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O Admirável Mundo Novo

Análise Completa

O Admirável Mundo Novo, escrito por Aldous Huxley, é um livro que nos retrata um
futuro distante onde as pessoas não envelhecem fisicamente, onde a doença é rara e onde a
organização social e a própria mentalidade das pessoas mudaram drasticamente.

Nesta sociedade avançada a raça humana já não é considerada vivípara. Os próprios


termos que hoje aparentam ser banais como filhos, pais e mães foram completamente
esquecidos pelas pessoas perdendo completamente o significado de ser algo bom e que
transmite alegria. Muito pelo contrário do que hoje é entendido, a própria utilização destas
palavras era algo grosseiro que repugnava quem as ouvia. Uma família era algo imoral que foi
completamente abolido da Terra.

Não sendo o Homem vivíparo, a forma de serem renovadas as gerações futuras era em
laboratório onde não era necessário que nenhuma mulher acolhesse a futura criança. Os
embriões eram cuidadosamente tratados nas várias provetas existentes nos colossais
laboratórios por onde passavam por complicados processos que eram minuciosamente
vigiados e controlados pelos responsáveis sendo assim possível moldá-los da forma que fosse
necessária. Nestes processos, mesmo antes de terem nascido, as pessoas eram divididas em
diferentes classes sociais, as castas. Estas apresentavam diferentes privilégios e diferentes
capacidades que oscilavam, como a inteligência, a estatura física e a capacidade de raciocínio.
Existiam cinco castas, os alfas, os betas, os gamas, os deltas e os épsilões, sendo os alfas os que
obtinham mais privilégios e os que apresentavam uma inteligência acima das outras castas
podendo exercer funções e cargos mais importantes que exigiam uma maior e mais complexa
capacidade de raciocínio.

Já depois de nascidos, ainda em crianças, as diferentes castas eram divididas e


submetidas a processos de aprendizagem durante o sono, a hipnopedia. Esta forma de poder
transmitir conhecimento às crianças consistia em uma mesma lição, que divergia de casta para
casta, ser transmitida de forma repetitiva durante o sono dos mais novos que estando a dormir
absorviam a informação de forma rápida e precisa. A hipnopedia tinha apenas o defeito de nas
castas mais baixas, devido à menor capacidade mental, a informação ser memorizada por
estes, porém, não compreendida. Com este processo malicioso onde não era dada a hipótese
às crianças de poderem pensar por si próprias de forma original, era desde cedo possível
realizar uma controlada lavagem cerebral àqueles que menos sabiam. Desta forma era
assegurado pelo governo que nenhum ser iria contra os ideais e os princípios desta distópica
sociedade.
Um dos principais princípios era a constante luta contra a solidão onde o próprio ato de
ser alguém só e distante dos outros era grave e visto como algo indecente e de alguma forma
pouco digno podendo demonstrar defeito na pessoa. As relações sexuais com diferentes
pessoas com quem não tinham estabelecido nenhum tipo de afeto era algo normal e correto
que era incentivado às crianças sendo o contrário algo anormal. Se uma mulher andasse
apenas com um homem ou tivesse ideias para tal era excluída por ser considerada pouco ética.
Assim, as pessoas estavam ao dispor das outras e todos andavam ora uma vez com uma pessoa
ora outra vez com outra. Uma das frases que no livro é constantemente referida é sobre a luta
contra a solidão, “Cada um pertence a todos os outros”1.

Nesta sociedade futura todos são felizes. A felicidade, de acordo com as lições de
hipnopedia, é a principal característica desta sociedade. Porém, esta alegria sentida pelas
pessoas é falsa e plástica, algo que não é realmente sentido. O sorriso que é constantemente
vivido pelas pessoas é fruto da utilização de uma droga perfeita conhecida como soma; todas
as pessoas tinham sempre consigo pequenas porções de soma. Esta substância viciosa faz com
que a pessoa que a ingira esqueça todos os inconvenientes e problemas à sua volta e fique com
um repentino bem-estar pouco verdadeiro. Esta droga, dando significado à alcunha
conveniente é perfeita pois não implica riscos de saúde caso não seja ingerida em excesso, algo
que raramente acontece. Desta forma, outro dos principais princípios é a felicidade que deve
ser constantemente vivida por todas as castas sem exceção nesta sociedade conhecida como
civilizada e perfeita.

