em risco sua própria vida, a de outras
8.6. Sinais e Sintomas
pessoas e até a da equipe de socorro, em função da desorganização
súbita ou rápida da capacidade de controlar seu próprio comporta-
São de início rápido (minutos), com tontura,cefaléia, confusão
mento.
mental e evoluindo para convulsão e coma.

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Diretoria de Ensino e Instrução 283
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

11. SITUAÇÕES MAIS FREQUENTES RESPONSABI-


LIZADAS POR PROVOCAREM CRISES

11.1. Emergências Médicas em Geral

Geralmente quando doenças ou acidentes acometem alguém


que apresente risco de morte aos olhos dos familiares. O medo e a
incapacidade de enfrentar equilibradamente a situação por parte da
vítima e familiares desencadeiam um estado de crise, que vai de
simples alterações de comportamento, como quadros de ansiedade,
agitação, apatia, até a estados mais complexos de depressão e agres-
são.
Fig. 366: Fases da crise.
11.2. Emergências Psiquiátricas
12.1. Princípios Gerais do Manejo de Crises
Pessoas com doenças mentais estabelecidas, que apresentam
atitudes extremas, como agressividade, riscos de suicídio e homicí-
Quando a avaliação e a abordagem da vítima em crise são
dio. É importante saber que este quadro psiquiátrico pode estar asso-
ciado a reações tóxicas medicamentosas, a uso ou abuso de drogas e feitas de modo habilidoso, estabelecem-se os alicerces para o êxito
álcool e a doenças orgânicas. no manejo do caso.
Ao aproximar-se, observar o paciente e aqueles que estiverem
11.3. Conflitos Emocionais com ele. Alguns sinais (linguagem corporal, p. ex.) esclarecem cer-
tos fatos. Observar também o ambiente e certificar-se de que a víti-
O paciente se apresenta ansioso, confuso e amedrontado, ex- ma e outros presentes estejam protegidos, assim como a equipe de
pressando dificuldade de enfrentar situações interpessoais (conflitos
familiares como divórcios, brigas conjugais, perda de ente querido, socorro. Ex: objeto ao alcance da vítima que possa ser utilizado co-
perda de emprego). Com frequência uma crise de ansiedade leva o mo arma. Em nenhum momento a equipe de socorro deve colocar-
paciente a buscar atendimento de emergência, muitas vezes desejan- se em perigo. Se necessário solicite apoio policial, médico, etc.
do apenas ser ouvido atentamente para acalmar-se. Coletar dados: o que aconteceu? Se é portador de doença
mental, se já teve crises anteriores, etc. Lembrar sempre que a apro-
11.4. Catástrofes, Acidentes com Múltiplas Vítimas ximação deve ser calma, porém firme, com um único socorrista
servindo de interlocutor, identificando-se de forma clara, simples e
Dependendo da magnitude do evento, há prejuízos no controle
emocional da própria equipe que está prestando socorro. São situa- declarando sua intenção de ajuda, esse é o primeiro passo para esta-
ções de estresse acentuado que exigem auto grau de iniciativa e belecer vínculo com a vítima. Mantenha-se a uma distância confor-
discernimento dos socorristas durante o atendimento. tável e segura durante a abordagem.
Como podemos observar, as crises variam quanto ao grau de Separar a vítima de outras pessoas com o objetivo de tranquili-
urgência e gravidade, indo desde um quadro de ansiedade até esta- zar o ambiente. Muitas vezes a ansiedade dos presentes dificulta a
dos de violência capazes de provocar uma reação defensiva ou atitu- abordagem e o manejo do caso. É indispensável que o interventor
de negativa por parte de socorristas não preparados, dificultando ou
tenha atitudes firmes, ordens claras e objetivas, mas não arrogantes.
impedindo a resolução do caso. Este texto não tem a pretensão de
esgotar o assunto, mas de repassar orientações básicas que incenti- Permitir que a vítima fale, ouvindo-a com cuidado. Isso é
vem na busca de novos conhecimentos e informações. fundamental para consolidar o vínculo. Mantenha contato visual
Devemos lembrar que, normalmente, a crise e a pessoa anteri- enquanto o paciente fala; preste atenção e mostre-se interessado;
ormente sadia tendem a seguir fases sucessivas, que voltam ao nor- cuidado em não emitir opiniões precipitadas; não julgue e não criti-
mal, dependendo da abordagem externa que, se adequada, pode que qualquer atitude dela; mantenha-se neutro. Comporte-se como
abreviar sua duração.
um profissional em atendimento e não em conversa informal. Dessa
12. FASES DA CRISE forma, você reassegura o paciente, fazendo-o ver que lhe está pro-
porcionando ajuda e que, mesmo o problema sendo difícil, poucos
Nas três primeiras fases, o indivíduo perde o contato com a são os realmente insolúveis.
parte adulta da sua personalidade, com tendência a apresentar um Conforme orientações médicas, informe claramente a vítima
comportamento imprevisível. Com abordagem conveniente, pode- sobre o que será feito para ajudá-la a sair da crise; assim ela se torna
se conseguir a reversão da crise. Retomando a realidade, a vergonha mais cooperativa. Mantenha contato verbal continuamente.
e o constrangimento exigem das equipes de apoio e socorro capaci-
Caso tenha que se afastar por algum momento, solicite a al-
dade para tranquilizar a vítima de modo que ela se recupere de for-
ma mais rápida e segura. gum colega que permaneça junto a ela. Como regra geral, não a
A intervenção adequada em estados de crise exige maturidade deixe sozinha nem por um instante.
e controle emocional por parte dos socorristas. Se estes não se sen- No caso em que não obtiver o controle da situação pela inter-
tem capazes para agir, devem solicitar substituição por outros cole- venção verbal, pode ser necessária a contenção física. Para isso,
gas, atitude que demonstra maturidade emocional. solicitar o apoio de outras pessoas da equipe ou espectadores que

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284 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 27 — Emergências Clínicas e Psiquiátricas

demonstrem preparo para colaborar. Se possível, promova a conten-


ção conhecida por “grupo de oito”, isto é, oito pessoas imobilizam
suavemente o paciente, contendo-o dois a dois em nível de cabeça,
ombro, quadril e pernas. Lembre-se de manter contato verbal contí-
nuo com a vítima durante a contenção, tentando acalmá-la, infor-
mando que a medida tomada se destina a protegê-la.
Transporte a vítima para o tratamento definitivo, conforme
orientação médica, da forma mais tranquila possível. Não ligue a
sirene, pois pode aumentar-lhe a ansiedade e o medo. Todos os paci-
entes violentos e os suicidas devem ser hospitalizados, mesmo que a
crise pareça ter sido controlada.
Avaliar o risco de suicídio de vítima numa emergência é tarefa
difícil. Toda tentativa de suicídio deve ser tratada com seriedade.

13. SINAIS DE ALTO RISCO DE SUICÍDIO

 História de tentativa anterior.


 Controle deficiente de impulsos.
 Uso de drogas e/ou álcool.
 Ausência de sistemas de apoio social.
 Recente perturbação familiar.

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Diretoria de Ensino e Instrução 285
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

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286 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 28
Emergências Geriátricas

C
em casa como nas ruas.
É evidente que os idosos, além de comporem uma grande
onsidera-se idosa a pessoa maior de sessenta anos parte da população, constituem uma parcela de risco, razão pela qual
de idade. No Brasil, apenas a partir da década de o socorrista deve atender as necessidades específicas do paciente
80 houve a preocupação com a pessoa idosa, coincidindo com pro- idoso traumatizado.
cesso de intensificação das desigualdades sociais.
O envelhecimento, processo normal de mudança relacionada 1. ANATOMIA E FISIOLOGIA DO ENVELHECI-
com o tempo, começa ao nascimento e continua ao longo de toda a MENTO
vida. A idade avançada é a fase final do ciclo da vida. Com uma
crescente população idosa, mais pessoas estão vivendo até uma O processo do envelhecimento determina alterações na estru-
idade muito senil, desafiando os profissionais de saúde a lidar com tura física, na composição corporal e no funcionamento orgânico, as
uma prevalência mais alta de doenças que ocorrem nessa população. quais podem determinar dificuldades para o atendimento pré-
De acordo com as projeções estatísticas da Organização Mun- hospitalar. O envelhecimento influencia diretamente o aumento das
dial da Saúde (OMS), o grupo de idosos no Brasil deverá ter aumen- taxas de morbimortalidade.
tado, até o ano de 2025, em quinze vezes, enquanto a população total O envelhecimento é um processo biológico natural, algumas
em cinco. O país ocupará assim, o sexto lugar quanto ao contingente vezes chamado de reversão biológica, começa durante os primeiros
de idosos, alcançando 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. anos e sucedem o início da vida adulta. Neste período, os órgãos e
O atendimento pré-hospitalar do idoso apresenta desafios, sistemas alcançam a maturação e funcionam completamente. A
suplantados apenas pela atenção destinada às crianças. As manifesta- partir de então gradativamente o corpo vai perdendo a capacidade de
ções súbitas de doença e o trauma apresentam dimensões diferentes manter o estado de constância relativa de equilíbrio interno
do cuidado pré-hospitalar do idoso em comparação com o atendi- (homeostase), com declínio da viabilidade por anos até a morte.
mento às pessoas mais jovens. A idade avançada geralmente é caracterizada por fragilidade,
Comparados ao restante da população, os idosos são mais processo mental mais lento, alterações de funções psicológicas, di-
suscetíveis a doenças graves e ao trauma. Em razão disso, o socorris- minuição de energia, surgimento de doenças crônicas e degenerati-
ta deve atentar para uma gama maior de complicações, durante a vas, além da diminuição da acuidade sensorial. Habilidades funcio-
avaliação e atendimento iniciais desse paciente. nais encontram-se diminuídas e surgem os conhecidos sinais e sinto-
Em se tratando de vítima idosa, a avaliação na cena do inci- mas superficiais da velhice, que são:
dente pode levar mais tempo do que em vítimas jovens, na medida
em que o idoso apresenta uma grande variedade de incapacidades. 1.1. Envelhecimento Intrínseco (dentro da pessoa)
Além disso, déficits auditivos e visuais, alterações de conduta devido
à senilidade e as modificações fisiológicas próprias da idade são Refere-se às alterações causadas pelo processo normal de
fatores que dificultam sua avaliação. envelhecimento programadas geneticamente. É o principal critério
Em consequência dos avanços na ciência médica e da adoção na distinção entre o envelhecimento normal do anormal.
de estilos de vida mais saudáveis, ocorreu um aumento da população
acima de 65 anos nas últimas décadas. Embora o trauma encontre 1.2. Alterações Extrínsecas
sua maior frequência em pessoas jovens e as emergências geriátricas
serem em geral clínicas, é crescente o número de idosos traumatiza- Resultantes de influências externas à pessoa, tais como polui-
dos. ção do ar e luz solar, os quais podem acelerar o processo de envelhe-
Recentes progressos não apenas aumentam a expectativa de cimento.
vida, mas também melhoram sua qualidade, ampliando o tipo de
atividades físicas praticadas nas idades mais avançadas. Na medida 1.3. Pele e Tegumentos
em que a população vive mais e com boa saúde, atividades como
dirigir, viajar e se exercitar aumentam a possibilidade do trauma. Perda da gordura subcutânea principalmente nas extremidades
Além disso, as decorrentes mudanças de ordem social, o número de e na elasticidade (enrugamento); as glândulas sudoríparas e sebáceas
idosos que vivem sozinhos e de forma independente ou mesmo em diminuem de atividade e número, tornando-se mais frágeis devido à
comunidades de aposentados, asilos ou em ambientes mais controla- perda de capilares; células pigmentares se hipertrofiam causando
dos e limitados, sugere um provável aumento da incidência de trau- manchas do fígado (hiper-pigmentação); o cabelo torna-se ralo e as
ma doméstico simples, como por exemplo, as quedas. raízes se atrofiam; as unhas ficam mais espessas, mais quebradiças e
Ao longo dos últimos anos tem-se ainda observado um au- com o crescimento retardado.
mento no número de idosos vítimas de crimes, que ocorrem tanto
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

1.4. Órgãos dos Sentidos 1.7. Aparelho Gastrointestinal

1.4.1. Visão As principais alterações no estômago relacionadas com a ida-


de, bem como no intestino delgado e cólon, são uma menor motili-
Diminuição da capacidade de focalizar objetos próximos; dade e peristaltismo. Diminuição na produção de secreções gastroin-
sensibilidade aos reflexos luminosos; dificuldade de ajustamento a testinais. Esvaziamento esofágico e gástrico retardado. Diminuição
alterações de intensidade luminosa; diminuição da capacidade de no número de células na superfície de absorção do intestino delgado.
distinguir cores. O fígado torna-se menor, com diminuição no peso e no fluxo san-
guíneo hepático, a função declina com a idade. A vesícula biliar fica
1.4.2. Audição com o tempo de esvaziamento maior e a bile torna-se mais espessa e
com menos volume.
Diminuição da capacidade de ouvir sons de alta frequência
(presbicusia), consoantes de alta frequência (letras f, s, ch, b, t, p) 1.8. Aparelho Músculo-esquelético
soam iguais; capacidade auditiva diminuída.
O número de células musculares e tecidos elásticos diminuem.
1.4.3. Paladar e Olfato A musculatura esquelética se atrofia e diminui em força e tamanho.
Os tecidos cartilaginosos se atrofiam e tendem a ficar amare-
Diminuição da capacidade do paladar; paladar obnubilado los. As articulações tornam-se menos móveis. A massa dos ossos
(preferência pelos salgados fortemente temperados). diminui e desmineraliza, resultando em ossos que se tornam quebra-
diços.
1.5. Aparelho Respiratório A coluna vertebral muda por inteiro com a idade pelos efeitos
da osteoporose (perda óssea) e da calcificação dos ligamentos de
É o que sofre mais mudanças com a diminuição da função. suporte. Esta calcificação causa redução da amplitude de movimen-
Caixa torácica diminui, assim como todos os músculos ligados à tos e estreitamento do canal medular, o que coloca estes pacientes
respiração. As costelas ficam menos móveis e as articulações costais em alto risco para lesões medulares, mesmo nos traumas menos
se calcificam. Menor ação dos cílios, dilatação dos bronquíolos e complexos. A coluna tóraco-lombar também degenera progressiva-
diminuição do número de alvéolos. Reflexo da tosse e sua eficiência mente e a combinação da osteoporose e alterações da postura leva ao
diminui. Essas mudanças resultam em: aumento das quedas. O socorrista deve ter alto nível de suspeita para
lesões raquimedulares durante a avaliação da vítima, pois mais de
 Menor profundidade da respiração. 50% das fraturas por compressão vertebral são assintomáticas.
 Menor ventilação.
 Menor capacidade vital.
 Menor oxigenação de todos os tecidos do corpo.

1.6. Aparelho Cardiovascular

O aparelho respiratório e o cardiovascular estão intimamente


ligados, qualquer alteração em um deles influi diretamente sobre o
outro. O músculo cardíaco torna-se mais espesso e com menor com-
placência (elasticidade). Há maior rigidez e espessamento das válvu-
las cardíacas e diminuição do retorno venoso do coração. A artéria
aorta torna-se menos elástica, alarga-se e alonga-se. A circulação
coronária diminui. A pressão sistólica geralmente aumenta até 64 Fig. 367: Curvatura da coluna.
anos e após diminui.
No idoso traumatizado, a diminuição da circulação contribui 1.9. Sistema Nervoso
para a hipóxia celular, resultando em arritmias cardíacas, insuficiên-
cia cardíaca aguda e até mesmo morte súbita. A capacidade do cor- O cérebro diminui de tamanho e peso. Ocorre uma diminui-
po de compensar perdas sanguíneas ou outras causas de choque é ção de neurotransmissores, resultando na lentidão dos reflexos. Me-
significativamente diminuída no idoso, devido a diminuição da res- nor capacidade para reagir a estímulos múltiplos.
posta de contração cardíaca. Funções intelectuais que envolvem compreensão verbal, ra-
A circulação e as respostas circulatórias reduzidas, associadas ciocínio matemático, fluência de idéias, avaliação de experiências e
a insuficiência cardíaca crescente, representa um grande problema conhecimento geral tendem a aumentar depois de 60 anos nas pes-
no tratamento do choque no idoso. soas que mantêm atividades de aprendizagem. São exceções aqueles
que desenvolvem demência senil e outras doenças, como o mal de

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288 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 28 — Emergências Geriátricas

Alzheimer. cícios.
O envelhecimento biológico normal do cérebro não é indica- As fraturas em ossos longos são responsáveis pela maior parte
dor de doença cerebral. Entretanto, as reduções estruturais do córtex das lesões, como fraturas no quadril, determinando as maiores taxas
cerebral podem estar relacionadas com disfunções mentais. À medi- de morbimortalidade. A taxa de mortalidade por fraturas de quadril
da que ocorrem alterações estruturais no cérebro, pode ocorrer com- alcança 20% no primeiro ano após o evento traumático e se eleva
prometimento da memória, mudança na personalidade e outros para 33% no segundo ano após o trauma. A mortalidade é frequen-
déficits funcionais. Ao avaliar um paciente idoso traumatizado, qual- temente secundária à embolia pulmonar e aos efeitos de diminuição
quer alteração da atividade mental deve ser considerada como decor- de mobilidade.
rente de insulto traumático agudo, como choque, hipóxia ou lesão As circunstâncias que determinam maior mortalidade devido
cerebral. às quedas estão associadas à idade avançada, permanecer muito
tempo caídos, sexo feminino, além de ocorrência de quedas anterio-
1.10. Sistema Renal res.
As consequências dividem-se em:
Redução dos níveis de filtração pelos rins (os rins diminuem  Fraturas. As mais frequentes são de rádio, úmero, pelve e
de tamanho e perdem a capacidade de concentrar urina, especial- as de quadril devido às complicações que geram.
mente à noite) e redução da capacidade de excreção. Estas alterações  Contusões e feridas. São frequentes, dores que produzem e
devem ser consideradas quando se administra drogas depuradas podem desencadear uma situação de imobilidade.
pelos rins. A perda crônica da função renal, que habitualmente é  Lesões neurológicas. Hematomas subdural, comoção e
encontrada no idoso, contribui para a deterioração da saúde geral do contusão cerebral.
paciente e sua capacidade de resistir ao trauma.  Lesões associadas a longa permanência no chão. Fator de
mal prognóstico, devido a complicações graves como a hipotermia.
1.11. Sistema Imunológico  Sequelas de imobilização. Perda de movimento – acama-
dos.
O sistema imune diminui sua habilidade de funcionar com o
envelhecimento. Com isso, ocorre a redução das respostas celulares. 3.2. Trauma por Veículos Automotores
Associada a quaisquer outros problemas nutricionais preexistentes
comuns no idoso, isto leva ao aumento da suscetibilidade a infec- As colisões envolvendo veículos automotores são as principais
ções. A sepse (infecção generalizada) é causa comum de morte tar- causas de morte na população geriátrica entre os 65 e 74 anos. Em
dia após trauma grave ou mesmo insignificantes nos idosos. colisões automobilísticas a intoxicação por álcool é raramente envol-
vida em comparação com pessoas mais jovens. Somente 6% dos
2. AVALIAÇÃO idosos com lesões fatais estão alcoolizados, comparados com 23%
nas demais faixas etárias.
A avaliação pré-hospitalar do idoso traumatizado é baseada no
mesmo método utilizado para os demais traumatizados. 3.3. Agressão e Abuso Doméstico

3. MECANISMO DO TRAUMA O idoso é altamente vulnerável ao crime, estima-se que 2 a


4% dos idosos sofram maus tratos. Das agressões denunciadas, as
3.1. Quedas mais frequentes são os maus tratos físicos, seguidos pelas agressões
verbais e pela negligência.
Os acidentes estão em sétimo lugar como causa de óbito entre As agressões violentas são responsáveis por 10% das admis-
as pessoas idosas. As quedas ameaçam a saúde e a qualidade de sões de idosos traumatizados. A necessidade de cuidado contínuo
vida. As consequências normais e patológicas do envelhecimento pode predispor uma pessoa idosa ao abuso por parte do cuidador.
contribuem para a maior incidência de quedas. As alterações visuais,
como perda de percepção de profundidade, suscetibilidade a maior 3.4. Queimaduras
intensidade da luz, perda de acuidade visual e dificuldades de aco-
modação à luz; os déficits neurológicos incluindo a perda do equilí- As mortes por queimaduras decorrem nos idosos, mais fre-
brio, do sentido de posição e tempo maior de reação aos problemas quentemente, de lesões de tamanho e gravidade menores, compara-
cardiovasculares decorrentes de hipóxia cerebral e hipotensão postu- das com as de outras faixas etárias. A taxa de morte é sete vezes
ral; as alterações cognitivas e músculo-esqueléticas. Muitos medica- maior do que em vítimas de queimaduras mais jovens.
mentos e álcool podem causar tonteiras e falta de coordenação. Em A presença de doenças pré-existentes como as doenças cardio-
relação às fraturas, os fatores de risco mais importantes são as que- vasculares e diabetes, resulta em pouca tolerância ao tratamento.
das e a redução de massa óssea. A diminuição da massa óssea deve- Colapso vascular e infecção são as causas mais comuns de morte
se a três causas: baixo pico de massa óssea na idade adulta, resultan- por queimadura.
te de fatores genéticos, ingestão insuficiente de cálcio e falta de exer-

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Diretoria de Ensino e Instrução 289
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

3.5. Lesão Cerebral Traumática idosa em razão da circulação menos eficiente; portanto não é bom
indicador de alterações circulatórias agudas nestes pacientes. Algum
Em função da atrofia cerebral, uma hemorragia subdural pode grau de redução da sensibilidade distal, motricidade e da circulação
existir com achados clínicos mínimos. O trauma crânio-encefálico das extremidades é achado comum normal nos pacientes idosos.
associado ao choque hipovolêmico resulta em taxa de mortalidade A frequência cardíaca não é bom indicador de trauma no ido-
mais alta. so em função dos efeitos de medicamentos e da inadequada resposta
do coração às catecolaminas circulantes (epinefrina). Informações
4. TRATAMENTO quantitativas ou sinais clínicos não devem ser usados de forma isola-
da de outros achados.
4.1. Vias Aéreas A hemorragia nos idosos é controlada de maneira um pouco
diferente do que em outras vítimas. Os idosos têm pouca reserva
A avaliação do idoso começa com o exame das vias aéreas. cardiovascular e os sinais vitais não são um bom indicador de cho-
Alterações na atividade mental podem estar associadas com obstru- que no idoso, pois normalmente a vítima hipertensa pode estar em
ção da vias aéreas pela língua. A cavidade oral deve ser examinada choque com pressão sistólica de 110 mmHg.
buscando-se corpos estranhos como dentaduras que foram desloca-
das. 4.4. Avaliação Neurológica
Geralmente as dentaduras devem ser mantidas no local para
garantir uma melhor vedação ao redor da boca com a máscara. Con- O socorrista deve analisar todos os achados em conjunto e ter
tudo, próteses dentárias parciais (pontes) ou quebradas devem ser um alto nível de suspeita do idoso. Grandes diferenças na atividade
removidas, pois durante uma emergência podem ser deslocadas e mental, memória e orientação podem existir no idoso. Lesão cere-
causar obstrução total ou parcial das vias aéreas. bral traumática significante deve ser identificada, levando em conta
A colocação de dispositivos para manter as vias aéreas desobs- o status normal prévio do indivíduo. A menos que alguém no local
truídas (cânulas), pode ser complicada por sangramento significati- do trauma possa descrever este estado, deve-se presumir que a víti-
vo, se o paciente estiver tomando anticoagulantes, como aspirina. ma tem danos neurológicos, hipóxia ou ambos.
O socorrista deve selecionar cuidadosamente as perguntas
4.2. Respiração para determinar a orientação de tempo e lugar do paciente idoso.
Caso a vítima não consiga realizá-lo, pode-se presumir que tenha
Pacientes idosos com frequência respiratória abaixo de 10 algum nível de desorientação. Embora normalmente as vítimas ori-
mrpm ou acima de 30 mrpm terão volume minuto (quantidade de entadas podem não ser capazes de identificar o local onde se encon-
ar trocado nos pulmões em um minuto. É calculado multiplicando- tra atualmente. Confusão ou incapacidade de lembrar de fatos e de
se o volume de ar em cada respiração — volume corrente — pelo longa data pode ser um melhor indicador de quanto tempo atrás os
número de respirações por minuto — frequência respiratória) ina- eventos aconteceram, em vez de quanto o indivíduo é esquecido. As
dequado, necessitando de ventilação com pressão positiva. Para a repetidas narrações de eventos de longa data, aparentando dar mais
maioria dos adultos, uma frequência ventilatória entre 12 e 20 mrpm importância a fatos passados que aos fatos recentes, apenas represen-
é normal. Entretanto, num idoso doente, a capacidade e função pul- tam nostalgia prolongada pelos anos e pelos fatos. Tais compensa-
monares reduzidos podem resultar em volume minuto inadequado, ções sociais e psicológicas não devem ser consideradas sinais de
mesmo com frequência entre 12 e 20 mrpm. senilidade ou de capacidade mental diminuída.
A população idosa tem alta prevalência de doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC). Na presença desta doença o estímulo 4.5. Exposição & Ambiente
ventilatório de alguns pacientes não depende do nível de dióxido de
carbono (CO2) no sangue, mas de níveis sanguíneos de oxigênio Os idosos são mais suscetíveis a mudanças ambientais. Têm
diminuídos. Nunca se deve deixar de oferecer oxigênio a um pacien- capacidade reduzida de responder a súbitas alterações, produzem
te que necessite dele. A saturação de oxigênio no sangue (SaO2) menos calor, capacidade reduzida de livrar o corpo de calor excessi-
deve ser mantida acima de 95%. vo. Problemas de regulação térmica estão relacionados com desequi-
Os idosos apresentam enrijecimento aumentado da caixa torá- líbrio eletrolítico, por exemplo: diabetes mellitus. Outros fatores
cica. Além disso, a redução de força da musculatura da parede torá- incluem diminuição do metabolismo basal, capacidade reduzida de
cica e o enrijecimento da cartilagem a tornam menos flexível. Estas arrepiar, arteriosclerose e efeitos de drogas e do álcool. A hipertermi-
e outras alterações são responsáveis por redução dos volumes pul- a é influenciada por acidente vascular encefálico (AVE), diuréticos
monares. O paciente pode necessitar de suporte ventilatório, por anti-histamínicos e drogas anti-parkinsonianas. A hipotermia é influ-
meio de ventilação assistida com máscara associada a balão dotado enciada pela diminuição do metabolismo, obesidade, vasoconstrição
de válvula unidirecional. periférica menos eficiente e nutrição deficiente.
A retirada das ferragens por tempo prolongado em dias de
4.3. Circulação temperatura extrema pode colocar o idoso em risco, devendo ser
resolvida rapidamente.
O tempo de enchimento capilar retardado é comum na vítima

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Capítulo 28 — Emergências Geriátricas

4.6. Imobilização 7. Dê um aperto de mão na vítima para avaliar a força da mão,


turgor de pele e a temperatura corpórea.
A proteção da coluna cervical, especialmente em vítimas poli- 8. Fique atento para problemas comportamentais ou manifes-
traumatizadas, é o padrão do atendimento esperado. Nos idosos, este tações que não se ajustem à cena.
padrão deve ser aplicado não somente em situações de trauma, mas 9. Observe a aparência. As vestes e apresentação da vítima
também durante problemas clínicos nos quais a manutenção de vias estão adequadas ao local e como foi encontrado? A facilidade de
aéreas pérvias é prioridade. A artrite degenerativa da coluna cervical levantar ou sentar deve ser observada.
pode ocasionar lesões raquimedulares por mobilização do pescoço, 10. Atente para o estado nutricional do paciente.
mesmo que a vítima não tenha sofrido trauma de coluna. Outra con- 11. As vítimas idosas têm redução de peso dos músculos es-
sideração na inadequada mobilização da coluna cervical é a possibi- queléticos, alargamento e enfraquecimento dos ossos, degeneração
lidade de oclusão de artérias que irrigam o cérebro, que pode ocasio- das articulações e osteoporose. Têm maior probabilidade de fraturas
nar inconsciência e até mesmo AVE. com traumas leves e risco acentuadamente maior de fratura das
Ao colocar o colar cervical em uma vítima idosa com cifose vértebras, do quadril, das costelas.
grave, o socorrista deve assegurar que o colar não comprima as vias 12. Degeneração de células do músculo cardíaco e menos
aéreas ou as artérias carótidas. Meios menos tradicionais de imobili- células no sistema de condução (marca-passo cardíaco). O idoso é
zação, como uma toalha enrolada e coxins para a cabeça, podem ser propenso a arritmias, como resultado da perda de elasticidade do
cogitados, se os colares cervicais padrão forem inapropriados. coração e das principais artérias. Ataque cardíaco e diminuições do
Pode ser necessário acolchoamento sob a cabeça e entre os volume e da frequência cardíaca bem como da reserva cardíaca,
ombros ao imobilizar o idoso em posição supina, devido à falta de todos levam a morbidade e mortalidade do paciente traumático ido-
tecido adiposo. O socorrista deve procurar pontos de pressão onde a so. Uma vítima idosa com PA sistólica de 120 mmHg deve ser con-
vítima está apoiada na prancha e acolchoá-los adequadamente. Ao siderada como estando em choque hipovolêmico, até que se prove o
aplicar tirantes de contenção para imobilização nestas vítimas é pos- contrario.
sível que não possam ser capazes de estender completamente suas 13. A capacidade vital de um paciente idoso está diminuída
pernas, em vista da redução da amplitude de movimentos do quadril em 50%. A hipóxia no idoso tem mais probabilidade de ser conse-
e dos joelhos. Assim pode ser necessário acolchoamento sob as quência de choque quando comparado com o que acontece em víti-
pernas, para maior conforto e segurança do paciente durante o trans- mas mais jovens.
porte.

4.7. Exame Secundário

Após o tratamento de condições urgentes que ameaçam a


vida, na avaliação da doença aguda é importante considerar os se-
guintes fatores:
1. O corpo pode não responder de maneira similar aos pacien-
tes jovens. Achados típicos de doença grave, como febre, dor ou
sensibilidade, pode demorar mais para se desenvolver e tornam a
avaliação da vítima mais difícil e longa. Além disso, muitos medica-
mentos modificarão a resposta corpórea. Com frequência, o socor-
rista dependerá do histórico do paciente.
2. É necessário ter paciência adicional, em razão dos déficits
auditivos e visuais da vítima.
3. A avaliação das vítimas idosas requer questionamento dife-
renciado. Durante a avaliação inicial devem ser formuladas questões
específicas com informações gerais, pois a vítima idosa tende a res-
ponder “sim” a todas as questões.
4. Pode ser necessário o envolvimento de uma terceira pessoa
(cuidador, familiares, etc.).
5. Alterações de compreensão ou distúrbios neurológicos são
problemas significativos para muitas vítimas. Esses pacientes não
somente têm dificuldade de comunicação, mas também podem ser
incapazes de compreender ou ajudar na avaliação, podem estar in-
quietos e às vezes agressivos.
6. Firmeza, confiança, e questionamento claro e simples po-
dem ser úteis. Um familiar ou amigo pode ajudar.

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291
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292 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 29
Emergências Pediátricas

O
cialmente grave de cada órgão até que ela seja excluída pela avalia-
ção definitiva ou pela observação cuidadosa da evolução.
trauma é a principal causa de morte em crianças
nos Estados Unidos. Tragicamente, 80% dessas 1.2. Biomecânica do Trauma Pediátrico
mortes podem ser evitadas, quer através de estratégias de prevenção
que impeçam a lesão, quer com o socorro apropriado. Assim como O tamanho da criança torna-a um alvo menor sobre o qual são
em todos os aspectos do atendimento pediátrico, a avaliação e o aplicadas as forças lineares do para-lama, do para-choque e das que-
atendimento adequados da criança traumatizada requerem um co- das. Devido à menor quantidade de gordura corporal, à maior elasti-
nhecimento completo das características próprias do crescimento e cidade do tecido conjuntivo e à grande proximidade dos diferentes
desenvolvimento da criança, principalmente de sua anatomia imatu- órgãos, essas forças não são dissipadas tão bem como no adulto e,
ra e da fisiologia em desenvolvimento, como também de seus meca- portanto, espalham mais energia para vários órgãos. Como o esque-
nismos específicos de lesão. leto da criança é incompletamente calcificado e contém vários cen-
O atendimento adequado da criança é mais do que a simples tros de crescimento ativo, é mais elástico do que o do adulto. Entre-
aplicação dos princípios de atendimento dos adultos a uma pessoa tanto, o esqueleto da criança é menos capaz do que o do adulto de
pequena. As crianças têm padrões de trauma específicos, respostas absorver as forças cinéticas aplicadas durante um evento traumático,
fisiológicas próprias e necessidades especiais baseadas em seu de- podendo permitir lesões internas significativas com lesão externa
senvolvimento físico e psicossocial. mínima. Por exemplo, a contusão pulmonar é comum embora sejam
Este capítulo descreve primeiramente as características especi- incomuns as fraturas de costelas.
ais da criança vítima de trauma e revisa os fundamentos para o me-
1.3. Padrões de Lesão Comuns
lhor atendimento à criança traumatizada. Embora seja importante
que o socorrista entenda as características próprias do trauma pediá-
As características anatômicas e fisiológicas próprias do pacien-
trico, as medidas básicas de suporte de vida, usando os exames pri-
te pediátrico combinam-se com diferentes mecanismos de lesão para
mário e secundário, são as mesmas para qualquer paciente, indepen-
provocar padrões distintos de lesão (tabela 29-1). Estar familiarizado
dentemente de seu tamanho ou idade.
com esses padrões ajudará o primeiro socorrista a determinar o trata-
mento ideal para a criança traumatizada. Por exemplo, a maior parte
1. A CRIANÇA TRAUMATIZADA
dos traumas fechados na criança envolve trauma de crânio, e, em
1.1. Características Demográficas do Trauma Pediátrico consequência disso, a apnéia, a hipoventilação e a hipóxia são muito
mais comuns do que a hipovolemia e a hipotensão. Portanto, os
Há muitas características específicas que devem ser considera- protocolos de tratamento do trauma pediátrico dão maior ênfase ao
das na criança traumatizada. A incidência de trauma fechado (em tratamento agressivo das vias aéreas e da ventilação (quadro 29-1).
comparação com os ferimentos penetrantes) é mais elevada na po-
pulação pediátrica. O National Trauma Data Bank do American 1.4. Controle da Temperatura
College of Surgeons continua a identificar o trauma fechado como o
mecanismo de trauma mais comum, sendo os ferimentos penetran- A relação entre a área de superfície corpórea da criança e o
tes responsáveis por apenas 10% dos casos. As consequências dos volume corpóreo é maior ao nascimento e diminui durante o período
ferimentos penetrantes são relativamente previsíveis, mas o trauma de amamentação e a infância. Isso significa que há uma área de su-
fechado apresenta maior potencial para lesões multissistêmicas. perfície relativamente maior por onde o calor pode ser perdido rapi-
As quedas são a causa mais comum de trauma e ocorrem mais damente. Como resultado, a perda de energia térmica torna-se um
frequentemente em crianças com idade inferior a 10 anos. Atropela- fator de risco significativo na criança menor. Embora isso não repre-
mento é o segundo mecanismo de trauma mais comum e geralmen- sente um risco de morte por si só, frequentemente é um estresse
te ocorre com crianças entre 6 e 10 anos. Em crianças com mais de adicional para a criança, que pode estar hipotensa e com muita dor.
12 anos, o mecanismo de trauma mais frequente ocorre com o pas- A hipotermia grave frequentemente provoca coagulopatia grave,
sageiro ou motorista de veículo motorizado. De acordo com as esta- podendo causar colapso cardiovascular irreversível. Além disso,
tísticas, o trauma ocorre “acidentalmente” em 87% dos casos, é muitos dos sinais clínicos de hipotermia são idênticos aos do choque
relacionado com esportes em 4% e resultante de agressão em 5% iminente, podendo complicar, assim, a avaliação clínica.
das vezes. Nos traumas pediátricos mais graves, o comprometimen-
to multissistêmico é a regra, não a exceção. Portanto, deve-se consi- 1.5. Aspectos Psicossociais
derar que todos os sistemas orgânicos apresentam lesão até que se
Os desdobramentos do atendimento psicológico a uma criança
prove o contrário. Embora a evidência externa de lesão possa ser
traumatizada também podem ser um grande desafio. Particularmen-
mínima, deve ser considerada a possibilidade de lesão interna poten-
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Tabela 29-1: Padrões Comuns de Lesão no Trauma Pediátrico


Tipo de trauma Padrões de lesão
Colisão de veículo automotor (a Sem contenção: Trauma múltiplo, lesões de cabeça e pescoço, lacerações do couro cabeludo e da face.
criança é um passageiro) Com contenção: Lesões do tórax e abdome, fraturas da porção inferior da coluna vertebral.
Impacto lateral: Lesões da cabeça, pescoço e tórax; fratura de membros.
Air bag acionado: Lesões da cabeça, tórax e face; fraturas de membros superiores.
Colisão de veículo automotor (a Baixa velocidade: Fraturas de membros inferiores.
criança é um pedestre) Alta velocidade: Trauma múltiplo, lesões de cabeça e pescoço, fraturas de membros inferiores.
Queda de altura Baixa: Fraturas de membros superiores.
Média: Lesões da cabeça e pescoço, fraturas de membros superiores e inferiores.
Alta: Trauma múltiplo, lesões da cabeça e pescoço, fraturas de membros superiores e inferiores.
Queda de bicicleta Sem capacete: Lacerações da cabeça e pescoço, lacerações de couro cabeludo e da face, fraturas de mem-
bros superiores.
Colisão com o guidão: Lesões abdominais internas.
Com capacete: Fraturas de membros superiores.
Modificado de American College of Surgeons. Committee on Trauma: Extremes of age: pediatric trauma. Em Advanced trauma life support for doctors, stu-
dent course manual, ed 7, Chicago. 2004, ACS.

te a criança muito pequena pode apresentar comportamento psicoló- siste em compreensão, paciência e boa comunicação. É importante
gico regressivo quando o estresse, a dor ou a percepção de outras satisfazer as necessidades dos responsáveis pela criança, de modo
ameaças interferem no seu ambiente. A capacidade da criança de que eles possam funcionar como membros da equipe de atendimen-
interagir com pessoas desconhecidas, em ambiente estranho, é limi- to de emergência de seu filho.
tada e tornam a anamnese e a cooperação muito difíceis. A compre-
ensão dessas características e a disposição de agradar e acalmar a 1.6. Recuperação e Reabilitação
criança traumatizada são frequentemente as maneiras mais efetivas
de “conquistar” a criança e obter uma avaliação mais completa do Outro problema específico do paciente pediátrico traumatiza-
seu estado psicológico. do é o efeito que o trauma pode ter no crescimento e desenvolvi-
As pessoas que cuidam da criança ou seus pais muitas vezes mento subsequentes. Diferente do adulto, anatomicamente maduro,
também têm necessidades e problemas que devem ser considerados a criança não deve recuperar-se apenas do trauma, mas deve conti-
para que o atendimento da criança seja bem-sucedido. Quando a nuar o processo de crescimento normal. Os efeitos do trauma nesse
criança está doente ou traumatizada, eles também devem ser consi- processo — em especial em termos de incapacitação a longo prazo,
derados como pacientes. O tratamento destes “pais-pacientes” con- alterações no crescimento ou desenvolvimento subsequente anormal

Quadro 29-1: Lesões Pediátricas Associadas a Cintos de Segurança e Air Bags


Apesar da legislação brasileira exigir o uso de cintos de segu- quando comparado com o cinto de três pontos no banco da frente.
rança ou cadeirinhas para crianças pequenas em carros, em quase Acredita-se que as crianças com cinto abdominal ou cinto de
metade das colisões automobilísticas, a criança ou não está contida segurança mal colocado têm risco aumentado de lesão intestinal em
ou está contida de maneira inadequada. Se a criança estiver no ban- colisões automobilísticas. É difícil de determinar a incidência. Em
co da frente de um veículo com air bag, tem a mesma probabilidade um estudo, 20% das crianças traumatizadas tinham uma escoriação
de sofrer lesão grave, quer esteja adequadamente contida quer não. visível por cinto de segurança, e 50% delas tinham lesões intra-
Uma criança exposta a um air bag no lado do passageiro tem proba- abdominais significativas; quase 25% delas tinham perfuração intes-
bilidade duas vezes maior de sofrer lesão significativa do que um tinal. Outros estudos mostraram risco aumentado, mas não tão gran-
passageiro no assento da frente, sem air bag. de, com apenas 5% das crianças apresentando escoriação na parede
A American Academy of Pediatrics definiu a contenção ótima abdominal por cinto de segurança, e apenas 13% destas tinham
para crianças em veículos motorizados. As crianças devem andar lesão intestinal. É razoável admitir que toda criança com marca do
sempre no banco de trás. Até os quatro anos de idade, devem andar cinto de segurança na parede abdominal tenha lesão intra-abdominal
em cadeirinha apropriada (viradas para trás até um ano de idade), até que se prove o contrário.
depois, até 8 a 10 anos de idade, devem andar em assento regulado Aproximadamente 1% de todas as colisões automobilísticas
para a posição do cinto de segurança. A partir dessa idade, pode ser que envolveram crianças envolveu também a exposição das crian-
usado o cinto-padrão de três pontos do adulto (nunca apenas o cinto ças a um air bag de passageiro que foi acionado. Destas crianças,
abdominal). A contenção subótima é definida como o uso do cinto 14% sofreram lesão grave, em comparação com 7,5% dos passagei-
de segurança isolado em qualquer criança com menos de oito anos e ros com cinto de segurança, no assento da frente, não expostos a air
o uso do cinto abdominal acima dos oito anos. Em uma revisão bag. O risco global de alguma lesão foi 86%, contra 55% nos con-
recente, quando essas orientações foram observadas, o risco de lesão troles. As lesões leves por air bag incluíram queimaduras e lacera-
abdominal foi 3,5 vezes menor do que na população pediátrica con- ções superficiais na região superior do tronco e na face. As lesões
tida de maneira subótima. O benefício de ir no banco de trás é tal, graves por air bag consistiram em lesão significativa de tórax, pes-
que o risco de morrer diminui pelo menos 30%, mesmo quando a coço, face e membros superiores. Foi documentada a decapitação de
contenção é feita apenas com cinto abdominal no banco de trás, uma criança lesada pelo air bag do banco do passageiro da frente.
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Capítulo 29 — Emergências Pediátricas

— não podem ser subestimados. Mesmo nos pequenos traumas, as perda sanguínea importante morrem em pouco tempo ou já chegam
crianças menores podem ter incapacitação prolongada tanto na fun- mortas ao hospital. A maioria das crianças traumatizadas que reque-
ção cerebral, como no ajuste psicológico, e na função de órgãos ou rem atendimento de emergência apresenta lesões de vários órgãos
sistemas. Em torno de 60% das crianças com trauma multissistêmi- com pelo menos um componente de sangramento. Essa hemorragia
co grave apresentam alterações de personalidade, e 50% ficam com pode ser pequena (como em lesões cutâneas ou contusões) ou ter
sequelas sutis, cognitivas ou físicas. O trauma pediátrico também risco de morte (como em uma ruptura esplênica, laceração hepática
pode atingir irmãos e pais, o que eleva a incidência de distúrbios ou avulsão renal).
familiares, incluindo o divórcio. O custo da correção destes proble- Como nos adultos, as crianças compensam a hemorragia com
mas pode ser terrível e perdurar por toda a vida. o aumento da resistência vascular sistêmica, à custa do comprometi-
O efeito do atendimento inadequado ou inapropriado no perío- mento da perfusão periférica. De fato, as crianças podem fazer isso
do imediatamente após o trauma pode ter consequências, não apenas muito melhor do que os adultos, que, com frequência, apresentam
na sobrevivência da criança, mas talvez até de forma mais importan- doença vascular periférica que limita a vasoconstrição. A pressão
te, na qualidade de vida da criança por muitos anos. Lesões orgâni- arterial isolada é um indicador inadequado de choque. A perfusão
cas graves podem existir na presença de sinais externos mínimos. inadequada dos órgãos é um indicador mais apropriado de choque e
Um alto índice de suspeita e o bom senso clínico devem indicar o é evidenciada pela diminuição do nível de consciência, diminuição
transporte rápido da criança para um hospital apropriado, a fim de se da perfusão da pele (diminuição de temperatura, palidez e tempo de
realizar uma avaliação mais completa, sempre que houver qualquer enchimento capilar retardado) e diminuição do débito urinário. En-
possibilidade da existência de trauma grave. tretanto, ao contrário do adulto, os sinais precoces de hemorragia na
criança podem ser sutis e de difícil identificação, o que provoca uma
2. FISIOPATOLOGIA apresentação enganosa do choque. A taquicardia pode ser provocada
por hipovolemia, medo ou dor. Por sua vez, a frequência cardíaca
O resultado final do atendimento à criança traumatizada de- normal da criança varia com a idade. A perfusão periférica ruim
pende muito da qualidade do atendimento prestado nos primeiros pode resultar de hipotensão ou de hipotermia, ou de ambas. Se o
momentos após o trauma. Durante esses minutos críticos, um exame socorrista não identificar os sinais precoces sutis, a criança pode
primário sistematizado é a melhor defesa contra a não-identificação perder tanto volume de sangue circulante que os mecanismos com-
de uma lesão que pode ser fatal ou causar morbidade desnecessária. pensatórios falham. Nesse caso, o débito cardíaco cai, a perfusão dos
Como no adulto, as três causas mais comuns de morte imediata são: órgãos diminui e a criança entra em choque descompensado e fre-
hipóxia, hemorragia maciça e trauma craniencefálico grave. A falta quentemente fatal. Portanto, os parâmetros vitais de toda a criança
de triagem apropriada e de transporte rápido para o centro de trata- com trauma fechado devem ser cuidadosamente monitorados para
mento mais adequado pode piorar alguns ou todos esses problemas. detectar esses sinais sutis que podem indicar o choque precoce, além
das alterações nos sinais vitais.
2.1. Hipóxia
2.3. Lesão Cerebral
A primeira prioridade no atendimento pré-hospitalar é sempre
o estabelecimento da permeabilidade das vias aéreas. A confirmação As alterações fisiopatológicas que se seguem ao trauma do
da permeabilidade das vias aéreas na criança não exclui a necessida- SNC iniciam-se dentro de minutos. A reanimação adequada e pre-
de de ventilação assistida e suplementação de oxigênio, especial- coce é a chave para aumentar a sobrevida de crianças com lesão do
mente quando puder existir lesão do SNC ou hipoperfusão. A crian- sistema nervoso central. Embora uma certa porcentagem das lesões
ça traumatizada pode piorar rapidamente, apresentando primeiro do sistema nervoso central seja catastroficamente maciça e fatal,
respiração trabalhosa com taquipnéia e, depois, um estado de total muitas crianças apresentam lesões do sistema nervoso central recu-
exaustão e apnéia. Uma vez permeabilizadas as vias aéreas, é essen- peráveis, que se tornam mais graves por hipoperfusão, hipoventila-
cial que a frequência e a profundidade da ventilação sejam avaliadas ção, hiperventilação ou isquemia subsequentes. A ventilação e oxi-
para confirmar a existência de ventilação alveolar adequada. Se a genação adequadas (evitando a hiperventilação excessiva) são tão
ventilação alveolar não for adequada, o fato de oferecer apenas con- essenciais no tratamento das lesões cerebrais traumáticas do cérebro
centração elevada de oxigênio não evita que continue ocorrendo quanto a prevenção da hipotensão. Mesmo crianças em coma grave
hipóxia celular. podem recuperar-se quando não desenvolvem hipóxia cerebral.
A oxigenação adequada é particularmente crucial no tratamen- Para um determinado grau de gravidade de lesão, as crianças
to inicial do paciente com lesão cerebral traumática (LCT). Uma têm menor mortalidade e maior potencial de recuperação do que os
criança pode ter alteração significativa do nível de consciência e adultos com o mesmo grau de lesão. Entretanto, quando à lesão
ainda ter boa recuperação funcional se a hipóxia cerebral for evitada. cerebral se acrescentam lesões extracranianas, diminui a chance de a
criança sobreviver. Isso ilustra o impacto potencialmente negativo
2.2. Hemorragia que as lesões associadas e o choque têm no prognóstico do trauma
do sistema nervoso central.
A maioria dos traumatismos em crianças não causa exsangui-
nação imediata. Infelizmente, as crianças que sofrem lesões com
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Crianças com lesão cerebral traumática frequentemente se cheirar”. Contudo, quando há trauma, a posição neutra protege
apresentam com grau leve de obnubilação (embotamento sensitivo) melhor a coluna cervical, enquanto assegura a abertura adequada das
e podem ter tido um período de inconsciência que nem sempre foi vias aéreas. Assim, na criança traumatizada, o pescoço deve ser
documentado durante a avaliação inicial. A história de perda de mantido imobilizado para prevenir a hiperflexão de C5-C6 e a hipe-
consciência é um dos indicadores mais importantes do prognóstico rextensão de C1-C2, que ocorrem com a “posição de cheirar”. Colo-
de possível lesão do sistema nervoso central, e o socorrista deve car um coxim ou cobertor de 2 a 3 cm de espessura sob o tronco da
sempre investigar e documentar essa perda de consciência. Também criança diminui a flexão aguda do pescoço e ajuda a manter as vias
é importante a documentação completa do estado neurológico basal, aéreas pérvias (figura 368). A estabilização manual da coluna cervi-
que deve incluir: cal é feita durante o controle das vias aéreas e mantida até que a
criança esteja imobilizada em prancha rígida.
1. Escore na escala de coma de Glasgow;
2. Reação pupilar;
3. Resposta a estímulo sensitivo;
4. Função motora.

Essas são as etapas essenciais da avaliação inicial da criança


traumatizada. A lesão do SNC é um processo fisiopatológico contí-
nuo, que se inicia com a despolarização dos neurônios intracranianos
e se continua por um trajeto reconhecível de edema secundário e
hipoperfusão. A ausência de uma avaliação basal adequada faz com
que o acompanhamento e a avaliação das intervenções feitas sejam
extremamente imprecisos e difíceis. O cuidado na obtenção de uma
história detalhada é particularmente importante nos pacientes que
podem ter tido lesão de coluna cervical. Uma vez que o esqueleto da
criança é incompletamente calcificado e apresenta vários centros de
crescimento ativos, pode haver mínima ou nenhuma evidência ra-
Fig. 368: Comparada com o adulto, a criança tem occipício maior
diográfica do mecanismo de lesão que possa ter causado estiramento e mais musculatura no ombro. Quando colocada sobre uma super-
ou contusão da medula. Um déficit neurológico transitório pode ser fície plana, esses fatores resultam em flexão do pescoço.
o único indicador de lesão de medula potencialmente significativa. A ventilação com ambu com 100% de oxigênio (FiO2 de 1,0)
é a melhor opção quando a criança traumatizada necessita de venti-
3. AVALIAÇÃO lação assistida, por desconforto respiratório, choque descompensado
ou coma. Quando a criança estiver inconsciente, a cânula orofarín-
3.1. Exame Primário (Inicial) gea (Guedel) pode ser usada com segurança, mas é provável que
cause vômito se a criança tiver o reflexo de ânsia intacto.
O tamanho pequeno e variável do paciente pediátrico, o cali-
bre e o tamanho diminuídos do sistema vascular e as características 3.3. Respiração
anatômicas próprias das vias aéreas frequentemente fazem com que
os procedimentos-padrão utilizados no SBV constituem um desafio Como em todos os pacientes traumatizados, a criança com
e sejam tecnicamente difíceis. A disponibilidade imediata de materi- trauma significativo necessita de uma concentração de oxigênio de
al de tamanho adequado é essencial para o sucesso do atendimento 85% a 100% (FiO2 de 0,85 a 1,0). Isso é conseguido pelo uso de
inicial da criança traumatizada. oxigênio suplementar e uma máscara pediátrica de plástico transpa-
rente de tamanho apropriado. Quando ocorre hipóxia na criança
3.2. Vias Aéreas pequena, o organismo compensa aumentando a frequência ventila-
tória (taquipnéia) e o esforço ventilatório, o que inclui o aumento da
Como no adulto, na criança, a prioridade imediata e o foco excursão da parede torácica e o uso dos músculos acessórios da
principal devem ser o tratamento das vias aéreas. A língua relativa- ventilação, do pescoço e do abdome. Esse aumento do esforço pode
mente grande e a posição anterior das vias aéreas fazem com que a produzir fadiga importante, resultando em falência ventilatória. A
criança pequena seja mais propensa à obstrução de vias aéreas do insuficiência ventilatória pode rapidamente progredir de um esforço
que o adulto. Quanto menor a criança, maior a desproporção entre o ventilatório compensado para falência ventilatória, seguida de para-
tamanho do crânio e a porção média da face. O tamanho relativa- da respiratória e, finalmente, parada cardíaca secundária ao proble-
mente grande do occipício força a flexão passiva da coluna cervical, ma respiratório.
levando ao comprometimento da faringe. Na criança não- A avaliação da ventilação da criança, reconhecendo precoce-
traumatizada, as vias aéreas são mais bem protegidas por uma posi- mente a insuficiência e providenciando assistência ventilatória, é o
ção levemente ântero-superior da face, conhecida como “posição de elemento-chave no atendimento do paciente pediátrico traumatiza-

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296 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 29 — Emergências Pediátricas

do. A frequência ventilatória normal em lactentes e crianças com centração de oxigênio, a ventilação assistida é mais bem realizada
menos de quatro anos é duas a três vezes a do adulto (tabela 29-2). usando-se ambu, associada a um reservatório ligado a uma fonte de
A taquipnéia com sinais de aumento do esforço ou da dificul- oxigênio de alta concentração (Fi02 de 0,85-1,0). Como a via aérea
dade ventilatória pode ser a primeira manifestação de insuficiência de uma criança é muito pequena, pode ser necessária a aspiração
respiratória ou de choque. À medida que o desconforto respiratório inicial e periódica. Nos lactentes, que necessariamente respiram pelo
aumenta, aparecem outros sinais e sintomas, como a respiração su- nariz, as narinas também devem ser aspiradas.
perficial com movimento torácico mínimo. A passagem de ar pelo Ao ajustar a máscara nos lactentes, deve-se ter cuidado para
nariz e pela boca pode estar reduzida ou ser mínima. O esforço ven- evitar comprimir as partes moles do queixo, porque isso empurra a
tilatório aumenta e pode incluir: língua contra o palato mole, podendo obstruir as vias aéreas. Tam-
 Balanço da cabeça a cada respiração. bém deve ser evitada pressão sobre a traquéia, que é mole e ainda
 Respiração difícil e grunhido. não calcificada. A máscara pode ser ajustada usando-se uma ou as
 Batimento de asas do nariz. duas mãos.
 Ronco. O uso de máscara de tamanho correto é essencial para se obter
 Uso de músculos acessórios do pescoço e da parede abdo- o ajuste apropriado, fornecer o volume corrente adequado e garantir
minal. que os riscos de hiperinsuflação (que provoca distensão gástrica) ou
 Distensão abdominal quando o tórax retrai (efeito de ba- barotrauma (que causa pneumotórax hipertensivo) sejam mínimos.
lanço entre tórax e abdome). A distensão gástrica pode provocar regurgitação ou impedir ventila-
ção adequada por limitação da excursão diafragmática. O pneumotó-
A efetividade da ventilação da criança deve ser avaliada usan- rax hipertensivo pode provocar tanto desconforto respiratório grave
do os seguintes indicadores: quanto súbito colapso cardiovascular, porque os lactentes e as crian-
 A frequência e a profundidade (volume-minuto) e o esfor- ças têm mediastino muito mais móvel que os adultos. Isto protege o
ço indicam se a ventilação está adequada. mediastino das lesões de aorta, mas aumenta a suscetibilidade ao
 A pele rosada indica ventilação adequada. pneumotórax hipertensivo. O mediastino mais móvel desvia-se com
 Pele escura, cinzenta, cianótica ou rendilhada indica oxige- maior facilidade, permitindo o comprometimento respiratório e o
nação e perfusão inadequadas. colapso cardiovascular mais precocemente do que no adulto.
 Ansiedade, inquietação ou combatividade podem ser si- As mudanças no estado ventilatório da criança podem ser sutis,
nais precoces de hipóxia. e o padrão ventilatório pode deteriorar-se rapidamente, até que a
 Letargia, rebaixamento do nível de consciência ou incons- ventilação se torne inadequada e ocorra hipóxia. A respiração deve
ciência provavelmente são sinais avançados de hipóxia. ser avaliada como parte do exame primário e reavaliada periodica-
mente de maneira cuidadosa, para garantir que continue adequada.
Uma avaliação rápida da ventilação inclui a frequência ventila- Deve ser empregada a oximetria de pulso e devem ser feitos esfor-
tória (particularmente taquipnéia), esforço ventilatório, cor da pele e ços para se manter a saturação arterial de oxigênio acima de 95%.
nível de consciência. A cianose central (mais do que a periférica) é
um sinal bastante tardio e frequentemente inconstante de insuficiên- 3.4. Circulação
cia respiratória.
Na criança que inicialmente se apresenta com taquipnéia e A taxa de sobrevivência a uma lesão rapidamente exsangui-
aumento do esforço ventilatório, a diminuição da frequência ventila- nante é baixa na população pediátrica. Felizmente a incidência desse
tória, aparentemente com menos esforço respiratório, pode indicar tipo de lesão é também baixa. A hemorragia externa deve ser identi-
exaustão, não devendo ser erroneamente interpretada como sinal de ficada e controlada durante o exame primário. Quase sempre as
melhora. As crianças com diminuição das trocas gasosas ou com crianças traumatizadas têm ainda pelo menos algum volume de
desconforto respiratório devem receber assistência ventilatória. Co- sangue circulante. Assim como na avaliação das vias aéreas, uma
mo o principal problema é o volume inspirado, mais do que a con- única medida da frequência cardíaca ou da pressão arterial não refle-
Tabela 29-2: Frequências Ventilatórias nos Pacientes Pediátricos
Frequência Frequência ventilatória (incursões/min) que indica possível
Grupo Idade ventilatória diminuição no volume-minuto e necessidade de suporte
(incursões/min) ventilatório com ambu e máscara
Recém-nascido Nascimento-6 semanas 30-50 < 30 ou > 50
Lactente 7 semanas-1 ano 20-30 < 20 ou > 30
Criança pequena 1-2 anos 20-30 < 20 ou > 30
Pré-escolar 2-6 anos 20-30 < 20 ou > 30
Escolar 6-13 anos (12-20)-30 < 20 ou > 30
Adolescente 13-16 anos 12-20 < 12 ou > 20
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Tabela 29-3: Frequência Cardíaca nos Pacientes Pediátricos


Frequência Frequência cardíaca (batimentos/min) que indica possível
Grupo Idade cardíaca problema grave*
(batimentos/
min)
Recém-nascido Nascimento-6 semanas 120-160 < 100 ou > 160
Lactente 7 semanas-1 ano 80-140 < 80 ou > 150
Criança pequena 1-2 anos 80-130 < 60 ou > 140
Pré-escolar 2-6 anos 80-120 < 60 ou > 130
Escolar 6-13 anos (60-80)-100 < 60 ou > 120
Adolescente 13-16 anos 60-100 < 60 ou > 100
*Bradicardia ou taquicardia.

te a estabilidade fisiológica. As avaliações repetidas e a observação Uma grande preocupação na avaliação do paciente pediátrico é
das tendências de variação dos sinais vitais são essenciais para avali- o choque compensado. Por causa da sua reserva fisiológica aumen-
ar adequadamente o estado hemodinâmico de uma criança. O moni- tada, crianças com lesões hemorrágicas com frequência se apresen-
toramento cuidadoso dos sinais vitais é fundamental para prevenir a tam apenas com sinais vitais ligeiramente alterados. A taquicardia
hipotensão e o choque. A variação normal da frequência cardíaca e inicial pode não ser apenas resultante de hipovolemia, mas pode ser
da pressão arterial dos diferentes grupos etários de crianças encontra- também o efeito de estresse psicológico, dor e medo. Deve-se moni-
se nas tabelas 29-3 e 29-4. torar cuidadosamente a frequência cardíaca, a frequência ventilatória
Se o exame primário mostrar hipotensão grave, a causa mais e o nível de consciência de todas as crianças traumatizadas. Pode ser
comum é a perda de sangue através de um grande ferimento externo difícil de obter a medida exata da pressão arterial no pré-hospitalar, e
prontamente observado (grande laceração do couro cabeludo, fratura o foco deverá ser colocado sobre outros sinais de perfusão. Por outro
exposta de fêmur), um ferimento intratorácico (identificado por lado, a criança muito pequena pode ter uma pressão sistólica que,
diminuição da mecânica ventilatória) ou uma lesão intra-abdominal embora considerada alarmantemente baixa para um adulto, pode
grave. Como o sangue não é um elemento compressível, a perda de estar dentro dos limites normais para uma criança sadia.
sangue de uma lesão intra-abdominal grave provoca a distensão A criança com lesão hemorrágica pode manter um volume
abdominal e aumento da circunferência abdominal. No entanto, o circulante adequado, pelo aumento da resistência vascular periférica
aumento da circunferência abdominal na criança pequena traumati- (RVP), que mantém a pressão arterial média. A evidência clínica
zada é mais provavelmente em virtude da distensão gástrica, pelo desse mecanismo de compensação é o aumento do tempo de enchi-
choro e deglutição de ar, embora seja melhor supor que um abdome mento capilar, a pele rendilhada ou pálida, a diminuição da tempera-
distendido é um sinal de lesão abdominal, que pode ser significativa. tura da pele das extremidades e a diminuição da intensidade dos
pulsos periféricos. Na criança, só aparecem sinais de hipotensão
Tabela 29-4: Pressão Arterial (PA) nos Pacientes Pedi- significativa quando ocorre perda de cerca de 30% do volume circu-
átricos lante. Se a reanimação inicial for inadequada, o volume circulante
Faixa de PA Limite inferior de pode atingir um nível abaixo do qual o aumento da resistência vas-
Grupo Idade esperada PA sistólica cular periférica não é mais capaz de manter a pressão arterial. O
(mm Hg)* (mm Hg) conceito de choque em evolução merece consideração especial no
Recém- Nascimento- 74-100 < 60 atendimento inicial da criança traumatizada e é uma das principais
nascido 6 semanas 50-68 indicações para o transporte para o hospital apropriado, a fim de ser
Lactente 7 semanas-1 84-106 < 70 prontamente submetida à avaliação e tratamento.
ano 56-70
3.5. Incapacidade, Estado Neurológico
Criança 1-2 anos 98-106 < 70
pequena 50-70
Após a avaliação das vias aéreas, respiração e circulação, o
Pré-escolar 2-6 anos 98-112 < 75 exame primário deve incluir uma avaliação do estado neurológico.
64-70 Embora o AVDI (alerta, responde a estímulo verbal, responde a
Escolar 6-13 anos 104-124 < 80 estímulo de dor, inconsciente) seja uma ferramenta de classificação
64-80 rápida na avaliação do nível de consciência, ele deve ser combinado
com um exame cuidadoso das pupilas para determinar se são iguais,
Adolescente 13-16 anos 118-132 < 90
70-82 redondas e reativas à luz. Como nos adultos, a escala de coma de
* Os números de cima representam a faixa sistólica; os números de baixo Glasgow permite uma avaliação mais completa do estado neurológi-
representam a faixa diastólica.
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Tabela 29-5: Escore Verbal Pediátrico ples para avaliação, tendo valor preditivo do prognóstico (tabela 29-
Resposta verbal Escore verbal 6). São atribuídos valores a seis componentes do trauma pediátrico, e
esses valores são somados, gerando um escore que tem valor prediti-
Palavras apropriadas ou sorriso social; fixa e segue 5 vo da gravidade da lesão e do potencial de mortalidade. O sistema é
Chora, mas é consolável 4 baseado na análise dos padrões de trauma na criança e planejado
Persistentemente irritável 3 para oferecer uma lista que assegura que todos os fatores mais im-
portantes relativos ao prognóstico do trauma pediátrico sejam consi-
Inquieto, agitado 2 derados na avaliação inicial da criança. É diferente do Escore de
Sem resposta 1 Trauma Revisado (Revised Trauma Score, RTS), que considera
apenas a pressão arterial, a frequência ventilatória e a escala de coma
co, devendo ser calculada para todas as crianças traumatizadas. O de Glasgow (GCS).
escore para a avaliação verbal deve ser modificado para crianças O tamanho é o primeiro componente, porque ele é logo obser-
com menos de quatro anos devido à limitação da capacidade de vado e é um aspecto importante no grupo de lactentes e pré-
comunicação das crianças dessa faixa etária, devendo o seu compor- escolares. Depois, são avaliadas as vias aéreas, pois o estado funcio-
tamento ser observado cuidadosamente (tabela 29-5). nal e o tipo de atendimento necessário para que a ventilação e a oxi-
O escore na escala de coma de Glasgow deve ser repetido genação sejam adequadas devem ser considerados.
frequentemente e usado para documentar a piora ou melhora do O fator mais importante na avaliação inicial do SNC é o nível
estado neurológico durante o período pós-traumático. Uma avalia- de consciência. Como as crianças frequentemente apresentam perda
ção mais completa da função motora e sensitiva deve ser realizada de consciência transitória durante o trauma, o grau (+1), para obnu-
no exame secundário, se o tempo permitir. bilação, é atribuído a todas as crianças com perda de consciência,
qualquer que tenha sido sua duração. Esse grau identifica as crianças
3.6. Exposição/Ambiente com maior risco de apresentar lesões intracranianas potencialmente
fatais, mas frequentemente tratáveis.
As crianças devem ser examinadas à procura de outras lesões A avaliação da pressão arterial sistólica é usada para identificar
com risco de morte. No entanto, elas podem se assustar quando se as crianças que podem apresentar choque evitável (51 a 90 mmHg
tenta tirar sua roupa. Como a criança é mais propensa a ter hipoter- de pressão arterial sistólica; +1). Independentemente do tamanho, a
mia, uma vez completado o exame para identificar outras lesões, ela criança cuja pressão arterial sistólica está abaixo de 50 mmHg (-1)
deve ser coberta, para preservar a temperatura corpórea. está em perigo evidente (quadro 29-2). Por sua vez, a criança cuja
pressão arterial sistólica exceda 90 mmHg (+2) fica em uma catego-
3.7. Escore de Trauma Pediátrico ria de melhor prognóstico. Se não houver manguito de aparelho de
pressão de tamanho apropriado, a pressão sistólica é avaliada como
A decisão sobre o nível de tratamento que cada criança requer +2 se o pulso radial ou pedioso forem palpáveis, + 1 se somente o
surge da avaliação cuidadosa e rápida da criança como um todo. pulso carotídeo ou femoral forem palpáveis e -1 se não se palpar
Deixar de identificar outras possíveis lesões de órgãos e tratar inade- nenhum pulso.
quadamente o paciente são os dois problemas mais encontrados. Por Dada a alta incidência de trauma esquelético na população
essa razão, o Escore de Trauma Pediátrico (Pediatric Trauma Score, pediátrica e sua possível contribuição para mortalidade e invalidez, a
PTS) foi desenvolvido para oferecer um protocolo confiável e sim- presença de fratura de ossos longos é um dos componentes do PTS.

