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O PAI NOSSO

“Pai”: é a tradução da palavra aramaica abbâ. O aramaico era a língua


que os judeus falavam no tempo de Jesus. O significado real dessa
palavra é “papai”. Trata-se, pois, da palavra que a criança usa quando
chama o próprio pai. Jesus mostra, então, que nossa relação com Deus
precisa partir da confiança, do amor, do carinho, da mesma forma que
uma criança se dirige com tais atitudes ao próprio pai. E como em Deus
não há sexo, poderíamos dizer que Deus, ao mesmo tempo, é “papai” e
mamãe”.
Ao rezar o Pai-Nosso, ou melhor, o “Papai nosso”, com o coração
totalmente confiante, nós começamos a nos “converter e a nos
tornar crianças para poder entrar no Reino do Céu” (cf. Mateus 18,3).
“Papai nosso”. Não é somente “papai meu”. Numa língua africana (o
kirundi, falada no Burundi), foi traduzido assim: “Pai de todos nós” (Dawe
wa twese). Seria suficiente a vivência dessas duas palavras para o
mundo inteiro viver na paz. Se Ele, pois, é Pai de todos nós, nós somos
irmãos e o mundo vira uma família.

“Que estais no Céu”: a palavra “Céu” indica o Reino de Deus. Ao invocar


o “Deus Papai”, expressamos a tensão para o Reino, quando poderemos
vê-Lo “face a face” (cf. 1 João 3,2).
Vosso Reino
“Santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso Reino, seja feita a
Vossa Vontade, assim na Terra como no Céu”. Trata-se de três pedidos,
sendo fundamental o segundo: “Venha a nós o Vosso Reino”.
Este Reino vem quando “fazemos a Sua Vontade” e proclamamos,
assim, a “santidade do Seu Nome”. A expressão “santificado seja o
vosso Nome” aponta para a realização da mensagem do profeta
Ezequiel: “Santificarei o meu grande nome” (36,23).
“Assim na Terra como no Céu”: “Céu” é o lugar onde, com a presença de
Deus, seu Reino sempre está presente: e nós rezamos pedindo que céu
e terra se unam, para que aconteça o Reino de Deus de maneira
completa.

O Pão-Nosso de cada dia nos dai hoje”: é a necessidade material, mas


com uma atitude de confiança e desapego, é a confiança em Deus, que
“cuida dos pássaros do céu e dos lírios do campo e muito mais de nós”
(cf. Mateus 6,26-30). E a necessidade também do desapego, pois
procuramos o “pão“, do qual necessitamos apenas para hoje, sem uma
exagerada preocupação para o dia de amanhã (cf. Mateus 6,34).
“Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos
tem ofendido”: é a necessidade espiritual. Trata-se de reconhecer
humildemente nossos pecados. Mas o perdão, a misericórdia de Deus,
manifesta-se somente se nós somos misericordiosos com o próximo:
“como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”.
Livrai-nos do mal
“E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”: é a
necessidade da Igreja. Aponta, pois, para a tentação dos discípulos
diante da Paixão de Jesus; e para a tentação da Igreja, no momento da
perseguição. Uma tentação que a Igreja primitiva, época na qual Mateus
escreve, conhecia muito bem.
A tentação continua, hoje, pois, como falou recentemente o Papa
Francisco, “o envio em missão, por parte de Jesus, não garante aos
discípulos o sucesso, assim como não os exime das falências nem dos
sofrimentos. Eles devem ter em conta quer a possibilidade da rejeição,
quer a da perseguição” (Reflexão na oração do Angelus de 25 de junho
de 2017). Esse é o “mal” futuro e possível.

Há também o “mal presente”, o espírito do mal que, neste momento, quer


nos desviar de Deus. Eis por que muitos biblistas traduzem “livrai-nos do
maligno”, em paralelismo com o que Jesus diz numa das parábolas: “vem
o maligno e rouba o que foi semeado no coração dele” (Mateus 13,19).