Na sociedade descrita em Admirável Mundo Novo a verdade é constantemente afastada


e escondida de forma indireta das pessoas. As pessoas não devem ir além do que aquilo que
lhes é oferecido e não devem tentar progredir nas diferentes áreas do saber. O objetivo dos
escravos desta distopia não é tentar progredir tentando melhorar a sociedade, têm apenas a
obrigação de manter o nível de estabilidade atual considerado perfeito. Os livros, que eram
restritamente controlados, eram afastados das castas mais baixas por representarem um
perigo para a sociedade. Caso estas os obtivessem poderiam ganhar uma capacidade de
raciocínio acrescida que ia além do que lhes era proposto podendo arruinar a situação estável
vivida dando noção da escravidão que era enfrentada todos os dias pelas pessoas de forma
impercetível. Esta impotência e incapacidade de poder ir além e tentar ser melhor causa um
alto nível de ignorância nas pessoas. Sendo as pessoas ignorantes sem vontade de progredir, a
necessidade e a curiosidade que outrora era sentida pelo Homem de descobrir mais
desaparece. Esta constante ignorância deixa as pessoas incapacitadas para entender a sua
posição e o seu papel na sociedade, não conseguindo compreender o que pode melhorar. As
castas mais baixas como os deltas e os epsilões, embriagadas por ignorância vivem felizes com
as suas posições não percebendo a sua inferioridade e a sua privação a privilégios apenas
disponibilizados às castas mais altas2. Em síntese, a verdade é afastada das pessoas por ser
vista como um perigo para o funcionamento das coisas.

1
Every one belongs to every one else. (Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley)
2
Parte desta ignorância acrescida nas castas inferiores deve-se também à proposital capacidade de inteligência
reduzida oferecida a estes grupos nos processos de hipnopedia.
Como foi referido antes, nesta sociedade a família era algo inexistente devido à
infertilidade do Homem. Esta ausência de laços parentescos causa uma falta de amor ao
próximo transmitida de pessoa para pessoa; sacrificar-se por alguém era algo impensável. Ter
uma família ou alguém que cuide de nós assume uma extrema importância no psicológico das
pessoas. Sentir-se alguém amado e desejado pelos outros em criança faz-nos ser mais dóceis e
capazes de estabelecermos relações próximas com outras pessoas, relações que são
importantes. Se tivermos alguém em quem possamos confiar, passar bons tempos e desabafar
sentimo-nos mais seguros de nós mesmos; ter alguém que esteja sempre do nosso lado é bom,
porém, este tipo de relações não existia mais nesta sociedade considerada perfeita onde
apenas sobravam os laços de amizade que apresentavam uma reduzida importância por serem
laços que apenas prestavam conveniência. Assim, esta inexistência de relações próximas entre
as pessoas torna-as pouco fiéis. A própria fidelidade é um valor que passa despercebido nesta
sociedade.

Na sociedade descrita por Aldous Huxley não existe nenhum deus que as pessoas
idolatrem. A figura que assume um papel semelhante a Deus1 é Ford, alguém constantemente
lembrado de forma positiva pelos personagens do livro. Ford nasceu em meados do nosso
século XX e foi o homem que começou a assemelhar o seu pensamento aos princípios
acreditados nesta sociedade, Ford foi também o homem que inventou a linha de montagem
utilizada até àquele ano. Nesta sociedade avançada, Ford era utilizado como referência para
contabilizar o tempo, passando-se a história no ano 632 d.F. Ford também era utilizado em
expressões que se assemelham às atuais como “Oh meu Ford”, fazendo uma clara referência à
expressão “Oh meu Deus”. A Ford também eram dedicadas cerimónias simbólicas onde eram
realizados cânticos sobre o seu ser assemelhando-se também às cerimónias prestadas a Deus.
Estas características permitem perceber como Ford assume um papel relevante na sociedade.
Deus tinha sido completamente abolido devido a apresentar outro perigo para a sociedade, dar
às pessoas razão para viver, podendo este facto ser verificado com o que é referido no livro,
“Deus no cofre e Ford nas estantes”.3

A falta de afeto presente nesta estranha e pouco desejável sociedade leva as pessoas a
encararem a morte de um conhecido como algo banal sem importância. A forma como se deve
encarar a morte de um conhecido já era ensinada desde criança nos processos de hipnopedia,
como algo normal que não deveria despertar qualquer tipo de sentimento negativo na pessoa
que presenciava tal acontecimento. Sem familiares para amar e sem conhecidos que sejam
próximos à pessoa, a morte destes também está incapacitada de nutrir qualquer tristeza vinda
desta. O processo de tratar um morto também era triste devido à falta de respeito existente.
Em condição doente com risco de morte as pessoas eram levadas para um dos poucos
hospitais presentes, pois não era alta a necessidade, sendo estas mantidas em excelentes
condições com um grande acesso ao soma, porém, não recebendo visitas. Estas não eram
proibidas, no entanto, visitar alguém doente não surtia qualquer tipo de interesse nas pessoas.
Depois de mortos, algo que atualmente não costuma ser habitual, os cadáveres eram levados
para um crematório onde podiam ajudar a sociedade libertando gases úteis através das suas
cremações.