Componente +2 +1 -1
Tamanho Criança/adolescente > 20 kg Criança pequena 11-20 kg Lactente < 10 kg
Vias aéreas Normal Assistida: O2 por máscara ou cânula Intubado: intubação traqueal,
Cricotireoidostomia
Consciência Vigil Obnubilado, perda de consciência Coma, irresponsivo
Pressão arterial 90 mmHg 51-90 mmHg < 50 mmHg
sistólica Pulsos periféricos bons, Pulsos carotídeo e femoral palpáveis Pulsos fracos ou ausentes
boa perfusão
Fratura Nenhuma observada ou suspeitada Fratura fechada única, em qualquer local Fraturas expostas ou múltiplas
Contusão, abrasão, laceração < 7 cm, não Perda tecidual, qualquer ferimento por arma
Pele Nenhuma lesão visível atingindo a fáscia de fogo ou arma branca, penetrante até a
fáscia
Tabela 29-6: O Escore de Trauma Pediátrico (PTS) funciona primariamente como uma lista de verificação. Cada componente pode ser avaliado através do
exame físico básico. A avaliação das vias aéreas reflete a intervenção necessária para o tratamento efetivo. Uma fratura exposta recebe -1 pela fratura e -1
pela lesão cutânea. À medida que a observação clínica e a avaliação diagnóstica prosseguem, a definição e a reavaliação adicionais estabelecem uma ten-
dência que permite prever a gravidade da lesão e o prognóstico.
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Por último, é avaliada a pele, procurando-se feridas e ferimentos no adulto como na criança, uma lesão ortopédica despercebida em
penetrantes. uma extremidade tem pouco efeito na mortalidade, mas pode levar a
Há um nível de escore de 8, abaixo do qual as crianças trauma- deformidade e incapacidade a longo prazo.
tizadas devem ser transportadas para um centro de trauma pediátrico
apropriado, pois apresentam maior risco de mortalidade e morbida- 4. TRATAMENTO
de, potencialmente evitáveis.
Os pontos-chave para a sobrevida da criança traumatizada são:
3.8. Exame Secundário (Exame Físico Detalhado) avaliação cardiopulmonar rápida, atendimento agressivo apropriado
e transporte para um hospital com capacidade de tratar o trauma
O exame secundário da criança deve ser feito depois do exame pediátrico.
primário, somente após a identificação e o tratamento das condições
com risco de morte. A cabeça e o pescoço deverão ser examinados 4.1. Vias Aéreas
procurando abrasões, lacerações e deformidades. O tórax deve ser
reavaliado. Possíveis contusões pulmonares manifestam-se como Oxigenação, ventilação e perfusão são tão essenciais para a
desconforto respiratório. Os pacientes traumatizados frequentemente criança traumatizada como para o adulto. O primeiro objetivo da
ficam com o estômago cheio, existindo, portanto, a possibilidade de reanimação inicial da criança traumatizada é a restauração da oxige-
aspiração. Isso é especialmente verdadeiro para crianças que estão nação adequada dos tecidos, tão rapidamente quanto possível. A
obnubiladas ou que apresentam convulsões após o trauma. primeira prioridade da avaliação e reanimação é o estabelecimento
Embora as fraturas de costelas sejam raras nas crianças, estão da permeabilidade das vias aéreas pérvias.
associadas a alto risco de lesão intratorácica. Pode ser percebida A permeabilidade das vias aéreas deve ser assegurada e manti-
crepitação no exame, o que pode ser um sinal de pneumotórax. O da com aspiração, manobras manuais ou dispositivos auxiliares de
risco de mortalidade aumenta com o número de costelas fraturadas. vias aéreas. Como no adulto, o atendimento inicial deve incluir a
O exame do abdome deve ser focalizado na distensão, hiper- estabilização da coluna cervical. Na criança pequena, deve-se colo-
sensibilidade, descoloração, equimoses ou presença de massa. A car um coxim (2-3 cm) sob o tronco, para manter a coluna cervical
palpação cuidadosa das cristas ilíacas pode sugerir fratura instável de em posição alinhada, em vez de deixá-la em uma leve flexão por
pelve, o que aumenta a suspeita de lesão retroperitoneal ou urogeni- causa do tamanho desproporcionalmente grande do occipício (figura
tal, bem como o risco de perda sanguínea oculta. 369). Quando se ajusta e mantém a posição das vias aéreas, deve-se
Cada extremidade deve ser palpada para descartar hipersensi- evitar a compressão das partes moles do pescoço e da traquéia. Uma
bilidade, deformidade, diminuição de perfusão ou déficit neurológi- vez conseguido o controle manual das vias aéreas, pode-se colocar
co. O esqueleto da criança incompletamente calcificado, com vários uma cânula orofaríngea, desde que a criança não apresente reflexo
centros de crescimento, aumenta a possibilidade de lesão epifisária de ânsia. O dispositivo deve ser colocado com cuidado, paralelo ao
(placa de crescimento). Por isso, qualquer área com edema, dor, trajeto da língua, em vez de fazer a rotação de 90 ou 180 graus na
sensibilidade ou com diminuição da amplitude de movimento deve orofaringe posterior, como no adulto. O abaixador de língua auxilia
ser cuidadosamente avaliada e considerada suspeita de estar fratura- na colocação do dispositivo.
da até que essa suspeita seja afastada pelo exame radiológico. Tanto
Quadro 29-2: Sinais Vitais Pediátricos e Valores Normais
O termo pediátrico ou criança inclui uma vasta gama de de- como alterados, ainda que naquela determinada criança tais valores
senvolvimento físico, maturidade emocional e tamanho do corpo. A possam ser fisiologicamente aceitáveis. Os valores das tabelas 29-2,
abordagem do paciente e as implicações de muitas lesões variam 29-3 e 29-4 podem ajudar na avaliação dos sinais vitais. Essas tabe-
muito entre o lactente e o adolescente. las apresentam as faixas em que estatisticamente se situa mais co-
Na maioria das considerações anatômicas e de dosagem de mumente a maioria das crianças nesses grupos etários.
medicações, o peso de uma criança (ou a altura ou o comprimento) Vários artigos comercialmente disponíveis servem como
serve como um indicador mais fidedigno do que a idade cronológi- referência rápida para os sinais vitais pediátricos e o tamanho de
ca exata. equipamentos. Podem ser empregadas as fórmulas de orientação a
As faixas aceitáveis dos sinais vitais variam para as diferentes seguir, para estimar o valor esperado para cada idade:
idades dentro da população pediátrica. Os valores normais dos adul-
tos não podem ser utilizados como guia em crianças pequenas. No Peso (kg) = 8 + (2 x Idade da criança [anos])
adulto, uma frequência ventilatória de 30 incursões/min significa Volume sanguíneo total (ml) = 80 ml x Peso da criança (kg)
taquipnéia, e uma frequência cardíaca de 120 batimentos/min signi- Pressão arterial sistólica mínima aceitável (mm Hg) =
fica taquicardia. Ambas são consideradas alarmantemente altas no 70 + (2 x Idade da criança [anos])
adulto e são achados patológicos significativos. No entanto, os mes-
mos achados em um lactente podem estar dentro das faixas nor- Os sinais vitais quantitativos da criança, embora importantes,
mais. são apenas mais um dado da avaliação. Uma criança pode apresen-
As faixas normais dos sinais vitais para diferentes grupos tar evolução rápida para insuficiência ventilatória grave ou choque
etários podem não ser consistentes para todas as referências pediátri- descompensado. Os sinais vitais devem ser considerados juntamen-
cas. Em uma criança traumatizada cujos sinais vitais normais pré- te com o mecanismo de trauma e os demais achados clínicos.
vios são desconhecidos, os sinais vitais limítrofes podem ser vistos
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Capítulo 29 — Emergências Pediátricas

temente não responde à reanimação. Nos pacientes pediátricos trau-


matizados que apresentam algum sinal de choque hemorrágico ou
hipovolemia, o elemento-chave para a sobrevida é o inicio rápido do
transporte para um hospital apropriado.

5. LESÕES ESPECÍFICAS

5.1. Lesão Cerebral Traumática

A lesão cerebral traumática (LCT) é a principal causa de mor-


te por trauma na população pediátrica. Cerca de 89% dos traumas
infantis apresentam lesão do SNC como contribuinte primário ou
secundário para a morte. Embora muitas das lesões mais graves só
possam ser tratadas com a prevenção, as medidas de reanimação
inicial podem pelo menos minorar as graves consequências das
lesões na criança. A oxigenação, a ventilação e a perfusão adequadas
são necessárias para prevenir a morbidade secundária. O prognóstico
da criança que sofre LCT grave é melhor do que o do adulto. No
entanto, o prognóstico da criança com menos de três anos é pior do
que o das crianças maiores.
Fig. 369: Coloque acolchoamento adequado sob o tronco da criança. O resultado da avaliação neurológica inicial é útil para es-
tabelecer o prognóstico. Mesmo que a avaliação neurológica inicial
4.2. Respiração seja normal, toda criança com trauma craniencefálico pode ser sus-
cetível a edema cerebral e hipoperfusão. Essas condições podem
Devem ser cuidadosamente avaliados o volume-minuto e o resultar mesmo de um mecanismo que pareça de menor monta.
esforço ventilatório do paciente. Devido ao potencial de deterioração Deve ser feita a medida basal da escala de coma de Glasgow
rápida de hipóxia para parada respiratória, a ventilação deve ser (GCS), que deve ser repetida durante o transporte. Deve ser adminis-
assistida, caso se observe dispnéia e aumento do esforço respiratório. trado oxigênio suplementar, e, se possível, a oximetria de pulso deve
Deve-se usar uma máscara facial associada a um balão com reserva- ser monitorada. Embora o vômito seja comum depois de uma con-
tório de tamanho adequado e alto fluxo de oxigênio, para fornecer cussão, o vômito persistente é preocupante e requer avaliação adicio-
concentração de oxigênio entre 85% e 100% (FiO2 de 0,85 a 1,0). A nal.
monitoração contínua da oximetria de pulso serve como medida Assim como a hipóxia, a hipovolemia pode agravar muito a
auxiliar na avaliação contínua das vias aéreas e da respiração. A lesão cerebral original. A hemorragia externa deve ser controlada, e
saturação arterial de O2 deve ser mantida acima de 95%. as extremidades, imobilizadas, para diminuir a perda interna de san-
As crianças são mais suscetíveis que os adultos ao colapso gue associada às fraturas. Em raras ocasiões, lactentes com menos
cardiovascular agudo a partir de um pneumotórax hipertensivo. de seis meses podem ficar hipovolêmicos como resultado de sangra-
Muitas crianças com pneumotórax hipertensivo têm diminuição do mento intracraniano, pois as suturas cranianas e as fontanelas encon-
retorno venoso antes de ocorrerem quaisquer alterações detectáveis tram-se abertas. Uma criança com fontanela aberta pode tolerar
na oxigenação ou na ventilação. Qualquer criança que apresente melhor um hematoma intracraniano em expansão, mas pode não
descompensação aguda, principalmente depois do início de ventila- apresentar sintomas até que ocorra rápida descompensação. No
ção com pressão positiva com máscara e ambu deve ser imediata- lactente com fontanela abaulada, deve-se considerar a existência de
mente avaliada para verificar a presença de pneumotórax hipertensi- lesão cerebral mais grave.
vo. A distensão de veias jugulares e o desvio da traquéia são sinais A criança com sinais e sintomas de hipertensão intracraniana
tardios e podem ser difíceis de serem detectados por causa do colar (HIC), ou aumento da pressão intracraniana (PIC), como pupilas
cervical em um pescoço curto. com reação lenta ou não-reativas, hipertensão arterial sistêmica,
bradicardia e padrões anormais de respiração, pode beneficiar-se
4.3. Circulação com a hiperventilação para baixar a PIC transitoriamente. No entan-
to, a hiperventilação também diminui globalmente a oferta de oxigê-
Uma vez controlada a hemorragia externa, deve ser avaliada a nio para o SNC e pode agravar a lesão hipóxica. Recomenda-se
perfusão. Controlar a hemorragia externa significa aplicar pressão enfaticamente que essa estratégia não seja utilizada, a menos que a
manual direta sobre o ponto de sangramento, não apenas cobri-lo criança apresente sinais de herniação ou de lateralização. Deve-se
com várias camadas de curativos absorventes. O sistema vascular da usar uma frequência ventilatória de 30 por minuto para criança não
criança quase sempre é capaz de manter a pressão arterial normal até tão pequena e 35 por minuto para lactentes. Podem ocorrer convul-
que ocorra um colapso significativo. Nesse ponto, o choque frequen-

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

sões breves logo após a LCT, que, com frequência, não precisam ser 5.3. Trauma Torácico
tratadas pelos socorristas.
O fato de o gradeado costal da criança ser extremamente flexí-
5.2. Trauma Raquimedular vel faz com que ocorram menos lesões da estrutura óssea do tórax,
mas aumenta o risco de lesões parenquimatosas, como a contusão
A indicação para imobilização de coluna no paciente pediátri- pulmonar, o pneumotórax e o hemotórax. Um alto índice de suspei-
co baseia-se no mecanismo de trauma e nos achados do exame físi- ção é a chave para identificar essas lesões. Toda a criança que sofrer
co: a presença de outras lesões sugestivas de movimentos violentos um trauma no tórax e tronco deve ser cuidadosamente monitorada
ou súbitos da cabeça, pescoço ou tronco; ou a presença de sinais para detectarem-se sinais de desconforto respiratório e choque. Mo-
específicos de lesão raquimedular, como deformidade, dor ou déficit nitore rigorosamente toda criança com abrasões ou contusões no
neurológico. Como no adulto, o tratamento pré-hospitalar correto de tronco depois de trauma fechado significativo; podem ser os únicos
uma coluna com suspeita de instabilidade é a estabilização manual, indícios de um risco aumentado de lesão intratorácica.
seguida da colocação de um colar cervical de tamanho adequado e a Ao transportar uma criança que sofreu trauma fechado de alto
imobilização da criança em prancha rígida, de modo que a cabeça, o impacto no tórax, o ritmo cardíaco do paciente deve ser monitorado
pescoço, o tronco, a pelve e as pernas sejam mantidos em posição enquanto a criança estiver a caminho do hospital. Os itens-chave do
neutra e alinhada. Isso deve ser feito sem prejudicar a ventilação do tratamento do trauma torácico incluem também a atenção cuidadosa
paciente, a abertura da boca ou a realização de qualquer outra mano- para a ventilação e a oxigenação, bem como o transporte no mo-
bra necessária para reanimação. Indica-se mais liberalmente a imobi- mento correto para o hospital apropriado.
lização da coluna na criança pequena, por ela ser incapaz de se co-
municar ou, de outra forma, participar da própria avaliação. A mes- 5.4. Trauma Abdominal
ma imaturidade também contribui para o medo e a falta de coopera-
ção das crianças com a imobilização. Uma criança que reage inten- A presença de trauma abdominal fechado, de instabilidade de
samente às tentativas de imobilização pode, na realidade, ter maior bacia, de distensão, rigidez ou sensibilidade abdominal após o trau-
risco de agravar qualquer lesão raquimedular existente. Pode ser ma, ou de choque sem outra explicação pode indicar hemorragia
válido decidir não imobilizar essa criança, se for possível convencê- intra-abdominal. Uma marca de cinto de segurança sobre o abdome
la a ficar deitada imóvel, sem contenção. Qualquer decisão de inter- de uma criança é, com frequência, um marcador de lesões internas
romper as tentativas de imobilização no interesse da segurança da graves (figura 370). Os elementos-chave do tratamento pré-
criança deve ser registrada no relatório de ocorrência, bem como da hospitalar do trauma abdominal são o uso de oxigênio em altas con-
avaliação repetida do estado neurológico durante e imediatamente centrações e o transporte rápido para o hospital adequado com moni-
depois do início do transporte. toramento cuidadoso e contínuo no trajeto.
Na maior parte das crianças pequenas, quando colocadas so-
bre uma superfície rígida, o tamanho relativamente maior do occipí-
cio provoca flexão do pescoço. Deve ser colocado um coxim debai-
xo do tronco, suficiente (2-3 cm) para elevá-lo de modo a permitir
que a cabeça fique em posição neutra. O coxim deve ser contínuo e
reto, indo dos ombros até a bacia, estendendo-se até as margens
laterais do tronco, para garantir que as colunas torácica, lombar e
sacral fiquem imobilizadas sobre uma plataforma estável, única e
reta. Também deve ser colocado coxim entre as laterais do corpo da
criança e as bordas da prancha, para que não ocorram movimentos
laterais quando se movimenta a prancha ou quando o paciente e a
prancha precisam ser rodados para o lado, para evitar aspiração de
vômito.
Fig. 370: O “sinal do cinto de segurança” em um paciente com 6 anos de idade que
Há disponibilidade de uma grande variedade de novos dispo- teve ruptura de baço. Os sinais do cinto de segurança estão frequentemente associa-
sitivos para imobilização pediátrica. O socorrista deve treinar e fami- dos a lesões intra-abdominais graves.
liarizar-se com todo o equipamento especializado usado na unidade
5.5. Trauma de Extremidades
onde trabalha, bem como com os ajustes necessários quando se
imobiliza uma criança com equipamentos usados em adultos. Se for
Em comparação com o adulto, o esqueleto da criança está em
usado na criança um imobilizador tipo colete, o socorrista deve asse-
crescimento ativo e é composto por uma grande proporção de tecido
gurar-se de que a imobilização está adequada, para evitar compro-
cartilaginoso e zonas de crescimento metabolicamente ativas. Os
metimento respiratório. O socorrista deve também estar familiariza-
ligamentos que mantêm os ossos do esqueleto juntos são frequente-
do com as técnicas de imobilização da criança pequena em cadeiri-
mente mais fortes e mais capazes de resistir à ruptura mecânica do
nha de carro.
que os ossos aos quais estão fixados. Assim, as crianças com trauma
esquelético suportam grandes forças antes de terem fraturas de ossos

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302 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 29 — Emergências Pediátricas

longos ou luxações. As fraturas incompletas (“em galho verde”) são A cada ano, aproximadamente 1,5 milhão de crianças sofrem
comuns e podem ser sinalizadas apenas por dor no osso e/ou quando abuso por queimadura, o que representa 20% de todos os abusos
se movimenta o membro afetado. infantis. Cerca de 20% a 25% das crianças internadas em um centro
Tirando os ferimentos penetrantes, as lesões primárias das de queimados pediátrico são vítimas de abuso infantiI. A maior
articulações são raras, quando comparadas com as lesões das diáfi- consciência desse problema entre os socorristas pode melhorar a
ses ou das epífises do osso. As fraturas que acometem a placa de detecção e a denúncia dos agressores.
crescimento devem ser identificadas e tratadas de forma a garantir Os dois mecanismos pelos quais essas crianças recebem quei-
não somente a cicatrização adequada, mas também a prevenção de maduras são as escaldaduras e as queimaduras de contato. As escal-
luxação ou deformidades subsequentes, durante o crescimento da daduras são a forma mais comum de queimaduras por abuso. Tipi-
criança. A associação de lesões vasculares a lesões ortopédicas deve camente, as lesões por escaldadura são infligidas em crianças em
ser sempre considerada na criança, e o pulso distal deve ser avaliado. idade de treinamento dos hábitos higiênicos. O cenário habitual é o
Com frequência, a presença de uma lesão que pode deixar sequela das crianças que se sujam e são imersas em uma banheira com água
só pode ser afastada pelo exame radiológico. quente. Essas queimaduras por escaldadura são caracterizadas por
As grandes deformidades aparentes, que às vezes acompa- um padrão de demarcação nítida entre os tecidos queimados e não-
nham as lesões de extremidades, não devem desviar a atenção das queimados, poupando as pregas de flexão.
lesões que podem ter risco de morte. A hemorragia não-controlada é As queimaduras por contato são o segundo mecanismo mais
a única condição com risco de morte ligada ao trauma de extremida- comum de queimaduras por abuso. Os objetos mais comumente
des. Nos pacientes pediátricos e adultos com lesões multissistêmicas, utilizados para infligir as queimaduras são chapinhas de cabelo,
o início imediato do transporte para o hospital apropriado, sem per- ferros de passar roupa e cigarros. As queimaduras por cigarro apare-
der tempo, depois de completado o exame primário, a reanimação e cem como feridas arredondadas, medindo pouco mais de 1 cm de
a imobilização rápida, ainda são de suma importância para reduzir a diâmetro (tipicamente 1,3 cm). Para esconder essas lesões, o agres-
mortalidade. Quando a imobilização básica puder ser feita a cami- sor pode fazê-las em áreas geralmente cobertas por roupa, acima da
nho sem prejudicar a reanimação da criança, isso ajudará a minimi- linha de implantação do cabelo no couro cabeludo ou mesmo nas
zar o sangramento e a dor associada às fraturas de ossos longos. axilas. As queimaduras por contato acidental têm bordas irregulares
e profundidade heterogênea. Em contraste, as queimaduras por con-
5.6. Queimaduras tato intencionais têm bordas regulares e profundidade uniforme.
Todas as superfícies do corpo humano apresentam algum grau de
Depois das colisões automobilísticas e dos afogamentos, as curvatura. Por conseguinte, um objeto quente que caia sobre qual-
queimaduras estão em terceiro lugar como causa de morte por trau- quer superfície corporal tem um ponto inicial de contato e, em segui-
ma pediátrico. O atendimento de uma criança traumatizada é sempre da, o objeto quente defletirá a partir do ponto de contato. A lesão
um grande desafio físico e emocional para o socorrista, sendo que resultante tem bordas e profundidade irregulares. Quando um objeto
essas dificuldades são apenas amplificadas quando se trata de uma quente é deliberadamente utilizado para queimar alguém, ele é pres-
criança queimada. A criança queimada pode ter edema de vias aé- sionado sobre a região do corpo. A queimadura então apresentará
reas e a criança pode estar histérica por causa da dor. um padrão com uma borda nítida e profundidade de queimadura
O ABCDE do tratamento do trauma deve ser seguido no trau- uniforme (veja o capítulo 23).
ma pediátrico, mas cada etapa do exame primário pode ser mais É importante ter um alto índice de suspeição, e todos os casos
complicada que na criança sem queimadura. A maioria das mortes de suspeita de abuso devem ser notificados. Observe meticulosa-
relacionadas com incêndios em prédios não está diretamente relacio- mente o ambiente, como a posição das várias peças do mobiliário,
nada com queimadura de partes moles, mas é secundária à inalação ferros de cabelos e a profundidade da água da banheira. Registre os
de fumaça. Quando as crianças ficam presas em um incêndio, elas nomes dos indivíduos presentes no local. Toda criança com suspeita
frequentemente se escondem do fogo debaixo de camas ou em ar- de abuso, independentemente do tamanho das queimaduras, precisa
mários. Com frequência, essas crianças morrem e seus corpos são ser tratada em um centro com experiência no tratamento de queima-
frequentemente recuperados sem nenhuma queimadura; elas mor- duras pediátricas.
rem pela intoxicação por monóxido de carbono ou por cianeto de
hidrogênio e hipóxia. Mais de 50% das crianças com menos de nove 5.7. Transporte
anos vítimas de incêndios apresentam algum grau de lesão por inala-
ção de fumaça. A triagem é um aspecto importante do atendimento, pois a
O edema das vias aéreas induzido por meios térmicos é sem- chegada no momento correto ao hospital apropriado pode ser o ele-
pre uma preocupação nos pacientes queimados, mas principalmente mento-chave para a sobrevida.
nas crianças. O menor diâmetro da traquéia pediátrica significa que A tragédia das mortes evitáveis por trauma pediátrico tem sido
1 mm de edema produzirá uma maior magnitude de obstrução de documentada em vários estudos publicados nas últimas três décadas.
vias aéreas do que no adulto, cujas vias aéreas têm maior diâmetro. Estima-se que até 80% das mortes por trauma pediátrico podem ser
Uma criança com edema de vias aéreas pode estar sentada inclinada classificadas como evitáveis. Essas estatísticas têm sido uma das
para frente e apresentar salivação. principais motivações para o desenvolvimento de centros de trauma

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pediátrico regionalizados, onde pode ser dado atendimento contínuo, Qualquer alteração ou descompensação na criança requer a
sofisticado e de alta qualidade. reavaliação imediata do ABCDE. Mudou o escore na GCS? Os
Em algumas áreas urbanas existe tanto centro de trauma pedi- membros ainda estão bem do ponto de vista neurovascular e a crian-
átrico quanto centro de trauma de adultos. Se a demora no transporte ça está normotérmica? Prestando atenção ao essencial e reavaliando
for pequena, o paciente pediátrico com trauma multissistêmico pode continuamente o ABCDE, é possível fazer a reanimação adequada
beneficiar-se da capacidade de reanimação inicial e da disponibilida- da criança até que ela possa ser transferida para um centro de trata-
de de tratamento definitivo do hospital especializado em tratamento mento definitivo.
da criança traumatizada. Para muitos locais, entretanto, o centro
especializado de trauma pediátrico mais próximo fica a várias horas 7. TRIAGEM PEDIÁTRICA EM DESASTRES:
de distância. Em tais lugares, a criança traumatizada grave deve ser JumpSTART
transportada para o centro de trauma de adultos mais próximo, por-
que a reanimação precoce e a avaliação antes do transporte para um Muitos incidentes com múltiplas vítimas, se não a maioria,
hospital pediátrico podem melhorar a sobrevida. Em áreas onde não incluem crianças entre as vítimas. Os socorristas defrontam-se não
existe centro de trauma pediátrico próximo, os profissionais do cen- apenas com o estresse e o caos potencial de ter de lidar rapidamente
tro de trauma de adultos têm experiência na reanimação e tratamento com múltiplos pacientes, mas também precisam agir efetivamente
de traumatizados adultos e crianças. Em áreas onde não existe ne- sob o estresse adicional de cuidar de uma ou mais crianças com
nhum dos dois centros de trauma, deve-se transportar a criança trau- lesões potencialmente graves. Nesse ambiente desafiador, as diretri-
matizada grave para o hospital apropriado para vítimas de trauma zes de triagem objetiva para pacientes de todas as idades podem
mais próximo, de acordo com os protocolos locais. O transporte ajudar a garantir que o bem máximo seja feito para o maior número.
aéreo deve ser considerado, quando indicado, para levar o paciente No ambiente de triagem primária em desastres, nenhum paciente
pediátrico para um centro de trauma pediátrico em tempo adequado. tem precedência em relação a qualquer outro, independentemente da
O transporte aeromédico deve ser considerado nas áreas rurais para idade ou estado social. A triagem de um incidente com múltiplas
acelerar o transporte. Há pouca evidência de que o transporte aero- vítimas deve ser feita com a cabeça, não com o coração. Se as víti-
médico traga algum benefício nas áreas urbanas, onde o transporte mas pediátricas receberem tratamento preferencial em um desastre,
terrestre até um centro de trauma pediátrico é quase tão rápido quan- por causa da ansiedade do socorrista, falta de confiança, simples
to o aéreo. compaixão ou boa intenção, podem ser destinados recursos para
crianças que não precisam deles ou que não se beneficiam deles, em
6. TRANSPORTE PROLONGADO vez de os orientar para adultos que poderiam se beneficiar.
O método START é o sistema de triagem primária objetiva
Ocasionalmente, pode haver uma situação, em consequência em desastres mais comumente usado em muitos países. Infelizmen-
de triagem ou de outros problemas ambientais, em que o transporte te, ele não se adapta bem a crianças, principalmente às crianças me-
será retardado e os socorristas precisam cuidar da reanimação inicial nores, que têm faixas de sinais vitais normais diferentes das dos
da criança traumatizada. Ainda que esta não seja a situação ideal, por adultos. Para ir ao encontro da necessidade de um instrumento de
causa da falta de recursos no local e pela impossibilidade de realizar triagem primária em desastres, que seja específico para a população
as intervenções diagnósticas e terapêuticas, aplicando-se os princí- pediátrica, o Dr. Lou Romig, um médico emergencista pediátrico
pios discutidos neste capítulo de uma maneira organizada, a criança americano, desenvolveu o instrumento de triagem JumpSTART, em
pode ser tratada de forma segura até a chegada a um centro de trau- 1995. O JumpSTART tem uma estrutura paralela à estrutura do
ma. Quando for possível o contato por rádio ou celular com o hospi- START e pode ser usado junto com o START durante a triagem
tal de destino, a comunicação e o feedback constantes são funda- primária em um desastre com vítimas adultas e pediátricas. Os paci-
mentais tanto para os socorristas quanto para os membros da equipe entes são classificados segundo as mesmas quatro categorias de
de trauma que está no hospital. prioridade (vermelho/imediata, amarelo/retardada, verde/menor e
O tratamento deve consistir na avaliação contínua e repetida preto/morto ou expectante), e cada vítima é abordada com o mesmo
do ABCDE. A criança deve ser estabilizada e imobilizada em pran- esquema de avaliação estruturado. Os pontos de decisão dentro da
cha rígida, com as precauções para a coluna vertebral. A prancha avaliação estruturada são ajustados para se adequar à idade aparente
deve ser acolchoada o melhor possível. Deve ser monitorada a oxi- de cada vítima.
metria de pulso, principalmente na criança com trauma craniencefá- A “idade aparente” é um termo-chave quando se lida com
lico. Deve ser calculada e repetida de forma seriada a GCS (escala crianças. Com freqência, as crianças parecem mais velhas ou mais
de coma de Glasgow). Deve-se continuar a avaliação na busca de jovens que sua idade verdadeira. As diretrizes de triagem baseadas
outras possíveis lesões e iniciar todos os esforços para manter a cri- na idade absoluta tropeçam quando o socorrista é forçado a adivi-
ança normotérmica. As fraturas devem ser imobilizadas e estabiliza- nhar a idade de uma criança. Os idealizadores do START especifi-
das, avaliando-se repetidamente a situação neurovascular dos mem- cam que esse método deve ser utilizado em pacientes que pesam 45
bros imobilizados. Esse ciclo de avaliação continuada do exame kg ou mais; obviamente, esse é um parâmetro difícil de avaliar no
primário deve ser repetido até que a criança possa ser transportada local. Corno as comparações entre o START e o JumpSTART mos-
com segurança. tram um grande grau de concordância para adolescentes, o Dr. Ro-

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Capítulo 29 — Emergências Pediátricas

mig sugere as seguintes diretrizes para usar o START ou o JumpS- barreira, abrindo, assim, as vias aéreas inferiores e deflagrando, pos-
TART: sivelmente, a respiração espontânea. Observe que isso não significa
 Se o paciente parecer uma criança, use o JumpSTART. utilizar um ambu, que seria muito incômodo para ser carregado pelo
 Se o paciente parecer um adulto jovem ou mais velho, use responsável pela triagem. É suficiente um dispositivo de barreira
o START. simples, como uma máscara de reanimação cardiopulmonar (RCP)
dobrável. Se essa manobra de abertura das vias aéreas inferiores (o
7.1. Triagem Primária “jumpstart”) deflagrar a respiração espontânea, o socorrista não
continua a ventilar a criança, mas a classifica corno “vermelha” e vai
A triagem primária usando o JumpSTART começa da mesma adiante. Se houver socorristas suficientes, um pode ser designado
maneira que o START, com a ordem para que todas as vítimas que para observar a criança e monitorar as vias aéreas, mas o socorrista
deambulam se dirijam para uma área designada para aguardar a da triagem deve terminar a sua tarefa. Se a apnéia persistir depois de
triagem secundária (figura 371). Os socorristas devem estar cientes cinco ventilações, deve-se supor que ocorrerá logo parada circulató-
de que (1) os adultos podem levar crianças com eles para a área de ria e, portanto, plena, a menos que se utilizem imediatamente recur-
triagem “verde” e (2) que algumas vítimas crianças podem não ter sos de suporte avançado; esses recursos raramente estão disponíveis
desenvolvimento suficiente para serem capazes de deambular. Por- em situações de desastre e, por conseguinte, o paciente deve ser
tanto, a capacidade de caminhar não é suficiente para triar algumas classificado como “preto” e o socorrista da triagem segue adiante.
crianças que podem ter lesões apenas leves. O JumpSTART inclui O restante do algoritmo é paralelo ao START, com os pontos
uma adaptação para a avaliação de crianças que não estão andando de decisão modificados para se compatibilizar com as faixas pediá-
por causa da idade, retardo do desenvolvimento ou incapacidade tricas normais. As frequências respiratórias que no JumpSTART
física, conforme explicado mais adiante. Os adultos que deambulam deflagram a classificação para “vermelho” são abaixo de 15 incur-
podem levar crianças para a área verde. Essas crianças ainda não sões/min e acima de 45 incursões/min. Observe que o JumpSTART
foram triadas e, portanto, elas deverão ser os primeiros pacientes a inclui um limiar para frequências respiratórias muito baixas, uma
ser avaliados pelos socorristas que fazem a triagem secundária na situação mais perigosa do que a taquipnéia. Os números de limiares
área verde. O JumpSTART deve ser empregado na área verde para respiratórios START/JumpSTART combinados são então 15-30-
fazer a triagem primária dessas crianças. Qualquer criança que satis- 45, um esforço intencional para facilitar a memorização.
faça os critérios para categoria vermelha ou amarela deve ser enca- As crianças com frequências respiratórias de 15 a 45 são avali-
minhada para a área de tratamento apropriada. adas quanto à perfusão, pela presença ou ausência de pulsos. O en-
Para as vítimas que permanecerem sem triagem, o JumpS- chimento capilar não é empregado porque esse indicador de perfu-
TART e o START funcionam da mesma maneira, com os socorris- são periférica é facilmente afetado pelo ambiente e pode ser de difí-
tas triando as vítimas à medida que eles as encontram (figura 372). cil avaliação com iluminação deficiente. O START também consi-
Se a vítima estiver respirando espontaneamente, é avaliada a fre- dera a presença ou ausência de pulsos como uma medida alternativa
quência respiratória. Se a vítima não estiver respirando, o socorrista de perfusão. Mais uma vez, os socorristas devem procurar o pulso
abre as vias aéreas e reavalia quanto à respiração espontânea. Em pediátrico que lhes for mais familiar. Quando o pulso for facilmente
ambos os esquemas de triagem, quando os pacientes começam a palpável, avalia-se o estado mental. Se não houver pulso palpável, o
respirar, eles são classificados como “vermelhos”. Nesse ponto, o paciente é classificado como “vermelho”.
START diz que se o paciente não começa a respirar com a abertura O START utiliza a capacidade de obedecer a comandos sim-
das vias aéreas superiores, nenhuma avaliação adicional é efetuada, ples como uma medida de estado mental adequado. Como algumas
e a vítima é classificada como “preta”. crianças com estado mental normal podem não obedecer a coman-
O JumpSTART propicia um trajeto adicional para as crianças dos devido ao nível de desenvolvimento, medo ou compreensão
em apnéia. As crianças têm maior probabilidade que os adultos de errônea, o JumpSTART emprega o sistema AVDI para avaliação
sofrer uma parada respiratória, mas ainda apresentar alguma circula- neurológica. Se a criança estiver alerta, não-alerta mas responder a
ção antes que o coração apresente anóxia irreversível. Romig refere- comando verbal ou responder adequadamente a estímulo doloroso,
se a isto como a “janela de salvação”. Os adultos têm maior probabi- o estado neurológico provavelmente não está perigosamente com-
lidade de ter uma parada cardíaca ou circulatória primária, a qual prometido, sendo a criança classificada como “amarelo”. A resposta
então deflagra a apnéia. Embora não esteja comprovado cientifica- adequada ao estímulo doloroso significa a capacidade de localizar a
mente, é teoricamente possível que uma criança com parada respira- dor e, então, afastar-se propositalmente do estímulo ou empurrá-lo
tória inicial que ainda possua alguma circulação não apresente pro- para longe. As crianças que não localizam o estímulo doloroso e
gressão para parada cardiorrespiratória plena, quando a respiração é respondem com movimento generalizado ou sons sem sentido, que
restaurada. Essa é, talvez, a diferença fisiológica mais importante exibem postura em decorticação ou em descerebração, ou que real-
entre crianças e adultos no ambiente de triagem. O JumpSTART mente não respondem, são classificadas como “vermelho”. Observe
aborda essa diferença ao fazer com que o socorrista verifique se a que as crianças na categoria “amarela” provavelmente possuem
vítima tem pulso. Se for achado pulso (usando a localização de pulso estado neurológico suficiente para preservar o reflexo de ânsia. As
mais familiar para o socorrista), o socorrista realiza cinco ventilações crianças na categoria “vermelha” têm menor probabilidade de con-
de salvamento na criança, usando um dispositivo de proteção de seguir proteger as próprias vias aéreas, usando o reflexo de ânsia.

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Em síntese, as crianças que não conseguem caminhar nor que 15 incursões/min ou maior que 45 incursões/min, não têm
(agudamente), mas que apresentam respiração espontânea entre 15 e pulso palpável ou respondem de maneira inadequada, com postura
45 incursões/min, possuem pulsos palpáveis e respondem adequada- de decorticação ou descerebração, ou não respondem a estímulo
mente à dor (ou que têm resposta melhor) na avaliação AVDI são doloroso são classificadas como “vermelho”.
classificadas como “amarelo”. As crianças que estão em apnéia, mas Conforme mencionado anteriormente, nem todas as crianças
possuem pulso e respondem à tentativa de restaurar a ventilação têm a capacidade básica de caminhar, por causa do estágio de desen-
com cinco respirações, que apresentam frequência respiratória me- volvimento ou por deficiência. Isso não significa que elas não pos-

Fig. 371: Triagem Pediátrica JumpSTART em Desastres.


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Fig. 372: Algoritmo de Triagem START/JumpSTART Combinados

sam ser designadas para a categoria de triagem primária verde. Nas 7.2. Triagem Secundária
crianças que não podem caminhar como condição basal, aplique o
algoritmo JumpSTART. Se o paciente tiver qualquer critério para A triagem primária, usando o JumpSTART e o START ou
ser classificado como “vermelho”, coloque a etiqueta de “vermelho” qualquer outro método, é apenas o início de um processo dinâmico.
na criança. Se a criança tiver critérios para ser considerada como Todas as vítimas devem ser reavaliadas com a frequência possível
“amarelo”, examine rapidamente a criança para detectar sinais exter- para se detectar melhora ou piora significativa. A triagem secundária
nos de lesão significativa, incluindo queimaduras importantes, feri- é similar a um exame secundário, onde a fisiologia é reavaliada, as
mentos penetrantes ou perda de tecido, sangramento incontrolável alterações anatômicas são identificadas e, quando possível, o trata-
ou distensão abdominal. Se houver sinais externos significativos, mento é iniciado. Os pacientes podem ser “triados para cima” ou
classifique a criança como “amarelo”. (Lembre-se: já foi determina- “triados para baixo” durante a triagem secundária. Em geral, as prio-
do que a criança não satisfaz aos critérios fisiológicos do grupo ridades de transporte e os hospitais de destino são decididos nessa
“vermelho”.) Se não houver sinais externos de lesão significativa, a etapa.
criança será classificada como “verde”. Não existe método ou esquema de triagem secundária em
desastres que seja amplamente aceito. Em geral, os pacientes que
Muitas vezes, é difícil separar as crianças de seus acompa- necessitam de tratamento de emergência disponível apenas no ambi-
nhantes. Quando um acompanhante se recusar a se separar de uma ente hospitalar (p. ex., transfusão de sangue, cirurgia de emergência)
criança, faça a triagem de ambos e envie-os para a área de tratamen- têm a máxima prioridade de transporte. Uma vez completada a tria-
to correspondente ao paciente mais grave. Sempre que possível, não gem primária e iniciados a triagem secundária e o tratamento para os
gaste tempo tentando superar a insistência de uma família em per- pacientes mais urgentes, todos os pacientes na categoria “preta”
manecer junta, embora os membros da família devam se separar em devem ser reavaliados quanto a sinais de vida, havendo profissionais
determinados momentos, de modo que cada vítima possa receber o suficientes no local. A reanimação deve ser tentada apenas quando
melhor atendimento especializado. os pacientes com maior possibilidade de recuperação não precisa-
rem mais de pessoal nem de recursos e quando as lesões aparentes e
o tempo decorrido indicarem que há uma chance de sobrevida. Deve

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ser feito tratamento paliativo para os pacientes da categoria “preta” nascido que caiu da cama é suspeita, pois recém-nascidos não
que ainda estiverem vivos, mas que apresentam lesões incompatí- têm desenvolvimento para rolar e cair.
veis com a sobrevida, com ou sem o uso de recursos sofisticados.
Certos tipos de lesões também sugerem abuso, como os se-
7.3. Resumo e Benefícios guintes (figura 373):

O método de Triagem Pediátrica em Desastres JumpSTART  Múltiplas escoriações em vários estágios de resolução
funciona bem como um complemento para o START ou qualquer (excluindo regiões palmares, antebraços, tíbia e fronte, que
outro método de triagem objetivo para a triagem primária de crian- são frequentemente lesados em quedas normais).
ças em situações de desastre. No JumpSTART, os pontos fisiológi-  Lesões bizarras, como mordidas, queimaduras por cigarro,
cos de decisão foram ajustados para levar em consideração as varia- marcas de cordas ou qualquer lesão bem delimitada.
ções da fisiologia normal nas crianças de diferentes idades. O  Queimaduras bem delimitadas ou lesões por escaldadura em
JumpSTART reconhece que a via primária de morte na maioria das áreas incomuns (ver capítulo 23).
crianças com trauma agudo é a falência/parada respiratória e acres-
centa etapas adicionais para identificar as vítimas na “janela de sal- Os procedimentos de notificação variam, de modo que o so-
vação”. A tentativa de ventilação do JumpSTART abre as vias aé- corrista deve se familiarizar com as entidades apropriadas que se
reas inferiores das crianças em apnéia, mas com pulso, em um esfor- encarregam dos casos de abuso na sua região. A necessidade de
ço para estimular a respiração espontânea. Além disso, o JumpS- notificar os abusos é enfatizada por dados que indicam que cerca de
TART inclui uma adaptação para as crianças imaturas ou com ne- 50% de crianças maltratadas são liberadas de volta para os seus
cessidades especiais que não podem satisfazer os critérios para se- agressores, porque o abuso não foi suspeitado ou notificado (quadro
rem consideradas “verde” através da deambulação. 29-3).
Um sistema de triagem objetivo para as crianças é útil para as
vítimas e para os socorristas. Ao seguir um esquema de avaliação
bem delimitado e objetivo, os socorristas podem manter-se focados
em uma tarefa, que é estressante, premida pelo tempo, em um ambi-
ente caótico e emocionalmente carregado. O sistema de triagem
especifica as prioridades de tratamento. Dessa maneira, o socorrista
da triagem pode sentir menos responsabilidade por tomar decisões
difíceis de vida-ou-morte a respeito de crianças e pode encontrar
algum conforto ao saber que desempenhou um papel significativo
ao prestar o atendimento correto para o maior número de pacientes.

8. ABUSO E NEGLIGÊNCIA INFANTIL

O abuso infantil (maus-tratos) é uma causa importante de


trauma na criança. Quase 20% de todas as queimaduras na criança
estão associadas a abuso ou negligência infantil. O socorrista deve
considerar a possibilidade de maus-tratos, sempre que as circunstân-
cias os sugerirem.
Legalmente, os socorristas são obrigados a notificar quando
suspeitam de abuso infantil. Geralmente, os denunciantes que agem
de boa fé são protegidos de ações legais instauradas pelos denuncia-
dos.
Os socorristas devem suspeitar de maus-tratos se encontrarem
um dos seguintes cenários:

 Discrepância entre a história e o grau de lesão física, ou uma


história que muda com frequência.
 Resposta inadequada da família.
 Um intervalo prolongado entre o momento do trauma e o
momento da procura de atendimento médico.
 A história de trauma é inconsistente com o nível de desenvol-
vimento da criança. Por exemplo, uma história de um recém-

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Capítulo 29 — Emergências Pediátricas

Quadro 29-3: Documentando o Abuso Infantil


Os socorristas podem ser os únicos a atender uma cena 5. Identifique
potencial da lesãoe registre a idade
é vital para e o estágio
averiguar uma de desenvol-
história sus-
de crime potencial envolvendo abuso infantil. Mesmo reco- peita. vimento da criança.
nhecendo que os socorristas estão sob intensa pressão em 6. Identifique
Conheça osesinais de abuso
registre a idadee negligência:
e o estágio de desenvol-
um cenário de emergência, eles estão em uma posição ím- vimentoa. Sinais de abuso físico: fraturas inexplicadas, escori-
da criança.
par para coletar informações de importância como evidên- ações,Conheça
olhos roxos,
os sinaiscortes, queimaduras
de abuso e vergões; lesões
e negligência.
cia, que podem ajudar a determinar o mecanismo de lesão e regulares
Sinaise demarcas
abuso de mordedura;
físico: comportamento
fraturas inexplicadas, anti-
escoria-
a identificar o agressor. Idealmente, os socorristas devem social; medoroxos,
ções, olhos de adultos; sinais
cortes, de apatia, depressão,
queimaduras e vergões; hostili-
lesões
documentar 10 itens fundamentais ao responder a um cha- dade ou estresse;
regulares e marcas distúrbios alimentares.
de mordedura; comportamento anti-
mado de uma “criança que precisa de ajuda”:
ajuda”. social;b.medo
Sinaisdedeadultos;
abuso sexual:
sinais dedificuldade de andarhostili-
apatia, depressão, ou de
sentar, complacência excessiva,
dade ou estresse; distúrbios alimentares. agressividade excessiva,
1. Documente todos os adultos e crianças presentes. pesadelos,
Sinaisenurese
de abuso noturna,
sexual:alteração
dificuldadedrástica no apetite,
de andar ou de
2. Documente todas as declarações e o comportamento interesse impróprio ou excessiva,
sentar, complacência conhecimento de atos sexuais,
agressividade medo
excessiva,
de todas as pessoas presentes. Como registradores das de uma determinada
pesadelos, pessoa. alteração drástica no apetite,
enurese noturna,
declarações no “cenário”, os socorristas devem estar c. Sinais
interesse de negligência:
impróprio roupas de
ou conhecimento inadequadas;
atos sexuais, falta
medode
familiarizados com os requisitos gerais que permitem banho/sujeira;
de uma determinada odor corporal
pessoa. intenso; intensa dermatite de
que determinadas declarações possam ser usadas no fraldas; pesode
Sinais abaixo do normal;
negligência: faltainadequadas;
roupas de alimento, medica-
falta de
tribunal:
tribunal. mentos ou brinquedos;
banho! sujeira; uso deintenso;
odor corporal drogas intensa
ou álcool pelos pais
dermatite de
a. Identifique e registre o autor da declaração. ou pela criança;
fraldas; peso abaixofaltadoaparente
normal;defalta
supervisão; condições
de alimento, medica-de
b. Registre todas as declarações no relato oficial. vida
mentosinadequadas.
ou brinquedos; uso de drogas ou álcool pelos pais
c. Registre o conteúdo literal. ou pela criança; falta aparente de supervisão; condições de
d. Registre o momento em que foi feita a declaração. 7. inadequadas.
vida Avalie as crianças presentes em ocorrências não-
e. Registre o comportamento de quem falou. relacionadas.
Avalie as crianças presentes em ocorrências não-
f. Explique a sua função. 8. Avalie as crianças e adultos com deficiência.
relacionadas.
g. Faça perguntas sobre o acontecido. 9. Avalie
Atue deasacordo
crianças com os procedimentos
e adultos e requisitos de
com deficiência.
h. Registre a pergunta. Frequentemente,
Freqüentemente, o conteúdo de notificação
Atue obrigatória.
de acordo com os procedimentos e requisitos de
uma resposta só pode ser compreendido quando se conhece 10. Interaja
notificação com a equipe multidisciplinar.
obrigatória.
a pergunta. Interaja com a equipe multidisciplinar.
i. Liste todas as pessoas presentes que ouviram a de- Os casos de abuso e negligência infantil são prob!
claração. emas Os casosdedeenfrentar.
difíceis abuso e Deter
negligência infantilresponsáveis
os agressores são proble-
3. Documente
Documente o ambiente. Os socorristas podem chegar mas difíceis
por seus atosde enfrentar.
exige Deter os meticulosa,
documentação agressores responsáveis
investigação
antes antes
que osque os responsáveis
responsáveis pela criança
pela criança limpem,limpem, modi-
modifiquem por seus atos
imparcial exige documentação
e trabalho meticulosa,estão
de equipe. Os socorristas investigação
em uma
fiquem as
ou destruam ouevidências.
destruam as evidências. imparcial
posição únicae trabalho de equipe.e Os
para observar socorristas
registrar estão emvitais
informações uma
4. Colete
Colete os
os itens significativos. Preservar o mecanismo posição
ao avaliarúnica para observar
a possibilidade e registrar
de abuso informações vitais
infantil.
potencial da lesão é vital para averiguar uma história ao avaliar a possibilidade de abuso infantil.
suspeita.

Fig. 373: Indicadores de possível abuso infantil. A, “Olhos de guaxinim” ou equimose periorbitária, uma possível indicação de fratura na porção anterior da base de crânio.
B, Queimadura de cigarro recente na palma da mão. C, Abrasões recentes da lesão de contenção. D, Mordeduras humanas. E, Queimaduras por “imersão” nos pés.
F, Vergões e abrasões nas pernas, em consequência do abuso com um fio elétrico.
(De Sanders M: Mosby's paramedíc textbook. ed 2, St Louis, 2001, Mosby.)

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Diretoria de Ensino e Instrução 309
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

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310 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 30
Rotinas Operacionais

D e acordo com a resolução nº 1451/95, de 10 de março de


1995, do Conselho Federal de Medicina, publicada no D.O.U. de 17
 Outros traumatismos: situações de traumatismos físicos
não contempladas nos itens acima.
 Emergências Obstétricas: situações relacionadas à gestação
de março de 1995, conceitua-se emergência como “a constatação humana, sejam partos, abortamento, com complicações ou não para
a gestante ou feto.
médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco
 Emergências Psiquiátricas: intervenções em situações de
iminente de morte ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, trata- crise, evidenciadas pela incapacidade do indivíduo em lidar com o
mento médico imediato”. estresse por meio de mecanismos habituais.
O risco iminente de morte na vítima de trauma representa a A rotina operacional iniciará com a primeira fase da ocorrência
prioridade máxima de atendimento pelo Corpo de Bombeiros. Sub- que é o aviso, onde se desencadearão inúmeras situações pertinentes
sidiado pelos elementos da triagem, desta forma as centrais de ao atendimento pré-hospitalar, desde o sinistro ocorrido até o desfe-
operações devem identificar a presença desse risco, decidindo quais cho com a entrega da vítima no ambiente hospitalar para os cuida-
dos que se fizerem necessários para a manutenção da vida do paci-
recursos serão necessários e adequados ao seu atendimento. Existem
ente em questão e regresso à Unidade de Bombeiros de origem.
casos, no âmbito do trauma, em que a vida não está imediatamente Desta forma, a rotina operacional se desencadeará da seguinte
ameaçada, porém a vítima apresenta lesões ou situações que, se forma:
deixadas sem tratamento ou forem manejadas de forma inadequada, 1) Aviso da ocorrência.
podem redundar em agravamento e estabelecimento de sequelas 2) Triagem.
definitivas, ou mesmo resultar em morte. 3) Acionamento da viatura.
4) Deslocamento da guarnição de socorro.
1. EVENTOS AFETOS AO CORPO DE BOMBEIROS 5) Chegada ao local do evento.
6) Atendimento.
O Corpo de Bombeiros tem como missão prestar assistência de 7) Repasse de informações da ocorrência (se possível).
emergência à população, no que diz respeito aos agravos por causas 8) Encaminhamento ao hospital.
internas e externas, principalmente às vítimas de trauma, mas também 9) Retorno ao quartel.
a vítimas de causas clínicas, garantindo-lhes o suporte básico de vida
no local da ocorrência, sua estabilização e transporte adequado ao 2. PROCEDIMENTOS E FUNÇÕES
hospital mais apropriado ao seu cuidado definitivo.
As situações abaixo arroladas determinam a necessidade de 2.1. Aviso da Ocorrência
atendimento pelo Corpo de Bombeiros, desde que impliquem em
situações de risco imediato à vida, possibilidade de agravamento das A solicitação se dá através de uma das fases do atendimento de
lesões, caso a vítima seja mobilizada ou transportada de forma inade- ocorrência que é o Aviso de Ocorrência. Tal solicitação é efetuada
quada, sofrimento intenso, ou quando a análise do mecanismo de por meio do telefone de emergência 193, para a Central de Opera-
produção da lesão assim o indicar: ções do Corpo de Bombeiros, onde a ocorrência é inserida no con-
 Acidentes de trânsito: acidentes envolvendo um ou mais texto da rotina operacional e a partir deste momento é que há a mobili-
veículos, atropelamentos, acidentes ferroviários e outros de similar zação dos meios para que seja atendida a ocorrência propriamente
natureza. dita.
 Quedas: precipitações ao solo, não importando em que
altura se encontrava a vítima. 2.1.1. Atendente da Central de Operações BM (COCB/
 Lesões por arma de fogo: lesões provocadas por projéteis de CIOPS)
arma de fogo — revólver, fuzil, espingarda ou similares.
 Lesões por arma branca: lesões provocadas por objetos Cabe ao atendente 193 de serviço na Central de Operações
cortantes e/ou perfurantes — faca, navalha, punhal ou similares. BM — COCB/CIOPS:
 Agressões: ferimentos causados pela ação de animal ou 1) Atender aos chamados telefônicos respeitando as orientações
gerais do COCB/CIOPS.
pessoa sobre outrem, neste último caso, com objeto contundente ou a
própria força física.
2) Determinar rapidamente:
 Queimaduras: agravos por calor, chamas, eletricidade ou
 A natureza da ocorrência.
substâncias químicas.
 A presença de vítimas na cena do acidente.
 Soterramento/desabamento: acidente causado por desliza-
 A localização da ocorrência, anotando o endereço preciso,
mento de terra ou desabamento de materiais sobre a vítima.
 Afogamentos: asfixia mecânica provocada pela submersão pontos de referência, sentido da pista; se a ocorrência for em rodovia,
parcial ou total em meio líquido, causando interrupção prolongada presença de fogo, vazamento de combustível ou indícios de crime.
da respiração.  O nome e telefone do solicitante.
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

3) Proceder à triagem da ocorrência. por fiação de redes de energia elétrica ou descargas atmosféricas
4) Dar ciência das informações obtidas ao despachante BM e (raio).
este por sua vez, ao coordenador de operações BM (nas áreas operaci- O que constitui:
onais que dispuserem de CIOPS); Pessoa sobre fiação elétrica. Vítima de raio.
5) Dar ciência das informações obtidas ao oficial/graduado de
Acidente com transformadores, disjuntores, caixa de energia,
dia (nas áreas operacionais que não dispuserem de CIOPS).
envolvendo vítima.
6) Obter informações adicionais do solicitante, de acordo com a
demanda do coordenador de operações BM, despachante BM, ou Choque elétrico decorrente de utilitários domésticos
oficial/graduado de dia. (liquidificador, televisão, batedeira, torradeira, enceradeira, etc.) e
equipamentos profissionais (máquinas em geral: costura, fotocopia-
doras, prensas, cortadeiras, etc.), gerando vítimas.
2.2. Triagem
O que não constitui:
Acidentes não decorrente do choque elétrico. Acidentes com
O atendente deverá colher dados no processo de triagem, deter-
equipamento elétrico desenergizado.
minar a presença de risco, e, em caso afirmativo, providenciar o
atendimento necessário com os recursos disponíveis no sistema. Argumentos necessários:
Desta forma, cabe ao atendente, no processo de triagem dos Qual o local da lesão?
chamados: A vítima está consciente?
1) Atender aos chamados telefônicos respeitando-se as orienta- Há hemorragia intensa e/ou queimaduras? Qual o agente causa-
ções gerais acima relacionadas. dor?
2) Informar-se acerca da natureza da ocorrência, perguntando A vítima é criança ou adulta? Se mulher, é gestante?
ao solicitante dados da ocorrência, com o intuito de identificar o A rede de energia foi desativada?
evento afeto ao Corpo de Bombeiros e a necessidade de despacho de Sabe informar a voltagem da descarga elétrica (se rede de
socorro. energia).
3) Procurar obter do solicitante as informações pertinentes a Orientações ao solicitante:
cada tipo de agravo, utilizando-se dos questionários próprios, e registrá Desligar fornecimento de energia, se possível. Não mexer na
-las em campo específico do Aviso de Ocorrência. vítima.
4) De acordo com as respostas obtidas do solicitante, despa- Isolar o local, evitando-se acidentes secundários.
char o trem de socorro adequado para o atendimento daquela ocor- Manter-se a vítima com vias aéreas desobstruídas (respiração).
rência. Em caso de hemorragia, pressionar a região lesada.
5) Identificar, em cada tipo de ocorrência, as situações que
possam demandar intervenção médica in loco (Suporte Avançado 2) Acidente de Trânsito
de Vida, quando disponível).
6) Orientar o solicitante quanto às ações simples que possam
Conceito: acidente que envolva veículo, via ou pedestre, com
ser tomadas enquanto aguarda a chegada de socorro, em relação ao
uma ou mais vítimas.
isolamento do local, mobilização ou não da vítima e procedimentos
O que constitui:
básicos para liberação de vias aéreas e controle de hemorragias.
Qualquer acidente de trânsito que resulte em vítimas.
7) Caso a ocorrência não se configure como evento afeto ao
Corpo de Bombeiros, orientar adequadamente o solicitante, sugerin- Tombamento, capotamento, queda, choque, colisão, abalroa-
do alternativas que possam suprir sua demanda de atendimento mé- mento, atropelamento.
dico. A necessidade do desencarceramento da vítima em óbito.
Encontrar o acidentado em rua, estrada ou avenida com fortes
2.2.1. Protocolos para Triagem indícios de colisão com veículo (frenagem, pedaços veicular, etc).
O que não constitui:
Durante a triagem, o atendente deverá cumprir os Protocolos Quando o acidente não resulta em vítima.
de Atendimento BM, confeccionados e publicados em boletim geral Argumentos necessários:
da corporação, no ano de 2007, pelo CIOPS-MS, com os diversos Tipo de acidente (colisão, atropelamento, capotamento, cho-
tipos de ocorrências e suas características, conforme relacionadas a que).
seguir: Número de vítimas, sexo, idade aproximada.
Vítima está consciente ou não.
1) Choque Elétrico Vítima está falando. Caso contrário, como está a respiração.
Vítima está presa nas ferragens.
Conceito: levar choque em decorrência de descarga elétrica, Vítima foi ejetada do veículo.

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312 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
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Capítulo 30 — Rotinas Operacionais

Morte de algum dos ocupantes do veículo. (distúrbios mentais) que estejam agressivas, colocando em risco a
Lesões aparentes, região do corpo, presença de hemorragia. vida ou a segurança de outros, e necessite de transporte à unidade
Tempo decorrido entre o acidente e o chamado. hospitalar de psiquiatria.
Se sabe como ocorreu. O que constitui:
Quantos veículos estão envolvidos. Paciente com histórico de doença psiquiátrica, apresentando
Se o local é de fácil acesso. agressividade e dificuldade de contenção.
Orientações ao solicitante: Pacientes que estejam com consulta marcada em hospital
psiquiátrico e que se recusam a comparecer, agredindo os familiares.
Isolar o local.
O que não constitui:
Manter contato verbal com as vítimas, e informar da iminente
chegada do socorro. Problemas sociais de transporte não se enquadram no atendi-
mento.
Não mexer no acidentado, aguardar socorro público especializa-
do. Usuários de drogas em crise não constituem emergência psiqui-
átrica, mas sim uma ocorrência policial.
Em casos de vítimas fatais, duas observações são pertinentes: a
viatura só deverá ser deslocada quando da presença de outras vítimas Argumentos necessários:
não fatais ou quando da necessidade de desencarceramento de víti- A vítima tem histórico de doença psiquiátrica?
mas fatais. Realizado o deslocamento, deverá ser solicitada a Perícia Está agressiva?
Técnica da Polícia Civil. Agrediu alguém?
Toma medicação controlada?
3) Emergência Obstétrica A vítima porta alguma arma (faca, canivete, arma de fogo)?
A vítima é usuário de drogas? Que tipo de drogas?
Conceito: solicitação referente a gestante ou parturiente, que Tem consulta marcada em hospital psiquiátrico?
apresente metrorragia, contrações, fortes dores abdominais, impossibi- Orientações ao solicitante:
lidade de ser transportada em veículo comum. Afaste da vítima objetos perfurantes, cortantes ou qualquer ou-
O que constitui: tro que possa ser utilizado como arma; tentar manter a vítima no
Gestante que esteja em trabalho de parto, com contrações fre- interior da residência até a chegada da guarnição.
quentes e bolsa amniótica rompida. É obrigatória a presença de um acompanhante na viatura que
Gestante que já esteja dando à luz e tenha complicações no seja responsável pela vítima.
parto como prolapso de cordão umbilical (cordão enrolado no pesco- Em caso de deslocamento para internação agendada, deverá
ço), prolapso de perna ou de braço (o membro sai antes da cabeça), possuir o respectivo documento — guia de internação.
parto pélvico, entre outros.
Gestante que apresente metrorragia ou fortes dores abdominais 5) Estupro
em decorrência da gestação.
O que não constitui: Conceito: é a prática não-consensual de sexo, imposta por
Solicitação referente a simples transporte de uma gestante a meio de violência ou ameaça de violência, ou ainda imposta contra
uma unidade de saúde. pessoas incapazes de consentir o sexo (como crianças ou deficien-
Argumentos necessários: Qual a idade da gestante? É a primeira tes). Pelo Código Penal Brasileiro, estupro é a penetração de pênis
gestação? em vagina sem o consentimento da mulher.
A gestante está com sangramento? Está com contrações? O que constitui:
A bolsa amniótica estourou? Está de quantos meses? Relação sexual não consentida ou contra pessoas incapazes
Orientações ao solicitante: com penetração vaginal, causando lesões que justifiquem a presença
Caso seja constatado no local que não se trata de uma emer- do Corpo de Bombeiros, para pronto atendimento médico.
gência obstétrica e que o solicitante faltou com a verdade nas infor- O que não constitui:
mações fornecidas ao CIOPS/COCB, não se deve transportar a Relação sexual não consentida ou contra pessoas incapazes,
gestante, devendo ser informado que se trata de crime previsto no sem penetração vaginal. Neste caso configura-se atentado violento
Código Penal, art. 266 — perturbação de serviço telefônico público ao pudor.
— prisão de 1 a 3 anos, e contravenção penal — falso alarme — art. Sem lesões graves e sem risco de morte.
41 — prisão de 15 dias. Argumentos necessários:
Possui sangramento vaginal?
4) Emergência Psiquiátrica A vítima está debilitada a ponto de necessitar transporte ao
hospital?
Conceito: atendimento a vítimas com necessidades especiais O autor ainda está por perto? Sabe onde o encontrar?
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Orientações: óbito se não for levada a uma unidade de saúde.