Eis, pois, como é riquíssimo o conteúdo do “Papai nosso”. Vamos


penetrar no coração dessa oração, sem a reduzir apenas às palavras
vazias, como fazem os pagãos (cf. Mateus 6,7).
O que Nosso Senhor nos ensina no Pai Nosso?
Nosso Senhor nos ensina o que precisamos desejar e pedir a Deus. Tudo em sete
pedidos.
Como se dividem esses sete pedidos?
São três que se relacionam diretamente a Deus, e quatro que são mais expressamente
relativos a nossos interesses.
O que lhe pedimos nos três primeiros pedidos?
Pedimos:
1o que seu nome seja glorificado,
2o que o seu reino venha a nós,
3o que sua vontade seja feita.
O que pedimos a Deus nos quatro últimos pedidos?
Pedimos:
1o nosso pão de cada dia,
2o o perdão dos nossos pecados,
3o a vitória sobre as tentações,
4o que os livre de todo mal.
E isso é tudo que devemos desejar?
Sim, Nosso Senhor não esqueceu de nada, e todo homem que regrar seus desejos
pelo Pai Nosso alcançara a felicidade eterna.
Vejamos cada afirmação comentada em detalhes:
[Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus..]
A oração deve começar com o reconhecimento da paternidade de Deus. Torna-
se necessário que aquele que busca a Deus em oração já esteja gozando de uma relação
espiritual de filiação com Ele. Quem pode tratar a Deus como Pai senão aquele que
através da regeneração e da adoção deixou de ser mera criatura e passou a ser filho? Há
pessoas para as quais Deus é um completo estranho. Elas proferem suas orações
chamando-o de Deus, Criador e até de "cara", mas aqueles que são filhos o chamam de
Pai. Já há outros, como os deístas, que confiando nos poderes de abstração da razão,
ignoram todos os atributos divinos e transformam a Deus em um ser totalmente impessoal
e incapaz de aproximar-se dos homens. Somente aqueles que já experimentaram a
comunicação da vida de Deus, o seu amor, o seu poder e a sua ternura, têm condições
de chamá-lo de Pai.
[..., santificado seja o teu nome]
Visto que Deus é absolutamente santo e perfeito em todos os seus caminhos,
surge a pergunta: por que devemos desejar que o seu nome seja santificado?
Santificação implica mudança, mas a Bíblia declara que Deus é imutável. Surge aqui uma
aparente contradição lógica e teológica.
O comentário de Barnes dissipa rapidamente essa fina névoa de dúvida: "O
nome de Deus é essencialmente santo; e o significado da petição é 'Permita que o
seu nome seja celebrado, venerado, e estimado como santo em todo o lugar, e
venha a receber de todos os homens a devida honra'. É assim a expressão do
desejo, da parte do adorador, de que o nome de Deus, ou Deus em si mesmo, seja
objeto de veneração"
Devemos lembrar que nós somos agentes nesse processo de santificação do nome de
Deus. Quando manifestamos uma vida cristã exemplar, abundante em boas obras e
sinais de fé, os ímpios, quando observam o nosso bom testemunho, "glorificam ao nosso
pai que está nos céus". O inverso ocorre quando os cristãos envolvem-se em graves
escândalos; os incrédulos blasfemam o nome de Deus, afastando-se do caminho da
salvação.
[Venha o teu reino]
Quando Pilatos perguntou a Jesus se Ele era o Rei dos judeus, recebeu a
seguinte resposta: "O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo,
os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus;
mas agora o meu reino não é daqui." (Jo 18:36). Embuído de um sentimento semelhante
Paulo diz "o que resta é que não só os casados sejam como se o não fossem; mas
também os que choram, como se não chorassem; e os que se alegram, como se não se
alegrassem; e os que compram, como se nada possuíssem;e os que se utilizam do
mundo, como se dele não usassem; porque a aparência deste mundo passa." (I Cor 7:29-
31).
Os filhos de Deus não procuram construir impérios nesse mundo que jaz no
maligno, não estão ligados a ambições terrenas e não buscam uma vida de vaidades.
Eles sabem que a sua pátria não é aqui, por isso, gemem, assim como toda a criação,
aguardando a redenção e o consequente estabelecimento de novos céus e nova terra; um
reino celeste que não poderá ser destruído.
Deve-se ressaltar, entretanto, que o reino de Deus tem um aspecto futuro e
presente. Embora esse reino tenha um significado escatológico, foi concedido aos
cristãos um antegozo de seus privilégios: o reino de Deus também tem um aspecto
presente; ele já se manifesta agora.
Isaias Lobão P. Jr., professor de História e Teologia, traz um descrição muito
interessante desse reino que se manifesta no "agora":
O termo Reino, no grego Basileia, têm um significado dinâmico, a chave para a
compreensão do evangelho de Jesus. O Reino é poder de Deus em ação entre os
homens por meio da pessoa de Jesus e seu ministério. Marcos registra esta realidade
presente em 9:1, "Lembre-se disto: há alguns aqui que não morrerão antes de verem o
Reino de Deus chegar com poder". (Bíblia na Linguagem de Hoje). Aqui Jesus pode estar
se referindo a sua ressurreição, afirmando que alguns dos seus discípulos o veriam como
o vencedor da morte. Prenunciando a vitória final.
Mas fica claro aqui, que o poder de Deus se manifesta em Jesus, ele é o
autobasileia, segundo as palavras de Orígenes. Para entender a expressão, autobasileia,
nos lembramos da verdade expressada por João, O Verbo se fez carne, a encarnação é
fundamental para a Teologia do Reino. Ela enfatiza a presença real de Deus na história,
pois o ideal de Deus se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, glória como a
do Pai.(Jo 1:14-15).
A chegada do Reino, não vem para cumprir as promessas de Deus em termos
políticos, como era o pensamento geral na época de Jesus. Segundo René Padilla, "sua
vitória é de dimensões universais. Seu exorcismo de demônios é um sinal de que, em
antecipação à destruição final de Satanás e suas hostes no fogo eterno, Deus invadiu a
esfera de ação de Satanás, como quem entra na casa do homem forte e o amarra antes
de saquear os bens,(Mc 3:27). Seus milages de cura são sinais que apontam para a
vinda do fim, quando a morte vai ser absorvida pela imortalidade.
Em diversas passagens ouvimos Jesus apregoar "É chegado o Reino de Deus"
(Mateus 10:7). Paulo reforça essa natureza presente do Reino de Deus dizendo que "o
reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo."
O cristão, portanto, deve orar fervorosamente pela vinda do Reino, não existindo
outro interesse maior do que esse. Os filhos de Deus não são como Demas que
abandonou o Evangelho amando o presente século. Eles decidiram ser promotores desse
maravilhoso Reino espiritual; amam propagá-lo, sentem-se privilegiados por serem seus
súditos e estão dispostos a dar a vida pelo seu Rei.
Infelizmente, a realidade evangélica atual é oposta ao "espírito" do Pai Nosso.
Muitas igrejas tornaram-se impérios terrenos, reinos dos homens, torres em construção
que almejam tocar os céus; os seus reis são seus papas e acham que a sua dinastia será
estabelecida para sempre. Mas o Rei dos Reis e o Senhor dos Senhores irá destroná-los
e os lançará por terra e os exporá à ignomínia eterna.
Também muitos que se dizem cristãos já não vivem a realidade do Reino;
expulsaram ao Senhor Jesus de seus corações, e o rei entronizado agora é o próprio
"eu".
[faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu]