1
Deus no contexto cristão.
2
Depois de Ford, clara referência à atual contabilização do tempo, depois de Cristo).
3
God in the safe and Ford on the shelves. (Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley)
Este é o contexto vivido pelos habitantes da distopia descrita por Aldous Huxley em
Admirável Mundo Novo. Este livro acompanha também principalmente a vida de Bernard
Marx, de Lenina Crowne e, mais tarde, a vida de John, o Selvagem.

Bernard Marx, um homem tímido e estranho por discordar intimamente com certos
aspetos da sociedade, alguém com uma altura anormalmente baixa para um alfa, um homem
mais solitário devido ao afastamento dos outros e pouco seguro de si mesmo recebe um
convite de Lenina Crowne, uma jovem bastante requerida pelos que a conheciam, que,
insegura com a sua decisão por estar a arriscar conviver com um pária, propõe que ela e
Bernard fossem passar uma semana de férias à Reserva Selvagem no México. Esta reserva
conservava os antigos humanos considerados selvagens por manterem os costumes há muito
esquecidos como a religião a deuses e a família onde devia haver relações de fieldade e de
amor verdadeiro.

Bernard aceita e, devido à sua posição social, consegue acesso à reserva onde poucos
tinham tido o privilégio de entrar. Lá dentro o ambiente era completamente diferente do que o
que Bernard e Lenina estavam habituados. A espécie de humanos vivípara que lá habitava vivia
de forma primitiva e ancestral como índios. Os selvagens mantidos na reserva prestavam culto
a diversos deuses, destacando-se principalmente entre estes o culto a Deus tendo estas tribos
sempre presente uma imagem de uma cruz com Jesus Cristo crucificado a derramar sangue.
Estes povos pouco civilizados que pouco sabiam ler também mantinham os costumes antigos
como a família e a fidelidade para com o companheiro, algo estranhado pelo casal. É até
referido no livro que Lenina, ao avistar uma mulher a amamentar uma criança sente-se
constrangida e embaraçada sendo obrigada a tomar o vicioso soma. Os selvagens viviam em
condições deploráveis onde a higiene não estava presente, conservavam hábitos primitivos
praticando cultos a deuses que exigiam sacrifícios humanos e conservavam também valores
nobres como a honra e a solidariedade que há muito tinham sido esquecidos pelos civilizados.
Estes antigos humanos, estando já familiarizados com certas não eram agressivos e não
apresentavam qualquer rico para Bernard e Lenina que ao ver cada horroroso espetáculo
acrescentava ao seu estômago mais uma dose de soma.

Dentro da Reserva Bernard e Lenina conhecem dois selvagens que tinham a capacidade
de falar um inglês perfeito. Estes eram Linda e John, que eram respetivamente mãe e filho. Esta
família com capacidades acrescidas relativamente aos restantes selvagens que pouco sabiam
não era completamente selvagem. Surpreendentemente Linda era uma mulher que em tempos
vivenciara a sociedade avançada que abandonada pelo seu companheiro com quem, de forma
misteriosa, tivera um filho já dentro da reserva ficara a viver no espaço sujo e desconfortável
em conjunto com os outros selvagens conservadores da antiga raça humana. Bernard e Lenina
guiados pela curiosidade quiseram conhecer melhor esta estranha família. Enquanto Lenina,
receosa e com uma certa repugnância ia conhecendo melhor a história de Linda tendo-se
apaixonado de forma breve pelo selvagem, Bernard ia saciando o seu interesse e curiosidade
interrogando e percebendo os costumes do selvagem com origens civilizadas, John. Passados
alguns dias, depois de ser despedido pelo seu chefe por telefone, Bernard, que já estabelecera
uma certa confiança com John, preparou um plano para levar a recentemente conhecida
família para o mundo real fora da Reserva para expor a verdade sobre o abandono feito a
Linda. Abandono que fora descoberto ter sido realizado pelo chefe de Bernard.
Chegados a Londres, Linda interrompe uma reunião presidida pelo odioso chefe de
Bernard que envergonhado pela cruel verdade revelada foge. Assim, com o selvagem revelado
a público, a curiosidade das pessoas fê-las interessarem-se por esta estranha criatura que
estando sob controlo de Bernard obrigara-as a estabelecerem relações com ele para poderem
saciar a vontade de conviver de perto com o conhecido por Sr. Selvagem. Com esta
aproximação das pessoas à custa de John, Bernard Marx torna-se um homem popular sendo
convidado para importantes reuniões e conferências, tendo diversos amigos e conseguindo
qualquer mulher que tivesse vontade de obter. Assim, todos conheciam Bernard devido à
introdução de um selvagem na sociedade civilizada, contudo, as amizades que Bernard tinha
estabelecido eram falsas, amizades vindas de pessoas interesseiras que eram sanguessugas do
privilégio deste. Bernard sabia como estas relações com os outros eram falsas, no entanto
sentia-se orgulhoso pois pela primeira vez as pessoas tinham-se esquecido dos seus defeitos.