Informar-se sobre a real necessidade da vítima receber pronto O que constitui:
atendimento médico, para poder deslocar uma Unidade de Resgate. Ingestão de venenos, produtos químicos, medicamentos, etc;
Procurar saber se houve penetração vaginal para classificar Ingestão de alimentos que provoquem intoxicação e que colo-
adequadamente o fato em estupro ou atentado violento ao pudor. que em risco a vida.
Intoxicação por inalação de produtos resultantes de combustão
6) Quedas: ou outros gases tóxicos.
O que não constitui:
Conceito: emergência traumática cujo mecanismo de injúria se Asfixia mecânica, síncopes, emergências clínicas.
caracteriza pelo impacto do corpo ao solo independente do agente Argumentos necessários:
causador, causando lesões ou risco de morte. Qual o medicamento ou substância que foi ingerido?
O que constitui: Qual a quantidade que foi ingerida ou quanto tempo a vítima
Tropeço seguido de queda com lesões pelo corpo, com risco ficou em contato com o produto?
de morte ou trauma secundário. Sabe identificar o produto químico ou medicamento?
Queda em ribanceiras, poços, valas, andaime, local elevado, Qual a via de intoxicação (inalação, injeção, ingestão, absorção
etc. cutânea).
Pessoa com epilepsia que cai devido à doença, causando lesão. Orientações ao solicitante:
Queda de telhado, escada, mesa, muro, provocando lesão na colu- Informar-se sobre o número da ONU, nome do produto que a
na, membros ou cabeça. pessoa teve contato, ou cartela do medicamento ingerido.
Quedas onde a vítima tenha sofrido um trauma na região da Orientar ao solicitante quanto a sua própria segurança com
cabeça, com perda parcial ou total da consciência. referência ao contato com a mesma substância que vitimou a outra
O que não constitui: pessoa.
Demais quedas que não envolvam pessoas. Pessoa ao solo sem Orientar para não ministrar nada via oral e para não tentar
lesões com forte odor etílico. provocar vômito.
Pessoa com escoriações leves, consciente e orientada, sem
risco de morte. 8) Ataque de animais:
Argumentos necessários:
Tipo de queda (do mesmo nível, de nível diferente, altura da Conceito: Vítima de ataque de animal doméstico ou selva-
queda, superfície sobre a qual caiu). gem, peçonhento ou não, que resulte em lesão e que necessite de
Se local elevado, qual o local? (árvore, prédio, casa, muro). atendimento pré-hospitalar.
Aproximadamente quantos metros de altura? O que constitui:
Número de vítimas? Sexo? Idade aproximada? Vítima de picada de cobra, escorpião, aranha ou outro animal
Vítima acordada ou não? Se não, como está a respiração? Lesões peçonhento.
aparentes? Região do corpo? Presença de hemorragia? Tempo decor- Vítima de mordida de cão, gato ou outro animal doméstico. Ata-
rido entre o acidente e o chamado? que de animais silvestres, tais como capivara, tamanduá, quati,
Orientações ao solicitante: macaco, etc.
Isole o local para proteger a vítima. O que não constitui:
Não deixe que ninguém sem conhecimento técnico movimente a Animais agressivos que estejam soltos, sem terem vitimado
vítima. pessoas.
Procure manter a vítima consciente, conversando com ela. Veri- Argumentos necessários:
fique a respiração. Se ausente, abra a boca e retire qualquer tipo de Qual o tipo de animal? Foi identificada a espécie? Qual a exten-
material do seu interior. são da lesão?
Observar locais de difícil acesso e verificar meios de retirada. Em A vítima é criança ou adulta? Trata-se de idoso? Está consciente?
caso de hemorragias, orientar o solicitante para realizar um curati-
Atingiu a face?
vo compressivo para contê-la.
O animal está contido no local ou fugiu? É um animal adulto?
Orientações ao solicitante:
7) Intoxicações e Envenenamentos:
Orientar ao solicitante que não coloque sobre a área lesionada
nenhum tipo de produto, principalmente em casos de animais peço-
Conceito: informação de pessoa intoxicada — envenenada nhentos (que inoculem seu veneno na vítima); que não faça perfura-
acidentalmente, ou intencionalmente por si mesma ou por outra ções no local, nem torniquetes que impeçam a circulação sistêmica.
pessoa, que apresente alterações orgânicas visíveis, podendo ir a
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314 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
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Capítulo 30 — Rotinas Operacionais

Em casos de ataques de cão, outras pessoas devem ser afastadas Em casos de queimadura elétrica, orientar ao solicitante que
do mesmo, ou deve-se isolar o animal para evitar novos ataques. desligue a chave geral do ambiente.
Em casos de hemorragia local, recomendar que se coloque um Em casos de inalação de produtos de combustão, orientar ao
pano limpo no ferimento e pressione para que se estanque ou dimi- solicitante que abra portas e janelas, ventilando o local.
nua o sangramento.
10) Desabamento/Soterramento:
9) Queimaduras:
Conceito: ocorrências em que algum tipo de material venha a
Conceito: lesão do tecido vivo causada por temperaturas extre- cobrir uma ou mais pessoas de forma abrupta, vitimando-as, ou seja,
mas (baixa ou alta) ou pela ação direta ou indireta de uma substân- estando em risco de morte em consequência do evento.
cia química, da eletricidade, de radiação, cuja gravidade é direta- O que constitui:
mente proporcional a sua extensão e a sua profundidade, podendo Colapso de estruturas de concreto armado, metálicas, madeira
levar o indivíduo até a morte. ou qualquer outra, resultando em vítimas presas sobre os escombros.
O que constitui: Deslizamento de encostas, taludes, e outros, tendo como conse-
Queimadura provocada por panelas, água quente, fogueira, quência o soterramento de pessoas.
óleo de fritura, fornos industriais ou residenciais, etc. O que não constitui:
Queimaduras provocadas por variadas substâncias químicas. Colapso de estruturas de concreto armado, metálicas, madeira,
Queimaduras provocadas por eletricidade. ou deslizamento de encostas e taludes que não resulte em vítimas ou
Queimaduras provocadas por radiação, inclusive a solar. Quei- ofereça risco secundário.
maduras provocadas por temperaturas extremas. Qualquer queimadu- Argumentos necessários:
ra envolvendo vias aéreas. Tipo de material precipitado sobre a vítima (terra, madeira,
Queimaduras em vias aéreas, provocadas por produtos de concreto, estrutura metálica). Quantidade aproximada.
combustão. É possível estabelecer contato com a vítima?
O que não constitui: Pode estimar a quantidade de vítimas? (fundamental para acio-
Queimadura por escapamento de motocicleta, em ferro de nar as Unidades de Resgate em quantidade suficiente). Sexo. Idade
passar, ou qualquer outro que cause apenas vermelhidão local ou aproximada.
que seja sem risco de morte. Há quanto tempo ocorreu o desabamento/deslizamento?
Argumentos necessários: Vítima consciente ou não?
Tipo de agente causador da queimadura (calor, eletricidade, Vítima falando? Se não, como está a respiração?
substâncias químicas).
Lesões aparentes. Regiões do corpo atingidas.
Extensão da queimadura (pequena, média ou grande).
Presença de hemorragia?
Número de vítimas; sexo; idade aproximada.
Tempo decorrido entre o acidente e o chamado.
Está consciente ou não? Se não, como está a respiração? Regiões
Orientações ao solicitante:
do corpo atingidas. Atingiu a face?
Isolar e evacuar o local.
Inalou fumaça ou fuligem?
Desligar o fornecimento de energia elétrica, caso seja possível.
Tempo decorrido entre o acidente e o chamado.
Tentar estabelecer contato com as vítimas.
Orientações ao solicitante:
Não permitir que pessoas fiquem transitando na área do sinistro
Orientar ao solicitante que não coloque sobre a área atingida para evitar que se tornem vítimas e/ou venham a prejudicar as víti-
nenhum tipo de produto, seja este creme dental, borra de café, plan- mas já existentes.
tas, etc.
Em casos de queimaduras térmicas, orientar para que resfrie a
11) Emergência Clínica:
região atingida com água fria.
Em todos os casos de queimaduras, orientar para que não se
Conceito: atendimento a vítimas com disfunções orgânicas,
retire ou coloque nenhum tipo de vestuário, papel, plásticos, tecidos,
que necessitem de atendimento médico e que não tenham condições
que estejam fortemente aderidas à pele.
de ser transportadas por terceiros e que tal transporte não implique o
Em casos de queimaduras químicas, resguardar o solicitante
agravamento do quadro.
para que tome os devidos cuidados com o produto, evitando que
O que constitui:
venha a tornar-se mais uma vítima. Neste tipo de queimadura, o
Histórico de doenças graves: cardiopatias, acidentes vasculares,
atendente deve orientar para que NÃO JOGUE ÁGUA no local
perdas súbitas da consciência sem motivo aparente, pós-operatórios
atingido, já que esta pode vir a ocasionar uma reação química com o
envolvendo órgãos vitais: coração, cérebro, rins, fígado, intestinos,
produto, agravando-se o quadro.
artérias e similares.
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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul 315
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Hemorragias de qualquer natureza, de causa não traumática. Orientações ao solicitante:


O que não constitui: Não movimentar a vítima.
Problemas sociais de transporte não se enquadram no atendi- Manter a vítima com vias aéreas desobstruídas (respiração).
mento. Em caso de hemorragia, comprimir a região atingida.
Aos pacientes que são atendidos continuamente deverão ser
evitados, exceto se de alta gravidade. 2.2.2. Triagem na Cena da Ocorrência
Argumentos necessários:
A vítima tem histórico de doenças graves? Quais? Na cena da ocorrência, a prioridade de atendimento às vítimas
Está com hemorragia? se estabelece de acordo com os seguintes critérios:
Quantos anos possui (criança, adolescente ou idoso)? Quando o número de vítimas e a gravidade de suas lesões
Toma medicação controlada? NÃO EXCEDEREM a capacidade técnica de atendimento da guarni-
Ingeriu medicação no dia da solicitação? ção, a prioridade de atendimento será daquelas vítimas que estiverem
A vítima possui alguma doença infectocontagiosa (aids, hepati- sob risco imediato de morte ou poli traumatizadas.
te, meningite, tuberculose ou similares)? Quando o número de vítimas e a gravidade de suas lesões
Não há transporte para remover o paciente? EXCEDEREM a capacidade técnica de atendimento da guarnição,
A vítima é usuário de drogas? Quais? a prioridade de atendimento será daquelas vítimas que apresentarem
maiores chances de sobrevivência. Nesta situação, o comandante da
Orientações ao solicitante:
guarnição deverá reportar-se à Central de Operações e solicitar o
Verifique as vias aéreas e desobstrua, caso necessário. Em caso
apoio operacional ou assistencial necessários (para mais detalhes,
de hemorragia, passar procedimentos que visem à contenção da
consulte o próximo capítulo).
mesma; é aconselhável a presença de um acompanhante na viatura
que seja responsável pela vítima.
2.3. Acionamento da Viatura de Socorro

12) Agressão Física, FAF e FAB:


Imediatamente após os registros e a coleta dos dados efetuados
pelo atendente do Corpo de Bombeiros atinentes à ocorrência, inicia-
Conceito: Ofender a integridade corporal ou a saúde de ou-
se o acionamento da viatura de socorro com a ciência do coordenador
trem, podendo causar incapacidade para as ocupações, perigo de
de operações do CIOPS ou do oficial/graduado de dia do COCB,
vida, debilidade permanente, aceleração de parto, deformidade ou
que obedecerá, sempre que possível, a uma questão lógica de estra-
incapacidade permanente, enfermidade incurável, perda de função
tégia em relação ao posto de bombeiros que melhor estiver posicio-
ou aborto.
nado em relação à ocorrência.
O que constitui:
Caso durante a triagem contatar-se a necessidade de apoio de
Luxações, escoriação, entorse, síncope, convulsão e outros que outros meios, caberá ao CIOPS/COCB efetuar tal solicitação para
coloquem em risco de morte ou que necessite de transporte especiali-
que se possa dar suporte às guarnições de socorro que estiverem
zado. no local.
Ferimentos por facada, punhalada, tiros, queda, paulada e pe-
drada que coloquem em risco de morte.
2.3.1. Critérios para Acionamento do Suporte Avançado de
O que não constitui:
Vida
Lesões que causem simples vermelhidão (eritema), hiperemia,
dor, desmaio, crise nervosa sem comprometimento físico ou mental
O médico do SAV — Suporte Avançado de Vida — poderá
que não necessite de transporte especializado.
ser acionado nas seguintes condições:
Argumentos necessários:
1) Durante o processo de triagem dos chamados telefônicos,
Lesões aparentes. poderá ser acionado imediatamente o SAV juntamente com a guarni-
Regiões do corpo atingidas. Qual o local da lesão? Presença de ção que prestará o atendimento à ocorrência, que caracterizam a
mais de um ferimento? Orifício de entrada e saída de projétil? necessidade urgente de médico no local. Mesmo antes da solicitação
Vítima falando? Se não, como está a respiração? da guarnição que atenderá a ocorrência, por determinação do coor-
Presença de hemorragia? Qual o agente causador? denador de operações ou oficial/graduado de dia e posteriormente
Número de vítimas. Idade aproximada. Sexo. durante uma melhor análise da vítima no local, poderá ser observado
A vítima está consciente? Se mulher, é gestante? pelo comandante da guarnição que não é necessária a presença do
Tempo decorrido entre o acidente e o chamado. SAV, e então poderá ser informada à viatura do SAV a desnecessi-
Motivo aparente para a agressão. dade do deslocamento, podendo então a viatura regressar à sua ori-
gem. As ocorrências que determinam tal atitude do coordenador de
Agressor ou atirador ainda no local da ocorrência?
operações ou oficial/graduado de dia estão inclusas nas seguintes
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316 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 30 — Rotinas Operacionais

situações: O deslocamento será efetuado seguindo todas as normas de


 Vítima inconsciente. segurança e trânsito vigentes no país bem como o que preconiza a
 Vítima com insuficiência respiratória grave. direção defensiva e também conforme o código de deslocamento do
Corpo de Bombeiros Militar, que estão determinados da seguinte
 Suspeita de parada cardiorrespiratória.
forma:
 Ferimento por arma branca ou de fogo atingindo cabeça,
Código 01 — deslocamento administrativo sem sinais lumino-
pescoço, face, tórax, abdome, ou com sangramento importante.
sos e sonoros, mas em prontidão para qualquer acionamento pela
 Vítima com grande área corporal queimada ou queimadura Central de Operações.
de vias aéreas. Código 02 — deslocamento em ocorrências não emergenciais,
 Eventos com mais de três vítimas, no mínimo em código 2. apenas os sinais luminosos acesos.
 Colisão de veículos com vítima presa em ferragens. Código 03 — o deslocamento será efetuado em emergências
 Colisão de veículos com vítima ejetada. com todos os sinais luminosos acesos (giroflex) e sinais sonoros
 Colisão de veículos com morte de um dos ocupantes. ligados (sirenes).
 Acidente com veículo em alta velocidade, principalmente Após o despacho do socorro adequado a cada tipo de ocorrência,
em rodovia. cabe ao despachante BM, ainda enquanto a viatura está em desloca-
mento, comunicar-se com a guarnição via rádio, oferecendo os se-
 Queda de altura de mais de cinco metros.
guintes dados, colhidos do processo de triagem:
 A natureza da ocorrência.
2) Após a chegada dos socorristas ao local da ocorrência, e
 O número de vítimas.
recebidas as primeiras informações sobre a situação, os achados a
seguir determinam a necessidade do SAV no local da ocorrência:  As lesões aparentes da vítima.
 Solicitação do comandante da guarnição, em virtude de  As primeiras orientações em relação ao atendimento.
suas dificuldades técnicas no atendimento à vítima.
 Vítima com PAS abaixo de 100 mmHg, com evidências de 2.5. Chegada ao Local da Ocorrência
hipoperfusão periférica.
 Vítima com frequência respiratória inferior a 10 ou superior a Na chegada da viatura ao local do evento, o comandante da
40 movimentos por minuto. guarnição deverá ficar atento às seguintes alterações:
 Escala de Coma de Glasgow com resultado igual ou menor  Local seguro para estacionamento da viatura a fim de pro-
que 8. porcionar segurança à guarnição e à vítima durante o atendimento da
 Escala de Trauma com resultado inferior a 9. ocorrência.
 Comprometimento de vias aéreas e ventilação: trauma de  Os socorristas, antes de prestar o atendimento à vítima,
face, pescoço ou traumatismos severos do tórax. deverão atentar para as condições de segurança no local, a fim de
garantir a sua própria segurança, a segurança da guarnição, da vítima
 Ferimentos penetrantes na cabeça, pescoço, tórax, abdome,
e de terceiros. Solicitar o apoio da PM no local para garantir a inte-
região inguinal.
gridade da guarnição e da vítima na cena do acidente, caso note-se
 Evidência de trauma raquimedular.
que está em risco a segurança da guarnição durante o atendimento
 Amputação parcial ou completa de membros. da ocorrência.
 Trauma de extremidade com comprometimento vásculo  Em ocorrências envolvendo equipes de salvamento e de
nervoso. apoio, cabe ao comandante do socorro o controle operacional das
 Queimaduras com acometimento extenso da superfície ações no local do sinistro. Caso exista a presença do SAV na ocor-
corporal ou das vias aéreas. rência, o médico deve reportar-se ao comandante da guarnição e
seguir suas orientações no que diz respeito às formas de acesso à
2.4. Deslocamento de Viaturas de Socorro vítima, à sua segurança e a dos socorristas.
O comandante do socorro deverá cientificar-se dos seguintes
O deslocamento dar-se-á imediatamente após o acionamento dados após a chegada da sua viatura ao local, e repassá-los assim
através do toque específico de ocorrência ou viatura. que possível à Central de Operações:
A guarnição de socorro, ao tomar conhecimento da ordem 1) Confirmação da natureza da ocorrência.
para deslocamento, deve: 2) Número de vítimas.
1) Determinar o melhor trajeto e rotas alternativas, se não houver 3) Sexo e idade aproximada de cada uma das vítimas.
orientação expressa da Central de Operações. 4) Vítima presa em ferragens ou não.
2) Informar-se sobre a natureza da ocorrência, número de 5) Principais lesões, evidentes ou suspeitas, de cada uma das
vítimas e dados disponíveis acerca do estado das mesmas. vítimas.

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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul 317
Diretoria de Ensino e Instrução
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

6) Necessidade de apoio operacional — outras viaturas de Condições ambientais:


Bombeiros, Polícia Militar, CiaPTran, Perícia Civil, SAV, etc.  Exposição a substâncias químicas/tóxicas.
7) O estado de cada uma das vítimas, conforme os seguintes  Exposição à contaminação potencial.
códigos:
Código 1: 2) Se possível, investigar:
 Vítima consciente, sem lesões aparentes ou lesões mínimas.  História pregressa.
Código 2:
 Medicamentos em uso.
 Vítima consciente, com fratura, aberta ou fechada, exceto
 Alergias.
fratura de fêmur, quadril ou coluna associada a outra lesão.
 Última refeição.
 Vítima consciente, com ferimento em crânio, face, tórax,
 Uso de álcool/drogas.
abdome ou extremidades, exceto coxa.
Código 3:
O comandante do socorro deverá orientar os socorristas quanto
 Vítima inconsciente.
aos procedimentos assistenciais adequados para cada vítima.
 Vítima com dificuldade respiratória, parada cardiorrespirató-
O médico regulador do sistema (quando disponível) deverá
ria.
informar ao comandante da guarnição da UR o hospital para o qual
 Vítima com ferimento penetrante em cabeça, pescoço, deverá ser transportada a vítima. Caso não esteja disponível, as víti-
tórax e abdome. mas de trauma devem sempre ser conduzidas para um hospital que
 Vítima com fratura de fêmur, quadril e coluna, aberta ou possua os recursos necessários para o atendimento da emergência
fechada, associada a outras lesões. em questão.
 Vítima com queimaduras de face; queimaduras graves.
Código 4: 2.6.1. Presença de Médicos Não Pertencentes ao Sistema
 Vítima em óbito.
A presença de médicos que não estejam ligados ao serviço de
2.6. Atendimento atendimento pré-hospitalar daquela região, interessados em intervir
no atendimento à vítima será imediatamente comunicada pelos
No atendimento propriamente dito, o socorrista deverá iniciar socorristas ao médico regulador do sistema (caso disponível). Am-
os procedimentos conforme as normas técnicas vigentes do bos os médicos devem manter contato via rádio para a troca de infor-
CBMMS, observando os seguintes tópicos: mações relativas à situação da vítima. O médico regulador deve orien-
tar o colega quanto aos procedimentos operacionais e assistenciais
previstos em protocolo específico. O médico presente no local deve
1) Procurar identificar o mecanismo de lesão e situações con-
observar as orientações do médico regulador do sistema quanto aos
correntes, como, por exemplo:
procedimentos assistenciais e o destino a ser dado à vítima. O socor-
Acidentes automobilísticos: rista deverá solicitar os dados pessoais do médico presente no local
 Uso do cinto de segurança. (nome completo, RG, CRM), e registrar sua intervenção no campo
 Deformidade do volante. específico do relatório de atendimento à vítima.
 Direção do impacto. Nas localidades que não possuam médico regulador, o médico
 Deformidades do veículo. presente no local responderá integralmente pelos procedimentos que
vier a tomar com relação à vítima. O comandante da guarnição não
 Ejeção de ocupantes.
poderá impedi-lo de prestar atendimento à vítima, devendo trabalhar
Quedas:
em conjunto em prol da qualidade de atendimento à vítima. Da mes-
 Altura da queda. ma forma, deverá solicitar os dados do profissional e registrar em
 Superfície sobre a qual caiu. relatório.
Ferimentos penetrantes:
 Localização anatômica da lesão. 2.6.2. Ocorrências Envolvendo Equipes de Salvamento do
 Tipo de agente agressor. CBMMS
 Calibre/velocidade do projétil.
Queimaduras: As ocorrências que suscitarem o despacho de equipes de salva-
 Ambiente aberto/confinado. mento do Corpo de Bombeiros, tais como retirada de vítima presa em
ferragem, ocorrência em local de difícil acesso, salvamentos em
 Substâncias/materiais queimados.
altura, incêndios e salvamento aquáticos serão acompanhados por
 Lesões associadas. guarnições de salvamentos comandadas por um oficial ou praça da

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318 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 30 — Rotinas Operacionais

corporação. competência exclusiva de um profissional médico presente no local,


Cabe ao mais graduado militar presente o controle operacional e que pertença ao sistema de atendimento pré-hospitalar. O coman-
da ocorrência, bem como o controle assistencial das ações de salva- dante da guarnição BM deverá registrar o fato no relatório da ocor-
mento. Deverá reportar-se ao médico do SAV e seguir suas orienta- rência.
ções no que diz respeito à forma de abordagem da vítima a aos pro-
cedimentos assistenciais a serem adotados. 2.6.6. Estabilização
O médico do SAV deve reportar-se ao comandante do socorro e
seguir suas orientações no que diz respeito às formas de acesso à A estabilização é uma das fases do atendimento em que o
vítima, à sua segurança e a dos socorristas. socorrista já efetuou o atendimento à vítima, repassou os dados da
vítima ao médico regulador, o qual já determinou o hospital apropria-
2.6.3. Vítima em Óbito no Local da Ocorrência do e a vítima está pronta para o transporte.
Considera-se estabilizada e pronta para transporte a vítima que
Havendo óbito da vítima no local da ocorrência, os socorristas segundo critérios de suporte básico de vida já tiver recebido os cui-
devem informar à Central de Operações para que se providencie a dados providos pelos socorristas, em relação à permeabilidade das
presença no local de autoridade policial competente. vias aéreas, controle de hemorragias e imobilização de fraturas.
Em havendo suspeita de crime, o comandante da guarnição
deve orientá-la para a preservação das evidências, não removendo o 2.7. Encaminhamento ao Hospital
corpo e mantendo intacta a cena. A guarnição deverá permanecer no
local da ocorrência até a chegada de autoridade policial competente, Depois do atendimento no local da ocorrência, já com a vítima
salvo orientação contrária da Central de Operações. estabilizada, a guarnição deverá entrar em contato com a Central de
Regulação para solicitar o hospital a ser encaminhada a vítima e
2.6.4. Vítima que Recusa Atendimento após ser dada esta informação informar o deslocamento à Central de
Operações BM da viatura ao hospital de referência.
Nos atendimentos de emergência, o socorrista deve conhecer as O médico regulador, provido das informações acerca da vítima
definições de consentimento implícito e consentimento explícito. Tais e das condições de atendimento dos hospitais de referência, deverá
definições o orientarão nos casos em que a vítima ou familiares recu- determinar aos socorristas o destino da vítima. Todas as vítimas deve-
sarem o atendimento especializado. rão ser encaminhadas preferencialmente aos prontos socorros públi-
Consentimento Implícito: considera-se que o socorrista recebe cos conveniados com o SUS.
um consentimento implícito para atender uma vítima quando se cons- O transporte somente terá início após a estabilização da vítima e
tatar alguma das seguintes situações: sua fixação adequada na viatura, salvo se houver orientação contrá-
 Situações de risco de morte imediato: comprometimento de ria do médico do SAV presente no local.
vias aéreas e respiração, sangramento abundante. Durante o deslocamento, o coordenador de operações ou ofici-
 Alterações de comportamento que indiquem que a vítima se al/graduado de dia poderá solicitar aos socorristas dados adicionais
encontra prejudicada em sua capacidade de decisão: alterações do sobre a estabilidade da vítima.
nível de consciência, intoxicação etílica ou por droga. Na chegada ao hospital, a guarnição deve conduzir o pacien-
 Inconsciência: assume-se que se a vítima estivesse consciente e te até a entrada do PS, repassá-la ao médico emergencista do PS,
fora de risco, autorizaria a prestação do socorro. colocando o mesmo a par de todos os procedimentos estabelecidos
 Vítima com idade inferior a 18 anos: implica-se na impossibili- para manutenção da vítima. Informar os sinais e sintomas e lesões
apresentadas durante o atendimento, citar a cinemática do trauma e
dade de a vítima tomar decisão sozinha. Assume-se que se um familiar
repassar os pertences recolhidos na cena do acidente, bem como solici-
ou representante legal do menor estivesse presente, autorizaria o atendi-
tar ao médico a assinatura com o CRM no relatório de atendimento
mento.
à vítima; a partir de então, a guarnição está liberada para atendimento
Consentimento Explícito: considera-se explícito o consentimen-
de outra ocorrência, caso isto seja possível no que diz respeito às
to dado por um familiar ou representante legal para a prestação do
condições de higiene.
socorro a uma vítima inconsciente, confusa, menor de 18 anos, ou
com incapacidade mental, desde que esteja fora de perigo.
Resultando-se na recusa do atendimento, o fato deve ser 2.8. Retorno ao Quartel
apropriadamente registrado, com a assinatura da vítima ou testemu-
nha no Termo de Recusa de Atendimento. Após a vítima ser entregue ao OS, a viatura está pronta para
mais um acionamento para atender uma ocorrência, mas tal aciona-
mento só poderá ser efetuado caso a viatura UR esteja realmente
2.6.5. Liberação de Vítima no Local da Ocorrência
pronta para atender esta ocorrência. Muitos são os motivos para que
a viatura não esteja apta a atender novas solicitações, entre elas desta-
A liberação das vítimas no próprio local da ocorrência é de
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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul 319
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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

camos os mais comuns: Os investigadores policiais acreditam que todos os que entram
 Falhas mecânicas que impossibilitam o deslocamento e a em uma cena de crime trazem algum tipo de evidência para a cena e
segurança da guarnição em futuros atendimentos. podem inconscientemente remover algumas provas da cena. Para
solucionar o crime, o objetivo do detetive é identificar as provas
 Necessidade de limpeza e desinfecção da viatura.
deixadas e removidas pelo autor. Para atingir seu objetivo, os investiga-
 Reposição de material no almoxarifado. dores consideram qualquer indício de prova deixado ou removido por
 Abastecimento. outros policiais, profissionais de saúde e cidadãos que possam ter
entrado na cena. Um comportamento descuidado dos socorristas em
É dever do comandante da guarnição da viatura UR informar à uma cena de crime pode alterar, destruir ou contaminar provas vi-
Central de Operações BM qualquer novidade que a referida viatura tais, dificultando a investigação criminal.
possa apresentar após a saída do hospital. Quase sempre os socorristas chegam a uma cena de crime
Cabe salientar que o deslocamento ao quartel de origem deverá potencial antes das autoridades policiais. Se a vítima estiver obvia-
ser efetuado em código 1, obedecendo a todas as normas vigentes do mente morta, os socorristas devem cuidadosamente sair do local
Código Nacional de Transito e também deverá ser observado du- sem tocar qualquer item e esperar pela chegada da polícia. Embora
rante este deslocamento que a viatura deverá sempre estar em pron- prefiram que uma cena de crime não seja alterada, os investigadores
tidão para qualquer chamado da Central de Operações BM. sabem que, em algumas circunstâncias, os socorristas precisam virar
um corpo ou mover objetos em uma cena de crime para avaliar a
3. LOCAIS DE CRIME vítima e determinar sua viabilidade. Se os socorristas tiverem que
transportar o paciente ou mover um corpo ou outros objetos no local
Infelizmente, um percentual considerável de pacientes traumati- antes da chegada da polícia, os investigadores normalmente verifi-
zados atendidos por muitos socorristas, especialmente em áreas cam os seguintes pontos:
urbanas, é ferido intencionalmente. Além de tiros e facadas, os pacien- Quando o local foi alterado?
tes podem ser vítimas de outros tipos de crimes violentos, incluindo  Qual a finalidade das alterações?
agressões com os punhos ou com objetos contundentes e tentativas  Quem fez as alterações?
de estrangulamento. Em outros casos, as vítimas podem ser intencio-  A que horas a morte da vítima foi constatada pelos socorris-
nalmente atingidas por um veículo ou empurradas de um prédio, tas?
sofrendo uma queda significativa. Até mesmo um acidente de trânsi- Se os socorristas entrarem em uma cena de crime antes das
to pode ser considerado um local de crime, caso se suspeite que um autoridades policiais, os investigadores podem querer entrevistar e
dos motoristas esteja legalmente intoxicado, dirigindo de forma im- tomar formalmente um depoimento dos socorristas a respeito de
prudente ou acima do limite de velocidade. suas ações ou observações. Os socorristas nunca se devem alarmar
No atendimento a esses tipos de pacientes, os socorristas intera-
ou ficar preocupados em relação a essa solicitação. A finalidade da
gem com autoridades policiais. Embora os serviços de emergência e entrevista não é criticar as ações dos socorristas, mas obter informa-
as autoridades policiais tenham como objetivo proteger a vida, oca-
ções que possam ser úteis para que o investigador solucione o caso.
sionalmente suas obrigações em uma cena de crime podem ser con-
Os investigadores também podem tomar as impressões digitais do
flitantes. Os profissionais de saúde podem estar concentrados na ne-
socorrista se algum item na cena de crime tiver sido tocado ou mani-
cessidade de avaliar a vítima em busca de sinais de vida e de viabili-
pulado pela equipe sem usar luvas.
dade, ao passo que os policiais estão preocupados em preservar as
A manipulação correta da roupa do paciente pode preservar
provas da cena do crime ou prender um possível suspeito. Quando
estão preocupados com a abordagem das autoridades policiais em provas valiosas. Se a roupa do paciente tiver que ser removida, os
uma cena de crime, os socorristas podem não apenas ajudar o paci- policiais e médicos legistas preferem que os socorristas não a cortem
ente, mas também cooperar com a atividade policial, ajudando na através dos orifícios de projéteis ou de facas. Se a roupa estiver corta-
captura do autor do crime. da, os investigadores poderão perguntar que alterações foram feitas,
Na cena de um crime maior (homicídio, morte suspeita, estu- quem as fez e os motivos dessas alterações. Qualquer roupa que seja
pro, morte em acidente de trânsito), a maioria das forças policiais removida deve ser colocada em um saco de papel (e não de plásti-
coleta e processa provas. Os policiais normalmente cumprem as co) e entregue aos investigadores.
seguintes tarefas: Uma questão final importante envolvendo as vítimas de crimes
 Inicialmente, examinam cuidadosamente a cena para identifi- violentos é o valor de qualquer afirmação feita pelo paciente ao ser
car todas as provas, incluindo armas e cartuchos de armas de fogo. atendido pelos socorristas. Alguns pacientes, percebendo o estado
 Fotografam a cena. crítico de suas lesões, podem dizer aos socorristas quem foi o autor
 Desenham um esboço da cena. das lesões. Essa informação deve ser documentada e repassada aos
 Relacionam todos que entraram na cena. investigadores. Se possível, os socorristas devem informar aos poli-
Realizam uma busca mais detalhada de toda a cena, procuran- ciais sobre o estado crítico das lesões do paciente a fim de que um
do todas as provas potenciais. oficial juramentado possa estar presente se o paciente for capaz de
 Procuram e coletam indícios de provas, que variam de fornecer qualquer informação a respeito do agressor: uma
impressões digitais a itens que podem conter provas de DNA (p. “declaração no leito de morte”.
ex., pontas de cigarro, fios de cabelo, fibras).
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320 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 31
Catástrofes e Acidentes com Múltiplas Vítimas

D iferentemente das lesões de um sistema específico, que


têm um período finito de apresentação, intervenção e recuperação, a
1. AMV — ACIDENTES COM MÚLTIPLAS VÍTIMAS

Os acidentes com múltiplas vítimas — AMV — são eventos


resposta e a recuperação de um desastre são muitos abrangentes e que causam vítimas em número suficientemente grande para superar
incluem não apenas questões médicas e psicossociais, mas também a os recursos dos serviços de saúde pública da comunidade afetada. A
reconstrução da saúde pública, da segurança física e dos recursos e gravidade e a diversidade das lesões, além do número de vítimas,
infraestrutura da sociedade. são fatores fundamentais para determinar se o evento exigirá recursos
A Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu desastre co- e auxílio de fora da comunidade.
mo um fenômeno ecológico súbito de magnitude suficiente para Como parâmetro de magnitude, consideramos acidente com
exigir auxílio externo. No atendimento pré-hospitalar, catástrofe é múltiplas vítimas aqueles eventos súbitos com mais de cinco vítimas
aquela situação em que as necessidades de atendimento excedem os graves, como por exemplo, na figura abaixo.
recursos materiais e humanos imediatamente disponíveis, havendo
necessidade de medidas extraordinárias e coordenadas para se manter
a qualidade básica ou mínima de atendimento. É um desequilíbrio
entre os recursos disponíveis e os prescindíveis para o atendimento,
de modo que quanto maior for esse desequilíbrio, mais sérias serão as
consequências às vítimas do evento. Normalmente as catástrofes exi-
gem ajuda externa.
Os desastres não obedecem a regras. Não é possível prever a
complexidade, o momento nem o lugar do próximo desastre. Tradici-
onalmente, os profissionais de emergência acreditam, erroneamente,
que todos os desastres são diferentes, especialmente os que envolvem
terrorismo. Todos os desastres, qualquer que seja sua causa, têm
consequências médicas e de saúde pública semelhantes. Os desastres Fig. 374: Atendimento a múltiplas vítimas no Ponto Zero, World Trade Center, Nova
diferem quanto ao grau dessas consequências e quanto ao grau de York, 2001.

destruição que causam na infraestrutura de saúde pública. O atendimento a AMVs é um desafio no qual os serviços de
É fácil concluir que um acidente pode ser uma catástrofe ou atendimentos pré-hospitalares e os hospitais se deparam com fre-
um evento normal, dependendo da capacidade de resposta dos ór- quência. Diariamente temos em nosso país acidentes dos mais vari-
gãos atuantes. ados tipos com número de vítimas superiores a cinco.
As enchentes são as principais causas de catástrofes naturais Diante dessas situações ocorre uma incapacidade dos serviços de
no mundo. Os afogamentos, hipotermia, os traumas diversos por lidarem com esse problema, havendo, desta forma, necessidade de
escombros são as principais causas de morte. Entre os sobreviventes, se estar preparado e treinado para atender esses acidentes.
a minoria necessita de atendimento médico de urgência e apresen- O conceito do melhor esforço, ou seja, o melhor atendimento
tam ferimentos leves. O grande problema são as doenças infecto- para a vítima mais grave deve dar lugar ao conceito de o melhor
contagiosas, que necessitam de cuidados de saúde pública. Nos casos atendimento para o maior número possível de vítimas, no momento
de terremotos, o número de vítimas pode ser enorme, com quebra de que elas mais precisam e no menor tempo possível.
toda a estrutura da comunidade, a ajuda muitas vezes é demorada, há
um número grande de vítimas com lesões por esmagamento, presas 2. ESTRUTURA DE COMANDO
em escombros que necessitam de atendimento pré-hospitalar e
hospitalar de urgência. Três princípios básicos no atendimento a desastres ou múltiplas
As catástrofes provocadas pelo homem são os acidentes com vítimas são fundamentais: triagem, tratamento e transporte.
trens, explosões, incêndios, acidentes com materiais tóxicos ou radi- Para que estes três princípios básicos sejam plenamente atendi-
oativos, guerras, entre outros. dos é necessário que haja comando, comunicação e controle, que são
No nosso país, onde temos como principais catástrofes naturais pontos capitais, indispensáveis para o sucesso do atendimento.
as enchentes, normalmente não se faz necessário o atendimento pré- É preciso que haja um comandante da área no local, junto a
hospitalar devido aos danos serem basicamente materiais. Os servi- um Posto de Comando, identificável por todos e que todos obede-
ços de atendimento pré-hospitalares atuam, na grande maioria das çam a suas ordens e orientações; um coordenador médico para
vezes, em catástrofes provocadas pelo homem e acidentes com múl- chefiar as atividades médicas locais e um coordenador operacional
tiplas vítimas. (Oficial de Socorro) para as atividades de salvamento, todos traba-
lhando conjuntamente.
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

É necessário que haja comunicação entre as equipes de atendi- a trabalhar de forma independente, necessitam implementar a estru-
mento, bem como comunicação com a Central de Operações. Tal tura gerencial do SCI a fim de melhor responder a um evento dessa
comunicação não deve interferir na rede de comunicações da unida- magnitude.
de, para evitar congestionamento. O SCI desenvolveu-se ao longo dos anos como desdobramento
Congelar a área mediante o controle total do local do acidente é dos sistemas de planejamento usados por unidades de bombeiros
o primeiro objetivo do comandante da área. Este objetivo visa a para atendimentos que envolviam múltiplos serviços, em incêndios
limitar a extensão do acidente, organizar ações e medidas efetivas de de grandes proporções. O programa obteve aceitação especialmente
segurança, proteção e atendimento pré-hospitalar a todas as vítimas a partir da experiência de bombeiros em incêndios florestais em
envolvidas, no menor tempo possível. várias frentes de combate, com o emprego de dezenas de órgãos
A função de comando tem por objetivo evitar três grandes diferentes.
transtornos: Em 1987, a National Fire Protection Association (NFPA,
 Ocorrência de novos acidentes. Associação Nacional de Proteção contra Incêndios) publicou o
 Tratamento e transporte inadequado das vítimas aos hospi- “NFPA Standard 1561”, o “Standard on Fire Department Incident
tais. Command Management System” (Norma para o Sistema de Gerenci-
 Que o caos local seja transferido ao hospital mais próximo. amento de Comando de Incidentes para os Serviços de Bombeiros).
O NFPA 1561 foi mais tarde revisado e intitulado “Standard on
Emergency Services lncident Management” (Norma para Gerencia-
2.1. Sistema de Comando do Incidente
mento de Incidentes para os Serviços de Emergência). Essa versão
pode ser implementada e ajustada para qualquer tipo ou tamanho
Muitos diferentes órgãos participam da resposta a um desastre. O
de evento por qualquer órgão que gerencie um incidente. Nos anos
Sistema de Comando do Incidente (SCI) foi criado para possibilitar
de 1990, foi criado o National Fire Incident Management System
que diferentes tipos de entidades e múltiplas jurisdições de entidades
(IMS, Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes em Incên-
semelhantes (bombeiros, polícia, serviços médicos de emergência
dios), que aperfeiçoou ainda mais a abordagem de gerenciamento
[SME]) trabalhem em conjunto, de modo efetivo, usando uma
único de incidentes.
estrutura de organização e uma linguagem comum, na resposta a um
O gerenciamento de qualquer incidente, grande ou pequeno, é
desastre (figura 375). Uma ambulância que responde a um chamado
aprimorado pela estrutura de comando precisa representada pelo
normalmente tem uma pessoa responsável (o comandante do inci-
SCI. O núcleo do SCI consiste no estabelecimento de um comando
dente) e outra que o ajuda, formando uma estrutura rudimentar do
centralizado na cena e na subsequente divisão de responsabilidades.
comando de incidente. À medida que as proporções do incidente
A primeira unidade a chegar ao local estabelece o centro de coman-
aumentam e mais socorristas de vários órgãos de segurança e de
do, e as comunicações são estabelecidas através do comando para o
outros órgãos comparecem à cena, a necessidade de um sistema e de
planejamento do atendimento.
uma estrutura formal para coordenar e controlar o atendimento torna-
se cada vez mais importante.
3. ARMADILHAS COMUNS NA RESPOSTA A UM
DESASTRE

Numerosos estudos efetuados depois de grandes acidentes


identificaram diversas deficiências que são constantes na resposta a
estes eventos. A identificação destas deficiências resultou tanto de
incidentes reais e da avaliação subsequente da resposta aos mesmos
quanto do trabalho das comunidades, ao efetuarem avaliações de
risco, vulnerabilidade e necessidades.

3.1. Comunicações

Muitos eventos demonstraram que a falta de um sistema unifica-


do de comunicações dificulta significativamente a capacidade de
Fig. 375: Atendimento a múltiplas vítimas no Ponto Zero, World Trade Center, Nova montar uma resposta coordenada a um AMV. Os sistemas individuais
York, 2001.
de comunicações são eficazes, mas depender de um único sistema
De uma perspectiva pré-hospitalar, os importantes princípios para comunicação está destinado ao fracasso. O emprego de telefones
do SCI ajudam na resposta a um AMV da seguinte maneira: celulares ficou impossível quando o centro de comunicação locali-
zado no World Trade Center deixou de existir. Por outro lado, a
 O SCI deve ser montado precocemente, antes que um
incapacidade da polícia, bombeiros e profissionais de saúde de se
evento escape do controle.
comunicarem uns com os outros em virtude de diferentes tecnologias
 Os profissionais de saúde pública, muitas vezes acostumados
ou diferentes frequências de rádio constitui uma deficiência grave
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322 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 31 — Catástrofes e Acidentes com Múltiplas Vítimas

que reduz significativamente a capacidade de responder eficazmente sencial para a missão incessante de tratar as vítimas. Os suprimentos
a um AMV. Redundância no sistema é de importância crucial, inde- devem estar disponíveis no momento em que forem necessários e
pendentemente da alternativa escolhida para comunicações primárias. deve haver mecanismos apropriados para a sua distribuição, que não
Cabos, sistemas telefônicos de fio, sistemas de telefonia celular, siste- pode depender dos socorristas que estão atendendo, já que eles esta-
mas de telefonia por satélite, rádios VHF e sistemas na frequência de rão sendo utilizados no máximo da sua disponibilidade. Deve haver
800 MHz possuem, todos eles, algum grau de vulnerabilidade. Os também um plano para reabastecimento de medicações.
dois princípios a seguir são essenciais:
1. Um sistema unificado de comunicações ao qual todos os 3.5. Meios de Comunicação
profissionais pertinentes na comunidade tenham acesso.
2. Redundância dos sistemas, de tal modo que se uma modali- Os meios de comunicação são vistos frequentemente como um
dade de comunicação falhar, outra modalidade possa ser usada efici- estorvo no processo físico e operacional da resposta a um desastre.
entemente como reserva apropriada. Entretanto, nós encorajamos as comunidades a fazer parceria com os
meios de comunicação, porque estes emissores podem ser valiosos
3.2. Segurança da Cena durante a resposta a um desastre. Os meios de comunicação podem
proporcionar a disseminação de informação apropriada e precisa à
A segurança do local tem se tornado um problema cada vez população, dando-lhe instruções sobre como fazer para manter a
maior nos AMV. A segurança da cena é importante pelas seguintes segurança pessoal e onde procurar informações ou encontrar mem-
razões: bros da família, bem como comunicar outras informações necessá-
rias. É inevitável que os meios de comunicação passem informações
1. Proteger as equipes de atendimento de um segundo desastre, ao público, e os socorristas têm a responsabilidade de atuar em par-
que pode resultar em maior número de vítimas. ceria com os meios de comunicação, a fim de assegurar que a infor-
2. Providenciar a entrada e a saída dos profissionais de resgate e mação fornecida seja correta, além de ajudar na resposta ao desastre.
das vítimas, sem serem atrapalhados por espectadores.
3. Proteger e ajudar a manter a cena e a evidência física. 3.6. Preparo

A segurança da cena é um grande desafio durante a resposta a Como responsáveis pela resposta a desastres em uma comunida-
um desastre, porque, por definição, todos os recursos estão sendo de, os socorristas também devem se preparar para a devastação que
solicitados ao máximo das suas capacidades, operando no limite. A pode ocorrer em um evento com múltiplas vítimas e treinar para esses
coordenação com os responsáveis locais por manter a ordem é es- eventos de várias maneiras. Embora seja um método de preparação, o
sencial para que as equipes de atendimento possam ter certeza de treinamento de gabinete não testa de fato a capacidade de mobilizar
que a segurança estará garantida. recursos e equipamentos para o local de uma maneira oportuna e
eficiente. Da mesma forma, as instituições médicas devem fazer
3.3. Auxílio Não Solicitado treinamentos realistas para desastres, durante os quais as vítimas são
trazidas através do processo de resposta médica para dentro das
Em muitos AMV, entidades de segurança pública e de saúde portas da instituição hospitalar de uma maneira realista, a fim de testar
de comunidades adjacentes e mesmo distantes vão para o local sem a resposta clínica, cirúrgica e de terapia intensiva que será necessá-
qualquer solicitação formal de auxílio pela jurisdição afetada. Este ria. A capacidade de atender o “grande aumento de demanda” e de
auxílio não solicitado, embora bem intencionado, frequentemente suprir o grande número de leitos e de outros equipamentos necessários
serve apenas para complicar e confundir ainda mais uma situação para atender as vítimas deve ser apropriadamente enfrentada pela co-
que já é caótica. Muitas vezes, os problemas de comunicação entre as munidade de assistência à saúde.
diversas entidades tornam-se mais difíceis, por causa de sistemas de Infelizmente, poucas instituições testaram de fato a capacidade de
rádio incompatíveis, e a coordenação dos esforços de salvamento atender um grande aumento da demanda em tempo real e, em vez
fica impossível, em virtude da falta de participação na estrutura do disso, confiaram em treinamentos de gabinete para avaliar a sua capa-
comando do incidente. Idealmente, as agências de segurança pública e cidade de resposta. Apenas através de treinamentos da comunidade,
de saúde devem responder a um desastre somente quando isso lhes que envolvam o transporte das vítimas do local do incidente, através
for especificamente solicitado pela jurisdição responsável e pelo co- do processo médico, incluindo internação e alta hospitalar, é possível
mando do incidente. avaliar o verdadeiro nível de preparo para responder a um AMV
numa comunidade.
3.4. Suprimentos e Equipamento
4. RESPOSTA A UM DESASTRE
A maioria das prefeituras tem um planejamento dos suprimentos
que utiliza rotineiramente, e as compras são feitas com base na sua Diversas ações precisam ser iniciadas para responder eficaz-
demanda. Eventos de grande magnitude esgotam rapidamente esses mente a um AMV.
recursos. Possuir um bom plano de reposição dos suprimentos é es-
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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul 323
Diretoria de Ensino e Instrução
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

4.1. Resposta Inicial 4.3. Triagem

O primeiro passo é a notificação e ativação do sistema de res- À medida que os pacientes são identificados e evacuados, são
posta dos serviços de emergência. Isto geralmente é realizado por levados para o local de triagem, onde podem ser avaliados e receber
testemunhas do evento que ligam para o centro local de despacho de uma categoria de triagem. O termo “triagem” vem de uma palavra
emergência, solicitando a resposta das entidades apropriadas de francesa que significa “classificar”. Do ponto de vista pré-hospitalar,
polícia, bombeiros e emergência médica. a triagem significa classificar as vítimas com base na gravidade das
Os primeiros socorristas a chegar têm várias funções importan- suas lesões. Serve ainda para atribuir as prioridades da necessidade
tes; é importante notar que estas funções não incluem encontrar e de atendimento médico e de transporte para o hospital.
tratar os pacientes mais graves. Antes de começar o processo de A triagem é usada em dois contextos diferentes:
prestar assistência pré-hospitalar, as primeiras equipes devem dedi- 1. Há disponibilidade de recursos suficientes para atender a
car tempo a efetuarem uma avaliação global do cenário. O objetivo todos os pacientes. Nessa situação de triagem, os pacientes com
desta avaliação é estimar o número potencial de vítimas, determinar lesões mais graves são tratados e transportados primeiro e os pacien-
que outros recursos serão necessários no local e se será necessário tes com lesões menos graves são tratados e transportados depois.
qualquer equipamento ou pessoal especializado, como equipes de 2. A triagem é utilizada essencialmente para lidar com um
busca e salvamento especializadas. AMV no qual o número de pacientes excede a capacidade ime-
Uma vez completada esta avaliação, o passo seguinte é comuni- diata dos recursos no local. Nessa situação, o objetivo da triagem é
car a avaliação ao centro de despacho, onde pode ser realizado o assegurar a sobrevida do maior número possível de vítimas. Os
processo de requisição e despacho dos recursos necessários. Depois pacientes são classificados em categorias para atendimento. Em um
disso, as primeiras equipes devem identificar os locais apropriados AMV, o atendimento aos pacientes deve ser racionalizado, pois o
para efetuar a triagem e estacionar as viaturas, pessoal e suprimentos número de pacientes excede os recursos disponíveis. Relativamente
que cheguem, de modo a não impedir a rápida entrada e saída, quando poucos socorristas já passaram por um AMV com 80 a 120
necessário. vítimas, mas muitos se envolverão em AMV com 10 a 20 vítimas,
Além de ser responsável pela resposta no local do desastre, é e a maioria dos socorristas mais experientes já gerenciou um inci-
essencial que os serviços de emergência notifiquem os prováveis dente com 2 a 10 vítimas.
hospitais de destino na comunidade, de modo que eles possam ativar Incidentes com equipes de resgate e recursos suficientes permi-
seus planos para desastre, a fim de se preparar para receber as víti- tem que os pacientes mais graves sejam tratados e transportados
mas. primeiro. Em um AMV de larga escala, os recursos limitados exi-
gem que o tratamento e o transporte dos pacientes tenham como
4.2. Busca e Salvamento prioridade salvar as vítimas com a maior chance de sobrevida. Essas
vítimas devem ter prioridade no transporte.
A esta altura, pode-se iniciar o processo de assistência aos O objetivo do gerenciamento de pacientes na cena de um
pacientes no local. De uma maneira geral, o processo começa com AMV é fazer o melhor possível para a maioria dos pacientes com
um esforço de busca e salvamento, para identificar e evacuar as os recursos disponíveis. É responsabilidade do socorrista tomar deci-
vítimas. A população local da área de desastre frequentemente consti- sões sobre quem deve ser atendido primeiro. As regras habituais
tui o recurso imediato de busca e salvamento e pode já ter começado sobre salvar vidas são diferentes em AMV. A decisão é sempre
a procurar as vítimas. A experiência demonstrou que a comunidade salvar a maioria das pessoas; no entanto, quando os recursos disponí-
local acorre à área do desastre e começa a ajudar as vítimas. Além veis não são suficientes para as necessidades de todas as vítimas,
disso, muitos países e comunidades desenvolveram equipes especia- esses recursos devem ser usados para os pacientes que têm maior
lizadas em busca e salvamento, como parte integrante dos seus chance de sobreviver. Na escolha entre um paciente com uma lesão
planos de desastres, nacionais e locais. Os membros destas equipes catastrófica, como um trauma cerebral grave, e um paciente com
recebem treinamento especializado em “ambientes de confinamento” hemorragia intra-abdominal, a conduta correta em um AMV é aten-
e são ativados conforme necessário para um evento particular. Estas der primeiro o paciente que pode ser salvo — a vítima com a he-
unidades de busca e salvamento geralmente incluem o seguinte: morragia abdominal. Se o paciente com trauma craniano grave for
 Um grupo de especialistas da área médica. tratado primeiro, provavelmente ambos os pacientes morrerão: o
 Técnicos especialistas em materiais perigosos, engenharia paciente com trauma craniano, porque seu caso era irreversível, e o
civil, operação de equipamento pesado e técnicas de busca e salva- paciente com hemorragia abdominal, porque o tempo, equipamento
mento. e pessoal gastos no atendimento ao paciente anterior impediram que
 Cães especializados e seus treinadores. ele recebesse o atendimento simples necessário para sobreviver até a
realização do tratamento cirúrgico definitivo.
As companhias de construção locais podem fornecer equipa- Na triagem em um AMV, a vítima com lesões catastróficas
mentos valiosos de busca e salvamento, disponibilizando máquinas, deve ser considerada como de “prioridade menor”, e o seu tratamento
ferramentas e pranchas de madeira, que podem ser usados no local deve ser adiado até haver disponibilidade de mais auxílio e equipa-
do desastre para ajudar a remover escombros pesados. mento. Essas são circunstâncias difíceis, mas um socorrista deve
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324 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
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Capítulo 31 — Catástrofes e Acidentes com Múltiplas Vítimas

responder rápida e adequadamente a elas. Uma equipe de atendi- externa. Intervenções como ventilação com máscara e ambu e mas-
mento não deve esforçar-se para reanimar um paciente em parada sagem cardíaca externa envolvem o uso de bastante pessoal e não
cardíaca traumática com pouca ou nenhuma chance de sobrevivên- devem ser realizadas.
cia, enquanto outros três pacientes morrem por comprometimento Uma vez que os pacientes tenham sido triados, eles são agrupa-
de vias aéreas ou hemorragia externa. dos de acordo com a prioridade de triagem. Especificamente, todos
Sendo assim, a triagem é uma das missões mais importantes os pacientes da categoria “vermelha” ou Classe I são reunidos no
de qualquer resposta a um desastre. Como já dito, o objetivo da tria- mesmo grupo, do mesmo modo que os pacientes da Classe II
gem convencional, fora do contexto de um desastre, é fazer o melhor (“amarelos”) e da Classe III (“verdes”). Os locais de agrupamento
para o paciente individual, já o objetivo da triagem em um desastre é das vítimas devem estar localizados suficientemente próximos do
fazer o melhor para o maior número de pessoas. A triagem no local local do desastre para oferecer tratamento rápido, mas suficiente-
de um desastre deve ser supervisionada por um profissional com mente longe para serem seguros, Algumas características importan-
treinamento em triagem. Um responsável de triagem deve ter uma tes são:
ampla experiência clínica na avaliação e tratamento de traumatismos  Proximidade do local do desastre.
no local; um socorrista com boa experiência de campo geralmente  Segurança quanto a riscos e localização protegida do vento
satisfaz este requisito. Um médico treinado com larga experiência no em relação a ambientes contaminados.
campo também pode exercer esta função.  Proteção contra as intempéries climáticas.
Existem diferentes metodologias para avaliação e atribuição da  Fácil visibilidade para as vítimas.
categoria de triagem. Um método comum consiste em avaliar as  Vias de saída fáceis para evacuação aérea e terrestre.
lesões anatômicas e atribuir a prioridade para atendimento médico e
transporte baseando-se na gravidade da lesão e na probabilidade de À medida que for havendo maior disponibilidade de pessoal e
necessidade de intervenção cirúrgica. Outro método envolve uma de recursos no local, é prestada a assistência e são feitas as interven-
avaliação rápida fisiológica e do nível de consciência. Este processo ções médicas de acordo com as prioridades da triagem. Finalmente,
de triagem é chamado algoritmo “START” de triagem (triagem quando os recursos de transporte estiverem disponíveis, os pacientes
simples e tratamento rápido). Este sistema avalia a condição respirató- serão então transportados para tratamento definitivo de acordo, no-
ria, o estado de perfusão e o nível de consciência do paciente, para vamente, com a sua prioridade da triagem. Se houver disponibilidade
atribuir a prioridade de transferência inicial para as instituições de de transporte, o socorrista jamais deve reter um paciente grave para
tratamento definitivo. fazer algum outro tratamento médico no local (figura 376). As inter-
Independentemente do método específico de triagem usado, venções médicas necessárias devem ser realizadas durante o trans-
todos estes sistemas, em última análise, classificam os pacientes em porte para a instituição de tratamento definitivo.
uma de (geralmente) quatro categorias de gravidade. Os pacientes
com mais alta prioridade são os identificados como tendo lesões
muito graves, mas provavelmente capazes de sobreviver e são usual-
mente classificados como prioridade Classe I e codificados em cor
vermelha. Os pacientes com lesões moderadas são classificados
como Classe II e codificados em cor amarela. Os pacientes com
traumatismos relativamente simples, muitas vezes chamados
“vítimas que conseguem caminhar” são classificados como Classe
III e codificados em cor verde. Os pacientes mortos no local, ou
cujos traumatismos são tão graves que a morte é iminente ou prová-
vel, são classificados como “morto” ou “expectante”, respectiva-
mente, o que é considerado Classe IV e codificados em preto. Todos
estes códigos de cores referem-se ao uso de “etiquetas de desastre”,
as quais são usadas no local dos desastres e fixadas nos pacientes, Fig. 376: Interior de uma aeronave de transporte militar, convertida para funcionar
para evacuação médica, com macas para pacientes.
uma vez que eles tenham sido triados. O “código de cor” evidencia
uma referência visual imediata da categoria de triagem. Em virtude das lesões visíveis e graves dos pacientes, o pessoal
É importante que todo o pessoal de triagem mantenha em
de emergência frequentemente tem uma tendência a passar os paci-
mente que eles devem evitar a tentação de parar de fazer triagem
entes na frente, para tratamento e transporte imediatos, e a pular o
para tratar de uma vítima muito grave que possam encontrar. Con-
processo de triagem. Isto deve ser evitado, de modo que as vítimas
forme mencionamos antes, o princípio primordial ao lidar com um
com maior risco de morte possam ser tratadas primeiro e possa ser
AMV é fazer o melhor para o maior número de pessoas. Durante
dado o melhor atendimento à maioria das vítimas. Entretanto, pular
esta fase inicial de triagem, as intervenções devem ser limitadas às
o processo de triagem está indicado em certas situações. Estas condi-
ações que possam ser feitas de maneira fácil e rápida, sem darem
ções incluem (1) o risco como no caso de mau tempo; (2) a escuri-
muito trabalho. Em geral, isto significa fazer somente procedimentos
dão iminente potencial, sem a possibilidade de recursos de ilumina-
como abertura manual das vias aéreas e controle de hemorragia
ção; (3) o risco continuado de lesão, como resultado de eventos natu-
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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul 325
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rais ou não naturais; (4) a ausência de instituição de triagem ou agente partment criaram um processo de triagem para os socorristas, Tria-
de triagem imediatamente disponível; e (5) alguma situação tática em gem Simples e Tratamento Rápido (START, Simple Triage and
um cenário envolvendo ação policial, no qual as vítimas devem ser Rapid Treatment) (figura 377). Esse processo de triagem foi projetado
retiradas rapidamente do local do impacto para o ponto de reunião para identificar as vítimas em estado crítico de uma forma fácil e
para serem transportadas. rápida. O START não estabelece um diagnóstico médico, mas, em
vez disso, fornece um processo de classificação rápido e simples.
4.3.1. Triagem START O START utiliza três avaliações simples para identificar as
vítimas que têm maior probabilidade de morrer em decorrência das
Triagem é a ferramenta básica utilizada para o gerenciamento lesões. Tipicamente, o processo leva de 30 a 60 segundos por vítima.
de vítimas em um incidente com múltiplas vítimas. Ela ajuda os O START não necessita de ferramentas, equipamento médico especi-
socorristas e outras equipes de resgate a usar de forma eficiente os alizado ou conhecimento especial.
recursos disponíveis. Um tempo precioso pode ser perdido se os
socorristas não tiverem uma ferramenta de triagem simples para COMO FUNCIONA?
identificar aqueles pacientes que se encontram em risco de morte
iminente. A não-realização da triagem prolonga o tempo no incidente A primeira etapa é encaminhar todos os que conseguem andar
e retarda o tratamento definitivo. para uma área segura predeterminada. Se a vítima pode caminhar e
Em 1983, a equipe médica do Hoag Memorial Hospital e os obedecer a comandos, sua condição é classificada como “leve” e
paramédicos do Corpo de Bombeiros do Newport Beach Fire De- será submetida à triagem mais detalhada e receberá o cartão de tria-

Fig. 377: Algoritmo de triagem START.

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326 Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
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Capítulo 31 — Catástrofes e Acidentes com Múltiplas Vítimas

gem após a chegada de mais socorristas. Isso faz com que sobre um tar e tratar das vítimas que estejam sendo transportadas por ambulân-
número menor de vítimas para serem triadas pelos socorristas. A cia. Se o hospital mais próximo estiver sobrecarregado, o serviço de
expressão mnemônica “30-2-pode fazer” é usada como lembrete na emergência deve transportar os pacientes para instituições mais
triagem pelo START. O “30” refere-se à frequência respiratória do distantes, quando possível. Embora o tempo de transporte possa ser
paciente, o “2” ao enchimento capilar, e o “pode fazer”, à capacidade mais longo, o tratamento dos pacientes não será complicado pela
de obedecer ordens. Qualquer vítima com frequência respiratória presença de numerosos outros feridos. O fato de levar as vítimas
abaixo de 30 por minuto, enchimento capilar abaixo de 2 segundos, para múltiplas instituições, em última análise, preservará a capacidade
capacidade de obedecer a comandos verbais e que possa caminhar é de todos os hospitais de destino de otimizar a assistência que prestam
classificada como “leve”. As vítimas que satisfazem esse critério aos pacientes.
mas não conseguem andar são classificadas como “pode aguardar”.
Vítimas inconscientes ou que tenham respiração rápida ou enchi- 4.5. Contaminação em Massa
mento capilar retardado ou pulso radial ausente são classificadas
como “imediato”. Qualquer uma dessas anormalidades fisiológicas Várias são as causas de contaminação em massa, sejam aci-
pode ser causada por lesões graves. Estando ao lado da vítima, duas dentes com produtos perigosos, acidentes com bombas e/ou artefa-
medidas salvadoras básicas podem ser realizadas: a liberação das tos explosivos, armas de destruição em massa ou mesmo o terroris-
vias aéreas e o controle da hemorragia externa. Os circunstantes ou mo, sendo este último um dos maiores desafios para os socorristas,
os “feridos que deambulam” podem ser orientados pelo socorrista já que possuem o maior potencial para gerar grandes números de
para manter essas intervenções simples. Nas vítimas que não estão mortos e feridos.
respirando, o socorrista deve liberar as vias aéreas e, caso volte a Uma grande ameaça são os desastres causados por explosivos
respiração, a vítima é classificada como “imediato”. Não deve ser convencionais em combinação com agentes químicos, biológicos ou
feita reanimação cardiopulmonar (RCP). Se a vítima não voltar a radiativos.
respirar, deve ser categorizada como “morta”. As ADM — armas de destruição em massa — que criam
“ambientes contaminados” podem transformar-se no maior desafio
Respirações 30 do atendimento ao desastre. Os socorristas não poderão levar as
vítimas para os hospitais, por causa do risco de contaminar ainda
mais as instituições médicas. Os socorristas devem estar preparados
Perfusão 2 e equipados para fazer a triagem, não apenas para determinar a
extensão das lesões, mas também para avaliar o potencial de conta-
Nível de consciência PODE FAZER minação e a necessidade de descontaminação e estabilização inicial.
Ao mesmo tempo, os socorristas necessitam tomar medidas apropria-
A retriagem também é necessária caso o transporte demore e das para se protegerem, a si próprios, de possível contaminação.
as vítimas permaneçam na cena. Usando os critérios do START,
vítimas com lesões graves podem ser classificadas como “pode 4.6. Descontaminação
aguardar”. Quanto mais elas permanecerem sem tratamento, maior a
probabilidade de que sua condição se deteriore. Por isso, a avaliação A descontaminação é uma parte importante de todos os desastres
e a triagem devem ser repetidas ao longo do tempo. que envolvem produtos perigosos e ADM (figura 378). Os acidentes
com produtos perigosos envolvendo grande número de vítimas,
4.4. Transporte substâncias desconhecidas e grandes números de pessoas que não
têm nada, mas estão assustadas aumentam significativamente a pos-
Outra questão importante na resposta eficaz a um AMV tem a
ver com o processo de decisão a respeito do destino dos pacientes,
uma vez iniciado o transporte. Eventos recentes demonstraram que
as vítimas com lesões sem risco de morte frequentemente saem do
local do desastre usando quaisquer meios disponíveis de transporte
e vão por conta própria para o hospital. Muitas vezes isto resulta em
grandes números de “vítimas que conseguem andar” chegando ao
hospital mais próximo do local do desastre. De fato, aproximada-
mente 70% a 80% das vítimas chegam a um hospital sem terem
sido transportadas por ambulância do serviço de emergência.
Os serviços de emergência devem, portanto, compreender que o
hospital mais próximo do local do desastre pode estar sobrecarrega-
do de vítimas mesmo antes da chegada da primeira viatura. Antes de
levar o paciente para o hospital mais próximo, deve-se fazer contato Fig. 378: Descontaminação de vítimas, feita por pessoal usando equipamento de
para averiguar a situação do pronto-socorro e a capacidade de acei- proteção individual (EPI) Nível B.

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sibilidade de vítimas contaminadas ou potencialmente contaminadas  Liderança da comunidade.


(ver capítulo 32).  Sensibilidade cultural aos esforços de recuperação.

4.6.1. Área de Tratamento 5.3. Sequelas Psicológicas dos Desastres

Ao responder a um desastre que envolva materiais perigosos As respostas psicológicas aos desastres são muito variáveis,
ou ADM, é fundamental que a área de tratamento fique localizada a indo desde respostas de estresse moderado até o distúrbio do estresse
pelo menos 300 metros, ficando acima da área contaminada e no pós-traumático (DEPT) claramente manifesto, depressão grave ou
sentido contrário do vento. distúrbio do estresse agudo. Embora muitas pessoas possam apre-
sentar sinais de estresse psicológico, relativamente poucas
5. RESPOSTA PSICOLÓGICA AOS DESASTRES (tipicamente 15%-25%) das mais diretamente atingidas desenvolve-
rão subsequentemente doença mental diagnosticável.
Trauma psicológico e outras sequelas psicológicas adversas são
frequentemente os efeitos colaterais de eventos como desastres natu- 5.4. Intervenções
rais e desastres não intencionais causados pelo homem. No caso do
terrorismo, o objetivo é causar dor psicológica, trauma e desequilí- Para as pessoas sem doença mental diagnosticada, é útil fornecer
brio. materiais educacionais que as ajudem a compreender o que elas e
suas famílias estão passando.
5.1. Características dos Desastres que Afetam a Saúde Deve ser proporcionado aconselhamento breve na crise, seguido
Mental de encaminhamento, quando houver indicação de tratamento.
Quando for diagnosticado um distúrbio mental, pode ser útil
Nem todos os desastres têm o mesmo nível de impacto psicoló- realizar intervenções terapêuticas, incluindo terapia cognitiva-
gico. As características dos desastres que parecem ter maior impac- comportamental e medicações psiquiátricas.
to na saúde mental são as seguintes:
 Pouco ou nenhum aviso. 5.5. Estresse dos Socorristas
 Ameaça séria à segurança pessoal.
 Efeitos potenciais desconhecidos para a saúde. Os socorristas que trabalham no desastre também podem se
 Duração incerta do evento. tornar vítimas secundárias do estresse e de outras sequelas psicológi-
 Erro humano ou intenção maldosa. cas. Isto pode afetar adversamente a sua atividade durante e após um
 Simbolismo relacionado ao a1vo terrorista. evento. Também pode ocorrer impacto adverso no seu bem-estar
pessoal e nas suas relações familiares e no trabalho.
5.2. Fatores que Reforçam o Impacto da Resposta Psicológi-
ca 5.5.1. Sinais de Estresse dos Socorristas

Todo aquele que passa pela experiência de um desastre, quer Alguns sinais comuns de estresse nos socorristas incluem ele-
como vítima quer como socorrista, é afetado por ela. Felizmente, mentos fisiológicos, emocionais, cognitivos e comportamentais.
isto não significa que a maioria desenvolverá um transtorno mental.
Significa, no entanto, que todos os indivíduos terão algum tipo de Sinais Fisiológicos:
resposta psicológica ou emocional ao evento.
Similarmente, há reações individuais e coletivas que interagem  Fadiga, mesmo depois de repouso.
à medida que os indivíduos e as comunidades se recuperam destes  Náuseas.
eventos extraordinários.  Tremores finos.
Os fatores que afetam a resposta individual aos desastres incluem  Tiques.
os seguintes:  Parestesias.
 Proximidade física e psicológica com o evento.  Tontura.
 Exposição a situações horríveis ou grotescas.  Dispepsia.
 Problema de saúde antes ou por causa do desastre.  Palpitações cardíacas.
 Magnitude da perda.  Sensações de sufocação ou asfixia.
 História de trauma.
Os fatores que exercem impacto sobre a resposta coletiva ao Sinais emocionais:
trauma são os seguintes:
 Grau de destruição da comunidade.  Ansiedade.
 Estabilidade da família e da comunidade pré-desastre.  Irritabilidade.
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Capítulo 31 — Catástrofes e Acidentes com Múltiplas Vítimas

 Sensação de opressão. completamente ativo de treinamento de campo. Os exercícios de


 Previsão não realista de adversidade para si próprio ou gabinete são métodos com boa relação custo/benefício e muito úteis
para outros. para testar e avaliar a resposta a um desastre. Geralmente são estabele-
cidos antecipadamente um ponto inicial e pontos intermediários de
Sinais cognitivos: objetivos que devem ser alcançados, bem como a sequência para
conclusão do exercício. Os exercícios de gabinete podem possibilitar
 Perda de memória. a comunicação e a interação em tempo real entre entidades multidisci-
 Dificuldades para tomar decisões. plinares. Estas atividades exigem liderança, na forma de um facilita-
 Anomia (incapacidade de nomear ou recordar o nome de dor que orienta os participantes através da avaliação objetiva e críti-
objetos comuns ou de pessoas familiares). ca dos resultados, na conclusão.
 Problemas de concentração ou distração. Os exercícios de campo são os eventos de treinamento mais
 Redução da atenção. realistas, envolvendo a real execução do plano de resposta a desas-
tres da comunidade. Eles possibilitam uma avaliação em tempo real
 Dificuldade de realizar cálculos.
da capacidade física de atingir os objetivos, conforme definido por
escrito. Idealmente, os exercícios devem envolver a remoção das
Sinais comportamentais:
vítimas do ponto de impacto e trauma, através do sistema de resposta
dos serviços de emergência e até o tratamento definitivo, nas institui-
 Insônia.
ções médicas. Estes eventos, no entanto, são muito trabalhosos,
 Hipervigilância.
demoram e têm custo elevado.
 Choro fácil.
 Humor inapropriado.
 Comportamento ritualista.