Várias verdades podem ser destacadas com base nesse pedido:

1) A vontade de Deus deve ser colocada acima de todas as vontades individuais.


Sabemos que a natureza egoísta do homem normalmente levá-o a desejar, em
primeiro lugar, aquilo que possa trazer-lhe benefícios imediatos. Por isso ele costuma
priorizar a concretização de sua própria vontade; a do outro geralmente lhe é
completamente estranha, sendo às vezes considerada inimiga, quando almeja o mesmo
objeto.
São cada vez mais raros os cristãos que põem a vontade de Deus em primeiro
lugar. Naqueles raros momentos em que ajoelham para buscar ao Senhor, gastam todo o
diminuto tempo de suas orações somente pedindo bençãos materiais: emprego, carro,
casa, etc. Desprezam totalmente a vontade de Deus e nem chegam a cogitar quais são
os propósitos do Altíssimo em relação à sua vida e em relação à humanidade.
Mas o sábio sabe que a fonte de benção é exatamente esse desejo de ver a
vontade de Deus atingir o seu pleno cumprimento. Aqueles que se engajam
completamente no Reino de Deus e colaboram para a concretização de seus propósitos
são os que mais experimentam o poder miraculoso da providência divina.
Ainda que a vontade de Deus se revele absurda para a vida de um cristão em
particular, ainda assim, essa vontade é melhor do que os seus caprichos pessoais, pois
os desígnios do Senhor, ainda que sejam misteriosos, sempre contribuirão para o bem
daqueles que o amam. Melhor seguir a vontade do Senhor com dor do que seguir a nossa
vontade com prazer.
2) A vontade de Deus implica obediência
Ao pedir que a vontade de Deus seja cumprida o cristão ao mesmo tempo
assume o compromisso de submete-se a essa vontade através da obediência. Desde
quando Adão pecou no Jardim do Éden, instalou-se no homem uma inimizade contra
Deus que o impede de submeter-se à Sua vontade; a obediência passou a ser sinômino
de escravidão. Desde o Iluminismo o homem vem defendendo a idéia de uma liberdade
absoluta em todos os campos: político, econômico, religioso, moral, etc. Submeter-se a
uma vontade qualquer passou a soar algo extremamente ofensivo, uma violação contra
os direitos do homem.
Sabemos, porém que a liberdade que o homem defende, na verdade é uma
escravidão disfarçada; ele renuncia a um Senhor, que é o nosso Deus para passar a
servir a outro senhor, o pecado com toda a sua perversidade. A humanidade tem pago um
preço caro por ter rejeitado a graça da salvação, pois tem se degenerado a cada dia. Os
prognósticos a respeito do futuro da civilização são todos terrivelmente sombrios.
Mas os cristãos que já conhecem o amor de Deus regozijam-se em submeter-se
a Ele, pois o obedecem assim como o filho obedece ao Pai, em uma relação de
reverência, mas também de amor. Os filhos de Deus sabem também que os propósitos
que Ele tem para a humanidade apontam sempre para o maior de todos: a salvação dos
homens, a redenção. Revela grande sabedoria aquele que resolve obedecer ao Senhor
Jesus Cristo, isto porque a vontade do Senhor é a mais sublime de todas as vontades,
pelo fato de ser totalmente arraigada no amor.

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