Passadas semanas, o Sr. Selvagem, revoltado e farto das constantes conferências com as
pessoas que ao verem tal ente ficavam maravilhadas, recusa-se a comparecer numa
importante reunião onde participara um dos homens mais poderosos do mundo que contava
com a presença de John. Devido à sua revolta este não apareceu, algo que para infelicidade de
Bernard pôs todos os presentes contra ele que dececionados com a promessa falsa de
poderem contactar com o selvagem voltaram a afastar-se e a olhá-lo de lado. Com esta atitude
Bernard Marx fica furioso, porém, o Sr. Selvagem ignora os caprichos do companheiro. Este
estava focado em tentar ganhar a atenção de Lenina e revelar-lhe o seu amor por ela.
Ganhando coragem, John dirige-se a casa desta e de forma honrosa revela o seu profundo
amor pela desejada mulher. Esta, estando também apaixonada diz que sente o mesmo,
começando a tomar certas atitudes que nesta sociedade eram normais mas que para John o
deixam horrorizado. Furioso, este esbofeteia Lenina chamando-a de prostituta que assustada
se tranca na casa de banho. John, querendo esperar que Lenina se retire do compartimento
recebe uma chamada dizendo que sua mãe, Linda, devido ao uso excessivo de soma, estava em
estado grave encamada no hospital com a sua vida em risco. Preocupado, o Sr. Selvagem vai
direto para o hospital onde para sua mágoa vê a mãe a morrer de forma pacífica.

De coração partido pela mulher que tanto desejava, triste pelo trágico acidente ocorrido
à mãe e revoltado com ignorante e demente sociedade o Sr. Selvagem dirige-se à entrada do
hospital onde estavam a ser distribuídas as pílulas de soma semanais às castas mais baixas que
trabalhavam no hospital e, com horror cravado nos seus olhos, John discursa com um tom
agressivo sobre a escravidão a que estes estavam sujeitos nesta sociedade. Ainda mais nervoso
e para demonstrar a sua revolta, o Sr. Selvagem pega na caixa das viciosas pílulas e atira-a pela
janela discursando com ainda mais força e rancor. As castas mais baixas, guiando-se pelos
impulsos mentais e sem terem capacidade suficiente para entender de forma verdadeira o que
estava a ser dito aproveitaram e juntaram-se à revolta que John iniciara. Guiado pela confusão
e motivado, Bernard, que entretanto tinha aparecido para procurar o Sr. Selvagem, junta-se
também à revolução por concordar com certas coisas ditas. Estando esta revolta a ganhar
tamanho e a incomodar os que repousavam nas camas do hospital, a polícia é chamada
intervindo no local onde borrifa o raivoso grupo com um gás constituído por soma que os faz
adormecer.
Castigado pela sua revolta contra a sociedade estável e perfeita, Bernard Marx é
mandado para a Islândia, uma ilha sem regras onde a sociedade não governa utilizando-a para
mandar para lá pessoas que iam contra os princípios básicos de Ford. Por não pertencer à
sociedade, o Sr. Selvagem é liberto depois de um longo e esclarecedor diálogo com Mustafá
Mond, um dos mais poderosos do mundo. Neste pacífico debate entre os dois lados opostos,
vários aspetos e princípios da sociedade são esclarecidos pelo civilizado que com orgulho
falava. Neste debate John tentava mostrar como esta era uma sociedade fraca e ignorante,
porém, Mustafá Mond tinha sempre uma resposta para ripostar. Terminados de falar, o Sr.
Selvagem, farto da demente sociedade despede-se de forma permanente refugiando-se num
farol abandonado longe das luzes do mundo moderno.