6. EDUCAÇÃO E TREINAMENTO PARA DESAS-


TRES

O desenvolvimento e a implementação de uma infraestrutura


educacional e de treinamento formal irão melhorar a capacidade do
socorrista de responder eficientemente a um AMV. A preparação no
que concerne à educação e aprendizado pode ser realizada em
vários ambientes estruturados e não estruturados de aprendizado.
Cada ambiente possui as suas vantagens e desvantagens individuais,
como pode ser avaliado pelo impacto educacional e pelos custos
comparativos. Para o aprendizado ideal dos exercícios educacionais,
é imperativo que sejam realizados frequentemente eventos interdisci-
plinares de treinamento, envolvendo todas as entidades e os participan-
tes apropriados na resposta a desastres.
O aprendizado independente constitui o fundamento da prepa-
ração para desastres. Existe uma multiplicidade de recursos disponí-
veis tanto na literatura impressa como na Internet. A limitação
desta modalidade de aprendizado é que ela não permite uma experi-
ência de aprendizado interativo.
O treinamento em grupo é dirigido para equipes de resposta
específica para desastres. Há programas de treinamento amplamente
disponíveis que incluem a compreensão da estrutura de comando e a
preparação para incidentes com ADM. Numerosas organizações
profissionais desenvolveram programas de treinamento e módulos
específicos para o seu âmbito de prática profissional, incluindo todos
os níveis de atendimento pré-hospitalar.
Simulações proporcionam uma oportunidade de treinamento
que reúne muitos indivíduos de formações variadas e diferentes e
são essenciais para a implementação de uma resposta a desastres.
Conforme mencionamos antes, estes exercícios podem ser feitos de
duas formas específicas: um exercício de gabinete e um exercício
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Capítulo 32
Produtos Perigosos

P
do-se ações de com-
bate a incêndios, va-
rodutos perigosos são substâncias que podem vir a zamento, primeiros
causar dano à saúde humana, a um bem material ou socorros e tabelas de
ao meio ambiente. Podem ser do tipo radioativo, químico ou bioló- isolamento. Devem
gico. Apesar do nome, “produto perigoso”, eles são amplamente ser utilizados binócu-
usados para facilitar a vida moderna com usos tão antagônicos quan- los para a leitura dos
to a medicina e a construção de armas nucleares. rótulos; se os rótulos
Entender o risco que o socorrista tem de exposição a produtos puderem ser lidos
perigosos não é tão simples quanto reconhecer os ambientes com sem dispositivos de
potencial evidente para exposição a um produto perigoso. Os produ- visualização, é prová-
tos perigosos são comuns no mundo moderno; veículos, construções vel que o socorrista
e até mesmo residências possuem materiais potencialmente perigo- esteja exposto.
sos. Por isso, todos os socorristas devem ser treinados para terem um Em uma cena
nível mínimo de alerta envolvendo produtos perigosos, procedendo de produtos perigo-
de maneira a garantir a sua segurança e a da vítima e não conduzir o sos, a segurança deve
resíduo para dentro da viatura e do hospital, aumentando o número ser garantida: nin-
potencial de vítimas. guém entra, ninguém
O alerta (ou primeira resposta) é o primeiro dos quatro níveis sai. A área de posicio- Fig. 380: O Manual para Atendimento a Emergências,
de treinamento disponíveis para os socorristas. O nível a seguir é o namento da equipe publicado pela Associação Brasileira da Indústria
Química, traz informações cruciais sobre a cena de um
de operações. Os socorristas são treinados para estabelecerem perí- deve ser estabelecida incidente com produtos perigosos.
metros e zonas de segurança, limitando a propagação do evento. contra o vento e mon-
Enquanto o alerta representa o nível mínimo de treinamento, o nível tada a uma distância segura do perigo. A entrada e a saída da cena
de operações seria útil para todos os socorristas, além de fornecer o devem ser impedidas até a chegada dos especialistas em produtos
treinamento para ajudar a controlar o evento. O próximo nível é o perigosos. Na maioria dos casos, o atendimento ao paciente começa
técnico. Os técnicos são treinados para interromper a liberação de quando o paciente descontaminado é liberado para o socorrista.
produtos perigosos. O nível de treinamento mais elevado é o de É importante que o socorrista entenda o sistema e a estrutura
especialista. Esse nível avançado permite que o socorrista tenha de comando das zonas de trabalho em uma operação com desastres
capacidade de comando e de apoio em um evento com produtos ou produtos perigosos. As operações de controle são estabelecidas
perigosos. por zonas. A zona “quente” é a área de maior contaminação e so-
Os socorristas concordam que a segurança da cena é a primei- mente trabalhadores especialmente treinados e protegidos podem
ra parte da abordagem a todo paciente e a toda cena. Uma parte entrar nessa área. Caso os pacientes estejam nessa área, a equipe de
importante da determinação da segurança da cena é a avaliação do produtos perigosos irá trazê-los para fora. Um corredor de redução
potencial de exposição a produtos perigosos. A avaliação dos peri- de contaminação se estende da zona quente até a zona “morna”,
gos potenciais deve começar na central. As informações fornecidas onde os pacientes serão descontaminados pela equipe de produtos
pela central podem estabelecer um alto índice de suspeição. Infor- perigosos. Eles são, então, liberados para o socorrista, já na zona fria,
mações adicionais podem ser solicitadas no trajeto até o local, caso onde também estarão todas as viaturas envolvidas na ocorrência e o
os socorristas tenham preocupações ou perguntas sobre a cena. posto de comando, devendo haver um isolamento para evitar que o
Quando se determina que uma cena possa ter envolvimento de público em geral se contamine.
produtos perigosos, o foco deve mudar para a segurança da cena e é
preciso solicitar ajuda para isolar a cena, remover e descontaminar 1. ZONAS DE CONTROLE DA CENA
os pacientes. A regra geral simples é: “se a cena não é segura, torne
-a segura”. Se o socorrista não for capaz de tornar a cena segura, Como já introduzido na seção anterior, para limitar a dissemi-
deverá solicitar auxílio. O livro Manual para Atendimento a Emer- nação de um material perigoso, foi então padronizado o uso de zo-
gências, elaborado pela ABIQUIM — Associação Brasileira da nas de controle. O objetivo desse conceito é realizar atividades espe-
Indústria Química, pode ser usado para identificar perigos potenciais cíficas em zonas específicas. A observação de tais princípios reduz a
(Figura 380), o livro relaciona cerca de dois mil produtos químicos, probabilidade de disseminação de contaminação e de lesão nas equi-
por ordem alfabética e por número de classificação de risco da Orga- pes de resgate e nos circunstantes.
nização das Nações Unidas — ONU, informando ações emergenci- As zonas são três círculos concêntricos (figura 381). A zona
ais a serem adotadas em acidentes com produtos químicos, incluin- mais interna, a zona quente, é a região imediatamente adjacente ao
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 381: A cena de um incidente com desastres ou produtos perigosos é geralmente dividida em zona quente, morna e fria.

incidente com produtos perigosos e se estende até onde não seja O processo de contenção e controle dos produtos perigosos
possível mais ser contaminado por este. A tarefa das equipes de deve ser realizado assim que estabelecida a zona quente e a equipe
resgate nessa região é evacuar os pacientes contaminados feridos, estiver equipada. Isto se faz necessário para evitar que a situação
sem preocupação com o atendimento. A zona seguinte, a zona mor- piore a partir da chegada do serviço de emergência e venha a atingir
na, é o local de apoio direto ao pessoal operacional. Nessa zona, o um maior número de vítimas ou uma área maior.
único atendimento prestado aos pacientes é a avaliação primária e a
imobilização da coluna. A zona mais externa, a zona fria, é onde os 2. DESCONTAMINAÇÃO
equipamentos e os profissionais ficam posicionados. Após a evacua-
ção do paciente para a zona fria, os socorristas podem prestar o aten- Os pacientes e os socorristas podem precisar de descontamina-
dimento definitivo. A tabela 32-1 lista as distâncias seguras de eva- ção depois da exposição a sólidos ou líquidos aderentes que possam
cuação para ameaças de bomba. trazer risco ao paciente ou a outras pessoas da área de emergência.
Se um paciente proveniente de uma cena de produtos pe- Estes indivíduos devem passar por procedimentos de descontamina-
rigosos for transferido para o hospital ou para uma estação de apoio, ção realizados no campo em uma área de descontaminação designa-
é mais prudente reavaliar se ele foi descontaminado e seguir os con- da. A exposição apenas a gases não precisará de descontaminação
ceitos dessas zonas. para impedir contaminação secundária. A descontaminação é a

Tabela 32-1: Ameaças de Bombas: Distâncias de Evacuação Seguras


Capacidade de explosivos
Distância de evacuação Distância de evacuação
Descrição da ameaça (capacidade de TNT)
de edificações (metros) ao ar livre (metros)
(quilos)
Bomba de cano 2,26 20 260
Bomba em maleta/mala 22,67 45 560
Veículos Hatch 226,79 100 450
Veículos Sedan 453,59 120 530
Caminhonete de passageiros/carga 1.814,36 200 830

Caminhonete pequena de mudanças, ca- 4.535,92 260 1.150


minhão de entregas
Caminhonete de mudanças, caminhão- 13.607,77 380 1.980
tanque pequeno
Semi-reboque 27.215,54 480 2.130
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332 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 32 — Produtos Perigosos

re após 1 ou 2 litros de irrigação. Essa prática tem dois problemas: a


área de contaminação corporal é aumentada, e o agente agressor não
é diluído suficientemente a ponto de tornar o agente inofensivo.
Quando não se faz um escoamento e uma drenagem do fluido de
lavagem, pode ocorrer lesão em áreas do corpo previamente não-
expostas, já que há acúmulo do líquido contaminado da lavagem.
Uma forma simples de promover o escoamento no pré-hospitalar
em pacientes que não podem andar consiste em colocar o paciente
sobre uma prancha e depois incliná-la, elevando uma das extremida-
des. Idealmente, o escoamento contaminado deve ser coletado e
descartado; no entanto, com descontaminação em massa e com
grandes quantidades de escoamento, é aceitável diluir mais o materi-
al escoado e deixar que vá para o sistema de esgotos.
Fig. 382: Descontaminação de vítimas, feita por pessoal usando equipamento de
proteção individual (EPI) Nível B. Evite usar detergentes fortes ou soluções de água sanitária na
pele. Irritar química ou fisicamente a pele pode contribuir para au-
redução ou a remoção de agentes químicos, biológicos ou radiativos mento da absorção do agente causador. Durante a lavagem, dobras
perigosos. A maior prioridade no atendimento a um paciente expos- da pele, axilas, regiões inguinais, regiões glúteas e os pés precisam
to, como em qualquer emergência, é a segurança pessoal e da cena. receber atenção especial porque os contaminantes podem se acumu-
Se houver dúvidas sobre um risco de exposição continuada, a pri- lar nestas áreas e ser transmitidos entre os pacientes em tais esforços
meira prioridade consiste em assegurar a segurança pessoal. Quando de limpeza.
isso não é feito, cria-se mais uma vítima (o socorrista), e os que já A descontaminação deve ser realizada de maneira sistemática
sofreram lesão ficam privados dos conhecimentos do socorrista. A para que não se deixe de perceber áreas de pele contaminada. Para
descontaminação do paciente é a prioridade seguinte; isso minimiza os olhos, devem ser removidas lentes de contato e irrigadas as muco-
o risco de exposição do socorrista durante a avaliação e o tratamento sas com quantidades abundantes de água ou solução salina, especial-
do paciente e evita a contaminação do equipamento. Desse modo, mente se o paciente estiver sintomático. Caso o paciente esteja cons-
evita-se o risco de exposição de outros indivíduos por equipamento e ciente e capaz de cooperar, é melhor solicitar sua cooperação e pedir
viaturas contaminados. que faça o máximo de descontaminação possível para reduzir a
Os indivíduos que prestam atendimento de emergência em probabilidade de contaminação cruzada dos socorristas. Os pacien-
ambientes de risco desconhecido devem ter um mínimo de treina- tes que não andam podem precisar da assistência de indivíduos ade-
mento apropriado e devem ser equipados e treinados com proteção quadamente trajados para descontaminar pacientes em macas. A
mínima de nível B. A proteção de nível B consiste em roupas com descontaminação apressada pode estar justificada como esforço para
proteção contra respingos, resistentes a substâncias químicas e fontes diminuir o tempo de exposição a várias substâncias que trazem risco
autônomas de respiração. de morte. Todos os socorristas precisam estar familiarizados com
As áreas de descontaminação são tipicamente contra o vento e um procedimento de descontaminação apressado que possa ser
para cima da área afetada quando as condições o permitem. executado até mesmo antes da chegada da equipe especializada em
A descontaminação é um processo em duas etapas que pri- produtos perigosos/descontaminação, para minimizar o tempo de
meiramente envolve a remoção de todas as roupas, acessórios e exposição dos pacientes e socorristas.
calçados, que são ensacados e rotulados para posterior identificação. Normalmente, evitam-se agentes neutralizantes em queimadu-
Ensaque o material contaminado cuidadosamente para não dissemi- ras químicas. Frequentemente, no processo de neutralização, os
nar qualquer material particulado ou respingar qualquer líquido so- agentes liberam calor em uma reação exotérmica. Portanto, um so-
bre profissionais ou superfícies não contaminadas. Remover as rou- corrista bem intencionado pode criar uma queimadura térmica aci-
pas reduz em 70% a 90% a contaminação. Qualquer sólido contami- ma de uma queimadura química. A maioria das soluções de descon-
nante deve ser cuidadosamente afastado do paciente, e qualquer taminação disponíveis comercialmente é feita com a finalidade de
líquido contaminante deve ser seco. A segunda etapa envolve lava- descontaminar equipamentos, não pessoas.
gem das superfícies da pele apenas com água ou com água e um As questões a serem consideradas durante o processo de des-
detergente suave, para assegurar a remoção de todas as substâncias contaminação incluem: (1) oferecer a privacidade necessária para os
da pele do paciente. Escove o material particulado retirando-o do homens e as mulheres se despirem; (2) ter água à disposição para
paciente e depois irrigue copiosamente com água. A lavagem com irrigação; (3) fornecer um substituto adequado para as roupas quan-
água diminui a concentração do material potencialmente perigoso e do se completar a descontaminação; (4) assegurar às vítimas que
remove qualquer agente restante. Um axioma comum é “A solução seus pertences pessoais estarão seguros até que se faça uma disposi-
para a poluição é a diluição”. Uma descontaminação bem-sucedida ção final referente à sua devolução ou recolhimento e (5) coleta do
utiliza grandes quantidades de água. Um erro comum cometido por efluente, se for prática.
socorristas inexperientes é irrigar o paciente com água somente até
que o líquido comece a derramar no chão, o que normalmente ocor-

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Diretoria de Ensino e Instrução 333
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

3. CLASSIFICAÇÃO DOS PRODUTOS PERIGOSOS


Classe 3 Líquidos Inflamáveis

O sistema de classi- Subclasse 3.1 Líquidos inflamáveis (ignição abaixo de


ficação dos produtos peri- 40º)
gosos é estabelecido pela
Subclasse 3.2 Líquidos combustíveis (ignição entre 40º e
ONU e são divididos em 80º)
classes e subclasses. Cada
produto recebe também
uma codificação em qua-
tro números facilmente Fig. 383: Painel de Segurança com número da ONU.
visualizados em placas
laranjas que também contém a classe e subclasse (figura 383).

Classe 1 Explosivos
Subclasse 1.1 Substâncias e artefatos com risco de explo- Fig. 386: Identificação de líquidos
são em massa inflamáveis.

Subclasse 1.2 Substâncias e artefatos com risco de proje- Sólidos inflamáveis, substâncias passí-
ção veis de combustão espontânea; substân-
Classe 4
Subclasse 1.3 Substâncias e artefatos com risco predomi- cias que, em contato com a água, emitem
nante de fogo gases inflamáveis

Subclasse 1.4 Substâncias e artefatos que não apresentam Subclasse 4.1 Sólidos inflamáveis
risco significante
Subclasse 4.2 Substâncias passíveis de combustão espon-
Subclasse 1.5 Substâncias pouco sensíveis tânea
Subclasse 1.6 Substâncias extremamente insensíveis Subclasse 4.3 Substâncias que, em contato com a água,
emitem gases inflamáveis

Fig. 384: Identificação de substâncias explosivas.

Classe 2 Gases
Subclasse 2.1 Gases inflamáveis

Subclasse 2.2 Gases comprimidos não tóxicos e não in-


flamáveis
Subclasse 2.3 Gases tóxicos por inalação
Fig. 387: Identificação de produtos perigosos da classe 4.

Fig. 385: Identificação de gases.

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334 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 32 — Produtos Perigosos

Substâncias oxidantes, peróxidos orgâni- Classe 9 Substâncias perigosas diversas


Classe 5
cos
Subclasse 5.1 Substâncias oxidantes

Subclasse 5.2 Peróxidos orgânicos

Fig. 392: Identificação de substân-


cias perigosas diversas.

Fig. 388: Identificação de oxidantes e peróxidos orgânicos.


4. TIPOS DE LESÃO OCASIONADA POR PRODU-
Substâncias tóxicas; substâncias infec- TOS PERIGOSOS
Classe 6
tantes
Subclasse 6.1 Substâncias tóxicas Basicamente os produtos perigosos podem lesionar o organis-
mo humano das seguintes formas: absorção da pele ou olhos, por
Subclasse 6.2 Substâncias infectantes inalação do produto, pela ingestão e por injeção ou inoculação. Este
contato pode ocasionar os seguintes tipos de lesão:
 Lesão térmica: pelo calor ou frio.
 Lesão mecânica: por ondas de choque, força de im-
pacto ou explosão.
 Asfixia: causando complicações respiratórias.
 Lesão química: alterando estrutura e função celular,
tecidos ou órgãos.
 Lesões etiológicas ou contaminação por microorganis-
mos.
Fig. 389: Identificação de substâncias tóxicas e infectantes.  Lesão radiológica.

Classe 7 Substâncias radioativas

Fig. 390: Identificação de substâncias radioativas.

5. IDENTIFICAÇÃO DO PRODUTO
Classe 8 Substâncias corrosivas
Para identificar o produto é necessário aproximar-se do local
da ocorrência. O ideal é realizar a identificação com uma distância
segura de 1 km através de um binóculo. Se for necessária tal aproxi-
mação, faça com os ventos pela costa. Tendo que entrar em contato
com o produto para identificá-lo, use pelo menos a vestimenta de
nível B.
Toda viatura de emergência deve possuir um manual para
atendimento de emergências com produtos perigosos da ABIQUIM
que lista todos os produtos perigosos com orientações conforme o
Fig. 391: Identificação de substân-
cias corrosivas.
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Diretoria de Ensino e Instrução 335
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 393: Localização das placas de identificação de produtos perigosos.

risco. Também pode ser acionado o serviço Pró-Química através do Quadro 32-1: Sequência para Vestir Equipamento de Proteção
telefone 0800-11-8270. Individual (EPI)
O tipo de EPI usado variará com base no nível de precau-
6. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL ções exigidas (p. ex., Precauções-Padrão e isolamento de
contato, gotículas ou infecção aerogênica).
Ao atender a eventos causados por produtos perigosos, precisa
1. AVENTAL
ser considerado o equipamento de proteção individual (EPI). Os
 Cobrir inteiramente o corpo do pescoço aos joelhos,
requisitos de EPI podem ir do fardamento diário padrão a um traje
membros superiores até o final dos punhos e envolver o
inteiramente encapsulado com aparelhagem de respiração autocon- dorso.
tida (ARAC). O EPI é destinado a proteger o socorrista da exposi-  Amarrar na parte posterior do pescoço e na cintura.
ção a agentes agressores, proporcionando uma proteção variável do
trato respiratório, da pele e de outras mucosas. Não sendo possível 2. MÁSCARA OU RESPIRADOR
identificar o produto, use sempre o equipamento de proteção máxi-  Amarras seguras ou elásticos na parte média da cabeça e
ma. O EPI em geral é descrito pelos seguintes níveis: no pescoço.
Nível A. O trato respiratório é protegido por uma ARAC ou  Faixa de encaixe flexível no dorso do nariz.
 Encaixe à face e abaixo do mento.
respirador de ar suprido (RAS), que oferece ar ao socorrista com
 Respirador bem encaixado.
pressão positiva. Uma barreira resistente a substâncias químicas que
encapsula completamente aquele que a usa, protegendo a pele e as 3. ÓCULOS DE PROTEÇÃO PARA A FACE
mucosas. Este nível oferece a mais alta proteção respiratória e da  Colocar sobre a face e os olhos e ajustar para ficar bem
pele. adaptados.
Nível B. O trato respiratório é protegido do mesmo modo que
no Nível A, com ar suprido com pressão positiva. Vestimentas não 4. LUVAS
encapsuladas resistentes a substâncias químicas, incluindo o traje,  Estendem-se cobrindo o punho do avental de isolamento.
luvas e botas, que proporcionam proteção apenas contra borrifos,
Use práticas de trabalho seguras para se proteger e limitar a
protegem a pele e as mucosas. Propicia-se a mais alta proteção respi- propagação da contaminação:
ratória, com um nível mais baixo de proteção da pele.
Nível C. O trato respiratório é protegido por um respirador de  Manter as mãos longe da face.
purificação do ar (RPA). Este pode ser um respirador de purificação  Limitar as superfícies tocadas.
do ar elétrico (RPAE), que retira ar do ambiente através de um ca-  Mudar as luvas quando gastas ou pesadamente contami-
nister com filtro e o distribui sob pressão positiva a uma máscara nadas.
 Realizar a higiene das mãos.
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336 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 32 — Produtos Perigosos

facial ou capuz, ou um RPA não operado através de energia elétrica, são trazidas da zona quente e onde ocorre a descontaminação. O
que depende de que o usuário retire ar do ambiente através de um socorrista ainda está em risco de exposição a material prejudicial
canister com filtro por respiração através de máscara adaptada ade- nesta área, pois ele emerge da área quente sobre as vítimas, pessoas
quadamente. A proteção da pele é a mesma que para o Nível B. que atenderam ao chamado e equipamento. O EPI é recomendado
Nível D. Este representa as roupas padrão de trabalho com base em possíveis vias de exposição à substância.
(fardamento para o socorrista) e também pode incluir avental, luvas A zona fria é aquela área que não está contaminada, na qual
e máscara cirúrgica. Este nível dá proteção respiratória mínima e não há risco de exposição a material nocivo, e, deste modo, não é
proteção mínima da pele. necessário nível específico de EPI.
O EPI é selecionado com base nos riscos conhecidos do ambi- É importante observar que costuma ser difícil definir estas
ente e na proximidade da ameaça. A proximidade da ameaça é defi- zonas de risco e que elas costumam ser dinâmicas, e não estáticas.
nida segundo as zonas de controle da cena: Os fatores que contribuem para a dinâmica das zonas incluem a
A zona quente é a área em que há ameaça imediata à saúde e atividade das vítimas e dos prestadores de assistência e condições do
à vida. Isto poderia incluir ambiente contaminado por gás prejudici- ambiente. A menos que completamente incapacitadas, as vítimas
al, vapor, aerossol, líquido ou pó. O EPI adequado para proteger o contaminadas podem caminhar até os socorristas na “zona fria” ou
socorrista é determinado com base nas possíveis rotas de exposição sair da cena completamente, seja por pânico ou com a intenção de
à substância. Costuma ser usada proteção do Nível A na zona quen- buscar ajuda em um estabelecimento de tratamento médico por
te. perto ou junto a seu médico pessoal. Pelo seu desenho, as zonas
A zona morna caracteriza-se por uma área em que a concen- mornas e as zonas frias são designadas contra o vento em relação à
tração do agente agressor é limitada. No caso de cena com material zona quente. No entanto, se a direção do vento mudar, os socorristas
prejudicial, esta é caracterizada como a área para a qual as vítimas estarão em risco de exposição a material nocivo se não conseguirem
por as vestimentas de proteção individual nem se retirar. Estas con-
Quadro 32-2: Sequência para Remoção do Equipamento de tingências precisam ser antecipadas quando se planeja responder a
Proteção Individual (EPI) um evento com produtos perigosos.
Exceto pelo respirador, retirar o EPI na porta ou numa ante- Poderia ser concluído que a melhor atitude de um socorrista
sala. Retirar o respirador depois que o paciente sair da sala em relação à proteção sempre é responder no nível mais alto de
e fechar a porta. proteção, o Nível A, independentemente da ameaça. Esta não é,
contudo, uma reação razoável. A proteção em Nível A é incômoda e
1. LUVAS muitas vezes torna as tarefas manuais difíceis de serem realizadas.
 A parte de fora da luva está contaminada! Coloca o usuário em risco de estresse pelo calor e exaustão física.
 Segure o exterior da luva com a outra mão enluvada;
Pode tornar difícil a comunicação entre os prestadores de socorro e
retire-a.
 Segure a luva retirada na mão enluvada. as vítimas. O EPI apropriado precisa ser recomendado com base na
 Deslize os dedos da mão não enluvada sob a luva restan- ameaça e nas responsabilidades operacionais do socorrista.
te no punho.
 Retire a luva sobre a primeira luva. 7. AVALIAÇÃO E ATENDIMENTO
 Descarte as luvas no lixo.
O atendimento às vítimas contaminadas por produtos perigo-
2. ÓCULOS DE PROTEÇÃO sos ocorre simultaneamente ao resto da operação, devendo-se seguir
 O exterior dos óculos de proteção está contaminado! estes dois princípios:
 Para remover, segure pela faixa da cabeça ou pelas peças
1. Ninguém entra em contato com a vítima sem a proteção
das orelhas.
necessária.
 Coloque no receptáculo designado para reprocessamento
ou no lixo. 2. A vítima não sai do local sem antes passar pelo processo de
descontaminação.
3. AVENTAL Após garantir a segurança do local e que a vítima tenha sido
 A frente do avental e as mangas estão contaminadas! apropriadamente descontaminada, o socorrista muitas vezes encon-
 Desamarre o avental. trará pacientes com sinais e sintomas de exposição a uma substância
 Afaste do pescoço e dos ombros, tocando somente dentro nociva da qual ainda não se determinou a identidade. Vítimas de
do avental. agentes químicos podem manifestar sinais e sintomas de exposição
 Vire-o pelo avesso.
que afetam (1) o sistema respiratório, afetando a oxigenação e a
 Dobre ou enrole e descarte.
ventilação; (2) as mucosas, causando lesão do olho e das vias aéreas
4. MÁSCARA OU RESPIRADOR altas; (3) o sistema nervoso, resultando em crises convulsivas ou
 A frente da máscara/respirador está contaminada — não coma; (4) o trato gastrointestinal (GI), causando vômitos ou diarréia;
toque! e (5) a pele, causando queimaduras e formação de bolhas.
 Segure as amarras inferiores e depois as superiores e Os pacientes precisarão de um exame primário para determi-
retire. nar quais intervenções para o salvamento da vida podem ser imedia-
 Descarte no container apropriado.
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Diretoria de Ensino e Instrução 337
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

tamente necessárias. Um exame secundário pode auxiliar na identifi- na pele, impulsionado pela explosão de munições com FB. A subs-
cação de constelações de sintomas que poderiam indicar a natureza tância continuará a queimar na pele se exposta ao ar. Os socorristas
da substância nociva. Esta constelação de sinais e sintomas tem sido podem diminuir a probabilidade de combustão na pele imergindo as
chamada toxídromo. Um toxídromo é uma coleção de sinais e sinto- áreas afetadas em água ou aplicando curativos embebidos em solu-
mas que sugerem exposição a uma certa classe de substâncias quí- ção salina à área.
micas ou toxinas.
O toxídromo dos gases irritantes incluirá queimaduras e infla- 8.2. Agentes Químicos
mação das mucosas, tosse e dificuldade para respirar. Os agentes
responsáveis podem incluir cloro, fosfogênio ou amônia. Muitos cenários poderiam expor o socorrista a agentes quími-
O toxídromo asfixiante é causado por privação de oxigênio cos, como um acidente em complexo industrial, um caminhão-
celular. Isto pode resultar de uma disponibilidade inadequada de tanque que teve vazamento, ou mesmo um atentado terrorista. O
oxigênio, como na atmosfera deficiente em oxigênio; oferta inade- acidente industrial da Union Carbide em 1984 em Bhopal, Índia, e o
quada de oxigênio às células, como no envenenamento por monóxi- atentado com gás sarin em Tóquio, em 1995, são exemplos de tais
do de carbono; ou incapacidade de utilizar o oxigênio no nível celu- incidentes.
lar, como no envenenamento por cianeto. Os sinais e sintomas inclu-
em falta de ar, dor no peito, arritmias, síncope, crises convulsivas, 8.2.1. Propriedades Físicas dos Materiais Nocivos
coma e morte.
O toxídromo colinérgico é caracterizado por tosse, secreções A propriedade física de uma substância é afetada por sua es-
respiratórias, dificuldade para respirar, náuseas, vômitos, diarréia, trutura química, a temperatura e a pressão no ambiente. Estes fatores
sudorese abundante, pupilas puntiformes e possível alteração do determinarão se uma substância existe como sólido, líquido ou gás.
estado mental, crises convulsivas e coma. Os pesticidas e os agentes Entender o estado físico de um material é importante para o socorris-
nervosos podem causar estes sinais e sintomas colinérgicos. ta porque dá indícios de provável via de exposição e potencial para
Mais frequentemente, os socorristas iniciarão terapia de supor- transmissão e contaminação.
te sem saber a causa dos ferimentos. Se o agente causador for apro- Um sólido está em um estado da matéria que tem volume e
priadamente identificado ou se sua identidade for sugerida por um forma fixos; um pó é exemplo de sólido. Quando aquecidos até o
toxídromo, poderá ser oferecida terapia específica para o agente. ponto de fusão, os sólidos se tornam líquidos. Líquidos aquecidos
Vítimas de cianeto e de agentes nervosos são exemplos de pacientes até o ponto de ebulição se tornam gases. As partículas sólidas e as
que podem se beneficiar de terapia específica para o agente. partículas líquidas podem ficar suspensas no ar, de forma semelhan-
te a de uma partícula de poeira ou uma névoa de líquido. Isto é con-
8. AMEAÇAS ESPECÍFICAS SELECIONADAS siderado um aerossol. Um vapor é simplesmente um sólido ou líqui-
do que está no estado gasoso, mas tecnicamente se esperaria ser
8.1. Agentes Incendiários encontrado como sólido ou líquido em temperatura e pressão pa-
drão, o que se define como 0 °C e pressão atmosférica normal (1
Os agentes incendiários mais frequentemente encontrados em ATA, 14,7 psi). Alguns sólidos e líquidos, portanto, podem emitir
ocorrências com produtos perigosos são o magnésio e o fósforo vapores à temperatura ambiente. Quando os sólidos emitem vapo-
branco. Ambos são compostos altamente inflamáveis que queimam res, desviando-se do estado líquido, isto é chamado sublimação. A
em temperaturas extremamente altas. probabilidade de que os sólidos ou líquidos vaporizem para a forma
O magnésio é um metal sob a forma de pó ou sólida que quei- gasosa em temperatura ambiente é definida como volatilidade da
ma violentamente quente. Além de sua capacidade de causar quei- substância. Substâncias altamente voláteis facilmente se convertem
maduras de segundo e terceiro graus, o magnésio pode reagir com em gás à temperatura ambiente.
líquido tecidual e causar queimaduras alcalinas. A mesma reação Estas propriedades físicas têm implicações na contaminação
química produz o gás hidrogênio, que pode fazer com que a ferida primária e secundária e possíveis vias de exposição. A contamina-
forme bolha ou pode resultar em enfisema subcutâneo. A inalação ção primária é definida como a exposição à substância nociva em
de pó de magnésio pode produzir sintomas respiratórios, incluindo seu ponto de liberação. Por exemplo, ocorre contaminação primária,
tosse, taquipnéia, hipóxia, pneumonite e queimaduras das vias aé- por definição, na “zona quente”. Gases (vapores), líquidos, sólidos e
reas. Partículas residuais de magnésio em um ferimento podem aerossóis podem todos desempenhar um papel na contaminação
reagir com água, de modo que não se incentiva a irrigação. Se for primária. Define-se contaminação secundária a exposição à subs-
necessária irrigação por outras razões, como a descontaminação de tância nociva depois de ter sido carregada do ponto de origem por
outros materiais suspeitos, deve-se ter cuidado para assegurar jorros uma vítima, uma pessoa que tenha atendido ao chamado ou uma
de água ou remoção das partículas de magnésio do ferimento. peça de equipamento. Ocorre contaminação secundária na “zona
O fósforo branco (FB) é um sólido que tem ignição espontâ- morna”. Sólidos e líquidos (e algumas vezes aerossóis), em geral,
nea quando exposto ao ar, causando chama amarela e fumaça bran- contribuem para a contaminação secundária. Gases (vapores), os
ca. O FB que entra em contato com a pele pode rapidamente causar quais causam lesão por inalação da substância, não se depositam na
queimaduras de segundo e terceiro graus. O FB pode se implantar pele nem contêm substância e, portanto, tipicamente não desempe-

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338 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 32 — Produtos Perigosos

nham um papel na contaminação secundária, embora os vapores Os mecanismos de lesão variam entre os intoxicantes pulmo-
possam ficar presos nas roupas. A volatilidade desempenha um nares. A amônia, por exemplo, combina-se com a água nas mucosas
papel significativo no risco de contaminação secundária. Substâncias para formar uma base forte, o hidróxido de amônio. O cloro, quando
mais voláteis são consideradas “menos persistentes”, significando combinado com água, produz ácido clorídrico, causando lesão dos
que, como vaporizam, é improvável a probabilidade de contamina- tecidos. Os intoxicantes pulmonares não são absorvidos sistemica-
ção física de longa duração. Substâncias menos voláteis não vapori- mente, mas comprometem a vítima por lesão dos componentes do
zam ou o fazem em uma taxa muito lenta, assim permanecendo nas sistema pulmonar das vias aéreas superiores aos alvéolos.
superfícies expostas por um longo tempo, aumentando o risco de Os agentes com alta hidrossolubilidade causam queimadura
contaminação secundária. dos olhos, nariz e boca. São possíveis lacrimejamento, rinorréia,
tosse, dispnéia e angústia respiratória decorrente de irritação glótica
8.2.2. Cianetos ou laringospasmo. O broncospasmo pode resultar em tosse e disp-
néia. Agentes com baixa hidrossolubilidade, causando lesão dos
Os socorristas podem encontrar cianetos ao atenderem ao alvéolos, podem lesar imediatamente o epitélio alveolar no caso de
chamado para um incêndio no qual estejam queimando certos plásti- grande exposição, levando à morte por insuficiência respiratória
cos. O cianeto está presente em grandes quantidades em certos com- aguda, ou, com lesão menos maciça, podem resultar em demora do
plexos industriais em que é usado em sínteses químicas, eletroblin- início da angústia respiratória, que segue o desenvolvimento de leve
dagem, extração de minerais, fabricação de corantes, estampagem, edema pulmonar não-cardiogênico ou síndrome da angústia respira-
fotografia e agricultura, e na fabricação de papel, têxteis e plásticos. tória aguda (SARA) fulminante, dependendo da dose.
O cianeto tem sido inventariado nas reservas militares. O atendimento para os intoxicantes pulmonares inclui remo-
O cianeto de hidrogênio é um líquido altamente volátil e, deste ção do paciente das proximidades do agente causador, descontami-
modo, será mais frequentemente encontrado como vapor ou gás. nação (se sólidos, líquidos ou aerossóis), exame primário e terapia de
Portanto, tem maior potencial para vitimização em um espaço confi- suporte, o que provavelmente precisará de intervenções para maxi-
nado com pouca ventilação do que se liberado ao ar livre. Embora mizar a ventilação e a oxigenação. A irritação dos olhos pode ser
um odor de amêndoas amargas se associe a este agente, este não é tratada com irritação copiosa usando solução salina normal. Devem
um indicador confiável de exposição ao cianeto de hidrogênio. ser removidas as lentes de contato. Espere para tratar as secreções
O mecanismo e ação do cianeto é a parada do metabolismo ou copiosas das vias aéreas, o que exigirá aspiração. A hipóxia precisará
da respiração no nível celular, resultando rapidamente em morte de correção com oxigênio em alto fluxo.
celular. Os pacientes que estejam ventilando apresentarão evidências
de hipóxia acianótica. 9. ACIDENTES RADIOLÓGICOS
Os órgãos mais afetados são o SNC e o coração. Sintomas de
envenenamento leve por cianeto incluem cefaléia, tonturas, sonolên- Embora os acidentes radiológicos sejam raros, eles têm o po-
cia, náuseas, vômitos e irritação das mucosas. O envenenamento tencial de gerar medo e confusão nas vítimas e nos que atendem ao
grave inclui alteração da consciência, arritmias, hipotensão e morte. chamado. A familiarização com o risco e os princípios de tratamento
Esta pode ocorrer a alguns minutos da inalação do gás cianeto. ajudarão a assegurar uma resposta apropriada e a ajudar a reduzir o
É importante a terapia de suporte, incluindo oferta de oxigênio pânico e o transtorno (quadro 32-3).
em alta concentração e tratamento das crises convulsivas.
9.1. Efeitos Médicos dos Acidentes por Radiação
8.2.3. Intoxicantes Pulmonares
As lesões e riscos associados a um acidente radiológico serão
Os intoxicantes pulmonares, incluindo o cloro, a amônia, o multifatoriais. As vítimas podem estar sujeitas a lesões radioativas
dióxido de enxofre e o dióxido de nitrogênio, estão presentes nas pela irradiação externa; por contaminação radioativa externa, que
aplicações de fabricações industriais. pode ser depositada na pele e nas roupas; ou por radiação interna
Os agentes pulmonares químicos podem ser gases (vapores) através de contaminação por material particulado radioativo, o qual
ou líquidos, ou sólidos aerossolizados. As propriedades do agente pode ser inalado pelas vítimas, ingerido ou ser depositado nos feri-
influenciam sua capacidade de fazer mal. Por exemplo, partículas mentos.
aerossolizadas de 2 micra (µm) ou menos têm fácil acesso aos alvéo- A radiação ionizante causa lesão das células por interagir com
los pulmonares, causando lesão ali, enquanto partículas maiores são átomos e depositar energia. Isto resulta em ionização, que pode dani-
filtradas antes de chegarem aos alvéolos. A hidrossolubilidade de ficar o núcleo celular diretamente, causando morte ou disfunção da
um agente também afeta o padrão de lesão. Amônia e dióxido de célula, ou indiretamente, danificando componentes celulares por
enxofre, altamente hidrossolúveis, causam irritação e lesão dos o- interação com água no corpo e resultando em moléculas tóxicas. A
lhos, das mucosas e das vias aéreas superiores. Agentes com hidros- exposição aguda a grandes doses de radiação ionizante penetrante
solubilidade moderada, como o cloro, podem causar irritação das (raios gama e nêutrons) em um curto tempo pode resultar em doença
vias aéreas superiores e alveolar. aguda pela radiação. Os tipos de radiação ionizante incluem partícu-
las alfa, partículas beta, raios gama e nêutrons.

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Diretoria de Ensino e Instrução 339
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Quadro 32-3: Princípios de Atendimento em um dem resultar em doença aguda pela radiação. Os neutrons têm a
Acidente Radiológico capacidade de converter metais estáveis em isótopos radioativos.
1. Avaliar a cena quanto à segurança. Isto tem significância em pacientes em ferragens ou naqueles que
2. Todos os pacientes devem ficar clinicamente estabiliza- possuem objetos de metal no momento da exposição.
dos de seus ferimentos traumáticos antes que os ferimen-
A radiação afeta rapidamente as células em divisão mais rapi-
tos por radiação sejam considerados. Os pacientes são
então avaliados quanto à exposição à radiação externa e damente, resultando em lesão da medula óssea e do trato GI, no qual
contaminação. ocorrem taxas altas de rotatividade de células. Doses mais altas po-
3. Uma fonte externa de radiação, se grande o suficiente, dem afetar diretamente o SNC. A dose de exposição do corpo intei-
pode causar lesão tecidual, mas não torna o paciente ra- ro determina as consequências médicas da exposição, que vão desde
dioativo. Os pacientes até com exposições letais à radia- a ausência de sinais de lesão, até a presença de náuseas e vômitos,
ção externa não são uma ameaça para a equipe de socor-
leucopenia, déficits neurológicos e finalmente a morte.
ristas.
4. Os pacientes podem ficar contaminados com material Nem todos os acidentes por radiação resultarão em exposição
radioativo depositado em sua pele ou roupas. Mais de a altas doses de radiação. A exposição a baixas doses de radiação
90% da contaminação superficial pode ser retirada por provavelmente não produz ferimento agudo secundário à radiação.
remoção das roupas. O restante pode ser lavado com Dependendo da dose, o paciente pode ter aumento do risco futuro de
sabão e água. desenvolver câncer. Os efeitos agudos provavelmente serão psicoló-
5. Proteja-se da contaminação radioativa por observação, gicos, incluindo as reações ao estresse, medo, depressão aguda e
no mínimo, das Precauções-Padrão, incluindo roupas
queixas psicossomáticas, o que sobrecarregará significativamente os
protetoras, luvas e máscara.
6. Os pacientes que desenvolvem náuseas, vômitos ou erite- serviços de emergência e a infra-estrutura médica.
ma da pele em quatro horas após a exposição provavel- Os pacientes podem ficar contaminados com material que
mente receberam alta exposição à radiação externa. emita radiação alfa, beta e até gama, porém os contaminantes mais
7. A contaminação radioativa em ferimentos deve ser trata- comuns emitirão radiação alfa e beta. Somente a radiação gama
da como sujeira e irrigada assim que possível. Evite ma- contribui para a irradiação do corpo inteiro, como foi previamente
nipular qualquer corpo estranho metálico. descrito. A radiação alfa e a beta têm capacidade limitada de pene-
8. O conceito de tempo/distância/proteção é chave na pre-
tração, mas ainda podem causar lesão dos tecidos locais. Os pacien-
venção de efeitos indesejáveis pela exposição à radiação.
Esta é minimizada pelo aumento da distância de uma tes podem ser facilmente descontaminados pela remoção das roupas
fonte de radiação, diminuição do tempo na área afetada, e e por lavagem. É impossível que um paciente esteja tão contamina-
uso de escudo metálico ou de concreto. do que seja um risco radiológico para a saúde dos socorristas, de
modo que o tratamento da lesão traumática que traz risco de morte é
As partículas alfa são relativamente grandes e não podem uma prioridade imediata e não deve ser adiado até a descontamina-
penetrar sequer algumas camadas da pele. A pele intacta ou um ção.
fardamento oferece proteção adequada das partículas alfa emissoras Como foi descrito, as partículas radioativas podem ser inala-
de contaminação externa. A radiação ionizante por partículas alfa das, ingeridas ou absorvidas pela pele ou por ferimentos contamina-
será uma preocupação somente se for interiorizada por inalação ou dos. Este tipo de exposição à radiação não resultará em efeitos agu-
ingestão dos emissores de partículas alfa. Quando interiorizada, a dos da exposição à radiação, mas pode resultar em efeitos tardios.
radiação por partículas alfa pode causar lesão celular local significa- Todas as vítimas, ou os socorristas que fizerem o atendimento na
tiva às células adjacentes. área de risco de partículas radioativas no ar, sem o benefício da pro-
As partículas beta são pequenas partículas com carga que teção respiratória, precisarão de avaliação subsequente para identifi-
podem penetrar mais profundamente que as partículas alfa e podem car contaminação interna, o que pode exigir intervenção médica para
afetar camadas mais profundas da pele, tendo a capacidade de lesar a diluir ou bloquear os efeitos do radionuclídeo.
base da pele, cansando uma “queimadura beta”. A radiação com
partículas beta é encontrada mais frequentemente em precipitação 9.2. Equipamento de Proteção Individual
radioativa nuclear. As partículas beta também resultam em lesão
local por radiação. Os socorristas estarão operando em um ambiente com risco de
Os raios gama são semelhantes a raios X e têm a capacidade exposição à radiação ionizante depois de um acidente radiológico. O
de penetrar facilmente no tecido. Os raios gama são emitidos com risco de radiação dependerá fundamentalmente do tipo de evento
precipitação radioativa. A radiação gama pode resultar no que é radiológico.
denominado exposição do corpo inteiro. A exposição do corpo intei- O EPI disponível para os socorristas oferecerá uma certa pro-
ro pode resultar em doença aguda por radiação. teção de contaminação por material particulado radioativo.
Os neutrons podem penetrar o tecido facilmente, têm 20 vezes A radioatividade pode se apresentar em gases, aerossóis, sóli-
mais energia destrutiva que os raios gama, desagregando a estrutura dos ou líquidos. Se estiverem presentes gases radioativos, a ARAC
nuclear das células. Os neutrons são liberados durante uma detona- oferecerá a proteção mais alta. Se estiverem presentes aerossóis, o
ção nuclear, mas não são um risco de precipitação radioativa. Os RAS pode ser adequado para impedir contaminação interna causada
neutrons também contribuem para a exposição do corpo todo e po- por inalação de partículas contaminadas. Usar um traje padrão resis-

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340 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 32 — Produtos Perigosos

tente a salpicos protegerá contra material particulado que emite radi- Quadro 32-4: Considerações sobre Tratamento e Descontami-
ação alfa, oferecerá uma certa proteção de radiação gama ou de nação para Exposição à Radiação
neutrons. Este tipo de proteção de barreira auxilia na descontamina- CONSIDERAÇÕES SOBRE TRATAMENTO
ção de material particulado de um indivíduo, mas não protege contra  Se houver trauma presente, tratar.
os riscos da doença aguda por radiação quando a pessoa fica exposta  Se contaminantes radioativos externos estiverem presen-
tes, descontaminar.
a fontes de alta energia de radiação externa. Nenhum dos EPIs típi-
cos carregados pelos socorristas protege de fontes em ponto de alta CONSIDERAÇÕES SOBRE DESCONTAMINAÇÃO
energia de radiação, como o césio-137. A melhor proteção destas Exposição com contaminação requer:
fontes é a diminuição do tempo de exposição, aumento da distância  Precauções-Padrão (Universais), remoção das roupas do
com relação à fonte e proteção com escudo. Estão sendo investiga- paciente e descontaminação com água.
dos alguns materiais novos para o EPI do primeiro socorrista a che-  Contaminação interna será determinada no hospital.
gar à cena, e eles podem oferecer uma certa proteção de radiação  Tratar pacientes contaminados antes da descontaminação
gama de baixo nível. pode contaminar as instalações; plano para descontami-
nação antes da chegada.
Diferentemente do EPI insuficiente para um material nocivo
 Paciente com uma condição com risco de morte: tratar e
químico, a inalação, ingestão ou absorção na pele de gás ou material depois descontaminar.
particulado emissor de radiação não incapacitará imediatamente um  Paciente sem condição com risco de morte: descontami-
socorrista ou vítima. Todos os socorristas que tenham operado em nar e depois tratar.
um ambiente potencialmente contaminado por material radioativo
terão de se submeter a investigação de radiação para determinar se
ocorreu contaminação interna e submeter-se a tratamento ativo, se
for justificado.
Os medidores ou alarmes de taxa de dose devem ser adquiri-
dos pelas Unidades de Bombeiros e utilizados, se possível. Existem
padrões para doses aceitáveis de radiação ionizante no ambiente
profissional sob condições normais e de emergência. As taxas de
doses de radiação ionizante podem ser medidas para impedir que os
socorristas se coloquem em risco de doença aguda por radiação ou
uma incidência inaceitavelmente mais alta de câncer. O comandante
das OBMs devem ser abordados quanto a orientações sobre leituras
e limites de exposição à radiação.

9.3. Avaliação e Tratamento

Os pacientes feridos em um acidente radiológico devem ser


avaliados com exames primário e secundário, conforme evidenciado
pelo mecanismo de lesão. Os socorristas podem esperar avaliar os
pacientes que tenham sofrido ferimentos em explosão (quadro 32-4).
Recomenda-se a descontaminação da vítima para eliminar contami-
nação particulada radioativa, mas não se deve adiar o tratamento dos
pacientes que precisem de intervenção imediata para seus ferimen-
tos. Se o paciente não mostrar sinais de ferimento grave que exija
intervenção imediata, poderá ser descontaminado primeiro.

9.4. Considerações sobre o Transporte

Os pacientes devem ser transportados para o centro médico


apropriado mais próximo que seja capaz de lidar com trauma e feri-
mentos por radiação. É necessário que todos os hospitais tenham um
plano de conduta para emergência radiológica, mas as comunidades
podem ter instituições identificadas que tenham instalações de des-
contaminação, que sejam capazes de lidar com trauma e que tenham
pessoal treinado para lidar efetivamente com possível contaminação
radioativa externa ou interna, bem como com as complicações de
exposição do corpo inteiro à radiação ionizante.

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

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342 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 33
Remoção e Transporte

T
 Risco de lesões secundárias pelos uso dos próprios músculos.
 Combinação destes fatores.
oda vítima de trauma deve ser atendida com o
máximo cuidado, a fim de não agravar suas lesões As manobras de extricação requerem pessoal treinado e expe-
e/ou ferimentos. Isto é particularmente mais importante nas vítimas riente e, em alguns casos, de equipamento especial.
com suspeita de lesão na coluna vertebral ou traumatismo raquime- Devido ao risco de segundo trauma, é importante que o socor-
dular. rista antes de mobilizar o paciente efetue o exame primário e secun-
Considerando que a vítima necessita ser removida e transpor- dário (quando vítima estável, sem risco iminente de morte), dando
tada do local do acidente para um hospital, há grande probabilidade especial importância à motricidade e sensibilidade da vítima.
de manejo excessivo da coluna vertebral, o que pode por em risco a Encarceramento: é o aprisionamento do paciente por obstá-
integridade da medula espinhal, caso haja alguma lesão óssea instá- culos físicos, e ocorre em situações de colisão e desabamento. As
vel na mesma. técnicas de desencarceramento visam retirar ferragens e escombros
Deste modo, é preciso racionalizar o processo de abordagem, da vítima e não o contrário.
fazendo com que seja possível minimizar a possibilidade de iatroge- O transporte do paciente politraumatizado deve ser efetuado
nia. em imobilizador, que mantenha a estabilidade de toda a coluna ver-
Neste capítulo estão descritas as técnicas mais utilizadas no tebral. O paciente deve permanecer estabilizado manualmente até
atendimento pré-hospitalar, que, no entanto, algumas vezes não estar fixado no imobilizador. Como visto no capítulo 17, o colar
poderão ser utilizadas devido à situação da vítima no local. Nestes cervical isoladamente não é um bom imobilizador, pois não impede
casos o socorrista terá obrigatoriamente que adaptar as manobras, totalmente os movimentos da coluna.
usar sua capacidade de análise e inferir daí a melhor técnica e tática
de abordagem para estabilizar a vítima. 3. REGRAS GERAIS DE IMOBILIZAÇÃO DA COLU-
NA VERTEBRAL
1. NOÇÕES DE MECÂNICA
Para que as técnicas de imobilização e remoção sejam realiza-
Os músculos que devem ser utilizados quando se deseja elevar das com êxito é necessário, primeiramente, que se tenha conheci-
um objeto pesado são os da coxa, pois são os mais fortes do corpo mento das regras a seguir descritas.
humano. A musculatura das costas é fraca e mais propensa a lesões A melhor posição para imobilização da coluna do paciente é a
secundárias a esforço. Ao mover uma vítima, mantenha uma posi- posição neutra — decúbito dorsal, alinhamento total do paciente na
ção segura e estável; para tanto, ao estar em pé, procure atuar com as linha média, e respeito às curvaturas anatômicas da mesma; porém
duas plantas dos pés apoiadas no solo e as pernas ligeiramente entre- outras podem ser escolhidas (decúbito ventral, lateral, etc.), depen-
abertas; ajoelhado, apoie um joelho e o pé da mesma perna no solo, dendo das lesões existentes.
com a perna entreaberta (técnica dos três apoios). Para realizar o alinhamento do paciente, é necessário utilizar
ambas as mãos, com gestos firmes, mas suaves, tentando evitar qual-
Técnica de elevar um peso: quer movimento brusco e, especialmente, de “vai-e-vem”.
 Manter sempre a coluna ereta antes de elevar um peso. Não tentar mover uma vítima cujo peso seja provavelmente
 Dobrar os joelhos. maior do que aquele que possa ser sustentado; neste caso, pedir auxí-
 Posicionar-se de cócoras para elevar um paciente do solo. lio a outros socorristas ou mesmo a leigos, estes devendo ser adequa-
 Ficar bem próximo à vítima. damente instruídos.
 Movimentar-se sempre em conjunto com o outro socorrista. Sempre deve haver um só responsável pela ação, de preferên-
cia o mais experiente, a quem caberá a direção da manobra. Sua
2. EXTRICAÇÃO posição é junto à cabeça da vítima, já que este é o local mais crítico
(coluna cervical).
Conjunto de manobras que têm por objetivo retirar o indivíduo Se a vítima estiver consciente, informá-la dos procedimentos a
de um local de onde ele não pode ou não deve sair por seus próprios serem executados, para que ela possa colaborar e não causar empeci-
meios. Este conceito é mais abrangente que o desencarceramento lhos.
(retirar uma pessoa presa por obstáculos físicos). Se a manobra provocar aumento da dor, significa que algo está
errado e o movimento deve ser interrompido. Retornar suavemente
Indicações: o movimento e imobilizar nessa posição.
 Obstáculos físicos. Se a vítima estiver inconsciente ou incapaz de se comunicar,
 Inconsciência. realize a movimentação, porém de maneira bastante cuidadosa,
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

interrompendo-a caso haja alguma resistência ou bloqueio no movi-


mento. Como no caso anterior, retroceda um pouco o movimento e,
então, imobilize.
Só inicie a mobilização da vítima se todos os materiais neces-
sários estiverem disponíveis e à mão, bem como todo o pessoal
posicionado e instruído. Combinar previamente e descrever o movi-
mento antes de realizá-lo.
Fixar adequadamente a vítima à prancha e à maca, tendo o
cuidado de utilizar coxins em tamanho e espessura adequados, sem-
pre que necessário.
Se possível, o transporte de gestante politraumatizada deve ser
realizado em decúbito lateral esquerdo; para isso inicialmente alinhe
e imobilize a gestante na prancha rígida em decúbito dorsal e poste-
riormente lateralize a prancha. Fig. 394: O socorrista 1 aproxima-se por trás da vítima, colocando as duas mãos na
O socorrista deve conhecer profundamente todos os itens do cabeça do paciente, sem movimentá-la. Os polegares são posicionados contra a parte
seu arsenal de imobilização, para saber escolher tipo, tamanho e uso posterior do crânio. Os dedos mínimos e anelares são colocados logo abaixo do
ângulo da mandíbula. Os dedos restantes são posicionados sobre as superfícies
necessários. laterais planas da cabeça. Uma pressão suficiente para manter a cabeça em posição
O socorrista deve lembrar que equipamentos improvisados estável deve ser aplicada.

oferecem maiores riscos de falhas.


Equipamentos normais costumam apresentar desgaste, por
isto deve-se ficar atento a falhas e ter outros meios disponíveis para
cumprir seu objetivo.
Os pacientes têm graus variados de lesões. Utilizar todo recur-
so necessário disponível, mas sempre avaliando a gravidade real
(lesões perceptíveis) ou as suspeitas (estudo do mecanismo da le-
são), para então quantificar o equipamento necessário.
No atendimento à vítima não se pode confundir rapidez com
pressa, porque a primeira traduz eficiência e segurança, enquanto a
segunda, precipitação e risco. A rapidez só é alcançável mediante
treinamento e experiência, sendo sempre almejada, sem jamais per-
mitir qualquer risco desnecessário ao paciente.
O uso de equipamentos auxiliares para a imobilização, sem
dúvida pode prolongar o tempo de atendimento, mas potencializa a
sua segurança. Só é admissível não usar os equipamentos mínimos Fig. 395: Após posicionar as mãos, realizar os movimentos de alinhamento e tração
necessários no caso do paciente apresentar uma situação clínica leve longitudinal, a menos que contra-indicado, apoiando a região hipotênar das
mãos junto à base do pescoço e abrindo – esticando – as mãos e os dedos. Este movi-
altamente instável (p. ex., PCR) e/ou cuja gravidade suscite uma mento deve conduzir a cabeça da vítima até o alinhamento total, tanto antero-
intervenção realmente emergencial do socorrista. posterior quanto lateral.

4. IMOBILIZAÇÃO COM COLAR CERVICAL

A imobilização com o colar cervical deve ser feita em todas as


vítimas que sofreram algum tipo de lesão e principalmente nas víti-
mas com suspeita de TRM, pois possibilita maior segurança para a
mobilização da vítima do local do acidente ao hospital, diminuindo
também o risco de lesões secundárias.
A colocação do colar cervical pode ser feita com a vítima
sentada, deitada ou em pé.
A seguir estão descritos os procedimentos que devem ser efeti-
vados pelos socorristas para a colocação do colar cervical.

4.1. Colocação do Colar Cervical em Vítima Sentada

Deve-se envolver totalmente o pescoço, evitando compressão Fig. 396: O socorrista 2 posiciona o colar cervical, previamente selecionado, por
baixo da mandíbula da vítima.
da via aérea e dos vasos sanguíneos; pressionar levemente as laterais
do colar a fim de garantir o ajuste adequado.
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Capítulo 33 — Remoção e Transporte

4.2. Colocação do Colar Cervical em Vítima Deitada

Fig. 397: Apoiar a extremidade inferior do colar no esterno, garantindo seu alinha-
mento junto à linha média da vítima; neste momento, o socorrista 1 eleva os dedos
inferiores, para o ajuste do colar cervical.
Fig. 400: O socorrista 1 posiciona-se por trás da cabeça da vítima, controlando-a
com as duas mãos. Apoiar os polegares na mandíbula e os outros dedos ao longo do
crânio, a partir do occipital, para permitir o posicionamento do colar.

Fig. 398: O socorrista 2 posiciona a porção posterior do colar apoiando o occipital e


a parte superior do tronco; o primeiro socorrista levanta suas mãos para permitir o Fig. 401: O socorrista 2 posiciona inicialmente a face posterior do colar por trás do
posicionamento do colar. pescoço da vítima, e então traz a face anterior do colar para frente do pescoço, posi-
cionando-o na linha média.

Fig. 399: O socorrista 2 deverá prender a tira de velcro na lateral oposta para fixar o Fig. 402: O colar deverá apoiar a mandíbula, occipital e tronco, com leve compres-
colar, tendo cuidado para não tracioná-la, posto que não é elástica, devendo ser são lateral.
apenas estendida, visto que a tração excessiva pode desalinhar o colar.

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Diretoria de Ensino e Instrução 345
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Fig. 403: Fechamento do colar com a tira de velcro.

4.3. Colocação do Colar Cervical em Vítima em Pé

O fato de uma vítima de acidente encontrar-se deambulando


ou parada em pé não exclui a possibilidade da existência de lesão
cervical. Portanto, se houver indício de lesão cervical, aplicar o colar Fig. 405: Posicionamento alinhado do colar na região anterior do
pescoço, apoiando na mandíbula e no esterno da vítima.
antes de posicionar a vítima em decúbito.

A sequência é semelhante à da vítima sentada, porém o socor-


rista 1 deve posicionar-se em pé, atrás da vítima, abordá-la e realizar
o alinhamento cervical, enquanto o socorrista 2 seleciona o colar
adequado (figura 404).

Fig. 406: Fixação do colar, adaptação da região posterior do colar, e retirada das
mãos do socorrista 1, mantendo o alinhamento da cabeça. Finalmente, fixação defini-
tiva do colar com a tira de velcro.

5. IMOBILIZAÇÃO NA PRANCHA RÍGIDA

A imobilização da vítima tem por finalidade evitar lesões se-


cundárias na vítima traumatizada, bem como, facilitar e dar seguran-
ça para a mobilização da vítima.
Para que seja feita a imobilização dorsal, ou seja, com a vítima
deitada sobre a prancha, os socorristas podem utilizar várias técnicas
de rolamento e elevação, que a seguir serão descritas.

5.1. Rolamento de 90° com Três Socorristas


Fig. 404: Posicionamento inicial dos socorristas.

Esta é a técnica mais utilizada durante os atendimentos pré-


Após isso o socorrista 2 posiciona o colar por baixo da mandí- hospitalares. Para a sua perfeita utilização, deve-se inicialmente veri-
bula e apoiado no esterno da vítima, passa a parte posterior do colar ficar qual lado da vítima apresenta lesões e então realizar os procedi-
por trás do pescoço do paciente, aplica uma leve compressão lateral mentos de rolamento para o lado contrário aos ferimentos; caso a
e fecha o colar com a tira de velcro (figuras 405 e 406). vítima apresente lesões em ambos os lados, ou fratura pélvica, este
procedimento deve ser evitado e substituído pela técnica de elevação
a cavaleiro (discutida mais adiante).

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Capítulo 33 — Remoção e Transporte

Pode-se realizar o rolamento de 90º para colocar a vítima so- cabeça, e não pode permitir a extensão e a lateralização da mesma,
bre a prancha utilizando-se de 1, 2 ou 3 socorristas. É claro que a que serão os movimentos mais prováveis. O socorrista 3 deve mover
maior segurança da vítima será sempre na execução da manobra as pernas da vítima segurando firmemente a bandagem que une os
com o maior número possível de auxiliares. tornozelos, levantando-os alguns centímetros do solo, para manter a
Observe o posicionamento da vítima (figura 407): o socorrista pelve alinhada a 90º com a coluna.
1 realiza o alinhamento cervical; o socorrista 2 instala o colar cervi- Os socorristas 2 e 3 deverão puxar a prancha para perto da
cal e alinha os braços da vítima junto ao tronco, podendo deixar o vítima, posicionando-a na altura adequada, considerando principal-
antebraço contrário ao rolamento sobre o tronco; já o socorrista 3 mente a cabeça, sendo que para isso o socorrista 2 utilizará a mão
deverá alinhar as pernas da vítima fazendo uma leve tração e posteri- que está no ombro e o socorrista 3 a mão que está na coxa.
ormente amarrar uma bandagem nos tornozelos da vítima para faci- Em seguida, a vítima é movida de volta à sua posição anterior,
litar o movimento de rolamento, bem como deverá posicionar a porém agora sobre a prancha. Note que os socorristas não modifi-
prancha de imobilização ao lado da vítima, atentando-se para que o cam a posição das mãos até que ela esteja novamente em decúbito
equipamento fique no lado contrário ao rolamento. dorsal (figura 409).

Fig. 409: Retorno da vítima ao decúbito dorsal.

Fig. 407: O socorrista 1 segura a cabeça; o socorrista 2 posiciona uma mão no


ombro e a outra na coxa; este fará um esforço maior, pois é o responsável pela mobi- Caso a vítima não fique centralizada após o rolamento, é ne-
lização do tronco; o socorrista 3 posiciona uma mão na pelve e com a outra segura a cessário deslocá-la para um dos lados; para isto o socorrista 1 deverá,
bandagem que foi amarrada nos tornozelos da vítima.
sem perder o controle da cabeça, pinçar os ombros da vítima e man-
Observe a prancha rígida: apresenta-se com o estabilizador de ter o controle da cabeça com os antebraços; o socorrista 2 e 3 deve-
cabeça fixado à mesma, onde ainda serão colocados três tirantes de rão transferir suas mãos para o lado contrário ao do deslocamento da
fixação. A prancha é posicionada ao lado da vítima de modo que sua vítima, segurando respectivamente no ombro e pelve, e na pelve e
cabeça possa ficar adequadamente fixada; se a vítima for mais alta bandagem. Sob o comando do socorrista 1, os demais socorristas
que a prancha, seus pés poderão ficar para fora da mesma, porém o realizarão a centralização da vítima, tomando o cuidado para que o
essencial é a estabilização da coluna. O estabilizador de cabeça só movimento seja feito em bloco, sem permitir deslocamento lateral
deve ser utilizado em vítimas adultas (ou adolescentes), pois apre- da coluna.
senta um coxim para o crânio, mantendo o alinhamento ântero- Caso a vítima tenha que ser colocada mais para cima ou para
posterior da coluna cervical. baixo da prancha, o socorrista 1 deverá pinçar os ombros da vítima e
Em seguida (figura 408), sob o comando do socorrista 1 na manter o controle da cabeça com os antebraços; os socorristas 2 e 3
cabeça, a vítima é rolada para o lado oposto ao qual se encontra a deverão posicionar-se com a vítima entre as pernas segurando res-
prancha rígida. Este movimento tem de ser contínuo, coordenado e pectivamente a pelve e as pernas (gastrocnemios) da vítima.
harmônico, preferencialmente lento, de modo que em nenhum mo- Sob o comando do socorrista 1, os demais socorristas alinha-
mento a coluna seja movimentada para fora do seu eixo de alinha- rão a vítima.
mento. Como o maior peso é sustentado pelo socorrista 2 no tronco, Terminado o rolamento, centralizada e alinhada a vítima, deve
os outros dois devem fazer o movimento acompanhando o central. -se realizar a fixação da vítima na prancha com a utilização dos tiran-
O socorrista 1 executa o movimento apoiando constantemente a tes de fixação e imobilizador lateral de cabeça. Os socorristas deve-
rão proceder da seguinte forma:
O socorrista 1 deverá pinçar os trapézios da vítima, apoiando
lateralmente a cabeça da vítima com os antebraços a fim de que o
paciente não desça com o levantamento da prancha. O socorrista 3,
sob o comando do socorrista 1, levantará a prancha na região dos
pés da vítima até a altura de seus joelhos até que todos os tirantes
sejam fixados (figura 410). Já o socorrista 2 será o responsável em
fixar os 3 tirantes, sendo que o primeiro tirante será fixado no tórax
sem apertar demasiadamente, de forma que não prejudique a respi-
Fig. 408: Giro lateral da vítima em 90º. ração (na linha dos mamilos, afastando dos seios, quando mulher) e

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o segundo tirante na pelve (cristas ilíacas). O terceiro tirante deverá alinha as pernas da vítima fazendo uma leve tração e posteriormente
ser fixado um pouco acima dos joelhos. amarra uma bandagem nos tornozelos da vítima para facilitar o mo-
vimento de rolamento, bem como deverá posicionar a prancha de
imobilização ao lado da vítima, atentando-se para que a prancha
fique no lado contrário ao rolamento.
O socorrista 1 deverá deslocar-se para o lado em que a vítima
será rolada, colocando uma das mãos sob a coluna cervical e a outra
no ombro da vítima; o socorrista 2 posiciona uma das mãos na pelve
da vítima e a outra segura a bandagem amarrada nos tornozelos do
paciente (figura 412).

Fig. 410: Elevação da vítima para fixação dos tirantes.

Para a fixação do estabilizador lateral de cabeça, o socorrista 1


voltará para a posição normal (controle da cabeção com as mãos e
não com o antebraço) e o socorrista 2 posicionará os coxins (um de
cada lado da cabeça) empurrando-os contra a base do pescoço e
posteriormente os ajustando nas laterais da cabeça.
O socorrista 2 passará o primeiro tirante de fixação do estabili-
zador lateral de cabeça na testa da vítima, pressionando o tirante
contra os coxins; feito isto, o socorrista 1 fixará o tirante no suporte
que estará fixado à prancha rígida.
O socorrista 2 passará, então, o segundo tirante do estabiliza-
dor lateral no mento da vítima (sobre o colar cervical), pressionando Fig. 412: Posicionamento de dois socorristas para o rolamento 90°.
o tirante contra os coxins, sendo que o socorrista 1 também fixará o
tirante no suporte fixo à prancha (figura 411). A cabeça só deve ser
fixada à prancha após a fixação do tronco!

Fig. 413: Sob o comando do socorrista 1, os dois socorristas executam o rolamento


de 90º, lateralizando a vítima. O socorrista 2 deve manter o alinhamento das pernas
da vítima em relação ao tronco.
O socorrista 2 deverá puxar a prancha para perto da vítima
Fig. 411: Fixação da cabeça da vítima com o estabilizador. com a mão que estava posicionada na pelve sendo auxiliado pelo
socorrista 1.
5.2. Rolamento de 90° com Dois Socorristas O socorrista 1 verifica se a prancha esta devidamente posicio-
nada para receber a vítima e então comanda o rolamento da vítima
Para a realização desta manobra, obrigatoriamente, os tirantes sobre o equipamento. Caso a vítima fique descentralizada na pran-
de fixação deverão estar predispostos sob a prancha, pois do contrá- cha, o socorrista 1 mantém uma das mãos sob a coluna cervical e a
rio faltará um socorrista para fazer a passagem e a fixação dos mes- outra posiciona no ombro da vítima, no lado oposto ao do desloca-
mos. mento. O socorrista 2 coloca uma das mãos na pelve da vítima e a
Na execução desta técnica de rolamento, os socorristas devem outra na perna, também no lado oposto ao do deslocamento da víti-
proceder da seguinte forma: ma.
O socorrista 1 realiza o alinhamento cervical; o socorrista 2 Sob o comando do socorrista 1, a vítima é, então, corretamente
instala o colar cervical e alinha os braços da vítima junto ao tronco, centralizada. Caso a vítima tenha que ser colocada mais para cima
podendo deixar o antebraço contrário ao rolamento sobre o tronco; ou para baixo da prancha, o socorrista 1 deverá pinçar os ombros da

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vítima e manter o controle da cabeça com os antebraços. O socorris- Ao executar o rolamento, haverá necessidade de um movi-
ta 2 deverá posicionar-se com a vítima entre as pernas segurando a mento cuidadoso para não mover inadequadamente a coluna
pelve da mesma. Sob o comando do socorrista 1, os dois socorristas (cervical, dorsal e lombar).
realizarão o alinhamento da mesma.
Terminado o rolamento, centralizada e alinhada a vítima, o 5.4. Rolamento de 180° com Três Socorristas
socorrista 2 deve realizar a fixação da vítima na prancha com a utili-
zação dos tirantes de fixação e estabilizador lateral de cabeça, se- Esta técnica de rolamento deve ser utilizada pelos socorristas
guindo a sequência de fixação anteriormente descrita. quando a vítima se encontra em decúbito ventral, devendo-se adotar
as seguintes providências:
5.3. Rolamento de 90° com Um Socorrista O socorrista 1 deverá realizar a abordagem pelo lado em que a
vítima está olhando, e consecutivamente realizar o controle cervical.
Esta técnica de rolamento dificilmente será executada pelos Deverá apoiar uma das mão no chão e deslocar para traz da cabeça
socorristas no atendimento pré-hospitalar, pois nesta atividade sem- da vítima, posicionando as mãos nas laterais da face da vítima para
pre haverá mais de um socorrista dando suporte à vítima, no entanto, que possa, posteriormente, realizar o rolamento (mão direita na face
é importante conhecê-la pois em situações de emergência onde o direita e mão esquerda na face esquerda).
socorrista se encontre só e fora de sua atividade profissional, poderá O socorrista 2 deverá alinhar os braços da vítima junto ao
ser útil, caso necessite lateralizar uma vítima que esteja com as vias tronco e o socorrista 3 deverá alinhar as pernas da vítima fazendo
aéreas comprometidas ou regurgitando, por exemplo. uma leve tração e posteriormente amarrar uma bandagem nos torno-
Neste caso, o socorrista deverá proceder da seguinte forma: zelos da vítima para facilitar o movimento de rolamento. O socorris-
Realizar a abordagem pelo lado em que a vítima está olhando; ta 3 posiciona a prancha rígida no lado oposto ao que a vítima está
consecutivamente realizar o controle cervical. olhando, deixando-a cerca de 10 cm da vítima (figura 416).
Alinhar os braços e pernas da vítima, cruzar o tornozelo con-
trário ao rolamento por cima do outro.

Fig. 416: A vítima deve ser alinhada com os membros ao longo do corpo, e a prancha
posicionada ao lado, na altura da cabeça.
Após realizado o alinhamento da vítima e posicionada a pran-
Fig. 414: O socorrista segura na coluna cervical (ou colar) e no ombro, apoiando
cha, os socorristas 2 e 3 posicionam-se com um dos joelhos apoian-
ainda o seu cotovelo na região do quadril, preparando o movimento. Afastar o joelho
para liberar o espaço necessário à vítima para sua lateralização. do sobre a prancha, os dois socorristas devem estar com o mesmo
joelho apoiado sobre a prancha. O socorrista 2 posiciona uma das
mãos no ombro e a outra na pelve (crista ilíaca) da vítima, por sobre
o braço. O socorrista 3 deve posicionar uma das mãos na coxa e
com a outra segura a bandagem que foi amarrada nos tornozelos da
vítima (figura 417).
Sob o comando do socorrista 1, todos os socorristas realizarão
o rolamento de 180º, lateralizando a vítima. Enquanto o socorrista 3
mantém o alinhamento das pernas do paciente, o socorrista 1 realiza
o alinhamento da coluna cervical da vítima (figura 418).
Os socorristas 2 e 3 deverão então posicionar-se fora da pran-
cha e deverão girar as mãos que estão respectivamente no ombro e
na pelve da vítima para facilitar o rolamento sobre a prancha.
Sob o comando do socorrista 1, todos os socorristas rolam a
vítima sobre a prancha. O socorrista 2 procede a colocação do colar
Fig. 415: Note que o cruzamento dos tornozelos permitiu o deslocamento facilitado
cervical na vítima.
dos membros inferiores, sem mover a coluna.
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Caso a vítima tenha que ser colocada mais para cima ou para
baixo da prancha, o socorrista 1 deverá pinçar os ombros da vítima e
manter o controle da cabeça com os antebraços. Os socorristas 2 e 3
deverão posicionar-se com a vítima entre as pernas segurando res-
pectivamente a pelve e as pernas (gastrocnemios) da vítima.
Sob o comando do socorrista 1, todos os socorristas realizarão
o alinhamento da vítima.
Terminado o rolamento, centralizada e alinhada a vítima, o
socorrista 2 realizará a fixação da vítima na prancha com a utilização
dos tirantes de fixação e estabilizador de cabeça, seguindo a sequên-
cia de fixação já descrita anteriormente.

5.5. Rolamento de 180° com Dois Socorristas


Fig. 417: Posicionamento padrão dos socorristas para a execução do rolamento de
180º.
Está técnica pode ser utilizada, porém trás menos segurança
para a coluna da vítima. Nesta técnica, os socorristas deverão obser-
var a seguinte sequência:
O socorrista 1 deverá realizar a abordagem da vítima e conse-
cutivamente o controle cervical.
O socorrista 2 deverá proceder o alinhamento dos braços e das
pernas da vítima fazendo uma leve tração e posteriormente amarrar
uma bandagem nos tornozelos da vítima, para facilitar o movimento
de rolamento.

Fig. 418: No primeiro movimento, rolar a vítima até 90º. Observe que o socorrista 1,
na cabeça, posicionou suas mãos de modo invertido a fim de permitir que durante o
movimento fosse mantida constante a estabilização cervical.

Fig. 420: O primeiro socorrista passa o antebraço pela axila do paciente e segura a
mandíbula; com a outra mão apóia o occipital e a coluna cervical. O segundo socor-
rista deverá segura a pelve e a bandagem localizada no tornozelo da vítima.

Fig. 419: Sob o comando do socorrista 1, todos os socorristas realizarão a centraliza-


ção da vítima, tomando cuidado para que o movimento seja feito em bloco, sem
permitir deslocamento lateral da coluna.

Caso a vítima não fique centralizada após o rolamento, é ne-


cessário deslocá-la para um dos lados, para isto, o socorrista 1 deve-
rá, sem perder o controle da cabeça, pinçar os ombros da vítima e
manter o controle da cabeça com os antebraços. O socorrista 2 e 3
deverão transferir suas mãos para o lado contrário ao do desloca-
mento da vítima, segurando respectivamente no ombro e pelve, e na Fig. 421: Enquanto o socorrista 2 mantém o alinhamento das pernas, o socorrista 1
coxa e bandagem. realiza o alinhamento da coluna cervical da vítima.

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occipital, para a testa, fixando-a contra o solo, e mantendo assim o


controle cervical (figura 426).

Fig. 422: Sob o comando do socorrista 1, a vítima é rolada totalmente, reforçando-se


o cuidado com a coluna cervical.

Sob o comando do socorrista 1, os dois socorristas realizarão o


rolamento de 90º, lateralizando a vítima.
Fig. 424: Primeira parte do rolamento de 180°; o socorrista deve atentar para a
manutenção da coluna cervical.
5.6. Rolamento de 180° com Um Socorrista

Da mesma forma que no rolamento de 90º com um socorrista,


esta técnica raramente será utilizada, no entanto, em situações extre-
mas pode ser necessário utilizá-la, mesmo sabendo que esta técnica
não traz estabilização suficiente para a coluna vertebral da vítima,
podendo assim comprometer, inclusive, a medula óssea.
Nesta situação, o socorrista deverá:
Realizar a abordagem pelo lado oposto ao que a vítima está
olhando, consecutivamente realizar o controle cervical. Alinhar os
braços e pernas da vítima, cruzar o tornozelo contrário ao rolamento
por cima do outro. Passar um dos antebraços por baixo da axila da
vítima. Com uma mão deverá segurar a mandíbula e com a outra
deverá apoiar o occipital e a coluna cervical da vítima (figura 423).

Fig. 425: Finalização do rolamento de 180° com um socorrista.

Fig. 423: Posicionamento inicial para a execução do rolamento de 180°.

Quando estiver devidamente posicionado, puxar o tronco da


vítima para si e realizar o rolamento de 180º, usando a força do bra-
ço e do antebraço que passou sob a axila do paciente, tomando cui-
dado para não movimentar a cabeça da vítima (figura 424).
Ao término do movimento, o socorrista mantém a mão da
mandíbula na mesma posição, e passa a outra mão, que estava na Fig. 426: Estabilização cervical após finalização do movimento.

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5.7. Elevação a Cavaleiro com Três Socorristas Os socorristas 2 e 3 posicionam-se com as pernas abertas so-
bre a vítima e seguram, respectivamente, a pelve e as pernas. Sob o
A fim de posicionar a vítima na prancha, podemos também comando do socorrista 1, todos os socorristas realizarão a elevação e
lançar mão de outra técnica de imobilização, a elevação a cavaleiro, a transferência da vítima para a prancha, tomando o cuidado para
que pode também ser utilizada em situações onde o rolamento não manter a altura e o alinhamento da vítima (figura 429).
possa ser executado ou é contra indicado.
Nesta manobra, existem duas situações distintas:
1. Prancha rígida posicionada ao lado da vítima: deverá, sem-
pre que possível, ser utilizada esta técnica.
O socorrista 1 realiza o alinhamento cervical; o socorrista 2
instala o colar cervical e alinha os braços da vítima junto ao tronco,
podendo deixar o antebraço contrário ao rolamento sobre o tronco;
já o socorrista 3 deverá alinhar as pernas da vítima fazendo uma leve
tração, bem como deverá posicionar a prancha de imobilização ao
lado da vítima, como mostra a figura abaixo.

Fig. 429: A vítima é elevada, sob o comando do socorrista 1, apenas o suficiente para
passá-la para a prancha. Deve-se evitar qualquer movimento de desalinhamento da
coluna.

Fig. 427: A vítima é alinhada e os socorristas posicionam-se: 1º fixando a cabeça,


pescoço e ombros, voltado para a cabeça da vítima; 2º com as pernas abertas sobre a
vítima e a prancha, segurando a pelve com as duas mãos; 3º na mesma posição
anterior, segurando as pernas, próximo aos joelhos.

Após realizado o alinhamento da vítima e posicionada a pran-


cha, o socorrista 1 deve, sem perder o controle cervical, pinçar os
ombros da vítima mantendo o controle cervical com os antebraços, Fig. 430: A vítima é então colocada sobre a prancha em condições de ser fixada com
bem como, posicionar o seu joelho, contrário à prancha, atrás da os tirantes.
cabeça da vítima e posicionar o pé, do outro membro inferior, atrás Caso o paciente não fique centralizado ou alinhado na pran-
da prancha rígida. O socorrista 1 também pode assumir uma posição cha, os socorristas, aproveitando a posição favorável em que se en-
a cavaleiro, com as pernas abertas sobre a vítima, posição recomen- contram e ao comando do socorrista 1, deverão fazer a devida cen-
dada quando se tratar de pacientes mais pesados (figura 428). tralização ou alinhamento.
Terminada a elevação, a centralização e o alinhamento da
vítima, o socorrista 2 deve realizar a fixação da vítima na prancha
com a utilização dos tirantes de fixação e estabilizador de cabeça,
seguindo a sequência de fixação já descrita anteriormente.
2. Prancha rígida colocada por baixo da vítima após elevação
da mesma: esta situação deverá ser aplicada quando não for possível
posicionar a prancha lateralmente à vítima, devendo a mesma ser
colocada por um quarto socorrista ou por uma outra pessoa devida-
mente instruída (figuras 431 a 434).

5.8. Elevação da Vítima com Quatro Socorristas


Fig. 428: O socorrista 1 também pode se posicionar a cavaleiro no nível dos ombros Esta técnica será utilizada quando a vítima estiver em decúbito
da vítima, estabilizando manualmente sua cabeça e pescoço, “pinçando” a cintura
escapular do paciente. dorsal. Os socorristas deverão agir da seguinte maneira:

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Para permitir a elevação sem prejuízo da estabilidade da víti-


ma e da integridade física dos socorristas, estes devem apoiar a cabe-
ça no ombro do colega à frente a fim de realizar o movimento em
bloco da vítima, transmitindo a tensão do próprio dorso para o cole-
ga da frente (figura 435).

Fig. 431: Os socorristas se posicionam como demonstrado anteriormente e uma


quarta pessoa se prepara para a colocação da prancha rígida.

Fig. 435: Na elevação com quatro socorristas, posicionam-se dois de cada lado da
vítima, onde deverão estar com um joelho no solo para manter o equilíbrio.

A elevação deve ser o suficiente para que a prancha possa


deslizar sob a vítima, até a posição correta.

Fig. 432: Após a elevação do paciente, a prancha deve ser colocada pelo quarto
socorrista ou uma pessoa devidamente instruída por baixo da vítima.

Fig. 433: Após a elevação do paciente, a prancha deve ser colocada pelo quarto
socorrista ou uma pessoa devidamente instruída por baixo da vítima. Fig. 436: O socorrista 1 coordenará a elevação da vítima, para que uma quinta
pessoa (socorrista ou popular) passe a prancha rígida sob a vítima, deve-se atentar
para que o movimento seja realizado em bloco.

O socorrista 1 comandará a descida da vítima, alinhada e cen-


tralizada, sobre a prancha.
Terminada a elevação, a centralização e o alinhamento da
vítima, os socorristas 2 e 3 deverão realizar a fixação da vítima na
prancha com a utilização dos tirantes de fixação e o estabilizador
lateral de cabeça, seguindo a sequência de fixação já descrita.

5.9. Imobilização da Vítima em Pé


Fig. 434: Finalmente, a vítima é repousada por cima da prancha.

O socorrista 1 posicionará uma das mãos na região occipital Quando a vítima traumatizada necessita de imobilização da
da vítima e a outra na parte posterior do tórax (terço inferior). coluna, porém encontra-se em pé, não é possível deitá-la ao solo
O socorrista 2, no lado oposto ao socorrista 1, posicionará uma sem apoio, pois haverá flexão da coluna, o que pode provocar danos
das mãos sob o ombro da vítima e a outra sob a pelve. adicionais.
Os socorristas 3 e 4, em lados opostos, posicionarão uma das Nesta situação, os socorristas devem proceder como mostra a
mãos na pelve ou coxa da vítima e a outra na perna. sequência a seguir:

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O socorrista 1 deverá informar a vítima dos procedimentos


que serão realizados e posteriormente abordá-la por trás, fazendo o
controle cervical. O socorrista 2 posiciona o colar cervical e o socor-
rista 3 passará a prancha entre a vítima e o socorrista 1 (figura 437).

Fig. 439: Note a posição das mãos do socorrista que segura a


prancha rígida.

Fig. 437: Posicionamento inicial dos socorristas.

Os socorristas 2 e 3 posicionam-se lateralmente em relação à


prancha, segurando firmemente com uma das mãos um dos vãos da
prancha, entre o braço e o corpo da vítima, o mais próximo possível
das axilas, e com a outra mão deverão segurar o orifício superior da
prancha, próximo à cabeça da vítima (figuras 438 e 439).

Fig. 440: A vítima é paulatinamente deitada sobre a prancha.

Fig. 438: Os socorristas preparam-se para o movimento.

Sob o comando do socorrista 1, os três socorristas em conjunto


realizam o abaixamento da prancha, garantindo permanente contato
do dorso do paciente com o equipamento. A vítima não precisa
realizar qualquer esforço ou movimento (figura 440).
Fig. 441: A prancha é então apoiada ao solo. Se necessário, ajustar a vítima de forma
ideal à prancha e a seguir os tirantes podem ser fixados.

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5.10. Elevação da Prancha Rígida Por fim, sob o comando do socorrista 1, todos os socorristas
levantam-se ao mesmo tempo, deixando os braços esticados. A
Vejamos agora os procedimentos para a correta elevação da partir deste momento estão aptos a deslocarem-se com a vítima.
vítima já imobilizada na prancha rígida, a fim de levá-la à ambulân-
cia ou a outro local. A grande preocupação com respeito a esta ma-
nobra refere-se ao posicionamento incorreto dos socorristas, que
pode implicar em esforços direcionados à coluna do profissional, o
que poderá acarretar sérios problemas de saúde ao mesmo.
Sempre que possível, deve-se optar pela elevação da prancha
em três ou mais socorristas ou colaboradores, visto que muitos pro-
fissionais com relativo tempo de serviço reclamam de dores lomba-
res após alguns anos de atividade.
Os socorristas 1 e 2 posicionam-se lateralmente à prancha, de
frente um para o outro, segurando na altura das duas cinturas da
vítima (escapular e pélvica); já o terceiro socorrista permanecerá na
extremidade inferior da prancha, junto aos pés da vítima.
Todos os socorristas deverão posicionar os pés totalmente no
chão e dobrar as pernas flexionando os joelhos, objetivando manter
Fig. 444: Socorristas levantam-se ao mesmo tempo e podem iniciar o deslocamento.
a coluna na posição mais vertical possível (figura 442).

6. REMOÇÃO DE VÍTIMAS DE VEÍCULOS

As técnicas utilizadas para remoção de vítimas do interior de


veículos acidentados descritas a seguir são técnicas-padrão, e devem
ser aplicadas em todas as situações possíveis. É evidente que, depen-
dendo da situação do veículo (danos estruturais, acessos limitados,
tombamentos, etc.), algumas alterações deverão ser introduzidas, e
como citado anteriormente, a regra válida é o uso do bom senso por
parte dos socorristas. Sempre que possível, toda remoção deve ser
feita usando-se o equipamento necessário para imobilização, garan-
tindo-se assim a máxima segurança na manobra. Porém, em situa-
ções excepcionais, justifica-se o não uso destes equipamentos, so-
mente nos casos de risco iminente de morte (parada respiratória,
cardiorrespiratória) ou para a segurança da equipe (incêndio, risco de
Fig. 442: Posição dos socorristas para elevação da prancha rígida.
explosão, desabamento, etc).
Os três socorristas posicionam as mãos nos vãos da prancha.
Sob o comando do socorrista 1, eleva-se a prancha com a vítima até Estas técnicas podem ainda ser utilizadas em outros eventos, e
a altura dos joelhos dos socorristas apoiando com os cotovelos na não somente em acidentes de trânsito. Sempre que a vítima estiver
coxa, cuidando para que a vítima esteja alinhada horizontalmente. em locais de difícil acesso e apresentar suspeita ou confirmação de
lesão raquimedular, elas serão úteis. O objetivo geral de todas as
técnicas é conseguir trazer a vítima a uma posição adequada de ali-
nhamento da coluna vertebral, respeitando-se as características indi-
viduais. O movimento mais crítico em termos de risco ao paciente é
a transição da posição sentada (ou em pé, vertical) para o decúbito
dorsal. Para isto foi desenvolvido o colete de imobilização dorsal, e
seu uso aplica-se tanto aos passageiros nos bancos dianteiro ou tra-
seiro de veículos, quanto em vítimas que devam ser içadas de bura-
cos ou orifícios verticais ou similares.

Ao identificar-se uma situação de possível lesão raquimedular


em uma vítima sentada dentro de um veículo, estando ela consciente
ou não, deve ser providenciado o alinhamento de sua coluna verte-
bral.
Fig. 443: Sob o comando do socorrista 1, procede-se à elevação da prancha até a
altura dos joelhos dos socorristas.
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6.1. Retirada de Vítima com Utilização do Colete de Imo-


bilização Dorsal — KED

O princípio da utilização do KED — Kendrick Extrication


Device, ou Dispositivo de Retirada de Kendrick — é imobilizar o
paciente traumatizado, que esteja estável, antes de movimentá-lo da
posição sentada. Sendo assim, a decisão da utilização do KED deve-
rá ser tomada pelo socorrista responsável pela abordagem primária,
onde para tanto, deverá atentar-se ao quadro clínico da vítima, onde
a decisão de lançar mão de tal equipamento deve estar relacionada às
condições que a vítima vier a apresentar.
Este tipo de imobilização é utilizado quando é indicada a esta-
bilização da coluna do paciente sentado, que não é portador de le-
sões com risco de morte imediato. Caso contrário, o KED não deve
Fig. 446: O socorrista 1 (lateral) alinha a coluna cervical, apoiando na região parie-
ser utilizado, visto que a demora em transportar o paciente ao pronto tal (ou occipital) e a mandíbula, até que o socorrista 2 assuma o controle cervical.
socorro pode agravar o seu quadro clínico, causando-lhe até mesmo
a morte.
Caso a vítima esteja em condições estáveis, sem qualquer
lesão que represente risco imediato de morte, o KED deverá sempre
ser utilizado para remoção de vítimas de acidentes de trânsito que
sejam encontradas na posição sentada. Caso a vítima esteja deitada
ou em outras posições, outras técnicas poderão ser utilizadas. Como
regra geral, toda mobilização de vítima deve ser efetuada em bloco.
A seguir, apresentamos a sequência correta da instalação do
KED e posterior retirada da vítima do interior do veículo. Obvia-
mente, em virtude das características de cada ocorrência (vítima
presa em ferragens, posição de parada do veículo, etc.), adaptações
poderão ser efetuadas.
O socorrista 1 deverá abordar o paciente lateralmente, reali-
zando o exame primário, verificando o quadro clínico da vítima e
Fig. 447: A seguir, é aplicado o colar cervical, apoiando-se o mento e o esterno, com
estabilizando a coluna cervical do paciente. Uma vez tomada a deci- a estabilização cervical complementada pelo socorrista 2.
são da utilização do KED, o socorrista 2 deve entrar no veículo e
posicionar-se atrás da vítima, enquanto isso, o socorrista 3 deverá
providenciar o KED para a instalação no paciente (figuras 445 e
446).

Fig. 448: Fixação final do colar cervical e alinhamento da vítima. Note a manutenção
da estabilização cervical pelo socorrista 2 e o auxílio prestado pelo socorrista 3.
É importante que os socorristas estejam constantemente aten-
tos para a evolução do quadro clínico da vítima, onde havendo a sua
Fig. 445: Após a guarnição decidir-se pela utilização do KED, o socorrista 2 deverá piora, os procedimentos poderão até mesmo ser interrompidos.
adentrar ao veículo e se posicionar por trás da vítima.
Preparação do KED: antes da colocação do colete atrás do
Após o socorrista 2 assumir o controle cervical, o socorrista 1 paciente, os dois tirantes longos (os tirantes da virilha) são abertos e
instalará o colar cervical, apoiando-se o mento e o esterno (figura posicionados atrás do colete, para que não fiquem presos por trás do
447). paciente.

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do colete (figura 452). Durante todo o procedimento o tronco perma-


nece fixado pelo socorrista 2.

Fig. 449: O socorrista 1 prepara o colete fora do carro. Os tirantes abdominais estão
presos, e os tirantes das virilhas estão soltos, devendo ser colocados por trás do
colete, evitando-se assim que fiquem presos por trás da vítima.
Após introduzir o colete entre o banco e o tronco, o socorrista Fig. 452: Se necessário, poderá ser instalado um coxim atrás da cabeça do paciente,
para manter a posição neutra alinhada.
1 procura alinhá-lo junto à linha média, com movimentos suaves,
porém firmes, não permitindo a mobilização do tronco da vítima
(figura 450).

Fig. 453: Após o colete ser centralizado, o tirante do meio (amarelo) é posicionado,
sem tração total.

Fig. 450: O socorrista 2 afasta levemente a vítima do banco para a passagem do


colete, e o socorrista 1 introduz o colete junto ao dorso.

Fig. 454: A seguir, o tirante inferior (vermelho) é posicionado, também sem tração
total.

A fixação dos tirantes superiores é feita de forma cruzada, para


evitar deslizamento das mesmas (figura 456). O segundo tirante
deve ser posicionado de modo a fixar a mandíbula ou o colar (junto
Fig. 451: Caso a vítima seja encontrada debruçada sobre o volante, o colete já pode- ao apoio mentoniano) ao colete.
rá ser colocado antes mesmo de alinhar o tronco da vítima.
Na fixação do tirante inferior, o socorrista deve ter cuidado
Deve-se então posicionar as abas laterais do colete por baixo para não comprimir a mandíbula ou obstruir a via aérea do paciente.
das axilas da vítima, determinando a posição final do alinhamento

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Diretoria de Ensino e Instrução 357
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Fig. 455: Por último, o tirante superior (verde) é posicionado. O socorrista 2 perma-
nece efetuando o controle cervical.
Fig. 458: Após serem ajustados, os tirantes serão devolvidos novamente ao socorrista
que se encontra no mesmo lado do tirante, onde serão fixados nos respectivos engates
fêmeas do dorso, no mesmo lado de suas origens. A genitália do paciente do sexo
masculino não deve ser colocada sob os tirantes, mas sim ao lado de cada tirante.

Fig. 456: Com o coxim posicionado, as abas laterais superiores do colete são aproxi-
madas da cabeça e duas faixas de fixação são posicionadas pelo socorrista 1, primei-
ro o tirante frontal e depois o inferior. Os tirantes abdominais podem ser ajustados
totalmente com tração suficiente para garantir a estabilização do colete, sem, no
entanto, comprimir o tórax. Somente o tirante superior deve ser mantido pouco menos Fig. 459: Os braços da vítima devem ser fixados unidos sobre o abdome através de
tracionado, garantindo-se que ele não esteja tão apertado que dificulte a ventilação uma bandagem, ou mesmo utilizando-se os tirantes do próprio colete.
do paciente.

Fig. 460: O socorrista 1 segura nas alças dorsais do colete, a fim de mover o tronco
Fig. 457: Os tirantes das virilhas são passados por baixo da coxa, adaptando-os bem imobilizado adequadamente para fora, enquanto o socorrista 2 libera os membros
junto à raiz da coxa; para tanto, devem ser passados ao socorrista que se encontra do inferiores da vítima.
outro lado de cada tirante, este então o ajustará perfeitamente à vítima, e os devolve-
rão para conexão.
Enquanto se gira o paciente, suas extremidades inferiores de-
Para a retirada da vítima, a prancha rígida deverá ser posicio- vem ser elevadas para o assento pelo socorrista 2. Se o veículo tem
nada pelo socorrista 3 sob as nádegas do paciente, ou caso não seja um console central, as pernas do paciente devem ser levantadas por
possível, no assoalho do veículo. cima do console, uma por vez.

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358 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 33 — Remoção e Transporte

Fig. 464: A vítima é então conduzida até a viatura, sendo que os socorristas 1 e 3
seguram a prancha pelas laterais e o socorrista 2 retira a prancha do apoio do veícu-
lo.
Fig. 461: O socorrista 1 eleva e gira o tronco para fora através das alças dorsais do
colete, até posicionar o paciente sentado sobre a extremidade inferior da prancha,
que deve ser previamente posicionada pelo socorrista 3. O socorrista 2 conduz os
membros inferiores liberados, unidos e flexionados, onde assim devem permanecer
até o afrouxamento dos tirantes inguinais.

Fig. 465: Para a retirada do KED no ambiente hospitalar, um socorrista apóia a


cervical e a lombar da vítima, enquanto que o socorrista do outro lado posiciona suas
mãos nas duas cinturas do paciente; já o terceiro socorrista retira o KED após pe-
quena elevação da vítima, sob comando do socorrista 1.

Fig. 462: Uma vez que o paciente tenha sido girado de tal forma que suas costas Observação: as vítimas do sexo masculino serão submetidas a
fiquem voltadas para o centro da prancha rígida, o paciente é deitado mantendo-se
as pernas flexionadas. uma dor desconfortável em sua genitália caso suas pernas não per-
maneçam fletidas, até que os tirantes inguinais sejam afrouxados.

6.2. Retirada Rápida de Vítima com Utilização de Prancha


Rígida

O princípio da retirada rápida de vítima com utilização da


prancha rígida é estabilizar manualmente o paciente com lesões
graves, antes e durante a mobilização da posição sentada. Pacientes
sentados portadores de problemas com risco de morte e com indica-
ção para imobilização da coluna podem ser retirados rapidamente.
Embora a utilização do colete de imobilização dorsal previa-
mente à movimentação do paciente provê uma imobilização mais
estável do que quando se usa somente a retirada rápida com prancha,
o uso do KED requer de 4 a 8 minutos adicionais, tempo este que
Fig. 463: Após colocar o paciente sobre a prancha, os dois tirantes inguinais devem
ser soltos, e as pernas do paciente, abaixadas. Não se deve desacoplar os tirantes poderá agravar o quadro clínico da vítima, até mesmo levando-a à
inguinais. O socorrista pode aliviar o ajuste do tirante superior (verde) neste momen- morte.
to. A vítima pode agora ser fixada à prancha de modo usual.
O socorrista deve utilizar o método de retirada com KED nas
seguintes situações:

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Manual de Atendimento Pré-hospitalar

 Quando as condições da cena e do paciente são estáveis e o


tempo não é a principal preocupação; ou
 Quando existe uma situação especial de resgate envolven-
do suspensão substancial ou guinchamento, movimentação ou carre-
gamento do paciente antes que seja prático completar a imobilização
supina na prancha rígida.
Já a retirada rápida é indicada nas seguintes situações:

 Quando condições de risco de morte do paciente foram


identificadas durante o exame primário.
 Quando o paciente deve ser removido rapidamente para
que se tenha acesso a outros pacientes com lesões mais graves.
 Quando não está disponível o colete dorsal.
Lembrando sempre que a retirada rápida será escolhida Fig. 468: Enquanto o socorrista 1 mantém o controle cervical, o socorrista 2 aplica o
colar cervical na vítima.
por razões técnicas, e nunca com base em preferências pessoais.
A seguir, apresentamos a sequência da utilização da técnica de mento, o procedimento de estabilização e alinhamento manual pode
retirada rápida com a prancha. Obviamente, em virtude das caracte- ser realizado pelo lado. Tanto por trás quanto pelo lado, a cabeça e o
rísticas de cada ocorrência (vítima presa em ferragens, posição de pescoço do paciente são trazidos para a posição de alinhamento
parada do veículo, etc.), adaptações poderão ser efetuadas. neutro, e então coloca-se o colar cervical de tamanho adequado
Ao abordar o acidentado, o socorrista dará início à avaliação (figuras 467 e 468).
primária e ao procedimento de estabilização e alinhamento manual O socorrista 1 assume o controle cervical para que o socorrista
da cabeça e do pescoço do paciente. A melhor forma de estabiliza- 2 posicione-se no banco da frente ao lado da vítima, tendo como
ção cervical é por trás do paciente. Se não for possível tal posiciona- função examinar as pernas e conduzi-las adequadamente durante a
retirada, estabilizando-as manualmente e evitando o agravamento de
possíveis lesões nos membros inferiores.
Enquanto o socorrista 2 se posiciona ao lado da vítima na parte
interna do veículo, o socorrista 1 passa sua mão esquerda por baixo
da axila esquerda da vítima, segurando a mandíbula e apoiando o
occipital do paciente contra o ombro do socorrista. A mão direita
passa por trás do tronco e agarra o punho da vítima (figura 469).

Fig. 466: O socorrista 1 aproxima-se e abre a porta do veículo.

Fig. 469: O socorrista 1 passa sua mão esquerda por baixo da axila esquerda, segu-
rando a mandíbula e apoiando o occipital da vítima contra o seu ombro. A mão
direita passa por trás do tronco e agarra o punho da vítima, e aguarda o posiciona-
mento do socorrista 2.

Quando os socorristas 1 e 2 estiverem posicionados, inicia-se


o giro e tração da vítima para fora do veículo, sempre em movimen-
tos curtos e sincronizados. O socorrista 3 deverá posicionar a pran-
cha rígida sob as nádegas do paciente, ou caso não seja possível, no
assoalho do veículo.
Fig. 467: O socorrista 1 inicia a estabilização cervical apoiando sua mão no occipital
da vítima. Tal procedimento também pode ser efetuado por trás da vítima.
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Capítulo 33 — Remoção e Transporte

A seguir, apresentamos a sequência para aplicação da técnica


de retirada de vítima deitada no banco dianteiro. Obviamente, em
virtude das características de cada ocorrência, adaptações poderão
ser efetuadas.

Fig. 470: Em conjunto, os dois socorristas deslizam a vítima sobre a prancha até a
posição de imobilização. O socorrista 3 apoia a prancha nas suas pernas até que a
vítima seja totalmente imobilizada com os tirantes. O socorrista 2 corrige, se necessá-
rio, a posição das pernas da vítima.

A sequência apresentada representa apenas um exemplo de Fig. 471: O socorrista 1 aborda o acidentado, dando início à avaliação inicial e ao
retirada rápida. Como muito poucas situações são ideais, o socorrista procedimento de estabilização e alinhamento manual da cabeça e do pescoço do
paciente, para posterior aplicação do colar cervical.
pode precisar modificar os passos da retirada para cada paciente ou
situações especiais. Os princípios da retirada rápida devem permane-
cer os mesmos independentemente da situação: manter, sem inter-
rupção, a estabilização manual durante o processo de retirada e man-
ter toda a coluna alinhada sem movimentos indesejáveis. Qualquer
posicionamento dos socorristas que funcione pode ter sucesso. En-
tretanto, um grande número de mudanças de posição e de transferên-
cia de posicionamento de mãos deve ser evitado, pois isso motiva e
possibilita lapsos na estabilização manual.
A técnica de retirada rápida pode efetivamente dar estabiliza-
ção e alinhamento manuais da cabeça, do pescoço e tronco durante
toda a remoção do paciente de um veículo. Os três pontos-chave da
retirada rápida são:
1. A equipe deve manter a estabilização da cabeça e do pes-
coço do paciente durante todo o tempo; a vítima deve ser girada e ter
Fig. 472: O socorrista 2 se posiciona no banco traseiro para aplicação do colar
o tronco, a pelve e os membros inferiores estabilizados.
cervical. O socorrista 1 mantém permanentemente a estabilização manual.
2. É impossível manter a estabilização e o alinhamento ma-
nual da cabeça e do pescoço do paciente se for tentado movê-lo em
um único movimento contínuo. Os socorristas devem limitar cada
movimento, parando para reposicionar e preparar o movimento
seguinte. Pressa desnecessária provoca atrasos e pode resultar em
movimento da coluna.
3. Cada situação e paciente podem requerer adaptações dos
princípios de retirada rápida. Isso só pode funcionar efetivamente se
as manobras forem praticadas. Cada socorrista deve saber as ações e
os movimentos dos outros socorristas.

6.3. Retirada de Vítima Deitada no Banco Dianteiro

Quando a vítima encontra-se em decúbito no banco dianteiro,


a melhor tática é mobilizá-la o menos possível, tentando colocar os
equipamentos de imobilização na vítima e não movê-la para os equi- Fig. 473: Posicionamento do colar pelo socorrista 2, com fixação anterior no mento e
esterno, e passagem da alça posterior do colar por baixo do pescoço; note a manu-
pamentos. tenção do alinhamento cervical pelo socorrista 1.

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Fig. 474: O socorrista 1 mantém o alinhamento cervical; o socorrista 2 afasta suave- Fig. 477: O socorrista 1 em sua contagem coordena simultaneamente o giro e o
mente e em bloco a vítima do banco para a passagem da prancha, esta então é posi- avanço da prancha sem perder o controle cervical.
cionada no dorso da vítima pelo socorrista 3.

Fig. 475: O dorso da vítima é ligeiramente levado à frente, para permitir o posiciona-
mento da prancha. Para isto, o socorrista 2 posicionará suas mãos na região dorsal
Fig. 478: Note o posicionamento do 3º socorrista, alinhando os membros inferiores.
da vítima.

Fig. 479: A prancha é aos poucos tracionada para fora do carro, mantendo-se o
Fig. 476: Após a prancha ser posicionada, os socorristas 2 e 3 posicionam suas mãos apoio no banco.
por baixo da vítima, segurando o lado inferior da prancha a fim de permitir o giro da
mesma.
onde com esse braço ajudará a apoiá-la na prancha para o giro. Fi-
O socorrista 1, após coordenar a passagem da prancha, posi- nalmente o socorrista 3 alinha os membros inferiores e segura a
ciona uma mão por baixo da face da vítima, apoiando a cabeça do prancha rígida também pela sua parte inferior.
paciente, deverá então segurar no pegador da cabeceira da prancha. Após o giro total, o socorrista 2 avança para os bancos da fren-
Já o socorrista 2 deverá estar voltado para o socorrista 1, onde deve te e permanece à caveleira sobre a vítima, onde em nova contagem
posicionar uma mão no pegador mais próximo e superior da pran- do socorrista 1, que não perde o controle da cabeça, seja liberado o
cha e a outra no pegador inferior mais próximo da cintura da vítima, tórax da vítima para a fixação do primeiro tirante pelo socorrista 3,

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Capítulo 33 — Remoção e Transporte

que após o giro terá dado a volta para auxiliar o socorrista 1 na saída
da vítima.
Os socorristas, sob contagem, efetuam o segundo avanço para
a fixação do segundo tirante. E após o terceiro e último avanço, po-
derá ser fixado o terceiro tirante e o estabilizador lateral de cabeça.

Fig. 482: O socorrista 2 coloca e fixa o colar, enquanto o socorrista 1 mantém o


alinhamento da coluna.

Fig. 480: Uma vez totalmente fixada à prancha, a vítima poderá então ser removida
para a viatura.

Os socorristas 1 e 3 que estão na cabeça posicionam-se um de


cada lado da prancha, e auxiliados pelo socorrista 2, que por fim
sairá do veículo e tomará lugar na parte inferior da prancha, iniciam
a remoção da vítima para o interior da ambulância.

6.4. Retirada de Vítima Deitada no Banco Traseiro

O espaço de trabalho no banco traseiro de qualquer veículo é Fig. 483: A prancha é posicionada pelo socorrista 3 o mais próximo possível da
vítima, preferencialmente junto à pelve e tronco. Os membros inferiores da vítima são
normalmente menor que o dianteiro, portanto esta manobra apresen- levantados pelo socorrista 2, após realizados os exames de praxe.
tará maiores dificuldades.
A seguir, apresentamos a sequência para aplicação da técnica
de retirada de vítima deitada no banco traseiro. Obviamente, em
virtude das características de cada ocorrência, adaptações poderão
ser efetuadas.
Ao abordar o acidentado, o socorrista dará início à avaliação
primária e ao procedimento de estabilização e alinhamento manual
da cabeça e do pescoço do paciente (figura 481).

Fig. 484: O socorrista 1 mantém o alinhamento cervical e comanda a operação. A


cada nova contagem, o socorrista 2 realiza o posicionamento do tronco da vítima,
agarrando-a pela pelve e girando-a sobre a prancha, enquanto o socorrista 3 vai
introduzindo a prancha sob a vítima, e segurando a mesma pelos tornozelos.

O socorrista 3 deverá sustentar a prancha de modo que a mes-


ma não venha a danificar a porta do veículo; poderá usar uma das
pernas apoiada no assoalho para tal.
Ainda no interior do veículo, o socorrista 2 poderá fixar ao
Fig. 481: O socorrista 1, após entrar no veículo, estabiliza a coluna cervical para
menos o tirante central, e em seguida posicionar-se fora do veículo
então permitir a colocação do colar cervical.
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6.5. Retirada Manual de Emergência—Chave de Rauteck


Esta remoção é realizada por um só socorrista, e deve ser feita
em casos de extremo risco para a vítima, como por exemplo, parada
cardiopulmonar, risco de explosão, incêndio, etc., não estando a
mesma encarcerada.
Para esta remoção devem ser seguidos os seguintes passos:
O socorrista deverá trazer a vítima de encontro ao seu ombro
fixando–a firmemente (figura 492).

Fig. 485: O socorrista 2 se reposiciona e na nova contagem, a vítima é novamente


deslizada sobre a prancha. O socorrista 1 mantém o controle cervical.

Fig. 488: O socorrista abre a porta do veículo, verificando inicialmente se a vítima


não está presa nas ferragens.

Fig. 486: Posicionamento final da vítima sobre a prancha, com a fixação dos demais
tirantes e colocação do estabilizador lateral.

Fig. 489: Início da estabilização cervical, fixando o occipital.

Fig. 487: Após a fixação, os três socorristas retiram a vítima do carro


e estão prontos para o deslocamento até a viatura.
para ajudar o socorrista 3 na retirada da prancha e fixação dos de-
mais tirantes e estabilizador de cabeça; o socorrista 1 ainda permane-
ce no interior do veículo.
Observação: se a vítima estiver sentada no banco traseiro,
pode ser removida com auxílio do colete ou deslizada manualmente
sobre a prancha, isso dependerá do quadro clínico do paciente, como
já discutido na seção 6.1.
Fig. 490: Fixação da mandíbula, com o antebraço passando sob a axila da vítima.
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Fig. 491: Alinhamento manual do pescoço e do tronco.

Fig. 494: O socorrista desloca seu corpo para trás, mantendo o alinhamento da
coluna cervical e do tronco superior da vítima.

Fig. 492: Apoio da cabeça da vítima no ombro do socorrista, para liberar sua mão
da occipital e segurando o punho direito da vítima com o antebraço do socorrista
passando por baixo da axila. Note a manutenção do controle cervical com a outra
mão.
A partir de então, estará em condições de iniciar a tração da
vítima para fora do veículo. Quando iniciar o movimento, deverá
atentar-se para que os pés da vítima não prendam-se nos pedais do
veículo. Fig. 495: O socorrista desliza a vítima até atingir uma distância segura do carro,
senta o paciente no solo, mantendo o alinhamento do dorso do mesmo.

Fig. 493: O socorrista retira a vítima, com movimentos para fora e para cima, er- Fig. 496: O socorrista desloca sua mão que segurava o punho da vítima para o
guendo o tronco do paciente. occipital da mesma, a fim de apoiar a coluna cervical para deitá-la ao solo.

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Fig. 497: O socorrista deita a vítima ao solo, mantendo o alinhamento cervical. A


partir daí, é possível iniciar-se outros procedimentos necessários.
Fig. 500: O socorrista 2 então apoia as mãos no occipital e na mandíbula da vítima;
7. RETIRADA DE CAPACETE a partir deste momento, este é o responsável pela manutenção da estabilização cervi-
cal.
Observe que durante todo o movimento de retirada do capace-
Ao realizar a abordagem de vítimas envolvidas em acidentes
te pelo socorrista 1, a estabilização cervical é mantida pelo socorrista
com motocicleta ou similares, as mesmas podem estar portando
2.
capacetes. Para realizar a remoção do capacete sem mover a coluna
cervical, é necessário utilizar a técnica a seguir, que envolve a parti-
cipação obrigatória de duas pessoas.

Fig. 501: O socorrista 1 remove o capacete, lembrando que deve tentar alargar
manualmente as laterais para liberar as orelhas e para liberar o nariz, deve apoiar
posteriormente o capacete e tentar liberá-lo anteriormente. Se a vítima usar óculos,
estes devem ser retirados antes do capacete.
Fig. 498: O socorrista 1 segura firmemente o capacete, apoiando as mãos nas abas
laterais e tentando, ao mesmo tempo, posicionar os dedos indicador e médio junto à Neste momento, é possível aplicar o colar cervical em posição
mandíbula da vítima. Este cuidado serve para impedir a movimentação abrupta do
capacete, caso a faixa de fixação do capacete (jugular) esteja previamente solta. adequada.

Fig. 502: Após a retirada do capacete, o socorrista 1 posiciona as mãos lateralmente


Fig. 499: O socorrista 2 solta a faixa jugular se ela estiver presa. na cabeça da vítima a fim de liberar o socorrista 2, assumindo assim, a estabilização
cervical.
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Capítulo 33 — Remoção e Transporte

8. CONCLUSÃO

Estas manobras abrangem praticamente todas as situações de


mobilização de vítimas com suspeita ou confirmação de lesão raqui-
medular. Em alguns casos serão necessárias algumas adaptações,
que com treinamento e experiência, os socorristas estarão aptos a
efetuá-las de acordo com as condições encontradas na cena, porém,
os princípios básicos de imobilizações deverão ser mantidos.

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Capítulo 34
Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar

N
capítulo discute os aspectos fundamentais do atendimento pré-
hospitalar ao traumatizado e “organiza todo o conjunto”.
o final dos anos de 1960, o médico R. Adams
Cowley conceituou a noção de um período de 1. POR QUE O TRAUMATIZADO MORRE
tempo crucial durante o qual seria importante iniciar o tratamento
definitivo do traumatizado grave. Em uma entrevista, ele disse: “Há Estudos que analisam as causas de morte em pacientes trau-
uma ‘Hora de Ouro’ entre a vida e a morte. Se você estiver grave- matizados têm muitos aspectos em comum. Um estudo da Rússia
mente ferido, terá menos de 60 minutos para sobreviver. Você pode com mais de 700 mortes por trauma mostrou que a maior parte dos
não morrer imediatamente: isso pode ocorrer três dias ou duas sema- pacientes que sucumbiram rapidamente às suas lesões cai em uma
nas mais tarde — mas ocorreu alguma coisa em seu organismo que das três categorias: perda sanguínea aguda maciça (36%), lesão
é irreparável.” grave de órgãos vitais, como o cérebro (30%) e obstrução de vias
Há uma base para este conceito? A resposta é, definitivamen- aéreas e insuficiência ventilatória aguda (25%). Em uma análise de
te, sim. No entanto, é importante considerar que nem sempre o paci- 753 pacientes vítimas de trauma que morreram em decorrência de
ente tem o privilégio de uma “Hora de Ouro”. Um paciente com suas lesões em um centro de trauma nível I, os estudos mostraram
ferimento penetrante no coração pode ter apenas poucos minutos que 51 % dos pacientes traumatizados morreram por trauma grave
para receber o tratamento definitivo antes de o choque causado pela do SNC (p. ex., lesão cerebral traumática), 21 % por choque irrever-
lesão se tornar irreversível. No outro extremo, está o paciente com sível, 25% por trauma grave do SNC e choque irreversível e 3% por
hemorragia interna lenta, secundária à fratura fechada de fêmur. Esse falência de múltiplos órgãos.
paciente pode ter várias horas para ser reanimado e receber trata- Contudo, o que está acontecendo a estes pacientes a nível
mento definitivo. Pelo fato de a “Hora de Ouro” não ser um interva- celular? Como discutido no capítulo 13, os processos metabólicos
lo de tempo restrito a 60 minutos e variar de paciente para paciente do corpo humano necessitam de energia, como qualquer outra má-
de acordo com as lesões, a designação mais apropriada é “Período quina. Exatamente como as máquinas, o corpo humano gera sua
de Ouro”. Se um traumatizado grave puder receber tratamento defi- própria energia, mas precisa de combustível para isso. O combustí-
nitivo, entendido como reanimação e controle da hemorragia, dentro vel do nosso corpo é o oxigênio e a glicose. O organismo humano
do seu Período de Ouro, as suas chances de sobreviver aumentam pode armazenar glicose na forma de carboidratos complexos
muito. (glicogênio) e de gordura, para utilizar mais tarde. No entanto, o
Nenhuma ocorrência, cena ou paciente são iguais. Em cada oxigênio não pode ser estocado. Ele precisa ser constantemente
caso é necessário que a equipe tenha flexibilidade para agir e reagir fornecido às células do organismo. O ar atmosférico, que contém
às situações de acordo com a sua apresentação. O atendimento pré- oxigênio, chega aos pulmões pela ação do diafragma e dos músculos
hospitalar do traumatizado deve refletir estas contingências. O obje- intercostais. O oxigênio difunde-se, então, através das paredes dos
tivo, no entanto, é sempre o mesmo: (1) chegar até a vítima, (2) iden- alvéolos e dos capilares até o sangue, onde se liga à hemoglobina
tificar e tratar as lesões com risco de morte e (3) imobilizar a vítima e das hemácias, sendo transportado para os tecidos pelo sistema circu-
transportá-la para o hospital apropriado mais próximo, no menor latório. Na presença de oxigênio, as células “queimam” glicose atra-
tempo possível. Na sua maioria, as técnicas e os princípios discuti- vés de uma série complexa de processos metabólicos (glicólise, ciclo
dos não são novos e muitos deles são ensinados em programas de de Krebs e transporte de elétrons) para produzir a energia necessária
formação de socorrista. Este manual é diferente em vários aspectos. para todas as funções do organismo. Essa energia é armazenada
Ele apresenta: como trifosfato de adenosina (ATP). Sem energia suficiente (ATP),
cessam as atividades metabólicas essenciais e os órgãos começam a
1. Práticas de atendimento ao traumatizado, baseadas em evi- entrar em falência.
dências atualizadas. O choque pode ser visto como uma falência na produção de
2. Uma abordagem sistematizada para o estabelecimento de energia pelo organismo. A sensibilidade das células à falta de oxigê-
prioridades no atendimento ao traumatizado com lesão em vários nio varia de um órgão para outro. As células de um órgão podem
sistemas. estar irreversivelmente lesadas, mas continuar a funcionar por um
3. Um esquema de organização das intervenções. certo período de tempo (ver o capítulo 13 sobre complicações do
choque prolongado). Foi a esta morte celular tardia, que leva à falên-
O programa do Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado cia orgânica, que o Dr. Cowley se referiu na citação do parágrafo de
(PHTLS) ensina que o socorrista só pode tomar decisões corretas abertura deste capítulo. A condição descrita pelo Dr. Cowley, o
que levem a bons resultados se tiver uma base de conhecimentos choque, leva à morte se o paciente não for prontamente tratado. A
sólidos. O fundamento do PHTLS é que o atendimento ao paci- definição do Dr. Cowley inclui o transporte do paciente para o cen-
ente deve ser baseado na avaliação, e não em protocolos. Este tro cirúrgico, para controle de hemorragia interna. O Comitê de
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Trauma do American College of Surgeons tem usado o conceito da iniciais da ocorrência, podem ser imaginados os possíveis riscos
“Hora de Ouro” para enfatizar a importância de transportar o pacien- antes da chegada ao local. Em uma colisão de veículos, as ameaças
te para um hospital onde haja disponibilidade imediata de atendi- podem ser representadas pelo trânsito, por produtos perigosos, fogo
mento especializado ao traumatizado. e queda de linhas elétricas. Ao atender uma vítima baleada, deve
O Período de Ouro representa um intervalo de tempo no qual lembrar-se de que o criminoso ainda pode estar pelo local. Quando
o choque, embora esteja piorando, é quase sempre reversível se o há crime violento, o reforço policial deve entrar primeiro e garantir a
paciente receber atendimento adequado. Se não forem iniciadas as segurança do local. Um socorrista que se expõe a riscos desnecessá-
intervenções apropriadas para melhorar a oxigenação e controlar a rios pode tornar-se também uma vítima — se isso acontecer, ele não
hemorragia, o choque evolui e torna-se irreversível. Para que o pode mais atender a vítima original. Exceto em circunstâncias ex-
traumatizado tenha a melhor chance de sobreviver, o tratamento cepcionais, somente quem tem treinamento especializado deve ten-
deve ser iniciado no local pelos socorristas e continuar no pronto- tar executar resgates.
socorro, no centro cirúrgico e na unidade de terapia intensiva. O Outro aspecto fundamental da segurança envolve o uso das
trauma é um “jogo de equipe”. Os pacientes “vencem” quando to- precauções-padrão. Sangue e outros fluidos corporais podem trans-
dos os membros da equipe de trauma — desde os que atuam no mitir infecções, como o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e
local até os do centro de trauma — trabalham juntos para cuidar de da hepatite B. O equipamento de proteção deve ser usado sempre,
cada paciente. especialmente ao cuidar de vítimas de trauma onde pode haver san-
gue.
2. OS PRINCÍPIOS DE OURO DO ATENDIMENTO Também se deve cuidar da segurança do paciente e identificar
PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO possíveis situações de risco. Mesmo que se verifique pelo exame
primário que um paciente envolvido em colisão automobilística não
Os capítulos anteriores discutem a avaliação e o tratamento de corre risco de morte, deve fazer-se a retirada rápida se forem perce-
pacientes com lesões de sistemas orgânicos específicos. Apesar de bidos perigos, como risco significativo de incêndio ou se o veículo
este manual apresentar os sistemas orgânicos separadamente, a mai- estiver em posição precária.
or parte dos pacientes traumatizados graves tem lesões em mais de
um sistema, por isso falamos em paciente com trauma multissistê- 2.2. Avaliar a Situação para Determinar a Necessidade de
mico (ou politraumatizado). O socorrista deve reconhecer e estabele- Solicitar Outros Recursos
cer as prioridades de tratamento dos pacientes com lesões múltiplas,
seguindo “Os Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar ao A caminho do local e logo à chegada, deve-se fazer uma avali-
Traumatizado”, descritos a seguir. ação rápida para determinar a necessidade de recursos adicionais ou
especiais. Alguns exemplos: mais unidades de atendimento pré-
2.1. Garantir a Segurança dos Socorristas e do Paciente hospitalar para atender o número de pacientes envolvidos, equipa-
mentos de combate a incêndio, equipes especiais de resgate, pessoal
O socorrista deve lembrar-se de que a segurança da cena deve da companhia de eletricidade, helicópteros ou médicos para ajuda-
ter prioridade máxima. Isso inclui não apenas a segurança do pacien- rem na triagem de um grande número de vítimas. A necessidade
te, mas também a sua própria segurança. Com base nas informações destes recursos deve ser antecipada e solicitada o quanto antes.

Quando o coração é privado de oxigênio, as células do va. Muitas células cardíacas foram lesadas pela isquemia
miocárdio não podem produzir energia suficiente para bom- secundária à doença da artéria coronária, mas algumas não
bear o sangue para os outros tecidos. Por exemplo, um paci- foram. A lesão não é completa, de tal forma que permanece
ente perdeu uma quantidade significativa de hemácias e de uma quantidade suficiente de células funcionais para que o
volume sanguíneo devido a um ferimento por arma de fogo processo de bombeamento continue.
na aorta. O coração continua a bater durante vários minutos Embora a isquemia, como ocorre no choque grave,
antes de entrar em falência. O reenchimento do sistema possa lesar quase todos os tecidos orgânicos, a lesão não se
vascular, depois que o coração ficou sem oxigênio por vá- manifesta em todos os órgãos ao mesmo tempo. Nos pul-
rios minutos, não irá restaurar a função das células cardía- mões, a síndrome da angústia respiratória aguda (SARA)
cas lesadas. Este processo é chamado de choque irreversí- desenvolve-se frequentemente dentro de 48 horas depois de
vel. Especificamente no coração, falamos em atividade elé- uma agressão isquêmica, enquanto a insuficiência renal
trica sem pulso (AESP). As células ainda conservam algu- aguda e a insuficiência hepática manifestam-se tipicamente
ma função, mas ela não é suficiente para bombear o sangue vários dias depois. Embora todos os tecidos orgânicos se-
para as células do organismo. O paciente ainda tem ativida- jam afetados pela oxigenação insuficiente, alguns tecidos
de eletrocardiográfica com ritmo, mas não tem força contrá- são mais sensíveis à isquemia. Por exemplo, um paciente
til suficiente para impulsionar o sangue do coração para o que sofreu uma lesão cerebral traumática pode desenvolver
resto do organismo. edema cerebral (inchaço) que leva à lesão cerebral perma-
Outro exemplo do mesmo processo, porém com resul- nente. Embora as células cerebrais parem de funcionar e
tado final menos grave, é a insuficiência cardíaca congesti- morram, o restante do organismo pode sobreviver por anos.
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370 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 34 — Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar

2.3. Reconhecer a Biomecânica Envolvida nas Lesões Quadro 34-1: Traumatizado Grave ou Potencialmente Grave:
Tempo no Local de 10 Minutos ou Menos
O capítulo 7 apresenta os fundamentos de como a energia Qualquer uma das condições com risco de morte a seguir:
pode transformar-se em lesão no traumatizado. Ao aproximar-se da
1. Via aérea inadequada ou com risco de obstrução.
cena e do paciente, deve-se avaliar a biomecânica da situação. A
2. Comprometimento ventilatório, indicado por:
compreensão dos princípios da biomecânica leva à melhor avaliação
 Frequência ventilatória muito alta ou muito baixa.
do paciente. O conhecimento de padrões específicos de lesões ajuda
 Hipóxia (SaO2 < 95% mesmo com oxigênio suplementar).
a prevê-las e saber onde examiná-las. As considerações sobre a bio-
 Dispnéia.
mecânica não devem retardar o início da avaliação e atendimento do
paciente, mas podem ser incluídas na avaliação global da cena e nas  Pneumotórax aberto ou tórax instável.
perguntas feitas para o paciente e para as testemunhas. A biomecâni-  Suspeita de pneumotórax.
ca pode também exercer um papel-chave na escolha do hospital de 3. Hemorragia externa significativa ou suspeita de hemorragia inter-
destino para determinado paciente. Os aspectos mais importantes da na.
biomecânica observados no local também devem ser relatados para 4. Choque, mesmo compensado.
os médicos no hospital. 5. Alteração do nível de consciência:
 Escore ≤ 13 na escala de coma de Glasgow.
2.4. Reconhecer as Lesões com Risco de Morte já no Exa-  Crises convulsivas.
me Primário  Déficit sensitivo ou motor.
6. Ferimento penetrante na cabeça, no pescoço, no tronco ou nos
O conceito central do PHTLS é a ênfase no exame primário membros, proximal ao cotovelo ou ao joelho.
adotado pelo Suporte Avançado à Vida no Trauma, ATLS, desen- 7. Amputação ou quase amputação proximal aos dedos ou artelhos.
volvido pelo Comitê de Trauma do American College of Surgeons. 8. Qualquer trauma na presença de:
Este exame rápido permite que as funções vitais sejam rapidamente  Antecedentes médicos relevantes (p. ex., coronariopatia, do-
avaliadas e as condições com risco de morte identificadas por meio ença pulmonar obstrutiva crônica, distúrbio de coagulação).
da avaliação sistemática de vias aéreas, ventilação, circulação, inca-  Idade > 55 anos.
pacidade (estado neurológico) e exposição/controle do ambiente  Hipotermia.
(quadro 34-1). Ao aproximar·se da cena e à medida que vai atenden-  Queimaduras.
do, o socorrista recebe estímulos de vários sentidos (visão, audição,  Gravidez.
olfato e tato), que devem ser organizados, colocados em um esque-
ma de prioridades de lesões com risco de morte ou de perda de 2.5. Cuidar das Vias Aéreas Mantendo a Coluna Cervical
membros e usados para desenvolver um plano de atendimento ade- Estabilizada
quado.
O exame primário envolve a filosofia de “tratar logo que diag- A abordagem das vias aéreas é a primeira prioridade no trata-
nosticar”. Assim que é encontrado algum problema com risco de mento do traumatizado grave. Ao cuidar das vias aéreas, a cabeça e
morte, é feito imediatamente o tratamento. Apesar de ensinados em o pescoço devem ser mantidos alinhados em posição neutra. As
uma sequência linear, muitos dos procedimentos do exame primário “manobras básicas” de abordagem das vias aéreas devem ser feitas
podem ser realizados simultaneamente. Durante o transporte, o exa- com facilidade: desobstrução manual das vias aéreas, técnicas manu-
me primário deve ser repetido a intervalos regulares de modo que ais de abertura das vias aéreas (tração da mandíbula e elevação do
possa ser avaliada a eficácia das intervenções feitas e tratados novos mento), aspiração e utilização da via aérea orofaríngea e nasofarín-
problemas encontrados. gea.
Na criança, na gestante e no idoso, deve-se considerar que as Embora não prevista no suporte básico de vida, a intubação
lesões podem (1) ser mais graves do que aparentam, (2) ter impacto traqueal é a técnica “padrão ouro” para controle das vias aéreas. A
sistêmico mais significativo e (3) ter grande potencial de levar à intubação traqueal deve ser considerada para todos os traumatizados
descompensação rápida. Na gestante, há pelo menos dois pacientes incapazes de manter suas vias aéreas pérvias, incluindo os que tive-
para atender — a mãe e o feto — podendo ambos ter sofrido lesões. rem escore inferior ou igual a 8 na escala de coma de Glasgow, os
Os mecanismos compensatórios diferem dos mecanismos dos adul- que precisarem de altas concentrações de oxigênio para manter satu-
tos jovens e podem não revelar anormalidades até que a paciente ração arterial (SaO2) acima de 95% e os que necessitarem de ventila-
esteja profundamente comprometida. ção assistida em virtude da diminuição da frequência ventilatória ou
O exame primário também fornece os dados para estabelecer do volume minuto. A intubação também deve ser considerada para
as prioridades de atendimento, quando há múltiplas vítimas. Por os pacientes com risco de obstrução de vias aéreas, como os que têm
exemplo, em um incidente com múltiplas vítimas, as que têm pro- hematoma expansivo no pescoço ou achados compatíveis com quei-
blemas graves de vias aéreas, ventilação ou perfusão devem ser maduras de vias aéreas ou de pulmão.
tratadas e transportadas antes das que têm apenas alteração do nível
de consciência.