John aproveitou o seu tempo no farol para prestar culto a Deus e para melhorar a sua
perícia em atividades que aprendera com os selvagens conseguindo construir um arco e
flechas. O tempo de paz disponível para John foi reduzido. Bastou ser descoberto por três
homens que ao acaso o encontraram para que Londres toda soubesse da localização da
primitiva criatura. O local que outrora fora isolado de tudo era agora um ponto turístico
constantemente vigiado e visitado por pessoas. Com a popularidade acrescida daquela zona,
uma empresa de produção de filmes sensoriais, foi atraída pela curiosidade tendo tido a sorte
de conseguir captar na câmara um momento de sacrifício onde John se chicoteava a si mesmo
por questões nobres. Admirados e sensibilizados pelo chocante espetáculo, esta empresa
publicou nos cinemas um filme que com estas imagens ganhou uma enorme popularidade.

Com a popularidade crescente e com fãs presentes por todo o lado, uma grande
multidão de pessoas e de helicópteros rodeou o farol e ganhou coragem para tomar contacto
com o selvagem que tanto queriam conhecer. Estas pessoas queriam ver espetáculo, queriam
ver a verdadeira essência de um selvagem a comportar-se. Todas estas pessoas estavam diante
de John à espera de que este fizesse algo que os impressionasse. Porém, nervoso por ver tanta
gente e revoltado por a sua paz ter acabado, John pega no seu arco e nas suas flechas e dispara
um helicóptero. A multidão, contendo o medo aplaude e começa a gritar um cântico enquanto
dançava, movimento esse que fez com que John entrasse na onda.

A meia-noite passou e a grande multidão de pessoas tinha abandonado o local.


«Entorpecido pelo soma e pelo prolongado frenesi de sensualidade»1 o Sr. Selvagem ainda
acabado de acordar, lembrando-se do decorrido na noite passada, enforcou-se envergonhado
pela fraqueza que tivera em ceder à tentação imoral e pouco digna pondo um fim na história
de Aldous Huxley.

1
Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, capítulo XVIII.
Esta é a realidade distópica descrita por Aldous Huxley num dos seus mais famosos
livros, O Admirável Mundo Novo. Este livro faz-nos refletir, muitas das coisas aqui retratadas já
estão a acontecer atualmente de forma pouco menos exagerada. Os telemóveis e as redes
sociais que hoje são nos banais aparentam um elevado perigo na capacidade de raciocínio nas
pessoas. O desinteresse na leitura e no estudo torna-nos escravos duma infinda ignorância.
Atualmente, pela primeira vez, o QI médio da população diminuiu relativamente à anterior,
estimando os compreendidos ser devido ao excessivo uso do telemóvel e das outras viciosas
tecnologias, que nos afastam dos livros e da cultura. Assim, com esta ignorância que
atualmente estamos a viver o que é que nos distingue da sociedade deste livro escrava de
vícios que os tornam ignorantes? Talvez as famílias inexistentes nesta sociedade devido à
infertilidade do Homem? Aí também existe outra semelhança, hoje em dia as pessoas estão a
seguir rumos que no passado seriam impensáveis no que toca às famílias. Casais inférteis
devido à semelhança do sexo dos dois, o aborto e os métodos contracetivos que nos impedem
de gerar uma nova vida. Com estas atitudes cada vez mais constantes e publicitadas a realidade
da inexistência de famílias parece-nos mais próxima do que era visto quando o livro foi
publicado. A própria noção de cavalheirismo e de fidelidade para com o companheiro está a
desaparecer. Atualmente andar com diversas pessoas começa a assumir uma naturalidade
anormal. O casamento também começa a desaparecer devido ao medo e ao desconforto de se
oferecer inteiramente a uma pessoa. O soma descrito no livro pode ser comparado aos vícios
que atualmente temos, vícios que nos deixam preguiçosos e pouco cultos sem vontade de
aprender mais. A hipnopedia que no livro nos faz parecer uma coisa assustadora já está a
acontecer de forma diferente. Vários ideais que atualmente existem são postos nas cabeças das
crianças que pouca experiência de vida tendo não conseguem formular uma opinião própria
aceitando o que lhes é dito. Isto também acontece devido ao discernimento dos pais para com
os filhos a quem dificilmente conseguem dizer um não e a quem não ensinam os seus valores
que consideram ser corretos achando que a educação deve ser exclusivamente feita na escola.

Esta sociedade não é uma história impossível, mas sim um aviso para o que a nossa atual
sociedade se está a tornar. Uma sociedade ignorante, demente, preguiçosa e que pouca
vontade tem de melhorar.

Jorge Afonso de Sarabando Pedrosa Bento Rodrigues

Coimbra, 03 de Agosto de 2023

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