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Diretoria de Ensino e Instrução 371
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Quando houver indicação de intubação, mas ela não puder ser de curativo compressivo feito com gazes e atadura. Se a pressão
realizada, há várias opções alternativas. Pode-se tentar ventilar so- direta ou um curativo compressivo não controlarem a hemorragia de
mente com o auxílio das manobras básicas. uma extremidade, o socorrista pode considerar o uso de torniquete.
A decisão de proceder a intubação envolve a consideração dos Embora ensinada durante muitos anos nos cursos de primeiros so-
riscos e dos benefícios potenciais de realizar-se o procedimento, corros e de atendimento básico de emergências, a evidência mostra
levando em conta a distância até o hospital apropriado mais próxi- que a elevação de um membro ou a aplicação de pressão sobre uma
mo. Apesar de a intubação no pré-hospitalar parecer uma atitude artéria acrescenta pouco à pressão direta ou a um curativo compres-
sensata, não há nenhuma evidência conclusiva de que a intubação sivo. Os torniquetes são rotineiramente empregados nos procedi-
traqueal resulte em menor morbidade ou em menores taxas de mor- mentos cirúrgicos, com um excelente registro de segurança, poden-
talidade nos pacientes traumatizados. Em algumas circunstâncias, do salvar a vida no pré-hospitalar.
como quando o hospital apropriado estiver muito próximo, a deci- Diante de um paciente com choque evidente, secundário à
são mais prudente pode ser aplicar as manobras básicas de manu- hemorragia externa, as medidas de reanimação devem ser evitadas
tenção das vias aéreas e transportar rapidamente o paciente para o antes do controle adequado do sangramento. Na presença de san-
hospital. gramento externo ativo, as tentativas de reanimação nunca terão
sucesso.
2.6. Providenciar Suporte Ventilatório e Oferecer Oxigênio O controle da hemorragia externa e o reconhecimento da sus-
para Manter SaO2 Superior a 95% peita de hemorragia interna, associados ao transporte imediato para o
hospital apropriado mais próximo, representam oportunidades em
A avaliação e o tratamento da ventilação é um outro aspecto que os socorristas podem ter impacto significativo e salvar muitas
fundamental do atendimento ao traumatizado grave. A frequência vidas.
ventilatória normal do adulto é 12 a 20 incursões por minuto. Fre-
quências mais baixas muitas vezes interferem significativamente na 2.8. Tomar as Medidas Iniciais para Tratamento do Cho-
capacidade de oxigenar as hemácias que passam pelos capilares que, Incluindo a Restauração e a Manutenção da Temperatura
pulmonares e de remover o CO2 produzido pelos tecidos. Os pacien- Normal do Organismo e a Imobilização Adequada das Lesões
tes bradipnéicos precisam de suporte ventilatório, assistido ou total, Músculo-esqueléticas
com ambu (bolsa-valva-máscara, BVM) conectado à fonte de oxi-
gênio (FiO2 > 0,85). Nos pacientes taquipnéicos (frequência em Ao final do exame primário, o paciente deve ser exposto caso
adultos > 20 ventilações por minuto), deve ser estimada a ventilação/ haja suspeita de lesões com risco de morte. Uma vez isso concluído,
minuto (volume-corrente multiplicado pela frequência ventilatória). o paciente deve ser novamente coberto, porque a hipotermia pode
Diante de um paciente com redução significativa do volume-minuto ser fatal para o traumatizado grave. O paciente em choque já está
(ventilações rápidas e superficiais), as ventilações devem ser assisti- comprometido por redução acentuada da produção de energia, pela
das com ambu conectado à fonte de oxigênio (FiO2 > 0,85). perfusão tecidual inadequada. Caso sua temperatura não seja manti-
Deve ser oferecido oxigênio suplementar a todo traumatizado da, poderá ocorrer hipotermia grave. A hipotermia compromete
com suspeita ou evidência de situações de risco de morte. Se dispo- muito o funcionamento do sistema de coagulação. O sangue coagula
nível, a oximetria de pulso pode ser usada para monitorar a oxigena- como resultado de uma complexa série de reações enzimáticas que
ção e manter a saturação de hemoglobina (SaO2) superior a 95%. levam à formação de uma matriz de fibrina que aprisiona as hemá-
Em caso de dúvida quanto à precisão da leitura do oxímetro de pul- cias e interrompe o sangramento. Essas enzimas só funcionam em
so, ou se ele não estiver disponível, pode ser administrado oxigênio uma faixa de temperatura muito estreita. A queda da temperatura
por máscara unidirecional aos pacientes em respiração espontânea abaixo de 35°C pode contribuir significativamente para o desenvol-
ou por ambu conectado à fonte de oxigênio (FiO2 > 0,85) aos que vimento de coagulopatia (redução da capacidade de formação de
precisarem de suporte ventilatório assistido ou total. coágulo). Assim, é importante restaurar e manter a temperatura cor-
poral usando cobertores e mantendo aquecido o ambiente dentro da
2.7. Controlar Toda Hemorragia Externa Significativa viatura.
Quando ocorre fratura de ossos longos, os músculos e o tecido
No traumatizado, toda hemorragia externa significativa requer conjuntivo ao redor geralmente também são lesados. Essa lesão
atenção imediata. Como não se tem acesso à administração de san- tecidual, junto com o sangramento do osso quebrado, pode provocar
gue no pré-hospitalar, o controle da hemorragia torna-se uma grande hemorragia interna significativa. Essa perda sanguínea pode variar
preocupação para os socorristas, pois procura-se manter um número de 500 ml na fratura de úmero até 1 a 2 litros na fratura simples de
suficiente de hemácias circulantes; cada hemácia é importante. Le- fêmur. A manipulação grosseira de uma extremidade fraturada pode
sões de extremidades e ferimentos de couro cabeludo, como lacera- piorar a lesão tecidual e agravar o sangramento. A imobilização
ções e avulsões parciais, podem levar a perdas de sangue com risco auxilia na redução da perda sanguínea adicional para os tecidos vizi-
de morte. nhos, ajudando, assim, a poupar hemácias circulantes, para o trans-
A maioria das hemorragias externas é prontamente controlada porte de oxigênio. Por essa razão, e também para tratar a dor, as
pela aplicação de pressão direta no ponto de sangramento, por meio fraturas de extremidades devem ser imobilizadas.

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372 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 34 — Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar

No traumatizado grave, não há tempo para a imobilização ente apresentar evidências de intoxicação por álcool ou outras dro-
individual de cada fratura. Nesse caso, a imobilização do paciente gas ou lesão grave que desvie a atenção ou for incapaz de se comu-
em prancha rígida irá manter quase todas as fraturas em posição nicar por causa da idade ou por barreira de linguagem (o paciente só
anatômica e reduzir a hemorragia interna. A única exceção possível fala outro idioma).
para isso é a fratura da diáfise do fêmur. Devido ao espasmo da forte
musculatura da coxa, os músculos contraem-se, causando cavalga- 2.11. Quando se Tratar de Traumatizados Graves, Iniciar
mento de uma extremidade óssea sobre a outra e lesando mais os o Transporte para o Hospital Apropriado mais Próximo dentro
tecidos. O melhor tratamento para esse tipo de fratura é o uso da de 10 Minutos após a Chegada ao Local
tala tracionadora de fêmur, se houver tempo para sua aplicação
durante o transporte. Na maioria das vezes, se o exame primário Numerosos estudos têm demonstrado que o retardo no trans-
indicar que não há lesões com risco de morte, toda a extremidade porte do traumatizado para o hospital apropriado aumenta a mortali-
com suspeita de fratura deve ser imobilizada de forma adequada. dade. Apesar de os socorristas se terem tornado hábeis e eficientes
no suporte ventilatório, muitos traumatizados graves têm choque
2.9. Considerar o Uso da Calça Pneumática Antichoque hemorrágico e necessitam de duas coisas que não podem ser ofereci-
nos Pacientes com Choque Descompensado (PAS < 90 mmHg) e das no pré-hospitalar: sangue e controle da hemorragia interna. Por
Suspeita de Fratura de Bacia, Hemorragia Intraperitoneal ou ser o sangue humano um produto perecível, raramente pode ser
Retroperitoneal e nos Pacientes com Hipotensão Grave (PAS < administrado no pré-hospitalar. Apesar de alguns substitutos do
60 mmHg) sangue terem mostrado resultados promissores em ensaios clínicos
iniciais, não existe nenhum aprovado para uso pré-hospitalar. Da
Quando um paciente traumatizado em choque descompensa- mesma forma, o controle da hemorragia interna quase sempre re-
do tem suspeita de fratura de bacia ou de hemorragia intraperitoneal quer intervenção cirúrgica de emergência que é melhor que seja feita
ou retroperitoneal, a aplicação e a insuflação da calça pneumática em centro cirúrgico. Não se consegue reanimar adequadamente um
antichoque (PASG) podem reduzir ou mesmo tamponar graves paciente na vigência de sangramento interno ativo. Por isso, o objeti-
sangramentos internos. Os resultados de algumas pesquisas indicam vo do socorrista deve ser gastar o menos tempo possível no local.
que os traumatizados com hipotensão grave (PAS < 60 mmHg) A preocupação em gastar o menor tempo possível no local
também poderiam se beneficiar do uso da PASG. Quando o meca- não deve ser confundida com a mentalidade do “carregar e correr”,
nismo de trauma for significativo, os traumatizados poderão ser segundo a qual não se tenta tratar sequer os problemas principais
rolados em bloco para cima da PASG. Então, se ficarem hipotensos, antes de iniciar o transporte. Em vez disso, o PHTLS advoga uma
o dispositivo pode ser insuflado, especialmente se o tempo de trans- filosofia de “intervenção limitada no local”, com foco na avaliação
porte for prolongado (> 15-20 minutos). A PASG provavelmente rápida para identificar as lesões com risco de morte e na execução de
não é eficaz quando usada somente para imobilização de fraturas de intervenções que possam realmente melhorar o prognóstico do paci-
extremidades inferiores. É contra-indicada se houver ferimento pe- ente. Exemplos: cuidar das vias aéreas e da ventilação, controlar a
netrante de tórax, evisceração de órgãos abdominais, objetos encra- hemorragia externa e imobilizar a coluna vertebral. Não se deve
vados no abdome, gravidez, e na parada cardiorrespiratória traumáti- perder tempo precioso com procedimentos que podem ser realiza-
ca. dos a caminho do hospital. Os traumatizados graves (ver quadro 34-
1) devem ser transportados dentro de 10 minutos após a chegada dos
2.10. Manter a Estabilização Manual da Coluna até que o socorristas ao local — os “10 Minutos de Platina” do Período de
Paciente Esteja Imobilizado em Prancha Rígida Ouro. Exceções aceitáveis são as situações que exigem retirada pro-
longada ou o tempo necessário para garantir a segurança de local de
Desde o início do contato com o traumatizado, deve ser feita a risco, como no caso de ser necessário reforço policial para garantir
estabilização manual da coluna cervical, que deve ser mantida até que o criminoso não esteja mais no local.
que (1) o paciente esteja imobilizado em prancha rígida ou (2) se O hospital mais próximo pode não ser o mais apropriado para
determine que não há indicação para imobilização de coluna. A muitos dos traumatizados. Os pacientes que preenchem determina-
imobilização adequada de coluna implica a imobilização da cabeça dos critérios fisiológicos, anatômicos ou de mecanismo de trauma
até a pelve. A imobilização não deve impedir o paciente de abrir a beneficiam-se de transporte para um centro de trauma — uma uni-
boca nem comprometer a ventilação. dade especializada e com recursos especiais para tratar de traumati-
Nos ferimentos penetrantes, só se faz a imobilização de coluna zados. Cada comunidade, por meio de um consenso de cirurgiões,
se o paciente tiver queixa neurológica ou se for observado déficit médicos de emergência e socorristas deve decidir para onde esses
motor ou sensitivo no exame físico. No trauma fechado, a imobiliza- pacientes traumatizados devem ser transportados. Essas decisões
ção de coluna é indicada se o paciente tiver alteração do nível de devem ser incorporadas a protocolos que designam o melhor hospi-
consciência (escore < 15 na escala de coma de Glasgow), queixa tal de destino — o hospital apropriado mais próximo. Em algumas
neurológica, dor à palpação de coluna, deformidade anatômica ou situações, é melhor evitar hospitais não especializados e levar o trau-
déficit motor ou sensitivo no exame físico. Se o mecanismo de trau- matizado para o centro de trauma. Mesmo que isso signifique um
ma for significativo, a imobilização também está indicada se o paci- pequeno aumento no tempo de transporte, o tempo total até o trata-

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Diretoria de Ensino e Instrução 373
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

mento definitivo será menor. Idealmente, nos centros urbanos, o veículo com risco de queda que contenha a vítima em seu interior,
traumatizado grave deve chegar a um centro de trauma dentro de 25 anteriormente ao atendimento da mesma ou a proteção do paciente
a 30 minutos após o trauma. O hospital também deve trabalhar com contra estilhaços durante a retirada de veículos danificados. A expe-
a mesma eficiência para continuar a reanimação e, se necessário, riência recente tem demonstrado que os socorristas podem realizar
levar o paciente rapidamente para o centro cirúrgico, para controlar a de maneira segura muitos dos procedimentos que são feitos no cen-
hemorragia (tudo dentro do Período de Ouro). tro de trauma. Contudo, a questão não é “O que é que o socorrista
pode fazer pelo traumatizado grave?”, mas sim “O que é que o so-
2.12. A Caminho do Hospital, Iniciar a Reposição de Volu- corrista deve fazer pelo traumatizado grave?”.
me com Soluções Aquecidas Ao cuidar de um traumatizado grave, o socorrista deve per-
guntar-se se as suas intervenções no local e durante o transporte irão
Procedimento previsto exclusivamente para as Unidades de beneficiar o paciente. Se a resposta a essa pergunta for “não” ou
Suporte Avançado de Vida, a reposição de volume com soluções “talvez”, essas intervenções não devem ser feitas e a ênfase deve ser
aquecidas devem idealmente ser iniciadas no atendimento pré- em levar o paciente para o hospital apropriado mais próximo. As
hospitalar. Entretanto, o início do transporte de um paciente trauma- intervenções devem ser limitadas às que forem fundamentais para
tizado grave nunca deve ser atrasado para conseguir acesso venoso e evitar ou corrigir a piora fisiológica. Para que o paciente sobreviva, o
repor volume. Apesar de as soluções de cristalóide realmente restau- atendimento ao traumatizado deve seguir uma ordem de prioridades
rarem o volume sanguíneo perdido e melhorarem a perfusão, elas que determinam um plano de ação eficiente e efetivo. Esse plano
não transportam oxigênio. Além disso, a restauração da pressão deve ser baseado nos limites de tempo disponível e na presença de
arterial normal pode levar a mais sangramento, pela remoção do riscos no local. Deve haver integração e coordenação entre o pré-
coágulo em vasos lesados que inicialmente tenham formado coágu- hospitalar, o pronto-socorro e o centro cirúrgico, no que se refere às
los. intervenções apropriadas e à estabilização do paciente. Todo profis-
Os socorristas de suporte básico devem considerar a possibili- sional, em qualquer nível de atendimento e em qualquer estágio do
dade de acionar uma unidade de suporte avançado (aérea ou terres- tratamento, deve estar em harmonia com o restante da equipe.
tre, se disponível) quando o tempo de transporte for muito longo. Ao debater a questão do “não causar mais dano”, deve ser
considerado o conceito do dano “financeiro”, além do pensamento
2.13. Uma Vez Adequadamente Tratadas ou Descartadas comum do dano “físico”. Especificamente, os fabricantes introdu-
as Lesões com Risco de Morte, Obter a História Médica do Paci- zem regularmente novos aparelhos destinados a substituir ou melho-
ente e Fazer o Exame Secundário rar as modalidades de tratamento existentes. É importante considerar
inúmeras questões antes de implementar novos tratamentos, incluin-
Se o exame primário mostrar situações com risco de morte, do:
devem ser realizadas as intervenções fundamentais e o paciente deve
ser preparado para transporte dentro dos 10 Minutos de Platina. Por  Qual é a evidência que sustenta a eficácia do novo tratamento?
outro lado, se não houver risco de morte, deve ser realizado o exame  A nova intervenção é tão boa ou melhor do que as intervenções
secundário. O exame secundário é um exame físico sistemático, da existentes?
cabeça aos pés, que serve para identificar todas as lesões existentes.  Qual o custo da nova intervenção, em comparação com a inter-
Deve começar com uma história AMPLA (Alergias, Medicações, venção existente?
Passado médico, Líquidos e alimentos ingeridos e Ambiente e even-
tos relacionados ao trauma). Nos traumatizados graves, o exame Como regra geral, deve haver evidência médica que demons-
secundário é feito apenas se o tempo permitir e depois de tratar ade- tre que uma nova intervenção é pelo menos tão boa quanto, e prefe-
quadamente as lesões com risco de morte. Em algumas situações, rivelmente melhor, que os tratamentos existentes, antes de ela ser
quando o paciente estiver próximo do hospital apropriado, o exame formalmente aceita e implementada. Como o custo de uma nova
secundário nem chega a ser concluído. Esta abordagem garante que intervenção frequentemente excede o custo de uma intervenção
a atenção dos socorristas se volte para os problemas mais graves — existente, a ausência de evidência indicativa da superioridade da
os que podem levar à morte se não forem adequadamente tratados nova intervenção leva a custos adicionais para o paciente, resultando
— e não para as lesões de menor prioridade. O paciente deve ser em dano “financeiro”.
reavaliado com frequência, porque pode não ter lesões com risco de Os traumatizados graves que chegam a um centro de trauma
morte inicialmente, mas vir a apresentá-las na evolução. podem ter prognóstico pior quando transportados pelos socorristas
do que quando transportados por veículos particulares. Um fator
2.14. Acima de Tudo, Não Causar Mais Dano importante que provavelmente contribui para este aumento da mor-
talidade é a ação de socorristas bem-intencionados que não compre-
O princípio médico que diz “Acima de tudo, não causar mais endem que o trauma é uma doença cirúrgica — a maior parte dos
dano” vem desde os remotos tempos do médico grego Hipócrates. traumatizados graves precisa de cirurgia imediata para salvar a vida.
Aplicado ao atendimento pré-hospitalar do traumatizado, este princí- Qualquer coisa que atrase a intervenção cirúrgica leva a mais sangra-
pio pode tomar muitas formas: a amarração ou ancoragem de um mento, mais choque e, finalmente, morte.

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374 Diretoria de Ensino e Instrução
Capítulo 34 — Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar

É claro que, mesmo com o mais bem planejado e executado Foi demonstrado que a aplicação dos princípios funda-
plano de reanimação, nem todas as vítimas de trauma podem ser mentais do PHTLS — avaliação rápida, intervenções funda-
salvas. Contudo, com o foco de atenção voltado para as causas de mentais no local e transporte rápido para o hospital apropriado
morte precoce por trauma, uma porcentagem muito maior de paci- mais próximo — melhora o prognóstico dos pacientes traumati-
entes pode sobreviver e a morbidade pode ser mais baixa do que zados graves.
sem o benefício da abordagem correta e imediata no pré-hospitalar.

Fig. 503: Algoritmo de atendimento do traumatizado.

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Glossário

Ablepsia: Cegueira, perda da vista. Perda das faculdades inte- Alvéolos: Local de encontro entre o sistema respiratório e o
lectuais. Inadvertência. circulatório, onde ocorrem as trocas gasosas.
Abulia: Perturbação mental caracterizada pela ausência ou Ambliopia: Enfraquecimento da vista sem lesão orgânica
diminuição da vontade; abulomania. aparente do olho, associada especialmente com os efeitos tóxicos de
Acardia: Falta de coração no feto. certas drogas ou com deficiências dietéticas; anopsia.
Acetábulo: Cavidade no osso do quadril em forma de taça, na Ambu: (Air Mannual Breathing Unit) ressuscitador manual,
superfície lateral da pelve, que sustenta a cabeça do fêmur. dispositivo utilizado para ventilação artificial manual.
Ácida: Substância que, em solução aquosa é capaz de libertar Amenorréia: Interrupção ou suspensão do fluxo menstrual na
íons de hidrogênio. Que dá sensação picante ao olfato ou ao paladar. mulher ainda em idade de ser regrada; amenia, ametroemia.
Acidose: Acúmulo de ácido e diminuição do pH sanguíneo. Amnésia: Diminuição considerável ou perda total da memó-
Acinesia: Imobilidade. Paralisia parcial ou total. Intervalo ria. Var: amnesia. Amnésia verbal: perda de memória para palavras.
entre a sístole e a diástole. Amnésia anterógrada: Amnésia para eventos que ocorreram
Acme: Período em que uma doença ou sintoma chega ao mais após o trauma; incapacidade de registrar fatos novos.
alto grau de intensidade; crise, fase crítica. Amnésia retrógrada: Perda da memória para eventos e situa-
Acrofobia: Receio mórbido de lugares muito altos. ções que precedem imediatamente o momento da lesão ou da doen-
Adinamia: Debilidade, falta de forças, fraqueza, prostração; ça.
astenia. Amputação: Ablação (retirar por força) parcial ou total de
Adolescente: Pessoa de tamanho corpóreo e desenvolvimento uma estrutura orgânica, permanecendo no local uma deformidade
físico normalmente encontrado em crianças de 13 a 16 anos. Agru- que em alguns casos, pode ser compensada por prótese.
pamento arbitrário de crianças mais velhas, baseado em característi- Anaeróbio: Que se processa sem intervenção do oxigênio
cas físicas semelhantes, comuns a essas idades quase adultas. atmosférico (diz-se da respiração): Respiração anaeróbia.
Adulto: Pessoa (em geral de 16 anos ou mais) cujo corpo Anafilático: Reação exagerada do organismo a uma substân-
atingiu a maturidade e terminou sua progressão pelas fases de cresci- cia estranha a ele. Substância que pode entrar em contato através da
mento e desenvolvimento pediátricas. pele ou através de uma injeção intramuscular ou endovenosa, ou
Aeróbio: Que tem necessidade de ar ou oxigênio livre para então ingerida.
viver. Analgésico: Que alivia a dor por ação central sobre o sistema
Aerofagia: Deglutição, consciente ou inconsciente, de ar. Em nervoso, sem ocasionar a perda da consciência. Medicamento que
excesso, pode provocar eructação e moléstias do estômago. produz esses efeitos; análgico.
Agudo: Intenso, forte, violento. Diz-se das dores e das doen- Anamnese: Histórico dos aspectos subjetivos da doença, des-
ças de curso rápido. de os sintomas iniciais até o momento do atendimento.
Air bags: Bolsas que inflam automaticamente quando ocorre Anasarca: Edema generalizado. Inchação produzida pela
impacto muito grande, para amortecer o mesmo. Elas absorvem penetração de serosidade no tecido celular; hidropisia.
lentamente a energia aumentando a distância de parada do corpo. Anastomose: Comunicação entre dois vasos orgânicos. Ponto
Essas bolsas foram projetadas para amortecer apenas o movimento onde os vasos se reúnem. Formação cirúrgica ou patológica de uma
para a frente no primeiro impacto e devem ser usadas em conjunto passagem entre dois espaços ou órgãos normalmente distintos.
com o cinto de segurança. Ancilose: Diminuição ou impossibilidade absoluta de movi-
Álcali: Qualquer hidróxido ou óxido dos metais alcalinos mento em uma articulação. Inteiriçamento de uma articulação.
(lítio, sódio, potássio, rubídio e césio). Grupo de substâncias que dão Andropausa: Climatério masculino; metapansa.
sais em presença dos ácidos e transformam as gorduras em sabões Anestesia: Privação parcial ou total da sensibilidade. Anestesi-
(soda, potassa etc.). ação.
Algesia: Sensibilidade à dor; algestesia. Aneurisma: Dilatação que se forma no trajeto de uma artéria,
Algia: Dor num órgão ou numa região do corpo, sem corres- pela distensão parcial de suas paredes. Aneurisma abdominal: aneu-
ponder a lesão anatômica. risma da aorta abdominal. Aneurisma cirsóide: condição em que os
vasos sanguíneos se tornam dilatados, alongados e tortuosos.
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Angina (angina pectoris): Dor torácica mesoesternal em aper- Articulação: Junta entre dois ossos ou cartilagens, no esquele-
to ou em peso, causada por anóxia miocárdica. Com frequência to de um vertebrado, que não permite movimento quando os ossos
irradia-se para um dos braços, mais comumente para o esquerdo, são unidos diretamente; permite leve movimento quando são unidos
estando associada à sensação de sufocamento ou de morte iminente. por uma substância intermediária, e movimento mais ou menos livre
Anisocoria: Desigualdade no tamanho das pupilas. quando as superfícies articulares são cobertas de uma cartilagem lisa
Anorexia: Falta de apetite; apositia, fastio, inapetência. e circundadas por uma cápsula fibrosa revestida de uma membrana
Anoxemia: Falta de oxigenação no sangue. sinovial.
Anoxia: Hipoxia, especialmente quando de tal gravidade ou Artrite: Inflamação dos tecidos de uma articulação.
duração que resulta em dano permanente para o indivíduo ou parte Asfixia traumática: Trauma fechado ou esmagamento de
afetados. tórax e abdome, com aumento significativo da pressão intravascular,
Anterior: Situado na frente ou na parte dianteira. que provoca rotura de capilares.
Ântero-caudal: Para a frente e em direção aos pés. Asseio: Limpeza, higiene.
Anticoagulante: Substância ou droga que impede ou diminui Assepsia: Qualidade ou condição de ser asséptico. Conjunto
a coagulação ou a formação de coágulos sanguíneos. dos métodos de manter ou tornar asséptico.
Anti-hipertensivo: Droga que reduz a pressão arterial elevada Asséptico: Isento de todo germe séptico; preservado de mi-
(hipertensão). Algumas drogas que aumentam a produção de urina crorganismos: Curativo asséptico.
(diuréticos) diminuem a pressão arterial por reduzirem o volume Assimetria: Ausência de simetria. Falta de proporção entre as
plasmático. partes de um objeto.
Apêndice xifóide: Apêndice longo e cartilaginoso que se loca- Astenia: Debilidade, diminuição das forças do organismo.
liza na parte inferior do esterno. Astenia cardiovascular: enfraquecimento da sístole cardíaca.
Apirexia: Ausência, suspensão ou cessação da febre. Intervalo Atelectasia: Colapso de alvéolos ou de parte do pulmão.
entre dois acessos de febre intermitente. Aterosclerose: Estreitamento dos vasos sanguíneos; condição
Apnéia: Ausência de respiração espontânea. na qual há espessamento da camada interna da parede das artérias,
Apoplexia: Paralisia súbita e coma causados pela efusão ou por deposição de gordura.
extravasação de sangue ou soro sanguíneo no cérebro ou medula Atlas: Primeira vértebra cervical (C1), na qual o crânio se
espinal. Copiosa extravasação de sangue em um órgão. apóia.
Apoplexia fulminante: a apoplexia que mata repentinamente. Auscultar: Aplicar o ouvido ou o auscultador a (costas, peito,
Apoplexia intersticial: a apoplexia que é produzida pelo derra- ventre etc.) para conhecer os ruídos que se fazem dentro do organis-
mamento do sangue no tecido nervoso. mo; examinar por auscultação.
Apoplexia pulmonar: Hemorragia no aparelho respiratório, Avaliação global: Avaliação simultânea da condição global
caracterizada pela expulsão de sangue, com tosse e expectoração. do paciente em 15 a 30 segundos. Focaliza a situação da respiração,
Apuração: Averiguação, conhecer ao certo. da circulação e do nível de consciência do doente.
Aracnóide (membrana aracnóide): Membrana transparente, Avulsão: Ato de extrair com violência. Extração de um órgão
semelhante a uma teia de aranha, entre a dura-máter e a pia-máter. É ou parte dele.
a segunda (a do meio) das três membranas meníngeas que envol- Áxis: Segunda vértebra cervical (C2); sua forma permite uma
vem o cérebro. larga amplitude de rotação da cabeça. Define também uma linha
Arcos zigomáticos: Ossos que formam a área superior das imaginária (eixo) que passa através do centro do corpo.
bochechas da face. Lateralmente, acima dos molares, esses ossos Biomecânica: Forma de analisar o mecanismo de trauma de
estendem-se mais para a frente do que a maxila, dando ao indivíduo um incidente, para determinar as lesões que provavelmente resulta-
uma estrutura facial particular; chamada de “maçãs do rosto”. ram das forças, do movimento e das alterações de movimento envol-
Área de superfície corpórea (ASC): Superfície externa do vidas. O estudo do movimento.
corpo coberta pela pele. Porcentagem de área da superfície corpórea Biossegurança: Conjunto de medidas tomadas para evitar
total representada por qualquer parte do corpo. Utilizada como um contaminação e transmissão de infecção.
fator na determinação da extensão de uma queimadura. Bolsa-Valva-Máscara (Máscara e ambu): Dispositivo de
Arritmia: Alteração de um ritmo. Arritmia cardíaca: qualquer reanimação mecânica que consiste em um balão auto-inflável de
alteração do ritmo normal dos batimentos cardíacos. borracha ou de plástico e várias válvulas unidirecionais. Ao se com-
Artéria: Designação dos vasos sanguíneos que levam o san- primir o balão, gera-se uma pressão ventilatória positiva na máscara,
gue dos ventrículos do coração às diferentes partes do corpo.

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ou na cânula traqueal ou no dispositivo de via aérea alternativa. Pode ração das partículas do tecido para longe do projéti1 produz uma
ser usado com ou sem suplementação de oxigênio. área de lesão onde surge uma grande cavidade temporária).
Bradicardia: Lentidão anormal das pulsações do coração, Cateter: Instrumento tubular que é introduzido em canais,
evidenciada pelo retardamento do pulso. vasos ou cavidades do corpo para a retirada ou injeção de fluidos ou
Bronquíolos: A menor divisão dos brônquios. substâncias, ou a manutenção de uma passagem; especialmente o
Bulbo (medula oblonga): Parte do tronco cerebral. O bulbo é que é usado na retirada de urina, da bexiga, através da uretra.
o centro primário de regulação autonômica do sistema cardiovascu- Cefaléia: Cefalalgia crônica, contínua ou intermitente. Dor de
lar. cabeça violenta.
Cãibras de calor: Espasmos dolorosos agudos da musculatura Cefálica: Pertencente ou relativo à cabeça ou ao encéfalo.
voluntária após trabalho físico intenso em ambiente quente, especial- Apresentação cefálica — apresentação de cabeça (no parto).
mente quando o indivíduo não está aclimatado à temperatura. Células quimiorreceptoras: Células que geram impulsos
Calça pneumática antichoque (PASG, Pneumatic Antishock nervosos em reação a estímulos químicos. Algumas células quimior-
Garment): Dispositivo que consta de um compartimento abdominal receptoras controlam a frequência ventilatória.
e dois compartimentos para membros inferiores. Quando insuflado, Cena: Ambiente onde ocorreu o trauma e que deve ser avalia-
aumenta a pressão na parte inferior do corpo, evitando acúmulo de do. Numa colisão automobilística, isso inclui avaliação do número
sangue no abdome e na pelve. Também chamada de calça militar ou de veículos, das forças que agiram em cada veículo e do grau e tipo
calça médica antichoque (MAST, military or medical antishock de dano em cada um deles.
trousers). Centro cárdio-ativador: Centro encefálico que ativa a resposta
Calcinação: Ato de queimar (a carne esponjosa ou as escaras) simpática, aumentando a frequência cardíaca.
por meio de uma substância cáustica. Aquecer muito. Centro cárdio-inibidor: Parte da medula oblonga que torna
Calota craniana: O crânio (parte óssea). mais lenta ou inibe a atividade cardíaca.
Cânula nasofaríngea: Cânula que é introduzida na narina e Cerebelo: Parte do encéfalo que se situa por trás da medula
segue o assoalho da cavidade nasal posterior para a nasofaringe. É oblonga e é responsável pela coordenação do movimento.
uma cânula normalmente bem tolerada pelos pacientes que têm Cérebro: A maior das partes do encéfalo; responsável pelo
reflexo de vômito. controle da função intelectual, motora e sensitiva.
Cânula orofaríngea (Guedel): Cânula que, quando introduzi- Cervical: Relativo ao pescoço, à cerviz ou ao colo do útero.
da na orofaringe, segura a língua, impedindo que ela caia, o que Check-up: Conjunto de exames clínicos de toda espécie
ajuda a manter as vias aéreas abertas. Só pode ser utilizada em paci- (laboratoriais, radiológicos etc.) a que se submete um paciente, o
entes que não têm reflexo de vômito. qual para isso pode ficar internado durante um dia ou mais, visando
Capacidade pulmonar total: Volume total de ar nos pulmões a completa análise de sua saúde e de possíveis propensões para cer-
após uma inspiração forçada. tas enfermidades.
Capilares: Os menores vasos sanguíneos. Diminutos vasos Choque: Falência generalizada da perfusão tecidual com he-
sanguíneos, da largura de uma única célula, que permitem a difusão mácias oxigenadas, que leva ao metabolismo anaeróbio e diminui-
e a osmose através de suas paredes. ção na produção de energia.
Capnografia (monitoração do dióxido de carbono no final Choque cardiogênico: Choque que resulta da falência da
da expiração): Equipamento que permite monitorar a pressão parci- atividade da bomba cardíaca; as causas podem ser intrínsecas, resul-
al do dióxido de carbono numa amostra de gás. Tem uma correlação tado de lesão direta do coração, ou extrínsecas, relacionadas com
muito íntima com a pressão parcial arterial do dióxido de carbono problemas externos ao coração.
(PaCO2). Choque compensado: Perfusão periférica inadequada, evi-
Cardiopatia: Qualquer moléstia do coração. denciada por sinais de diminuição de perfusão dos órgãos, mas com
Cardiovascular: Referente tanto ao coração, quanto aos vasos pressão arterial normal.
sanguíneos. Choque distributivo: Choque que ocorre quando o comparti-
Catarata: Lente leitosa (embaçada), que bloqueia e distorce a mento vascular aumenta, sem aumento proporcional do volume de
entrada da luz no olho, obscurecendo a visão. fluidos.
Caudal: Em direção à cauda (cóccix). Choque hipovolêmico: Choque causado pela perda de san-
Cavitação: Deslocamento dos tecidos do organismo da sua gue.
posição normal, levando à formação de cavidade temporária ou
permanente (p.ex., quando o corpo é atingido por uma bala, a acele-

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Diretoria de Ensino e Instrução 379
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Choque medular: Termo que se refere à lesão da medula por articulações fixas, formando o sacro. O sacro é a base que sus-
espinhal que resulta em perda temporária da função motora e sensiti- tenta o peso da coluna vertebral e é também parte da cintura pélvica.
va. Coluna torácica: Parte da coluna vertebral entre a coluna
Choque neurogênico: Choque que ocorre quando uma lesão cervical (superiormente) e a lombar (inferiormente), formada por
de coluna cervical lesa a medula acima da saída dos nervos do siste- doze vértebras (T1-T12). Os doze pares de costelas ligam-se às vér-
ma nervoso simpático. tebras torácicas.
Choque psicogênico: Choque neurogênico temporário, resul- Coma: Estado de inconsciência em que nem sequer uma esti-
tante de estresse psicológico (desmaio). mulação enérgica desperta o doente, com perda total ou parcial da
Choque séptico: Choque resultante de infecção generalizada, sensibilidade e da motilidade e com preservação da respiração e
que leva à liberação de substâncias localmente ativas, que causam circulação.
lesão da parede vascular, provocando vasodilatação periférica e Comissura: Linha de junção de duas partes que formam ân-
extravasamento de líquido dos capilares para o espaço intersticial. gulo: Comissura dos lábios. Sutura. Faixa de fibras que liga partes
Cianose: Coloração azulada, lívida ou escura, da pele e das correspondentes esquerda e direita, principalmente do cérebro e da
mucosas, em virtude de oxigenação insuficiente do sangue, muitas medula espinal.
vezes devida a uma malformação cardíaca; cianopatia. Complicação: Problema adicional que ocorre secundariamen-
Cifose: Curvatura da coluna para a frente, semelhante a uma te à lesão, à doença ou ao tratamento. Define também um incidente
corcova, comumente associada ao processo de envelhecimento. A ou doença que se sobrepõe a outra, sem com ela estar especifica-
cifose também pode ser causada por raquitismo ou tuberculose da mente relacionada, mas que afeta ou modifica o prognóstico da do-
coluna vertebral. ença original.
Cisalhamento: Força associada à mudança de velocidade, que Compressão: Tipo de força envolvida em impactos, que faz
resulta em secção ou laceração de partes do corpo. com que um tecido, órgão ou outra parte do corpo seja comprimida
Cloasma: Descoloração da pele caracterizada por manchas entre dois ou mais objetos ou partes do corpo.
(panos) ou pontos pigmentados de um marrom-amarelado, proveni- Compressão medular: Pressão na medula espinhal causada
entes de várias causas, tais como: exposição constante ao sol nos por edema, que pode resultar em isquemia tecidual e, em alguns
trópicos, gravidez, dispepsia, tuberculose, traumatismos e desordens casos, necessitar de descompressão, a fim de prevenir perda perma-
do sistema uterovariano. nente da função.
Clônico: Espasmo com rigidez e relaxamento muscular alter- Concussão: Diagnóstico feito quando um paciente traumati-
nados em rápida sucessão. zado apresenta alteração da função neurológica, na maioria das ve-
Colapso: Diminuição súbita da atividade nervosa e cerebral e zes perda de consciência, sem nenhuma anormalidade intracraniana
demais funções que dependem do sistema nervoso; prostração súbi- pela tomografia computadorizada.
ta. Concussão medular: Condição neurológica que resulta da
Colapso cardíaco: cessação repentina e fatal da ação do cora- interrupção temporária da função da medula espinhal, distalmente à
ção; estado clínico que resulta da incapacidade do miocárdio dos lesão.
ventrículos de manter um fluxo adequado de sangue a todos os teci- Contusão: Lesão produzida por objeto contundente, sem que
dos do corpo. haja rompimento da pele.
Colapso cardíaco congestivo: diminuição prolongada da ca- Contração ventricular prematura: Contração prematura e
pacidade do coração de manter um fluxo adequado de sangue aos irregular dos ventrículos, devido a estímulo ectópico que desenca-
tecidos ou de expelir o sangue venoso que a ele retorna. deia a contração em vez do estímulo normal do marca-passo fisioló-
Coluna cervical: Porção cervical da coluna vertebral, que gico. É a segunda anormalidade mais comum do ritmo cardíaco.
contém sete vértebras (CI-C7). Contra-indicação: Qualquer sinal, sintoma, impressão clínica,
Coluna coccígea: A parte mais caudal da coluna vertebral; condição ou circunstância que indica que um determinado tratamen-
contém as 3 a 5 vértebras que formam o cóccix. to, ou sua evolução, é inadequado e, portanto, deve ser rejeitado pela
Coluna lombar: Parte da coluna vertebral, localizada abaixo prática médica. Contra-indicação relativa é considerada como uma
da coluna torácica, constituída por cinco vértebras lombares (L1- contra-indicação, mas que, em algumas circunstâncias especiais,
L5). pode ser aceita pelo médico como uma prática médica aceitável,
Coluna sacral: Parte da coluna vertebral abaixo da coluna dependendo do caso.
lombar que contém as cinco vértebras sacrais (S1-S5), conectadas Contralateral: No lado oposto.

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Contusão de miocárdio: Contusão do coração ou do músculo Difusão: Movimento de solutos (substâncias dissolvidas na
cardíaco. água) através de uma membrana.
Contusão medular: Escoriação ou sangramento no tecido Difusão pulmonar: Movimento do oxigênio dos alvéolos,
medular, que podem resultar na perda temporária da função medular através da membrana alvéolo-capilar, para as hemácias ou para o
distalmente à lesão. plasma.
Contusão pulmonar: Contusão dos pulmões. Pode ser secun- Diplopia: Alteração ocular que produz duplas imagens visu-
dária a trauma fechado ou a ferimentos penetrantes. ais.
Convecção: Aquecimento da água ou do ar, em contato com Direção médica off-line: Protocolos escritos que podem ori-
um corpo; sendo que a remoção desse ar (p.ex., pelo vento) ou água entar a maioria dos atendimentos pré-hospitalares.
obriga a aquecer o novo ar ou água que ocupou o lugar do que saiu. Direção médica on-line: Orientação médica que permite que
Corpo vertebral: Parte da vértebra que sustenta a maior parte o socorrista discuta o atendimento do paciente, por rádio ou telefone,
do peso da coluna. enquanto está no local.
Crânio: Vários ossos que se fundem em uma única estrutura Disartria: Dificuldade na fala.
durante a infância. Disco intervertebral: Disco formado por tecido semelhante a
Crepitação: Estalido que fazem os fragmentos de um osso cartilagem, que fica entre os corpos vertebrais e funciona absorven-
fraturado quando se lhe imprimem certos movimentos (crepitação do impactos.
óssea); Ruído que faz o ar nas células pulmonares em caso de pneu- Disfagia: Dificuldade na deglutição.
monia ou de enfisema. Dismenorréia: Menstruação dolorosa e difícil.
Crise hipertensiva: Aumento súbito e grave da pressão arteri- Dispnéia: Dificuldade respiratória.
al, acima de 200/120 mm Hg. Distal: Diz-se da extremidade mais afastada de um órgão, do
Crônico: Que dura há muito tempo. Diz-se das doenças que, ponto em que se liga ao corpo de que depende.
em oposição às agudas, se prolongam, percorrendo lentamente os Distensão: Ato ou efeito de distender. Tensão demasiada;
seus períodos. estiramento, enchimento. Torção violenta dos ligamentos de uma
Cutânea: Pertencente ou relativo à pele ou à epiderme. articulação.
Deambulação: Digressão, passeio. Distensão de veia jugular (DVJ): Pressão no lado direito do
Débito cardíaco: volume de sangue sendo bombeado pelo coração, que se transmite retrogradamente, levando a acúmulo de
coração em um minuto. É igual à frequência cardíaca multiplicada sangue venoso e distensão das veias do pescoço (ingurgitamento).
pelo volume sistólico. Ocorre por obstrução ao retorno venoso e leva a menor enchimento
Decapitação: Cortar a cabeça de; degolar. do coração esquerdo, com diminuição do débito cardíaco.
Decúbito: Posição de quem está deitado. Decúbito dorsal: Disúria: Emissão difícil e dolorosa das urinas.
posição de quem está deitado de costas; também chamado decúbito Diurese: Secreção de urina normal ou abundante, natural ou
supino. Decúbito ventral: posição de quem está deitado sobre o ven- provocada.
tre. Doença de Alzheimer: Uma forma de doença cerebral nor-
Deformidade: Irregularidade desagradável de forma; malfor- malmente associada a demência senil prematura.
mação; deformação; desfiguração. Dor fantasma: Sensação da presença de um membro ou de
Deglutição: Passagem do alimento da boca para o esôfago, parte dele após a amputação.
engolir. Dorsal: Relacionado com, ou relativo ao dorso. Que pertence
Densidade: Número de partículas existentes em dada área de ao dorso ou às costas.
tecido. Dura-máter: Membrana externa que envolve a medula espi-
Derme: Camada da pele logo abaixo da epiderme, composta nhal e o encéfalo: a mais externa das três camadas meníngeas. Lite-
por uma rede de tecido conjuntivo que contém vasos sanguíneos, ralmente significa “mãe dura”.
terminações nervosas e glândulas sebáceas e sudoríparas. Edema: Condição local ou generalizada em que alguns teci-
Desinfecção: Ato ou efeito de desinfeccionar — retirar a in- dos do corpo contêm uma quantidade excessiva de líquido; geral-
fecção. mente, inclui o inchaço dos tecidos.
Diáfise: Parte do meio de um osso longo. Edentado: Que não tem dentes.
Diástole: Movimento de relaxamento do coração e das arté- Elevação do mento (chin lift): Uma forma de abrir as vias
rias, quando o sangue penetra em sua cavidade (enchimento ventri- aéreas do paciente que tem suspeita de comprometimento de coluna
cular).

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cervical. Adaptação da manobra de elevação do mento, que inclui Epistaxe: Hemorragia nasal.
imobilização manual da cabeça em posição alinhada e neutra. Equimose: Mancha escura ou avermelhada, na pele ou nas
Elevação do queixo no trauma: Manobra que deve ser utili- mucosas, em virtude de extravasação de sangue ocasionada por
zada para resolver várias situações de obstrução das vias aéreas em contusão; exsucação.
pacientes com respiração espontânea. É realizada segurando-se o Ereção: Ato de erigir ou erguer. Endurecimento temporário
queixo e os incisivos inferiores e, então, elevando-se a mandíbula e de certas partes moles do organismo animal.
puxando-a para a frente. Eritema: Denominação comum a muitas variedades de ver-
Embolia: Obstrução brusca de um vaso sanguíneo ou linfático melhidão mórbida da pele, causadas por congestão dos capilares;
por um corpo estranho trazido pela circulação (coágulo, gordura, ar). eritroderma, eritrodermia.
Embotamento: Diminuição da sensibilidade. Eritema solar: eritema causado por exposição excessiva da
Eminência hipotênar: Parte carnosa da palma da mão ao pele aos raios solares ou aos raios ultravioleta.
longo da margem ulnar. Eructação: Ato de eructar; arroto.
Encefalite: Inflamação do encéfalo, que pode resultar de di- Escala de Coma de Glasgow (GSC): Escala para avaliação e
versas doenças isoladas, cada uma com sua etiologia e sua sín- quantificação do nível de consciência ou inconsciência que identifica
drome. as melhores repostas do paciente a estímulos padronizados.
Encefalite letárgica: encefalite epidêmica, causada por um Escalpe: A parte mais externa do revestimento da cabeça.
vírus e caracterizada por apatia e sonolência que terminam em letar- Escarotomia: Remoção de tecido necrosado, constituído por
gia. pele e tecidos adjacentes, em áreas com queimadura profunda.
Endometrite: Inflamação do endométrio. Escore de Trauma Pediátrico (ETP, PTS, de Pediatric Trau-
Energia cinética (EC): A energia associada ao movimento. É ma Score): Sistema de pontuação clínica baseado na informação
função da massa de um objeto e de sua velocidade. EC = metade da clínica disponível no momento da avaliação inicial, que se sabe ser
massa vezes o quadrado da velocidade. indicador de gravidade e que pode ser usado para decisão de tria-
Energia mecânica: Forma de energia relacionada com o mo- gem.
vimento. Escore de trauma revisado (RTS, Revised Trauma Score):
Enfarte: Ato ou efeito de enfartar ou enfartar-se. Necrose de Método para avaliar e quantificar a gravidade do trauma.
coagulação, circunscrita, de um órgão (o coração, p ex), em conse- Esfíncter: Músculo anular contráctil que serve para abrir ou
quência da obliteração de uma artéria. Variação: enfarto, infarto. fechar vários orifícios ou ductos naturais do corpo.
Enfisema: Tumefação de um órgão em razão da presença Esgotamento pelo calor: Condição que resulta da perda ex-
anormal de ar ou gás no próprio tecido. Enfisema cutâneo: efeito da cessiva de fluidos e eletrólitos pela transpiração e da falta de reposi-
penetra-ção de ar ou gases no tecido celular subcutâneo. Enfisema ção hídrica adequada quando o paciente é exposto a temperaturas
pulmonar: estado mórbido, local ou generalizado, dos pulmões, ambientais altas por um longo período de tempo, geralmente vários
caracterizado por distensão, perda progressiva da elasticidade e rup- dias.
tura dos alvéolos. É acompanhado de respiração penosa, tosse e Espaço epidural (extradural): Espaço virtual entre a dura-
frequentemente imperfeição da atividade cardíaca. máter e o crânio; contém as artérias meníngeas.
Enteralgia: Dor neurálgica do intestino; enterodinia. Espaço pericárdico: Espaço virtual existente entre o músculo
Enteróclise: Lavagem dos intestinos pelo reto. Injeção de um cardíaco (miocárdio) e o pericárdio.
líquido nutriente ou medicinal no intestino. Espaço peritoneal: Espaço na cavidade abdominal que con-
Enterorragia: Hemorragia intestinal. tém o intestino, o baço, o fígado, o estômago e a vesícula biliar. É
Entorse: Lesão de partes moles ou espasmo muscular que revestido pelo peritônio.
ocorre em torno de uma articulação em qualquer parte da muscula- Espaço retroperitoneal: Espaço por trás da cavidade abdomi-
tura. nal que contém os rins, os ureteres, a bexiga, os órgãos reprodutores,
Enurese: Emissão involuntária de urinas; incontinência de a cava inferior, a aorta abdominal, o pâncreas, parte do duodeno, do
urina; anisúria. cólon e do reto.
Envoltório dural: Membrana fibrosa que recobre o encéfalo e Espaço subaracnóide: Espaço entre a pia-máter e a membra-
continua inferiormente até a segunda vértebra sacral. na aracnóide; contém líquido cefalorraquidiano e veias meníngeas.
Epiderme: Camada mais superficial da pele, composta inteira- O espaço subaracnóide é um local frequente de hematomas subdu-
mente por células epiteliais e sem vasos sanguíneos. rais.
Epífise: A extremidade do osso longo.

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382 Diretoria de Ensino e Instrução
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Espasmo: Contração involuntária, violenta e súbita, de um Exsanguinação: Perda de todo o volume sanguíneo, levando
músculo ou grupo de músculos, acompanhada de dor, distorção e à morte.
interferência com a função; cãibra. Constrição súbita e transitória de Faringe: Garganta; estrutura tubular que é uma via comum
uma passagem, canal ou órgão oco (como uma artéria, o cólon ou o para o trato respiratório e o digestivo. Orofaringe: área da faringe por
esôfago), que consistem, em grande parte, em fibras musculares trás da boca; nasofaringe: área da faringe além das coanas.
involuntárias. Êxtase, abstração, arroubamento. Espasmo clônico: Fase de evento: Fase que se inicia no momento do impacto
espasmo no qual a rigidez dos músculos é seguida imediatamente entre um objeto em movimento com um segundo objeto; ocorrência
por relaxação. Espasmo tônico: espasmo no qual a rigidez persiste de um incidente.
por um tempo considerável. Fase pós-evento: Fase que se inicia logo que a energia de uma
Estenia: Estado de vigor e atividade. Excesso de vitalidade e colisão é absorvida e o paciente sofre o trauma. É a fase do atendi-
energia nervosa. mento pré-hospitalar, que inclui o tempo de resposta, o “Período de
Esterno: Osso ímpar, longo, achatado, que forma a parte mé- Ouro” e a análise do chamado.
dia da parede anterior do tórax e se articula em cima com as clavícu- Fase pré-evento: Fase que inclui todos os eventos que prece-
las e nos lados com as cartilagens dos sete pares superiores das cos- dem o incidente (p.ex., ingestão de drogas e álcool) e condições
telas. Consiste em três partes: o manúbrio, a superior; o mesosterno, anteriores ao incidente (p.ex., problemas médicos agudos ou pree-
a média, e o xifóide. xistentes). Esta fase inclui a prevenção do trauma e a preparação.
Estiramento: Lesão em que os ligamentos são esticados ou Ferimento penetrante: Trauma em que um objeto penetra a
mesmo parcialmente rompidos. pele. Geralmente produz tanto uma cavidade temporária quanto
Estribo: Espécie de degrau abaixo da entrada de carruagem, permanente.
locomotiva, automóvel etc. O ossículo mais interno de uma cadeia Fi02: Fração de oxigênio do ar inspirado representada em
de quatro ossículos do ouvido dos mamíferos, que tem a forma de decimal. FiO2 de 0,85 significa que 85 centésimos ou 85% do ar
um estribo; estapédio. inspirado é oxigênio.
Eucapnia: Nível normal de dióxido de carbono no sangue. Fisiopatologia: Estudo de como os processos fisiológicos
Evaporação: Mudança do estado líquido para o estado gaso- normais são alterados pela doença ou por lesão.
so. Fletido: dobrado.
Evisceração: Saída de parte do intestino ou de outro órgão Flexão: Movimento de inclinação ao redor de uma articula-
abdominal através de um ferimcnto, para fora da cavidade abdomi- ção, que diminui o ângulo entre os ossos dessa articulação. Na regi-
nal. ão cervical, é uma inclinação da cabeça para a frente, que aproxima
Exame primário: Avaliação inicial das vias aéreas, ventilação, o queixo do esterno.
circulação, estado neurológico e exposição e controle do ambiente Flexão cervical: Movimento da cabeça para a frente ou para
para identificar e tratar qualquer lesão com risco de morte. baixo, o que dobra o pescoço.
Exame secundário: Avaliação do paciente traumatizado da Fluido intersticial: Fluido extracelular localizado entre a pare-
cabeça aos pés. Essa avaliação é feita somente depois que o exame de celular e a parede capilar.
primário foi completado e as lesões com risco de morte imediata já Fluido intracelular: Líquido dentro das células.
foram tratadas; nos pacientes graves, em geral é feito já a caminho Fontanela: Cada um dos intervalos ligados por estruturas
do hospital. membranosas, entre os ossos do crânio dos fetos e crianças peque-
Exame sensitivo: Avaliação rápida da resposta sensitiva, para nas; moleira.
determinar se ocorreu perda da sensibilidade, em cada uma das qua- Forame (Óstio): Pequena abertura.
tro extremidades. Forame magno: Abertura na base do crânio.
Exógeno: Originado ou produzido no exterior do organismo, Forame vertebral: Abertura no corpo vertebral.
que pode causar efeitos interiores, além dos externos. Forames intervertebrais: Pequenos orifícios por onde passam
Expiração: Tempo da respiração, que consiste na expulsão os nervos, na região ínfero-lateral das vértebras.
pelas vias respiratórias dos produtos da decomposição e transforma- Fossas nasais: Aberturas do nariz que permitem a passagem
ção do ar inspirado. do ar do meio externo para a garganta. A região anterior é chamada
Expor: Por à vista; apresentar, mostrar. Deixar a descoberto. de narina, enquanto que, posteriormente, as coanas se comunicam
Expurgo: Área onde se acumulam as sujidade hospitalares. com a orofaringe.
Área de acesso restrito própria para desprezar material contaminado. Fratura: Osso quebrado. Uma fratura simples é fechada, ou
seja, não tem comunicação com a pele. Uma fratura exposta é aque-

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la em que a lesão inicial ou a extremidade do osso quebrado causou Herniação tentorial: Normalmente, o cérebro é supratentorial.
ferida aberta no local da fratura ou próximo dela. Uma fratura comi- Quando parte do cérebro é empurrada para baixo através da incisura,
nutiva tem um ou mais fragmentos ósseos soltos. devido ao aumento da pressão intracraniana, ocorre herniação tento-
Fratura de base do crânio: Fratura do assoalho do crânio. rial.
Fratura de Colles: Fratura do punho. Se a vítima cair para a Hipercarbia: Aumento do nível de dióxido de carbono no
frente em cima das mãos estendidas, na tentativa de amortecer a organismo.
queda, isso pode resultar em “deformidade do garfo de prata”. Hiperemia: Excesso de sangue em qualquer parte da superfí-
Fratura exposta: Fratura de osso em que há perda da integri- cie do corpo, como, por exemplo, o rubor facial.
dade da pele adjacente. Hiperextensão: Extensão extrema ou anormal. Posição de
Fratura fechada: Fratura de osso sem lesão da pele adjacente. extensão máxima. A hiperextensão do pescoço ocorre quando a
Função pulmonar: Vias aéreas pérvias e controladas, ventila- cabeça é estendida para trás, além da posição neutra, podendo resul-
ção, difusão e perfusão, que resultam em sangue arterial com oxige- tar em fratura ou luxação de vértebra ou em lesão medular em paci-
nação adequada para o metabolismo aeróbio e nível adequado de entes com coluna instável.
dióxido de carbono para manutenção do equilíbrio ácido-básico. Hiperflexão: Flexão anormal ou extrema. Posição de flexão
Genitália: Órgãos genitais; órgãos de reprodução. máxima. A hiperflexão do pescoço pode provocar a fratura ou luxa-
Geriátrico: Associado ao envelhecimento e ao diagnóstico e ção de vértebra ou a lesão medular em pacientes com coluna instá-
tratamento de lesões e doenças que afetam os idosos. vel.
Gestante: Que encerra em si o embrião. Que está em gestação. Hipertensão: Tensão arterial acima da normal.
Glúteo: Que se refere às nádegas. Cada um de três músculos Hipertensão essencial: Hipertensão sem causa conhecida.
das nádegas, que se dirigem do ilíaco à parte posterior do fêmur para Hipertensão intracraniana: Aumento da pressão intracrania-
fazer a abdução da coxa, chamados, respectivamente, grande glúteo, na.
pequeno glúteo e médio glúteo. Hipertermia: Temperatura corporal anormalmente elevada;
Grumo: Pequeno coágulo de albumina, fibrina ou caseína. febre alta.
Grânulo; nódulo. Hipertônico (a): Líquido ou solução que tem pressão osmóti-
Hematoma: Acumulação de sangue localizada, que resulta de ca maior que a plasmática.
uma contusão ou de ruptura de varizes. Hiperventilação: Aceleração do ritmo respiratório.
Hematoma epidural (extradural): Sangramento arterial que Hiperventilação neurogênica central: Padrão respiratório
fica coletado entre o crânio e a dura-máter. patológico, rápido e superficial, associado à lesão craniencefálica
Hematoma subdural: Coleção de sangue entre a dura-máter e com aumento da pressão intracraniana.
a membrana aracnóide. Hipofaringe: A porção mais baixa da faringe que se continua
Hemianestesia: Perda de sensibilidade em um lado do corpo. anteriormente com a laringe e posteriormente com o esôfago.
Hemiparesia: Fraqueza muscular limitada a um lado do cor- Hipoglicemia: Condição anormal, caracterizada pela quanti-
po. dade diminuída de glicose no sangue.
Hemiplegia: Paralisia de um lado do corpo. Hipoperfusão: Perfusão inadequada das células com sangue
Hemodinâmica: Parte da Fisiologia que trata dos fenômenos bem oxigenado.
mecânicos da circulação sanguínea. Hipóstase: Sedimento de um líquido. Hiperemia por depósito,
Hemoglobina: Molécula das hemácias responsável pelo trans- devida à circulação fraca do sangue, como acontece nas partes dor-
porte de oxigênio. sais do pulmão de pessoas acamadas ou num braço ou perna pen-
Hemopericárdio: Acúmulo de sangue dentro do espaço peri- dente.
cárdico, que pode levar a tamponamento pericárdico. Hipotênar: Relativo ou pertencente à, ou que constitui a parte
Hemorragia: Sangramento. Significa também perda de gran- proeminente da palma da mão sobre a base do dedo mínimo.
de quantidade de sangue, em um curto espaço de tempo, para fora Hipotensão: Pressão arterial baixa.
ou para dentro do corpo. Hipotermia: Temperatura corpórea central abaixo dos valores
Hemorragia subaracnóide: Sangramento para o espaço ocu- normais (em geral entre 26ºC e 32ºC).
pado pelo líquido cefalorraquidiano. Hipovolemia: Volume sanguíneo inadequado (abaixo do
Hemotórax: Acúmulo de sangue na cavidade torácica, em valor normal).
consequência de traumatismo, tuberculose aguda ou tumor maligno. Hipóxia (hipoxemia): Deficiência de oxigênio. Disponibilida-
de inadequada de oxigênio. Oxigenação deficiente dos pulmões

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devido à inadequação do volume minuto inadequado (troca de ar passagem de oxigênio ou de gás anestésico. É a melhor forma de
nos pulmões) ou à diminuição da concentração de oxigênio no ar garantir o controle definitivo das vias aéreas nos traumatizados.
inspirado. Hipóxia celular significa oxigenação celular inadequada. Ipsilateral: Do mesmo lado.
Homeostase: Ambiente interno estável e constante. Equilíbrio Isquemia: Deficiência local e temporária de suprimento san-
necessário para o bom funcionamento dos fenômenos vitais. guíneo, causada pela obstrução da circulação para um tecido ou para
Iminente: Que ameaça acontecer em breve. uma parte do corpo.
Imobilização anatômica: Imobilização do paciente em pran- Laceração: Dilacerar(-se), rasgar(-se): Lacerar as vestes, lace-
cha rígida, em posição supina, fixando-o à prancha. rar a pele.
Impacto rotacional: Ocorre quando um veículo bate na frente Laceração medular: Ocorre quando o tecido medular é lace-
ou na traseira de outro veículo, levando·o a rodar para longe do pon- rado ou seccionado.
to de impacto. Ocorre também quando um canto do veículo se cho- Lactente: Criança entre quatro semanas e dois anos.
ca com um objeto fixo ou com um objeto que se move mais lenta- Lesão: Ato ou efeito de lesar. Dano, prejuízo. Pancada, contu-
mente ou no sentido oposto ao do veículo, resultando na rotação são. Designação geral de todas as alterações patológicas dos órgãos
deste. e dos tecidos.
Incidente com múltiplas vítimas: Evento (como acidente de Lesão cerebral primária: Trauma direto no cérebro e lesões
avião, desabamento de um prédio ou incêndio) que causa um grande vasculares associadas.
número de vítimas por um único mecanismo, em um único lugar e Lesão cerebral secundária: Extensão da magnitude da lesão
ao mesmo tempo. cerebral primária, por fatores que resultam em déficit neurológico
Índice de estresse pelo calor: Combinação da temperatura maior e mais permanente.
ambiente com a umidade relativa. Lesão por contragolpe: Lesão de partes do cérebro localiza-
Infarto: Variação de enfarte. Ato ou efeito de enfartar ou en- das no lado oposto ao da lesão primária.
fartar-se. Necrose de coagulação, circunscrita, de um órgão (o cora- Lesão por golpe: Lesão no cérebro, localizada no mesmo lado
ção, p ex), em consequência da obliteração de uma artéria. do ponto de impacto.
Ingurgitamento: Aumento do volume e de consistência de Lesões por compressão: Lesões causadas por forças intensas
um órgão provocado por acúmulo de sangue. de esmagamento e compressão; podem ocorrer em estruturas exter-
Inspiração: Movimento de dilatação da cavidade torácica, que nas do organismo ou em órgãos internos.
tem como consequência a entrada de ar para os pulmões. Lesões primárias das explosões: Lesões causadas pela onda
Insuflar: Encher de ar, tornar túrgido assoprando. Introduzir de pressão das explosões (p.ex., sangramento pulmonar, pneumotó-
por meio de sopro. rax, perfuração do trato gastrointestinal).
Integridade: Qualidade de inteiro, completo. Lesões secundárias das explosões: Lesões que ocorrem quan-
Intermação: Reação aguda e perigosa associada à exposição do a vítima é atingida por fragmentos de vidro, fragmentos de arga-
ao calor, caracterizada por temperatura corpórea elevada. massa ou outros fragmentos da explosão.
Intervalo lúcido: Período de nível de consciência normal, Lesões terciárias das explosões: Terceiro grupo de lesões que
entre períodos de desorientação, inconsciência ou doença mental. ocorrem em uma sequência (ou padrão) de eventos traumáticos,
Intoxicação: Ato ou efeito de intoxicar. Introdução de uma como as explosões. São as lesões que ocorrem quando a vítima se
substância tóxica no organismo. Intoxicação alimentar: desordem torna um míssil e é atirada contra algum objeto. Essas lesões são
gastrintestinal aguda, causada por alimentos inerentemente veneno- semelhantes às encontradas em ejeções de automóveis, quedas de
sos ou, mais comumente, por alimentos contaminados com certas grande altura ou quando a vítima é jogada contra um objeto pela
bactérias, especialmente estafilococos e salmonelas. Intoxicação força de onda resultante de uma explosão. As lesões terciárias geral-
saturnina: intoxicação crônica produzida pela absorção de chumbo mente são lesões evidentes.
no sistema sanguíneo e caracterizada por anemia, dores espasmódi- Letargia: Sonolência mórbida. Estado de sono profundo que
cas agudas, linha azul de sangue nas gengivas e paralisia muscular se observa em várias doenças mentais e principalmente na doença
local; também chamada plumbismo e saturnismo. Variação: intoxi- do sono. Estado de inércia ou indiferença; apatia. Indolência, pregui-
camento. ça.
Intubação: Passagem de um tubo por uma abertura do corpo. Ligamento: Faixa de tecido fibrótico resistente, que liga osso
Intubação traqueal: Introdução de uma cânula para respirar, com osso.
pela boca ou pelo nariz, até a traquéia, que serve como via para a Líquido cefalorraquidiano (LCR): Líquido encontrado no
espaço subaracnóideo e na bainha da dura·máter; atua absorvendo

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choques, o que protege o encéfalo e a medula espinhal de impactos Nervo vago: Décimo par craniano (X); quando estimulado,
de aceleração e desaceleração. faz diminuir a frequência cardíaca, quaisquer que sejam os níveis de
Líquido pleural: Líquido que cria uma tensão superficial entre catecolaminas. Possui funções motoras e sensitivas e inerva uma
as duas membranas pleurais e as mantém aderidas. área maior que os outros nervos dos pares cranianos.
Líquido sinovial: Líquido que fica dentro das articulações. Nó sinoatrial: Nó presente na junção da cava superior com o
Luxação: Saída da extremidade de um osso para fora da sua átrio direito; é tido como marca-passo ou desencadeador dos bati-
cavidade articular; desconjuntamento de uma articulação. mentos cardíacos. Em pacientes saudáveis, o impulso a partir deste
Máscara unidirecional com reservatório: Máscara de oxigê- nó causa contração atrial, torna-se mais lento e, em seguida, leva à
nio com reservatório e válvulas unidirecionais que permitem a saída contração dos ventrículos.
do ar exalado. Fornece altas concentrações de oxigênio para o paci- Olhos de guaxinim (equimose periorbitária): Área equimóti-
ente (85-100%), quando acoplada a uma fonte de alto fluxo de oxi- ca bem distinta ao redor dos olhos, delimitada pelas margens orbitá-
gênio. rias.
Mecanismo de desaceleração rápida: Série de três colisões Orifício natural: Abertura natural.
que ocorrem quando um veículo cessa subitamente seu movimento Orofaringe: Porção central da faringe, entre o palato mole e a
para a frente. Colisão (1) do veículo, (2) do ocupante dentro do veí- porção superior da epiglote.
culo e (3) dos órgãos internos do ocupante. Osmose: Movimento da água (ou de outro solvente), através
Mediastino: Porção média da cavidade torácica que contém o de uma membrana, do uma região hipotônica para uma hipertônica.
coração, os grandes vasos, a traquéia, os brônquios principais e o Osteoporose: Perda da densidade óssea normal com adelgaça-
esôfago. mento do tecido ósseo e crescimento de pequenas cavidades no
Meninges: Três membranas que envolvem o tecido cerebral e osso. O distúrbio pode causar dores (sobretudo na região lombar),
a medula espinhal. fraturas ósseas frequentes, diminuição da altura do indivíduo e várias
Metabolismo: Soma de todas as transformações físicas e quí- deformidades. Muitas vezes, é parte do processo de envelhecimento.
micas que ocorrem dentro de um organismo; todas as transforma- Oxímetro de pulso: Aparelho que fornece a medida da satura-
ções de energia e de substrato que ocorrem dentro das células vivas. ção arterial da hemoglobina. Funciona medindo a razão de absorção
Metabolismo aeróbio: Metabolismo dependente de oxigênio, entre luz vermelha e infravermelha que passa através dos tecidos.
que é o principal processo de combustão do organismo. Palpação: Forma de exame físico do paciente, que consiste
Metabolismo anaeróbio: Metabolismo que não utiliza oxigê- em aplicar os dedos de uma ou de ambas as mãos, com pressão leve
nio. em qualquer região do corpo humano para detectar alguma anorma-
Midríase: Paralisia da íris. Aumento dos diâmetros da pupila. lidade.
Miocárdio: Camada média e mais espessa da parede do cora- Para-anestesia: Perda de sensibilidade nas extremidades infe-
ção; é constituída pelo músculo cardíaco. riores.
Miose: Contração permanente da pupila. Paramentar: Vestir-se com os equipamentos de proteção
Movimento de aceleração: Início ou aumento súbito de movi- contra infecção como luvas, máscara, óculos, avental, etc.
mento (p.ex., na transferência de movimento em uma colisão de Paraplegia: Paralisia das extremidades inferiores.
impacto posterior); ocorre quando um objeto em movimento mais Paresia: Fraqueza localizada ou paralisia parcial (subtotal),
lento ou em repouso é atingido por trás. que pode estar relacionada com inflamação ou lesão de nervo.
Movimento paradoxal: Movimento causado pela combinação Parturiente: Mulher que está prestes a parir (dar à luz).
de uma pressão intratorácica baixa, com uma pressão atmosférica Pélvica: Relativo à pelve. Apresentação pélvica: apresentação
mais elevada, o que faz com que levando a movimentação de um de nádegas (parto).
segmento de tórax solto se mova para dentro, em vez de se movi- Perfusão: Passagem de líquido por um órgão ou parte do
mentar para fora, durante a inspiração. corpo. Também se usa para definir o fato de um tecido ou célula
Nasofaringe: A porção superior das vias aéreas, situada acima serem circundados ou banhados pelo sangue ou pelo plasma.
do palato mole. Pericárdio: Membrana dura, fibrosa, flexível, mas inelástica,
Necrose: Morte de um tecido ou de um órgão, quando ainda que envolve o coração.
fazendo parte do organismo vivo. Período de Ouro: Período de tempo até que o paciente receba
Nervo oculomotor: Terceiro par craniano; controla a constri- o tratamento definitivo, para que sua evolução seja a melhor possí-
ção das pupilas. vel.
Peritônio: Revestimento da cavidade abdominal.

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Peritonite: Inflamação do peritônio. do extensão nas costas e nas extremidades inferiores, enquanto os
Permeável: Diz-se dos corpos que deixam passar através de braços ficam fletidos com os punhos fechados.
seus poros outros corpos, tais como fluidos, líquidos, gases. Postura em descerebração: Postura característica presente em
Pia-máter: Fina membrana. muito vascularizada, intimamente indivíduo com rigidez de descerebração. Quando é aplicado um
aderida ao cérebro, à medula espinhal e às porções proximais dos estímulo doloroso, as extremidades ficam rígidas e estendidas, e a
nervos. É a mais interna das três membranas meníngeas que envol- cabeça, retraída. É uma das posturas patológicas (respostas) associa-
vem o cérebro. das a aumento da pressão intracraniana.
Placenta: Órgão mole e esponjoso que se forma no interior do Prematuro: Que chega antes do tempo normal: Morte prema-
útero, no curso da gestação, e pelo qual se estabelece comunicação tura. Diz-se da criança que nasce antes do termo normal de gestação.
nutritiva entre o organismo materno e o feto por intermédio do cor- Que se realiza antes da ocasião própria: Diligência prematura. Ante-
dão umbilical. cipado, extemporâneo.
Pleura: Fina membrana que reveste internamente a cavidade Presbiopia: Dificuldade de distinguir bem objetos próximos,
torácica e os pulmões. A parte que reveste a cavidade torácica é que ocorre com a idade.
chamada de pleura parietal; a parte que reveste os pulmões é cha- Pressão arterial média: Pressão média no sistema vascular,
mada de pleura visceral. estimada pela adição de um terço da pressão de pulso à pressão dias-
Pleura parietal: Fina membrana que reveste internamente a tólica.
cavidade torácica. Pressão arterial sistólica: Pico de pressão arterial produzido
Pleura visceral: Fina membrana que recobre a superfície ex- pela contração ventricular (sístole).
terna de cada pulmão. Pressão de perfusão cerebral (PPC): A diferença entre a
Pneumotórax: Acúmulo de ar no espaço pleural; associa-se pressão arterial média (PAM) e a pressão intracraniana (PIC).
muitas vezes a colapso do pulmão. Um pneumotórax pode ser aber- Pressão de pulso: Aumento na pressão que ocorre toda vez
to, quando há lesão da parede torácica que permite comunicação que um volume de sangue deixa o ventrículo esquerdo. É a diferen-
com o meio externo, ou fechado, que pode resultar de trauma ou ser ça entre a pressão sistólica e a diastólica (pressão sistólica — pressão
espontâneo. diastólica = pressão de pulso).
Pneumotórax aberto: Ferimento penetrante no tórax, que Pressão diastólica: Pressão de repouso entre as contrações
provoca uma abertura na parede torácica, que se torna uma via pre- ventriculares, medida em milímetros de mercúrio (mm Hg).
ferencial de fluxo de ar do meio externo para o interior do tórax. Pressórica: Relativo à pressão arterial.
Também é chamado de ferida torácica aspirativa. Priapismo: Ereção do pênis, dolorosa e geralmente mantida
Pneumotórax hipertensivo: Condição em que a pressão do ar por longo período de tempo. Entre outras causas, pode ser causado
no espaço pleural excede a pressão atmosférica e o ar não consegue por cálculo renal ou por lesão de coluna vertebral.
escapar. O lado acometido fica hiperinsuflado, comprimindo o pul- Processo espinhoso: Estrutura semelhante a uma cauda na
mão e deslocando o mediastino, a ponto de colapsar parcialmente o região posterior das vértebras.
pulmão do outro lado. O pneumotórax hipertensivo é em geral pro- Prótese: Substituição de um órgão ou parte do corpo por uma
gressivo e leva a risco iminente de morte. peça artificial. Órgão ou parte do corpo artificiais, tais como um
Posição de Trendelenburg: Posição em que a cabeça do paci- olho, uma perna, a dentadura.
ente fica mais baixa e os membros inferiores mais altos. Em geral, é Proximal: O mais perto do centro, da origem ou da cabeça.
obtida elevando-se a extremidade inferior da prancha rígida (onde Pulso paradoxal: Situação em que a pressão sistólica do paci-
ficam os membros inferiores) acima do nível da cabeça. Nesta posi- ente cai mais do que 10 a 15 mm Hg, durante a inspiração. Geral-
ção (com o abdome mais alto que o tórax), o peso do conteúdo ab- mente é devido a aumento da pressão intratorácica.
dominal comprime o diafragma, provocando alguma dificuldade Putrefação: Ato ou efeito de putrefazer; apodrecimento, putri-
ventilatória. A posição de Trendelenburg modificada, com a cabeça dez. Estado do que está putrefato; podridão. Decomposição a que os
e o tronco na horizontal e apenas os membros inferiores elevados, corpos organizados ficam sujeitos depois de se lhes extinguir a vida
pode minimizar os problemas ventilatórios. própria.
Posterior: Que está ou vem depois; ulterior. Situado atrás; que Queimadura de espessura parcial (segundo grau): Queima-
ficou atrás. dura que atinge a epiderme e a derme. A pele apresenta áreas aver-
Postura em decorticação: Postura patológica característica do melhadas, com bolhas ou com feridas úmidas, exsudativas.
paciente com aumento da pressão intracraniana. Quando é aplicado Queimadura química: Queimadura que ocorre quando a pele
um estímulo doloroso, a vítima fica parada com rigidez, apresentan- entra em contato com diversos agentes cáusticos.

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Queimadura superficial (primeiro grau): Queimadura ape- Rolamento: Movimento de tombamento. Projéteis geralmente
nas da epiderme; a pele fica vermelha, inflamada e dolorosa. tombam, quando a parte da frente encontra resistência.
Queimaduras de espessura total (terceiro grau): Queimadura Rolamento em bloco: Forma de virar uma pessoa que pode
da epiderme, derme e tecido subcutâneo (possivelmente mais pro- ter lesão de coluna vertebral para um lado, ou para outro, ou comple-
fundo). A pele pode parecer carbonizada ou semelhante ao couro, tamente, protegendo manualmente a coluna vertebral de algum mo-
podendo apresentar sangramento. vimento excessivo e perigoso. Usado para colocar o paciente com
Radiação: Transferência direta de energia de um objeto quen- suspeita de instabilidade de coluna sobre a prancha rígida.
te para outro mais frio, por meio de radiação infravermelha. Rotura diafragmática (hérnia diafragmática); Laceração ou
Reação aguda simpática ao estresse: Resposta de luta ou corte do diafragma, que cria uma comunicação entre a cavidade
fuga, na qual há estimulação das funções orgânicas e a dor fica mas- abdominal e o tórax, permitindo que o conteúdo abdominal entre na
carada. cavidade torácica. Geralmente resulta do aumento da pressão intra-
Reação parassimpática aguda de estresse; Resposta que abdominal, que rompe o diafragma.
torna as funções orgânicas mais lentas, podendo levar à síncope. Ruptura: Ação ou feito de romper. Solução de continuidade;
Reanimação: Ato ou efeito de reanimar ou de se reanimar. corte, interrupção. Solução de continuidade formada espontanea-
Recém-nascido: Criança desde o nascimento até quatro sema- mente ou produzida pela contração muscular.
nas de vida (28 dias). Ruptura da aorta: Laceração completa ou parcial de uma ou
Reflexo consensual: Constrição reflexa de uma pupila quando mais camadas da parede da aorta.
o outro olho é exposto a urna luz intensa. A ausência deste reflexo é Secção incompleta de medula: Lesão da medula espinhal, na
considerada sinal sugestivo de lesão cerebral ou ocular. qual alguns tratos e alguma função motora/sensitiva permanecem
Regra dos nove: Divisão topográfica do corpo (na maioria das intactos.
vezes em partes de 9 % e 18 %), a fim de estimar a extensão da su- Segmento: Parte, porção, seção de um todo. Parte de um ór-
perfície corpórea que sofreu queimadura. gão; segmento ou porção do corpo, limitada por septos ou constri-
Resistência vascular sistêmica (RVS): Resistência total ao ções.
fluxo de sangue através dos vasos. Aumenta de acordo com o grau Segregação: Ato ou efeito de segregar ou segregar-se; secre-
de contração dos vasos. Qualquer alteração no diâmetro da luz ou na ção.
elasticidade dos vasos pode influenciar a resistência vascular sistêmi- Segurança: Avaliação de todos os possíveis perigos, para ter
ca. uma garantia razoável de que não mais existem ameaças ou riscos.
Respiração: Todas as etapas ventilatórias e circulatórias en- Senescência: Processo de envelhecimento.
volvidas na troca de oxigênio e dióxido de carbono entre a atmosfera Sensibilidade à isquemia: Sensibilidade das células de um
e as células do corpo. Às vezes, em medicina, o termo é usado para tecido à falta do oxigênio; utilidade do metabolismo anaeróbio antes
se referir apenas às etapas da ventilação, a inspiração e a expiração. de ocorrer morte celular.
Respiração atáxica: Respiração errática, sem ritmo. Associa- Sepse: Infecção muito grave.
se tipicamente à lesão craniencefálica e ao aumento da pressão intra- Simetria: Proporção correta das partes de um corpo ou de um
craniana. todo entre si, quanto a tamanho e forma.
Respiração de Cheyne·Stokes: Padrão ventilatório patológico Sinal: Indício, marca, vestígio. Qualquer fenômeno aparente
com períodos de respiração superficial e lenta, aumentando para por meio do qual se chega ao conhecimento das causas morbíficas.
uma respiração rápida e profunda, que volta depois a ser superficial e Sinal de Battle: Alteração da cor da região atrás e discreta-
lenta, seguida de um período curto de apnéia. Associa-se frequente- mente abaixo das orelhas (região mastóidea), devido a sangramento
mente a lesão cerebral traumática e a aumento da pressão intracrani- para o tecido subcutâneo, causada por fratura da região occipital da
ana. base do crânio.
Resposta de luta ou fuga: Resposta de defesa do sistema ner- Síndrome anterior da medula: Condição neurológica que
voso simpático que simultaneamente acelera os batimentos cardía- resulta da presença de fragmentos ósseos ou de compressão das
cos e aumenta a força de contração do coração, contrai as artérias artérias medulares.
para elevar a pressão arterial e aumenta a frequência respiratória. Síndrome central da medula: Condição neurológica que
Respiração externa: Transferência de moléculas de oxigênio ocorre usualmente na hiperextensão da região cervical.
da atmosfera para o sangue. Síndrome compartimental: Isquemia e comprometimento
Respiração interna: Movimento ou difusão das moléculas de circulatório que podem ocorrer em decorrência de lesão vascular; o
oxigênio dos glóbulos vermelhos para as células.

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edema celular produz aumento da pressão em um compartimento Subtriagem: Problema que ocorre quando pacientes traumati-
fechado fascial. zados graves não são reconhecidos como tais, sendo inadequada-
Síndrome da angústia respiratória aguda (SARA): Insufici- mente encaminhados para centros não especializados em trauma.
ência respiratória causada por lesão dos capilares do pulmão, que Tamponamento pericárdico: Compressão do coração por
leva a extravasamento de líquido para o espaço intersticial e para os sangue coletado no saco pericárdico, que envolve o músculo cardía-
alvéolos. co (miocárdio); também chamado de tamponamento cardíaco.
Síndrome da hipotensão supina: Diminuição da pressão Taquicardia: Pulsação acelerada; frequência excessiva das
arterial causada pela compressão da cava pelo útero, no terceiro pulsações, durante exercícios corporais, depois de refeição abundan-
trimestre da gravidez. te e, normalmente, nas pessoas débeis e convalescentes.
Síndrome de Brown-Séquard: Condição neurológica decor- Taquipnéia: Aumento da frequência respiratória.
rente de ferimento penetrante que resulta na secção de um dos lados Tecido subcutâneo: Camada da pele logo abaixo da derme,
da medula espinhal. que é uma combinação de tecido elástico e fibroso, além de depósito
Síndrome de Don Juan: Padrão que em geral ocorre quando de tecido gorduroso.
a vítima cai ou pula de uma grande altura e são os pés que atingem Tempo resposta: Tempo decorrido entre o momento em que o
primeiro o chão. Associa-se frequentemente à fratura bilateral de incidente ocorre até a chegada ao local do serviço de emergência.
calcâneo (osso do calcanhar). Depois de os pés atingirem o chão e Tênar: Massa muscular da palma da mão, na base do polegar.
pararem de se mover, o corpo é forçado a fletir-se pelo peso da cabe- Tendão: Faixa de tecido resistente, inelástico e fibrótico que
ça, do tronco e da pelve, todos ainda em movimento, o que pode liga o músculo ao osso.
causar fraturas, por compressão, da coluna vertebral torácica e lom- Tetraplegia: Paralisia dos quatro membros.
bar. Tipóia: Lenço ou tira de pano, presa ao pescoço, para susten-
Sintoma: Fenômeno das funções ou da constituição material tar o braço ou a mão doente.
dos órgãos, próprio para indicar a existência, a sede e a natureza de Tônico: Que dá tensão, tônus.
uma enfermidade. Tórax (cavidade torácica): Cavidade cilíndrica sustentada por
Sistema imune: Conjunto de respostas de vários órgãos, rela- 12 pares de costelas, que se articulam posteriormente com a coluna
cionadas entre si, que protege o corpo contra organismos patogêni- torácica; sendo que 10 desses pares articulam-se anteriormente com
cos, corpos estranhos e cânceres. Os principais componentes do o esterno. Os dois últimos pares (inferiores) de costelas estão presos
sistema de resposta imune são a medula óssea, o timo, o tecido lin- apenas posteriormente (às vértebras) e são chamados de costelas
fóide, o baço e o fígado. flutuantes. A cavidade torácica é definida e limitada inferiormente
Sistema nervoso parassimpático: A parte do sistema nervoso pelo diafragma.
que mantém normais as funções orgânicas. Tórax instável: Tórax com um segmento instável por várias
Sistema nervoso simpático: Parte do sistema nervoso respon- fraturas de arcos costais, em duas ou mais regiões, ou incluindo
sável pela reação de luta ou fuga. fratura de esterno.
Sístole: Período da contração do coração ou a própria contra- Torpor: Falta de ação ou de energia física; entorpecimento.
ção. Estado em que a sensibilidade, a motilidade e a atividade psíquica
Situação: Eventos, relações e o papel de cada pessoa que, estão reduzidas de tal forma que o paciente não tem consciência
juntamente com o paciente, estiveram envolvidos em uma ocorrên- exata do que se passa em torno dele ou com ele.
cia. A situação (p.ex., brigas domésticas, acidente com um único Toxemia: Distribuição por todo o corpo de produtos tóxicos
carro sem motivo aparente, pessoa idosa morando sozinha, tiroteio) de bactérias (toxinas) que crescem em um foco ou local definido.
é importante na avaliação da cena. Tração da mandíbula: Manobra que permite que o socorrista
Sobretriagem: Problema causado pelo transporte de pacientes abra as vias aéreas de um paciente traumatizado, enquanto a cabeça
com lesões mínimas ou sem lesões para centros de trauma. e a coluna cervical são manualmente mantidas imóveis, em posição
Sonda de aspiração rígida: Sonda rígida, apropriada para alinhada e neutra.
remover rapidamente grande quantidade de líquido, vômito, sangue Tração da mandíbula no trauma: Manobra que permite a
e restos da boca e da faringe, para evitar que o paciente aspire. abertura das vias aéreas com pouco ou nenhum movimento da cabe-
Subcutâneo: Que está por baixo da cútis; intercutâneo. Que é ça e da coluna cervical. A mandíbula é empurrada para a frente,
praticado abaixo da pele: Injeção subcutânea. colocando-se um polegar em cada arco zigomático e posicionando-
se os indicadores e o dedo médio abaixo do ângulo da mandíbula.

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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
Diretoria de Ensino e Instrução 389
Manual de Atendimento Pré-hospitalar

Trajetória por baixo: Quando um veículo cessa seu movi- de limites aceitáveis. Um estímulo vagal acidental, no entanto, pode
mento para a frente, o ocupante geralmente continua a mover-se causar bradicardia indesejável, reduzindo ainda mais o débito cardía-
para baixo em direção ao assento e para a frente em direção ao pai- co e a circulação.
nel do veículo ou à coluna do volante. Veia: Designação dos vasos sanguíneos que, partindo dos
Trajetória por cima: Movimento do corpo para a frente, sen- capilares, levam o sangue destes até o coração.
do jogado para cima, por cima do volante; o tórax e o abdome nor- Ventilação: Entrada e saída de ar pelos pulmões, na respiração
malmente se chocam com o volante, enquanto a cabeça se choca normal. Processo mecânico pelo qual o ar da atmosfera entra pela
contra o para-brisa. Na posição semi-sentada, comum em veículos boca ou pelo nariz, passa pela faringe, laringe, traquéia, brônquios e
de passageiros, quando o movimento para baixo cessa pelo impacto entra e sai dos alvéolos. Ventilar um paciente é fornecer-lhe inspira-
dos joelhos no painel, o corpo continua com movimento para a fren- ções com pressão positiva, com auxílio de um aparelho, como bolsa-
te e para cima. Em alguns caminhões, onde o motorista fica sentado valva-máscara, e permitir que o paciente expire o ar passivamente,
praticamente na vertical, com os pés apoiados nos pedais, o movi- com pausas intercaladas. A ventilação assistida é utilizada nas víti-
mento para cima pode ocorrer desde o início. mas que estão em apnéia ou que não conseguem, sozinhas, ventilar
Transecção completa da medula: Todos os tratos espinhais adequadamente.
são interrompidos, sendo perdidas todas as funções medulares distal- Ventilação gástrica: Introdução indesejada de ar no esôfago e
mente à lesão. no estômago, em vez de nos pulmões.
Traqueostomia: Traqueotomia seguida da introdução de uma Ventilar: Fazer entrar o vento em; arejar, refrescar.
cânula na traquéia, para restabelecer comunicação com o exterior. Ventre: A cavidade do corpo humano ou animal, dentro da
Tratamento definitivo: Tratamento que resolve a doença ou qual estão os principais órgãos do aparelho digestório e genituriná-
lesão do paciente, depois de estabelecido o diagnóstico definitivo. rio; abdome. O útero. Porção mais espessa e carnuda de certos mús-
Tratamento final de que um determinado paciente necessita para a culos.
resolução de seu problema específico. Vértebra: Cada um dos 33 segmentos ósseos da coluna verte-
Trato respiratório: Via de circulação do ar entre o meio exter- bral.
no e os alvéolos; inclui as cavidades nasal e oral, a faringe, a laringe, Via aérea alternativa/reserva: Dispositivo de vias aéreas usa-
a traquéia, os brônquios e os pulmões. do quando não se consegue fazer a intubação traqueal normal; geral-
Trauma fechado: Trauma não penetrante que ocorre quando mente é inserido às cegas e fornece algum grau de proteção das vias
há formação de uma cavidade temporária no corpo, provocada por aéreas.
um objeto em movimento rápido com uma projeção frontal pequena Via aérea impérvia: Via aérea obstruída.
concentrando sua energia em uma área. Via aérea pérvia: Via aérea desobstruída, aberta, de tamanho
Triagem: Palavra francesa que significa “classificar”; proces- suficiente, para permitir a troca de volumes normais de ar.
so pelo qual um grupo de pacientes é selecionado de acordo com as Víscera: Designação genérica de qualquer órgão alojado em
prioridades e necessidades de atendimento. Quando há apenas algu- uma das três cavidades: a craniana, a torácica e a abdominal. Entra-
mas vítimas, a triagem é feita alternando-se o atendimento de vítima nhas, intestinos.
a vítima, tratando primeiramente as lesões de maior prioridade de Volume corrente: Volume normal de ar trocado em cada
todos os pacientes, passando depois para os problemas de menor ventilação (respiração). Cerca de 500 ml de ar são trocados entre os
prioridade. Quando há um grande número de vítimas, a triagem é pulmões e a atmosfera em cada respiração, no adulto normal em
feita levando em consideração tanto a urgência quanto a probabilida- repouso.
de de sobrevida. Volume minuto: Quantidade de ar trocado nos pulmões em
Tronco cerebral: Parte do cérebro, semelhante a um tronco, um minuto. É calculado multiplicando-se o volume de ar em cada
que conecta os dois hemisférios cerebrais à medula espinhal. ventilação (volume corrente) pelo número de ventilações por minuto
Tumoração: Presença de tumor que é definido como um (frequência respiratória).
aumento de volume desenvolvido numa parte qualquer do corpo. Volume residual: Ar que permanece dentro dos alvéolos e
Vagal: Relacionado com o estímulo do nervo vago (X, déci- brônquios e que não pode ser exalado, mesmo em uma expiração
mo par craniano). Resposta do sistema parassimpático que diminui a forçada.
frequência cardíaca e a força de contração do coração, mantendo o Volume sistólico: Volume de sangue bombeado pelo ventrí-
organismo dentro de limites viáveis. Normalmente, essa resposta é culo esquerdo em cada contração (sístole).
capaz de superar a ação das substâncias químicas liberadas pelo
sistema nervoso simpático, mantendo a frequência cardíaca dentro

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Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul
390 Diretoria de Ensino e Instrução
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Anexo I
Decreto Nº 5.055, de 27 de abril de 2004

I nstitui o Serviço de Atendimento Móvel de


Urgência — SAMU, em Municípios e regiões
do território nacional, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição, e

Considerando a realidade atual de morbimortalidade, relativo a todas as urgências, inclusive as relacionadas ao trauma e à violência;

Considerando que, nos termos do preceituado no art. 197 da Constituição e nos arts. 1º e 15º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990,
afigura-se de relevância pública a normatização da organização dos serviços públicos e privados de atenção às urgências;

Considerando a necessidade de estruturação, por parte do Poder Público, de rede regionalizada e hierarquizada de cuidados integrais às
urgências, de modo a desconcentrar a atenção efetuada exclusivamente pelos pronto-socorros; e

Considerando, ainda, a regulamentação, expedida pela Agência Nacional de Telecomunicações — ANATEL, sobre as Condições de
Acesso e Fruição dos Serviços de Utilidade Pública e de Apoio ao Serviço Telefônico Fixo Comutado;

DECRETA:

Art. 1º Fica instituído, em Municípios e regiões do território nacional, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência — SAMU, visando
a implementação de ações com maior grau de eficácia e efetividade na prestação de serviço de atendimento à saúde de caráter emergencial e
urgente.

Art. 2º Para fins do atendimento pelo SAMU, fica estabelecido o acesso nacional pelo número telefônico único — 192, que será disponi-
bilizado pela ANATEL exclusivamente às centrais de regulação médica vinculadas ao referido Sistema.

Art. 3º Os Municípios ou regiões que pretenderem aderir ao SAMU deverão formular requerimento aos Ministérios da Saúde e das Co-
municações, que decidirão, conjuntamente, sobre a assinatura de convênio para a disponibilização do número de acesso nacional, bem como a
definição dos procedimentos a serem adotados.

Art. 4º O Ministério da Saúde expedirá, no prazo de sessenta dias a contar da publicação deste Decreto, normas complementares perti-
nentes à implantação do SAMU.

Art. 5º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Humberto Sérgio Costa Lima

Eunício Oliveira
Anexo II
Resolução CFM Nº 1.671, de 09 de julho de 2003

D
CONSIDERANDO que os procedimentos delegados a profis-
sionais não-médicos podem ser estabelecidos pelo médico regulador
ispõe sobre a regulamentação do atendimento através de protocolos específicos, cabendo ao médico responsável
pré-hospitalar e dá outras providências. técnico da instituição a supervisão de todas as atividades do serviço;

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições con- CONSIDERANDO que os procedimentos iniciais de terapêu-
feridas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada tica, orientações de transferência e condutas quanto ao tratamento
pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e definitivo na rede hospitalar devem ser supervisionados por médico
no local ou através de sistema homologado de comunicação;
CONSIDERANDO que os Conselhos Federal e Regionais de
Medicina são os órgãos supervisores e disciplinadores da classe CONSIDERANDO que um adequado funcionamento do
médica, bem como fiscalizadores do exercício profissional médico, atendimento pré-hospitalar trará diminuição dos riscos em todos os
devendo, portanto, zelar pelas condições adequadas dos serviços agravos de urgência/emergência e o interesse público na minimiza-
médicos prestados à população; ção das sequelas em vítimas de traumas, com consequente redução
dos custos hospitalares;
CONSIDERANDO que a responsabilidade fundamental da
atividade médica é procurar preservar a vida, aliviar o sofrimento, CONSIDERANDO que o Conselho Federal de Medicina
promover a saúde e melhorar a qualidade e a eficácia do tratamento deve regulamentar e normatizar as condições necessárias para o
emergencial; pleno e adequado funcionamento dos serviços pré-hospitalares no
atendimento prestado à população, visando que neles o desempenho
CONSIDERANDO que o médico tem a obrigação de prote- ético-profissional da Medicina seja efetivo;
ger o paciente e não pode delegar a outro profissional nenhum ato de
sua exclusiva competência; CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plená-
ria realizada em 09/07/03,
CONSIDERANDO a necessidade da existência de serviços
pré-hospitalares para o atendimento da urgência/emergência, visan- RESOLVE:
do prestar assistência adequada à população;
Art. 1º Que o sistema de atendimento pré-hospitalar é um
CONSIDERANDO a definição de ATO MÉDICO, emanada serviço médico e, portanto, sua coordenação, regulação e supervisão
nos termos da Resolução CFM nº 1.627/2001; direta e a distância deve ser efetuada por médico, com ações que
possibilitem a realização de diagnóstico imediato nos agravos ocorri-
CONSIDERANDO que o diagnóstico é ato médico não- dos com a consequente terapêutica.
compartilhado e, portanto, atividade exclusiva de médico;
Art. 2º Que todo serviço de atendimento pré-hospitalar deverá
CONSIDERANDO que somente ao médico compete indicar, ter um responsável técnico médico, com registro no Conselho Regi-
prescrever e diagnosticar como meio de auxílio no tratamento dos onal de Medicina da jurisdição onde se localiza o serviço, o qual
sintomas de diversas doenças; responderá pelas ocorrências de acordo com as normas legais vigen-
tes.
CONSIDERANDO a jurisprudência sobre a matéria exarada
dos Tribunais Superiores (Rep.1056-2-DF-STF); Parágrafo único — Os serviços de atendimento pré-hospitalar
vinculados a estabelecimentos hospitalares deverão ter um médico
CONSIDERANDO que após ocorrido o agravo à saúde, nas responsável técnico específico.
ocorrências pré-hospitalares, impõe-se a necessidade de ser efetuado
diagnóstico imediato; Art. 3º Aprovar a “Normatização da Atividade na Área da
Urgência-Emergência na sua Fase Pré-Hospitalar”, que constitui o
CONSIDERANDO que, de acordo com o Decreto Lei nº ANEXO I da presente resolução.
20.391/32 e as Resoluções CFM nº 1.342/91 e 1.352/92, nenhum
estabelecimento de assistência médica pode funcionar sem um res- Art. 4º Esta resolução entra em vigor na data de sua publica-
ponsável médico; ção, sendo revogada a Resolução CFM nº 1.529/98 e demais dispo-
sições em contrário.
Brasília-DF, 9 de julho de 2003. regulador) que, quando pertinente, despachará o atendimento emer-
gencial para a unidade mais próxima, colhendo, ainda, informações
adicionais que poderão exigir a presença do médico no local. Igual-
EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE
mente, deverá ser possível repassar maiores informações, via rádio
Presidente
ou outro meio, à equipe da ambulância. Também deverá existir uma
rede de comunicação entre a Central e os hospitais conveniados,
RUBENS DOS SANTOS SILVA
para equacionar o encaminhamento do paciente. Considerando-se as
Secretário-Geral
particularidades regionais, os CRMs poderão normatizar sobre outro
modo de regulação médica.
“NORMATIZAÇÃO DA ATIVIDADE NA ÁREA DA UR-
GÊNCIA-EMERGÊNCIA NA SUA FASE PRÉ- 1. REGULAÇÃO MÉDICA
HOSPITALAR”
A chamada “regulação médica” das emergências é o elemento
DEFINIÇÃO E OBJETIVO ordenador e orientador da atenção pré-hospitalar. Faz o enlace com o
nível hospitalar e abarca duas dimensões de competência: a decisão
Consideramos como nível pré-hospitalar na área de urgência- técnica ante os pedidos de socorro e a decisão gestora dos meios
emergência aquele atendimento que procura chegar à vítima nos disponíveis.
primeiros minutos após ter ocorrido o agravo à sua saúde, agravo
1.1. A competência técnica do profissional médico é a de jul-
esse que possa levar à deficiência física ou mesmo à morte, sendo
gar e decidir sobre a gravidade de um caso que lhe está sendo comu-
necessário, portanto, prestar-lhe atendimento adequado e transporte
nicado por rádio ou telefone, enviar os recursos necessários ao aten-
a um hospital devidamente hierarquizado e integrado ao Sistema
dimento (com ou sem a presença do médico na ocorrência), monito-
Único de Saúde (SUS).
rar e orientar o atendimento feito por outro profissional de saúde
O serviço de atendimento pré-hospitalar pode ser constituído habilitado ou por médico intervencionista e definir e acionar o hospi-
por uma ou mais unidades de atendimento, dependendo da popula- tal de referência ou outro meio necessário ao atendimento. No caso
ção a ser atendida, mantendo uma relação mínima de uma ambu- de julgar não ser necessário enviar meios móveis de atenção, o mé-
lância para cada cem mil habitantes. Por unidade, entenda-se uma dico deverá explicar sua decisão e orientar o demandante do socorro
ambulância dotada de equipamentos, materiais e medicamentos, quanto a outras medidas que julgar necessárias, mediante orientação
guarnecida por uma equipe de pelo menos dois profissionais, além ou conselho médico que permitam ao demandante assumir cuidados
do condutor(a), treinados para oferecer suporte básico de vida sob ou ser orientado a buscá-los em local definido ou indicado pelo pro-
supervisão e condições de funcionamento pré-hospitalar. fissional médico. Em todo o caso, estamos tratando do exercício da
É importante frisar e definir que o sistema de atendimento pré- telemedicina, onde é impositiva a gravação contínua das comunica-
hospitalar é um serviço médico. Assim, sua coordenação, regulação ções, o correto preenchimento das fichas médicas de regulação e de
e supervisão direta e a distância deve ser efetuada unicamente por atendimento no terreno e o seguimento de protocolos institucionais
médico. consensuados e normatizados (tanto no setor público quanto no
privado) que definam os passos e as bases para a decisão do regula-
Na urgência-emergência deverá haver uma ação integrada dor. O protocolo de regulação deve ainda estabelecer, claramente, os
com outros profissionais, não-médicos, habilitados para prestar aten- limites do telefonista auxiliar de regulação médica, o qual não pode,
dimento de urgência-emergência em nível pré-hospitalar, sob super- em nenhuma hipótese, substituir a prerrogativa de decisão médica e
visão e coordenação médica. seus desdobramentos, sob pena de responsabilização posterior do
O treinamento do pessoal envolvido no atendimento pré- médico regulador.
hospitalar, em especial ao trauma, deverá ser efetuado em cursos Igualmente, os protocolos de intervenção médica pré-
ministrados por instituições ligadas ao SUS, envolvendo as escolas hospitalar deverão ser concebidos e pactuados, garantindo perfeito
médicas e de enfermagem locais, sob coordenação das Secretarias entendimento entre o médico regulador e o intervencionista quanto
Estaduais e Municipais de Saúde. Deverá haver um programa míni- aos elementos de decisão e intervenção, garantindo objetividade nas
mo que contemple todo o conhecimento teórico e prático necessário comunicações e precisão nos encaminhamentos decorrentes.
à realização eficaz dos atos praticados. A aprovação dos treinandos
deverá obedecer ao critério da competência, ou seja, o aluno deverá O monitoramento das missões é dever do médico regulador.
demonstrar, na prática, em exercícios simulados, plena capacidade e Como, frequentemente, o médico regulador irá autorizar atos
competência para realizar os atos. não-médicos por radiotelefonia (sobretudo para profissionais de
O sistema deverá dispor de um programa de treinamento con- enfermagem, bombeiros, policiais rodoviários, enfermeiros), os
tinuado e supervisão médica e de enfermagem em serviço. protocolos correspondentes deverão estar claramente constituídos e a
autorização deverá estar assinada na ficha de regulação médica e no
Deverá existir uma Central de Regulação, de fácil acesso ao boletim/ficha de atendimento pré-hospitalar. O médico regulador
público, com presença permanente de médico coordenador (médico tem o dever de saber com exatidão as capacidades/habilidades de

396
seu pessoal não-médico e médico, de forma a dominar as possibili- saúde, sendo estas centrais reguladoras privadas submetidas ao regu-
dades de prescrição e fornecer dados que permitam viabilizar pro- lador público sempre que suas ações ultrapassarem os limites estritos
gramas de capacitação/revisões que qualifiquem/habilitem os inter- das instituições particulares não-conveniadas ao SUS, inclusive nos
venientes. casos de medicalização de assistência domiciliar não-emergencial.
O próprio médico regulador terá de se submeter à formação
Em caso de necessidade de atuar como porta-voz em situações
específica e habilitação formal para a função, e acumular, também,
de interesse público, o médico regulador deverá se manter nos limi-
capacidade e experiência na assistência médica pré-hospitalar.
tes do sigilo e da ética médica.
O regulador deverá, ainda, velar para que todos os envolvidos
na atenção pré-hospitalar observem rigorosamente o sigilo profissio- 2. DEFINIÇÃO DOS PROFISSIONAIS
nal, mesmo nas comunicações radiotelefônicas (uso de códigos).
A) Profissionais não-oriundos da área de saúde:
A competência técnica médica do regulador se sintetiza em
sua capacidade de “julgar”, discernindo a urgência real da urgência A-1. TELEFONISTA — Auxiliar de Regulação
aparente, e é em torno a este desafio que devemos centrar suas prer-
rogativas, deveres e garantias de regulamentação, sobre o que o Profissional de nível básico, habilitado a prestar atendimento
Conselho Federal de Medicina pode e deve se manifestar. telefônico às solicitações de auxílio provenientes da população. Tra-
Ao médico regulador deverão ser oferecidos os meios neces- balha em centrais de comunicação (regulação médica), podendo
sários, tanto de recursos humanos como de equipamentos, para o anotar dados básicos sobre o chamado (localização, identificação do
bom exercício de sua função. solicitante, natureza da ocorrência) e prestar informações gerais. Sua
atuação é diretamente supervisionada por profissionais médicos em
1.2. A outra competência do médico regulador refere-se à regime de disponibilidade integral (24 horas).
decisão gestora dos meios disponíveis, onde se insere e deve possuir
autorização e regulamentação por parte dos gestores do SUS em A-2. CONDUTOR
seus níveis de coordenação operacional, notadamente nos municí-
pios. Profissional de nível básico, habilitado a conduzir veículos de
emergência e auxiliar a equipe de atendimento, quando necessário.
Cabe, nesta dimensão, a decisão médica do regulador sobre Sua atuação nos assuntos referentes ao manejo do paciente é direta-
qual recurso deverá ser mobilizado frente a cada caso, procurando, mente supervisionada pelos profissionais da equipe.
dentre suas disponibilidades, a resposta mais adequada a cada situa-
ção. Suas prerrogativas devem, ainda, se estender à decisão sobre o OBS: Nesta categoria incluem-se pilotos de aeronaves aero-
destino hospitalar ou ambulatorial dos pacientes atendidos no pré- médicas ou condutores de outros tipos de veículos de emergência
hospitalar, considerando o conceito de que nas emergências não (lanchas, embarcações, etc.) destinados a transportar pacientes.
existe número fechado de leitos ou capacidade limite a priori. O
médico pode também acionar planos de atenção a desastres, pactua- A-3. BOMBEIROS, AGENTES DE DEFESA CIVIL e
dos com os outros interventores nestas situações excepcionais, coor- POLICIAIS
denando o conjunto da atenção médica de emergência. Também em
situações excepcionais poderá requisitar recursos privados, com Profissionais que serão habilitados, após treinamento específi-
pagamento ou contrapartida a posteriori, conforme pactuação a ser co em instituições ligadas ao SUS, para prestar atendimento pré-
realizada com as autoridades competentes. O regulador do sistema hospitalar e credenciados para integrar a guarnição de ambulâncias
público de emergências terá, obrigatoriamente, que ser consultado do serviço de atendimento pré-hospitalar. Fazem intervenção con-
pela atenção pré-hospitalar privada, sempre que esta conduzir paci- servadora (não-invasiva) no atendimento pré-hospitalar, sob supervi-
ente ao setor público. O regulador deverá contar, ainda, com acesso são médica direta ou a distância, utilizando materiais e equipamentos
à Central de Internações, de forma a que possa ter as informações especializados. As atividades dos bombeiros atendem aos princípios
necessárias e o poder de dirigir os pacientes para os locais mais ade- constitucionais que estabelecem suas competências para atendimen-
quados em relação às suas necessidades. to e proteção da vida.

É desejável que, através de pactuação com todos os setores A- 4. RÁDIO OPERADOR


sociais pertinentes, o médico regulador seja reconhecido formalmen-
te como autoridade pública na área da saúde, com suas prerrogativas Profissional de nível básico, habilitado a operar sistemas de
e deveres devidamente estabelecidos e documentados. radiocomunicação e realizar o controle operacional de uma frota de
veículos de emergência.
O setor privado que atua em atendimento pré-hospitalar deve-
rá contar, obrigatoriamente, com médicos reguladores e de interven- B) Profissionais oriundos da área de saúde:
ção, o que pode ser exigido, inclusive, nos códigos municipais de

397
B-1. PESSOAL DE ENFERMAGEM EM EMERGÊN- - Anotar dados e preencher planilhas e formulários específicos
CIAS MÉDICAS do serviço;
- Obedecer aos protocolos de serviço;
Profissionais habilitados para o atendimento pré-hospitalar e
credenciados para integrar a guarnição de ambulâncias do serviço de - Atender às recomendações do médico regulador.
atendimento pré-hospitalar. Além da intervenção conservadora no
atendimento do paciente, são habilitados a realizar procedimentos, 3-2. CONDUTOR
sob prescrição médica, na vítima do trauma e de outras emergências
médicas, no âmbito de sua qualificação profissional. - Trabalhar em regime de plantão, operando veículos destina-
dos ao atendimento e transporte de pacientes;
B-2. ENFERMEIRO - Conhecer integralmente o veículo e seus equipamentos, tanto
a parte mecânica quanto os equipamentos médicos;
Profissional de nível superior, habilitado para ações de enfer-
magem no atendimento pré-hospitalar aos pacientes e ações admi- - Realizar manutenção básica do veículo;
nistrativas e operacionais em sistemas de atendimentos pré- - Auxiliar a equipe de atendimento no manejo do paciente,
hospitalares, inclusive cursos de capacitação dos profissionais do quando solicitado;
sistema e ações de supervisão e educação continuada dos mesmos.
Nos termos da legislação específica que regulamenta a profissão de - Estabelecer contato radiofônico (ou telefônico) com a Cen-
enfermagem — Lei nº 7.498/86 e Decreto nº 94.406/87. tral de Comunicação (regulação médica) e seguir suas orientações;
- Conhecer a malha viária local;
B-3. MÉDICO
- Conhecer a localização de todos os estabelecimentos de saú-
Profissional de nível superior, habilitado ao exercício da medi- de integrados ao sistema pré-hospitalar local.
cina pré-hospitalar, atuando nas áreas de regulação médica, suporte
avançado de vida em ambulâncias e coordenação do sistema. 3-3. BOMBEIROS, AGENTES DE DEFESA CIVIL e
POLICIAIS
3. PERFIL PROFISSIONAL E COMPETÊNCIAS
- Avaliação da cena com identificação de mecanismo do trau-
Requisitos Gerais para todos os profissionais: ma;
- Conhecer os equipamentos de bioproteção individual e sua
- Disposição pessoal para a atividade;
necessidade de utilização;
- Equilíbrio emocional e autocontrole;
- Realizar manobras de extricação manual e com equipamen-
- Disposição para cumprir ações orientadas; tos próprios;
- Manter sigilo profissional; - Garantir sua segurança pessoal e das vítimas no local do
atendimento e realizar o exame primário, avaliando condições de
- Capacidade de trabalhar em equipe.
vias aéreas, circulação e estado neurológico;
- Treinamento em suporte básico de vida.
- Ser capaz de transmitir, via rádio, ao coordenador médico, a
COMPETÊNCIAS: correta descrição da vítima e da cena;
- Conhecer as técnicas de transporte do politraumatizado;
3-1. TELEFONISTA
- Realizar suporte do politraumatizado;
- Atender solicitações telefônicas da população; - Saber observar sinais diagnósticos, cor da pele, tamanho das
- Anotar informações colhidas do solicitante, segundo questio- pupilas, reação das pupilas à luz, nível de consciência, habilidade de
nário próprio; movimentação e reação à dor;

- Prestar informações gerais ao solicitante; - Medir e avaliar sinais vitais, pulso e respiração e situar o
estado da vítima nas escalas de trauma e coma, se for o caso;
- Auxiliar o médico regulador nas suas tarefas;
- Identificar situações de gravidade nas quais a tentativa de
- Estabelecer contato radiofônico com ambulâncias e/ou veí- estabilização do paciente no local deve ser evitada em face da urgên-
culos de atendimento pré-hospitalar; cia da intervenção hospitalar (exemplo: ferida perfurante de tórax);
- Estabelecer contato com hospitais e serviços de saúde de - Colher informações do paciente e da cena do acidente, pro-
referência, para colher dados e trocar informações; curando evidências de mecanismos de lesão;

398
- Manter as vias aéreas permeáveis, com manobras manuais e 3-4. RÁDIO OPERADOR
com equipamentos disponíveis no veículo de emergência (cânulas
orofaríngeas); - Operar o sistema de radiocomunicação e telefonia nas Cen-
trais de Regulação;
- Administrar oxigênio e realizar ventilação artificial utilizando
meios naturais e equipamentos disponíveis no veículo de emergên- - Exercer o controle operacional da frota de veículos do siste-
cia (cânulas, máscaras, ambu, cilindro de oxigênio); ma de atendimento pré-hospitalar;

- Realizar circulação artificial pela massagem cardíaca externa; - Manter a equipe de regulação atualizada a respeito da situa-
ção operacional de cada veículo da frota;
- Saber operar o aparelho de desfibrilação semi-automática;
- Conhecer a malha viária e as principais vias de acesso a todas
- Controlar sangramento externo evidente, por pressão direta,
as áreas do(s) município(s) abrangido(s) pelo sistema de atendimen-
elevação do membro e ponto de pressão, utilizando curativos e ban-
to pré-hospitalar local.
dagens;
- Mobilizar e remover pacientes com proteção da coluna cervi- 3-5. PESSOAL DE ENFERMAGEM EM EMERGÊN-
cal, utilizando tábuas e outros equipamentos de imobilização e trans- CIAS MÉDICAS
porte;
- Todas as competências e atributos listadas para os bombeiros
- Reavaliar os sinais vitais e completar o exame do paciente; e policiais rodoviários;
- Aplicar curativos e bandagens, inclusive nos casos de quei- - Habilitação profissional como técnico de enfermagem;
maduras e ferimentos nos olhos;
- Administração de medicamento por via oral e parenteral, sob
- Imobilizar coluna e membros fraturados, utilizando os equi- prescrição médica e supervisão de enfermagem.
pamentos disponíveis no veículo de emergência;
- Oferecer o primeiro atendimento a traumatismos específicos 3-6. ENFERMEIRO
(curativos em três pontos, curativo abdominal, olhos e orelhas, quei-
maduras, etc.); - Administrar tecnicamente o serviço de atendimento pré-
hospitalar;
- Reconhecer os períodos do parto, dar assistência ao parto
normal em período expulsivo e prestar os primeiros cuidados ao - Fazer controle de qualidade do serviço nos aspectos inerentes
recém -nato; à sua profissão;

- Oferecer o primeiro atendimento às gestantes e crianças trau- - Participar da formação dos bombeiros, policiais rodoviários e
matizadas; dos demais profissionais na área de urgência/emergência pré-
hospitalar;
- Realizar abordagem inicial (conforme itens anteriores) e
oferecer atendimento a pacientes especiais, doentes mentais, alcoóla- - Prestar assistência direta às vítimas, quando indicado;
tras e suicidas; - Avaliar a qualidade dos profissionais atuantes nos atendi-
- Idealmente, ser portador de habilitação para dirigir a ambu- mentos pré-hospitalares e proporcionar-lhes supervisão em serviço;
lância; - Subsidiar os responsáveis pelo desenvolvimento de recursos
- Utilizar instrumentos de monitorização não-invasiva confor- humanos para as necessidades de educação continuada da equipe;
me protocolo local autorizado (pressão arterial, cardioscópio, oxíme- - Participar do desenvolvimento de recursos humanos para o
tro de pulso, etc.); serviço e a comunidade caso integre ao Núcleo de Educação em
- Estabelecer contato com a Central de Comunicação Urgências e proposição de grades curriculares para capacitação de
(regulação médica), para repassar dados e seguir obrigatoriamente recursos da área.
suas determinações; - Exercer todas as funções legalmente reconhecidas à sua for-
- Conhecer e saber operar todos os equipamentos e materiais mação profissional. Nos termos da legislação específica que regula-
pertencentes ao veículo de atendimento; menta a profissão de enfermagem — Lei nº 7.498/86 e Decreto nº
94.406/87.
- Ser capaz de preencher os formulários e registros obrigató-
rios do serviço; 3-7. MÉDICO
- Ser capaz de repassar as informações pertinentes ao atendi-
mento à equipe médica do hospital ou instituição de saúde que rece- - Exercer a regulação médica do sistema, compreendendo:
berá o paciente. recepção dos chamados de auxílio, análise da demanda, classifica-
ção em prioridades de atendimento, seleção de meios para atendi-

399
mento (melhor resposta), acompanhamento do atendimento local, to terrestre e em altura, direção defensiva e cargas perigosas, capaci-
determinação do local de destino do paciente, orientação telefônica; tação pedagógica e gerencial.
- Manter contato diário com os serviços médicos de emergên-
4-1. MÓDULO COMUM - Todos os profissionais
cia integrados ao sistema;
- Prestar assistência direta aos pacientes nas ambulâncias, I) Introdução ao atendimento pré-hospitalar
quando indicado, realizando os atos médicos possíveis e necessários - Qualificação pessoal
ao nível pré-hospitalar;
- Atendimento pré-hospitalar
- Exercer o controle operacional da equipe assistencial;
- Sistema de saúde local
- Fazer controle de qualidade do serviço, nos aspectos ineren-
tes à sua profissão; - Radiocomunicação

- Avaliar a qualidade dos profissionais atuantes no atendimen- - Telefonia


to pré-hospitalar e subsidiar os responsáveis pelo desenvolvimento - Rotinas operacionais
de recursos humanos para as necessidades de educação continuada
da equipe; - Biocinética /cinemática do trauma

- Participar do desenvolvimento de recursos humanos para o - Registros e documentos


serviço e a comunidade, caso integre ao Núcleo de Educação em
Urgências e proposição de grades curriculares para capacitação de 4-2. MÓDULOS BÁSICOS — Telefonista, motorista,
recursos da área. bombeiros, policiais militares, policiais rodoviários e técnicos em
emergenciais médicas
- Quando investido no cargo de diretor técnico do serviço,
deverá efetuar a supervisão geral e demais atividades pertinentes à I – Regulação médica
função.
II – Abordagem do paciente
4. CONTEÚDO CURRICULAR - Anatomia e fisiologia

O conteúdo técnico-científico referente à capacitação para - Abordagem do paciente


início das atividades profissionais em nível pré-hospitalar pode ser - Abordagem do politraumatizado
dividido em módulos comuns. Para todos os profissionais, os módu-
- Manejo de vias aéreas
los são, de modo geral, os mesmos. Há necessidade, porém, da sepa-
ração de alguns dos módulos propostos em conhecimentos básicos e - Ressuscitação cardiopulmonar
conhecimentos avançados, a fim de propiciar, especialmente, a dife-
- Oxigenoterapia
renciação dos aspectos práticos do treinamento. O conteúdo do trei-
namento deve seguir a seguinte divisão: - Monitorização

Módulos Básicos: para capacitação de telefonistas, motoristas, - Biossegurança


bombeiros militares, policiais rodoviários e técnicos em emergências III – Emergências clínicas
médicas;
-Abordagem de sinais vitais em emergências: cardiológicas,
Módulos Avançados: para capacitação de médicos e enfer- respiratórias, neurológicas, gastrintestinais, geniturinárias, endócrino-
meiros; metabólicas, oftalmo/otorrinolaringológicas
Módulos Comuns: para capacitação de todos os profissionais, IV – Intervenções específicas
contendo o mesmo conteúdo e carga horária.
- Intoxicações/envenenamentos
Todos os módulos comportam exposições teóricas e exercí-
cios práticos, sendo sugerido o método didático de problematização - Lesões térmicas
(estudo por problemas) como modelo pedagógico a ser adotado. - Afogamento
Sendo assim, os cursos de capacitação devem alternar exposições
teóricas, estudo de cenários e sessões de treinamento de habilidades - Assistência ao parto
práticas. - Emergências psiquiátricas/suicidas/alteração comportamen-
Os instrutores, de modo geral, são da área da saúde (médicos e tal
enfermeiros), salvo nos capítulos específicos de outras atividades - Catástrofes/desastres
profissionais: radiocomunicação, extricação de ferragens, salvamen-
V – Trauma

400
- Ferimentos/hemorragias/bandagens 6. CERTIFICAÇÃO
- Sinais de choque
A certificação dos profissionais atuantes no sistema pré-
- Imobilizações: coluna/extremidades hospitalar deve ser obtida através de Centros de Capacitação, consti-
tuídos sob coordenação das Secretarias Estaduais e Municipais de
- Manejo de gestantes/crianças
Saúde, envolvendo as escolas médicas e de enfermagem locais. Os
VI – Remoção de vítimas; remoção/extricação de ferragens; médicos responsáveis técnicos pelos serviços de atendimento pré-
salvamento terrestre/altura hospitalar deverão supervisionar a documentação de todos os profis-
VII – Estágios práticos sionais participantes de suas respectivas instituições.

VIII – Trânsito — Direção defensiva 6-1. OS CENTROS DE CAPACITAÇÃO DEVEM


- Produtos perigosos PROVER

4-3. MÓDULOS AVANÇADOS - médicos e enfermeiros - cursos regulares de habilitação integral de novos profissio-
nais;
I – Regulação médica - cursos modulares para habilitação progressiva dos profissio-
II – Abordagem do paciente — Manejo de vias aéreas — nais já atuantes em sistemas pré-hospitalares e que ainda não possu-
Manejo da parada cardiopulmonar — Oxigenoterapia Monitoriza- em a certificação formal;
ção - cursos de reciclagem dos profissionais, com o intuito de re-
III – Emergências clínicas cardiológicas, respiratórias, neuro- novar sua certificação;
lógicas, gastrintestinais, geniturinárias, endócrino-metabólicas, oftal- - mecanismos de educação continuada, estabelecidos em con-
mo/otorrinolaringológicas junto com os serviços pré-hospitalares atuantes na área de sua abran-
IV – Situações especiais - Intoxicações/envenenamentos — gência, envolvendo atividades de supervisão e treinamento em servi-
Lesões térmicas — Afogamento — Emergências obstétricas — ço;
Emergências psiquiátricas — Catástrofes/desastres — Sedação/ - desenvolvimento obrigatório do currículo mínimo de capaci-
analgesia — Identificação do óbito. tação;
V – Trauma -Controle de hemorragias — Manejo do choque - aceitação exclusiva de candidatos enquadrados no perfil
hipovolêmico — Manejo do trauma de tórax, abdômen, raquimedu- profissional preestabelecido;
lar — Músculoesquelético, crânio, olhos/ouvidos — Trauma na
gestante — Trauma na criança. - formalização de convênios interinstitucionais para o desem-
penho de suas funções, com o aval do gestor de saúde local e/ou
VI- Remoção de vítimas — Remoção/extricação de ferragens regional.
— Salvamento terrestre/altura.
6-2. Os serviços pré-hospitalares devem prover condições para
VII – Estágios práticos. a recapacitação, desenvolvida junto aos Centros de Capacitação,
VIII – Trânsito — Produtos perigosos cabendo ao médico responsável avaliar a qualidade e o desempenho
do serviço, sugerindo as reavaliações e treinamentos para a manu-
IX – Capacitação profissional - Capacitação pedagógica — tenção da qualidade da assistência.
Capacitação gerencial
O conteúdo de cada item dos módulos deve ser adaptado ao NORMAS PARA VEÍCULOS DE ATENDIMENTO
nível profissional (médico ou enfermeiro), porém a carga horária e o PRÉ-HOSPITALAR
número de itens são os mesmos.
1 - AMBULÂNCIAS
5. AVALIAÇÃO
I – Conceito e definições
A avaliação dos profissionais submetidos aos cursos de capa- I 1. Define-se ambulância como um veículo (terrestre, aéreo
citação deve ser formalizada de modo a permitir o uso de critérios ou hidroviário) exclusivamente destinado ao transporte de enfermos.
objetivos. Deve-se priorizar o desempenho prático do aluno como
critério fundamental, sem porém subvalorizar a avaliação teórica. Os I 2. As dimensões e outras especificações do veículo deverão
agentes que devem realizar a avaliação devem ter vivência prática obedecer às normas da ABNT.
no sistema pré-hospitalar. II - Classificação das ambulâncias
II 1. As ambulâncias são classificadas em:

401
Tipo A – Ambulância de transporte: veículo destinado ao ficador de oxigênio; aspirador tipo Venturi: pranchas curtas e longas
transporte em decúbito horizontal de pacientes que não apresentam para imobilização de coluna, maleta de emergência contendo: este-
risco de vida, para remoções simples e de caráter eletivo. toscópio adulto e infantil; ressuscitador manual adulto/infantil, cânu-
las orofaríngeas de tamanhos variados; luvas descartáveis; tesoura
Tipo B - Ambulância de suporte básico: veículo destinado ao
reta com ponta romba; esparadrapo; esfigmomanômetro adulto/
transporte pré-hospitalar de pacientes com risco de vida desconheci-
infantil; ataduras de 15 cm; compressas cirúrgicas estéreis; pacotes
do e transporte inter-hospitalar, contendo apenas os equipamentos
de gaze estéril; cateteres para oxigenação e aspiração de vários tama-
mínimos à manutenção da vida.
nhos; talas para imobilização e conjunto de colares cervicais; maleta
Tipo C - Ambulância de resgate: veículo de atendimento de de parto contendo: luvas cirúrgicas; clamps umbilicais; estilete estéril
emergências pré-hospitalares de pacientes com risco de vida desco- para corte do cordão; saco plástico para placenta; absorvente higiêni-
nhecido, contendo os equipamentos necessários à manutenção da co grande; cobertor ou similar para envolver o recém-nascido; com-
vida. pressas cirúrgicas estéreis; pacotes de gazes estéreis e braceletes de
Tipo D - Ambulância de suporte avançado (ASA) ou ambu- identificação.
lância UTI móvel: veículo destinado ao transporte de pacientes de III l. 3. Ambulância de Resgate (tipo C):
alto risco de emergências pré-hospitalares e transporte inter-
Sinalizador óptico e acústico; equipamento de rádio-
hospitalar. Deve contar com os equipamentos médicos necessários
comunicação fixo e móvel; maca com rodas e articulada; suporte
para esta função.
para soro, desfibrilador semi-automático, oxímetro de pulso portátil,
Tipo E - Aeronave de transporte médico: aeronave de asa fixa instalação de rede de oxigênio como descrita no item anterior; pran-
ou rotativa utilizada para transporte de pacientes por via aérea, dota- cha longa para imobilização de coluna; prancha curta ou colete imo-
da de equipamentos médicos homologados pelos órgãos competen- bilizador; conjunto de colares cervicais; cilindro de oxigênio portátil
tes. com válvula; manômetro e fluxômetro com máscara e chicote para
Tipo F - Nave de transporte médico: veículo motorizado hi- oxigenação; maleta de emergência como descrita no item anterior,
droviário destinado ao transporte de pacientes por via marítima ou acrescida de protetores para queimados ou eviscerados; maleta de
fluvial. Deve possuir os equipamentos médicos necessários ao aten- parto como descrito no item anterior; frascos de soro fisiológico;
dimento dos mesmos conforme sua gravidade. bandagens triangulares; talas para imobilização de membros; cober-
tores; coletes refletivos para a tripulação; lanterna de mão; óculos,
2. OUTROS VEÍCULOS máscaras e aventais de proteção; fitas e cones sinalizadores para
isolamento de áreas.
2.I - Veículos habituais adaptados para transporte de pacientes Materiais de resgate dos Corpos de Bombeiros, conforme
de baixo risco sentados (ex. pacientes crônicos, etc.). Este transporte normatização específica dos mesmos, não deverão ser componentes
só pode ser realizado com anuência médica. das ambulâncias tipo C mas sim fazer parte de veículos específicos
2.II - Veículos de intervenção rápida (veículos leves) para dessas corporações.
transporte de médicos e/ou equipamentos especiais para ajuda no III 1. 4. Ambulância de Suporte Avançado (tipo D), também
atendimento de campo. denominada ambulância UTI móvel:
2.III – Materiais e equipamentos das ambulâncias Sinalizador óptico e acústico; equipamento de rádio-
2.III 1. As ambulâncias deverão ter no mínimo dos seguintes comunicação fixo e móvel; maca com rodas e articulada; dois supor-
materiais e equipamentos ou similares com eficácia equivalente: tes de soro; cadeira de rodas dobrável; instalação de rede portátil de
oxigênio como descrito no item anterior (é obrigatório que a quanti-
III 1.1. Ambulância de transporte (tipo A): dade de oxigênio permita ventilação mecânica por no mínimo duas
Sinalizador óptico e acústico; equipamento de rádio- horas); respirador mecânico de transporte, com alarmes de descone-
comunicação fixo (obrigatório apenas para ambulâncias que façam xão de circuito, pressão alta em vias aéreas, falha de ciclo, baixa
parte do sistema de atendimento pré-hospitalar); maca com rodas; pressão de gás, PEEP até 15 cm de H2O; monitor multiparâmetro
suporte para soro e oxigênio medicinal, maleta de emergência con- ou aparelhos separados contendo, no mínimo, oximetria de pulso,
tendo: estetoscópio adulto; luvas descartáveis; esparadrapo; esfigmo- pressão arterial não - invasiva; unidade geradora de marca-passo
manômetro adulto/infantil; pacotes de gaze estéril. transvenoso portátil; eletrocardiógrafo capaz de registrar ECG de 12
derivações; monitor cardíaco e cardioversor com marca-passo exter-
III 1.2. Ambulância de suporte básico (tipo B):
no com bateria e instalação elétrica disponível; duas ou mais bombas
Sinalizador óptico e acústico; equipamento de rádio- de infusão com bateria e equipo; maleta de vias aéreas contendo:
comunicação fixo (e móvel opcional); maca com rodas e articulada; máscaras laríngeas e cânulas endotraqueais de vários tamanhos;
suporte para soro; instalação de rede de oxigênio com cilindro, vál- cateteres de aspiração; adaptadores para cânulas; cateteres nasais;
vula, manômetro em local de fácil visualização e régua com tripla seringa de 20 ml para insuflar o “cuf”; ressuscitador manual adulto/
saída, para permitir a alimentação do respirador; fluxômetro e umidi- infantil; sondas para aspiração traqueal de vários tamanhos; luvas de

402
procedimentos; máscara para ressuscitador adulto/infantil; lidocaína a) Lidocaína sem vasoconstritor; adrenalina, atropina; dopami-
geléia e “spray”; cadarços para fixação de cânula; laringoscópio na; aminofilina; dobutamina; hidrocortisona; glicose 50%;
infantil/adulto com conjunto de lâminas; estetoscópio; esfigmoma-
b) Soros: glicosado 5%; fisiológico 0,9%;
nômetro adulto/infantil; cânulas orofaríngeas adulto/infantil; fios -
guia para intubação; pinça de Magyl; bisturi descartável; cânulas c) Psicotrópicos: hidantoína; meperidina; diazepan; midazo-
para traqueostomia; material para cricotiroidostomia; drenos para lan;
tórax; maleta de acesso venoso contendo: tala para fixação de braço; d) Outros: água destilada; metoclopramida; dipirona; hioscina;
luvas estéreis; recipiente de algodão com antiséptico; pacotes de nifedipina; dinitrato de isossorbitol; furosemide; amiodarona; lanato-
gaze estéril; esparadrapo; material para punção de vários tamanhos, sideo C.
incluindo agulhas metálicas, plásticas e agulhas especiais para pun-
ção óssea; garrote; equipos de macro e microgotas; cateteres especí- V. Identificação
ficos para dissecção de veias, tamanho adulto/infantil; tesoura, pinça V.1. – As ambulâncias do tipo B, C, D e E serão identificadas
de Kocher; cortadores de soro; lâminas de bisturi; seringas de vários com símbolo próprio indicativo dos serviços de resgate e emergên-
tamanhos; torneiras de 3 vias; equipo de infusão de 4 vias; frascos de cias.
solução salina; caixa completa de pequena cirurgia; maleta de parto
como descrito nos itens anteriores; frascos de drenagem de tórax; VI. Tripulação mínima
extensões para drenos torácicos; sondas vesicais; coletores de urina; VI. 1 – Ambulância do tipo A: motorista
protetores para eviscerados ou queimados; espátulas de madeira;
sondas nasogástricas; eletrodos descartáveis; equipos para drogas VI. 2 - Ambulância do tipo B: motorista com treinamento em
fotossensíveis; equipo para bombas de infusão; circuito de respirador APH e um auxiliar de enfermagem habilitado em APH.
estéril de reserva; equipamentos de proteção à equipe de atendimen- VI. 3 - Ambulância do tipo C: dois profissionais com treina-
to: óculos, máscaras e aventais; cobertor ou filme metálico para mento em APH e resgate e motorista capacitado em APH.
conservação do calor do corpo; campo cirúrgico fenestrado; almoto-
VI. 4 - Ambulância do tipo D: motorista, enfermeira e médico
lias com anti-séptico; conjunto de colares cervicais; prancha longa
com treinamento em APH.
para imobilização da coluna.
VII.5 - Aeronaves e naves devem ter tripulação equivalente,
III l. 5 Aeronave de Transporte Médico (tipo E):
conforme a gravidade do paciente a ser resgatado ou transportado.
Deverá conter os mesmos equipamentos descritos para as
VII. Requisitos gerais
ambulâncias de suporte avançado, tanto adulto como infantil, com as
adaptações necessárias para o uso em ambientes hipobáricos, homo- VII. 1 - Cada veículo deverá ser mantido em bom estado de
logados pelos órgãos competentes. conservação e em condições de operação.
III 1. 6. Nave de Transporte (tipo F): VII. 2 - O uso de sinalizador sonoro e luminoso somente será
permitido durante a resposta aos chamados de emergência e durante
Poderá ser equipada como descrito nas ambulâncias de tipos
o transporte de pacientes, de acordo com a legislação em vigor.
A, B ou D, dependendo da finalidade de emprego.
VII. 3 - A maca deverá ter um sistema de fixação no veículo e
III 2. Transporte de paciente neonatal:
cintos de segurança em condições de uso. Os cintos de segurança
Deverá ser realizado em ambulância do tipo D, aeronave ou são também obrigatórios para todos os passageiros.
nave contendo:
VII. 4 - É obrigatória a desinfecção do veículo após o transpor-
a. incubadora de transporte de recém -nascido com bateria e te de pacientes portadores de moléstia infectocontagiosa, antes de
ligação à tomada do veículo (12 volts), suporte em seu próprio pe- sua próxima utilização, de acordo com a Portaria MS nº 930/92.
destal para cilindro de oxigênio e ar comprimido, controle de tempe-
ratura com alarme. A incubadora deve estar apoiada sobre carros
com rodas devidamente fixadas quando dentro da ambulância;
b. Respirador de transporte neonatal;
c. Nos demais itens deve conter a mesma aparelhagem e me-
dicamentos de suporte avançado, com os tamanhos e especificações
adequadas ao uso neonatal.
IV. Medicamentos
IV. 1. Medicamentos obrigatórios que deverão constar em
toda ambulância de suporte avançado, aeronaves e naves de trans-
porte médico (tipos D, E ,F).

403
Anexo III
Portaria GM/MS Nº 1.863, de 29 de setembro de 2003

I
hospitalar móvel, portas hospitalares de atenção às urgências, servi-
ços de atenção domiciliar e reabilitação integral no País;
nstitui a Política Nacional de Atenção às Urgên-
cias, a ser implantada em todas as unidades fede- Considerando que é estratégico ao Sistema Único de Saúde
radas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. garantir a capacitação continuada dos profissionais de suas equipes
setoriais;

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas Considerando as contribuições do Conselho Nacional de Saú-
atribuições, de (CNS), aprovadas na 131ª Reunião, de 4 e 5 de junho de 2003, e
Considerando as contribuições apresentadas pelo Conselho Nacio-
Considerando o quadro brasileiro de morbimortalidade relati-
nal de Secretários de Saúde (CONASS) e pelo Conselho Nacional
vo a todas urgências, inclusive as relacionadas ao trauma e à violên-
de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), adotadas em
cia, contempladas no Anexo da Portaria MS/GM nº 737, de 16 de
Plenárias da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), realizada em
maio de 2001 — Política Nacional de Redução da Morbimortalida-
13 de agosto de 2003,
de por Acidentes e Violências.
RESOLVE:
Considerando que é de relevância pública o estabelecimento
de normas para a organização dos serviços públicos e privados de Art. 1º Instituir a Política Nacional de Atenção às Urgências a
atenção às urgências, conforme preceituam o art. 197 da Constitui- ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as com-
ção Federal e os arts. 1º e 15 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de petências das três esferas de gestão.
1990;
Art. 2º Estabelecer que a Política Nacional de Atenção às Ur-
Considerando o disposto na Portaria GM/MS nº 2048, de 5 de gências composta pelos sistemas de atenção às urgências estaduais,
novembro de 2002, que instituiu o Regulamento Técnico dos Siste- regionais e municipais, deve ser organizada de forma que permita:
mas Estaduais de Urgência e Emergência;
1 - garantir a universalidade, equidade e a integralidade no
Considerando a necessidade de implantação e implementação atendimento às urgências clínicas, cirúrgicas, gineco-obstétricas,
do processo de regulação da atenção às urgências, a partir de Cen- psiquiátricas, pediátricas e as relacionadas às causas externas
trais de Regulação Médica, que integram o Complexo Regulador da (traumatismos não-intencionais, violências e suicídios);
Atenção, conforme previsto na Portaria SAS/MS nº 356, de 22 de
setembro de 2000, e NOAS-SUS 01/2002; 2 - consubstanciar as diretrizes de regionalização da atenção às
urgências, mediante a adequação criteriosa da distribuição dos recur-
Considerando a necessidade de estruturar uma rede de servi- sos assistenciais, conferindo concretude ao dimensionamento e im-
ços regionalizada e hierarquizada de cuidados integrais às urgências, plantação de sistemas estaduais, regionais e municipais e suas res-
de qualquer complexidade ou gravidade, desconcentrando a atenção pectivas redes de atenção;
efetuada exclusivamente pelos prontos-socorros;
3 - desenvolver estratégias promocionais da qualidade de vida
Considerando a necessidade de garantir a adequada referência e saúde capazes de prevenir agravos, proteger a vida, educar para a
regulada para os pacientes que, tendo recebido atendimento inicial, defesa da saúde e recuperar a saúde, protegendo e desenvolvendo a
em qualquer nível do sistema, necessitem de acesso aos meios adi- autonomia e a equidade de indivíduos e coletividades;
cionais de atenção;
4 - fomentar, coordenar e executar projetos estratégicos de
Considerando a premente necessidade de adequar a dinâmica atendimento às necessidades coletivas em saúde, de caráter urgente e
da captação de órgãos às necessidades de transplante da população transitório, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamida-
brasileira; des públicas e de acidentes com múltiplas vítimas, a partir da cons-
trução de mapas de risco regionais e locais e da adoção de protoco-
Considerando a responsabilidade do Ministério da Saúde de
los de prevenção, atenção e mitigação dos eventos;
estimular a atenção integral às urgências por meio da implantação e
implementação dos serviços de atenção básica e saúde da família, 5 - contribuir para o desenvolvimento de processos e métodos
unidades não-hospitalares de atendimento às urgências, pré- de coleta, análise e organização dos resultados das ações e serviços
de urgência, permitindo que a partir de seu desempenho seja possí-
vel uma visão dinâmica do estado de saúde da população e do de- 4. capacitação e educação continuada das equipes de saúde de
sempenho do Sistema Único de Saúde em seus três níveis de gestão; todos os âmbitos da atenção, a partir de um enfoque estratégico pro-
mocional, abarcando toda a gestão e atenção pré-hospitalar fixa e
6 - integrar o complexo regulador do Sistema Único de Saúde, móvel, hospitalar e pós-hospitalar, envolvendo os profissionais de
promover intercâmbio com outros subsistemas de informações seto- nível superior e os de nível técnico, em acordo com as diretrizes do
riais, implementando e aperfeiçoando permanentemente a produção SUS e alicerçada nos pólos de educação permanente em saúde;
de dados e democratização das informações com a perspectiva de
usá-las para alimentar estratégias promocionais; 5. orientação geral segundo os princípios de humanização da
atenção.
7 - qualificar a assistência e promover a capacitação continua-
da das equipes de saúde do Sistema Único de Saúde na Atenção às Art. 4º Determinar à Secretaria de Atenção à Saúde que, por
Urgências, em acordo com os princípios da integralidade e humani- intermédio do Departamento de Atenção Especializada e da Coor-
zação. denação-Geral de Urgência e Emergência, adote todas as providên-
cias necessárias à plena estruturação da Política Nacional de Aten-
Art. 3º Definir que a Política Nacional de Atenção às Urgên- ção às Urgências instituída por esta Portaria.
cias, de que trata o artigo 1º desta Portaria, deve ser instituída a partir
dos seguintes componentes fundamentais: Art. 5º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação,
revogando as disposições em contrário.
1. adoção de estratégias promocionais de qualidade de vida,
buscando identificar os determinantes e condicionantes das urgên-
HUMBERTO COSTA
cias e por meio de ações transetoriais de responsabilidade pública,
sem excluir as responsabilidades de toda a sociedade;

2. organização de redes loco regionais de atenção integral às


urgências, enquanto elos da cadeia de manutenção da vida, tecendo-
as em seus diversos componentes:

2.a - componente Pré-Hospitalar Fixo: unidades básicas de


saúde e unidades de saúde da família, equipes de agentes comunitá-
rios de saúde, ambulatórios especializados, serviços de diagnóstico e
terapias, e Unidades Não-Hospitalares de Atendimento às Urgên-
cias, conforme Portaria GM/MS nº 2048, de 05 de novembro de
2002.

2.b – componente Pré-Hospitalar Móvel: - SAMU - Serviço


de Atendimento Móvel de Urgências e os serviços associados de
salvamento e resgate, sob regulação médica de urgências e com
número único nacional para urgências medicas – 192;

2.c – componente Hospitalar: portas hospitalares de atenção às


urgências das unidades hospitalares gerais de tipo I e II e das unida-
des hospitalares de referência tipo I, II e III, bem como toda a gama
de leitos de internação, passando pelos leitos gerais e especializados
de retaguarda, de longa permanência e os de terapia semi-intensiva e
intensiva, mesmo que esses leitos estejam situados em unidades
hospitalares que atuem sem porta aberta às urgências;

2.d – componente Pós-Hospitalar: modalidades de Atenção


Domiciliar, Hospitais-Dia e Projetos de Reabilitação Integral com
componente de reabilitação de base comunitária;

3. instalação e operação das Centrais de Regulação Médica


das Urgências, integradas ao Complexo Regulador da Atenção no
SUS;

406
Anexo IV
Portaria GM/MS Nº 2.048, de 05 de novembro de 2002

A
cadeia de reanimação e estabilização para os pacientes graves e uma
cadeia de cuidados imediatos e resolutivos para os pacientes agudos
prova o Regulamento Técnico dos Sistemas não-graves;
Estaduais de Urgência e Emergência.
Considerando a necessidade de ordenar o atendimento às Ur-
gências e Emergências, garantindo acolhimento, primeira atenção
qualificada e resolutiva para as pequenas e médias urgências, estabi-
O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas
lização e referência adequada dos pacientes graves dentro do Siste-
atribuições legais,
ma Único de Saúde, por meio do acionamento e intervenção das
Considerando que a área de Urgência e Emergência constitui- Centrais de Regulação Médica de Urgências;
se em um importante componente da assistência à saúde;
Considerando a expansão de serviços públicos e privados de
Considerando o crescimento da demanda por serviços nesta atendimento pré-hospitalar móvel e de transporte inter-hospitalar e a
área nos últimos anos, devido ao aumento do número de acidentes e necessidade de integrar estes serviços à lógica dos sistemas de ur-
da violência urbana e a insuficiente estruturação da rede assistencial, gência, com regulação médica e presença de equipe de saúde qualifi-
que têm contribuído decisivamente para a sobrecarga dos serviços cada para as especificidades deste atendimento e a obrigatoriedade
de Urgência e Emergência disponibilizados para o atendimento da da presença do médico nos casos que necessitem suporte avançado à
população; vida, e

Considerando as ações já desenvolvidas pelo Ministério da Considerando a necessidade de estimular a criação de estrutu-
Saúde que, em parceria com as Secretarias de Saúde dos estados, do ras capazes de problematizar a realidade dos serviços e estabelecer o
Distrito Federal e dos municípios, tem realizado grandes esforços no nexo entre trabalho e educação, de forma a resgatar o processo de
sentido de implantar um processo de aperfeiçoamento do atendi- capacitação e educação continuada para o desenvolvimento dos
mento às urgências e emergências no País, tanto pela criação de serviços e geração de impacto em saúde dentro de cada nível de
mecanismos para a implantação de Sistemas Estaduais de Referên- atenção e ainda de propor currículos mínimos de capacitação e habi-
cia Hospitalar em Atendimento às Urgências e Emergências como litação para o atendimento às urgências, em face dos inúmeros con-
pela realização de investimentos relativos ao custeio e adequação teúdos programáticos e cargas horárias existentes no país e que não
física e de equipamentos dos serviços integrantes destas redes, na garantem a qualidade do aprendizado,
área de assistência pré-hospitalar, nas Centrais de Regulação, na
RESOLVE:
capacitação de recursos humanos, na edição de normas específicas
para a área e na efetiva organização e estruturação das redes assisten-
Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, o Regula-
ciais na área de urgência e emergência;
mento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência.
Considerando a necessidade de aprofundar o processo de con-
§ 1º O Regulamento ora aprovado estabelece os princípios e
solidação dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência, aper-
diretrizes dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência, as
feiçoar as normas já existentes e ampliar o seu escopo e ainda a ne-
normas e critérios de funcionamento, classificação e cadastramento
cessidade de melhor definir uma ampla política nacional para esta
de serviços e envolve temas como a elaboração dos Planos Estadu-
área, com a organização de sistemas regionalizados, com referências
ais de Atendimento às Urgências e Emergências, Regulação Médica
previamente pactuadas e efetivadas sob regulação médica, com
das Urgências e Emergências, atendimento pré-hospitalar, atendi-
hierarquia resolutiva e responsabilização sanitária, universalidade de
mento pré-hospitalar móvel, atendimento hospitalar, transporte inter-
acesso, integralidade na atenção e eqüidade na alocação de recursos
hospitalar e ainda a criação de Núcleos de Educação em Urgências e
e ações do Sistema de acordo com as diretrizes gerais do Sistema
proposição de grades curriculares para capacitação de recursos hu-
Único de Saúde e a Norma Operacional da Assistência à Saúde —
manos da área;
NOAS-SUS 01/2002;
§ 2º Este Regulamento é de caráter nacional devendo ser utili-
Considerando a grande extensão territorial do país, que impõe
zado pelas Secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e
distâncias significativas entre municípios de pequeno e médio porte
dos municípios na implantação dos Sistemas Estaduais de Urgência
e seus respectivos municípios de referência para a atenção hospitalar
e Emergência, na avaliação, habilitação e cadastramento de serviços
especializada e de alta complexidade, necessitando, portanto, de
em todas as modalidades assistenciais, sendo extensivo ao setor
serviços intermediários em complexidade, capazes de garantir uma
privado que atue na área de urgência e emergência, com ou sem
vínculo com a prestação de serviços aos usuários do Sistema Único c - Parecer Conclusivo do Gestor— manifestação expressa,
de Saúde. firmada pelo Secretário da Saúde, em relação ao cadastramento. No
caso de Processo formalizado por Secretaria Municipal de Saúde de
Art. 2º Determinar às Secretarias de Saúde dos estados, do município em Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde, deverá
Distrito Federal e dos municípios em Gestão Plena do Sistema Mu- constar, além do parecer do gestor local, o parecer do gestor estadual
nicipal de Saúde, de acordo com as respectivas condições de gestão do SUS, que será responsável pela integração do Centro à rede esta-
e a divisão de responsabilidades definida na Norma Operacional de dual e a definição dos fluxos de referência e contra-referência dos
Assistência à Saúde — NOAS-SUUS 01/2002, a adoção das provi- pacientes.
dências necessárias à implantação dos Sistemas Estaduais de Urgên-
cia e Emergência, à organização das redes assistenciais deles inte- § 5º Uma vez emitido o parecer a respeito do cadastramento
grantes e à organização/habilitação e cadastramento dos serviços, em pelo(s) Gestor(es) do SUS e se o mesmo for favorável, o Processo
todas as modalidades assistenciais, que integrarão estas redes, tudo deverá ser encaminhado da seguinte forma:
em conformidade com o estabelecido no Regulamento Técnico
aprovado por esta Portaria, bem como a designação, em cada estado, a - Serviços de Atendimento Pré-Hospitalar, Pré-Hospitalar
do respectivo Coordenador do Sistema Estadual de Urgência e E- Móvel, e Hospitalar de Unidades Gerais de Tipo I ou II — o cadas-
mergência. tramento deve ser efetivado pelo próprio gestor do SUS;

§ 1º As Secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal b - Unidades de Referência Hospitalar em Atendimento às
devem estabelecer um planejamento de distribuição regional dos Urgências e Emergências de Tipo I, II ou III — remeter o processo
Serviços, em todas as modalidades assistenciais, de maneira a cons- para análise ao Ministério da Saúde/SAS, que o avaliará e, uma vez
tituir o Plano Estadual de Atendimento às Urgências e Emergências aprovado o cadastramento, a Secretaria de Assistência à Saúde to-
conforme estabelecido no Capítulo I do Regulamento Técnico desta mará as providências necessárias à sua publicação.
Portaria e adotar as providências necessárias à organização/
habilitação e cadastramento dos serviços que integrarão o Sistema Art. 3º Alterar o Artigo 2º da Portaria GM/MS nº 479, de 15
Estadual de Urgência e Emergência; de abril de 1999, que estabelece os critérios para a classificação e
inclusão dos hospitais nos Sistemas Estaduais de Referência Hospi-
§ 2º A abertura de qualquer Serviço de Atendimento às Ur- talar em Atendimento de Urgências e Emergência, que passa a ter a
gências e Emergências deverá ser precedida de consulta ao Gestor redação dada pelo contido no Capítulo V do Regulamento Técnico
do SUS, de nível local ou estadual, sobre as normas vigentes, a ne- constante do Anexo desta Portaria no que diz respeito às Unidades
cessidade de sua criação e a possibilidade de cadastramento do mes- Hospitalares de Referência em Atendimento às Urgências e Emer-
mo, sem a qual o SUS não se obriga ao cadastramento. gências de Tipo I, II e III.

§ 3º Uma vez concluída a fase de Planejamento/Distribuição § 1º Ficam mantidos todos os demais Artigos e parágrafos da
de Serviços conforme estabelecido no § 1º, confirmada a necessida- Portaria GM/MS nº 479, de 15 de abril de 1999;
de do cadastramento e conduzido o processo de seleção de prestado-
res de serviço pelo Gestor do SUS, o processo de cadastramento § 2º Ficam convalidados todos os atos que tenham sido prati-
deverá ser formalizado pela Secretaria de Saúde do estado, do Distri- cados até a presente data relacionados com a classificação, cadastra-
to Federal ou do município em Gestão Plena do Sistema Municipal, mento e inclusão de hospitais nos Sistemas Estaduais de Referência
de acordo com as respectivas condições de gestão e a divisão de Hospitalar em Atendimento de Urgências e Emergências, com base
responsabilidades estabelecida na Norma Operacional de Assistên- no estabelecido na Portaria GM/MS nº 479, de 15 de abril de 1999;
cia à Saúde — NOAS-SUS 01/2002.
§ 3º A partir da publicação da presente Portaria, a classifica-
§ 4º O Processo de Cadastramento deverá ser instruído com: ção, cadastramento e inclusão de novas Unidades Hospitalares de
Referência em Atendimento às Urgências e Emergências de Tipo I,
a - Documentação comprobatória do cumprimento das exi- II ou III deverá se dar em cumprimento ao estabelecido no Capítulo
gências estabelecidas no Regulamento Técnico aprovado por esta V do Regulamento Técnico ora aprovado e no Artigo 2º desta Porta-
Portaria. ria.

b - Relatório de Vistoria — a vistoria deverá ser realizada “in Art. 4º Determinar à Secretaria de Assistência à Saúde, dentro
loco” pela Secretaria de Saúde responsável pela formalização do de seus respectivos limites de competência, a adoção das providên-
Processo de Cadastramento que avaliará as condições de funciona- cias necessárias à plena aplicação das recomendações contidas no
mento do Serviço para fins de cadastramento: área física, recursos texto ora aprovado.
humanos, responsabilidade técnica e demais exigências estabeleci-
das nesta Portaria; Art. 5º Estabelecer o prazo de 2 (dois) anos para a adaptação
dos serviços de atendimento às urgências e emergências já existentes

408
e em funcionamento, em todas as modalidades assistenciais, às nor-
mas e critérios estabelecidos pelo Regulamento Técnico aprovado
por esta Portaria.

§ 1º As Secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e


dos municípios em Gestão Plena do Sistema Municipal, devem,
dentro do prazo estabelecido, adotar as providências necessárias para
dar pleno cumprimento ao disposto nesta Portaria e classificar, habi-
litar e cadastrar os serviços de atendimento às urgências e emergên-
cias já existentes e em funcionamento;

§ 2º Para a classificação, habilitação e cadastramento de novos


serviços de atendimento às urgências e emergências, em qualquer
modalidade assistencial, esta Portaria tem efeitos a contar de sua
publicação.

Art. 6º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação,


revogando a Portaria GM/MS nº 814, de 01 de junho de 2001.

BARJAS NEGRI

ANEXO

SISTEMAS ESTADUAIS DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA

REGULAMENTO TÉCNICO

(Disponível no site http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/


Port2002/Gm/GM-2048.htm)

409
Anexo V
Portaria Nº 373, de 27 de fevereiro de 2002

A prova, na forma do anexo desta Portaria, a norma


operacional da assistência à saúde — NOAS-SUS
01/2002 — que amplia as responsabilidades dos municípios na
atenção básica; estabelece o processo de regionalização como es-
tratégia de hierarquização dos serviços de saúde e de busca de
maior equidade; cria mecanismos para o fortalecimento da capaci-
dade de gestão do Sistema Único de Saúde e procede a atualização
dos critérios de habilitação de estados e municípios.

O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições, e

Considerando os princípios do Sistema Único de Saúde de universalidade do acesso e de integralidade da atenção;

Considerando o disposto no Artigo 198 da Constituição Federal de 1998, que estabelece que as ações e serviços públicos de saúde inte-
gram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único;

Considerando a necessidade de dar continuidade ao processo de descentralização e organização do Sistema Único de Saúde — SUS,
fortalecido com a implementação da Norma Operacional Básica — SUS 01/96, de 05 de novembro de 1996; e

Considerando as contribuições do Conselho de Secretários Estaduais de Saúde — CONASS e Conselho Nacional de Secretários Muni-
cipais de Saúde — CONASEMS, seguidas da aprovação da Comissão Intergestores Tripartite — CIT e Conselho Nacional de Saúde — CNS,
em 07 de dezembro de 2001;

Considerando o contínuo movimento de pactuação entre os três níveis de gestão, visando o aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde,

RESOLVE:

Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, a Norma Operacional da Assistência à Saúde — NOAS-SUS 01/2002 que amplia as
responsabilidades dos municípios na Atenção Básica; estabelece o processo de regionalização como estratégia de hierarquização dos serviços
de saúde e de busca de maior equidade; cria mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do Sistema Único de Saúde e procede
à atualização dos critérios de habilitação de estados e municípios.

Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, cessando os efeitos da Portaria GM/MS N° 95, de 26 de janeiro de 2001,
publicada no Diário Oficial n° 20-E, de 29 de janeiro de 2001, Seção 1.

BARJAS NEGRI

ANEXO

NORMA OPERACIONAL DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE/SUS — NOAS-SUS 01/02

(Disponível no site http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt0373_27_02_2002.html)


Anexo VI
Resolução CFM Nº 1.718, de 16 de abril de 2004
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plená-

É vedado o ensino de atos médicos privativos, sob


qualquer forma de transmissão de conhecimentos,
a profissionais não-médicos, inclusive àqueles pertinentes ao su-
porte avançado de vida, exceto o atendimento de emergência a
ria de 16 de abril de 2004, com supedâneo nos Pareceres CFM nºs.
44/2001, 26/2003 e 03/2004,

RESOLVE:

distância, até que sejam alcançados os recursos ideais. Art. 1º — É vedado ao médico, sob qualquer forma de trans-
missão de conhecimento, ensinar procedimentos privativos de médi-
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições que co a profissionais não-médicos.
lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamenta-
da pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e Parágrafo único — São exceções os casos envolvendo o aten-
dimento de emergência a distância, através da Telemedicina, sob
CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina têm a orientação e supervisão médica, conforme regulamentado pela Re-
obrigação de zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance para solução CFM nº 1.643/2002, até que sejam alcançados os recursos
o perfeito desempenho ético da Medicina; ideais.

CONSIDERANDO que o alvo da atenção do médico é a Art. 2º — Os procedimentos médicos ensinados em cursos de
saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máxi- suporte avançado de vida são atos médicos privativos, devendo ser
mo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional; ensinados somente a médicos e estudantes de Medicina.

CONSIDERANDO que o campo de trabalho médico se tor- Art. 3º — A capacitação em suporte básico de vida deve ser
nou muito concorrido por agentes de outras profissões e que os limi- garantida a qualquer cidadão, desde que não haja o ensino de atos
tes interprofissionais entre essas categorias nem sempre estão bem privativos dos médicos.
definidos;
Art. 4º — Os diretores técnicos de instituições de saúde serão
CONSIDERANDO o disposto no Parecer CFM nº 44/2001 responsabilizados se permitirem o ensino de atos médicos privativos
sobre as limitações concernentes ao uso e ensino de técnica de ma- a profissionais não-médicos.
nuseio de desfibriladores automáticos;
Art. 5º — Esta resolução entra em vigor na data de sua publi-
CONSIDERANDO o teor do Parecer CFM nº 26/2003, se- cação.
gundo o qual os cursos que ensinam atos médicos só podem ter
como alunos médicos e/ou estudantes de Medicina;
Brasília-DF, 16 de abril de 2004.
CONSIDERANDO o teor do Parecer CFM nº 03/2004, se-
gundo o qual os atos de diagnóstico e indicação terapêutica devem
ser realizados exclusivamente por médicos, não podendo os demais
EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE
profissionais ser treinados pelos médicos para este objetivo;
Presidente
CONSIDERANDO o disposto no art. 3º da Resolução CFM
nº 1.627/2001, segundo o qual o ensino dos procedimentos médicos
RUBENS DOS SANTOS SILVA
privativos inclui-se entre os atos médicos e devem ser exercidos
Secretário-Geral
unicamente por médico;

CONSIDERANDO o conteúdo do art. 30 do Código de Ética


Médica, que veda ao médico delegar a outros profissionais atos ou
atribuições exclusivos da profissão médica;

CONSIDERANDO que nos cursos de suporte avançado de


vida são ensinados procedimentos invasivos, caracterizados como
atos médicos;
Anexo VII
Resolução CFM Nº 1.643, de 07 de agosto de 2002

D
CONSIDERANDO o decidido na sessão plenária de 7 de
agosto de 2002, realizada em Brasília, com supedâneo no Parecer
efine e disciplina a prestação de serviços atra- CFM nº 36/2002,
vés da Telemedicina.
RESOLVE:
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das
Art. 1º — Definir a Telemedicina como o exercício da Medi-
atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957,
cina através da utilização de metodologias interativas de comunica-
regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e
ção audio-visual e de dados, com o objetivo de assistência, educação
CONSIDERANDO que cabe ao Conselho Federal de Medi- e pesquisa em Saúde.
cina disciplinar o exercício profissional médico e zelar pela boa prá-
Art. 2º — Os serviços prestados através da Telemedicina de-
tica médica no país;
verão ter a infraestrutura tecnológica apropriada, pertinentes e obe-
CONSIDERANDO o constante desenvolvimento de novas decer as normas técnicas do CFM pertinentes à guarda, manuseio,
técnicas de informação e comunicação que facilitam o intercâmbio transmissão de dados, confidencialidade, privacidade e garantia do
de informação entre médicos e entre estes e os pacientes; sigilo profissional.

CONSIDERANDO que a despeito das consequências positi- Art. 3º — Em caso de emergência, ou quando solicitado pelo
vas da Telemedicina existem muitos problemas éticos e legais de- médico responsável, o médico que emitir o laudo a distância poderá
correntes de sua utilização; prestar o devido suporte diagnóstico e terapêutico.

CONSIDERANDO que a Telemedicina deve contribuir para Art. 4º — A responsabilidade profissional do atendimento
favorecer a relação individual médico-paciente; cabe ao médico assistente do paciente. Os demais envolvidos res-
ponderão solidariamente na proporção em que contribuírem por
CONSIDERANDO que as informações sobre o paciente eventual dano ao mesmo.
identificado só podem ser transmitidas a outro profissional com
prévia permissão do paciente, mediante seu consentimento livre e Art. 5º — As pessoas jurídicas que prestarem serviços de Te-
esclarecido e sob rígidas normas de segurança capazes de garantir a lemedicina deverão inscrever-se no Cadastro de Pessoa Jurídica do
confidencialidade e integridade das informações; Conselho Regional de Medicina do Estado onde estão situadas, com
a respectiva responsabilidade técnica de um médico regularmente
CONSIDERANDO que o médico tem liberdade e completa inscrito no Conselho e a apresentação da relação dos médicos com-
independência para decidir se utiliza ou não recomenda o uso da ponentes de seus quadros funcionais.
Telemedicina para seu paciente, e que tal decisão deve basear-se
apenas no benefício do paciente; Parágrafo único — No caso de o prestador for pessoa física, o
mesmo deverá ser médico e devidamente inscrito no Conselho Re-
CONSIDERANDO que o médico que exerce a Medicina a gional de Medicina.
distância, sem ver o paciente, deve avaliar cuidadosamente a infor-
mação que recebe, só pode emitir opiniões e recomendações ou Art. 6º — O Conselho Regional de Medicina deverá estabele-
tomar decisões médicas se a qualidade da informação recebida for cer constante vigilância e avaliação das técnicas de Telemedicina no
suficiente e pertinente para o cerne da questão; que concerne à qualidade da atenção, relação médico-paciente e
preservação do sigilo profissional.
CONSIDERANDO o teor da “Declaração de Tel Aviv sobre
responsabilidades e normas éticas na utilização da Telemedicina”, Art. 7º — Esta resolução entra em vigor a partir da data de sua
adotada pela 51ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, publicação.
em Tel Aviv, Israel, em outubro de 1999;
Brasília-DF, 07 de agosto de 2002.
CONSIDERANDO o disposto nas resoluções CFM nº
1.638/2002 e nº 1.639/2002, principalmente no tocante às normas
para transmissão de dados identificados; EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE

CONSIDERANDO o disposto na Resolução CFM nº Presidente


1.627/2001, que define e regulamenta o Ato Médico;
RUBENS DOS SANTOS SILVA

Secretário-Geral
Anexo VIII
Resolução CFM Nº 1.627, de 23 de outubro de 2001
CONSIDERANDO que se deve atentar para a unidade da
Medicina, que não pode ser pulverizada, sem grave prejuízo para o

D ispõe sobre a definição e regulamentação do


ato médico.

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições que


interesse social;

CONSIDERANDO os conceitos essenciais da Medicina


Preventiva, quais sejam, o de prevenção primária (profilaxia da o-
corrência da enfermidade), prevenção secundária (prevenção da
evolução da enfermidade) e prevenção terciária (prevenção da inva-
lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamenta- lidez determinada por uma enfermidade);
da pelo Decreto nº 44.405, de 19 de julho de 1958, e
CONSIDERANDO a necessidade de se instituir normas rela-
CONSIDERANDO que a Lei nº 3.268/57 confere aos Conse- tivas à definição e alcance do ato médico;
lhos de Medicina a obrigação de zelar e trabalhar por todos os meios
ao seu alcance para o perfeito desempenho ético da Medicina; CONSIDERANDO o decidido em Sessão Plenária Extraordi-
nária de 23 de outubro de 2001, realizada em Manaus, com supedâ-
CONSIDERANDO que o alvo da atenção do médico é a neo na Exposição de Motivos anexa;
saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máxi-
mo zelo e o melhor de sua capacidade profissional; CONSIDERANDO a Exposição de Motivos anexa a esta
resolução,
CONSIDERANDO que o campo de trabalho médico se tor-
nou muito concorrido por agentes de outras profissões e que os limi- RESOLVE:
tes interprofissionais entre essas categorias profissionais nem sempre
estão bem definidos; Art. 1º Definir o ato profissional de médico como todo proce-
dimento técnico-profissional praticado por médico legalmente habi-
CONSIDERANDO que quando do início da vigência da Lei litado e dirigido para:
nº 3.268/57 existiam praticamente só cinco profissões que comparti-
lhavam o campo e o mercado dos serviços de saúde, quais sejam, a I. a promoção da saúde e prevenção da ocorrência de enfermi-
Medicina, a Veterinária, a Odontologia, a Farmácia e a Enferma- dades ou profilaxia (prevenção primária);
gem, e que os limites entre essas carreiras profissionais estavam
ajustados milenarmente em quase todos os casos; II. a prevenção da evolução das enfermidades ou execução de
procedimentos diagnósticos ou terapêuticos (prevenção secundária);
CONSIDERANDO que agora, diferentemente, a área da
saúde e da doença está pletorada de agentes profissionais sem que III. a prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos
haja clara definição dos limites dos seus campos de trabalho; (prevenção terciária).

CONSIDERANDO que cada uma dessas novas profissões foi § 1º — As atividades de prevenção secundária, bem como as
instituída como se fosse uma atividade isolada, sem muita preocupa- atividades de prevenção primária e terciária que envolvam procedi-
ção com as atividades que lhe eram limítrofes e sem estipulação mentos diagnósticos de enfermidades ou impliquem em indicação
precisa de quais seriam suas atividades privativas, de quais seriam as terapêutica (prevenção secundária), são atos privativos do profissio-
que compartilhariam com outras profissões e quais seriam essas nal médico.
categorias ocupacionais;
§ 2º — As atividades de prevenção primária e terciária que
CONSIDERANDO a necessidade de haver uma melhor defi- não impliquem na execução de procedimentos diagnósticos e tera-
nição das atividades profissionais típicas e privativas de cada catego- pêuticos podem ser atos profissionais compartilhados com outros
ria profissional, dos limites de cada uma, das relações entre as ativi- profissionais da área da saúde, dentro dos limites impostos pela le-
dades limítrofes e das relações de cada uma delas com a Medicina, gislação pertinente.
por ser, de todas, a mais antiga e a de campo mais amplo de atuação,
vez que interage com todas as outras; Art. 2º — O exercício da Odontologia, nos limites de sua
competência legal, está excluído destas disposições, nos termos da
lei.
Art. 3º — As atividades de coordenação, direção, chefia, perí-
cia, auditoria, supervisão e ensino dos procedimentos médicos priva-
tivos incluem-se entre os atos médicos e devem ser exercidos unica-
mente por médico.

Art. 4º — O Conselho Federal de Medicina fica incumbido de


definir, por meio de resolução normativa devidamente fundamenta-
da, os procedimentos médicos experimentais, os aceitos e os veda-
dos para utilização pelos profissionais médicos.

Art. 5º — Esta resolução entra em vigor na data de sua publi-


cação.

Manaus-AM, 23 de outubro de 2001.

EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE


Presidente

RUBENS DOS SANTOS SILVA


Secretário-Geral

ANEXO À RESOLUÇÃO CFM nº 1.627/2001

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

(Disponível no site http://pnass.datasus.gov.br/documentos/


normas/89.pdf )

418
Anexo IX
Parecer CFM Nº 44, de 21 de novembro de 2001

D
PROCESSO-CONSULTA CFM nº 1.040/2000 PC/CFM/Nº 44/2001
ispõe sobre o uso de desfibriladores automáticos por leigos treinados.

INTERESSADO: Dr. M.A.L.F.

ASSUNTO: Uso de desfibriladores automáticos

RELATOR: Cons. Roberto Luiz d’Ávila

EMENTA: Em situações de emergência e na ausência de médico no local, o uso de desfibriladores automáticos externos pode ser feito
por leigos treinados e supervisionados por médicos, através de cursos promovidos por Sociedades de Especialidades afins e fiscalizados pelos
Conselhos de Medicina.

APRESENTAÇÃO: Através do Ofício CFM nº 2.442/2000, de 27 de abril de 2000, fomos designados para emitir parecer sobre a con-
sulta, por correspondência eletrônica, feita pelo dr. M.A.L.F., que se apresenta como médico de Ribeirão Preto, com o seguinte teor: “Eu gosta-
ria de saber se é permitido o uso de desfibriladores automáticos por pessoas treinadas, mas não-médicas?”. Trata-se de pergunta objetiva e su-
cinta, sem maiores considerações a respeito, e que deve ser respondida da mesma forma.

PARECER: Todo ato médico só pode ser executado por médicos legalmente habilitados para o exercício da profissão. Entretanto, em
situações especiais de emergência e na ausência de médico no local, variáveis se interpõem entre o interesse profissional e o interesse da coleti-
vidade. Penso que estamos diante de um dessas circunstâncias.

É largamente sabido que a doença coronariana acomete seres humanos em fase produtiva, cujo primeiro sintoma, em cerca da metade
dos casos, é a morte súbita, na maioria das vezes por causa elétrica, sobrevindo por instabilidade elétrica do tecido cardíaco isquemiado, apre-
sentando como resultado final, nas primeiras horas, fibrilação ventricular.

Geralmente o evento ocorre fora do ambiente hospitalar, e se houvesse disponibilidade de equipamento (desfibrilador) e pessoal treinado
muitas vidas poderiam ser salvas.

Esse fato é tão verdadeiro que países desenvolvidos realizam campanhas com treinamento de pessoas leigas, escolhidas nas comunidades
e em fábricas, iniciativa que vem reduzindo de forma importante a mortalidade da doença coronariana.

É evidente que tal treinamento e acompanhamento devem ser realizados por médicos, em cursos promovidos pelas Sociedades de Espe-
cialidades afins, com emissão dos certificados ao final dos cursos de capacitação, juntamente com o treinamento em suporte básico de vida,
devidamente fiscalizados pelos Conselhos de Medicina.

Este é o parecer, SMJ.

Brasília, 21 de novembro de 2001.

ROBERTO LUIZ d’ÁVILA

Conselheiro Relator

Parecer aprovado em sessão Plenária

Dia 21/11/2001

RLA/
Anexo X
Portaria Nº 737/GM, de 16 de maio de 2001

D ispõe sobre a Política Nacional de Redução da Morbi-


mortalidade por Acidentes e Violências.

O Ministro de Estado da Saúde, interino, no uso de suas atribuições,

Considerando a necessidade de definição, no setor saúde, de uma política decisiva no sentido da redução da morbimortalidade por Aci-
dentes e Violências;

Considerando a conclusão do processo de elaboração da referida política, que envolveu consultas a diferentes segmentos direta e indireta-
mente envolvidos com o tema, e

Considerando a aprovação da proposta da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, por parte da
Comissão Intergestores Tripartite e do Conselho Nacional de Saúde, por meio da Resolução n° 309, de 08 de março de 2001,

RESOLVE:

Art. 1º — Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências.

Parágrafo único — A aprovação de que trata este Artigo tem como objetivo a redução da morbimortalidade por acidentes e violências no
País, mediante o desenvolvimento de um conjunto de ações articuladas e sistematizadas.

Art. 2º — Determinar que os órgãos e entidades do Ministério da Saúde, cujas ações se relacionem com o tema objeto da Política ora
aprovada, promovam a elaboração ou a readequação de seus planos, programas, projetos e atividades em conformidade com as diretrizes e
responsabilidades nela estabelecidas.

Art. 3º — Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 16 de maio de 2001.

BARJAS NEGRI

ANEXO

POLÍTICA NACIONAL DE REDUÇÃO DA MORBIMORTALIDADE POR ACIDENTES E VIOLÊNCIAS

(Disponível no site http://www.saude.ba.gov.br/samu/arquivos/portarias/Portaria%20n%C2%BA%20737%20GM%2016%20de%20maio%


20de%202001.doc)
Anexo XI
Resolução CFM Nº 1.672, de 09 de julho de 2003
os equipamentos médicos necessários para esta função, sendo obri-

D ispõe sobre o transporte inter-hospitalar de


pacientes e dá outras providências.

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições con-


gatória, quando em serviço a presença do médico em seu interior;

CONSIDERANDO que a ambulância tipo E, denominada


aeronave de transporte médico, é a aeronave de asa fixa ou rotativa
utilizada para transporte de pacientes por via aérea, dotada de equi-
pamentos médicos homologados pelos órgãos competentes;
feridas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada
pelo Decreto nº 44.045, de 9 de julho de 1958,e CONSIDERANDO que a ambulância tipo F, denominada
nave de transporte médico, é o veículo motorizado hidroviário desti-
CONSIDERANDO que os Conselhos Federal e Regionais de nado ao transporte de pacientes por via marítima ou fluvial, devendo
Medicina são os órgãos supervisores e disciplinadores da classe possuir os equipamentos médicos necessários ao atendimento dos
médica, bem como fiscalizadores do exercício profissional médico, mesmos conforme sua gravidade;
devendo, portanto, zelar pelas condições adequadas dos serviços
médicos prestados à população; CONSIDERANDO que, de acordo com o Decreto Lei nº
20.391/32 e as Resoluções CFM nºs 1.342/91 e 1.352/92, nenhum
CONSIDERANDO que a responsabilidade fundamental da estabelecimento de assistência médica pode funcionar sem um res-
atividade médica é procurar preservar a vida, aliviar o sofrimento, ponsável médico;
promover a saúde e melhorar a qualidade e a eficácia do tratamento
emergencial; CONSIDERANDO que os procedimentos e orientações nas
ações de transferência da rede hospitalar devem ser supervisionados
CONSIDERANDO a existência de serviços de atendimento por médico, não podendo este se omitir na sua função tutelar da vida
pré-hospitalar que prestam atendimentos de urgência/emergência à como bem indisponível;
população, com veículos já padronizados;
CONSIDERANDO que os Conselhos devem regulamentar
CONSIDERANDO que o transporte de pacientes através de as condições dos transportes inter-hospitalares no atendimento pres-
ambulâncias, com os equipamentos necessários e competente classi- tado à população, visando que neles o desempenho ético-
ficação, está devidamente estabelecido pelas Resoluções CFM nº profissional da Medicina seja efetivo;
1.671/2003 e nº 1.596/2000 (transporte aeromédico), além de nor-
matização específica do Ministério da Saúde; CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plená-
ria realizada em 9/07/03,
CONSIDERANDO que a ambulância tipo A, denominada
ambulância de transporte, é o veículo destinado ao transporte em RESOLVE:
decúbito horizontal de pacientes que não apresentam risco de vida,
para remoções simples e de caráter eletivo; Art. 1º — Que o sistema de transporte inter-hospitalar de paci-
entes deverá ser efetuado conforme o abaixo estabelecido:
CONSIDERANDO que a ambulância tipo B, denominada
ambulância de suporte básico, é o veículo destinado ao transporte I - O hospital previamente estabelecido como referência não
pré-hospitalar de pacientes com risco de vida desconhecido e trans- pode negar atendimento aos casos que se enquadrem em sua capaci-
porte inter-hospitalar, contendo apenas os equipamentos mínimos à dade de resolução.
manutenção da vida;
II - Pacientes com risco de vida não podem ser removidos sem
CONSIDERANDO que a ambulância tipo C, denominada a prévia realização de diagnóstico médico, com obrigatória avaliação
ambulância de resgate é o veículo de atendimento de emergências e atendimento básico respiratório e hemodinâmico, além da realiza-
pré-hospitalares de pacientes com risco de vida desconhecido, con- ção de outras medidas urgentes e específicas para cada caso.
tendo os equipamentos necessários à manutenção da vida;
III - Pacientes graves ou de risco devem ser removidos acom-
CONSIDERANDO que a ambulância tipo D, denominada panhados de equipe composta por tripulação mínima de um médico,
ambulância de suporte avançado (ASA) ou ambulância UTI móvel, um profissional de enfermagem e motorista, em ambulância de
é o veículo destinado ao transporte de pacientes de alto risco de e- suporte avançado. Nas situações em que seja tecnicamente impossí-
mergências pré-hospitalares e transporte inter-hospitalar, contendo vel o cumprimento desta norma, deve ser avaliado o risco potencial
do transporte em relação à permanência do paciente no local de EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE
origem.
Presidente do Conselho
IV - Antes de decidir a remoção do paciente, faz-se necessário
realizar contato com o médico receptor ou diretor técnico no hospital
de destino, e ter a concordância do(s) mesmo(s).
RUBENS DOS SANTOS SILVA
V - Todas as ocorrências inerentes à transferência devem ser
registradas no prontuário de origem. Secretário - Geral

VI - Todo paciente removido deve ser acompanhado por rela-


tório completo, legível e assinado (com número do CRM), que pas-
sará a integrar o prontuário no destino. Quando do recebimento, o
relatório deve ser também assinado pelo médico receptor.

VII - Para o transporte, faz-se necessária a obtenção de con-


sentimento após esclarecimento, por escrito, assinado pelo paciente
ou seu responsável legal. Isto pode ser dispensado quando houver
risco de morte e impossibilidade de localização do(s) responsável
(is). Nesta circunstância, o médico solicitante pode autorizar o trans-
porte, documentando devidamente tal fato no prontuário.

VIII - A responsabilidade inicial da remoção é do médico


transferente, assistente ou substituto, até que o paciente seja efetiva-
mente recebido pelo médico receptor.

a) A responsabilidade para o transporte, quando realizado por


Ambulância tipo D, E ou F é do médico da ambulância, até sua
chegada ao local de destino e efetiva recepção por outro médico.

b) As providências administrativas e operacionais para o trans-


porte não são de responsabilidade médica.

IX - O transporte de paciente neonatal deverá ser realizado em


ambulância do tipo D, aeronave ou nave contendo:

a) Incubadora de transporte de recém-nascido com bateria e


ligação à tomada do veículo (12 volts), suporte em seu próprio pe-
destal para cilindro de oxigênio e ar comprimido, controle de tempe-
ratura com alarme. A incubadora deve estar apoiada sobre carros
com rodas devidamente fixadas quando dentro da ambulância;

b) Respirador de transporte neonatal;

c) Nos demais itens, deve conter a mesma aparelhagem e


medicamentos de suporte avançado, com os tamanhos e especifica-
ções adequadas ao uso neonatal.

Art. 2º — Os médicos diretores técnicos das instituições, in-


clusive os dos serviços de atendimento pré-hospitalar, serão respon-
sáveis pela efetiva aplicação destas normas.

Art. 3º — Esta resolução entra em vigor na data de sua publi-


cação, sendo revogadas as disposições em contrário.

Brasília, 09 de julho de 2003.

424
Anexo XII
Resolução CFM Nº 1.451, de 10 de março de 1995
♦ Clínica Médica;

E stabelece estruturas para prestar atendimento


nas situações de urgência-emergência, nos
Pronto Socorros Públicos e Privados.



Pediatria;
Cirurgia Geral;
Ortopedia.
Art. 3º — A sala de emergência deverá, obrigatoriamente,
estar equipada com:
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das
atribuições que lhe confere a Lei 3.268, de 30 de setembro de 1957, ♦ Material para reanimação e manutenção cardio-
regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 e, respiratória;
♦ Material para oxigenação e aspiração;
CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são os ♦ Material para procedimentos de urgência.
órgãos supervisores e fiscalizadores do exercício profissional, e das
Art. 4º — Os recursos técnicos mínimos disponíveis, em fun-
condições de funcionamento dos serviços médicos prestados à po-
cionamento ininterrupto, para o Pronto Socorro, deverão ser:
pulação;
♦ Radiologia;
CONSIDERANDO que o Código de Ética Médica estabelece ♦ Laboratório de análises clínicas;
os princípios norteadores da boa prática médica; ♦ Centro cirúrgico;
♦ Unidade de terapia intensiva;
CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina constata-
♦ Unidade transfusional;
ram condições estruturais, materiais e humanas inadequadas ao aten-
♦ Farmácia básica para urgência;
dimento à população nos serviços de Prontos Socorros;
♦ Unidade de transporte equipado.
CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer as normas Art. 5º — O estabelecimento de Pronto Socorro deverá per-
mínimas para funcionamento dos estabelecimentos de saúde de manecer à disposição da população em funcionamento ininterrupto;
Pronto Socorro;
Art. 6º — Os diferentes portes de Prontos Socorros de maior
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em Reunião Ple- complexidade deverão ser definidos em cada Estado pelos Conse-
nária realizada em 10 de março de 1995, lhos Regionais de Medicina, de acordo com as realidades regionais e
as necessidades de atendimento à população;
RESOLVE:
Art. 7º — Esta Resolução entra em vigor na data de sua publi-
Art. 1º — Os estabelecimentos de Prontos Socorros Públicos e cação.
Privados deverão ser estruturados para prestar atendimento a situa-
ções de urgência-emergência, devendo garantir todas as manobras São Paulo-SP, 10 de março de 1995.
de sustentação da vida e com condições de dar continuidade à assis-
tência no local ou em outro nível de atendimento referenciado.

Parágrafo Primeiro — Define-se por URGÊNCIA a ocorrên- WALDIR PAIVA MESQUITA


cia imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida,
cujo portador necessita de assistência médica imediata. Presidente do Conselho

Parágrafo Segundo — Define-se por EMERGÊNCIA a cons-


tatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em
risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo portanto, ANTÔNIO HENRIQUE PEDROSA NETO
tratamento médico imediato.
Secretário - Geral
Art. 2º — A equipe médica do Pronto Socorro deverá, em
regime de plantão no local, ser constituída, no mínimo, por profissio-
nais das seguintes áreas:
♦ Anestesiologia;
Anexo XIII
Licença de Documentação Livre GNU

E
ou distribuir o trabalho de um modo que necessite de permissão de
acordo com a lei de direitos autorais.
sta é uma tradução não oficial da Licença de Do- Uma “Versão Modificada” do Documento se refere a qual-
cumentação Livre GNU em Português do Brasil. quer trabalho contendo o Documento ou uma parte deste, quer seja
Ela não é publicada pela Free Software Foundation, e não se aplica copiado sem modificações, quer com modificações e/ou traduzido
legalmente à distribuição de documentos que usem a GNU LDL — para outra língua.
apenas o texto original em Inglês da GNU FDL se aplica. Contudo,
esperamos que esta tradução ajude os falantes desta língua a enten- Uma “Seção Secundária” é um apêndice com nome ou uma
der melhor a GNU GFL. seção inicial do Documento que trata exclusivamente da relação dos
editores ou autores do Documento com seu assunto geral (ou temas
Versão 1.2, Novembro de 2002. relacionados) e não contém nada que possa estar diretamente dentro
Copyright © 2000, 2001, 2002 Free Software Foundation, do assunto geral. Assim, se o Documento é em parte um livro-texto
Inc. 59 Temple Place, Suite 330, Boston, MA 02111-1307 USA. de matemática, uma Seção Secundária não pode explicar nada de
matemática. Tal relação pode ser uma conexão histórica com o as-
É permitido a qualquer um copiar e distribuir cópias exatas sunto ou com temas relacionados, ou tratar de questões legais, co-
deste documento de licença, embora não seja permitido alterá-lo. merciais, filosóficas, éticas ou políticas com relação a eles.
1. PREÂMBULO “Seções Invariantes” são certas Seções Secundárias cujos
O propósito desta Licença é fazer com que um manual, livro- títulos são designados como sendo de Seções invariantes na nota que
texto, ou outro documento funcional e útil seja livre, garantindo a afirma que o Documento é publicado sob esta Licença. Se uma
todos a liberdade efetiva de copiá-lo e redistribuí-lo, com ou sem seção não se encaixa na definição acima de Secundária, então não se
modificações, tanto comercialmente como não comercialmente. Em permite que seja designada como Invariante. O Documento pode
segundo lugar, esta Licença fornece ao autor e ao editor um meio de não conter nenhuma Seção Invariante. Se o documento não identifi-
obter crédito pelo seu trabalho, não sendo, ao mesmo tempo, consi- car quaisquer Seções Invariantes, então não há nenhuma.
derados responsáveis por modificações feitas por outros. “Textos de Capa” são certas passagens de texto que são listada
Esta licença é um tipo de “esquerdo de cópia” (copyleft), o que como Textos de Capa Frontal ou Texto de Quarta Capa, na nota que
significa que trabalhos derivados dos documentos devem, por sua afirma que o Documento é publicado sob esta Licença. Um Texto
vez, ser livres no mesmo sentido. Ela complementa a Licença Públi- de Capa Frontal pode ter no máximo 5 palavras, e um Texto de
ca Geral GNU, a qual é uma licença de esquerdo de cópia criada Quarta Capa pode ter no máximo 25 palavras.
para programas livres. Uma cópia “Transparente” do Documento significa uma có-
Criamos esta Licença para que seja usada em manuais para pia que pode ser lida pelo computador, representada em um formato
programas livres, porque programas livres precisam de documenta- cuja especificação esteja disponível ao público geral, que seja apro-
ção livre: um programa livre deveria vir com manuais que ofereçam priada para a imediata revisão do documento usando-se editores de
as mesmas liberdades que o programa oferece. Mas esta Licença texto genéricos ou (para imagens compostas de pixels) programas
não está limitada a manuais de programas de computador; ela pode gráficos genéricos ou (para desenhos) algum editor de desenhos
ser usada para qualquer trabalho de texto, independentemente do amplamente disponível, e que seja apropriado para inclusão em
assunto ou se é publicado como um livro impresso. Nós recomenda- formatadores de texto ou para tradução automática para uma varie-
mos esta Licença principalmente para trabalhos cujo propósito é dade de formatos apropriados para inclusão em formatadores de
instrução ou referência. texto. Uma cópia feita em outro formato de arquivo Transparente
cuja marcação, ou ausência desta, foi manipulada para impedir ou
2. APLICABILIDADE E DEFINIÇÕES
desencorajar modificação subsequente pelos leitores não é Transpa-
Esta licença se aplica a qualquer manual ou outro trabalho, em rente. Um formato de imagem não é Transparente se usado em lugar
qualquer meio, que contenha uma nota introduzida pelo detentor dos de qualquer quantidade substancial de texto. Uma cópia que não é
direitos autorais dizendo que o documento pode ser distribuído sob “Transparente” é chamada “Opaca”.
os termos desta. Tal nota garante uma licença mundial, livre de ro-
Exemplos de formatos apropriados para cópias Transparentes
yalties, de duração ilimitada, para usar este trabalho sob as condições
incluem ASCII puro sem marcação, formato de entrada Texinfo,
aqui colocadas. O “Documento”, a seguir, se refere a qualquer tal
LaTex, SGML ou XML usando um DTD publicamente disponível,
manual ou trabalho. Qualquer membro do público é um licenciado,
e HTML padrão simples, PostScript ou PDF projetados para modifi-
e será tratado por “você”. Você aceita a licença se copiar, modificar
cação por humanos. Exemplos de formatos de imagem transparen-
tes incluem PNG, XCF e JPG. Formatos Opacos incluem formatos título completo com todas as palavras deste igualmente proeminen-
proprietários que podem ser lidos e editados somente por processa- tes e visíveis. Você pode adicionar outro material nas capas. Cópias
dores de texto proprietários, SGML ou XML para os quais o DTD com mudanças limitadas às capas, desde que preservando o título do
e/ou ferramentas de processamento não são largamente disponibili- Documento e satisfazendo estas condições, podem ser tratadas como
zadas, e HTML, Postscript ou PDF gerados automaticamente com cópias literais em outros aspectos.
propósito apenas de saída por alguns processadores de texto.
Se os textos necessários a qualquer uma das capas são demasi-
“Página de Título” significa, para um livro impresso, a própria ado volumosos para serem incluídos de forma legível, você deve
página do título, além das páginas subsequentes necessárias para colocar os primeiros listados (quantos couberem razoavelmente) na
conter, de forma legível, o material que esta Licença requer que própria capa, e continuar o resto nas páginas adjacentes.
apareça na página do título. Para trabalhos em formatos que não têm
Se você publicar ou distribuir cópias Opacas do Documento
uma página de título assim, “Página de Título” significa o texto pró-
em número maior que 100, você deve ou incluir uma cópia Transpa-
ximo à ocorrência mais proeminente do título do trabalho, preceden-
rente legível por computador juntamente com cada cópia Opaca, ou
do o início do corpo do texto.
dizer em, ou juntamente com, cada cópia Opaca um endereço de
Uma seção “Intitulada XYZ” significa uma sub-unidade com rede a partir do qual o público geral possa acessar e obter, usando
nome do Documento cujo título ou é precisamente XYZ ou contém protocolos de rede públicos padrão, uma cópia Transparente com-
XYZ em parênteses seguindo o texto que traduz XYZ em outra pleta do Documento, livre de material adicionado. Se você decidir
língua. (Aqui XYZ representa o nome de uma seção específica men- pela segunda opção, você deve seguir passos razoavelmente pruden-
cionado acima, tal como “Agradecimentos”, “Dedicatória”, tes, quando começar a distribuir as cópias Opacas em quantidade,
“Apoio”, ou “Histórico”). “Preservar o Título” de uma seção assim para garantir que esta cópia transparente permanecerá acessível no
quando você modifica o Documento significa que ela continua sen- local indicado por pelo menos um ano após a última vez que você
do uma seção “Intitulada XYZ” de acordo com esta definição. distribuir uma cópia Opaca (diretamente ou através de seus agentes
ou distribuidor) desta edição ao público.
O Documento pode incluir Notas de Garantia em seguida à
nota que afirma que esta Licença se aplica ao Documento. Estas É solicitado, mas não exigido, que você contate os autores do
Notas de Garantia são tidas como inclusas por referência nesta Li- Documento muito antes de redistribuir qualquer número grande de
cença, mas somente com relação às notas de garantia: qualquer outra cópias, para dar a eles uma chance de lhe fornecer uma versão atuali-
implicação que estas Notas de Garantia possam ter é anulada e não zada do Documento.
tem efeito algum no conteúdo desta Licença.
5. MODIFICAÇÕES
3. CÓPIAS LITERAIS
Você pode copiar e distribuir uma Versão Modificada do
Você pode copiar e distribuir o Documento em qualquer meio, Documento sob as condições das seções 2 e 3 acima, desde que
comercialmente ou não-comercialmente, desde que esta licença, as você forneça a Versão Modificada estritamente sob esta Licença,
notas de direitos autorais (copyright), e a nota de licença afirmando com a Versão Modificada no papel de Documento, permitindo as-
que esta Licença se aplica ao Documento sejam reproduzidas em sim a distribuição e modificação da Versão Modificada a quem quer
todas as cópias, e que você não inclua outras condições, quaisquer que possua uma cópia desta. Além disso, você deve executar os
que sejam, às condições desta Licença. Você não pode usar de medi- seguintes procedimentos na Versão Modificada:
das técnicas para obstruir ou controlar a leitura ou cópia futura das
A. Use na Página de Título (e nas capas, se alguma) um título
cópias que você fizer ou distribuir. Contudo, você pode aceitar com-
distinto do título do Documento, e dos de versões anteriores (os
pensação em troca das cópias. Se você distribuir um número sufici-
quais devem, se houver algum, ser listados na seção “Histórico” do
entemente grande de cópias, você deve também respeitar as condi-
Documento). Você pode usar o mesmo título que uma versão prévia
ções na seção 4.
se o editor original daquela versão assim o permitir.
Você pode também emprestar cópias, sob as mesmas condi-
B. Liste na Página de Título, como autores, uma ou mais pes-
ções acima mencionadas, e você também as pode mostrar publica-
soas ou entidades responsáveis pela autoria ou modificações na Ver-
mente.
são Modificada, juntamente com pelo menos cinco dos autores prin-
4. COPIANDO EM QUANTIDADE cipais do Documento (todos seus autores principais, se houver me-
nos que cinco), a menos que estes lhe desobriguem desta exigência.
Se você publicar cópias impressas (ou cópias em um meio que
normalmente tem capas impressas) do documento, em número mai- C. Mencione na Página de Título o nome do editor da Versão
or que 100, e a nota de licença do Documento requer Textos de Modificada, como seu editor.
Capa, você deve encadernar as cópias em capas que carreguem, de
D. Preserve todas as notas de direitos autorais (copyright) do
forma clara e legível, todos estes Textos de Capa: Textos de Capa
Documento.
Frontal na capa frontal, e Textos de Quarta Capa na quarta capa.
Ambas as capas devem também identificar, de forma clara e legível, E. Adicione uma nota apropriada de direitos autorais para suas
você como o editor das cópias. A capa frontal deve apresentar o modificações, adjacente às outras notas de direitos autorais.

428
F. Inclua, imediatamente após as notas de direitos autorais, Você pode adicionar uma passagem de até cinco palavras
uma nota de licença dando ao público permissão para usar a Versão como Texto de Capa Frontal, e uma passagem de até 25 palavras
Modificada sob os termos desta Licença, na forma mostrada no como Texto de Quarta Capa, ao fim da lista de Textos de Capa na
Adendo abaixo. Versão Modificada. Somente uma passagem de Texto de Capa
Frontal e uma de Texto de Quarta Capa pode ser adicionado por (ou
G. Preserve naquela nota de licença a lista completa de Seções
através de arranjos feitos por) uma entidade qualquer. Se o Docu-
Invariantes e Textos de Capa requeridos dados na nota de licença do
mento já incluir um texto de capa para a mesma capa, previamente
Documento.
incluído por você ou por arranjo feito pela mesma entidade em cujo
H. Inclua uma cópia inalterada desta Licença. nome você está agindo, você não pode adicionar outro; mas você
I. Preserve a seção intitulada “Histórico”, preserve seu título, e pode substituir o antigo, com permissão explícita do editor anterior,
adicione a esta um item mencionando pelo menos o título, ano, no- que o incluiu.
vos autores, e editor da Versão Modificada conforme incluído na O(s) autor(es) e editor(es) do Documento, por esta Licença,
Página de Título. Se não houver uma seção intitulada “Histórico” no não dão permissão para seus nomes serem usados para publicidade
Documento, crie uma mencionando o título, ano, autores e editor do ou defesa ou apoio implícito para qualquer Versão Modificada.
Documento como mostrado na Página de Título, em seguida adicio-
ne um item descrevendo a Versão Modificada como mencionado na
sentença anterior. 6. COMBINANDO DOCUMENTOS
J. Preserve o endereço de rede, se algum, dado no Documento Você pode combinar o documento com outros documentos
para acesso público a uma cópia Transparente deste e, da mesma publicados sob esta Licença, sob os termos definidos na seção 4
maneira, os endereços de rede dados no Documento para versões acima para versões modificadas, desde que você inclua na combina-
prévias nas quais este se baseia. Estes podem ser colocados na seção ção todas as Seções Invariantes de todos os documentos originais,
“Histórico”. Você pode omitir um endereço de rede para um traba- sem modificações, e as liste como Seções Invariantes de seu traba-
lho que foi publicado pelo menos quatro anos antes do Documento lho combinado, na sua nota de licença, e que você preserve todas as
em si, ou se o editor original da versão à qual o endereço se refere Notas de Garantia.
der permissão.
O trabalho combinado somente precisa conter uma cópia desta
K. Para qualquer seção intitulada “Agradecimentos” ou Licença, e múltiplas Seções Invariantes idênticas podem ser substi-
“Dedicatória”, preserve o título da seção, e preserve dentro da seção tuídas por uma única cópia. Se houver múltiplas Seções Invariantes
toda a substância e tom de cada um dos agradecimentos e/ou dedica- com o mesmo nome, porém com conteúdos diferentes, torne o título
tórias lá mencionados. de cada uma destas seções único, adicionando ao fim dele, entre
parênteses, o nome do autor ou editor original desta seção, se conhe-
L. Preserve todas as Seções Invariantes do Documento, inalte-
cido, ou então um número único. Faça o mesmo ajuste nos títulos de
radas no seu texto e títulos. Números de seção ou o equivalente não
seção na lista de Seções Invariantes na nota de licença do trabalho
são considerados parte dos títulos das seções.
combinado.
M. Apague qualquer seção intitulada “Apoio”. Tal seção não
Na combinação, você deve combinar quaisquer seções intitu-
ser incluída na Versão Modificada.
ladas “Histórico” nos vários documentos originais, formando uma
N. Não modifique o título de qualquer seção a ser intitulada seção intitulada “Histórico”; do mesmo modo, combine quaisquer
“Apoio” ou que resulte em conflito com título de qualquer Seção seções intituladas “Agradecimentos”, e quaisquer seções intituladas
Invariante. “Dedicatória”. Você deve apagar todas as seções intituladas
O. Preserve quaisquer notas de garantia. “Apoio”.

Se a Versão Modificada incluir novas seções iniciais ou apên-


dices que sejam qualificados como Seções Secundárias, e não conti- 7. COLEÇÕES DE DOCUMENTOS
ver material copiado do Documento, você pode, a seu critério, tornar
Você pode fazer uma coleção consistindo do Documento e
algumas dessas ou todas essas seções em invariantes. Para fazer isso,
outros documentos publicados sob esta Licença, e substituir as có-
adicione seus títulos à lista de Seções Invariantes na nota de licença
pias individuais desta Licença, nos vários documentos, por uma
da Versão Modificada. Estes títulos devem ser distintos de quaisquer
única cópia a ser incluída na coleção, desde que você siga as regras
outros títulos de seções.
desta Licença para cópias literais de cada documento em todos os
Você pode incluir uma seção intitulada “Apoio”, dado que ela outros aspectos.
contenha nada além de apoio recebido para sua Versão Modificada
Você pode extrair um único documento desta coleção, e distri-
por várias fontes — por exemplo, notas do revisor ou de que o texto
buí-lo individualmente sob esta Licença, desde que você insira uma
foi aprovado por uma organização como a definição autoritativa de
cópia desta Licença no documento extraído, e siga esta Licença em
um padrão.
todos os outros aspectos com relação à cópia literal do documento.

429
8. AGREGAÇÃO A TRABALHOS INDEPENDENTES desta Licença “ou qualquer versão posterior” se aplica a ele, você
tem a opção de seguir os termos e condições ou da versão especifi-
Uma compilação do Documento ou seus derivados com ou-
cada ou de qualquer versão posterior que tenha sido publicada (não
tros documentos ou trabalhos separados e independentes, dentro de
como rascunho) pela Free Software Foundation. Se o documento
ou junto a um volume de um meio de armazenagem ou distribuição,
não especificar um número de versão desta Licença, você pode es-
configura um “agregado” se os direitos autorais resultantes da com-
colher qualquer versão já publicada (não como rascunho) pela Free
pilação não forem usados para limitar os direitos legais dos usuários
Software Foundation.
desta além do que os trabalhos individuais permitem. Quando o
Documento é incluído em um agregado, esta Licença não se aplica ADENDO: Como usar esta Licença em seus documentos:
aos outros trabalhos no agregado que não forem, por sua vez, deriva-
Para usar esta Licença em um documento que você escreveu,
dos do Documento.
inclua uma cópia desta no documento e adicione as seguintes notas
Se o requerimento do Texto de Capa da seção 3 for aplicável a de direitos autorais e licença logo após a página de título:
estas cópias do documento, então, se o Documento for menor que
Copyright (c) ANO SEU NOME.
metade do agregado inteiro, os Textos de Capa do Documento po-
dem ser colocados em capas que encerrem o Documento dentro do É garantida a permissão para copiar, distribuir e/ou modifi-
agregado, ou o equivalente eletrônico das capas se o Documento car este documento sob os termos da Licença de Documentação
estiver em formato eletrônico. Do contrário, eles devem aparecer Livre GNU (GNU Free Documentation License), Versão 1.2 ou
como capas impressas que envolvam o agregado inteiro. qualquer versão posterior publicada pela Free Software Foundation;
sem Seções Invariantes, Textos de Capa Frontal, e sem Textos de
9. TRADUÇÕES
Quarta Capa. Uma cópia da licença é incluída na seção intitulada
Uma tradução é considerada como sendo um tipo de modifi- “GNU Free Documentation License”.
cação, então você pode distribuir traduções do Documento sob os
Se você tiver Seções Invariantes, Textos de Capa Frontal e
termos da seção 4. A substituição de Seções Invariantes por tradu-
Textos de Quarta Capa, substitua a linha “sem Seções...Capa.” por
ções requer permissão especial dos detentores dos direitos autorais,
isto:
embora você possa incluir traduções de algumas ou todas as Seções
Invariantes juntamente às versões originais destas. Você pode incluir com as Seções Invariantes sendo LISTE SEUS TÍTULOS,
uma tradução desta Licença, e todas as notas de licença no Docu- com os Textos de Capa Frontal sendo LISTA, e com os Textos de
mento, e qualquer Nota de Garantia, desde que você também inclua Quarta Capa sendo LISTA.
a versão original em Inglês desta Licença e as versões originais das Se você tiver Seções Invariantes sem Textos de Capa, ou algu-
notas de licença e garantia. Em caso de discordância entre a tradução ma outra combinação dos três, mescle estas duas alternativas para se
e a versão original desta Licença ou nota de licença ou garantia, a adequar à situação.
versão original prevalecerá.
Se seu documento contiver exemplos não-triviais de código de
Se uma seção no Documento for intitulada “Agradecimentos”, programação, recomendamos publicar estes exemplos paralelamen-
“Dedicatória”, ou “Histórico”, o requerimento (seção 4) de Preservar te, sob a licença de software livre que você escolher, como por e-
seu Título (seção 1) tipicamente exigirá a mudança do título em si. xemplo a Licença Pública Geral GNU (GNU General Public Licen-
10. TÉRMINO se), para permitir seu uso em software livre.

Você não pode copiar, modifica, sub-licenciar, ou distribuir o


Documento à exceção do modo expressamente provido por esta
Licença. Qualquer outra tentativa de copiar, modificar, sub-licenciar
ou distribuir o Documento é anulada, e implicará em término auto-
mático de seus direitos sob esta Licença. Contudo, as partes que
receberam cópias, ou direitos, de você sob esta Licença não terão
suas licenças terminadas enquanto tais partes permanecerem em
total acordo com a Licença.
11. REVISÕES FUTURAS DESTA LICENÇA
A Free Software Foundation pode publicar novas versões
revisadas da Licença de Documentação Livre GNU de tempos em
tempos. Tais versões serão similares em espírito à versão presente,
embora possam diferir em detalhes para abordar novos problemas
ou questões. Veja http://www.gnu.org/copyleft/.
A cada versão da Licença é dado um número de versão distin-
to. Se o Documento especificar que um número de versão particular

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